Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
89/15.8IDCBR.C1-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: ESCUSA
IMPARCIALIDADE
Data do Acordão: 12/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESCUSA / RECUSA
Decisão: PROCEDÊNCIA / DECRETAMENTO TOTAL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito de intervenção parcial num processo mas, de acordo com as disposições conjugadas dos n.º 1, 2 e 4 do art. 43.º do CPP, pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando existir o risco de essa intervenção ser considerada suspeita por existir motivo grave e sério adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade.
II - Como a doutrina e a jurisprudência têm assinalado, o fundamento da "suspeição" deverá ser avaliado segundo dois parâmetros: um de natureza subjectiva – onde se indagará se o juiz manifestou, ou tem motivo para ter, algum interesse pessoal no processo, ficando assim inevitavelmente afectada a sua imparcialidade enquanto julgador – outro de ordem objectiva, onde se averiguará se, do ponto de vista de um cidadão comum, de um homem médio conhecedor das circunstâncias do caso, a confiança na imparcialidade e isenção do juiz estaria seriamente lesada.
III - Quanto à vertente objectiva, o que está em causa é avaliar se a circunstância de a mulher do Sr. Juiz Desembargador que, na qualidade de representante do MP, contra-alegou em 1.ª instância no recurso intentado pelos arguidos, e com ela trocou impressões sobre o processo em causa – pese embora tenha sido a sua estagiária que esteve presente nas sessões de julgamento – pode, na observação do homem médio, ser tida como potencialmente influenciadora da decisão, isto é ser susceptível de fazer perigar a análise rigorosa do caso.
IV - Na perspectiva do homem médio, pode-se considerar que uma tal intervenção no processo da mulher do Sr. Juiz Desembargador constitui facto adequado a suscitar no espírito de terceiros a suspeita de falta de objectividade, por não respeitar a exigência de imparcialidade e independência a que nessa mesma perspectiva do cidadão comum, a actividade de julgar deve estar sujeita, pelo que é de deferir o pedido de escusa.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 89/15.8IDCBR.C1

Escusa de Juiz

Acordam em conferência os juízes na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

 

AA, Juiz Desembargador da ... Secção - ... - do Tribunal da Relação ..., vem, por apenso, e ao abrigo do disposto nos artigos 43°, nomeadamente o seu n.º 4, 44° e 45° do CPP, apresentar pedido de escusa, com base nos seguintes fundamentos (transcrição):

«1. Sendo Adjunto nos autos de recurso n.º 89/15...., distribuído ao meu Colega Juiz Desembargador BB, em que são arguidos CC, DD e EE, verifico que foi a minha mulher FF, Procuradora da República no Juízo Local Criminal ... (J...), a representante do Ministério Público que contra-alegou em 1ª instância no recurso intentado pelos ditos 3 arguidos, tendo sido a sua Estagiária Dr.ª GG que esteve presente nas sessões de julgamento, estagiária esta que não respondeu ao recurso pelo facto de, entretanto, ter sido movimentada para outro tribunal.

2. Aquilo que, no humilde parecer do requerente, deveria ser caso expresso de impedimento legal, a caber na letra do artigo 39°, n.º 3 do CPP, não tem, afinal, expressão normativa, nem nas normas do CPP (artigos 39°/3 e 5471), nem nas normas do CPC (eventualmente tidas por aplicáveis à luz do artigo 4o CPP - cfr. artigo 115º 1 CPC), nem sequer nos Estatutos profissionais da Magistratura Judicial ou da Magistratura do Ministério Público.

3. Como tal, vê-se o signatário compelido a usar este incidente de ESCUSA para obter aquilo que lhe parece justo, assente que, enquanto JUIZ DESEMBARGADOR ADJUNTO, actuando em conferência, será também decisor da causa.

4. A circunstância relatada configura, no entendimento do requerente, a existência de motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade do ponto de vista de um cidadão médio, representativo da comunidade, e em particular aos sujeitos processuais envolvidos, e como tal, correr o risco de a sua intervenção nos referidos autos de recurso ser considerada suspeita nos termos do art° 43°, n.º 1 do CPP.

5. A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (cfr. n.º 9 do artigo 32° quando reza que "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior'), com a excepção de casos especiais legalmente consentidos, procurando-se, assim, proteger os arguidos - logo a partir da titularidade do direito de punir - pondo-os a coberto de arbitrariedades no exercício de tal direito.

6. Desta forma, esse princípio só pode ser afastado em situações-limite, quando outros princípios ou regras, porventura de maior ou igual dignidade, o ponham em causa, como o da imparcialidade e isenção, igualmente com consagração constitucional no n.º 1 do art. 32.° da CRP (cfr. ainda art.°s 203.° e 216.°), que pode subsistir na ordem jurídica, compatibilizado com aqueloutro, assim se obstando à ocorrência, em concreto, de efeitos perversos do princípio do juiz natural, acautelando-os através de mecanismos que garantam aquelas imparcialidade e isenção, como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas.

7. Na legislação ordinária abriu-se mão da regra do juiz natural somente em circunstâncias muito precisas e bem definidas, tidas por sérias e graves, e, como se decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça, irrefutavelmente denunciadoras de que o juiz natural deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.

8. É sabido que para possa ser pedida a recusa de juiz, se verifique a)- que a sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita; b)- que haja motivo, sério e grave, do qual ou no qual resulte inequivocamente um estado de forte verosimilhança (desconfiança) sobre a imparcialidade do juiz (propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro), a avaliar objectivamente com uma especial exigência; c)- que a situação seja adequada a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

9. Para que haja um julgamento independente e imparcial, necessário é o que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade, mesmo que não esteja em causa a imparcialidade subjectiva do julgador que importava ao conhecimento do seu pensamento no seu foro íntimo nas circunstâncias dadas e que, aliás, se presume até prova em contrário.

10. É necessária, na verdade, uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, pois as aparências podem ter importância, devendo ser concedida, a nosso ver, a escusa a todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos.

11. O requerente é casado há 29 anos com a Procuradora da República que interveio nos autos a defender a acusação pública proferida, sendo natural que ela tenha naturalmente trocado impressões com o requerente sobre o processo em causa, sobretudo na fase da resposta ao recurso intentado nos autos.

12. Esta circunstância pode criar um mosaico de aparências capaz de sustentar, no juízo do público conhecedor daquelas situações de relacionamento (profundo, duradouro e exposto), apreensão, dúvidas, desconfianças ou suspeitas sobre a indispensável imparcialidade do julgador e sobre o modo de funcionamento da justiça.

13. Como já se escreveu, de forma muito sábia, «a Justiça não se compadece com dúvidas sobre a imparcialidade de uma decisão; impõe-se que quem venha a decidir esteja livre de qualquer suspeição, assim se assegurando a necessária tranquilidade enquanto condição indispensável a um sadio sistema judicial».

14. O que está em causa não é o de saber se o requerente iria ou não manter a sua imparcialidade, mas sim o de o defender de uma suspeita, o de evitar que sobre a sua decisão recaia qualquer dúvida, e através da aceitação do seu pedido de escusa reforçarmos a confiança da comunidade nas decisões judiciais.

 15. Chamo aqui à colação anterior decisão desse Colendo Tribunal, no âmbito do P° 1475/11.8TAMTs.P1-A.S1 (decisão datada de 13 de Fevereiro de 2013) que deferiu um pedido de escusa com similares contornos.

FACE AO EXPOSTO, solicita a V. Exas que, verificados os pressupostos, declarem a sua escusa para continuar a intervir nos mencionados autos enquanto ADJUNTO».

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Instruiu este pedido com cópia das alegações do Ministério Público, em sede de 1ª instância, assinadas pelo seu cônjuge e cópia do seu assento de casamento.

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 Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. O artigo 32º, nº 9, da Constituição da República (CRP) proclama que «Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior».

Assim se consagra, como uma das garantias do processo penal, o princípio do juiz natural ou legal, cujo alcance é o de proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo, em ordem a assegurar uma decisão imparcial e justa.

Deverá intervir na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas: «o juiz que irá intervir em determinado processo penal é aquele que resultar da aplicação de normas gerais e abstractas contidas nas leis processuais e de organização judiciária sobre a repartição da competência entre os vários tribunais e a respectiva composição» (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, de 09-11-2011 (Proc. nº 100/11.1YFLSB.S1 – 3ª Secção in www.dgsi.pt.).

Este princípio, ou este juiz, só pode ser afastado em situações-limite, se a sua intervenção for susceptível de colocar seriamente em causa aqueles valores da imparcialidade e da isenção, valores com consagração no artigo 32º, nº 1, da Lei Fundamental.

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2. Nos termos do artigo 43º do CPP, a intervenção do juiz num processo pode ser recusada, ou pode ser autorizada a escusa por ele pedida, quando houver o risco de a sua intervenção ser considerada suspeita «por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade» (nº 1).

Embora o juiz não possa declarar-se voluntariamente suspeito, pode, porém, de acordo com as disposições conjugadas dos nºs 1, 2 e 4 do art. 43º do Código de Processo Penal, pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando existir o risco de essa intervenção ser considerada suspeita por existir motivo grave e sério adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade.

É essa a situação invocada para fundamentar o presente pedido.

A escusa constitui um dos instrumentos reactivos, uma das vias para atacar a suspeição.

Há suspeição quando, face às circunstâncias do caso concreto, for de supor que existe um motivo sério e grave susceptível de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz se este vier a intervir no processo.

A escusa será assim um dos modos processuais, uma das cautelas legais, que rodeiam o desempenho do cargo de juiz, destinadas a garantir a imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição.

É evidente que a seriedade e gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, só podem conduzir à sua recusa ou escusa quando objectivamente consideradas. Assim, o mero convencimento subjectivo por parte de um interessado processual, ou o desvirtuamento da conduta do julgador, extraindo consequências perfeitamente exógenas ao funcionamento do instituto, nunca terão virtualidade para o fazer despoletar.

Falamos de uma razão séria e grave, da qual ou na qual resulte inequivocamente um estado de forte verosimilhança (desconfiança) sobre a imparcialidade do juiz (propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro). Visa salvaguardar-se um bem essencial na Administração da justiça que é a imparcialidade, ou seja, a equidistância sobre o litígio a resolver, de forma a permitir a decisão justa.

Como a doutrina e a jurisprudência têm assinalado, o fundamento da "suspeição" deverá ser avaliado segundo dois parâmetros: um de natureza subjectiva, outro de ordem objectiva.

O primeiro indagará se o juiz manifestou, ou tem motivo para ter, algum interesse pessoal no processo, ficando assim inevitavelmente afectada a sua imparcialidade enquanto julgador.

O segundo averiguará se, do ponto de vista de um cidadão comum, de um homem médio conhecedor das circunstâncias do caso, a confiança na imparcialidade e isenção do juiz estaria seriamente lesada.

Como se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-04-2008 (Proc. nº 1208/08 – 3º Secção) «É notório que a seriedade e a gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz só são susceptíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objectivamente consideradas; não basta, com efeito, o mero convencimento subjectivo por parte do MP, do arguido, do assistente ou da parte civil, ou do próprio juiz, para que tenhamos por verificada a ocorrência da suspeição, e também não basta a constatação de qualquer motivo gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, sendo necessário que o motivo ou motivos ocorrentes sejam sérios e graves.

A lei não define nem caracteriza a seriedade e a gravidade dos motivos, pelo que será a partir do senso e da experiência comuns que tais circunstâncias deverão ser ajuizadas; em todo o caso, o art. 43º, nº 1, do CPP não se contenta com um "qualquer motivo"; ao invés, exige que o motivo seja duplamente qualificado, o que não pode deixar de significar que a suspeição só se deve ter por verificada perante circunstâncias concretas e precisas, consistentes, tidas por sérias e graves, irrefutavelmente reveladoras de que o juiz deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção».

Como também se sublinha no acórdão deste Supremo Tribunal, de 23-09-2009 (Proc. nº 532/09.5YFLSB – 3ª Secção), «os motivos da suspeita terão que ser, como a lei refere, sérios e graves para servirem de fundamento à recusa ou à escusa. Pois o afastamento do juiz (natural) do processo só pode ser determinado por razões mais fortes do que aquelas que o princípio do juiz natural visa salvaguardar, que se relacionam com a independência, mas também com a imparcialidade do tribunal».

 

3. Analisemos então o caso sub judice.

O Magistrado requerente é Juiz Desembargador da ... Secção - Criminal - do Tribunal da Relação ... integrando como Juiz Adjunto, o Colectivo que procederá ao julgamento, em matéria criminal, de um recurso interposto para aquela instância.

Como fundamento do seu pedido de escusa, alega o Exmo. Juiz Desembargador que a sua mulher FF, Procuradora da República no Juízo Local Criminal ... (J...), foi a representante do Ministério Público que contra-alegou em 1ª instância no recurso intentado pelos arguidos, tendo sido a sua Estagiária Dr.ª GG que esteve presente nas sessões de julgamento, estagiária esta que não respondeu ao recurso pelo facto de, entretanto, ter sido movimentada para outro tribunal.

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Quanto à vertente subjectiva, pese embora alegue o requerente ser casado há 29 anos com a Procuradora da República que interveio nos autos a defender a acusação pública proferida, não se vislumbra que o Sr. Juiz Desembargador tenha um qualquer motivo que possa favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão e que revelado, leve a considerar que essa decisão fosse de algum modo afectada por esse motivo. Ou seja, não se descortina um quadro que possa inculcar ou favorecer uma possível quebra de imparcialidade. Pelo contrário, tal como este Supremo Tribunal tem entendido em casos similares, «sendo o presente processo suscitado por um pedido de escusa do próprio magistrado, estamos perante uma atitude que só pode ser qualificada de escrupulosa» (citado acórdão de 09-11-2011 (Proc. nº 100/11.1YFLSB.S1 – 3ª Secção in www.dgsi.pt.).

E, como se observa no Acórdão do STJ de 08-10-2015 (Proc. n.9 10/08.0TELSB.L1-A.S1 – 5ª Secção - Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, ano de 2015), o simples acto de o Senhor Juiz Desembargador vir ao processo suscitar este pedido de escusa é só por si só revelador de uma conduta escrupulosa e isenta, a permitir concluir que manterá a sua imparcialidade na decisão do caso.

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Quanto à vertente objectiva, o que está em causa é avaliar se a circunstância de a mulher do Sr. Juiz Desembargador que, na qualidade de representante do Ministério Público, contra-alegou em 1ª instância no recurso intentado pelos arguidos, e com ela trocou impressões sobre o processo em causa – pese embora tenha sido a sua estagiária que esteve presente nas sessões de julgamento – pode, na observação do homem médio, ser tida como potencialmente influenciadora da decisão, isto é ser susceptível de fazer perigar a análise rigorosa do caso.

É nessa perspectiva do homem médio que se pode considerar que uma tal intervenção no processo da mulher do Sr. Juiz Desembargador constitui facto adequado a suscitar no espírito de terceiros a suspeita de falta de objectividade, por não respeitar a exigência de imparcialidade e independência a que nessa mesma perspectiva do cidadão comum, a actividade de julgar deve estar sujeita.

Como bem se salienta no recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 27/10/2021 (proferido no processo 69/18.1TREVR-B.S1, Rel. Helena Moniz) «A independência dos juízes constitui “a mais irrenunciável característica do «julgar» e, portanto, da função judicial “só assim se realizando o princípio da separação dos poderes. “Sendo, por conseguinte, os tribunais no seu conjunto — e cada um dos juízes de per si — órgãos de soberania (...) e pertencendo só a eles a função judicial (...), tem por força de concluir-se que a independência material (objectiva) dos tribunais — reforçada pela independência pessoal (subjectiva) dos juízes que os formam — é condição irrenunciável de toda a verdadeira jurisprudência”. Se, por um lado, a característica da independência dos juízes assegura que estejam livres de pressões exteriores, por outro lado, “isto não basta para que fique do mesmo passo preservada a objectividade de um julgamento: é ainda necessário, ao lado e para além daquela segurança geral, não permitir que se ponha em dúvida a «imparcialidade» dos juízes, já não em face de pressões exteriores, mas em virtude de especiais relações que os liguem a um caso concreto que devam julgar. (...) E o que aqui interessa — convém acentuar — não é tanto o facto de a final, o juiz ter conseguido ou não manter a imparcialidade, mas sim defendê-lo da suspeita de a não ter conservado, não dar azo a qualquer dúvida, por esta via reforçando a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados”. Na verdade, a lei, ao estabelecer as situações em que o juiz pode pedir a escusa, está a realizar a tarefa de velar “por que, em qualquer tribunal (...) reine uma atmosfera de pura objectividade e de incondicional juridicidade. Pertence, pois, a cada juiz evitar, a todo o preço, quaisquer circunstâncias que possam perturbar aquela atmosfera, não — uma vez mais o acentuamos — enquanto tais circunstâncias possam fazê-lo perder a imparcialidade, mas logo enquanto possa criar nos outros a convicção de que ele a perdeu”».

A imparcialidade, considerada objectivamente, fica necessariamente atingida quando os intervenientes processuais mantêm uma relação familiar próxima e uma convivência estreita, sendo certo que até trocaram impressões sobre o processo em causa.

Por todo o exposto os factos apontados, permitem legitimamente formular uma dúvida séria – para o cidadão médio, representativo da comunidade – sobre as condições de equidistância do Senhor Juiz Desembargador em relação ao caso que lhe cabe decidir, entendendo-se como podendo influir na formação da sua convicção e, nessa medida, ser também considerado como motivo sério e idóneo para pôr em causa a imperativa imparcialidade na apreciação do mérito da causa.

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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam nesta 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em deferir o pedido de escusa apresentado pelo Sr. Juiz Desembargador, Dr. AA.

Sem custas.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2021

 

Os Juízes Conselheiros

Cid Geraldo (Relator)

Helena Moniz

Eduardo Loureiro