Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CID GERALDO | ||
| Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO EXTEMPORANEIDADE | ||
| Data do Acordão: | 03/24/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
| Sumário : | I - A admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação dos seguintes requisitos formais e substanciais (arts. 437.º e 438.º, n.os 1 e 2, do CPP): II - Quanto aos pressupostos formais, deverá sublinhar-se que o recurso para fixação de jurisprudência é, por definição legal, um recurso extraordinário que deve ser interposto no prazo de 30 dias, contados sobre o trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido). III - O acórdão recorrido é, no caso, o proferido pela 9.ª Secção do tribunal da Relação de Lisboa, Proc. nº 307/20.0KRLSB. L1 que, negando provimento ao recurso interposto, confirmou a decisão da 1.ª instância, de condenação do recorrente na pena de dois anos e oito meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do art. 152.º, n.os 1, als. a) e c) e 2, al. a), do CP. IV - A situação em apreço não tem cabimento nas als. a), c) e d), do n.º 1, do art. 432.º, do CPP, e o acórdão proferido pela 9.ª Secção do tribunal da Relação de Lisboa, Proc. nº 307/20.0KRLSB. L1, não admitia recurso ordinário, uma vez que a decisão é enquadrável no âmbito do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, e não foi apresentada reclamação do acórdão recorrido. V - Nos casos em que a decisão seja irrecorrível, o respetivo trânsito em julgado verifica-se passados que sejam 10 dias, por ser esse o prazo geral para a prática de atos processuais (art. 105.º, n.º 1, do CPP), nomeadamente nulidades, e por ser esse também o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional (art. 75.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro). VI - Resulta da certidão emitida em 5/01/2021, pela 9.ª Secção tribunal da Relação de Lisboa (Referência 17862594), que o acórdão recorrido foi exarado nos autos em 14/10/2021, sendo notificado ao Magistrado do Ministério Público por termo electrónico no dia 22/10/2021 e por via electrónica em 14/10/2021, à Ilustre Mandatária do recorrente, tendo o mesmo transitado no dia 22/11/2021, e independentemente do que possa vir certificado nos autos a tal respeito, o certo é que resulta dessa mesma certidão que o acórdão recorrido foi notificado ao Ministério Público por termo de 22.10.2021 e à ilustre mandatária do arguido, ora recorrente, por via electrónica em 14.10.2021, daqui resultando presumir-se o arguido notificado no dia 18.10.2021 (primeiro dia útil seguinte). VII - Porque o acórdão proferido pela 9.ª Secção do tribunal da Relação de Lisboa, Proc. nº 307/20.0KRLSB. L1, não admitia recurso ordinário nem foi objecto de reclamação nem de arguição de nulidades, transitou em julgado decorridos 10 dias após a notificação ao Ministério Público (por ter sido a que ocorreu em último lugar), ou seja, no subsequente dia 2 de Novembro de 2021 (o 10º dia, 1 de Novembro, corresponde a um dia feriado), e não em 18.11.2021, como pretende o recorrente. VIII - Tendo o requerimento de interposição do recurso e respetiva motivação dado entrada em 21/12/2021, o mesmo é intempestivo face ao disposto no art. 438.º, n.º 1, do CPP, impondo-se a sua rejeição, por inadmissibilidade legal, atenta a respectiva extemporaneidade – arts. 441.º, n.º 1 e 438.º, n.º 1, ambos do CPP. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 307/20.0KRLSB.L1-A.S1
Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência
I. Relatório
1. O arguido AA vem interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos e para os efeitos dos artºs 437.º e seguintes do C.P.Penal, do Acórdão proferido no Proc. nº 307/20…., pela ….ª Secção do Tribunal da Relação …, notificado ao arguido em 14/10/2021 (Acórdão-Recorrido), por se encontrar em oposição com o Acórdão da Relação de Lisboa (Acórdão-Fundamento), proferido no Proc. n.º 749/19.4PBSNT.L1-3, datado de 14/10/2020. * 2. No recurso apresentado, extrai as seguintes conclusões:
“I- O Acórdão proferido no Proc. nº 307/20...., que correu termos na ...ª Secção do Tribunal da Relação …, em que foi arguido o ora recorrente (transitado em julgado em 18/11/2021) está em oposição com o Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no Proc. nº 749/19.4PBSNT.L1-3, datado de 14/10/2020 e já transitado em julgado, em foi Relator Cristina de Almeida e Sousa, disponível em www.gde.mj.pt. II- Em ambos os Acórdãos, estão em causa factos susceptíveis de integrarem, a prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo Artº 152º, nºs 1 e nº 2 do Código Penal, estando, pois, em causa, a interpretação e aplicação da mesma norma jurídica. III- Em ambos os casos está em causa uma única conduta, ou seja, a prática de um acto de execução isolada, tratando-se, pois, de duas situações de facto muito idênticas. IV- Com base nos factos dados como provados em 1ª instância, foi entendido, no Acórdão-Recorrido, que se mostravam preenchidos todos os elementos típicos do crime de violência doméstica e, como tal, foi o arguido condenado pela prática de tal crime, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão. V- Com base nos factos dados como provados, o Acórdão-Fundamento, entendeu absolver o arguido pela prática do crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152º nº 1 alíneas b) e c) e nº 2 alínea a) do Código Penal (pelo qual havia sido condenado em primeira instância) e condená-lo, apenas, como autor material de um crime de ameaça simples, p. e p. pelo art. 153º nº 1 do Código Penal. VI- No Acórdão-Fundamento, foi entendido que a regra continua a ser a de que o crime de violência doméstica é um crime de estrutura objectiva plúrima, reiterada e pluriofensiva e que só excepcionalmente, uma única conduta será suficiente, em atenção à especial severidade na ofensa à dignidade da vítima que seja apta a causar, para consumar tal crime. VII- O crime de violência doméstica, apenas se concretiza através de uma única conduta, em situações absolutamente excepcionais, em que um único acto «assuma uma intensa crueldade, insensibilidade, desprezo pela consideração do outro como pessoa, isto é, quando o comportamento singular só por si é claramente ofensivo da dignidade pessoal», quando a «gravidade intrínseca do mesmo preencha o tipo de ilícito» VIII- O comportamento único deve ser tal que, pela sua brutalidade ou intensidade ou pela motivação ou estado de espírito que o anima, seja de molde a ressentir-se de modo indelével na saúde física ou psíquica da vítima. IX- Uma conduta apenas pode preencher o tipo penal, se for praticada com intensidade suficiente para colocar em crise o bem jurídico protegido, notando-se um especial desvalor da acção e do resultado, o que se verificará na análise das circunstâncias do caso concreto. X- O crime de violência doméstica só se verifica se, à luz das mais elementares regras de senso comum, os factos dados como provados, integram uma carga de amesquinhamento ou coisificação da personalidade da pessoa visada, ou de predomínio ou abuso de poder por parte do arguido sobre o ofendido. XI- Pelo contrário, o Acórdão Recorrido, entendeu, que, mesmo sem grandes consequências para a ofendida, quer em termos físicos, quer em termos psíquicos, ou seja, mesmo sem se provar a violação da dignidade pessoal e da saúde física e psíquica de BB, na qualidade de ex-cônjuge do arguido e de mãe de dois dos seus dois filhos, no contexto da separação do casal (já que os factos provados não assumem a tal intensa crueldade, insensibilidade, desprezo, aviltamento da dignidade humana), ainda assim, uma ÚNICA conduta é susceptível de integrar a prática do crime de violência doméstica e, com base em tal entendimento, condenou o arguido pela prática do referido crime. XII- Perante factos idênticos e no âmbito da mesma questão de direito (a aplicabilidade do Artº 152º do Código Penal, quando se está perante uma única conduta), o Acórdão- Fundamento entendeu não existir uma absoluta rigidez da lei, enquanto que o Acórdão- Recorrido, entende, pelo contrário, que tal rigidez se verifica: basta o preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica e, independentemente da gravidade dos factos e das consequências para o ofendido, o crime está, automaticamente, consumado. XIII- Verifica-se, pois, oposição de julgados, sobre a mesma questão fundamental de direito, em situações factuais idênticas e no domínio da mesma legislação, já que, no lapso temporal que medeia a prolação dos dois Acórdãos, não se verificou qualquer alteração legislativa, estando em causa a aplicação do mesmo quadro normativo. XIV- Foi esta evidente oposição que motivou o presente recurso e deve, no interesse geral do ordenamento jurídico e, em particular, no intuito de uma justa apreciação do caso concreto, ser superada, fixando-se para esse caso e para os casos futuros, a solução de direito adoptada pelo Acórdão-Fundamento. XV- Mostram-se verificados, no caso em apreço, todos os requisitos formais e substanciais para a admissibilidade do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência. XVI- Assim, sem prejuízo do oferecimento das competentes alegações, no momento processualmente fixado para o efeito, desde já se requer, a revogação do Acórdão-Recorrido, e a fixação de jurisprudência no sentido da adopção da solução de direito adoptada pelo Acórdão-Fundamento. Decidindo de acordo com o atrás exposto, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA! * 3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação … respondeu ao recurso, concluindo:
1- Ambos acórdãos se encontram transitados em julgado; 2- No período de tempo que mediou entre a data em que foi proferido o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, não houve lugar a alteração da norma que lhe serve de fundamento: 3- O Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento pronunciaram-se sobre a mesma questão de direito - aplicabilidade do art.° 152.° do CP quando se está perante uma única conduta do agente - de forma uniforme; 4- De facto, ambos entendem que a conduta única, para preencher o crime de violência doméstica, deve ser uma conduta grave e especialmente censurável; 5- A divergência nos acórdãos Recorrido e Fundamento quanto à qualificação jurídica da conduta típica e ilícita dos autores dos factos provados, não reside na interpretação que é feita da norma em causa, mas sim nos factos provados e na valoração que deles é feita em cada uma dessas decisões; 6- Não estamos, pois, segundo cremos, perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas; 7- Não ocorre, assim, a oposição de julgados suscitada pelo Recorrente e, consequentemente, não se verificam os requisitos legais previstos no art. 437.° do Código de Processo Penal. * 4. Distribuído o processo como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 439.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o processo foi com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no art. 440.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, tendo o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da extemporaneidade do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 3 – Da extemporaneidade do recurso. Preceitua o n.º 1 do artigo 438.º do C.P.P. que o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. Uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, tal como se define no artigo 628.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), aplicável ex vi do artigo 4.º do C.P.P. Tem sido precisamente a partir deste artigo 628.º do C.P.C. que o Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) tem vindo a densificar o conceito de trânsito em julgado para efeitos de contagem do prazo do recurso de fixação de jurisprudência. E, com base nele, tem vindo a decidir que «(…) no caso em que o recurso não é admissível para o STJ, a decisão transita a partir do momento em que já não é possível reagir processualmente à mesma, estabilizando-se o decidido, pelo que, no caso de decisões que não admitam recurso, o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou de apresentação do pedido de correcção (arts 379º, 380º e 425º, nº 4 do CPP), ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no nº 1 do artº 105º do CPP, em caso de não arguição ou de não apresentação de pedido de correcção e, em caso de arguição, após o trânsito da decisão que conhece da arguição, data a partir da qual se inicia a contagem do prazo dos recursos extraordinários que pressupõe trânsito em julgado. Deste modo, impede-se a abertura de uma nova via para prolongar, ou seja, alterar os prazos legalmente estabelecidos.». Importa, pois, verificar a data em que efectivamente teve lugar o trânsito em julgado do acórdão de que foi interposto o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, independentemente do que possa vir certificado nos autos a tal respeito (sendo que na certidão emitida em 05.01.2022 se encontra a menção de que o acórdão ora sob recurso transitou em julgado em 22.11.2021). Ora, resulta dessa mesma certidão que o acórdão recorrido foi notificado ao Ministério Público por termo de 22.10.2021 e à ilustre mandatária do arguido, ora recorrente, por via electrónica em 14.10.2021, daqui resultando presumir-se o arguido notificado no dia 18.10.2021 (primeiro dia útil seguinte). Assim sendo, aquela decisão colegial, por não admitir recurso ordinário nem ter sido objecto de reclamação nem de arguição de nulidades, transitou em julgado decorridos 10 dias após a notificação ao Ministério Público (por ter sido a que ocorreu em último lugar), ou seja, no subsequente dia 2 de Novembro de 2021 (o 10º dia, 1 de Novembro, corresponde a um dia feriado), e não em 18.11.2021, como pretende o recorrente. Deste modo, sendo o prazo de interposição deste recurso extraordinário o de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, o recurso em apreço, porque interposto em 21 de Dezembro de 2021, é manifestamente extemporâneo. 4 – Embora a questão da tempestividade do recurso se apresente como prejudicial relativamente ao conhecimento da verificação dos demais requisitos de admissibilidade deste recurso extraordinário, cujo conhecimento queda, por conseguinte, prejudicado, sempre se dirá, e na senda da posição do Ministério Público no Tribunal da Relação …, não ocorrer, na situação em apreço, a oposição de julgados. 5 – Pelo exposto, entende-se que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deverá, em conferência, ser rejeitado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 438.º, n.º 1, 440.º, n.º 3 e 4, e 441.º, n.º 1, 1ª parte, todos do C.P.P». * 5. Notificado deste parecer nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, ex vi art. 448.º, do CPP, o recorrente não respondeu. *. 6. Efectuado o exame preliminar, remeteu-se o processo a vistos legais e de seguida à conferência, de acordo com o disposto no art. 440.º do Código de Processo Penal, pelo que cumpre apreciar e decidir. * II Fundamentação
II. 1. Dispõe o art. 437.º, n.º 1, do CPP, sobre o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.”. Mais, prevê o n.º 2 do mesmo preceito legal que “É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”, e de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo “Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.”, sendo que, nos termos do n.º 4 “Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”. De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito legal, têm legitimidade para interpor este recurso extraordinário, o arguido, o assistente e as partes civis, sendo o mesmo obrigatório para o Ministério Público. Para além disso, estabelece o art. 438.º, do CPP, no seu n.º 1, que “O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em primeiro lugar”, mais prevendo, no seu n.º 2, que “No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”. Assim, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da existência de determinados pressupostos formais e substanciais. Fazendo uso das palavras do acórdão deste STJ, de 13-02-2013, proferido no processo n.º 561/08.6PCOER-A.L1.S1 “entre os requisitos de ordem formal contam-se: legitimidade do recorrente, que é restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis; interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis; não ser admissível recurso ordinário; interposição no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão proferida em último lugar; identificação do acórdão que está em oposição com o recorrido, não podendo ser invocado mais do que um acórdão; trânsito em julgado de ambas as decisões. São requisitos de ordem substancial: existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ; a oposição referir-se à própria decisão e não aos fundamentos; identidade fundamental da matéria de facto”. Assim podemos concluir que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação dos seguintes requisitos formais e substanciais (arts. 437.º e 438.º, n.ºs 1 e 2, do CPP):
São requisitos de ordem formal: ii) - a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição, e, se este estiver publicado, o lugar da publicação; com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência; iii) - O trânsito em julgado de ambas as decisões; iv) - a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar;
São requisitos de ordem substancial: a) - existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça; b) - verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões; c) - oposição referida à própria decisão e não aos fundamentos (as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito); d) - as decisões em oposição sejam expressas; e) - identidade de situações de facto.
Especificamente no que concerne aos requisitos substanciais, para que se verifique a oposição de julgados, é necessária a existência de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, e bem assim que estas decisões se apresentem como julgados expressos e não implícitos. Ou seja, a exigência de oposição de julgados é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente e de modo expresso (e não apenas tacitamente), sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação. Neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do STJ de 27-04-2017, Proc. n.º 1/17.0YFLSB.S1-A – 5.ª Secção: “II – Para definir a oposição de julgados exige-se que, além de antagónicas, as asserções de direito tenham que ser expressas, pois o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência só se justifica em casos absolutamente nítidos de contradição entre tribunais superiores sobre determinada questão jurídica, devidamente fundamentada em qualquer deles. III – Os dois acórdãos têm de assentar em soluções opostas, a oposição deve ser expressa e não tácita, ou seja, tem de haver uma tomada de posição explícita e divergente quanto à mesma questão de direito.” (disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – Ano de 2017). A estes requisitos de ordem substancial, a jurisprudência do STJ aditou a necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. Ou seja, impõe-se que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as situações. Quer isto dizer que a mesma norma ou segmento normativo tem de ser aplicada(o) com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de se tratar de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com o aspecto jurídico do caso (cfr. acórdão do STJ de 20-03-2019, proferido no proc. n.º 42/18.GAMNC.G1-A.S1 com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Março). Veja-se quanto a esta matéria, a título de exemplo, entre outros, o Acórdão do STJ de 27-06-2019, Proc. n.º 4/18.7GBSBG.C1-A – 5.ª Secção: “IV – Para além dos requisitos formais, o recurso de fixação de jurisprudência terá que cumprir requisitos substanciais que se traduzem numa oposição expressa, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão de direito, tendo subjacente uma identidade de situações de facto ou pelo menos uma identidade substancial, de tal forma que em ambos os casos se exigisse uma mesma solução de direito” (Sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Junho). Já que a falta de identidade dos factos poderia explicar a prolação de soluções jurídicas díspares: apenas sobre a mesma situação de facto se pode verificar se existe ou não oposição de soluções de direito, isto é, apenas perante identidade de pressupostos de facto se pode avaliar da existência/inexistência de oposição de soluções de direito, excepcionando-se, naturalmente, os casos em que as diferenças factuais são inócuas e, por isso, em nada interferem com o aspecto jurídico do caso. (acórdão do STJ de 28-02-2019, proferido em no Pro n.º 2159/13.8TALRA.C2-A.S1 5.ª Secção, cujo sumário se encontra disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Fevereiro). De acordo com o art. 441.º, n.º 1, do CPP se ocorrer motivo de inadmissibilidade ou o tribunal concluir pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado; se concluir pela oposição, o recurso prossegue. Uma vez elencados os traços gerais sobre a admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência, analisemos o caso em apreço. * II. 2. Começando pelos pressupostos formais, que por razões de ordem lógica e prejudicialidade, são os primeiros a conhecer, deverá sublinhar-se que o recurso para fixação de jurisprudência é, por definição legal, um recurso extraordinário que deve ser interposto no prazo de 30 dias, contados sobre o trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido). No caso presente, o acórdão proferido pela ...ª Secção do Tribunal da Relação …, Proc. nº 307/20...., não admitia recurso ordinário, uma vez que a decisão é enquadrável no âmbito do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal, e não foi apresentada reclamação do acórdão recorrido. O Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) tem vindo a densificar o conceito de trânsito em julgado para efeitos de contagem do prazo do recurso de fixação de jurisprudência. E, com base nele, tem vindo a decidir que «VIII - O STJ, a propósito do recurso para fixação de jurisprudência, ou de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, densificou o conceito de trânsito em julgado, para efeito de contagem do prazo de interposição de tais recursos. Conforme jurisprudência uniforme deste STJ, uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º, do CPP). Atendendo aos relevantes efeitos associados ao trânsito em julgado [como seja, a exequibilidade da decisão (artigo 467.º, n.º 1, do CPP), o prazo para interposição de recursos extraordinários (artigos 438.º, n.º 1 e 446.º, n.º 1, ambos do CPP), ou momento a partir do qual se inicia os prazos de contagem de prescrição da pena (artigo 122.º, n.º 2, do CP), bem como, os institutos do caso julgado ou ne bis in idem], o mesmo desempenha uma relevante função de acautelamento da segurança jurídica. É, justamente, a previsibilidade, estabilidade e segurança, no firmamento da data do trânsito em julgado, que o STJ tem invocado para decidir que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º, do CPP do despacho que não admitiu o recurso não tem qualquer reflexo no trânsito em julgado do acórdão da Relação, pois que, a decisão do presidente do Supremo que indefere a reclamação da decisão que não admite o recurso limita-se a declarar e confirmar a «insusceptibilidade» do recurso, a qual, ao nível do trânsito do acórdão recorrido, se deverá reportar ao momento em que o recurso já não é legalmente possível. Isto é, o acórdão transitou «logo que», no caso, se esgotou a possibilidade de recorrer por a lei não admitir recurso”. IX - Num plano mais lato, o que se sustenta é que no caso em que o recurso não é admissível para o STJ, a decisão transita a partir do momento em que já não é possível reagir processualmente à mesma, estabilizando-se o decidido, pelo que, no caso de decisões que não admitam recurso, o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção (arts. 379.º, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP), ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, em caso de não arguição ou de não apresentação de pedido de correcção” e, em caso de arguição, após o trânsito da decisão que conhece da arguição, data a partir do qual se inicia a contagem do prazo dos recursos extraordinários que pressupõe o trânsito em julgado. Deste modo, impede-se a abertura de uma nova via para prolongar, ou seja, alterar, os prazos legalmente estabelecidos” (Ac. STJ de 11/3/2021, Proc. 130/14.1PDPRT.P1.S1, Rel: Margarida Blasco). Mesmo nos casos em que está em causa reclamação do despacho que não admitiu o recurso, o S.T.J. tem entendido que tal reclamação não tem qualquer reflexo no trânsito em julgado. Na verdade, «ainda que a arguida tenha apresentado recurso para o STJ que não foi admitido, não se pode entender que esta interposição impeça o trânsito em julgado do acórdão. É que nos termos do art. 628.º, do CPC, ex vi art. 4.º, do CPP, “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação”. Não é pelo facto de, após o último acórdão que indeferiu a arguição de nulidades do primeiro, ter interposto recurso do acórdão da relação (…) e de ter sido proferido despacho de não admissibilidade, do qual reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, que se pode considerar que o trânsito em julgado apenas ocorreu em momento posterior. Na verdade, se assim fosse estava aberta uma nova via para prolongar, ou seja, alterar, os prazos legalmente estabelecidos» - Ac. STJ de 22/9/2016, Proc. 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1, Rel: Helena Moniz. No mesmo sentido viria a pronunciar-se este Supremo Tribunal, no seu Ac. de 26/11/2020, Proc. 775/18.0T9LRA.C1-B.S1: “A decisão do STJ sobre a reclamação (apresentado ao abrigo do disposto no art. 405.º, do CPP) do despacho que não admitiu o recurso não tem qualquer reflexo no trânsito em julgado do acórdão da Relação, tanto mais que se decidiu pela irrecorribilidade daquele; além de que aquela reclamação constitui uma reclamação da decisão que não admite o recurso, e não uma reclamação do acórdão da Relação do qual se pretendia recorrer”. A questão da tempestividade do recurso é prejudicial relativamente ao conhecimento da verificação dos restantes requisitos de admissibilidade deste recurso extraordinário, pelo que fica prejudicado o seu conhecimento. Impõe-se, pois, a sua rejeição, por inadmissibilidade legal, atenta a respectiva extemporaneidade – art.ºs 441.º, nº 1 e 438.º, nº.1, ambos do Código de Processo Penal.
III. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes Conselheiros desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA, por inadmissibilidade, em virtude de ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto, condenando-o no pagamento das respectivas custas e fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.
Lisboa, 24 de março de 2022
Cid Geraldo (Relator) Helena Moniz Eduardo Loureiro
________________________________________________
|