Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
189/19.5JELSB-P.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO AUGUSTO MANSO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
INCONCIABILIDADE DE DECISÕES
NOVO JULGAMENTO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 10/01/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O fundamento de admissibilidade de revisão de sentença a que se refere o artigo 449º, n.º 1, al. c) do CPP, ao limitar a inconciliabilidade aos factos que servirem de fundamento à condenação, os factos provados, diz unicamente respeito a factos, não a razões ou entendimentos de direito.

II - Sendo a razão apontada, pelo recorrente, o diferente “entendimento”, como lhe chama, a diferente solução de direito acolhida, seguida e aplicada na decisão revidenda e a que foi seguida nas duas decisões fundamento, não poderá constituir fundamento ao recurso de revisão referido na al. c), do n.º 1, do art.º 449º do CPP.

III - O recurso extraordinário de revisão é um mecanismo excepcional, para casos excepcionais, que visa a realização de um novo julgamento e não a correcção ou a alteração da decisão revidenda.

IV - Por isso, jamais poderia ser atendido o pedido do recorrente de que “o acórdão proferido em 23 de Maio de 2023, pelo Tribunal da Relação que transitou em julgado em 07/02/2025 deve ser revisto na parte em que julgou improcedente o pedido de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente e deve essa decisão ser substituída por outra que efetivamente suspenda a execução da pena de prisão.”

V - Para além do caso especial de inconciliabilidade a que se refere o art.º 458º do CPP, (“sentenças penais inconciliáveis que tenham condenado arguidos diversos pelos mesmos factos”), para que se verifique o fundamento previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP, é necessário que se oponham duas decisões proferidas contra o mesmo arguido em que os factos provados numa sejam incompatíveis com os provados noutra, incompatibilidade que pressupõe, ainda, que a prova dos factos provados numa e noutra se exclua reciprocamente, o que também se não verifica no caso.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

1. RELATÓRIO

1.1. AA, com os sinais dos autos, foi condenado no processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 189/19.5JELSB-P. S1, no Juízo Central Criminal de Loures-J6, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por acórdão de 25.11.2022, pela prática, como co-autor, na forma consumada, de um crime tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º e Tabela I do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.2. Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 23.05.2023, ordenou a devolução do relógio apreendido ao arguido e julgou, no mais, improcedente o recurso do recorrente.

O acórdão condenatório transitou em julgado em 07.02.2025.

1.3. Invocando como fundamento, o previsto na alínea c), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal – CPP -, vem o arguido interpor recurso extraordinário de revisão do mencionado acórdão condenatório, concluindo a motivação do seguinte modo (transcrição):

«1. O Acórdão a rever julgou improcedente o pedido de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente e apresentou como único fundamento o seguinte: “(…) o arguido já foi anteriormente beneficiado com a suspensão da execução da pena de prisão, benefício este que não foi suficientemente dissuasor do cometimento pelo mesmo de novos crimes, inclusive durante o período da suspensão, não sendo possível fazer um prognóstico favorável a que uma nova suspensão de pena seja suficiente para o afastar da prática de novos factos ilícitos.” (pgs 249 e 250).

2. Defendemos que foi este o único fundamento que obstou à suspensão da execução da pena, já que todos as outras questões avaliadas relativas às condições pessoais e profissionais do Recorrente, conduziam a um juízo de prognose favorável.

3. Contudo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (in www.dgsi.pt) proferido no Processo 12/10.6PACLD.C1 em 24/04/2019 adotou o seguinte entendimento: “III – Os argumentos da existência de antecedentes criminais e da falta de reflexão do recorrente sobre a conduta praticada [resultante, cremos, da não assunção integral da prática dos factos, nos termos descritos na motivação de facto da sentença em crise] não constituem, face ao descrito circunstancialismo, suficiente fundamentação para a decidida não substituição da pena de prisão.”

4. O requisito previsto no artigo 449º, nº 1, alínea c) do CPP encontra-se verificado nos presentes autos e facilmente se conclui que da oposição verificada resultam graves dúvidas sobre a justiça da condenação do ora Recorrente, o qual fica bastante prejudicado após realizada uma análise comparativa entre a decisão supra referida e que lhe foi aplicada.

5. E ainda que assim não se entendesse, ou ainda que se considerasse insuficiente a análise comparativa da decisão a rever com o Acórdão supra indicado, veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 3.ª Secção Criminal (in no Processo 1310/17.3T9VIS. C1.S1 em 15/03/2023.

6. Comparando também esta decisão com a decisão a rever nos presentes autos, mais uma vez se conclui que não é suficiente para um juízo de prognose desfavorável a conclusão de que um arguido não refletiu e não corrigiu o seu comportamento após condenação anterior.

7. A isto acresce no caso em apreço que as condições pessoais do Recorrente, após a condenação mantiveram-se estáveis e poderão ser confirmadas mediante a elaboração de relatório social.

8. O Recorrente segue um percurso de vida afastado do crime e nem equaciona a possibilidade de ser de outra forma. Encontra-se em liberdade há mais de 3 anos (desde 12/10/2021, data em que cessou a prisão preventiva), refez a sua vida sentimental e tem estabilidade em todas as áreas da sua vida, encontrando-se agora obrigado a recolher ao estabelecimento prisional em virtude do trânsito em julgado da decisão a rever.

9. Além do mais, a colaboração prestada pelo Recorrente à Polícia Judiciária que foi confirmada por um dos Inspetores em julgamento tem tido continuidade até aos dias de hoje.

O Recorrente poderá apresentar as respetivas provas se for considerado necessário. Esta conduta de colaboração com a Justiça não deverá ser merecedora de punição.

Termos em que o Acórdão proferido em em 23 de Maio de 2023, pelo Tribunal da Relação de Lisboa que transitou em julgado em 07/02/2025 deve ser revisto na parte em que julgou improcedente o pedido de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente e deve essa decisão ser substituída por outra que efetivamente suspenda a execução da pena de prisão

1.4. Com o requerimento juntou certidão do Pedido de Revisão, Despacho que ordenou o envio ao juízo central criminal de Loures, do acórdão deste Juízo de 25.11.2022, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.05.2023, nota de trânsito em julgado e da concessão de apoio judiciário.

1.5. Notificados os demais sujeitos processuais, não se mostra que tenha sido junta resposta.

1.6. No Juízo Central Criminal de Loures, tribunal da condenação, a Mm.ª Juiz titular do processo, proferiu despacho nos seguintes termos:

“Ref.ª ....87:

Por ter legitimidade e por se mostrarem cumpridos os pressupostos formais a que alude o artigo 451.º do Código de Processo Penal, admito liminarmente o recurso de revisão interposto pelo arguido AA, cfr. artigos 449.º n.º 1 c e 450.º n.º 1 c), ambos do Código de Processo Penal.

Uma vez que não se mostra requerida a produção de qualquer prova, determino a notificação dos demais sujeitos processuais para, querendo, se pronunciarem (cfr. arts. 454.º, n.º 1, 1ª parte, 411.º, n.º 6 e 413.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).”

Não se mostra junta informação sobre o mérito do pedido.

1.7. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, atento o disposto no artigo 445.º, n.º 1, do CPP, emitiu parecer no sentido de que:

2 “O recurso de revisão destina-se a reagir contra casos de erros clamorosos e intoleráveis ou de flagrante injustiça, não podendo ser concebido para sindicar o mérito de determinada decisão, nem ser concebido como um sucedâneo de um recurso ordinário, nem ser concebido para fazer prevalecer uma decisão mais justa para quem recorre, sendo que a gravidade das dúvidas sobre a justiça da decisão de que se recorre deve ser séria e qualificada.” – In acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24–2–2022, no processo n.º 1420/11.0T3AVR-AA.S1 – 5.ª Secção – Adelaide Sequeira (Relatora) .

“Portanto, em breve, não estamos perante decisões incompatíveis ou mutuamente excludentes quanto às premissas históricas dos julgados, ou seja, sobre pessoas e factos ou sobre factos em relação à mesma ou mesmas pessoas, não servindo como fundamento à revisão fundada na alínea c) do n.º 1, do artigo 449.º do Código de Processo Penal a divergência jurisprudencial sobre questões de direito a partir de factos ou situações de facto análogas, como se num recurso extraordinário de revisão se pudesse amalgamar um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência e com isso se pudesse questionar a justiça da condenação revidenda a partir de decisões–fundamento que nada têm de pertinente, inconciliável e demonstrado quanto aos respetivos fundamentos objetivos e/ou subjetivos.

Tanto basta – na economia dos pressupostos invocados e exigidos à autorização da revisão – para concluir que não existem factos incompatíveis, inconciliáveis ou antagónicos nos julgados transitados que o recorrente submeteu a apreciação, pelo que também – e muito menos – subsistem dúvidas, graves ou outras, sobre a justiça da condenação.

1. Conclusão:

Em conformidade, somos de parecer que deve ser negada a revisão.”

Mais promoveu que, atento o artigo 456.º, do Código de Processo Penal, “além das custas, deve o recorrente ser acrescidamente condenado a pagar quantia a fixar, entre 6 e 30 UC, por ser manifestamente infundado o pedido de revisão formulado, se assim, também, for entendido.”

1.8. O requerente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP) e este tribunal é o competente (artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP).

1.9. Foram os autos aos vistos e à conferência (nos termos do artigo 455º, n.º 3, do CPP),

Decidindo,

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Direito

2.1.1. Dispõe o artigo 29º, n.º 6 da CRP que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

Sendo a regra, a imutabilidade das decisões, após trânsito em julgado1 o sistema jurídico, num Estado de Direito Democrático, carece de uma válvula de segurança, para, em casos excepcionais, repor a justiça, mesmo depois do trânsito em julgado2.

Nestes casos, “para além da tutela do cidadão injustamente condenado, está também em causa o próprio prestígio e unidade do sistema judicial, e a necessidade de assegurar a coerência” e uniformidade “entre as diversas decisões judiciais”3.

São, pois, exigências de justiça e de descoberta da verdade material, que se sobrepõem à segurança jurídica, e que legitimam a possibilidade de impugnação de uma decisão transitada em julgado, por via deste recurso extraordinário, excepcional.

Tudo com o objectivo de remover situações de inadmissível injustiça, intoleráveis pela comunidade, repetindo-se o julgamento, para obtenção de uma nova decisão, agora, justa.

Constituindo a revisão um meio extraordinário de impugnação de uma sentença transitada em julgado, não pode, porém, transformar-se em mais uma hipótese de recurso, sob pena de grave restrição ao princípio da segurança e paz jurídicas, essenciais para a paz social, que se pretende alcançar4.

Assim, como refere Paulo Pinto de Albuquerque, só “circunstâncias "substantivas e imperiosas" podem legitimar o recurso extraordinário de revisão, de modo que se não transforme em «uma apelação disfarçada.”5.

Pelo que, ainda, como se diz no Ac. do STJ de 04.07.2024,6 “a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP), pois para essas situações existe o recurso ordinário.”6

Por tudo o que se vem dizendo, e para garantir a excepcionalidade deste expediente, a possibilidade de revisão das sentenças penais injustas, está restringida aos fundamentos enunciados, taxativamente no artigo 449.º, n.º 1, do CPP.

2.1.2. No presente caso, invoca o recorrente para o pedido de revisão o fundamento a que se refere a al. c) do n.º 1 do art.º 449º do CPP.

Estabelece o artigo 449.º, sobre fundamentos e admissibilidade da revisão, e no que aqui mais importa, que, [a] revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando, [o]s factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação – n.º 1, al. c).

Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo – n.º 2.

E, [a] revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida – n.º 4.

Donde decorre que este fundamento depende da verificação cumulativa de dois requisitos, ou seja, que (i)os factos que serviram de fundamento à condenação sejam inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença, e, (ii)da oposição resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

O fundamento de admissibilidade de revisão de sentença a que se refere o art.º 449º, n.º 1, al. c) do CPP, diz respeito exclusivamente a factos, não a razões ou entendimentos de direito.

Para que se verifique este fundamento é necessário que sejam proferidas duas sentenças em relação ao recorrente, transitadas em julgado, onde os factos dados como provados e nos quais se fundou a sua condenação estejam em oposição com os factos dados como provados na outra, de forma incompatível, inconciliável, por forma que reciprocamente se excluam, e suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação7.

E, naturalmente, a inconciliabilidade deverá referir-se aos factos que constituam crime, que sejam elementos típicos do crime, quer objectivos quer subjectivos.

2.2.3. Alega, em resumo o recorrente que no acórdão a rever, proferido neste processo n.º 189/19.5JELSB-P.S1, este,““julgou improcedente o pedido de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente e apresentou como único fundamento o seguinte: “(…) o arguido já foi anteriormente beneficiado com a suspensão da execução da pena de prisão, benefício este que não foi suficientemente dissuasor do cometimento pelo mesmo de novos crimes, inclusive durante o período da suspensão, não sendo possível fazer um prognóstico favorável a que uma nova suspensão de pena seja suficiente para o afastar da prática de novos factos ilícitos.”” (pgs 249 e 250).

Porém, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (in www.dgsi.pt) proferido no Processo 12/10.6PACLD.C1 em 24/04/2019 adotou o entendimento que: “os argumentos da existência de antecedentes criminais e da falta de reflexão do recorrente sobre a conduta praticada [resultante, cremos, da não assunção integral da prática dos factos, nos termos descritos na motivação de facto da sentença em crise] não constituem, face ao descrito circunstancialismo, suficiente fundamentação para a decidida não substituição da pena de prisão”. Tal como no acórdão do STJ de 15.03.2023, proferido no processo n.º 1310/17.3T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt. O requisito previsto no artigo 449º, nº 1, alínea c) do CPP encontra-se verificado nos presentes autos, concluindo que “não é suficiente para um juízo de prognose desfavorável a conclusão de que um arguido não refletiu e não corrigiu o seu comportamento após condenação anterior.” Acresce que no caso em apreço as condições pessoais do Recorrente, após a condenação “mantiveram-se estáveis, o Recorrente segue um percurso de vida afastado do crime, encontra-se em liberdade há mais de 3 anos (desde 12/10/2021, data em que cessou a prisão preventiva), refez a sua vida sentimental e tem estabilidade em todas as áreas da sua vida, encontrando-se agora obrigado a recolher ao estabelecimento prisional em virtude do trânsito em julgado da decisão a rever. Colaborou com a Polícia Judiciária e com a justiça.”

Pede que o Acórdão proferido em 23 de Maio de 2023, pelo Tribunal da Relação de Lisboa que transitou em julgado em 07/02/2025 “seja revisto na parte em que julgou improcedente o pedido de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente e deve essa decisão ser substituída por outra que efetivamente suspenda a execução da pena de prisão.”

O recurso improcede por três ordens de razões: (i)a inconciliabilidade deverá ser entre factos e não entre diferentes entendimentos de direito, (ii)as decisões em confronto deverão dizer respeito ao arguido, onde este seja arguido, e (iii)o recurso de revisão visa a realização de novo julgamento e não a correcção ou alteração da decisão revidenda.

(i)O recorrente, alega como fundamento do recurso extraordinário de revisão, o diferente “entendimento”, como lhe chama, as diferentes decisões proferidas na decisão revidenda e nas proferidas nos dois acórdãos que indica como fundamento, aparentemente em circunstâncias semelhantes.

E que podiam ser muitos mais, como admite, ou seja, todos aqueles em que se decidiu suspender a execução da pena, de acordo com, como lhe chama o recorrente, o “entendimento” de que os argumentos da existência de antecedentes criminais e da falta de reflexão do recorrente sobre a conduta praticada [resultante, cremos, da não assunção integral da prática dos factos, nos termos descritos na motivação de facto da sentença em crise] não constituem, face ao descrito circunstancialismo, suficiente fundamentação para a decidida não substituição da pena de prisão.

Como referido, nos termos do disposto no art.º 449º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, “a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando, os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Pode assim concluir-se da letra do preceito em análise, al. c) do n.º 1 do art.º 449º do CPP, que, ao limitar a inconciliabilidade aos factos provados (e só aos factos provados), afastadas ficam as soluções de direito acolhidas numa e noutra das decisões, não se reportando, portanto, ao direito aplicado8.

O fundamento de admissibilidade de revisão de sentença a que se refere o artigo 449º, n.º 1, al. c) do CPP, diz estritamente respeito a factos, não a razões ou entendimentos de direito.

Para que se verifique este fundamento é, pois, necessário, como referido, que sejam proferidas duas sentenças em relação ao mesmo sujeito, transitadas em julgado, onde os factos dados como provados nos quais se fundou a condenação do arguido (decisão revidenda), estejam em oposição com os factos dados como provados na outra (decisão fundamento), de forma incompatível, inconciliável, que reciprocamente se excluam, não podendo ser dados como provados numa e noutra sentença, e, ainda, que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Ora a principal razão apontada pelo recorrente é justamente o diferente “entendimento”, como lhe chama, a diferente solução de direito acolhida, seguida e aplicada na decisão revidenda e a que foi seguida nas duas decisões fundamento; a existência de antecedentes criminais e da falta de reflexão do recorrente sobre a conduta praticada [resultante, cremos, da não assunção integral da prática dos factos, nos termos descritos na motivação de facto da sentença em crise] constituem ou não constituem, face ao descrito circunstancialismo, suficiente fundamentação para a decidida não substituição da pena de prisão, defendendo o recorrente que para a decisão revidenda constituíram e para as decisões fundamento que não.

Sendo a razão apontada o diferente “entendimento”, como o recorrente lhe chama, a diferente solução de direito acolhida, seguida e aplicada na decisão revidenda e a que foi seguida nas duas decisões fundamento, não poderá constituir de fundamento ao recurso de revisão referido na al. c), do n.º 1, do art.º 449º do CPP.

(ii)Do que se vem dizendo, o recurso extraordinário de revisão é um mecanismo excepcional, para casos excepcionais, que visa a realização de um novo julgamento e não a correcção ou a alteração da decisão revidenda.

Por isso, o pedido do recorrente de que o acórdão proferido em 23 de Maio de 2023, pelo Tribunal da Relação de Lisboa que transitou em julgado em 07/02/2025 deve ser revisto na parte em que julgou improcedente o pedido de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente e deve essa decisão ser substituída por outra que efetivamente suspenda a execução da pena de prisão, jamais poderia ser satisfeito.

Este pedido só poderia ser atendido no âmbito de recurso ordinário, no qual o recurso extraordinário de revisão não pode transformar-se sob pena de grave restrição ao princípio da segurança e paz jurídicas, como supra referido.

Desta possibilidade já o recorrente se socorreu, não tendo obtido o êxito pretendido.

(iii)Por fim contrapõe o recorrente à decisão revidenda duas outras decisões, onde o recorrente não é arguido e em nada lhe dizem respeito. E que, como referido, poderiam ser mais, várias, todas as que perfilhassem tal “entendimento”.

Para além do caso especial de inconciliabilidade a que se refere o art.º 458º do CPP, “sentenças penais inconciliáveis que tenham condenado arguidos diversos pelos mesmos factos”, para se verificar o fundamento previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP, é necessário que se confrontem duas decisões proferidas contra o mesmo arguido em que os factos provados numa sejam incompatíveis com os provados noutra, incompatibilidade que pressupõe, ainda, que a prova dos factos provados numa e noutra se exclua reciprocamente9.

O que também se não verifica neste caso. A oposição de julgados a que se refere o requerente não se verifica em relação a decisões em que tivesse sido arguido ou que de algum modo lhe digam respeito.

É possível de se verificar numa série de processos e decisões aí proferidas, desde que perfilhem o mesmo entendimento referido.

Pelo que levando em conta o que alega e defende o recorrente, nenhum destes requisitos se verifica no caso.

É assim evidente a inexistência de fundamento para a revisão.

3. Estabelece o artigo 456.º do CPP que, se o Supremo Tribunal de Justiça negar a revisão pedida pelo assistente, pelo condenado ou por qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 450.º, condena o requerente em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.

O pedido de revisão é manifestamente infundado quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votado ao insucesso10.

Como se extrai do supra exposto, sendo por demais evidente a falta de fundamento do pedido de revisão formulado ao abrigo da alínea c), do n.º1, do artigo 449.º do CPP, tanto basta para que se tenha por manifestamente infundado, impondo-se a condenação da requerente no pagamento de uma quantia entre 6 UC e 30 UC, ao abrigo do disposto no artigo 456.º do mesmo Código, que no caso se fixa em 6 UC.

III - DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em,

- negar a revisão de sentença peticionada por AA,

- condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).

- condenar, ainda, o requerente, nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, na quantia de 6 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 01 de Outubro de 2025

António Augusto Manso (Relator)

Antero Luis (Adjunto)

Maria Margarida Almeida (Ajunta)

Nuno António Gonçalves (Presidente da Secção)

_________


1. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento (v. entre outros o Ac. do STJ de 06.11.2019, processo n.º 739/09.TBTVR-C.S1, in www.dgsi.pt.

2. João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra, Tomo V, p. 506.

3. Ac. do STJ, de 04.07.2024, proferido no processo n.º 320/20.1T0MTS-A.S1, in www.dgsi.pt.

4. No mesmo sentido João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra, Tomo V, p. 513, citando acórdão do TC n.º 680/2015.

  5-in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição actualizada, UCE, p. 1196.

5. Ac do STJ de 04.07.2024, proferido no processo n.º 320/20.1T9MTS-A.S1, www.dgsi.pt

6. Acs. do STJ de 24.11.2022, proferido no proc. n.º 6599/08.6TDLSB-G.S1, in www.dgsi.pt, de 24 de novembro de 2022, processo 6599/08.6TDLSB-G.S1, de 27 de janeiro de 2022, processo 1352/20.1SILSWB-A.S1, in www.dgsi.pt, de 27 de janeiro de 2022, processo 1352/20.1SILSWB-A.S1, de 7 de dezembro de 2023, processo 1900/19.0T9VLG-A.S1, www.dgsi.pt.

7. João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra, Tomo V, p. 530.

8. João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra, Tomo V, p. 532, e Ac. do STJ de 27.01.2022, proc. n.º 1352/20.1SILSWB-A.S1, www.dgsi.pt.

9. Ac. do STJ de 23.03.2023, proc. n.º 428/19.2JDLSB-B.S1, www.degsi.pt.