Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
201/07.0TBBGC.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SESSÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS PATRIMONIAIS
STRESS PÓS-TRAUMÁTICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS.
DIREITO ESTRADAL - TRÂNSITO NAS AUTO-ESTRADAS E VIAS EQUIPARADAS - TRÂNSITO DE PEÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, V Volume, p. 141
- Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 9ª edição, Volume I, p. 630; Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 690.
- Diogo Leite de Campos, Estudos Sobre o Direito das Pessoas, Almedina, p. 319.
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, 2000, pp. 40,176.
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, p. 387.
- José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil”, Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª edição, pp. 162/163.
- José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil”, Anotado, volume 2º, 2001, p. 634.
- Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, p. 317/318.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui Alarcão, 3ª edição, Almedina, 1966, p. 166 e ss.
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, p. 599.
- Rui Soares Pereira, A Responsabilidade por danos não patrimoniais, Coimbra Editora, 2009, pp. 14, 15, 84 e 85.
- Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, p. 248.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 388.º, 389.º, 494.º, 496.º, N.ºS1 E 3, 497.º, 513.º.
CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGOS 72.º, N.º1, 75.º, 101.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 655.º, NºS 1 E 2, 668.º, N.º1 ALÍNEA C), 712.º, N.ºS 1, 4 E 6, 716.º, 722.º, N.º2, 729.º, N.ºS 1, 2 E 3.
DL N.º 303/2007, DE 24 DE AGOSTO ART.ºS 11º, N.º 1, E 12º, N.º 1).
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – APROVADA PELA LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO: - ARTIGO 26.º.
NOVA LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – APROVADA PELA LEI N.º 52/2008, DE 28 DE AGOSTO: - ARTIGO 33.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 9/12/93, BMJ 432, P. 342, DE 26/4/95, CJ/STJ, ANO III, TOMO II, P. 58, DE 13/2/97, BMJ 464, P. 525.
-DE 19/5/2009 E DE 4/10/2007 – 07B2957, DE 10/05/2008 – 08B1343, 10/7/2008 – 08B2101, E DE 6/5/1999 – 99B222, TODOS ACESSÍVEIS, ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .
-DE 15/04/2010, PROFERIDO NA REVISTA N.º 355/2002.E1.S1 - 2.ª SECÇÃO, ACESSÍVEL, ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT E DEMAIS DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA NELE CITADAS.
-DE 23/10/2010, CITADO NO ACÓRDÃO DE 2/5/2012, PROFERIDO NA REVISTA N.º 1881/06.0TBAMT.P1.S1.
-DE 2/5/2012, PROFERIDO NA REVISTA N.º 1881/06.0TBAMT.P1.S1.
Sumário :
I - O lesado que fica a padecer de IPP – sendo a força de trabalho um bem patrimonial que propicia rendimentos – tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que a lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis.

II - A incapacidade permanente constitui, de per si, um dano patrimonial, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral (presente ou previsivelmente futuro), quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais (actuais ou previsivelmente futuros).

III - Não tendo ficado demonstrada qualquer incapacidade permanente em resultado do acidente de viação sofrido pelo autor – a quem incumbia comprová-la, segundo as regras de repartição do ónus da prova (art. 342.º, n.º 1, do CC) – nenhuma indemnização haverá a arbitrar a título de dano patrimonial futuro, devendo o stress pós-traumático de que sofre ser valorizado, não em sede de reparação de qualquer dano patrimonial, mas antes no âmbito da fixação do dano não patrimonial.

IV - Enquanto a indemnização ressarcitória, típica do dano patrimonial, colmata uma lacuna de conteúdo económico existente no património do lesado, a reparação que ocorre relativamente ao dano não patrimonial encontra o património do lesado intacto, mas aumenta-o para que, com tal aumento, este possa encontrar uma compensação para a dor e restabelecer o equilíbrio na esfera incomensurável da felicidade humana.

V - A indemnização tem aqui por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, de modo a suavizar-lhe as agruras da nova vida diária que terá de enfrentar e a proporcionar-lhe uma melhor qualidade de vida, assumindo ainda uma forma de desagravo em relação ao comportamento do lesante.

VI - Tal indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada (natureza ressarcitória); por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar, sancionar ou castigar (cariz punitivo), no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

VII - Provado que, em consequência de um embate do veículo que conduzia com um peão que, numa via em que é proibido o trânsito de peões, iniciou a travessia da faixa de rodagem sem se certificar de que o poderia fazer sem perigo de acidente, o autor sofreu estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julgava a morte, marcada excitabilidade, insónia com pesadelos em que o embate é o tema dominante e pensamentos intrusivos em que o embate surge como cenário principal, devido ao contacto visual que teve com o peão, ensanguentado e disforme, situação que revela um quadro de stress pós-traumático, com sinais de uma experiência pessoal directa que envolveu a morte, o que o obrigou a recorrer a terapêutica psiquiátrica, sendo forte o sofrimento psicológico de que padece o recorrente em consequência do embate, tratando-se de sofrimento que perdurará durante toda a sua vida, ponderando as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa do recorrente) e a gravidade do seu sofrimento, mostra-se adequada a indemnização de € 10 000.

Decisão Texto Integral:
           
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório

I – AA intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel e BB e mulher, CC, estes na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu filho DD, alegando, em síntese, que:

No dia 5/1/2006, pelas 22h45m, no Itinerário Principal 4 (IP4), ocorreu um acidente de viação entre um automóvel ligeiro de passageiros, propriedade do autor e pelo mesmo conduzido, e o peão DD, filho dos réus BB e CC.

O DD atravessou a estrada da esquerda para a direita, atento o sentido do autor, surgindo inopinada e repentinamente, de noite, num local em que não é permitida a circulação de peões, sob intenso nevoeiro, sob chuva intensa e sem iluminação própria da via.

O autor travou e guinou para a sua direita, mas não logrou evitar o atropelamento daquele, o qual ocorreu na hemi-faixa destinada à circulação do veículo.

O acidente de que resultou a morte do DD, portador de taxa de alcoolemia no sangue não inferior a 2,86g/l, deveu-se a culpa do próprio e do condutor desconhecido que o transportou à boleia até ao local, parando o veículo em local para tanto interdito e fazendo sair o peão em zona interdita à sua circulação, apesar de saber que o mesmo se encontrava embriagado.

Como consequência directa e necessária do acidente, o autor sofreu estado confusional, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julga ver a morte, marcada excitabilidade, insónia de grau severo com pesadelos em que o acidente dos autos é tema dominante e pensamentos obsessivos em que o citado acidente surge como cenário principal e traumatizante, devido ao contacto visual que teve com o peão ensanguentado e disforme, com stress pós traumático, o que lhe provoca uma incapacidade parcial permanente [IPP] de 50% e justifica indemnização não inferior a 200.000,00€, atenta a sua idade (34 anos) e vencimento mensal de 1.500,00€, a que acresce o que gastou em médicos (400,00€) e em certidões (39,25€), bem como 50.000,00€ pelo sofrimento psicológico.

A responsabilidade pelo ressarcimento desses danos cabe ao réu FGA, nos termos do artº 21º, nº 2 al. a) do Decreto-Lei 522/85, de 31/12, e aos restantes réus, por serem os titulares da herança do peão.

Com tais fundamentos concluiu por pedir a condenação dos réus a pagar-lhe, a título indemnizatório e na medida das respectivas responsabilidades a apurar em audiência de julgamento, a quantia de 250.439,25 €uros, acrescida de juros moratórios vincendos desde a citação, à taxa legal.

Os demandados apresentaram contestações autónomas: o FGA alegou desconhecer as circunstâncias do sinistro e as respectivas decorrências, concluindo pelo julgamento da causa de acordo com a prova a produzir em audiência, enquanto a Francelina pugnou pela ilegitimidade dos restantes e consequente absolvição da instância, ou se assim se não entender, pela total improcedência da acção, por inexistência de bens na herança do falecido.

O autor respondeu a pugnar pela inverificação de qualquer excepção e a manter a sua posição inicial.

Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou cada um dos réus a pagar ao autor metade das peticionadas despesas médicas, no montante de 530,75€, ou seja, 265,375€, acrescida de juros desde a instauração da acção, bem como a quantia de 2.000€, a título de danos de natureza não patrimonial, a que acrescerão juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os das restantes peticionadas indemnizações.

Discordando dessa decisão, apelaram o autor e o FGA, este subordinadamente, tendo a Relação do Porto, no total inêxito do recurso do primeiro e parcial sucesso do último, decidido modificar a percentagem da repartição de culpa e consequentemente «condenar o FGA a pagar ao autor a quantia de 26,54€, mais os juros desde a instauração da acção, bem como a pagar ao autor a quantia de 200€, acrescendo a esta última quantia juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento», e, por outro lado, «a Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de DD a pagar ao autor a quantia de 504,21€, mais os juros desde a instauração da acção, bem como a pagar ao autor a quantia de 3.800€, acrescendo a esta última quantia juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento».

Persistindo inconformado, interpôs o autor recurso de revista, rematando a sua alegação, com as seguintes conclusões:

1. No Acórdão Recorrido existem várias contradições insanáveis entre os factos provados e a respectiva fundamentação, o que origina a apreciação do presente recurso, cfr. art. 722.°, n.° 1 c) art. 716.°, n.° 1 e 668.°, n.° 1 c) do C. P. Civil.

2. Desde logo o Recorrente insiste que a resposta ao quesito 29.° deveria ser “provado apenas que a situação perguntada em 23 provoca no Autor uma Incapacidade Permanente Geral de 10% e não a resposta de “não provado” que foi dada.

3. Para esta afirmação do Recorrente concorre logo o facto de o Acórdão recorrido, ao contrário da sentença de 1.ª instância, afirmar que, no caso dos autos, existe uma verdadeira e circunstanciada perícia médica legal realizada ao Autor na especialidade de Psiquiatria.

4. Reconhece, ainda, o Douto Acórdão recorrido a existência de diagnóstico médico seguro e redundante de stress pós-traumático, o qual representa para o Autor um padecimento crónico, com causa adequada e suficiente no acidente dos autos.

5. Afirma também a propósito o Acórdão recorrido que: “As consequências do sinistro para o próprio autor centram-se em padecimentos psicológicos graves e perpétuos, estando reconhecidos e descritos no relatório médico do psiquiatra EE, com data de 18/05/2006 – coadjuvado com o relatório auxiliar elaborado pelo psicólogo FF, com data de 7/05/2006 – bem como estão essencialmente enunciados, reconhecidos e descritos no relatório psiquiátrico forense realizado pelo psiquiatra GG em 30/04/2010, bem como, mas com detalhe muito inferior, no relatório final do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) de 15/07/2010”, acrescentando que a única divergência que existe entre os psiquiatras atrás referidos tem a ver apenas com o grau de incapacidade (10% em vez de 50%).

6. Afirma-se também no Acórdão recorrido que, ao quadro clínico do Autor existe obrigatoriedade de aplicação da tabela nacional para avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, sendo que nesta, a perturbação de stress pós-traumático está prevista com uma incapacidade de 4 a 10 pontos – código Nb -0000.

7. Portanto, dúvidas não restam de que o Acórdão recorrido considera a existência de lesões e sequelas no Autor, o nexo de causalidade entre estas e o acidente dos autos.

8. Contudo, e não obstante, acaba o Tribunal recorrido por ignorar tal facto e recusa-se a aplicar uma tabela de avaliação do dano que é obrigatória.

9. Isto apenas, com base, pasme-se, no depoimento do Autor em sede de julgamento.

10. Quando no Acórdão recorrido se chega a afirmar até relativamente aos diagnósticos atrás referidos que “se têm como devidamente enunciados, seguros, extensamente redundantes e reportados a estados mórbidos, consolidados sobre a condição psicológica do Autor”.

11. É preciso não esquecer que a incapacidade permanente é de “per si”, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto.

12. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial, com reflexo na actividade geral e profissional, não deverá ser compensada por forma englobante no contexto de dano biológico, mas como dano patrimonial.

13. Por isso, não se compreende como o Acórdão recorrido se recusa a aplicar a referida tabela tendo por base factos que foram provados mas aos quais o Acórdão recorrido se refere como não provados.

14. Ou seja, o Acórdão recorrido refere que o Autor referiu ter efectuado tratamentos médicos do foro psiquiátrico, mas não provou que os tenha feito, quando a resposta ao quesito 28 é de:”provado que o Autor realizou os exames médicos das especialidades de psicologia e psicoterapia constantes de fls. 51 e 256 dos autos”.

15. E quando, como se viu na conclusão V, o Tribunal recorrido aceita que os padecimentos psicológicos graves e perpétuos do Autor estão, nada mais, nada menos, reconhecidos no relatório do médico psiquiatra do A. Quando estava em Portugal, Dr. EE, (cfr. docs juntos com a P.I.).

16. Só que o Tribunal recorrido ignorou, e não devia, que o Recorrente já há muito foi trabalhar para França, onde se encontra a ser tratado com um médico a quem expôs o caso e que o mesmo continuava com calmantes a antidepressivos, (factos que resultam quer do depoimento do Autor, quer do da sua mulher), por isso, impõe-se perguntar: acaso teria o Autor como se refere a fls. 489 do Acórdão recorrido que trazer a depor o médico que o segue em França?

17. Acaso não resulta das regras da experiência comum que uma pessoa com diagnóstico médico seguro redundante de stress pós-traumático, com padecimento crónico de estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia, marcada excitabilidade, insónias com pesadelos, tenha obrigatoriamente que desempenhar a sua actividade profissional como as pessoais, com muito mais esforço do que qualquer outra pessoa que delas não padecesse?

18. Por tudo o que se acabou de referir, não se compreende a relutância do Tribunal em indemnizar o A. A título de dano futuro, nem se compreende que a fls. 495 do Acórdão recorrido, o Tribunal entre em contradição com o alegado a fls. 487 (verso) já que ali apelida as afectações corporais e psicológicas sofridas pelo Autor de pequenas enquanto mais atrás refere que as consequências do sinistro para o próprio Autor centram-se em padecimentos psicológicos graves e perpétuos, como, de facto, são!

19. Entrando, ainda, nas referidas fls. 495, numa outra contradição, quando refere que apenas aceita que o Autor seja indemnizado a título de danos não patrimoniais, porquanto as sequelas de que o mesmo padece tornam apenas mais penoso o seu desempenho laboral.

20. Por isso, não compreende o Recorrente como pode o Tribunal recorrido afirmar a fls. 495 dos autos que as sequelas de que padece tornam mais penoso o respectivo desempenho laboral, para, depois se recusar a aplicar a tabela de incapacidades no âmbito do direito civil e a indemnizá-lo a título de dano patrimonial.

21. Como refere o douto Acórdão de 07/02/2002 – 398/01 é precisamente neste agravamento da penosidade (que o acórdão recorrido aceita existir), para a execução, com regularidade e normalidade das tarefas próprias e habituais do recorrente, nomeadamente no que ao seu desempenho laboral consiste, que deve radicar o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.

22. Neste sentido ainda cfr. Acórdão de 07/06/2011 do STJ, processo n.° 428/07.5TBFAF.G1.S1. onde se refere que a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimento auferido antes da lesão.

23. Assim, segundo o mesmo Acórdão ainda, para ser atribuída indemnização pelo dano patrimonial futuro não é necessário que a incapacidade determine perda ou diminuição de rendimentos.

24. Concluindo, a lesão da integridade físico-psíquica, uma vez reconhecida  a sua existência como dano-evento, como sucede no acórdão recorrido, deverá sempre ser reparada, a título de dano patrimonial, ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos.

25. Com o devido respeito, efabulação existe, antes, quando o Acórdão recorrido refere que o Autor progrediu a nível profissional depois do acidente, pois, como se vê da resposta à matéria de facto (quesito 32), o que acima de tudo sucedeu, foi um aumento do salário mensal do Autor de € 1.500,00 ilíquidos para € 2.132,00.

26. Mas tal também se deveu ao facto de o Autor passar a trabalhar em França, e não em Espanha, como sucedia à data do acidente, cuja distância é muito maior em relação a Portugal, pelo que o referido aumento salarial se deveu, sobretudo, à compensação por tal deslocação maior que o Autor sempre se viu obrigado, e vê ainda a fazer, não se podendo, nem devendo, relacionar tal aumento com o estado de saúde do Autor.

27. O Recorrente está, com o devido respeito, em completo desacordo quanto à graduação da culpa efectuada pelo Tribunal recorrido de 5% para o veículo desconhecido e 95% para o peão.

28. Desde logo, porque em sede de recurso da Matéria de Facto não cabe ao Tribunal da Relação encontrar uma nova conclusão, mas apenas, e tão só verificar se a conclusão expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do recurso, ou seja, a este Tribunal cabia apenas aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e experiência comum, confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em 1.ª instância sobre o material probatório.

29. Assim, olhemos a actuação dos protagonistas do acidente dos autos em função dos factos, sendo que, resulta claro do Acórdão recorrido que ambos violaram as disposições legais do Código da Estrada.

30. Assim, se ambos os intervenientes num acidente de viação violam regras de trânsito destinadas a proteger terceiros em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso, há concorrência de culpas (cfr. Ac. STJ de 03/02/2011, processo 605/05.3TBWD. G1.S1).

31. Ou seja, no caso dos autos, verifica-se uma situação de concausalidade, porquanto, aqueles dois intervenientes tiveram um comportamento ilícito.

32. Só que, existe uma causa de exclusão de ilicitude para o peão – grau de Povoasmia de 2,86g/l – Alínea C) da Matéria Assente – cfr art. 488.° do C. Civil.

33. Por sua vez, o condutor do veículo desconhecido tinha agravantes pois, se sobre si já recaíam os deveres de cuidado, de não parar no IP4 e de para aí não transportar peões, este dever era ainda maior em virtude de um peão que manifestamente não se encontrava sóbrio e que o havia informado do local para onde pretendia ir, o estaleiro das obras onde trabalhava e dormia e que ficava precisamente do outro lado da estrada tendo em conta o local em que aquele veículo parou.

34. Não fez, ainda, a Relação com tal graduação, a melhor ponderação, sendo certo que não se percebe também a decisão do Tribunal Recorrido ao decidir-se pela não aplicação do art. 506.°, n.° 2 do C. Civil, para efeitos da culpa repartida entre partes iguais, por, segundo afirmar, não poder aplicar uma disposição legal destinada a uma situação de dois condutores e nos casos em que há dúvidas sobre as circunstâncias do acidente (cfr. fls. 497 dos autos), para depois não se coibir de fazer uma aplicação analógica do art. 570°, n.° 1 do C. Civil, disposição legal esta  destinada aos casos de existência de culpa do lesado, quando, como resulta claramente dos autos, nenhuma culpa o Recorrente/lesado teve no acidente em questão.

35. Aliás, neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, processo n.° O0A010 de 01/02/2000 onde se refere expressamente que “o juiz só pode socorrer-se do normativo contido no art 570, n.° 1 do C. Civil, quando o acto do lesado tiver sido uma das causas do dano, de acordo com o princípio da causalidade adequada”, o que não sucede no caso dos autos.

36. Por outro lado, não colhe o argumento do Acórdão Recorrido de que o pedido do Autor quanto à repartição das culpas não é compatível com a aplicação da regra da solidariedade, por o Autor não a ter peticionado, porquanto, a aplicação de tal regra resulta obrigatoriamente da lei – cfr – art. 513.° do C.C.

37. Resultando também da lei a sua aplicação a situações precisamente como a dos autos, ou seja, quando são várias as pessoas responsáveis pelos danos – cfr. art. 497.°, n.° 1, do C.C.

38. Ora, assim sendo, se tal solidariedade resulta da lei, não tinha o Autor/ora Recorrente que a peticionar, pois ela é de aplicação obrigatória, não podendo o julgador recusar-se a aplicá-la.

39. No caso concreto, são dois os responsáveis pelo acidente dos autos, e como o regime da obrigação em causa é o da solidariedade, os RR. Nesta acção terão que responder pela totalidade da indemnização, sem prejuízo do eventual direito de regresso que lhes assista.

40. Por outro lado, para além de o Recorrente defender a indemnização a título de dano patrimonial peticionada em sede de articulado inicial, também não pode concordar com a manutenção do montante atribuído a título de dano não patrimonial de € 4.000, por ser tal valor manifestamente baixo e desactualizado face aos valores aplicados pelos nossos tribunais.

41. O critério de indemnização neste caso é o da equidade (arts 4.° a) e 566.°, n.° 3 do C. Civil bem como o princípio da uniformidade (art 8.° n.° 3 do C. Civil), por apelo a casos análogos da jurisprudência.

42. Reclamando, assim, o Autor/Recorrente a condenação dos Recorridos em quantia superior que seja justa e de acordo com o que actualmente se pratica nos Tribunais, tendo em conta que o Autor ficou com padecimentos psicológicos graves e perpétuos, reportados ao facto de ter sofrido violentíssimo susto, intenso desgosto e desespero com a visão do peão a colidir com a frente do veículo que conduzia, tendo constatado a morte do peão no próprio local do acidente.

43. Bem como, ao facto de ter ficado a padecer de stress depressivo, ondas de angústia em que se julga a morte, marcada excitabilidade, insónia com pesadelos em que o embate é o tema dominante e pensamentos intuitivos em que o embate surge como cenário principal, devido ao contacto visual que teve com o peão ensanguentado e disforme, o que ocasionou para o ora Recorrente, e para o resto da sua vida, forte sofrimento psicológico.

44. Ao não proceder em conformidade com o supra exposto, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 4.° alínea a), 483.°, 494.°, 496.° n.° 3, 497.° n.° 1, 506.° n.° 2, 512.°, 513.°, 519.° n.° 1,562.°, 566.° e 570.° n° 1 todos do C. Civil.

O Fundo de Garantia Automóvel ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista e, uma vez colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II -  Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1. O falecido (vítima) DD nasceu em 9/8/1965, no lugar de Paradinha, freguesia de Outeiro, concelho de Bragança, filho de BB e de CC.

2. O autor nasceu em 15/12/1972, na freguesia de Aveleda, concelho de Lousada, filho de HH e de II.

3. Sujeito a perícia toxicológica, realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal ao humor vítreo recolhido à vítima, com amostras recolhidas em 6/1/2006, revelou-se uma taxa de álcool etílico de 2,86g/l.

4. No âmbito dos autos de inquérito que correram termos pelos Serviços do Ministério Público de Bragança, com o NUIPC 4/06.0GTBGC, foi proferido despacho de arquivamento, por não se mostrar viável averiguar, com o grau de convencimento necessário, se algum dos suspeitos e qual deles em concreto, seria responsável por largar a vítima numa via interdita ao trânsito de peões, já noite escura, com chuva e nevoeiro e visivelmente embriagado.

5. No dia 5/1/2006, pelas 22h45m, no Itinerário Principal 4 (IP4), ao quilómetro 221,320, no concelho de Bragança, ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Renault Trafic, matrícula 00-00-00, e o peão DD – resposta ao artº 1º da base instrutória.

6. O veículo 00 era, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5., conduzido pelo autor – resposta ao artº 2º da base instrutória.

7. O autor circulava no veículo 00 pelo IP4, no sentido de marcha Rio Frio/Bragança – resposta ao artº 3º da base instrutória.

8. DD atravessava o IP4, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do autor – resposta ao artº 4º da base instrutória.

9. Fazia-o em local onde, à data do embate, a passagem de peões não era, nem é hoje, permitida – resposta ao artº 5º da base instrutória.

10. O local de embate situa-se numa via rodoviária rápida, em recta, com dois sentidos separados por linha contínua e descontínua – resposta ao artº 6º da base instrutória.

11. Nas condições de tempo e lugar referidas em 5. fazia-se sentir nevoeiro – resposta ao artº 7º da base instrutória.

12. Chovia com pouca intensidade – resposta ao artº 8º da base instrutória.

13. O piso estava molhado – resposta ao artº 9º da base instrutória.

14. Trata-se de uma via sem iluminação – resposta ao artº 11º da base instrutória.

15. Nas referidas circunstâncias, quando o autor circulava ao quilómetro 221,320 do IP4, surgiu da sua esquerda uma pessoa – resposta ao artº 12º da base instrutória.

16. Que depois se constatou tratar-se de DD – resposta ao artº 13º da base instrutória.

17. O autor logo que se apercebeu da presença do DD, a uns 7 ou 8 metros de distância, travou o veículo, com o propósito de evitar o embate, não o conseguindo, apenas imobilizando o veículo 28 metros e 40 centímetros após o embate no peão – resposta aos artºs 14º, 15º e 16º da base instrutória.

18. Embate esse verificado na hemi-faixa de rodagem destinada à circulação do veículo 00 – resposta ao artº 17º da base instrutória.

19. O peão DD circulava nessas circunstâncias depois de ter sido transportado à boleia até ao local do embate – resposta ao artº 18º da base instrutória.

20. O condutor do veículo que o transportava parou no IP4, para deixar sair o DD – resposta ao artº 19º da base instrutória.

21. Como consequência directa e necessária do embate o autor sofreu estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julgava a morte, marcada excitabilidade, insónia com pesadelos em que o embate é o tema dominante e pensamentos intrusivos em que o embate surge como cenário principal, devido ao contacto visual que teve com o peão, ensanguentado e disforme – resposta ao artº 23º da base instrutória.

22. A situação referida em 21. revela um quadro de stress pós traumático, com sinais de uma experiência pessoal directa que envolveu a morte – resposta ao artº 24º da base instrutória.

23. Estando vivenciado pelo autor há já um ano – resposta ao artº 25º da base instrutória.

24. O que obrigou o autor a recorrer a terapêutica psiquiátrica – resposta ao artº 26º da base instrutória.

25. O autor teve assistência urgente no Hospital Distrital de Bragança na imediata sequência do acidente, por se encontrar em estado de confusão e sob severa perturbação emocional, repetindo, nos dias 22/1/2006 e 18/3/2006, assistência urgente no Serviço de Atendimento Permanente da Santa Casa da Misericórdia de Lousada em virtude de episódios agudos de stress pós traumático e dos sintomas referidos em 21., além de recorrer à assistência do médico psiquiatra EE em virtude dos padecimentos de stress pós traumático e dos sintomas referidos em 21., seja em dia anterior a 7/5/2006, seja nos dias 18/5/2006 e 26/9/2006, a que acresceu avaliação psicológica no dia 7/5/2006 feita pelo psicólogo FF – resposta aos artºs 27º e 28º da base instrutória

26. À data de 5/1/2006 o autor exercia a profissão de encofrador da construção civil em Espanha, apresentando a categoria profissional de oficial de primeira e auferindo 1.500€ ilíquidos mensais; passado algum tempo alterou a sua função para encarregado de construção civil em França, auferindo desta feita 2.132€ mensais – resposta aos artºs 30º, 31º e 32º da base instrutória.

27. É forte o sofrimento psicológico de que padece o autor em consequência do embate – resposta ao artº 33º da base instrutória.

28. Trata-se de sofrimento que perdurará durante toda a vida do autor – resposta ao artº 34º da base instrutória.

29. O autor despendeu em despesas médicas até à data, a quantia de 530,75€ - resposta aos artºs 35º e 36º da base instrutória.

30. O autor, nas circunstâncias referidas em 5., circulava a uma velocidade de pelo menos 80 quilómetros por hora – resposta ao artº 37º da base instrutória.

31. As condições atmosféricas de chuva e de nevoeiro e a velocidade a que circulava de pelo menos 80 quilómetros por hora, levaram a que o autor, ao avistar o peão a atravessar a via a uma distância dele de 7 ou 8 metros, com os braços levantados em sinal para o condutor parar, contribuíssem para que não lograsse imobilizar a viatura antes do embate no DD - resposta ao artº 40º da base instrutória.

32. O condutor referido em 20. transportou e deixou no mesmo lugar outro peão, o qual não foi embatido – resposta ao artº 41º da base instrutória.

33. Antes de o veículo 00 chegar ao local do embate, outro veículo, que seguia logo na frente, cruzou com DD sem lhe embater – resposta ao artº 42º da base instrutória.

34. O referido condutor que os transportou advertiu o DD e amigo para o facto de ali não ser permitido parar - resposta aos artºs 43º e 44º da base instrutória.
III – Fundamentação de direito
A apreciação e decisão do recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil[1]) podem sintetizar-se nas seguintes questões:
· Nulidade do acórdão recorrido
· Violação das regras de direito probatório
· Repartição de culpa
· Fixação do quantum indemnizatório
Abordemos, então, separadamente cada uma dessas questões.
· Nulidade do acórdão recorrido
O recorrente entende que o acórdão recorrido é nulo, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1 alínea c) do Cód. Proc. Civil, também aplicável ao acórdão da Relação ex vi do art.º 716º do mesmo código. Esta causa de nulidade ocorre, como se sabe, quando “há um vício real no raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”[2]. A decisão proferida padecerá desse erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, se a argumentação desenvolvida ao longo da sentença/acórdão apontar claramente num determinado sentido e, não obstante, a decisão for no sentido oposto[3].
Contudo, não se verifica essa causa de nulidade quando o resultado a que o julgador chega deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados. Significa isto que saber se as conclusões a que o acórdão recorrido chegou relativamente à alegada incapacidade funcional do recorrente, à sua relevância e repercussão em sede indemnizatória, na vertente patrimonial, são ou não as mais correctas ou se a decisão proferida não é conforme ao direito aplicável constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença. Trata-se de questão de mérito, a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade de sentença/acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal.
No caso, entendeu-se (não interessa, nesta sede, se bem ou mal) que o recorrente, ainda que portador de stress pós-traumático decorrente do acidente ajuizado, não sofreu em consequência desse evento incapacidade permanente, em qualquer grau, e, nessa medida, a indemnização a arbitrar seria equacionada apenas a nível de danos não patrimoniais. Corolário lógico desse raciocínio (e não o do recorrente) era não valorizar patrimonialmente a situação, o que foi efectuado, com a confirmação do decidido pela 1ª instância, nesse ponto.
Vale isto por dizer que tal decisão se encontra em perfeita e total sintonia com os fundamentos que lhe serviram de base, o que exclui obviamente a verificação da invocada causa de nulidade do acórdão, soçobrando tudo o que, em contrário, o recorrente alegou e conclui a este propósito.
· Violação das regras de direito probatório
O recorrente insurge-se, depois, por não se ter dado como provado no art.º 29º da base instrutória que «a situação perguntada em 23º (o stress pós-traumático de que ficou a padecer) provoca-lhe uma incapacidade Permanente Geral de 10%» e não a resposta negativa que mereceu de ambas as instâncias.
Como se sabe, radica nestas (instâncias) a competência para apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio e cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, salvo situações de excepção legalmente previstas, conhecer apenas da matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto, ou se tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (art.ºs 722.º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil), podendo, no limite, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (art.º 729.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).
A Relação tem, assim, a última palavra relativamente à fixação da matéria de facto, só a esta instância competindo, em regra, censurar, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 4 do artº 712.º do Cód. Proc. Civil, a decisão proferida nesse particular pela 1.ª instância, limitando-se o Supremo Tribunal de Justiça, no exercício da sua função de tribunal de revista, a definir e aplicar o regime/enquadramento jurídico adequado aos factos já anterior e definitivamente fixados (cfr. art.º 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, art.º 33º da Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, e art.º 729º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil).
Pese embora as apontadas limitações, no que respeita à matéria factual, o art.º 722º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil expressamente admite, como atrás já se disse, o conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça de questões referentes a pontos de facto nos casos de “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Sobre esses aspectos relativos à matéria probatória, o Supremo Tribunal de Justiça poderá exercer o controlo e decidir do juízo formado pela Relação sobre a matéria de facto, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou com violação da força probatória fixada[4].
Nessas situações, do que se tratará é de saber se a Relação, ao proceder da forma como o fez, se conformou, ou não, com as normas que regulam tal matéria (direito probatório), o que, no fundo, constitui matéria de direito, caindo, por isso, na esfera de competência própria e normal do Supremo Tribunal de Justiça.
É, pois, residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.
Esclarecido isto e focando-nos, agora, sobre a resposta dada convergentemente pelas instâncias ao art.º 29º da base instrutória, no fundo, o nó górdio ou aspecto nuclear do recurso, vê-se que o recorrente alegou sofrer em resultado do acidente de incapacidade permanente parcial de 50% e nela radicou o pedido de indemnização por dano patrimonial futuro.
Contudo, a 1ª instância entendeu que os exames periciais realizados não confirmavam que o recorrente padecesse de qualquer incapacidade permanente para o trabalho e respondeu negativamente a tal ponto da base instrutória. A Relação, por seu turno, reapreciou, no acórdão recorrido, as provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida, em primeira instância, e, como é pressuposto de um segundo julgamento da matéria de facto, procedeu à audição da prova pessoal gravada e à análise e exame das provas existentes nos autos, designadamente os exames periciais a que o recorrente foi sujeito, tendo, a esse propósito, transcrito a apreciação da 1ª instância, apelidando-a de reveladora de «um juízo crítico muito forte, desassombrado e circunstanciado sobre a idoneidade e acerto da prova médica e psicológica e sobre o depoimento da mulher do autor, completada com elementos circunstanciais sobre provas que não foram produzidas quanto a factos que seriam facilmente demonstráveis se tivessem ocorrido, bem como sobre o contexto de evolução favorável da carreira e dos rendimentos do trabalho que o autor teve após o acidente». E, mais adiante, depois de divergir quanto à qualificação desses exames, escreveu-se que «no que é essencial, concorda-se com a tese da sentença e com a resposta “não provado” ao quesito 29 no sentido de as sequelas traumáticas de natureza psicológica em nada terem afectado o autor no seu desempenho laboral, mesmo no âmbito de afectação temporária e de curta duração da capacidade para trabalhar como encofrador – carpinteiro de toscos da construção civil –, nem o terem prejudicado na evolução no trabalho habitual a que poderia razoavelmente ambicionar – possibilidade de evolução na carreira –, tal como não determinarão retirada precoce da actividade laboral».
A seguir, frisa-se que «não existe notícia alguma de o autor alguma vez ter faltado ao trabalho após o acidente» e que este «não se tem por abrangido pelos critérios de avaliação da incapacidade consagrados na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, a qual só veio a surgir com o DL 352/2007, de 23/10», depois portanto do acidente, tabela essa não vinculativa para o Tribunal, concluiu-se, de novo, por  confirmar «a resposta “não provado” ao quesito 29, entendendo-se que o autor em nada ficou afectado na sua capacidade de trabalho – incluindo a evolução na carreira e momento previsível de retirada da actividade laboral – e na sua autonomia pessoal e social com o stress pós traumático de que realmente ficou portador».
 Destes excertos retira-se que as provas foram examinadas pela Relação, incluindo a pericial, que motivou a sua decisão de forma coerente e transparente, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo art.º 655º, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva. Sobre esse juízo formulado no domínio da livre convicção do julgador (art.º 655.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), e a prova pericial cai nesse âmbito (art.ºs 388º e 389º do Cód. Civil) é vedado ao Supremo exercer censura e sindicar a respectiva substância (art.º 712º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil).
Deste modo, por não ocorrer motivo para interferir no juízo emitido pelas instâncias e não se verificar qualquer violação das regras de direito probatório, soçobra também, quanto a este ponto, tudo o que em contrário o recorrente alegou e concluiu.
· Repartição de culpa
O recorrente discorda ainda da repartição de culpa fixada no acórdão impugnado, sustentando, por um lado, que a Relação não podia alterar a graduação e repartição realizadas pela 1ª instância e, por outro, pugnando pela manutenção da percentagem de 50% para o peão e 50% para o condutor desconhecido.
Relativamente ao primeiro aspecto, o recorrente argumenta que não cabe à Relação encontrar uma nova conclusão, mas apenas, e tão só verificar se a conclusão expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do recurso, ou seja, a este Tribunal cabia apenas aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e experiência comum, confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em 1.ª instância sobre o material probatório. Ainda que não se subscreva este entendimento, o certo é que o mesmo reporta-se, tão só, à apreciação e decisão da matéria de facto e a definição do grau de contribuição, com determinação da respectiva percentagem, constitui matéria de direito. Nada impedia, pois, a Relação de alterar tal percentagem.
No que concerne concretamente a este aspecto convém ter presente que na génese do acidente esteve, essencialmente, como bem se equacionou e decidiu no acórdão recorrido a conduta do peão, seja por frequentar uma via reservada a automóveis e motociclos, legalmente equiparada a auto-estrada, em que é proibido o trânsito de peões (art.ºs 72º, nº 1, e 75º do CE), com a via caracterizada pelo sinal H26, seja, sobretudo, por ter atravessado a faixa de rodagem sem se certificar devidamente de que o poderia ter feito sem perigo de acidente com os veículos que rodavam na estrada, infringindo a norma do art.º 101º, nº 1, do CE, para mais num local em que os veículos sempre teriam prioridade de passagem.
Afigura-se-nos, por isso, adequada a fixação da sua contribuição em 95%, operada pela Relação, em substituição da fixada pela 1ª instância (50%), cabendo ao condutor desconhecido do veículo que, de boleia, o transportara ao local, a restante percentagem de culpa (5%). Aliás, esta percentagem residual de culpa apresenta-se inclusive de duvidosa justificação e, não fora a circunstância de o FGA com ela se conformar, certamente que teríamos que equacionar aqui o acerto do juízo formulado sobre a sua atribuição.
Não parece que deva ser sufragado o entendimento da 1ª instância, e pelo qual o recorrente se bate, de repartição em partes iguais da culpa entre o peão e o condutor desconhecido, na medida em que é patente que o grau de contribuição do primeiro é largamente superior à do último, improcedendo, assim, tudo o que, ao invés, o recorrente concluiu a este respeito.
· Fixação do quantum indemnizatório
Por fim, questiona o recorrente o quantum indemnizatório fixado, sustentando que, ao contrário do que decidiram convergentemente as instâncias, tem direito a indemnização por dano patrimonial, apesar de não ter sofrido qualquer perda de rendimento, e que o montante relativo ao dano não patrimonial deve ser elevado para €50.000,00, a suportar solidariamente pela herança do falecido peão e Fundo de Garantia Automóvel.
Constitui entendimento corrente da jurisprudência e doutrina[5] que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade parcial permanente – sendo a força de trabalho um bem patrimonial que propicia rendimentos - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que a lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis. A incapacidade permanente constitui, de per si, um dano patrimonial, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral (presente ou previsivelmente futuro), quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais (actuais ou previsivelmente futuros).
Contudo, como no caso não ficou demonstrada qualquer incapacidade permanente (cfr. resposta negativa dada ao art.º 29º da base instrutória) – e incumbia ao recorrente comprová-la, segundo as regras de repartição do ónus da prova (art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil) – nenhuma indemnização haverá a arbitrar a título de dano patrimonial futuro[6]. O stress pós-traumático de que sofre o recorrente deve ser valorizado, como bem se equacionou e decidiu nas instâncias, não em sede de reparação de qualquer dano patrimonial, mas antes no âmbito da fixação do dano não patrimonial.
Perfilha-se, neste ponto, o entendimento seguido no acórdão deste Tribunal de 23-10-2010, relatado pelo Exm.º Conselheiro Hélder Roque e citado no acórdão de 2 de Maio de 2012, proferido na revista n.º 1881/06.0TBAMT.P1.S1, relatado pelo Exm.º Conselheiro Gabriel Catarino, cujo sumário aqui se transcreve parcialmente: III - Da configuração do dano biológico como lesão da saúde, ou seja, da sua qualificação como dano-evento, objectivamente antijurídico, violador de direitos fundamentais, constitucionalmente, protegidos, resulta, como consequência, a atribuição da sua natureza não patrimonial. IV – Verificando-se o dano biológico, deverá o mesmo ser reparado e, eventualmente, deverá ser ressarcido, também, o dano patrimonial da redução da capacidade laboral, caso se demonstre a sua existência e o nexo de causalidade com o dano biológico. V – Ficando a autora com uma marcada intensidade, ao nível das sequelas psicossomáticas sobrevindas, como consequência necessária e directa do acidente que sofreu, muito embora sem se ter demonstrado qualquer quebra na sua capacidade de ganho, tendo sido afastado o rebate profissional, o dano biológico ocorrido é catalogável no quadro tipológico do dano moral, desde que um eventual acréscimo de esforço físico e/ou psíquico se não repercuta, directa ou indirectamente, no estatuto remuneratório profissional ou na sua carreira, em si mesma, e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro. VI – O dano biológico pode ser ressarcido como dano patrimonial, ou compensado, a título de dano moral, mas não nas duas vertentes, simultaneamente, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente.
Deste modo, a argumentação do recorrente no sentido da fixação do dano patrimonial futuro não merece ser acolhida, improcedendo tudo o que concluiu a esse propósito.
Por último resta apreciar a valoração dos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente em consequência do ajuizado acidente de viação.
Como se sabe, o fundamento para o ressarcimento deste tipo de danos encontra-se no art.º 496º, n.º 1 do Cód. Civil, estabelecendo o n.º 3 do mesmo preceito, através de remissão para o art.º 494º do Cód. Civil, que o montante indemnizatório será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Por dano não patrimonial entende-se o «prejuízo sofrido por qualquer pessoa que não atinge em si o seu património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património do lesado não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Nesta categoria de dano estão incluídos todos os prejuízos sofridos pelo sujeito passivo que não atingem os seus bens materiais, ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial.
O que ocorre é uma ofensa de bens de carácter imaterial, desprovidos, portanto, de conteúdo económico e verdadeiramente insusceptível de avaliação pecuniária. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação.
A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral»[7], desgosto, vexame, emoção, angústia, vergonha, perturbação psíquica, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética, etc., áreas de certo modo impenetráveis e com vertentes que não podem ser alvo de uma valoração objectiva.
Aliás, a própria natureza do dano patrimonial suscita graves problemas a vários níveis da sua quantificação. Por um lado, é difícil a sua averiguação e a sua medida, os seus efeitos não se apagam facilmente (por vezes é mesmo inviável serem apagados) e, por outro, a compensação, que é uma soma em dinheiro, constitui uma grandeza bem diferente e não comparável, de modo algum, ao dano desta natureza. Acresce ainda que o dano não patrimonial versa sobre elementos do foro interno, eivados, como é óbvio, de intensa componente subjectiva, o que eleva o grau de dificuldade quando se pretende traduzi-lo ou convertê-lo em elementos patrimoniais.
Por sua vez, a indemnização a atribuir ao lesado, a título de dano não patrimonial, é concebida em moldes completamente diversos do que ocorre no dano patrimonial, na medida em que, ao invés do que sucede com este, em regra eliminável «in natura» ou por equivalente, nada se reintegra, nada se restitui. Mais, no chamado dano não patrimonial não existe uma verdadeira e própria indemnização, mas antes uma reparação, correspondente a uma soma de dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar as dores ou sofrimentos, através do proporcionar de certo número de alegrias, prazeres e satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Enquanto a indemnização ressarcitória, típica do dano patrimonial, colmata uma lacuna de conteúdo económico existente no património do lesado, a reparação que ocorre relativamente ao dano não patrimonial encontra o património do lesado intacto, mas aumenta-o para que, com tal aumento, este possa encontrar uma compensação para a dor e restabelecer o equilíbrio na esfera incomensurável da felicidade humana[8]. Quer dizer a indemnização tem aqui por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, de modo a suavizar-lhe as agruras da nova vida diária que terá de enfrentar e a proporcionar-lhe uma melhor qualidade de vida, assumindo ainda uma forma de desagravo em relação ao comportamento do lesante.
Com a atribuição de uma soma em dinheiro pretende-se, em suma, proceder a ao contrabalanço das dores[9] ou à equivalência de sensações, em que uma dolorosa é posta em correlação com uma agradável, visando permitir que o lesado satisfaça um certo número de necessidades, possível através do dinheiro, na certeza, baseada no entendimento realista da vida, de que se não há mal que sempre dure ou não abrande com o decurso do tempo, poucas dores não poderão ser minoradas, ou mesmo esquecidas, através dos múltiplos prazeres que o dinheiro acaba por proporcionar.
Por isso, se considera que tal indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada (natureza ressarcitória); por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar, sancionar ou castigar (cariz punitivo), no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[10].
No caso, relevam para a fixação desses danos os seguintes factos:

1. Como consequência directa e necessária do embate o recorrente sofreu estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julgava a morte, marcada excitabilidade, insónia com pesadelos em que o embate é o tema dominante e pensamentos intrusivos em que o embate surge como cenário principal, devido ao contacto visual que teve com o peão, ensanguentado e disforme – resposta ao artº 23º da base instrutória.

2. Esta situação revela um quadro de stress pós-traumático, com sinais de uma experiência pessoal directa que envolveu a morte, estando vivenciado pelo recorrente há já um ano – resposta aos artºs 24º e 25º da base instrutória.

3. O que o obrigou a recorrer a terapêutica psiquiátrica – resposta ao artº 26º da base instrutória.

4. O recorrente teve assistência urgente no Hospital Distrital de Bragança na imediata sequência do acidente, por se encontrar em estado de confusão e sob severa perturbação emocional, repetindo, nos dias 22/1/2006 e 18/3/2006, assistência urgente no Serviço de Atendimento Permanente da Santa Casa da Misericórdia de Lousada em virtude de episódios agudos de stress pós-traumático, além de recorrer à assistência do médico psiquiatra EE em virtude dos padecimentos de stress pós-traumático.

5. É forte o sofrimento psicológico de que padece o recorrente em consequência do embate – resposta ao artº 33º da base instrutória.

6. Trata-se de sofrimento que perdurará durante toda a sua vida – resposta ao artº 34º da base instrutória.
Neste contexto, à luz dos indicados critérios e ponderando as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa do recorrente), a acentuada gravidade do seu sofrimento, que perdurará pelo resto da sua vida, consideramos ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de 10.000,00 €uros. Não nos parece que se justifique a sua elevação para o valor pretendido pelo recorrente, cuja argumentação, neste ponto, merece ser acolhida nessa parte. O mesmo sucedendo igualmente quanto à solidariedade pela responsabilidade que recai sobre a herança do falecido peão e o FGA no pagamento dos danos sofridos pelo recorrente (art.ºs 497º e 513º do Cód. Civil).
IV – Decisão

Nos termos expostos, na concessão parcial da revista, revoga-se o acórdão recorrido, na parte referente ao montante dos danos não patrimoniais, e condenam-se o Fundo de Garantia Automóvel e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD a pagar solidariamente ao autor a quantia de €10.000,00 (dez mil €uros), a título de danos não patrimoniais, e a quantia de €530,75 (quinhentos e trinta €uros e setenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais, importâncias essas a que acrescem os juros anteriormente fixados.

Custas pelo autor e réus na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao autor.




Lisboa, 11 de Abril de 2013

António Joaquim Piçarra (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

___________________________________


[1] Na versão anterior à introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, uma vez que o processo foi instaurado antes de 01 de Janeiro de 2008, data em que entrou em vigor tal diploma legal (cfr. os seus art.ºs 11º, n.º 1, e 12º, n.º 1).
[2] Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 690, Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil anotado, V Volume, pág. 141 e acs. do STJ de 9/12/93, BMJ 432, pág. 342, de 26/4/95, CJ/STJ, ano III, Tomo II, pág. 58, de 13/2/97, BMJ 464, pág. 525.
[3] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, pág. 40-
[4] Cfr., neste sentido, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2001, pág. 634, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, 2000, pág. 176.
[5] Cfr., entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, todos acessíveis, através de www.dgsi.pt, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, pág. 248, bem como os mencionados no acórdão de 2 de Maio de 2012, proferido na revista n.º 1881/06.0TBAMT.P1.S1, relatado pelo Exmº Conselheiro Gabriel Catarino.
[6] Cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 15-04-2010, proferido na revista n.º 355/2002.E1.S1 - 2.ª Secção, acessível, através de www.dgsi.pt e demais doutrina e jurisprudência nele citadas.
[7] Cfr, para maior desenvolvimento, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, pág. 378, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, pág. 599, e Rui Soares Pereira, A Responsabilidade por danos não patrimoniais, Coimbra Editora, 2009, págs. 14, 15, 84 e 85. 
[8] Cfr. Diogo Leite de Campos, NÓS, Estudos Sobre o Direito das Pessoas, Almedina, pág. 319.
[9] Cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui Alarcão, 3ª edição, Almedina, 1966, págs. 166 e ss.
[10] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 9ª edição, Volume I, pág. 630, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 387, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obra citada, págs. 317/318.