Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25/19.2FCFUN-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: HABEAS CORPUS
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça




I. RELATÓRIO

AA, preso no Estabelecimento Prisional ….., à ordem do processo n° 25/19……, veio requerer a providência de HABEAS CORPUS, invocando o art. 222º, nºs 1 e 2, al. c) do Código do Processo Penal[1], nos termos e com os seguintes fundamentos: (transcrição)

«1. Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi determinado pelo JIC, ao abrigo do disposto nos art.ºs 191º a 196º, 202º, n.º 1, alínea a) e 204º, alínea c), todos do Código de Processo Penal que os arguidos aguardassem os ulteriores termos do processo sujeito, cumulativamente, às medidas de coação de Termo de Identidade e Residência e de prisão preventiva.

2. Assim, o arguido foi preso preventivamente á ordem do processo nº 25/19…. no dia 24/05/2019 no Estabelecimento Prisional do …...

3. Foi solicitada a elaboração de relatório à DGRSP, tendo em vista a eventual substituição de tal medida por OPHVE.

4. Após, por despacho de 04/07/2019, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito, para além do TIR já prestado, às medidas de coação de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica e de proibição de contactar com quaisquer pessoas conotadas com o tráfico ou consumo de estupefacientes, pelos mesmos fundamentos que determinaram a aplicação ao arguido de medida de coação privativa da liberdade.

5. Já decorreram dois anos desde que lhe foi aplicada a medida de prisão preventiva, posteriormente substituída pela OPHVE.

6. Nos termos do art. 215.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, o prazo máximo de duração da medida de coação aplicada ao arguido é de dois anos, “sem que tenha havido condenação com transito em julgado”.

7. Os autos estão neste momento no Tribunal da Relação …….,

8. Não houve, até á data, trânsito em julgado da decisão.

9. O prazo de duração máxima da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação conta-se a partir do começo de execução da medida.

10. Encontra-se, assim, ultrapassado o prazo a que alude o mencionado artigo 215º nº 1 e 2 do CPP.

11. Determina o art. 31º, nº 1 da Constituição da República que o habeas corpus se destina a reagir contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal.

12. Dispondo o art. 222º nos seus nºs 1 e 2, que a qualquer pessoa ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede a providência se a ilegalidade da prisão advier de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei o não permite;

c) Se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

13. A providência de habeas corpus aplica-se também no caso da obrigação de permanência da habitação. (Neste sentido, Ac. do STJ de 25/05/2015, processo nº 819/16.0JFLSB-G.S1, relator Manuel Braz, disponível wm www.dgsi.pt)

14. Nesta conformidade, o arguido encontra-se em situação de prisão ilegal, nos termos do disposto nos artigos 215º nº 1 e 2, 217º n.º 1 e 222.º n.º 2 alínea c) do CPP.

15. Pelo que se impõe a sua libertação imediata.

Termos em que, requer a V. Ex, ao abrigo do disposto no artigo 222º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, se digne deferir o presente e conceder providência de habeas corpus, ordenando a libertação imediata do arguido, ora peticionante.

2. A Mmª Juíza do Juízo Central Criminal …. – Juiz …… - exarou a informação a que alude o artigo 223º, n.° 1, do CPP, em 25 de maio de 2021 nos seguintes termos: (transcrição)

«O arguido AA foi preso preventivamente à ordem do processo nº 25/19……. no dia 24/05/2019 no Estabelecimento Prisional  ……...

Por despacho de 04/07/2019 foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito, para além do TIR já prestado, às medidas de coação de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica e de proibição de contactar com quaisquer pessoas conotadas com o tráfico ou consumo de estupefacientes, pelos mesmos fundamentos que determinaram a aplicação ao arguido de medida de coação privativa da liberdade.

Por acórdão proferido em 03.03.2020, o requerente foi condenado numa pena de 4 anos e 4 meses de prisão. Nos termos do art. 215.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, o prazo máximo de duração da medida de coação aplicada ao arguido é de dois anos, “sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado”.

Em 01.04.2020 o arguido interpôs recuso para o Tribunal da Relação ….., tendo esta proferido douto acórdão em 11 de Maio de 2021, que manteve a pena de prisão aplicada na primeira instância ao arguido, ou seja, 4 anos e 4 meses de prisão efetiva.

Em 21.05.2021 o TR…… informou que o arguido interpôs recurso da sua decisão para o Tribunal Constitucional.

Ora, tendo o arguido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o prazo máximo da medida de coação é de 2 anos e 2 meses de prisão face ao preceituado no nº 6 do artº 215º do Cód. Processo Penal (o prazo máximo da prisão preventiva (aqui 2 anos) eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada), o que quer significar que no caso concreto a medida de coação só se extingue em 24.07.2021.

Pelo exposto, mantém-se a medida de coação de Obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica aplicada».

3. Convocada a secção criminal, notificados o Ministério Público e o defensor do requerente, realizou-se a audiência (artigos 223.º, nºs 2 e 3, e 435.º do Código de Processo Penal).


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II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos documentos juntos aos autos e do teor da informação prestada resultam apurados os seguintes factos e ocorrências processuais, com relevância para a decisão da providência requerida:

1.1. O arguido AA foi detido no dia 24MAI19 e sujeito a interrogatório judicial de arguido detido.

1.2. Nesse mesmo dia – 24MAI19 – após o interrogatório judicial foi-lhe imposta a medida de coação de prisão preventiva.

1.3. Por despacho judicial de 04JUL2019, foi a medida de coação de prisão preventiva substituída pela medida de coação menos gravosa de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica e de proibição de contactar com quaisquer pessoas conotadas com o tráfico de estupefacientes, cfr. fls. 176-177

1.4. Por acórdão de 03MAR20 do Tribunal Central Criminal  ….., Juiz ….., foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., pelo art. 21º, nº1, do DL 15/93, de 22JAN, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão.

1.5. Por acórdão de 11MAI21 do Tribunal da Relação …. foi confirmado o acórdão de 03MAR20 do Tribunal Central Criminal  ….., Juiz ….., que manteve a pena de prisão aplicada na primeira instância ao arguido, ou seja, 4 anos e 4 meses de prisão efetiva.

1.6. Em 20 de maio de 2021 foi proferido despacho a admitir o recurso do arguido do acórdão do Tribunal da Relação … para o Tribunal Constitucional.


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III. O DIREITO

O art. 27º, da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade pessoal, como direito fundamental, é de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas e a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da lei – arts. 27º, nº 2 e 28º, da CRP, e art. 5º, da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos.

O art. 31º, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Habeas Corpus”, consagra no seu nº1 que «Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente».

Conforme entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça «É uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação direta, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.

“Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o “habeas corpus” testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”. (JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1º a 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508).

E escrevem os mesmos autores (ibidem, V, p. 510): “(…) (1) a providência do “habeas corpus” é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de ação cautelar e de recurso judicial. (…)”[2]

E no acórdão do STJ de 30NOV16, conclui-se:

«Em suma:

A previsão - e precisão - da providência, como garantia constitucional, não excluí, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação direta, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável»[3].

Em conformidade com os citados preceitos constitucionais, a providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excecional para proteger a liberdade individual, revestindo caráter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.° 1 do artigo 220.° do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.° 2 do artigo 222.° do CPP.[4]

Por outro lado, de acordo com o princípio da atualidade é necessário que a ilegalidade da prisão seja atual, sendo atualidade a reportada ao momento em que é necessário apreciar o pedido.

O art. 222º, do CPP, sob a epígrafe, Habeas Corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece quais os fundamentos da providência resultante da ilegalidade da prisão, ou seja:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».


No caso subjudice o requerente invoca que a sua prisão é ilegal, porquanto no seu entender já foi ultrapassado o limite do artº 215º nº 1 e 2, do CPP, que se aplica à medida de OPHVE, uma vez que a decisão condenatória não transitou em julgado.

As medidas de coação são meios processuais de limitação de liberdade pessoal, e estão sujeitas aos princípios da legalidade, da adequação, da proporcionalidade, da precariedade e, quanto à prisão preventiva da subsidiariedade (arts. 191º, nº 1, 193º, 215º e 218º, 202º e 209º, do CPP).

Tais medidas porque limitativas de direitos fundamentais têm que, contudo, estar em conformidade com as garantias da Constituição e da Lei.

Assim, o art. 191º, nº 1, do CPP no qual se consagra o princípio da legalidade das medidas de coação, determina, em conformidade com o preceito constitucional do art. 27º, nº 2, da CRP, que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função das exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e garantia patrimonial previstas na lei”.

O direito à liberdade pessoal, como direito fundamental, é de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas e a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da lei – arts. 27º, nº 2 e 28º, da CRP, e art. 5º, da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos - não deixando, porém, também a Lei Fundamental de prever os casos de violação dos deveres a que os cidadãos estão adstritos ou as situações particulares decorrentes da prática de crimes.

A prisão preventiva que é a medida mais grave das medidas de coação, e dada a sua excecionalidade e subsidiariedade, conforme resulta da Constituição, em que a liberdade é a regra e a prisão preventiva a exceção (arts. 27º e 28º, da CRP), só pode ser aplicada quando se verifiquem os requisitos especiais previstos no art. 202º do CPP e os requisitos gerais previstos no art. 204º, do CPP.

De harmonia com o disposto no art. 194º, nºs 1 e 2, do CPP, a aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência, são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Ministério Público e depois do inquérito mesmo oficiosamente, ouvido o Ministério Público, sob pena de nulidade, e é precedida de audição do arguido, ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e pode ter lugar no ato de primeiro interrogatório judicial, aplicando-se sempre à audição o disposto no n.º 4 do artigo 141º (nº 4, do art. 194º).

O despacho que aplique tal medida tem que ser fundamentado, uma vez que é um ato judicial decisório, nos termos dos arts. 205º, nº 1, da CRP, e 194º, nº 6, e 97º, nº 5, do CPP.

O artigo 212º do CPP consagra:

«1. As medidas de coação são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:

a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou

b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação».

E, para o caso particular das medidas de coação de prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação, atenta a sua gravidade e porque elas só devem manter-se enquanto não possam ser substituída por outra menos gravosa ou revogada, o art. 213º, nº 1, do mesmo compêndio normativo, estabelece ainda, que “O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas:

a) No prazo máximo de três meses a contar da sua aplicação ou do último reexame;

b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objeto e não determine a extinção da medida aplicada».

Como corolário do princípio constitucional da presunção de inocência, o princípio da precariedade que rege a aplicação das medidas de coação, segundo o qual as medidas de coação, porque impostas ao arguido que se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, (art. 32º, nº 2, da CRP), não devem ultrapassar o comunitariamente suportável, o art. 215º, do CPP estabelece os prazos máximos de duração da prisão preventiva.

Assim, de harmonia com o citado preceito,

«1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;

b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;

c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respetivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:

a) Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e 80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro;

b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos;

c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respetiva passagem;

d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;

e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;

f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;

g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respetivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

4 - A excecional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.

5 - Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os correspondentemente referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.

6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.

7 - A existência de vários processos contra o arguido por crimes praticados antes de lhe ter sido aplicada a prisão preventiva não permite exceder os prazos previstos nos números anteriores.

8 - Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são incluídos os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de permanência na habitação».


O requerente invoca os fundamentos previstos na c) do n.° 2 do artigo 222.°, do CPP, ou seja, a prisão manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial, alegando que já se mostra ultrapassado o prazo legal de prisão preventiva, uma vez que ainda não transitou em julgado o acórdão que o condenou na pena de 4 anos e 4 meses de prisão.


Vejamos, se lhe assiste razão:

Retomando as ocorrências processuais relevantes para a decisão da presente providência:

O arguido AA foi detido no dia 24MAI19 e sujeito a interrogatório judicial de arguido detido. Nesse mesmo dia – 24MAI19 – após o interrogatório judicial foi-lhe imposta a medida de coação de prisão preventiva. Por despacho judicial de 04JUL2019, foi a medida de coação de prisão preventiva substituída pela medida de coação menos gravosa de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica e de proibição de contactar com quaisquer pessoas conotadas com o tráfico de estupefacientes, cfr. fls. 176-177. Por acórdão de 03MAR20 do Tribunal Central Criminal  …., Juiz …, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., pelo art. 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22JAN, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão. Por acórdão de 11MAI21 do Tribunal da Relação ….. foi confirmado o acórdão de 03MAR20 do Tribunal Central Criminal  …., Juiz ……, que manteve a pena de prisão aplicada na primeira instância ao arguido, ou seja, 4 anos e 4 meses de prisão efetiva. Em 20 de maio de 2021 foi proferido despacho a admitir o recurso do arguido do acórdão do Tribunal da Relação ….. para o Tribunal Constitucional.


O crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º, n.° 1, do DL 15/93, de 22JAN é punido com uma moldura penal abstrata de 4 a 12 anos de prisão e integra o conceito de criminalidade altamente organizada (art. 1º, al. m) do CPP).

Assim sendo, o prazo máximo de prisão preventiva, sem que tenha havido condenação em 1ª instância é de 1 ano e 6 meses e sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado é de 2 anos. (art. 215º, nº 1 e 2, als. b) e c), do CPP).

Se houver recurso para o Tribunal Constitucional, este prazo é acrescentado de seis meses. (art. 215º, nº5, do CPP).


Considerando, que por acórdão de 11MAI21 do Tribunal da Relação …. foi confirmada a pena aplicada ao arguido no acórdão de 03MAR20 do Tribunal Central Criminal  ….., Juiz ……, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada, de harmonia com o disposto no art. 215º, nº 6 do Código de Processo Penal «No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada», ou seja, o prazo máximo de prisão preventiva é de 2 (dois) anos e 2 (dois), atendendo à fase do processo.

Uma vez que o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, este prazo é acrescentado de seis meses, conforme dispõe o art. 215º, nº 5, do CPP, «Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os correspondentemente referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial».

Ou seja, o prazo máximo de prisão preventiva ou da medida de OPHVE no caso é de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.


Alega o recorrente que não houve, até á data, trânsito em julgado da decisão.

Com efeito, a circunstância de não ter transitado em julgado o acórdão que condenou o arguido na pena de 4 anos e 4 meses de prisão, não obsta a que seja aplicável o prazo de prisão preventiva, previsto no art. 215º, nº 6, do CPP, muito embora no caso subjudice, uma vez que a decisão condenatória foi mantida nos seus precisos termos, verifica-se a dupla conforme, não sendo passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Tal como bem sublinha o recente AC do STJ de 12 de maio de 2021, processo nº 1488/18.9T9FAR-Q-F.S1, relator Nuno Gonçalves, «Quanto ao trânsito em julgado é irrefutável que jamais poderia ter qualquer relevância para desencadear o alargamento do prazo da prisão preventiva pela patente razão legalmente firmada de que, logo que a condenação se torna firme, cessa, imediata e automaticamente, esta - e qualquer outra - medida coativa, à exceção do termo de identidade e residência/TIR (que permanece até à declaração de extinção da pena) e da caução (que só se extingue com o início de execução da pena) – cfr art.º 214º n.º 1 al.ª e) e n.º 4 do CPP.

Como os Requerentes deveriam saber, logo que o acórdão confirmatório transitar em julgado, nesse mesmo dia deixam de estar em prisão preventiva, continuando presos, mas, desde então, evidentemente, em cumprimento da pena de prisão que lhes foi aplicada (e confirmada em recurso). Em outro registo, o trânsito em julgado da decisão condenatória (também da absolutória, mesmo que recorrida) é incompatível com a medida de coação de prisão preventiva, extinguindo-a imediatamente, ope legis.

(…)

Em face da clareza da letra da lei, abundante seria demonstrar com maior detalhe a incompatibilidade da argumentação dos Requerentes com o texto das normas dos artigos 215º n.º 6 e do art.º 214º n.º 1 al.ª d) do CPP. Se, por mera hipótese académica, prosperasse, a disposição primeiramente enumerada seria totalmente inútil, jamais podendo ter aplicação casuística. 

Conclui-se, pois, ser incontestável que o marco temporal legalmente relevante para fazer operar, automática e imediatamente, a elevação do prazo da prisão preventiva nos termos estabelecidos no art.º 215º n.º 6 do CPP, é a data da prolação do acórdão do tribunal superior que confirma a condenação do arguido em pena de prisão (efetiva e em medida superior ao tempo porque vigorou a privação cautelar da liberdade do condenado)».


Neste sentido, também se decidiu no AC. de 10 de fevereiro de 2021 em que foi relatora, a signatária:

«I - A circunstância de não ter transitado em julgado o acórdão que condenou o arguido na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, não obsta a que seja aplicável o prazo de prisão preventiva, previsto no art. 215.º, n.º 6, do CPP.

II - O STJ vem uniformemente adotando, desde há muito, o entendimento que, se o que se considera relevante para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, é a sentença condenatória proferida em 1.ª instância, mesmo que em fase de recurso venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação.

III - O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 404/2005, de 22-07-2005, proferido no processo n.º 546/2005 (in DR, II Série, de 31-03-2006), decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do art. 215.º, n.º 1, al. c), com referência ao n.º 3, do CPP, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória em 1.ª instância, mesmo que em fase de recurso venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação[5].


Com efeito, tal como se decidiu no acórdão do STJ de 06-03-2014, processo nº 7/14.0YFLSB.S1, Relator OLIVEIRA MENDES[6], «Considera-se relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória proferida em 1.ª instância, mesmo que em fase de recurso venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação. (…).

Trata-se de orientação que este Supremo Tribunal vem uniformemente adotando, desde há muito, sob o entendimento de que aquilo que o legislador pretendeu evitar ao fixar os prazos de duração máxima da prisão preventiva é que o arguido esteja preso preventivamente por mais de certo e determinado tempo sem nunca ter sido condenado por um tribunal, ou seja, sem que um tribunal, após contraditório, haja considerado o arguido culpado. Isso é que seria intolerável do ponto de vista legal. Já não assim quando houve uma condenação, não obstante a sentença ou o julgamento tenham sido anulados.[7].

Sendo certo que o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 404/2005, de 22-07-2005, proferido no Processo n.º 546/2005 (in DR, II Série, de 31-03-2006), decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 215.º, n.º 1, al. c), com referência ao n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória em 1.ª instância, mesmo que em fase de recurso venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação, sob o entendimento de que a anulação da condenação não tem como efeito o regresso ao primeiro limite, entendimento que, segundo defende, além de se mostrar juridicamente fundado na distinção entre os efeitos da nulidade e da inexistência, se mostra adequado aos objectivos do legislador, pois respeita a intenção de o processo chegar à fase da condenação em 1.ª instância sem ultrapassar 3 anos de prisão preventiva, e não se mostra directamente violador de qualquer norma ou princípio constitucional.

Entendimento algo semelhante vem assumindo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao considerar que o período de tempo a considerar para duração da prisão preventiva inicia-se com a prisão e termina com a decisão em 1.ª instância sobre o mérito da acusação, o que, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Maio de 2008, atrás citado, está associado ao entendimento de que o que o n.º 3 do artigo 5.º da CEDH garante é que qualquer pessoa presa ou detida tem direito a ser julgada num prazo razoável. Este julgamento é o julgamento em 1.ª instância. Efetuado este, entra-se já na fase dos recursos e aí a regra que valerá é a do artigo 6.º, n.º 1, sendo certo que prazo razoável para efeitos do artigo 5.º, n.º 3, é diferente de prazo razoável para efeitos do artigo 6.º, n.º 1. Neste último caso o que se pretende evitar é que as pessoas acusadas, presas ou não, se mantenham muito tempo numa situação de incerteza sobre o desfecho do seu processo, enquanto no primeiro o que se pretende evitar é, unicamente, que a prisão tenha uma duração excessiva[8]».


Assim sendo, uma vez que o arguido AA se encontra sujeito à medida de prisão preventiva desde 24 de maio de 2021 ainda não excedeu os prazos máximos previstos no art. 215º, nº 6, do Código de Processo Penal, que só se extinguirá em 24 de janeiro de 2022, se entretanto não ocorrer o trânsito.

A prisão preventiva a que o arguido AA se encontra sujeito, foi aplicada por entidade competente - o juiz do processo - por facto pelo qual a lei permite, e, mantendo-se a prisão preventiva dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coação na fase em que o processo ora se encontra.

Não se verifica assim, qualquer excesso de prazo.

Os fundamentos invocados pelo requerente, como supra se referiu não cabem na previsão normativa do art. 222º, nº2, do CPP, e designadamente não se verifica o fundamento de habeas corpus, a que alude a alínea c) do n.° 2 do artigo 222º do CPP, subjacente aos motivos invocados pelo requerente.


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IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a petição de habeas corpus, por falta de fundamento bastante, nos termos do art. 223º, nº 4. al. a), do CPP.

Custas pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 02 de junho de 2021


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves (Adjunto)

Pires da Graça (Presidente da Secção)

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[1] Doravante designada pelas iniciais CPP
[2] Vide AC do STJ de 07JUN17 (relator Pires da Graça), AC de 15FEV17 (relator Raul Borges) proferido no proc. nº 7459/00.4TDLSB-M.S1 e os arestos ali citados; ACS de 22.06.2017 e de 20.12.2017 (relator Manuel Braz), proferidos no mesmo processo.
[3] Vide AC do STJ de 30NOV16 (relator Pires da Graça), proferido no proc. nº 66/14.6GBLSB-A.S1.
[4] Vide AC de 15FEV17 (relator Raul Borges) proferido no proc. nº 7459/00.4TDLSB-M.S1.
[5] Proc. n.º 4243/17.0T9PRT-J.S1, disponível in www.dgsi.pt
[6] Disponível in www.dgsi.pt.
[7] Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 02.08.30, 03.03.26, 04.04.29, 06.01.25, 07.12.06, 07.01.17, 08.05.14, 10.09.29 e 11.09.08, o segundo e o terceiro publicados nas CJ (STJ), XI, II, 230 e XII, II, 176, os restantes proferidos, respetivamente, nos Processos n.ºs 2943/02, 281/06, 4583/06, 176/07, 1672/08, 139/10.4YFLSB.S1 e 413/07.7TACBR.S1.
[8] Cf. Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada (3ª edição), 103/104.