Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SESSÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DANOS PATRIMONIAIS STRESS PÓS-TRAUMÁTICO DANOS NÃO PATRIMONIAIS INDEMNIZAÇÃO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS. DIREITO ESTRADAL - TRÂNSITO NAS AUTO-ESTRADAS E VIAS EQUIPARADAS - TRÂNSITO DE PEÕES. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / SENTENÇA / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, V Volume, p. 141 - Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 9ª edição, Volume I, p. 630; Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 690. - Diogo Leite de Campos, Estudos Sobre o Direito das Pessoas, Almedina, p. 319. - Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, 2000, pp. 40,176. - Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, p. 387. - José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil”, Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª edição, pp. 162/163. - José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil”, Anotado, volume 2º, 2001, p. 634. - Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, p. 317/318. - Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui Alarcão, 3ª edição, Almedina, 1966, p. 166 e ss. - Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, p. 599. - Rui Soares Pereira, A Responsabilidade por danos não patrimoniais, Coimbra Editora, 2009, pp. 14, 15, 84 e 85. - Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, p. 248. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 388.º, 389.º, 494.º, 496.º, N.ºS1 E 3, 497.º, 513.º. CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGOS 72.º, N.º1, 75.º, 101.º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 655.º, NºS 1 E 2, 668.º, N.º1 ALÍNEA C), 712.º, N.ºS 1, 4 E 6, 716.º, 722.º, N.º2, 729.º, N.ºS 1, 2 E 3. DL N.º 303/2007, DE 24 DE AGOSTO ART.ºS 11º, N.º 1, E 12º, N.º 1). LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – APROVADA PELA LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO: - ARTIGO 26.º. NOVA LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – APROVADA PELA LEI N.º 52/2008, DE 28 DE AGOSTO: - ARTIGO 33.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 9/12/93, BMJ 432, P. 342, DE 26/4/95, CJ/STJ, ANO III, TOMO II, P. 58, DE 13/2/97, BMJ 464, P. 525. -DE 19/5/2009 E DE 4/10/2007 – 07B2957, DE 10/05/2008 – 08B1343, 10/7/2008 – 08B2101, E DE 6/5/1999 – 99B222, TODOS ACESSÍVEIS, ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT . -DE 15/04/2010, PROFERIDO NA REVISTA N.º 355/2002.E1.S1 - 2.ª SECÇÃO, ACESSÍVEL, ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT E DEMAIS DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA NELE CITADAS. -DE 23/10/2010, CITADO NO ACÓRDÃO DE 2/5/2012, PROFERIDO NA REVISTA N.º 1881/06.0TBAMT.P1.S1. -DE 2/5/2012, PROFERIDO NA REVISTA N.º 1881/06.0TBAMT.P1.S1. | ||
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Sumário : | I - O lesado que fica a padecer de IPP – sendo a força de trabalho um bem patrimonial que propicia rendimentos – tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que a lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis. II - A incapacidade permanente constitui, de per si, um dano patrimonial, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral (presente ou previsivelmente futuro), quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais (actuais ou previsivelmente futuros). III - Não tendo ficado demonstrada qualquer incapacidade permanente em resultado do acidente de viação sofrido pelo autor – a quem incumbia comprová-la, segundo as regras de repartição do ónus da prova (art. 342.º, n.º 1, do CC) – nenhuma indemnização haverá a arbitrar a título de dano patrimonial futuro, devendo o stress pós-traumático de que sofre ser valorizado, não em sede de reparação de qualquer dano patrimonial, mas antes no âmbito da fixação do dano não patrimonial. IV - Enquanto a indemnização ressarcitória, típica do dano patrimonial, colmata uma lacuna de conteúdo económico existente no património do lesado, a reparação que ocorre relativamente ao dano não patrimonial encontra o património do lesado intacto, mas aumenta-o para que, com tal aumento, este possa encontrar uma compensação para a dor e restabelecer o equilíbrio na esfera incomensurável da felicidade humana. V - A indemnização tem aqui por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, de modo a suavizar-lhe as agruras da nova vida diária que terá de enfrentar e a proporcionar-lhe uma melhor qualidade de vida, assumindo ainda uma forma de desagravo em relação ao comportamento do lesante. VI - Tal indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada (natureza ressarcitória); por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar, sancionar ou castigar (cariz punitivo), no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. VII - Provado que, em consequência de um embate do veículo que conduzia com um peão que, numa via em que é proibido o trânsito de peões, iniciou a travessia da faixa de rodagem sem se certificar de que o poderia fazer sem perigo de acidente, o autor sofreu estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julgava a morte, marcada excitabilidade, insónia com pesadelos em que o embate é o tema dominante e pensamentos intrusivos em que o embate surge como cenário principal, devido ao contacto visual que teve com o peão, ensanguentado e disforme, situação que revela um quadro de stress pós-traumático, com sinais de uma experiência pessoal directa que envolveu a morte, o que o obrigou a recorrer a terapêutica psiquiátrica, sendo forte o sofrimento psicológico de que padece o recorrente em consequência do embate, tratando-se de sofrimento que perdurará durante toda a sua vida, ponderando as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa do recorrente) e a gravidade do seu sofrimento, mostra-se adequada a indemnização de € 10 000. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel e BB e mulher, CC, estes na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu filho DD, alegando, em síntese, que: No dia 5/1/2006, pelas 22h45m, no Itinerário Principal 4 (IP4), ocorreu um acidente de viação entre um automóvel ligeiro de passageiros, propriedade do autor e pelo mesmo conduzido, e o peão DD, filho dos réus BB e CC. O DD atravessou a estrada da esquerda para a direita, atento o sentido do autor, surgindo inopinada e repentinamente, de noite, num local em que não é permitida a circulação de peões, sob intenso nevoeiro, sob chuva intensa e sem iluminação própria da via. O autor travou e guinou para a sua direita, mas não logrou evitar o atropelamento daquele, o qual ocorreu na hemi-faixa destinada à circulação do veículo. O acidente de que resultou a morte do DD, portador de taxa de alcoolemia no sangue não inferior a 2,86g/l, deveu-se a culpa do próprio e do condutor desconhecido que o transportou à boleia até ao local, parando o veículo em local para tanto interdito e fazendo sair o peão em zona interdita à sua circulação, apesar de saber que o mesmo se encontrava embriagado. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor sofreu estado confusional, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julga ver a morte, marcada excitabilidade, insónia de grau severo com pesadelos em que o acidente dos autos é tema dominante e pensamentos obsessivos em que o citado acidente surge como cenário principal e traumatizante, devido ao contacto visual que teve com o peão ensanguentado e disforme, com stress pós traumático, o que lhe provoca uma incapacidade parcial permanente [IPP] de 50% e justifica indemnização não inferior a 200.000,00€, atenta a sua idade (34 anos) e vencimento mensal de 1.500,00€, a que acresce o que gastou em médicos (400,00€) e em certidões (39,25€), bem como 50.000,00€ pelo sofrimento psicológico. A responsabilidade pelo ressarcimento desses danos cabe ao réu FGA, nos termos do artº 21º, nº 2 al. a) do Decreto-Lei 522/85, de 31/12, e aos restantes réus, por serem os titulares da herança do peão. Com tais fundamentos concluiu por pedir a condenação dos réus a pagar-lhe, a título indemnizatório e na medida das respectivas responsabilidades a apurar em audiência de julgamento, a quantia de 250.439,25 €uros, acrescida de juros moratórios vincendos desde a citação, à taxa legal. Os demandados apresentaram contestações autónomas: o FGA alegou desconhecer as circunstâncias do sinistro e as respectivas decorrências, concluindo pelo julgamento da causa de acordo com a prova a produzir em audiência, enquanto a Francelina pugnou pela ilegitimidade dos restantes e consequente absolvição da instância, ou se assim se não entender, pela total improcedência da acção, por inexistência de bens na herança do falecido. O autor respondeu a pugnar pela inverificação de qualquer excepção e a manter a sua posição inicial. Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou cada um dos réus a pagar ao autor metade das peticionadas despesas médicas, no montante de 530,75€, ou seja, 265,375€, acrescida de juros desde a instauração da acção, bem como a quantia de 2.000€, a título de danos de natureza não patrimonial, a que acrescerão juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os das restantes peticionadas indemnizações. Discordando dessa decisão, apelaram o autor e o FGA, este subordinadamente, tendo a Relação do Porto, no total inêxito do recurso do primeiro e parcial sucesso do último, decidido modificar a percentagem da repartição de culpa e consequentemente «condenar o FGA a pagar ao autor a quantia de 26,54€, mais os juros desde a instauração da acção, bem como a pagar ao autor a quantia de 200€, acrescendo a esta última quantia juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento», e, por outro lado, «a Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de DD a pagar ao autor a quantia de 504,21€, mais os juros desde a instauração da acção, bem como a pagar ao autor a quantia de 3.800€, acrescendo a esta última quantia juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento». Persistindo inconformado, interpôs o autor recurso de revista, rematando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1. No Acórdão Recorrido existem várias contradições insanáveis entre os factos provados e a respectiva fundamentação, o que origina a apreciação do presente recurso, cfr. art. 722.°, n.° 1 c) art. 716.°, n.° 1 e 668.°, n.° 1 c) do C. P. Civil. 2. Desde logo o Recorrente insiste que a resposta ao quesito 29.° deveria ser “provado apenas que a situação perguntada em 23 provoca no Autor uma Incapacidade Permanente Geral de 10% e não a resposta de “não provado” que foi dada. 3. Para esta afirmação do Recorrente concorre logo o facto de o Acórdão recorrido, ao contrário da sentença de 1.ª instância, afirmar que, no caso dos autos, existe uma verdadeira e circunstanciada perícia médica legal realizada ao Autor na especialidade de Psiquiatria. 4. Reconhece, ainda, o Douto Acórdão recorrido a existência de diagnóstico médico seguro e redundante de stress pós-traumático, o qual representa para o Autor um padecimento crónico, com causa adequada e suficiente no acidente dos autos. 5. Afirma também a propósito o Acórdão recorrido que: “As consequências do sinistro para o próprio autor centram-se em padecimentos psicológicos graves e perpétuos, estando reconhecidos e descritos no relatório médico do psiquiatra EE, com data de 18/05/2006 – coadjuvado com o relatório auxiliar elaborado pelo psicólogo FF, com data de 7/05/2006 – bem como estão essencialmente enunciados, reconhecidos e descritos no relatório psiquiátrico forense realizado pelo psiquiatra GG em 30/04/2010, bem como, mas com detalhe muito inferior, no relatório final do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) de 15/07/2010”, acrescentando que a única divergência que existe entre os psiquiatras atrás referidos tem a ver apenas com o grau de incapacidade (10% em vez de 50%). 6. Afirma-se também no Acórdão recorrido que, ao quadro clínico do Autor existe obrigatoriedade de aplicação da tabela nacional para avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, sendo que nesta, a perturbação de stress pós-traumático está prevista com uma incapacidade de 4 a 10 pontos – código Nb -0000. 7. Portanto, dúvidas não restam de que o Acórdão recorrido considera a existência de lesões e sequelas no Autor, o nexo de causalidade entre estas e o acidente dos autos. 8. Contudo, e não obstante, acaba o Tribunal recorrido por ignorar tal facto e recusa-se a aplicar uma tabela de avaliação do dano que é obrigatória. 9. Isto apenas, com base, pasme-se, no depoimento do Autor em sede de julgamento. 10. Quando no Acórdão recorrido se chega a afirmar até relativamente aos diagnósticos atrás referidos que “se têm como devidamente enunciados, seguros, extensamente redundantes e reportados a estados mórbidos, consolidados sobre a condição psicológica do Autor”. 11. É preciso não esquecer que a incapacidade permanente é de “per si”, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto. 12. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial, com reflexo na actividade geral e profissional, não deverá ser compensada por forma englobante no contexto de dano biológico, mas como dano patrimonial. 13. Por isso, não se compreende como o Acórdão recorrido se recusa a aplicar a referida tabela tendo por base factos que foram provados mas aos quais o Acórdão recorrido se refere como não provados. 14. Ou seja, o Acórdão recorrido refere que o Autor referiu ter efectuado tratamentos médicos do foro psiquiátrico, mas não provou que os tenha feito, quando a resposta ao quesito 28 é de:”provado que o Autor realizou os exames médicos das especialidades de psicologia e psicoterapia constantes de fls. 51 e 256 dos autos”. 15. E quando, como se viu na conclusão V, o Tribunal recorrido aceita que os padecimentos psicológicos graves e perpétuos do Autor estão, nada mais, nada menos, reconhecidos no relatório do médico psiquiatra do A. Quando estava em Portugal, Dr. EE, (cfr. docs juntos com a P.I.). 16. Só que o Tribunal recorrido ignorou, e não devia, que o Recorrente já há muito foi trabalhar para França, onde se encontra a ser tratado com um médico a quem expôs o caso e que o mesmo continuava com calmantes a antidepressivos, (factos que resultam quer do depoimento do Autor, quer do da sua mulher), por isso, impõe-se perguntar: acaso teria o Autor como se refere a fls. 489 do Acórdão recorrido que trazer a depor o médico que o segue em França? 17. Acaso não resulta das regras da experiência comum que uma pessoa com diagnóstico médico seguro redundante de stress pós-traumático, com padecimento crónico de estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia, marcada excitabilidade, insónias com pesadelos, tenha obrigatoriamente que desempenhar a sua actividade profissional como as pessoais, com muito mais esforço do que qualquer outra pessoa que delas não padecesse? 18. Por tudo o que se acabou de referir, não se compreende a relutância do Tribunal em indemnizar o A. A título de dano futuro, nem se compreende que a fls. 495 do Acórdão recorrido, o Tribunal entre em contradição com o alegado a fls. 487 (verso) já que ali apelida as afectações corporais e psicológicas sofridas pelo Autor de pequenas enquanto mais atrás refere que as consequências do sinistro para o próprio Autor centram-se em padecimentos psicológicos graves e perpétuos, como, de facto, são! 19. Entrando, ainda, nas referidas fls. 495, numa outra contradição, quando refere que apenas aceita que o Autor seja indemnizado a título de danos não patrimoniais, porquanto as sequelas de que o mesmo padece tornam apenas mais penoso o seu desempenho laboral. 20. Por isso, não compreende o Recorrente como pode o Tribunal recorrido afirmar a fls. 495 dos autos que as sequelas de que padece tornam mais penoso o respectivo desempenho laboral, para, depois se recusar a aplicar a tabela de incapacidades no âmbito do direito civil e a indemnizá-lo a título de dano patrimonial. 21. Como refere o douto Acórdão de 07/02/2002 – 398/01 é precisamente neste agravamento da penosidade (que o acórdão recorrido aceita existir), para a execução, com regularidade e normalidade das tarefas próprias e habituais do recorrente, nomeadamente no que ao seu desempenho laboral consiste, que deve radicar o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros. 22. Neste sentido ainda cfr. Acórdão de 07/06/2011 do STJ, processo n.° 428/07.5TBFAF.G1.S1. onde se refere que a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimento auferido antes da lesão. 23. Assim, segundo o mesmo Acórdão ainda, para ser atribuída indemnização pelo dano patrimonial futuro não é necessário que a incapacidade determine perda ou diminuição de rendimentos. 24. Concluindo, a lesão da integridade físico-psíquica, uma vez reconhecida a sua existência como dano-evento, como sucede no acórdão recorrido, deverá sempre ser reparada, a título de dano patrimonial, ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos. 25. Com o devido respeito, efabulação existe, antes, quando o Acórdão recorrido refere que o Autor progrediu a nível profissional depois do acidente, pois, como se vê da resposta à matéria de facto (quesito 32), o que acima de tudo sucedeu, foi um aumento do salário mensal do Autor de € 1.500,00 ilíquidos para € 2.132,00. 26. Mas tal também se deveu ao facto de o Autor passar a trabalhar em França, e não em Espanha, como sucedia à data do acidente, cuja distância é muito maior em relação a Portugal, pelo que o referido aumento salarial se deveu, sobretudo, à compensação por tal deslocação maior que o Autor sempre se viu obrigado, e vê ainda a fazer, não se podendo, nem devendo, relacionar tal aumento com o estado de saúde do Autor. 27. O Recorrente está, com o devido respeito, em completo desacordo quanto à graduação da culpa efectuada pelo Tribunal recorrido de 5% para o veículo desconhecido e 95% para o peão. 28. Desde logo, porque em sede de recurso da Matéria de Facto não cabe ao Tribunal da Relação encontrar uma nova conclusão, mas apenas, e tão só verificar se a conclusão expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do recurso, ou seja, a este Tribunal cabia apenas aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e experiência comum, confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em 1.ª instância sobre o material probatório. 29. Assim, olhemos a actuação dos protagonistas do acidente dos autos em função dos factos, sendo que, resulta claro do Acórdão recorrido que ambos violaram as disposições legais do Código da Estrada. 30. Assim, se ambos os intervenientes num acidente de viação violam regras de trânsito destinadas a proteger terceiros em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso, há concorrência de culpas (cfr. Ac. STJ de 03/02/2011, processo 605/05.3TBWD. G1.S1). 31. Ou seja, no caso dos autos, verifica-se uma situação de concausalidade, porquanto, aqueles dois intervenientes tiveram um comportamento ilícito. 32. Só que, existe uma causa de exclusão de ilicitude para o peão – grau de Povoasmia de 2,86g/l – Alínea C) da Matéria Assente – cfr art. 488.° do C. Civil. 33. Por sua vez, o condutor do veículo desconhecido tinha agravantes pois, se sobre si já recaíam os deveres de cuidado, de não parar no IP4 e de para aí não transportar peões, este dever era ainda maior em virtude de um peão que manifestamente não se encontrava sóbrio e que o havia informado do local para onde pretendia ir, o estaleiro das obras onde trabalhava e dormia e que ficava precisamente do outro lado da estrada tendo em conta o local em que aquele veículo parou. 34. Não fez, ainda, a Relação com tal graduação, a melhor ponderação, sendo certo que não se percebe também a decisão do Tribunal Recorrido ao decidir-se pela não aplicação do art. 506.°, n.° 2 do C. Civil, para efeitos da culpa repartida entre partes iguais, por, segundo afirmar, não poder aplicar uma disposição legal destinada a uma situação de dois condutores e nos casos em que há dúvidas sobre as circunstâncias do acidente (cfr. fls. 497 dos autos), para depois não se coibir de fazer uma aplicação analógica do art. 570°, n.° 1 do C. Civil, disposição legal esta destinada aos casos de existência de culpa do lesado, quando, como resulta claramente dos autos, nenhuma culpa o Recorrente/lesado teve no acidente em questão. 35. Aliás, neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, processo n.° O0A010 de 01/02/2000 onde se refere expressamente que “o juiz só pode socorrer-se do normativo contido no art 570, n.° 1 do C. Civil, quando o acto do lesado tiver sido uma das causas do dano, de acordo com o princípio da causalidade adequada”, o que não sucede no caso dos autos. 36. Por outro lado, não colhe o argumento do Acórdão Recorrido de que o pedido do Autor quanto à repartição das culpas não é compatível com a aplicação da regra da solidariedade, por o Autor não a ter peticionado, porquanto, a aplicação de tal regra resulta obrigatoriamente da lei – cfr – art. 513.° do C.C. 37. Resultando também da lei a sua aplicação a situações precisamente como a dos autos, ou seja, quando são várias as pessoas responsáveis pelos danos – cfr. art. 497.°, n.° 1, do C.C. 38. Ora, assim sendo, se tal solidariedade resulta da lei, não tinha o Autor/ora Recorrente que a peticionar, pois ela é de aplicação obrigatória, não podendo o julgador recusar-se a aplicá-la. 39. No caso concreto, são dois os responsáveis pelo acidente dos autos, e como o regime da obrigação em causa é o da solidariedade, os RR. Nesta acção terão que responder pela totalidade da indemnização, sem prejuízo do eventual direito de regresso que lhes assista. 40. Por outro lado, para além de o Recorrente defender a indemnização a título de dano patrimonial peticionada em sede de articulado inicial, também não pode concordar com a manutenção do montante atribuído a título de dano não patrimonial de € 4.000, por ser tal valor manifestamente baixo e desactualizado face aos valores aplicados pelos nossos tribunais. 41. O critério de indemnização neste caso é o da equidade (arts 4.° a) e 566.°, n.° 3 do C. Civil bem como o princípio da uniformidade (art 8.° n.° 3 do C. Civil), por apelo a casos análogos da jurisprudência. 42. Reclamando, assim, o Autor/Recorrente a condenação dos Recorridos em quantia superior que seja justa e de acordo com o que actualmente se pratica nos Tribunais, tendo em conta que o Autor ficou com padecimentos psicológicos graves e perpétuos, reportados ao facto de ter sofrido violentíssimo susto, intenso desgosto e desespero com a visão do peão a colidir com a frente do veículo que conduzia, tendo constatado a morte do peão no próprio local do acidente. 43. Bem como, ao facto de ter ficado a padecer de stress depressivo, ondas de angústia em que se julga a morte, marcada excitabilidade, insónia com pesadelos em que o embate é o tema dominante e pensamentos intuitivos em que o embate surge como cenário principal, devido ao contacto visual que teve com o peão ensanguentado e disforme, o que ocasionou para o ora Recorrente, e para o resto da sua vida, forte sofrimento psicológico. O Fundo de Garantia Automóvel ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista e, uma vez colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II - Fundamentação de facto A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte: 1. O falecido (vítima) DD nasceu em 9/8/1965, no lugar de Paradinha, freguesia de Outeiro, concelho de Bragança, filho de BB e de CC. 2. O autor nasceu em 15/12/1972, na freguesia de Aveleda, concelho de Lousada, filho de HH e de II. 3. Sujeito a perícia toxicológica, realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal ao humor vítreo recolhido à vítima, com amostras recolhidas em 6/1/2006, revelou-se uma taxa de álcool etílico de 2,86g/l. 4. No âmbito dos autos de inquérito que correram termos pelos Serviços do Ministério Público de Bragança, com o NUIPC 4/06.0GTBGC, foi proferido despacho de arquivamento, por não se mostrar viável averiguar, com o grau de convencimento necessário, se algum dos suspeitos e qual deles em concreto, seria responsável por largar a vítima numa via interdita ao trânsito de peões, já noite escura, com chuva e nevoeiro e visivelmente embriagado. 5. No dia 5/1/2006, pelas 22h45m, no Itinerário Principal 4 (IP4), ao quilómetro 221,320, no concelho de Bragança, ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Renault Trafic, matrícula 00-00-00, e o peão DD – resposta ao artº 1º da base instrutória. 6. O veículo 00 era, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5., conduzido pelo autor – resposta ao artº 2º da base instrutória. 7. O autor circulava no veículo 00 pelo IP4, no sentido de marcha Rio Frio/Bragança – resposta ao artº 3º da base instrutória. 8. DD atravessava o IP4, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do autor – resposta ao artº 4º da base instrutória. 9. Fazia-o em local onde, à data do embate, a passagem de peões não era, nem é hoje, permitida – resposta ao artº 5º da base instrutória. 10. O local de embate situa-se numa via rodoviária rápida, em recta, com dois sentidos separados por linha contínua e descontínua – resposta ao artº 6º da base instrutória. 11. Nas condições de tempo e lugar referidas em 5. fazia-se sentir nevoeiro – resposta ao artº 7º da base instrutória. 12. Chovia com pouca intensidade – resposta ao artº 8º da base instrutória. 13. O piso estava molhado – resposta ao artº 9º da base instrutória. 14. Trata-se de uma via sem iluminação – resposta ao artº 11º da base instrutória. 15. Nas referidas circunstâncias, quando o autor circulava ao quilómetro 221,320 do IP4, surgiu da sua esquerda uma pessoa – resposta ao artº 12º da base instrutória. 16. Que depois se constatou tratar-se de DD – resposta ao artº 13º da base instrutória. 17. O autor logo que se apercebeu da presença do DD, a uns 7 ou 8 metros de distância, travou o veículo, com o propósito de evitar o embate, não o conseguindo, apenas imobilizando o veículo 28 metros e 40 centímetros após o embate no peão – resposta aos artºs 14º, 15º e 16º da base instrutória. 18. Embate esse verificado na hemi-faixa de rodagem destinada à circulação do veículo 00 – resposta ao artº 17º da base instrutória. 19. O peão DD circulava nessas circunstâncias depois de ter sido transportado à boleia até ao local do embate – resposta ao artº 18º da base instrutória. 20. O condutor do veículo que o transportava parou no IP4, para deixar sair o DD – resposta ao artº 19º da base instrutória. 21. Como consequência directa e necessária do embate o autor sofreu estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julgava a morte, marcada excitabilidade, insónia com pesadelos em que o embate é o tema dominante e pensamentos intrusivos em que o embate surge como cenário principal, devido ao contacto visual que teve com o peão, ensanguentado e disforme – resposta ao artº 23º da base instrutória. 22. A situação referida em 21. revela um quadro de stress pós traumático, com sinais de uma experiência pessoal directa que envolveu a morte – resposta ao artº 24º da base instrutória. 23. Estando vivenciado pelo autor há já um ano – resposta ao artº 25º da base instrutória. 24. O que obrigou o autor a recorrer a terapêutica psiquiátrica – resposta ao artº 26º da base instrutória. 25. O autor teve assistência urgente no Hospital Distrital de Bragança na imediata sequência do acidente, por se encontrar em estado de confusão e sob severa perturbação emocional, repetindo, nos dias 22/1/2006 e 18/3/2006, assistência urgente no Serviço de Atendimento Permanente da Santa Casa da Misericórdia de Lousada em virtude de episódios agudos de stress pós traumático e dos sintomas referidos em 21., além de recorrer à assistência do médico psiquiatra EE em virtude dos padecimentos de stress pós traumático e dos sintomas referidos em 21., seja em dia anterior a 7/5/2006, seja nos dias 18/5/2006 e 26/9/2006, a que acresceu avaliação psicológica no dia 7/5/2006 feita pelo psicólogo FF – resposta aos artºs 27º e 28º da base instrutória 26. À data de 5/1/2006 o autor exercia a profissão de encofrador da construção civil em Espanha, apresentando a categoria profissional de oficial de primeira e auferindo 1.500€ ilíquidos mensais; passado algum tempo alterou a sua função para encarregado de construção civil em França, auferindo desta feita 2.132€ mensais – resposta aos artºs 30º, 31º e 32º da base instrutória. 27. É forte o sofrimento psicológico de que padece o autor em consequência do embate – resposta ao artº 33º da base instrutória. 28. Trata-se de sofrimento que perdurará durante toda a vida do autor – resposta ao artº 34º da base instrutória. 29. O autor despendeu em despesas médicas até à data, a quantia de 530,75€ - resposta aos artºs 35º e 36º da base instrutória. 30. O autor, nas circunstâncias referidas em 5., circulava a uma velocidade de pelo menos 80 quilómetros por hora – resposta ao artº 37º da base instrutória. 31. As condições atmosféricas de chuva e de nevoeiro e a velocidade a que circulava de pelo menos 80 quilómetros por hora, levaram a que o autor, ao avistar o peão a atravessar a via a uma distância dele de 7 ou 8 metros, com os braços levantados em sinal para o condutor parar, contribuíssem para que não lograsse imobilizar a viatura antes do embate no DD - resposta ao artº 40º da base instrutória. 32. O condutor referido em 20. transportou e deixou no mesmo lugar outro peão, o qual não foi embatido – resposta ao artº 41º da base instrutória. 33. Antes de o veículo 00 chegar ao local do embate, outro veículo, que seguia logo na frente, cruzou com DD sem lhe embater – resposta ao artº 42º da base instrutória. 34. O referido condutor que os transportou advertiu o DD e amigo para o facto de ali não ser permitido parar - resposta aos artºs 43º e 44º da base instrutória. 1. Como consequência directa e necessária do embate o recorrente sofreu estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julgava a morte, marcada excitabilidade, insónia com pesadelos em que o embate é o tema dominante e pensamentos intrusivos em que o embate surge como cenário principal, devido ao contacto visual que teve com o peão, ensanguentado e disforme – resposta ao artº 23º da base instrutória. 2. Esta situação revela um quadro de stress pós-traumático, com sinais de uma experiência pessoal directa que envolveu a morte, estando vivenciado pelo recorrente há já um ano – resposta aos artºs 24º e 25º da base instrutória. 3. O que o obrigou a recorrer a terapêutica psiquiátrica – resposta ao artº 26º da base instrutória. 4. O recorrente teve assistência urgente no Hospital Distrital de Bragança na imediata sequência do acidente, por se encontrar em estado de confusão e sob severa perturbação emocional, repetindo, nos dias 22/1/2006 e 18/3/2006, assistência urgente no Serviço de Atendimento Permanente da Santa Casa da Misericórdia de Lousada em virtude de episódios agudos de stress pós-traumático, além de recorrer à assistência do médico psiquiatra EE em virtude dos padecimentos de stress pós-traumático. 5. É forte o sofrimento psicológico de que padece o recorrente em consequência do embate – resposta ao artº 33º da base instrutória. 6. Trata-se de sofrimento que perdurará durante toda a sua vida – resposta ao artº 34º da base instrutória. Nos termos expostos, na concessão parcial da revista, revoga-se o acórdão recorrido, na parte referente ao montante dos danos não patrimoniais, e condenam-se o Fundo de Garantia Automóvel e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD a pagar solidariamente ao autor a quantia de €10.000,00 (dez mil €uros), a título de danos não patrimoniais, e a quantia de €530,75 (quinhentos e trinta €uros e setenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais, importâncias essas a que acrescem os juros anteriormente fixados. Custas pelo autor e réus na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao autor. Lisboa, 11 de Abril de 2013 António Joaquim Piçarra (Relator) Sebastião Póvoas Moreira Alves ___________________________________ |