Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOÃO SILVA MIGUEL | ||
| Descritores: | HABEAS CORPUS PRISÃO ILEGAL PRINCÍPIO DA ACTUALIDADE PRINCÍPIO DA ATUALIDADE OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO JUIZ INCOMPETÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 09/17/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
| Decisão: | INDEFERIDO | ||
| Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO ( MEDIDAS DE COAÇÃO ) / OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO / PRISÃO PREVENTIVA / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO. | ||
| Doutrina: | - Eduardo Maia Costa, et allii, “Código de Processo Penal” comentado, Almedina, Coimbra, 2014, 908-911. - Henriques Gaspar, et allii, “Código de Processo Penal” comentado, Almedina, Coimbra, 2014, anotação ao artigo 10.º, 54. - J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” — Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, 2007, Coimbra, Coimbra Editora, anotação I, 508, 510. - Lobo Moutinho, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa” Anotada, Tomo I – 2.ª edição, revista, actualizada e ampliada, 2010, Coimbra: Wolters Kluwer e Coimbra Editora, 698. - Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Anotado, 17.ª ed., 326. - Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 17.ª edição, 2009, Livraria Almedina, Coimbra, pp. 552-553. - Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, “Código de Processo Penal” anotado do 1.º ao artigo 240.º, Vol. I, 3. Edição, 2008, editora Rei dos Livros, Lisboa, 1259-1260, 1373. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, anotação 5 ao artigo 222.º, 635-636. - Rodrigues Maximiano, “Habeas corpus, em virtude de prisão ilegal – Artº 222, do CPP, 1987. Da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Reflexões e subsídios para a Comissão Revisora do Código de Processo Penal”, Direito e Justiça, Volume XI, Tomo I, 1997, 200. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 10.º, 222.º, N.º2, AL. A), 223.º, N.ºS1 E 4, AL. A). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º, N.ºS 1 E 2. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 17/05/2007, CJ (STJ), T2, 190, EM SENTIDO CONCORDANTE O AC. STJ DE 5/01/2005, HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF/954F0CE6AD9DD8B980256B5F003FA814/E0D85248A9EF694980256FD9005E4394?OPENDOCUMENT -DE 10/10/2007, PROCESSO N.º 07P3777, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 18/06/2008, PROCESSO N.º 2166/08, DE 10/12/2008, PROCESSO N.º 3971/08, DE 18/07/2014, PROCESSO N.º 211/13.9SKLSB-A.S1, DE 8/08/2014, PROCESSO N.º 10611/08.0TDPRT-A.S1, E DE 13/11/2014, PROCESSO N.º 311/12.2JELSB-F.S1, CUJOS SUMÁRIOS SE MOSTRAM ACESSÍVEIS EM HTTP://WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMARIOS . -DE 10/04/2010, PROCESSO N.º 84/10.3YFLSB, PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (CJ-ASTJ), ANO XVIII, TOMO II/2010, PP. 196-197. -DE 14/05/2014, PROCESSO N.º 248/13.8JACBR-A.C1-B.S1. REJEITANDO A APLICAÇÃO DA PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS À MEDIDA DE COAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO, VEJA-SE O ACÓRDÃO DE 3/11/2011, PROCESSO N.º 105/11.2YFLSB.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 12/03/2015, PROCESSO N.º 121/11.4PTLRA-A.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 28/08/2015, PROCESSO N.º 601/15.2YRLSB-A.S1. | ||
| Sumário : | I - São fundamentos de habeas corpus, nos termos do disposto no art. 222.º, n.º 2, do CPP, a ilegalidade da prisão proveniente de ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente, ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite, ou manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. II - A ilegalidade da prisão pressuposta no pedido de habeas corpus convoca o princípio da atualidade, entendido no sentido de que a ilegalidade da prisão deve ser atual, por referência ao momento em que o pedido é apreciado. III - Apesar da norma da al. a) do n.º 2 do art. 222.º do CPP se referir a prisão e no caso tratar-se de obrigação de permanência na habitação, deve dela fazer-se uma interpretação extensiva, de modo a considerar abrangida na sua previsão a obrigação de permanência na habitação, posição que conta com o apoio uniforme da doutrina. IV - Há uma essencial identidade da doutrina no entendimento de que para efeitos de integração da previsão daquela norma a entidade incompetente refere-se, apenas, aos casos em que a prisão é ordenada por quem não tem o estatuto de juiz, irrelevando, para os mesmos efeitos, as situações de incompetência territorial ou funcional. V - O art. 222.º, n.º 2, al. a), do CPP, ao aludir à ilegalidade da prisão efetuada ou ordenada por entidade incompetente, apenas contempla situações em que a prisão é decretada por outra autoridade que não um juiz, a apelidada prisão a non judice, não abrangendo situações em que a prisão é determinada por juiz incompetente. VI - O reexame da medida de coação efetuado por despachos judiciais proferidos por juiz do julgamento e não por juiz de instrução criminal, quem detinha competência, no entender do requerente, não constitui fundamento de pedido de habeas corpus, nos termos do art. 222.º, n.º 2, al. a), do CPP. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, arguido identificado nos autos supra referidos e à ordem dos quais se encontra sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação, vem, através de advogado, nos termos dos artigos 31.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 222.º do Código do Processo Penal (CPP), requerer a providência de Habeas Corpus, com os fundamentos que se transcrevem[1]: «1. Ao arguido foi imposta a medida de coação de prisão preventiva por despacho proferido, a final do interrogatório ocorrido em 06/11/2013 2. Tal medida veio a ser substituída pela sucedânea de OPHVE, por despacho proferido em 13/10/2014.[2] 3. O arguido reconhece a censurabilidade que merece a sua conduta. 4. O arguido tem assumido uma conduta disciplinar irrepreensível no estabelecimento prisional e no cumprimento da OPHVE. 5. Não são aqui sindicáveis as razões de discordância do arguido no mencionado no artigo 1 e 2 deste requerimento.[3] 6. Em Requerimento, enviado a 15 de Abril de 2015, (fls. 12.425) ao abrigo do disposto nos artigos 212º, n,º1, a) e b) e n.º 3 do CPP, o arguido veio, pedir a revogação da medida de coação de OPHVE, eventualmente cumulada com a Obrigação de Apresentação Periódica, por entender que a mesma fora aplicada fora das hipóteses e condições previstas na lei, e ainda, porque supervenientemente deixaram de existir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação. 7. Por despacho, datado de 22 de Abril de 2015, o Mmo Juiz do Tribunal da Comarca de Lisboa – Instância Central – 1ª Secção Criminal – J19, decidiu indeferir o requerido. Igualmente não são aqui sindicáveis as razões de discordância do arguido. 8. Por despacho de fls 16.337 a 16.341, datado de 5 de Maio de 2015, foi julgada procedente a exceção da incompetência territorial da 1ª Secção Criminal da Instancia Central da Comarca de Lisboa. 9. Por despacho, datado de 10 de Julho de 2015, a fls. 16.498 a 16.501, foi julgada procedente a exceção da incompetência territorial do Tribunal da Comarca do Porto, Vila do Conde – Inst. Central – 2ª secção Criminal. 10. Por despacho datado de 24 de Agosto de 2015 foi suscitado o conflito de competência entre a 2ª Secção Criminal Instancia Central, Vila do Conde, da Comarca do Porto e a 1ª Secção Criminal da Instancia Central da Comarca de Lisboa e foi remetido ao Venerando Tribunal da Relação do Porto a fim de ser preferida superior decisão. 11. Em Requerimento, enviado a 20 de Julho de 2015, (fls. 16.533) o arguido veio requerer a alteração da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica aditando para tanto circunstâncias da sua vida pessoal, supervenientes, que reputou de suficientes para fixação de medida de coação não privativa da liberdade. 12. Por despacho, datado de 22 de Julho de 2015, o Mmo Juiz do Tribunal da Comarca do Porto, Vila do Conde, Instancia Central, da 2ª Secção Criminal, J1, decidiu indeferir o requerido. Igualmente não são aqui sindicáveis as razões de discordância do arguido. 12. Este despacho foi imediatamente precedido de despacho que apreciou a revisão da medida de coação e que determinou que o arguido continua-se [sic] a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito á medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica. Não obstante nesta data, 22 de Julho de 2015, atenta a data da última revisão (6 de Março de 2015) se encontrar já ultrapassado o prazo de revisão previsto no artigo 213 do CPP. Não é aqui sindicável tal irregularidade. 19. O mencionado recurso veio a merecer o douto despacho, datado de 3 de Julho de 2015, de admissão por ser legítimo e tempestivo. Conferiu-lhe subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo. 28. O mencionado recurso para o Tribunal Constitucional veio a merecer o douto despacho de que lhe conferiu efeito suspensivo, subida imediata e nos próprios autos. 38. Bem como o despacho, datado de 22 de Julho de 2015, proferido pelo Mmo Juiz do Tribunal da Comarca do Porto, Vila do Conde, Instancia Central, da 2ª Secção Criminal, J1, que decidiu indeferir o Requerimento, enviado a 20 de Julho de 2015, (fls. 16.533) no qual o arguido veio requerer a alteração da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica aditando para tanto circunstâncias da sua vida pessoal, supervenientes, que reputou de suficientes para fixação de medida de coação não privativa da liberdade. 42. Porque se está no domínio de decretar medida de coação com circunstâncias supervenientes e necessariamente diferentes das circunstâncias que presidiram á decretação da medida de coação de OPHVE decretada ab inicio 13/10/2014, por entidade incompetente, é indubitável que a situação do arguido se enquadra no previsto na alínea a) do n.º 2, do artigo 222.º, [do] CPP. 43. Não é possível o recurso ordinário de decisão que remeteu o processo do Tribunal Central de Instrução Criminal para distribuição para Tribunal de julgamento. O recurso ordinário incidiu sobre a decisão instrutória. A final, depois de requerer que a providência fosse instruída com a documentação que indicou, pede que seja «declarada a ilegalidade da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica e, consequentemente, ordenada a imediata libertação do requerente.» 2. Da informação prestada nos temos do n.º 1 do artigo 223.º do CPP, destaca-se o seguinte: «Na sequência do interrogatório judicial, foi aplicada ao arguido a medida de prisão preventiva a 6.11.2013; foi posteriormente alterado o seu estatuto coactivo e o arguido foi sujeito à medida de OPHVE que lhe foi aplicada por despacho de 13.10.2014 em substituição daquela prisão preventiva. As sucessivas revisões/reexames tiveram lugar a 31.10.2014; 21.01.2015; 6.03.2015 e 16.07.2015; 22.07.2015 sendo que a 22.04.2015 foi indeferido o requerimento formulado pelo arguido de alteração do seu estatuto coactivo. O arguido veio interpor recurso deste último despacho, o qual veio a ser já apreciado e julgado improcedente por douto acórdão de 21.08.2015 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (conforme certidão da mesma remetida entretanto, sendo que o respectivo apenso ainda não baixou).» 3. Solicitado ao Tribunal Constitucional informação sobre o estado do recurso de constitucionalidade, foi recebida informação de que, por decisão sumária do dia 3 de setembro pp, tinha sido decidido não conhecer do recurso interposto pela recorrente AA. 4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência pública, nos termos dos artigos 223.º, n.º 3, e 435.º ambos do CPP, em que aquele se pronunciou pelo indeferimento da providência, e o requerente manteve a pretensão, cumprindo tornar pública a respetiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu. a. Matéria de facto Da documentação junta e com relevância para a apreciação e decisão da petição está assente que: b. O direito 1. A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece no artigo 31.º, n.os 1 e 2, que o próprio ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal. O instituto do habeas corpus «consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros. (…). «Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade»,[7] podendo ser requerido «contra decisões irrecorríveis, (…) mas não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal».[8] Para a reação contra medidas privativas de liberdade neste quadro, exige-se a verificação cumulativa de dois requisitos: (1) o abuso de poder; (2) a existência de prisão ou detenção», mas aquele abuso de poder «deve afetar o direito à liberdade, ou seja a liberdade física, a liberdade de movimentos e consequente direito a não ser detido, aprisionado, confinado a um espaço. A prisão e detenção devem ser ilegais, ou seja, contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas de liberdade[9]. Na apreciação da alegada ilegalidade da prisão importa convocar o princípio da atualidade, entendido no sentido de que a ilegalidade da prisão deve ser atual, por referência ao momento em que é necessário apreciar o pedido[11]. 3. O requerente na petição de habeas corpus por prisão ilegal invoca unicamente o fundamento previsto na alínea a) (ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, o qual retira do facto de o reexame da medida de coação efetuado pelos despachos judiciais de 22 de abril e de 22 de julho de 2015 terem sido proferidos pelos juízes do julgamento e não pelo juiz de instrução criminal, que, no seu entender, era quem tinha competência para o efeito, uma vez que a decisão instrutória ainda não tinha transitado em julgado, estando, assim, tais despachos «feridos do vício de inexistência porque proferidos por quem não está investido do poder jurisdicional», uma vez que «tal poder pertence ao Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal», e desse modo, a ilegalidade da prisão está ferida dos vícios de «não respeitar a decisão de Tribunal Superior que conferiu efeito suspensivo ao processo», de «atribuir á Decisão Instrutória de Pronúncia de 06/03/2015 carácter definitivo quando ainda se encontra em discussão a sua recorribilidade», e o vício «decorrente da violação das competências do Juiz de instrução previstas no artigo 17.º do CPP». 4. Sobre o conteúdo e limites da expressão «entidade incompetente» da alínea a) do n.º 2 do artigo 222.º, a doutrina tem afirmado que «[a] incompetência compreende apenas a de caracter material, a falta de jurisdição, ou seja, haverá incompetência apenas se a entidade que efetuou ou ordenou a prisão não tem o estatuto requerido para ordenar a prisão, isto é, se não tem o estatuto de juiz»[15], logo acrescentando que a «incompetência funcional ou territorial do juiz não constitui incompetência para os efeitos deste artigo»[16], devendo entender-se por competência funcional, a que se reporta o artigo 10.º do CPP, à ordenação e delimitação da competência material «no que respeita ao desenvolvimento do processo dentro de cada instância, mediante competências diversas conforme as fases da promoção e desenvolvimento processual (…). No processo penal, designadamente, as diversas fases do processo (ou os actos normativamente delimitados) estão referidas a competências funcionais diversificadas: o inquérito; a instrução; o julgamento, estas sem possibilidade de cumulação funcional do juiz (artigo 40.º do CPP)»[17]. Outro Autor[18] refere que a prisão por autoridade incompetente respeita a «prisão ordenada por outra autoridade que não um juiz (prisão a non judice)», neste fundamento não se incluindo «a prisão determinada por juiz incompetente, pois o juiz incompetente também pode ordenar a prisão preventiva (artigo 33.º, n.º 3)». Ainda na mesma linha de pensamento, diz-se que ocorre a situação prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP quando, «por exemplo, o mandado de prisão foi assinado por quem não seja juiz, contrariando o disposto no artigo 194.º, n.º 1, [do CPP] ou a prisão não resulte de uma decisão condenatória»[19]. Há, pois, uma essencial identidade da doutrina no entendimento de que para efeitos de integração da previsão da norma a entidade incompetente refere-se, apenas, aos casos em que a prisão é ordenada por quem não tem o estatuto de juiz, irrelevando, para os mesmos efeitos, as situações de incompetência territorial ou funcional. Mais recentemente[21], esta jurisprudência foi reafirmada nos seguintes termos: «a lei ao aludir no art. 222.º, n.º 2, aI. a), do Cód. Proc. Penal, à ilegalidade da prisão efectuada ou ordenada por entidade incompetente, apenas contempla situações em que a prisão é decretada por outra autoridade que não um juiz, a apelidada prisão a non judice, não abrangendo situações em que a prisão é determinada por juiz incompetente, tanto mais que, de acordo com o n.º 3 do artigo 33.º daquele diploma legal, as medidas de coacção ordenadas por tribunal declarado incompetente conservam eficácia mesmo após a declaração de incompetência.» Diga-se ainda e por último que, mesmo que os aludidos despachos judiciais de reexame da medida de coação proferidos padecessem de vícios, em particular o de inexistência pretendido pelo peticionante, esse vício reconduzir-nos-ia a uma falta de reexame da medida, omissão que, como o próprio reconhece, no n.º 37 do requerimento, não constitui fundamento de habeas corpus, porquanto «a omissão desse reexame, quando obrigatório, ou a sua efetivação tardia, constitui uma simples irregularidade processual, como tem sido afirmado uniformemente por este Supremo Tribunal, quer antes quer depois da nova redação dada à norma pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, como flui, nomeadamente, dos acórdãos de 17 de maio de 2007, processo n.º 1795/07, e de 26 de setembro de 2007, processo n.º 3502/07, ambos proferidos no domínio da anterior versão do preceito, e de 25 de março de 2009, antes citado, e de 2 de outubro 2014, processo n.º 107/14.7YFLSB.S1, ambos no domínio da nova lei»[22]. Por todo o exposto, não constituindo a factualidade trazida à apreciação deste Supremo Tribunal o fundamento previsto na alínea a), nem qualquer outra, do nº 2 do artigo 222º do CPP, o pedido de habeas corpus é de indeferir, por manifesta falta de fundamento legal.
III. Decisão Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em: * Supremo Tribunal de Justiça, 17 de setembro de 2015 (Processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
Os Juízes Conselheiros,
João Silva Miguel
Manuel Augusto de Matos
Pires da Graça ----------------- [2] A essencialidade da fundamentação da medida de coação imposta ao arguido, radica no facto da sua companheira deter património ou esperar vir a deter, e daí se antecipar com grande probabilidade a possibilidade de, por essa via, ser facilmente conseguido o estabelecimento dele e até de ambos no estrangeiro. (vide fls. 12538, página 645, 650 e 655 da decisão instrutória). O que suscita no Tribunal uma premência de verificação de um concreto e forte perigo de fuga. Acresce o facto da decisão instrutória reforçar os fundamentos para os pressupostos de facto e de direitos que estiveram subjacentes á aplicação da medida de coação (vide página 650). Aquela alteração do estatuto do arguido proveio da fundamentação que aqui se transcreve de fls 12542: “Assim, verificando-se em concreto, no entendimento do detentor da ação penal, a existência de uma diminuição das exigências cautelares que o caso requer, deferindo-se ao doutamente promovido pelo detentor da ação penal e, por no quadro do principio do pedido, se mostrarem cabidas face á dosimetria penal abstrata e nada nos ser licito fazer em sentido contrário no ordenamento jurídico processual, que nos cumpre acatar e aplicar, nas circunstancias descritos determino: ….” Em sede de Decisão Instrutória foi proferida a seguinte decisão constante da página 650: “Assim, atento o despacho de pronúncia supra do arguido AA que se encontra sujeito à medida de OPHVE, nos termos e no cumprimento do disposto no artº 213º n.º1 al. b) do CPP, por entretanto se não mostrarem alterados os pressupostos de facto e de direito que lhe estiveram subjacentes, outrossim, se mostram tais fundamentos reforçados com a prolação da presente decisão instrutória, concordando com o doutamente promovido pelo MºPº, mantém-se a medida de coação de OPHVE, imposta ao arguido AA” [3] Há-de ser a existência, em concreto, dos perigos enunciados no artigo 204º do CPP e não a gravidade dos crimes indiciariamente cometidos, que fundamenta a imposição de medidas de coação. Ora, se sobre a arguida, Isabel Lages, companheira do arguido, o Tribunal formula um juízo de prognose favorável no que concerne ao perigo de fuga, aquando da análise da medida de coação para esta arguida, não parece suficientemente fundamentada, equitativa ou razoável a posição do Tribunal quando aprecia a possibilidade do perigo de fuga, em sede de revisão da medida de coação ao arguido. Tanto mais que faz depender a possibilidade de fuga deste arguido de um ato de vontade da arguida e consequentemente “do património que aquela detém, ou espera vir a deter”. Vai ainda mais longe neste tratamento diferenciado: quando aprecia a revisão da medida de coação do arguido, tem como provável a possibilidade de fuga desta com aquele, mas já assim não o prevê quando analisa a medida de coação daquela arguida. A lei não presume o perigo de fuga. Exige-se antes que esse perigo seja concreto, não bastando a mera probabilidade de fuga deduzida de abstratas e genéricas presunções. Deve antes fundamentar-se sobre elementos de facto que indiciem concretamente aquele perigo, nomeadamente porque revelam a preparação da fuga. Acresce que esse perigo está reduzido quando o arguido tem a totalidade dos seus bens arrestados e o património da arguida assenta em bens imóveis, que mantém desde o início dos autos. |