Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
48/11.0IDPRT-K.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: JOÃO SILVA MIGUEL
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
PRINCÍPIO DA ACTUALIDADE
PRINCÍPIO DA ATUALIDADE
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
JUIZ
INCOMPETÊNCIA
Data do Acordão: 09/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO ( MEDIDAS DE COAÇÃO ) / OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO / PRISÃO PREVENTIVA / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO.
Doutrina:
- Eduardo Maia Costa, et allii, “Código de Processo Penal” comentado, Almedina, Coimbra, 2014, 908-911.
- Henriques Gaspar, et allii, “Código de Processo Penal” comentado, Almedina, Coimbra, 2014, anotação ao artigo 10.º, 54.
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” — Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, 2007, Coimbra, Coimbra Editora, anotação I, 508, 510.
- Lobo Moutinho, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa” Anotada, Tomo I – 2.ª edição, revista, actualizada e ampliada, 2010, Coimbra: Wolters Kluwer e Coimbra Editora, 698.
- Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Anotado, 17.ª ed., 326.
- Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 17.ª edição, 2009, Livraria Almedina, Coimbra, pp. 552-553.
- Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, “Código de Processo Penal” anotado do 1.º ao artigo 240.º, Vol. I, 3. Edição, 2008, editora Rei dos Livros, Lisboa, 1259-1260, 1373.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, anotação 5 ao artigo 222.º, 635-636.
- Rodrigues Maximiano, “Habeas corpus, em virtude de prisão ilegal – Artº 222, do CPP, 1987. Da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Reflexões e subsídios para a Comissão Revisora do Código de Processo Penal”, Direito e Justiça, Volume XI, Tomo I, 1997, 200.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 10.º, 222.º, N.º2, AL. A), 223.º, N.ºS1 E 4, AL. A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17/05/2007, CJ (STJ), T2, 190, EM SENTIDO CONCORDANTE O AC. STJ DE 5/01/2005, HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF/954F0CE6AD9DD8B980256B5F003FA814/E0D85248A9EF694980256FD9005E4394?OPENDOCUMENT
-DE 10/10/2007, PROCESSO N.º 07P3777, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 18/06/2008, PROCESSO N.º 2166/08, DE 10/12/2008, PROCESSO N.º 3971/08, DE 18/07/2014, PROCESSO N.º 211/13.9SKLSB-A.S1, DE 8/08/2014, PROCESSO N.º 10611/08.0TDPRT-A.S1, E DE 13/11/2014, PROCESSO N.º 311/12.2JELSB-F.S1, CUJOS SUMÁRIOS SE MOSTRAM ACESSÍVEIS EM HTTP://WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMARIOS .
-DE 10/04/2010, PROCESSO N.º 84/10.3YFLSB, PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (CJ-ASTJ), ANO XVIII, TOMO II/2010, PP. 196-197.
-DE 14/05/2014, PROCESSO N.º 248/13.8JACBR-A.C1-B.S1. REJEITANDO A APLICAÇÃO DA PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS À MEDIDA DE COAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO, VEJA-SE O ACÓRDÃO DE 3/11/2011, PROCESSO N.º 105/11.2YFLSB.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 12/03/2015, PROCESSO N.º 121/11.4PTLRA-A.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 28/08/2015, PROCESSO N.º 601/15.2YRLSB-A.S1.
Sumário :

I - São fundamentos de habeas corpus, nos termos do disposto no art. 222.º, n.º 2, do CPP, a ilegalidade da prisão proveniente de ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente, ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite, ou manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
II - A ilegalidade da prisão pressuposta no pedido de habeas corpus convoca o princípio da atualidade, entendido no sentido de que a ilegalidade da prisão deve ser atual, por referência ao momento em que o pedido é apreciado.
III - Apesar da norma da al. a) do n.º 2 do art. 222.º do CPP se referir a prisão e no caso tratar-se de obrigação de permanência na habitação, deve dela fazer-se uma interpretação extensiva, de modo a considerar abrangida na sua previsão a obrigação de permanência na habitação, posição que conta com o apoio uniforme da doutrina.
IV - Há uma essencial identidade da doutrina no entendimento de que para efeitos de integração da previsão daquela norma a entidade incompetente refere-se, apenas, aos casos em que a prisão é ordenada por quem não tem o estatuto de juiz, irrelevando, para os mesmos efeitos, as situações de incompetência territorial ou funcional.
V - O art. 222.º, n.º 2, al. a), do CPP, ao aludir à ilegalidade da prisão efetuada ou ordenada por entidade incompetente, apenas contempla situações em que a prisão é decretada por outra autoridade que não um juiz, a apelidada prisão a non judice, não abrangendo situações em que a prisão é determinada por juiz incompetente.
VI - O reexame da medida de coação efetuado por despachos judiciais proferidos por juiz do julgamento e não por juiz de instrução criminal, quem detinha competência, no entender do requerente, não constitui fundamento de pedido de habeas corpus, nos termos do art. 222.º, n.º 2, al. a), do CPP.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Relatório

1.   AA, arguido identificado nos autos supra referidos e à ordem dos quais se encontra sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação, vem, através de advogado, nos termos dos artigos 31.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 222.º do Código do Processo Penal (CPP), requerer a providência de Habeas Corpus, com os fundamentos que se transcrevem[1]:

«1. Ao arguido foi imposta a medida de coação de prisão preventiva por despacho proferido, a final do interrogatório ocorrido em 06/11/2013

2. Tal medida veio a ser substituída pela sucedânea de OPHVE, por despacho proferido em 13/10/2014.[2]

3. O arguido reconhece a censurabilidade que merece a sua conduta.

4. O arguido tem assumido uma conduta disciplinar irrepreensível no estabelecimento prisional e no cumprimento da OPHVE.

5. Não são aqui sindicáveis as razões de discordância do arguido no mencionado no artigo 1 e 2 deste requerimento.[3]

6. Em Requerimento, enviado a 15 de Abril de 2015, (fls. 12.425) ao abrigo do disposto nos artigos 212º, n,º1, a) e b) e n.º 3 do CPP, o arguido veio, pedir a revogação da medida de coação de OPHVE, eventualmente cumulada com a Obrigação de Apresentação Periódica, por entender que a mesma fora aplicada fora das hipóteses e condições previstas na lei, e ainda, porque supervenientemente deixaram de existir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.

7. Por despacho, datado de 22 de Abril de 2015, o Mmo Juiz do Tribunal da Comarca de Lisboa – Instância Central – 1ª Secção Criminal – J19, decidiu indeferir o requerido. Igualmente não são aqui sindicáveis as razões de discordância do arguido.

8. Por despacho de fls 16.337 a 16.341, datado de 5 de Maio de 2015, foi julgada procedente a exceção da incompetência territorial da 1ª Secção Criminal da Instancia Central da Comarca de Lisboa.

9. Por despacho, datado de 10 de Julho de 2015, a fls. 16.498 a 16.501, foi julgada procedente a exceção da incompetência territorial do Tribunal da Comarca do Porto, Vila do Conde – Inst. Central – 2ª secção Criminal.

10. Por despacho datado de 24 de Agosto de 2015 foi suscitado o conflito de competência entre a 2ª Secção Criminal Instancia Central, Vila do Conde, da Comarca do Porto e a 1ª Secção Criminal da Instancia Central da Comarca de Lisboa e foi remetido ao Venerando Tribunal da Relação do Porto a fim de ser preferida superior decisão.

11. Em Requerimento, enviado a 20 de Julho de 2015, (fls. 16.533) o arguido veio requerer a alteração da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica aditando para tanto circunstâncias da sua vida pessoal, supervenientes, que reputou de suficientes para fixação de medida de coação não privativa da liberdade.

12. Por despacho, datado de 22 de Julho de 2015, o Mmo Juiz do Tribunal da Comarca do Porto, Vila do Conde, Instancia Central, da 2ª Secção Criminal, J1, decidiu indeferir o requerido. Igualmente não são aqui sindicáveis as razões de discordância do arguido.

12. Este despacho foi imediatamente precedido de despacho que apreciou a revisão da medida de coação e que determinou que o arguido continua-se [sic] a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito á medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica. Não obstante nesta data, 22 de Julho de 2015, atenta a data da última revisão (6 de Março de 2015) se encontrar já ultrapassado o prazo de revisão previsto no artigo 213 do CPP. Não é aqui sindicável tal irregularidade.
13. Acontece que, a Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015 não transitou em julgado.
14. Isto porque, a arguida BB interpôs recurso da Decisão Instrutória de Pronúncia.
15. Por despacho do Tribunal Central de Instrução Criminal proferido em 28/08/2015 não foi admitido tal recurso.
16. Desse despacho aquela arguida reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
17. Por decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/06/2015 não foi admitido o recurso da arguida.
18. Contudo, a mesma arguida, interpôs, tempestivamente, Recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70º, da LTC. Nesse requerimento de interposição de recurso a arguida impugnou simultaneamente a decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/06/2015, o despacho do Tribunal Central de Instrução Criminal proferido em 28/08/2015 e a Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015.

19. O mencionado recurso veio a merecer o douto despacho, datado de 3 de Julho de 2015, de admissão por ser legítimo e tempestivo. Conferiu-lhe subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo.
20. Pelo que subiram os autos ao Venerando Tribunal Constitucional.
21. Dispõe o artigo 70.º, n.º 2, da LGT, que os recursos previstos na alínea b), do n.º 1, do mesmo artigo, apenas cabem das decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, só sendo, pois, recorríveis para o Tribunal Constitucional as decisões definitivas.
22. E o n.º 3, do mesmo artigo, esclarece que são equiparados a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou retenção do recurso.
23. Assim, das três decisões impugnadas por aquela arguida/recorrente apenas uma tem, por ora, caráter definitivo, uma vez que o despacho do Tribunal de Instrução Criminal proferido em 28/04/2015, foi objeto de reclamação, a qual já foi apreciada pela decisão do Vice-Presidente da Relação de Lisboa, sendo esta a decisão que, constituindo a “ultima palavra” na ordem jurisdicional recorrida sobre o tema em questão, é recorrível para o Tribunal Constitucional, enquanto a Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015 ainda não tem carácter definitivo porque ainda se encontra em discussão a sua recorribilidade, dado que ainda não transitou em julgado a referida decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por força do recurso apresentado pela arguida para o Tribunal Constitucional.
24. Note-se que sendo três as decisões impugnadas pela arguida/recorrente no Recurso para o Tribunal Constitucional são também três os fundamentos que sustentam o recurso para o Tribunal Constitucional.
25. Das três decisões impugnadas a que tem a virtualidade de impedir o trânsito em julgado da Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015 é a que impugna a decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/06/2015 (Decisão da Reclamação de não admissão do Recurso).
26. Dos três fundamentos do Recurso para o Tribunal Constitucional o que tem a virtualidade de impedir o trânsito em julgado da Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015 é o que versa sobre a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação da norma do n.º1 do art. 310.º CPP, no sentido da irrecorribilidade, para Tribunal hierarquicamente superior, da decisão do Juiz de Instrução que aprecia a sua própria competência material e da correspondente nulidade insanável.
27. Esta questão de inconstitucionalidade invocada no âmbito da admissibilidade do Recurso é uma questão de apreciação prévia relativamente às restantes duas inconstitucionalidades invocadas. Apenas no caso de ser admitido o Recurso é que caberia a apreciação da sindicância daquelas questões. A inserção das mesmas no requerimento de Recurso justifica-se pelo ónus que impede sobre a arguida de não abandono das questões de inconstitucionalidade. Disso deu a mesma arguida conta no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal constitucional conforme consta das páginas 9 e 24 daquele requerimento de recurso.

28. O mencionado recurso para o Tribunal Constitucional veio a merecer o douto despacho de que lhe conferiu efeito suspensivo, subida imediata e nos próprios autos.
29. Tudo ao abrigo do disposto nos artigos 70, n.º1, al. b) e n.º 2 e artigo 78º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
30. O artigo 78º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro alterado pela Lei n.º 13-A/98, de 26/02 com a epigrafe (Efeitos e regime de subida) prescreve que:
1 - O recurso interposto de decisão que não admita outro, por razões de valor ou alçada, tem os efeitos e o regime de subida do recurso que no caso caberia se o valor ou a alçada o permitissem.
2 - O recurso interposto de decisão da qual coubesse recurso ordinário, não interposto ou declarado extinto, tem os efeitos e o regime de subida deste recurso.
3 - O recurso interposto de decisão proferida já em fase de recurso mantém os efeitos e o regime de subida do recurso anterior, salvo no caso de ser aplicável o disposto no número anterior.
4 - Nos restantes casos, o recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos. “ [s.n.]
5 - Quando, por aplicação das regras dos números anteriores, ao recurso couber efeito suspensivo, o Tribunal, em conferência, pode, oficiosamente e a título excepcional, fixar-lhe efeito meramente devolutivo, se, com isso, não afectar a utilidade da decisão a proferir.”
31. O artigo Artigo 408.º do CPP (Recurso com efeito suspensivo) prescreve que
“1 - Têm efeito suspensivo do processo:
a) Os recursos interpostos de decisões finais condenatórias, sem prejuízo do disposto no artigo 214.º;
b) O recurso do despacho de pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º
2 - Suspendem os efeitos da decisão recorrida:
a) Os recursos interpostos de decisões que condenarem ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, se o recorrente depositar o seu valor;
b) O recurso do despacho que julgar quebrada a caução;
c) O recurso de despacho que ordene a execução da prisão, em caso de não cumprimento de pena não privativa da liberdade;
d) O recurso de despacho que considere sem efeito, por falta de pagamento de taxa de justiça, o recurso da decisão final condenatória.
3 - Os recursos previstos no n.º 1 do artigo anterior têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos actos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos.” [s.n.]
32. Ora, não tendo a Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015 transitado em julgado porque foi admitido aquele recurso para o Tribunal Constitucional com efeito suspensivo do processo,
33. O poder jurisdicional do Juiz de Instrução não se esgotou no processo.
34. Ao abrigo do disposto no artigo 17.º, [do] CPP, compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento.
35. Pelo que se entende que era ao Juiz de Instrução, porque titular do poder jurisdicional do processo, a apreciação dos reexames dos pressupostos da obrigação de permanência na habitação ao abrigo do artigo 213.º do CPP.
36. Daí que o despacho de 22 de Julho de 2015 proferido pelo Mmo Juiz do Tribunal da Comarca do Porto, Inst. Central – 2ª Secção Criminal que apreciou a revisão da medida de coação e que determinou que o arguido continua-se [sic] a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito á medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica esteja ferido de vício de inexistência porque proferido por quem não está investido do poder jurisdicional.[4]
37. Não se desconhece o entendimento de que o incumprimento do dever de trimestralmente, de proceder ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva constitui mera irregularidade, mas não a ilegalidade da prisão, pelo que não seria admissível a utilização da providência de Habeas Corpus. [5]
37. Contudo o despacho, datado de 22 de Abril de 2015, do Mmo Juiz do Tribunal da Comarca de Lisboa – Instância Central – 1ª Secção Criminal – J19, que decidiu indeferir o Requerimento, enviado a 15 de Abril de 2015, (fls. 12.425) ao abrigo do disposto nos artigos 212º, n,º1, a) e b) e n.º 3 do CPP, no qual arguido veio, pedir a revogação da medida de coação de OPHVE por entender que a mesma fora aplicada fora das hipóteses e condições previstas na lei, e ainda, porque supervenientemente deixaram de existir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação

38. Bem como o despacho, datado de 22 de Julho de 2015, proferido pelo Mmo Juiz do Tribunal da Comarca do Porto, Vila do Conde, Instancia Central, da 2ª Secção Criminal, J1, que decidiu indeferir o Requerimento, enviado a 20 de Julho de 2015, (fls. 16.533) no qual o arguido veio requerer a alteração da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica aditando para tanto circunstâncias da sua vida pessoal, supervenientes, que reputou de suficientes para fixação de medida de coação não privativa da liberdade.
40. Estão feridos do vício de inexistência porque proferidos por quem não está investido do poder jurisdicional.[6] Tal poder pertence ao Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal.
41. Aqueles despachos decretaram a medida de coação de OPHVE não obstante terem existido circunstâncias supervenientes que tinham a virtualidade, pelo menos teoricamente, atenuar as exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coação.

42. Porque se está no domínio de decretar medida de coação com circunstâncias supervenientes e necessariamente diferentes das circunstâncias que presidiram á decretação da medida de coação de OPHVE decretada ab inicio 13/10/2014, por entidade incompetente, é indubitável que a situação do arguido se enquadra no previsto na alínea a) do n.º 2, do artigo 222.º, [do] CPP.

43. Não é possível o recurso ordinário de decisão que remeteu o processo do Tribunal Central de Instrução Criminal para distribuição para Tribunal de julgamento. O recurso ordinário incidiu sobre a decisão instrutória.
44. Com efeito, revestindo a providência de habeas corpus carácter excecional destina-se a mesma a atalhar de modo urgente e simplificado a casos de ilegalidade patente, flagrante, evidente.
45. O vício decorrentes de não respeitar a decisão de Tribunal Superior que conferiu efeito suspensivo ao processo,
46. O vício decorrente de atribuir á Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015 carácter definitivo quando ainda se encontra em discussão a sua recorribilidade, dado que ainda não transitou em julgado a referida decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por força do recurso apresentado pela arguida para o Tribunal Constitucional,
47. E ainda o vício decorrente da violação das competências do Juiz de instrução previstas no artigo 17.º do CPP
48. Integram casos de inexistência porque os vícios referidos naqueles atos processuais revelam inexistência da própria relação jurídica processual. Este conceito de vício, atípico, de consagração doutrinal, está guardado para estes casos de maior gravidade, e têm sido apontados para atos praticados a non judice, de usurpação do poder judicial, ou de inexistência ou falta de jurisdição ou de usurpação da função judicial.».

A final, depois de requerer que a providência fosse instruída com a documentação que indicou, pede que seja «declarada a ilegalidade da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica e, consequentemente, ordenada a imediata libertação do requerente.»

2.   Da informação prestada nos temos do n.º 1 do artigo 223.º do CPP, destaca-se o seguinte:

«Na sequência do interrogatório judicial, foi aplicada ao arguido a medida de prisão preventiva a 6.11.2013; foi posteriormente alterado o seu estatuto coactivo e o arguido foi sujeito à medida de OPHVE que lhe foi aplicada por despacho de 13.10.2014 em substituição daquela prisão preventiva.

As sucessivas revisões/reexames tiveram lugar a 31.10.2014; 21.01.2015; 6.03.2015 e 16.07.2015; 22.07.2015 sendo que a 22.04.2015 foi indeferido o requerimento formulado pelo arguido de alteração do seu estatuto coactivo.

O arguido veio interpor recurso deste último despacho, o qual veio a ser já apreciado e julgado improcedente por douto acórdão de 21.08.2015 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (conforme certidão da mesma remetida entretanto, sendo que o respectivo apenso ainda não baixou).»

3. Solicitado ao Tribunal Constitucional informação sobre o estado do recurso de constitucionalidade, foi recebida informação de que, por decisão sumária do dia 3 de setembro pp, tinha sido decidido não conhecer do recurso interposto pela recorrente AA.

4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência pública, nos termos dos artigos 223.º, n.º 3, e 435.º ambos do CPP, em que aquele se pronunciou pelo indeferimento da providência, e o requerente manteve a pretensão, cumprindo tornar pública a respetiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.


II. Fundamentação

a. Matéria de facto

Da documentação junta e com relevância para a apreciação e decisão da petição está assente que:
i.Sujeito a primeiro interrogatório judicial, foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, em 6 de novembro de 2013, por estar suficientemente indiciada a prática de crimes de fraude fiscal qualificada, associação criminosa e branqueamento, p e p. pelos artigos 103.º, 104.º e 89.º do Regime Jurídico das Infrações Tributárias (RGIT) e 386.º-A do Código Penal (CP), de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 3.º, n.º 5, alínea d), 2.º, n.º 3, alínea p), 3.º, n.os 3, 4, alínea b), e 2, alínea r), e 86.º, n.º 1, alíneas e) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;
ii.O reexame dos pressupostos da prisão preventiva foi efetuado através de despachos judiciais de 5 de fevereiro de 2014 (Fls 9089 a 9103), de 28 de abril de 2014 (Fls 10467 a 10475), de 17 de julho de 2014 (fls 11002 a 11012), em todos eles sendo mantida a mesma e, em 13 de outubro de 2014 foi a medida substituída pela de permanência na habitação mediante vigilância eletrónica (Fls 12535 a 12545);
iii.Em 6 de março de 2015 foi proferido despacho de pronúncia que manteve aquela medida de coação (Fls 15164 a 15821), vindo a mesma a ser reapreciada e mantida pelos despachos de 22 de abril de 2015 (Fls 16307 a 16311), proferido pelo Senhor juiz da Comarca de Lisboa – Instância Central – 1.ª secção criminal – J19, e de 22 de julho de 2015 (Fls 16598 e 16599), proferido pelo Senhor juiz de turno da Comarca do Porto, Vila do Conde, Instância central – 2.ª secção criminal – J3;
iv.Do despacho de 22 de abril de 2015 e por com ele não se conformar, por pretender inexistirem indícios que justifiquem a medida permanência na habitação mediante vigilância eletrónica ou que a mesma fosse alterada por outra menos gravosa, interpôs o arguido recurso para o tribunal da relação de Lisboa que, por acórdão de 21 de agosto de 2015, foi julgado improcedente e mantida a decisão recorrida;
v. Da decisão instrutória de pronúncia, uma coarguida interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, já julgado, por decisão sumária de 3 de setembro de 2015, ainda não transitada em julgado, tendo sido decidido não conhecer do recurso interposto pela recorrente.

b. O direito

1. A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece no artigo 31.º, n.os 1 e 2, que o próprio ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal.

O instituto do habeas corpus «consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros. (…). «Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade»,[7] podendo ser requerido «contra decisões irrecorríveis, (…) mas não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal».[8]

Para a reação contra medidas privativas de liberdade neste quadro, exige-se a verificação cumulativa de dois requisitos: (1) o abuso de poder; (2) a existência de prisão ou detenção», mas aquele abuso de poder «deve afetar o direito à liberdade, ou seja a liberdade física, a liberdade de movimentos e consequente direito a não ser detido, aprisionado, confinado a um espaço. A prisão e detenção devem ser ilegais, ou seja, contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas de liberdade[9].
2. No desenvolvimento do princípio constitucional, o artigo 222.º, n.º 2, do CPP preceitua que «a ilegalidade da prisão [deve] ser proveniente de: a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial», sendo que sobre excesso dos prazos, «a ilegalidade deve ser direta e inequivocamente resultar dos elementos juntos aos autos, conjugados com a legislação aplicável. Será o caso da subsistência da prisão preventiva para além dos prazos fixados no art. 215.º (…)»[10].

Na apreciação da alegada ilegalidade da prisão importa convocar o princípio da atualidade, entendido no sentido de que a ilegalidade da prisão deve ser atual, por referência ao momento em que é necessário apreciar o pedido[11].

3. O requerente na petição de habeas corpus por prisão ilegal invoca unicamente o fundamento previsto na alínea a) (ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, o qual retira do facto de o reexame da medida de coação efetuado pelos despachos judiciais de 22 de abril e de 22 de julho de 2015 terem sido proferidos pelos juízes do julgamento e não pelo juiz de instrução criminal, que, no seu entender, era quem tinha competência para o efeito, uma vez que a decisão instrutória ainda não tinha transitado em julgado, estando, assim, tais despachos «feridos do vício de inexistência porque proferidos por quem não está investido do poder jurisdicional», uma vez que «tal poder pertence ao Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal», e desse modo, a ilegalidade da prisão está ferida dos vícios de «não respeitar a decisão de Tribunal Superior que conferiu efeito suspensivo ao processo», de «atribuir á Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015 carácter definitivo quando ainda se encontra em discussão a sua recorribilidade», e o vício «decorrente da violação das competências do Juiz de instrução previstas no artigo 17.º do CPP».
Como o próprio requerente afirma e constitui jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, a providência de habeas corpus destina-se «a atalhar de modo urgente e simplificado a casos de ilegalidade patente, flagrante, evidente» de prisão.
Também por se tratar, «pela sua natureza de medida extraordinária, não se destina a declarar nulidades do processo, que devam ser apreciadas em recurso ordinário, estando reservada para reagir, de modo imediato e urgente, contra os casos de ilegalidade manifesta, grosseira, indiscutível, sem margem para dúvidas, de uma situação de prisão, por violação direta, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação»[12].
Apreciar-se-á se, como pretende o requerente, os despachos proferidos pelos senhores juízes da fase de julgamento, aquando do reexame da medida de coação, nos termos do artigo 213.º do CPP e que a mantiveram foram proferidos por entidade incompetente, constituindo o fundamento de habeas corpus previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.
Assume-se, assim, como é jurisprudência deste Supremo Tribunal, ainda que não unânime, que, apesar da norma se referir a prisão e no caso estarmos perante uma obrigação de permanência na habitação, «deve dela fazer-se uma interpretação extensiva, de modo a considerar abrangida na sua previsão a obrigação de permanência na habitação»[13], posição que conta com o apoio uniforme da doutrina[14].

4. Sobre o conteúdo e limites da expressão «entidade incompetente» da alínea a) do n.º 2 do artigo 222.º, a doutrina tem afirmado que «[a] incompetência compreende apenas a de caracter material, a falta de jurisdição, ou seja, haverá incompetência apenas se a entidade que efetuou ou ordenou a prisão não tem o estatuto requerido para ordenar a prisão, isto é, se não tem o estatuto de juiz»[15], logo acrescentando que a «incompetência funcional ou territorial do juiz não constitui incompetência para os efeitos deste artigo»[16], devendo entender-se por competência funcional, a que se reporta o artigo 10.º do CPP, à ordenação e delimitação da competência material «no que respeita ao desenvolvimento do processo dentro de cada instância, mediante competências diversas conforme as fases da promoção e desenvolvimento processual (…). No processo penal, designadamente, as diversas fases do processo (ou os actos normativamente delimitados) estão referidas a competências funcionais diversificadas: o inquérito; a instrução; o julgamento, estas sem possibilidade de cumulação funcional do juiz (artigo 40.º do CPP)»[17].

Outro Autor[18] refere que a prisão por autoridade incompetente respeita a «prisão ordenada por outra autoridade que não um juiz (prisão a non judice)», neste fundamento não se incluindo «a prisão determinada por juiz incompetente, pois o juiz incompetente também pode ordenar a prisão preventiva (artigo 33.º, n.º 3)».

Ainda na mesma linha de pensamento, diz-se que ocorre a situação prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP quando, «por exemplo, o mandado de prisão foi assinado por quem não seja juiz, contrariando o disposto no artigo 194.º, n.º 1, [do CPP] ou a prisão não resulte de uma decisão condenatória»[19].

Há, pois, uma essencial identidade da doutrina no entendimento de que para efeitos de integração da previsão da norma a entidade incompetente refere-se, apenas, aos casos em que a prisão é ordenada por quem não tem o estatuto de juiz, irrelevando, para os mesmos efeitos, as situações de incompetência territorial ou funcional.
5. A jurisprudência deste Supremo Tribunal já interpretou a alínea a) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, numa situação com algum paralelismo com a presente[20], no qual se afirmou:
«Se na sua petição de habeas corpus o peticionante manifesta o entendimento de que o tribunal que decretou a prisão preventiva, e que a manteve, o TIC de Lisboa, é incompetente para o efeito, nos termos do art. 47.º, n.os 1, als. e) e f), e n.º 4, als. a) e b), da Lei 60/98, de 27-08 (EMP), e do art. 80.º, n.os 1 e 2, da Lei 3/99, de 13-01 (LOFTJ), uma vez que lhe são imputados crimes cometidos em distritos judiciais diferentes, e que competente, para a direcção da investigação, seria o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e, para a prática dos actos jurisdicionais, como o decretamento da prisão preventiva, o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), não está a invocar a incompetência “material”, como pretende, mas sim a incompetência meramente funcional, já que ambos os tribunais, TIC e TCIC, se inserem na jurisdição criminal, divergindo apenas quanto ao âmbito territorial/funcional, tendo este último uma competência territorial mais vasta (nacional), mas apenas para certos tipos de crime. (…) esta situação está fora do âmbito do habeas corpus, pois a incompetência que se refere na al. a) do n.º 2 do art. 222.º do CPP é, essencialmente, a falta de jurisdição, ou seja, a situação em que a entidade que decidiu a prisão é alguém que não detém poder jurisdicional para intervir e decidir no caso concreto: ser a decisão tomada por alguém que não é juiz, ou por um juiz de jurisdição diferente, ou por um juiz fora do âmbito do processo; em todos esses casos estamos perante um abuso de poder.»

Mais recentemente[21], esta jurisprudência foi reafirmada nos seguintes termos: «a lei ao aludir no art. 222.º, n.º 2, aI. a), do Cód. Proc. Penal, à ilegalidade da prisão efectuada ou ordenada por entidade incompetente, apenas contempla situações em que a prisão é decretada por outra autoridade que não um juiz, a apelidada prisão a non judice, não abrangendo situações em que a prisão é determinada por juiz incompetente, tanto mais que, de acordo com o n.º 3 do artigo 33.º daquele diploma legal, as medidas de coacção ordenadas por tribunal declarado incompetente conservam eficácia mesmo após a declaração de incompetência.»

Diga-se ainda e por último que, mesmo que os aludidos despachos judiciais de reexame da medida de coação proferidos padecessem de vícios, em particular o de inexistência pretendido pelo peticionante, esse vício reconduzir-nos-ia a uma falta de reexame da medida, omissão que, como o próprio reconhece, no n.º 37 do requerimento, não constitui fundamento de habeas corpus, porquanto «a omissão desse reexame, quando obrigatório, ou a sua efetivação tardia, constitui uma simples irregularidade processual, como tem sido afirmado uniformemente por este Supremo Tribunal, quer antes quer depois da nova redação dada à norma pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, como flui, nomeadamente, dos acórdãos de 17 de maio de 2007, processo n.º 1795/07, e de 26 de setembro de 2007, processo n.º 3502/07, ambos proferidos no domínio da anterior versão do preceito, e de 25 de março de 2009, antes citado, e de 2 de outubro 2014, processo n.º 107/14.7YFLSB.S1, ambos no domínio da nova lei»[22].

Por todo o exposto, não constituindo a factualidade trazida à apreciação deste Supremo Tribunal o fundamento previsto na alínea a), nem qualquer outra, do nº 2 do artigo 222º do CPP, o pedido de habeas corpus é de indeferir, por manifesta falta de fundamento legal.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Indeferir a providência de habeas corpus, requerida por AA, por manifesta falta de fundamento legal [artigo 223.º, n.º 4, alínea a), do CPP];
b) Fixar as custas do requerente, em 3 unidades de conta (UC) de taxa de justiça, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo artigo 18.º do Decreto-
-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e publicado como seu Anexo III, objeto de retificação e alterações posteriores, nomeadamente pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro. Nos termos do artigo 223.º, n.º 6, do CPP, por se tratar de pedido manifestamente infundado, o requerente vai também condenado em 10 (dez) UC’s.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de setembro de 2015

(Processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Os Juízes Conselheiros,

João Silva Miguel

Manuel Augusto de Matos

Pires da Graça

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[1]     Maiúsculas, sublinhados e itálicos nesta e noutras transcrições, como no original.

[2]     A essencialidade da fundamentação da medida de coação imposta ao arguido, radica no facto da sua companheira deter património ou esperar vir a deter, e daí se antecipar com grande probabilidade a possibilidade de, por essa via, ser facilmente conseguido o estabelecimento dele e até de ambos no estrangeiro. (vide fls. 12538, página 645, 650 e 655 da decisão instrutória). O que suscita no Tribunal uma premência de verificação de um concreto e forte perigo de fuga.

Acresce o facto da decisão instrutória reforçar os fundamentos para os pressupostos de facto e de direitos que estiveram subjacentes á aplicação da medida de coação (vide página 650). Aquela alteração do estatuto do arguido proveio da fundamentação que aqui se transcreve de fls 12542: “Assim, verificando-se em concreto, no entendimento do detentor da ação penal, a existência de uma diminuição das exigências cautelares que o caso requer, deferindo-se ao doutamente promovido pelo detentor da ação penal e, por no quadro do principio do pedido, se mostrarem cabidas face á dosimetria penal abstrata e nada nos ser licito fazer em sentido contrário no ordenamento jurídico processual, que nos cumpre acatar e aplicar, nas circunstancias descritos determino: ….” Em sede de Decisão Instrutória foi proferida a seguinte decisão constante da página 650: “Assim, atento o despacho de pronúncia supra do arguido AA que se encontra sujeito à medida de OPHVE, nos termos e no cumprimento do disposto no artº 213º n.º1 al. b) do CPP, por entretanto se não mostrarem alterados os pressupostos de facto e de direito que lhe estiveram subjacentes, outrossim, se mostram tais fundamentos reforçados com a prolação da presente decisão instrutória, concordando com o doutamente promovido pelo MºPº, mantém-se a medida de coação de OPHVE, imposta ao arguido AA”

[3]     Há-de ser a existência, em concreto, dos perigos enunciados no artigo 204º do CPP e não a gravidade dos crimes indiciariamente cometidos, que fundamenta a imposição de medidas de coação.

Ora, se sobre a arguida, Isabel Lages, companheira do arguido, o Tribunal formula um juízo de prognose favorável no que concerne ao perigo de fuga, aquando da análise da medida de coação para esta arguida, não parece suficientemente fundamentada, equitativa ou razoável a posição do Tribunal quando aprecia a possibilidade do perigo de fuga, em sede de revisão da medida de coação ao arguido.

Tanto mais que faz depender a possibilidade de fuga deste arguido de um ato de vontade da arguida e consequentemente “do património que aquela detém, ou espera vir a deter”.

Vai ainda mais longe neste tratamento diferenciado: quando aprecia a revisão da medida de coação do arguido, tem como provável a possibilidade de fuga desta com aquele, mas já assim não o prevê quando analisa a medida de coação daquela arguida.

A lei não presume o perigo de fuga. Exige-se antes que esse perigo seja concreto, não bastando a mera probabilidade de fuga deduzida de abstratas e genéricas presunções. Deve antes fundamentar-se sobre elementos de facto que indiciem concretamente aquele perigo, nomeadamente porque revelam a preparação da fuga.

Acresce que esse perigo está reduzido quando o arguido tem a totalidade dos seus bens arrestados e o património da arguida assenta em bens imóveis, que mantém desde o início dos autos.
[4]     V. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal, Anot.”, 17.ª ed., pág. 326.
[5]     Nota: Ac. STJ de 17-05-2007, CJ(STJ), T2, p.190, em sentido concordante é citado ainda o Ac. STJ de 5-01-2005, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e0d85248a9ef694980256fd9005e4394?OpenDocument
[6]     V. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal, Anot.”, 17.ª ed., pág. 326 e “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2014, pág. 909.
[7]     J J Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, 2007, Coimbra, Coimbra Editora, anotação I, p. 508.
[8]     Idem, anotação V, p. 510.
[9]     Ob. loc. cit, anotação II, p. 508.
[10]   Eduardo Maia Costa et allii, Código de Processo Penal comentado, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 910-911.
[11]   Entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 18 de junho de 2008, processo n.º 2166/08, de 10 de dezembro de 2008, processo n.º 3971/08, de 18 de julho de 2014, processo n.º 211/13.9SKLSB-A.S1, de 8 de agosto de 2014, processo n.º 10611/08.0TDPRT-A.S1, e de 13 de novembro de 2014, processo n.º 311/12.2JELSB-F.S1, cujos sumários se mostram acessíveis em http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios.
[12]   Acórdão de 12 de março de 2015, proferido no processo n.º 121/11.4PTLRA-A.S1, acessível tal como outros citados no texto, quando outra fonte não for especificada, na base de dados do IGFEJ em http://www.dgsi.pt/.
[13]   Vd., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de maio de 2014, processo n.º 248/13.8JACBR-A.C1-B.S1. Rejeitando a aplicação da providência de habeas corpus à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, veja-se o acórdão de 3 de novembro de 2011, processo n.º 105/11.2YFLSB.S1.
[14]   Eduardo Maia Costa et allii, ob. cit., p. 909; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, anotação 5 ao artigo 222.º, p. 636; Lobo Moutinho, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – 2.ª edição, revista, actualizada e ampliada, 2010, Coimbra: Wolters Kluwer e Coimbra Editora, p. 698; Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 17.ª edição, 2009, Livraria Almedina, Coimbra, pp. 552-553; Rodrigues Maximiano, Habeas corpus, em virtude de prisão ilegal – Artº 222, do CPP, 1987. Da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Reflexões e subsídios para a Comissão Revisora do Código de Processo Penal, in «Direito e Justiça», Volume XI, TomoI, 1997, p. 200. Em sentido dissonante, Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código de Processo Penal anotado do 1.º ao 240.º artigos, Vol. I, 3. Edição, 2008, editora Rei dos Livros, Lisboa, pp. 1259-1260.
[15]   Eduardo Maia Costa et allii, ob. cit., p.p. 908-909.
[16]   Idem.
[17]   Henriques Gaspar et allii, Código de Processo Penal comentado, Almedina, Coimbra, 2014, anotação ao artigo 10.º, p. 54.
[18]   Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., anotação 1 ao artigo 222.º, p. 635.
[19]   Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, ob. cit., p. 1373.
[20]   Acórdão de 10 de outubro de 2007, processo n.º 07P3777.
[21]   Acórdão de 10 de abril de 2010, processo n.º 84/10.3YFLSB, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (CJ-ASTJ), Ano XVIII, Tomo II/2010, pp. 196-197.
[22]   Acórdão de 28 de agosto de 2015, processo n.º 601/15.2YRLSB-A.S1, ainda não publicado.