Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10972/10.1TBVNG.P2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
INEFICÁCIA
DIREITO DE PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
RECURSO DE REVISTA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE E NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO (LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ)
Sumário :
I- É insusceptível de ser declarada a ineficácia de justificação notarial de aquisição de propriedade por usucapião se a respectiva actuação processual em juízo é contraditória com a conduta anterior dos autores na acção, vista na sua globalidade como atentatória da tutela da confiança do adquirente por essa via de aquisição, e, portanto, configurada como abusiva, ao abrigo do art. 334º do CCiv., na modalidade de “venire contra factum proprium” positivo (o agente abusador gera a convicção de que não irá praticar certo acto e depois, contra a legítima expectação de conduta, pratica o acto).

II- Não é admissível a revista do segmento decisório do acórdão da Relação que reaprecia e confirma a decisão de condenação em litigância de má fé proferida pela primeira instância, tendo em conta o regime especial de recorribilidade previsto no art. 542º, 3, do CPC para as decisões condenatórias (e não absolutórias) em primeira instância, não podendo, quando se trate de tais decisões, o recurso ultrapassar o patamar de impugnação junto da Relação.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 10972/10.1TBVNG.P2.S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, ... Secção



Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I) RELATÓRIO

1. AA, BB e CC intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra DD, «Imobiliária do Casas, S.A.» e «Finibanco, S.A.», pedindo que: (i) seja a escritura de justificação notarial celebrada pelos 1º e 2ª Réus em 23.11.2005 declarada nula com efeitos retroactivos; (ii) sejam os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os n.os ...50 e ...32, da freguesia ... e inscritos nas matrizes prediais urbanas sob os artigos ... e ...50, da mesma freguesia, com a consequente condenação na obrigação de restituição; (iii) seja cancelado o registo de aquisição a favor dos Réus feito com base na aludida escritura bem como a anulação de todos os subsequentes negócios jurídicos constantes do registo por serem ineficazes em relação aos Autores e configurarem oneração de coisa alheia, com o consequente cancelamento dos respectivos registos; (iv) sejam cancelados os registos de hipoteca da 2ª Ré a favor do 3º Réu, por ser nula a hipoteca de bens alheios e por este não ser um terceiro de boa fé já que lhe competia como entidade bancária um maior zelo e precaução ao atribuir dois empréstimos no valor de 750.000 e 250.000 euros, em prédio supostamente adquirido por usucapião, nomeadamente a segunda hipoteca por ainda não terem decorrido 3 anos sobre o negócio; subsidiariamente: (v) seja a escritura de escritura de justificação notarial celebrada pelos 1º e 2ª Réus em 23.11.2005 declarada nula com efeitos retroactivos; (vi) sejam os Réus condenados a restituir aos AA. o prédio descrito sob o art. ...32, da freguesia ..., e condenados solidariamente a pagar aos Autores o preço do terreno correspondente ao art. ...01, anteriormente à incorporação das moradias, em valor a liquidar em execução de sentença; (vii) seja cancelado o registo de aquisição por usucapião a favor dos Réus e todos os registos posteriores à justificação, por tais actos serem ineficazes em relação aos AA., não lhes sendo oponíveis quaisquer registos de terceiros por estes terem adquirido já os prédios por usucapião; (viii) sejam cancelados os registos de hipoteca da 2ª Ré a favor do 3º Réu, por se tratar de hipoteca de bens alheios e este não ser um terceiro de boa fé já que lhe competia como entidade bancária um maior zelo e precaução ao atribuir dois empréstimos no valor de € 750.000,00 e € 250.000,00, em prédio supostamente adquirido por usucapião; (ix) sejam os 1º e 2º RR. condenados solidariamente a pagar aos Autores os prejuízos morais e patrimoniais resultantes da anulação da justificação a liquidar em execução de sentença.
Em síntese, alegaram que são donos e possuidores do prédio urbano que identificam nos autos, cujo logradouro, a destacar, com a área de 3.557 m2, prometeram vender ao 1º Réu DD por contrato-promessa de compra e venda celebrado no dia 12 de Setembro de 1995, tendo os aqui Autores ficado com a obrigação de, no caso de as obras (que acordaram) ficarem concluídas antes de concretizado o destaque, outorgarem procuração irrevogável a favor de pessoa a indicar pelo 1º Réu, concedendo-lhe poderes para, em seu nome e representação, proceder à venda do referido logradouro e praticar os diversos actos necessários à concretização do negócio; após a celebração de tal contrato-promessa, o 1º Réu convenceu os Autores a outorgarem a aludida procuração irrevogável, que foi celebrada no dia 26 de Setembro de 1995. Entretanto, o ora 1º Réu intentou acção judicial contra os aqui Autores, a qual correu termos na ... Vara Mista deste Tribunal sob o nº 147/2000, pedindo a condenação dos Autores a efectuarem o destaque do referido logradouro e outorgarem a respectiva escritura pública de venda do mesmo ao 1º Réu ou a quem este indicasse ou, em alternativa, declarar-se a resolução do aludido contrato promessa de compra e venda por incumprimento dos ora Autores, com a consequente devolução ao aqui 1º Réu de tudo o que prestou e a condenação dos Autores ao pagamento do valor da cláusula penal prevista naquele contrato. No âmbito dessa acção as partes realizaram transacção, tendo aí acordado: atribuir ao logradouro prometido vender o valor de € 374.098,42; que os ora Autores já haviam recebido, por conta do pagamento do preço, a quantia de € 104.747,56; que o pagamento do remanescente seria efectuado através da entrega de uma moradia a edificar num empreendimento a construir no aludido logradouro, a escolher pelos ora Autores; que a entrega de tal moradia seria efectuada no prazo máximo de 2 anos a contar da data do levantamento da licença de construção; como garantia de tal entrega, o ora 1º Réu obrigava-se a constituir hipoteca a favor dos ora Autores sobre dois armazéns sitos em ..., sendo que a escritura de compra e venda do logradouro seria realizada em simultâneo com a escritura de hipoteca, a efectuar no prazo máximo de 60 dias a contar de 25 de Novembro de 2004. Alegam ainda que o aqui 1º Réu não cumpriu tal transacção, tendo celebrado, em 23 de Novembro de 2005, na qualidade de legal representante da aqui 2ª Ré, uma escritura de justificação, na qual declarou que a sociedade justificante é possuidora do aludido terreno (logradouro), tendo-o adquirido por usucapião; sendo que as declarações prestadas em tal escritura de justificação são falsas, porquanto aqueles Réus bem sabiam da existência do contrato promessa e que o 1º Réu só entrou na posse do aludido terreno em Novembro de 2006 (depois do levantamento da licença de construção). Mais alegam que a 2ª Ré, com base em tal escritura de justificação, registou tal terreno em seu nome e posteriormente constituiu duas hipotecas sobre o sobredito terreno a favor do Banco aqui 3º Réu. Também alegaram que, em face da celebração de tal escritura de justificação, não podem agora exigir do 1º Réu o cumprimento da transacção celebrada, nomeadamente, da obrigação de entrega da moradia e pagamento de indemnização pelos prejuízos sofridos, porquanto aquele não é já o proprietário das moradias que entretanto foram edificadas no sobredito terreno. Invocam, por último, que se encontram na posse do sobredito terreno (logradouro), ininterruptamente, por si e antepossuidor (seu pai), há mais de 20 anos, pacificamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

2. Todos os Réus apresentaram Contestação.
Os co-Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.” deduziram ainda Reconvenção, pedindo a condenação dos Autores a: (i) reconhecer que a 2ª Ré é a legítima proprietária do prédio em causa, com todas as construções nele implantadas, por lhe ter sido transmitida a propriedade pelos Autores, confirmada por usucapião; (ii) pagar uma indemnização aos Réus, por todos os prejuízos que os mesmos já sofreram e venham a sofrer em consequência do comportamento dos Autores, cuja liquidação relegaram para execução de sentença, por neste momento não ser possível apurar; subsidiariamente: (iii) reconhecer que a 2ª Ré adquiriu a parcela de terreno em causa por meio de acessão industrial imobiliária, para o que declaram desde já comprometer-se ao pagamento do valor que o terreno tinha antes da incorporação das obras. Requereram, por fim, a condenação dos Autores como litigantes de má-fé em multa e indemnização a seu favor em quantia a arbitrar pelo Tribunal.

3. Os Autores apresentaram Réplica, impugnando parte da factualidade da reconvenção e batendo-se pela improcedência do pedido reconvencional e do pedido de condenação em litigância de má fé; requereram a condenação dos Réus/Reconvientes como litigantes de má fé em multa e indemnização a seu favor também em quantia a arbitrar.
Foi apresentada Tréplica pelos Réus/Reconvintes, na qual mantêm, no essencial, a posição traduizada na contestação/reconvenção.

4. Os Réus/Reconvintes requereram a ampliação do pedido reconvencional subsidiário, onde concluíram pedindo que seja reconhecido que a 2ª Ré adquiriu a parcela de terreno em causa por meio de acessão industrial imobiliária, para o que declaram desde já comprometer-se ao pagamento do valor que o terreno tinha antes da incorporação das obras, devendo o Tribunal, na fixação dessa indemnização, deduzir a quantia de € 104.747,56 já paga por conta do preço do terreno; ampliação que foi admitida.

5. Por apenso aos presentes autos, veio a «Caixa Económica Montepio Geral» deduzir incidente de habilitação de cessionário dos créditos e garantias da aqui co-Ré «Finibanco, S.A.», o qual foi julgado procedente por decisão transitada em julgado.

6. Proferido despacho saneador e tramitada a instância para efeitos probatórios, uma vez realizada a audiência final de julgamento, o Juiz ... do Juízo Central Cível ... proferiu sentença que:

I. Julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus DD, “Imobiliária do Casas, S.A.” e “Caixa Económica Montepio Geral” dos pedidos contra eles formulados pelos Autores AA, BB e CC;
II. Julgou a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, a) condenou os Autores/Reconvindos a pagar aos Réus/Reconvintes uma indemnização pelos prejuízos sofridos nos pontos 67. e 68. dos factos provados, em valor a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação; b) absolveu os Autores/Reconvindos do demais peticionado pelos Réus/reconvintes;
III. Condenou os Autores AA, BB e CC na multa de 10 (dez) UC e a pagarem aos Réus a quantia de € 10.000, acrescida de IVA, a título de indemnização, por terem litigado de má fé nos presentes autos.

7. Não se conformando com a sentença proferida, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que proferiu acórdão em que se rejeitou a repreciação da matéria de facto e se julgou improcedente o recurso em todos os segmentos reapreciados, ficando prejudicado o conhecimento do recurso subordinado e subsidiário interposto pelos Réus, confirmando-se integralmente a decisão recorrida, mas com voto de vencido do Senhor Desembargador na qualidade de 2.º Adjunto.

8. Considerando tal confirmação, os Autores vieram agora interpor recurso de revista para o STJ, finalizando com as seguintes Conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do TRP, por padecer de nulidade ao julgar incorretamente a matéria de facto, face aos meios de prova constantes dos autos, designadamente à prova documental e confissão do legal representante da Imobiliária do Casas, S.A e ainda de erro de julgamento em virtude de violação das normas legais e processuais aplicáveis, nomeadamente os arts. 334º, 342º, 343º, 424º, 483º, 487º, 563º, 1251º, 1252º, 1257º, 1258º, 1259º, 1263º, 1265º, 1287º, 1288º, 1311º do Código Civil, arts. 8º, 13º, 116º, nº 1 do Código do Registo Predial, arts. 70º, 71º, 89º, 96º, nº 1 e 101º do Código do Notariado bem como ainda arts 5º, nº 3, 6º, 7º, 10º, nº 2 e 3º, al. a), 463º, 465º, 485º, 486º, 487º, 489º, 542º e 543º do Código de Processo Civil.

2. O TRP manteve a decisão da 1ª instância com a mesma fundamentação, não levando em consideração os argumentos explanados pelos AA., o que equivale à falta de fundamentação.

3. O STJ pode reapreciar a matéria de facto quando estão em causa conceitos jurídicos, designadamente a transmissão da posição contratual do 1º Réu para a 2ª Ré e ainda a autorização para a escritura de justificação em nome da 2ª Ré.

4. O douto acórdão recorrido manteve a decisão sobre a matéria de facto em contradição com os meios de prova constantes dos autos que exigem uma decisão diferente, designadamente:

5. Que os AA. se furtaram ao recebimento das interpelações para a escritura da moradia (facto provado 58) quando a única carta de interpelação junta aos autos data de 23.08.2010 e consta da aposição dos CTT que não foi recebida por os seus destinatários se encontrarem ausentes. Pelo que, nunca os RR. interpelaram os AA. para o recebimento da moradia, conforme consta da transação e não para a outorga de uma escritura de compra e venda, já que os AA. nada vão comprar mas apenas receber a moradia do 1º R. em pagamento do terreno que lhe prometeram vender (dação em cumprimento).

6. Que os AA. pediram aos RR. para outorgar a escritura de justificação em nome da 2ª Ré, Imobiliária do Casas, S.A., que é contrário à confissão do 1º Réu e legal representante da Imobiliária que no seu depoimento de parte disse expressamente que foi o banco quem lhe solicitou a escritura em nome da sociedade, porque não lhe emprestavam o dinheiro a título pessoal. E questionado se avisou alguém, respondeu que achou que não tinha que avisar.

7. Face ao exposto, não pode ter credibilidade o depoimento da testemunha EE, única a afirmar que os AA. pediram a escritura de usucapião, como único meio de resolver o problema do trato sucessivo, e que sabiam que era a favor da Imobiliária, ao contrário do depoimento do seu legal representante que confessou expressamente que essa foi uma exigência do banco para lhe conceder o financiamento.

8. Por outro lado, vai contra as regras da normalidade e da experiência comum, que o Advogado dos AA. (que aliás não tinha poderes para tomar tal decisão, já que só tinha a procuração concedida para o processo judicial e foi confirmado pela EE que nem sequer conhecia os AA. só os viu em Tribunal) estivesse presente na escritura de justificação a favor da 2ª Ré, sem qualquer documento escrito em como a 2ª Ré assumia as obrigações do 1º Réu na transação judicial, pois tal significaria que estava a descurar conscientemente os interesses dos seus Constituintes e a beneficiar os RR., que ficavam livres de qualquer contrapartida, designadamente a entrega da moradia.

Ora, atendendo que tal afirmação proveio das testemunhas que foram deliberadamente mentir na escritura de justificação, isto é, a EE e o FF, já que tinham conhecimento pessoal de que era o 1º Réu quem tinha comprado o terreno aos AA. e não a sociedade, que credibilidade pode merecer os seus depoimentos contra qualquer regra de normalidade e de bom senso?

10. Pelo que, os factos dados como provados 50 a 58 para consubstanciar tal autorização dos AA. são meramente conclusivos e contrários às regras da experiência comum e não decorrem de quaisquer documentos juntos aos autos, antes destes resulta o contrário, ou seja, que desde que o 1º R. prometeu comprar o terreno dos AA. em 1995, que tudo fez para se apropriar mesmo sem pagar o respetivo preço, primeiro com asprocuraçõesirrevogáveis tentou colocar o terreno em nome da 2ª Ré, dizendo que o preço se encontrava pago, tendo inclusive invocado perigo de vida para poder fazer a escritura sem o registo prévio a favor dos AA., escritura essa que teve de revogar porque a CC revogou a procuração outorgada a favor da sua mãe, tendo novamente mentido a dizer que não foi concedida autorização judicial, quando nem sequer foi pedida.

11. Após a transação judicial de 2004, o 1º Réu outorgou uma escritura de justificação diretamente em nome da Imobiliária, para poder obter o financiamento bancário e assim se furtar mais uma vez ao pagamento do preço, motivo pelo qual não avisou ninguém, nem entregou a moradia aos AA. depois de esta estar concluída há vários meses, fazendo desta stand de vendas, pois só tentou interpelar os AA. para a escritura de compra e venda depois de instaurado o procedimento cautelarapensoa estes autos, altura em que tambémlhesenviou uma notificação judicial avulsa em que a 2ª Ré assumia as obrigações do 1º Réu na aludida transação (o que pressupõe que não o fez anteriormente), tendo as partes posteriormente reunido no Grupo Invictus e não chegado a acordo – é esta a resenha histórica e cronológica e não os factos concluídos completamente desenquadrados da realidade que pressupõem que os AA. sempre se furtaram ao cumprimento da transação quando os documentos provam o contrário, bem como à interpelação para a escritura de compra e venda da moradia (que não receberam por se encontrarem ausentes) e que só aconteceu depois da instauração do procedimento cautelar e do pedido de ineficácia da escritura de justificação, porque até lá, os RR. não provaram qualquer intenção de entrega da moradia já concluída como aliás entregaram a outros promitentes-compradores, designadamente o GG que já possuía a moradia e fazia obras de alteração em Julho de 2010, o que aliás provocou a desconfiança dos AA..

12. De igual modo, deve ser considerado conclusivo e por isso não escrito o Facto Provado 66 – “O preço dos terrenos para construção na zona em que se situa o terreno em causa, em Novembro de 2006, antes da construção das moradias, rondava os € 116,88 por m2 (artigo 30º da Base Instrutória)”, pois resulta o contrário do relatório pericial e respetivos esclarecimentos prestados por escrito em 09.01.2017, (em que os peritos do Tribunal e dos AA. chegaram nos seus cálculos a um valor de 315,80€ por m2) e o próprio Tribunal deu como provado na sua primeira sentença que “o preço dos terrenos para construção na zona em que se situa o terreno em causa, em Novembro de 2006, antes da construção das moradias, rondava os € 250,00 a € 300,00 por m2 (artigo 30º da Base Instrutória) que agora deu com não provado – alínea h).

13. São também conclusivos os factos dados como provados 67 - Em virtude das acções interpostas pelos AA. e do seu registo, a 2.ª R. vê-se impedida de cumprir as promessas de venda aludidas na matéria assente (artigo 31º da Base Instrutória) e 68 - O que determinará para 2.ªR. umprejuízo, como pagamento de indemnizaçõese de jurosdo financiamento obtido para a construção, de valor superior a um milhão de euros (artigo 32º da Base Instrutória) e, por isso, devem ser considerados não escritos.

14. Como pode o Tribunal a quo, corroborado pelo TRP, dar como provado um prejuízo de valor superior a um milhão de euros, quando declara expressamente que não dispõe de elementos suficientes para quantificaros prejuízos sofridos, pelo que relega tal liquidação paraexecução de sentença.

15. Acresce que, não existe nos autos um único documento comprovativo de qualquer prejuízo sofrido pela 2ª Ré com o pagamento de indemnizações e juros de financiamento, que a existirem já seriam do conhecimento da 2ª Ré e portanto já deveriam ter sido juntos aos autos, não podendo ser relegados para execução de sentença, que apenas serve para quantificar tais prejuízos e não para validar a sua existência que não se encontra minimamente comprovada nos autos.

16. O facto provado 75 – Desconhecendo quaisquer relações e vicissitudes prévias entre AA. e a 2.ª R. e que pudessem colocar em causa a actuação desta perante o R. “Finibanco” (artigo 39º da Base Instrutória) também é conclusivo, já que os AA. impugnaram o mesmo e não foi feita qualquer prova de tal ter acontecido – aliás resulta o contrário da confissão do 1º R. e legal representante da 2ª Ré, foi o banco que exigiu que a escritura fossem em nome da sociedade porque não emprestava dinheiro ao DD, tendo antes este avalisado as letras em branco subscritas pela 2ª Ré, como garantia do financiamento concedido.

17. Isto posto, o Tribunal de 1ª instância, corroborado pelo TRP, julgaram que se verifica a ineficácia da escritura de justificação quanto aos AA. porquanto os RR. tinham uma posse precária, sem animus, o que nunca poderia levar a uma aquisição por usucapião.

18. O Tribunal de 1ª instância, corroborado pelo TRP, entenderam que: “era sobre os Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.” que impendia o ónus de revelarem probatoriamente os factos necessários à demonstração do seu direito de propriedade sobre o terreno em questão nos autos. Deveriam, pois, os Réus provar as características da posse imprescindíveis à verificação da usucapião, sendo certo que a lei intima o justificante a, logo na respectiva escritura, indicar “as circunstâncias de facto que determinam o início da posse”, bem como as que “consubstanciam e caracterizam a posse” – artigo 89º, nº2 do CN.

19. Na verdade, constata-se que a Ré “Imobiliária do Casas, S.A.”, que outorgou a escritura de justificação notarial no dia 23 de Novembro de 2005, não logrou demonstrar que tivesse comprado verbalmente, no ano de 1995, o imóvel em litígio e que a utilização que dele vem fazendo o seja na convicção de exercer sobre o mesmo o respectivo direito de propriedade. Em primeiro lugar, o terreno sobre o qual a Ré procedeu à construção das moradias não lhe foi vendido pelos Autores, antes existindo um contrato promessa de compra e venda relativo a tal terreno celebrado entre os Autores e o Réu DD; em segundo lugar, a factualidade apurada revela que foi com autorização dos Autores que a Ré levou a efeito a construção das moradias, o que remete a situação para a previsão do artigo 1253º, als. b) e c) do CC.

20. Assim, pese embora válida, tal escritura seria ineficaz em relação aos Autores, não produzindo os efeitos que, através dela, os Réus pretendiam alcançar: a inscrição registal da aquisição da propriedade. Consequentemente, e por via do disposto nos artigos 8º e 13º do CRP, haveria de ser cancelada a inscrição de aquisição do prédio, por usucapião, a favor da 2ª Ré e todos os registos posteriores, nomeadamente de hipoteca a favor do 3º R..

21. Pois, como consta da transação judicial os AA. estavam obrigados a transmitir o terreno para o 1º R. e não para a 2ª Ré. O 1º R. nunca invocou qualquer dificuldade no registo e no estabelecimento do trato sucessivo e nunca procedeu à marcação da escritura no sentido de invocar a mora e posterior incumprimento dos AA. quanto à sua obrigação de lhe transmitir o terreno.Antes,porsua iniciativa própria, outorgouumaescrituradejustificaçãodiretamente em nome da 2ª Ré, com a qual os AA. não têm qualquer obrigação contratual e tornando assim impossível para o 1º R., também representante da 2ª R., poder cumprir a obrigação de entrega da moradia que consta da aludida transação judicial por impossibilidade superveniente definitiva que lhe é imputável, pois ninguém pode transmitir a propriedade de uma coisa que não é sua.

22. Na verdadecomo bem questiona o Mº Juiz a quonão sepercebe porque razãonãoprocederam os AA. eles próprios à outorga da escritura pública de justificação notarial, obtendo dessa feita o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o aludido terreno (por usucapião). Ora, não se compreende, porque não faz parte das regras de normalidade e de experiência comum, que alguém iria autorizar outrem a fazer uma escritura de justificação em seu nome de um terreno de que é proprietário, sem ter qualquer relação contratual com essa pessoa (a aqui 2ª Ré) e sem o pagamento do preço do terreno ou qualquer outro documento que salvaguardasse esse pagamento, designadamente um documento escrito, pois nunca poderia ser verbal, em que eventualmente a 2ª Ré assumisse as obrigações que cabiam ao 1º R. na transação judicial, com o acordo dos AA., o que não consta dos autos. Tanto mais, que as partes eram patrocinadas ambas por advogados e atento os valores em causa, centenas de milhares de euros, jamais poderiam tais situações ocorrer sem a outorga de qualquer documento escrito nesse sentido. Assim, se a escritura de justificação do terreno não foi feita em nome dos AA., foi porque tal não lhes foi solicitado pelo 1º R., tendo antes este optado por fazer tal escritura diretamente em nome da 2ª R., conforme o próprio confessa no seu depoimento de parte ( aos 19 minutos – não achei que tinha de avisar), resolvendo assim de uma assentada só, e obviamente sem o conhecimento ou consentimento dos AA., o problema da aquisição da propriedade do terreno e não ficando vinculado a qualquer contrapartida económica pelo mesmo, designadamente a entrega da moradia ou pagamento do preço, como já tinha tentado fazer em 21.02.1997 invocando perigo de vida. E só não logrou fazer porque, entretanto, a A. CC não ratificou a procuração outorgada por sua mãe (cfr. Facto provado 46), tendo o 1º R. revogado a referida escritura embora alegando novamente factos falsos, de que não tinha sidodada autorização judicial em relaçãoà CC, aotempoainda menor, para a concretização da citada escritura.

23. Ora, resulta à saciedade dos factos provados que o 1º R. tentou por diversas vezes e formas apropriar-se do terreno sem pagar o respetivo preço, designadamente através da outorga das procuraçõesirrevogáveise dasescriturasreferidas decompra evenda onde consta que o preço estápago efinalmente através da escrituradeusucapião, o que provao comportamento burlão do 1ª R..

24. Nunca o 1º R. procedeu à marcação da escritura de transmissão do terreno a que os AA. não tivessem comparecido, nunca fez qualquer interpelação admonitória, nunca pediu a execução da transação.

25. Porém, contrariamente ao acordado, o 1º R. não entregou aos AA. a moradia para pagamento do remanescente do preço, no prazo de 2 anos após levantamento da licença de construção, ou seja, até 24.11.2008 já que a licença de construção foi levantada em 24 de novembro de 2006 (cfr. Facto Provado 39). Assim, quase 2 anos após o término do prazo para a entrega da moradia, e embora a mesma já estivesse concluída conforme foi referido por várias testemunhas (HH, II, EE, JJ) e até confirmado pelo próprio DD, o mesmo ainda não tinha entregado a moradia aos AA. fazendo da mesma stand de vendas (cfr. Facto provado 45).

26. Sendo que outros promitentes compradores já tinham acesso às moradias, tendo inclusive escolhido os materiais, as cozinhas, etc. (cfr. depoimentos das testemunhas HH, II, EE, GG) e foram viver para a mesma designadamente a testemunha GG. O que obviamente causou nos AA. estranheza e suspeição relativamente ao comportamento assumido pelo 1º R. e levou á descoberta da escritura de justificação em nome da Imobiliária.

27. Ora, ficou provado nos autos que os RR. apenas enviaram aos AA. uma carta a marcar a escritura de compra e venda da moradia, já depois de se encontrar pendente e registado o procedimento cautelar comum apenso a estes autos, carta essa que os AA. não receberam porque conforme consta da mesma se encontravam ausentes. Posteriormente, os RR. enviaram aos AA. uma notificação judicial avulsa a marcar a escritura, na condiçãode os AA. desistirem de todos os processos, escritura essa que depois os mesmos desmarcaram e em que a 2ª Ré declarava assumir as obrigações do 1º Réu na transação judicial.

28. Por outro lado, não é por acaso que a transação judicial refere a entrega da moradia e não a outorga da escritura de compra e vendadamesma,porque osAA. não vão comprara moradia, antes a vão receber em pagamento do remanescente do preço do terreno, é, portanto, uma dação em pagamento do 1º R. aos AA. e não uma escritura de compra e venda.

29. Pois, se fosse feita a escritura de justificação em nome dos AA. e posteriormente a escritura de permuta do terreno por uma moradia (bem futuro), o 1º R. não poderia obter empréstimo bancário necessário à construção das moradias e como não quis comunicar tal facto aos AA. ou eventualmente poderia ter receio de que estes não aceitassem que o terreno ficasse em nome da 2ª Ré, única forma de o 1º R. obter financiamento para a construção das moradias (18 m do seu depoimento), resolveu por sua iniciativa e no seu interesse único e exclusivo outorgar uma escritura de justificação, com base em declarações todas elas falsas, conforme era do seu conhecimento pessoal, a favor da 2ª Ré.

30. Não se vê qual poderia ser o interesse dos AA. na outorga de uma escritura de justificação diretamente em nome da 2ª Ré, com a qual não têm qualquer relação contratual, para poupar uns míserostostõesquenem sequer seriam eles apagar (tinhasido acordado que o1º custeava tudo), antes ficariam completamente desprotegidos quanto ao cumprimento da transação judiciale ao pagamento do remanescente do preço atravésda entrega de uma moradia. Quanto à 2ª Ré já se percebe o interesse assumido pelo 1º R. na outorga da escritura de justificação em nome da 2ª Ré – era a única forma de obter financiamento para a construção das moradias. E ainda porque se calhar não lhe apetecia pagar o remanescente do preço através da entrega de uma moradia, conforme comportamentos repetidos supra elencados, consentâneos com a vontade de não pagar o preço estabelecido?

31. Com efeito, falece o raciocínio do Tribunal a quo, corroborado pelo TRP, porque os RR. não se encontravam numa situação de impasse, nem estavam a braços com um projeto imobiliário para o terreno, tendo recorrido a financiamento bancário para a sua viabilização, com encargos avultadíssimos, não podendo dar início à construção das moradias por não serem donos do terreno onde asmesmasseriam implantadas. O 1º R.tramitava oprocesso camarário com as procurações irrevogáveis, mas não podia dar inicio à construção das moradias, não pelo facto de não ser o dono do terreno onde as mesmas seriam implantadas, mas pelo facto mais singelo e prosaico de não ter dinheiro para tal e necessitar de um financiamentobancário para a sua viabilização, financiamento esse a que ainda não tinha recorrido, nem tinha encargos avultadíssimos, pela razão simples de que o Banco não lhe emprestava o dinheiro a título pessoal mas só se fosse uma sociedade, motivo pelo qual fez a escritura de usucapião diretamente em nome da 2ª Ré, para de uma assentada só, poupar tempo, dinheiro e poder obter o financiamento bancário, sem qualquer conhecimento ou consentimento dos AA. que como é obvio não tinham qualquer interesse em tal, pelo contrário ficariam completamente desprotegidos.

32. Nesta senda, afigura-sedeverassurreale contrário àsmais elementaresregrasda normalidade, da experiência comum e do bom senso a conclusão proferida no caso sub judice de que: “Virem agora os Autores, cientes da realidade acabada de expender e que ficou comprovada nos autos, peticionar a declaração de invalidade de tal escritura de justificação parece-nos, a todos os títulos, contrária aos mais elementares princípios da boa-fé.

33. Sufragada pelo TRP: “Parece-nos, à luz da factualidade provada e do elenco temporal e sequencial dosfactos, comoadequadaa argumentaçãodo Tribunal ‘a quo’ aoter lançado mão do instituto do abuso de direito para paralisar a declaração de ineficácia da escritura de justificação. Na verdade, afigura-se-nos, com efeito, que os Autores/Apelantes actuam em claro abuso de direito - na modalidade de ‘venire contra factum proprium’ - ao peticionarem a declaração de nulidade da mencionada escritura, que foi celebrada a pedido dos mesmos, representados pelo respectivo advogado, o qual esteve presente aquando à outorga dessa escritura”.

34. Pois, dentro do quadro factual já provado, ressalta que o 1º R. tudo tem feito ao longo dos anos no sentido de se furtar ao pagamento do preço do terreno, não se coibindo de usar as procurações irrevogáveis outorgadas pelos AA. para celebrar escritura de venda do terreno, em nome dos AA., estipulando que o preço se encontrava pago e culminando com a outorga pelo 1º R., em representação da 2ª R. de uma escritura de justificação do terreno a favor da 2ª Ré, baseada em declarações que ficou provado neste processo, face ao teor de outros documentos, serem completamente falsas, conforme era do conhecimento pessoal do 1º R. e dos declarantes que foram testemunhas na dita escritura de justificação, uma das quais foi a EE que ciente de estar a mentir nessa escritura, continuou a mentir em Tribunal, alegando que os AA. que nunca conheceu, tinham consentido na escritura de justificação diretamente a favor da Imobiliária.

35. Sem prescindir, mesmo no quadro da factualidade dada como provada na sentença ora em apreço, jamais a conduta dos AA. poderia equivaler a validar uma escritura de justificação baseada em declarações comprovadamente falsas, conforme documentos juntos aos autos, pois tal escritura consubstancia um negócio contrário à lei, pois a 2ª Ré não podia adquirir o dito terreno por usucapião (aliás nem sequer o 1º R.), e como tal sempre seria nula.

36. Assim, não teve o douto acórdão recorrido em atenção que que os RR. prestaram conscientemente falsas declarações na aludida escritura de justificação, para validar uma usucapião sem preencher os respetivos pressupostos legais, o que a torna nula por contrária à lei. Na verdade, constata-se que a Ré “Imobiliária do Casas, S.A.”, que outorgou a escritura de justificação notarial no dia 23 de Novembro de 2005, não logrou demonstrar que tivesse comprado verbalmente, no ano de 1995, o imóvel em litígio e que a utilização que dele vem fazendo o seja na convicção de exercer sobre o mesmo o respetivo direito de propriedade.

37. Ficou provado nestes autos que a escritura de usucapião é falsa no seu conteúdo declaratório, pois a sociedade justificante, aqui 2ª R., representada pelo 1º R. falta culposa e conscientemente à verdadeao alegar que: não possui título formal que legitime o seu domínio sobre o referido prédio, o qual veio à sua posse por compra não titulada feita aos AA., em data que não podem precisar, por volta do ano de 1995 (quando o 1º R. outorgou com os AA. um contrato-promessa de compra e venda do sobreditoterrenoem 12.09.1995) e estesúltimos adquiriram-no, também por contrato verbal, a KK, sensivelmente no ano de 1980 (quando o 1º R. declarou na escritura de compra e venda celebrada em 21.02.1997, que: “Esse prédio foi adjudicado aos seus representados no inventário por óbito de KK, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., cuja partilha foi homologada por sentença de 23 de maio de 1989, com trânsito em julgado), nem o prédio estava omisso na matriz nem no Registo Predial (cfr. contrato-promessa).

38. Assim, dúvidas não podem restar de que o justificante prestou conscientemente falsas declarações, corroboradas pelos declarantes como inteiramente verdadeiras, quando sabiam que não o eram (nomeadamente as testemunhas EE e FF demonstraram saber que o terreno era do 1º R. e não da 2ª R.), com o intuito de obter um resultado contrário à lei - aquisição por usucapião fora dos pressupostos legais exigidos, que eram falsos, pois o justificante sabia que o prédio não era omisso na matriz nem no registo predial e que existia um contrato promessa de compra e venda do mesmo bem como uma transação judicial com o 1º R..

39. Face ao exposto sempre deverá a usucapião ser declarada nula por contrária à lei tendo em conta a prova da falsidade do respetivo conteúdo declaratório, pois equivaleria a validar uma usucapião sem preencher os requisitos legais exigidos, mesmo que tal fosse a vontade ou concordância dos AA., o que nunca aconteceu (cfr. Ac. RL de 09.09.2014 in dgsi 5434/09.2TVLSB-1 que estipula: “A escritura seria nula se fundada em declarações conscientemente falsas, porque nesse caso estaríamos perante um negócio jurídico contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes (Art. 281º do C.C.)”.

40. Sem prescindir, do regime legal resulta, pois, que o destaque de 3557 m2 de terreno que a 2ª R. efetuou materialmente com a escritura de justificação dos autos, sem licenciamento municipal prévio e em terreno não loteado, e que agora pretende ver reconhecido por via judicial, é também um ato que a lei não permite e que osTribunais estão impedidos de praticar porque contrário às leis do urbanismo. Nunca poderia destacar um terreno para construção e depois construir nos dois, sendo num deles 6 moradias, sem loteamento.

41. Acresce que, caso assim se não entenda, o que só por mera hipótese processual se concebe, sempre deverá a escritura de justificação notarial ser declarada nula por simulada – já que a vontade real não corresponde à vontade declarada, no intuito de enganar terceiros, o que também é do conhecimento oficioso.

42. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, e mesmo a considerar-se fixada a matéria de facto (o que não se concede), não se vislumbra como poderiam os AA. ter atuado com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium por não se tratar de uma situação de clamorosa má fé em que os AA. tivessem adotado um comportamento e depois contraditado o mesmo.

43. Em primeiro lugar porque mesmo que os AA. tivessem pedido aos RR. para outorgar a escritura de justificação em nome da 2ª Ré, o que nunca aconteceu, esta não estava em condições de poder preencher os requisitos legais para adquirir por usucapião, nem as normas do urbanismo, o que equivaleria a validar um ato contrário à lei e, portanto, nulo, o que pode ser invocado a qualquer momento, por qualquer interessado ou declarado oficiosamente pelo Tribunal. Pelo que, mesmo que os AA. se tivessem comprometido a não invocar a nulidade da justificação notarial ou a sua ineficácia, tal negócio é nulo por contrário à lei, não podendo os RR. proceder à constituição de ónus sobre terreno que sabem ser alheio, nomeadamente a constituição de hipotecas a favor do 3º R. (anteriormente Finibanco e agora Montepio para garantia de empréstimos concedidos que totalizam um milhão de euros) sobre bens alheios, hipotecas essas também nulas.

44. De igual modo são nulos os contratos promessa celebrados pela 2ª R. com terceiros relativos às moradias, porque a 2ª R. tem perfeito conhecimento de que construiu as moradias emterreno alheio, e a autorização para construção foi dada pelos AA. ao 1º R. e não à 2ª R. com a qual os AA. não têm qualquer relação contratual.

45. Ora, os AA. vieram invocar a dita invalidade logo que tomaram conhecimento da escritura de justificação e porque estranharam que o 1º R. não lhes entregasse a moradia que tinham escolhido e que estava concluída há vários meses. Assim, não se trata para os AA. de retirar qualquer beneficio indevido de tal invalidade, antes pelo contrário foram os RR. que por sua iniciativa própria se colocaram nesta situação, sendo que o 1º R. deixou de poder cumprir a prestação a que estava adstrito no acordo judicial porque outorgou uma escritura de justificação do terreno em nome de um terceiro, alheio à transação, não podendo assim por culpa sua e de forma definitiva cumprir o acordado e impedindo assim também os AA. de poder transmitir o seu prédio ao 1º R. visto este já ser propriedade por usucapião da 2ª R. e mesmo que tal tivesse sido solicitado pelos AA., o que nunca aconteceu, sempre deveriam os RR. ter tomado as devidas precauções através de um documento idóneo subscrito pelas partes no sentido de cessão da posição contratual do 1º Réu para a 2ª Ré.

46. Pois, como muito bem explicita o “Voto de vencido” do acórdão sub judice, mesmo que os AA. tivessem autorizado, consentido ou pedido a escritura de justificação a favor da 2ª Ré (o que nunca aconteceu), não ficou provado em que termos o teriam feito, designadamente que tenham acordado as declarações que foram prestadas na dita escritura (que os RR. sabem serem falsas).

47. Acresce que, mesmo que os AA. tivessem autorizado a escritura de justificação em nome da Imobiliária, o que nunca fizeram, não estariam impedidos de invocar a sua ineficácia, mas apenas de beneficiar com tal pedido, face ao instituto do abuso de direito.

48. Ora, perante tal ineficácia, os AA. não ficam beneficiados, pois têm de provar o seu direito de propriedade em relação ao terreno.

49. Face ao exposto não se entende como poderia ser inadmissível e, sem dúvida contrária à boa fé a conduta dos AA. na exata medida em que trai a confiança gerada nos RR. pelo seu comportamento anterior. Qual comportamento anterior? (Não há um único facto que o comprove) Qual confiança? Que não iriam invocar a nulidade de uma escritura que nem sequer sabiam que existia? Que não iriam fazer valer o seu direito de propriedade sobre o terreno ficando à mercê da boa vontade dos RR. para entregar a moradia em pagamento do preço, se e quando quisessem, como aconteceu só após a interposição dos respetivos procedimentos cautelares? Se alguém aqui abusa do direito, atua de má-fé e faz um uso indevido do processo visando obter um benefício ilegítimo, não são seguramente os AA. mas antes os RR., conforme está provado à saciedade, estar sem pagar o preço do terreno durante 27 anos, e ainda onerá-lo com duas hipotecas no valor de um milhão de euros.

50. Deverá, pois, em prol da realização da justiça material do caso concreto, ser julgado exatamente o contrário, ou seja, que foram os RR., designadamente o 1º R. quem abusou do direito e traiu a boa-fé e a lealdade entre aspartes. Pois, não sepode premiaros prevaricadores em detrimento dos que cumprem a lei, sob pretexto de que tal lhes pode causar graves prejuízos, agora que oempreendimentoestá concluído, à margemda lei ecom hipotecassobre bens alheios. Tal decisão é o corolário do mundo ao contrário. Não se pode invocar a invalidade de uma escritura provocada pelos RR., no seu benefício exclusivo e em detrimento dos AA.? Qual o benefício ilegítimo que os AA. pretendem obter? Se a 2ª R. construiu moradias em terreno que sabia ser alheio e constituiu hipotecas sobre bens alheios, deverá restituir o terreno onde não construiu e pagar o valor do terreno onde construiu, antes da incorporação dasmoradias,conforme está consagrado na lei,nãose tratadenenhumbenefício ilegítimo. Embora neste caso, nem sequer se possa dizer que a 2ª R. está de boa fé, porque sabe que está a construir em terreno alheio e que a autorização para construir as moradias foi dada ao 1º R. e não à 2ª R.. Estranha-se que a sentença recorrida, corroborada pelo acórdão, entenda que os AA. sempre continuariam vinculados à transação judicial geradora de responsabilidade em caso de incumprimento, mas já não tenha igual raciocínio quanto ao 1º R. que continua vinculado a entregar uma moradia que não tem porque o colocou em nome da Imobiliária. Ou seja, não faz mal os AA. terem de aceitar a moradia de terceiros, mas já é abuso de direito os AA. pedirem o pagamento do valor do terreno antes da incorporação?

51. Com efeito, os RR. prestaram conscientemente falsas declarações na escritura de justificação e em tribunal não lograram provar os pressupostos da aquisição por usucapião.

52. Assim sendo, jamais a ineficácia da escritura de justificação poderia ser paralisada pelo instituto do abuso de direito, pois tal equivaleria a validar uma escritura contrária à lei.

53. Por conseguinte, o Tribunal validou a escritura de justificação dos RR. bem sabendo que os mesmos não adquiriram o aludido terreno por usucapião, antes o 1º R. adquiriu o terreno aos AA. por contrato-promessa de compra e venda outorgado em 12.09.1995, pelo que sempre teve uma posse meramente precária sem o animus de quem exerce um direito de propriedade.

54. Ora, não beneficiando os RR. da presunção do registo, competia-lhes provar o seu modo de aquisição, o que não lograram fazer, como muito bem reconhece o acórdão recorrido.

55. Assim sendo, nunca poderia a escritura de justificação ser validada porque contrária à própria lei – ao não estarem preenchidos os requisitos da usucapião, antes resulta o contrário dos documentos juntos aos autos.

56. Acresce que, contrariamente ao explanado no douto acórdão recorrido, a única prova que foi feita do direito de propriedade dos AA. não foi que “sensivelmente em 1980 adquiriam o sobredito terreno a KK.

57. Pois, olvidou o douto acórdão em apreço toda a matéria considerada assente em que os próprios RR. reconhecem o direito de propriedade dos AA. sobre o referido terreno que lhes terá sido adjudicado em inventário por morte de KK, cuja sentença transitou em julgado em 1989 (cfr. escritura de compra e venda de 1997). Terreno esse que o 1º Réu adquiriu por contrato-promessa de compra e venda outorgado com os AA. em 12.09.1995. E em relação ao qual,o 1º Réufezuma transaçãojudicial em 2004. Eem 2005, a 2ª Ré outorgou uma escritura de justificação alegando que comprou verbalmente tal terreno aos AA. em 1995. Assim, existem provas mais do que suficientes nos autos de que os AA. são os proprietários do terreno em causa – pois ninguém pode vender o que não tem – dizer o contrário estaria em contradição com toda a matéria considerada assente.

58. Quanto à acessão industrial imobiliária, entendeu a decisão de 1ª instância que estariam aqui preenchidos os seus requisitos, mas que seria excessivamente onerosa para os RR., porque teriam de cancelar todos os registos efetuados sobre o terreno em questão (incluindo, eventualmente, os registos de hipotecas a favor do “Finibanco”), com todos os prejuízos (avultadíssimos, atentos os valores garantidos), não aludindo uma única vez aos prejuízos dos AA. que há 27 anos estão à espera que o 1º R. lhes pague o terreno, e há 14 anos que o 1º R. lhes entregue a moradia.

59. Concluiu que a melhor forma de realizar a justiça material do caso concreto seria aplicar o instituto excecional do abuso de direito, validando uma escritura de justificação que é contrária à lei.

60. Porém, não atendeu ao facto de que foram os RR. que se colocaram conscientemente na posição em que estão, pois mesmo que os AA. tivessem autorizado a escritura de justificação em nome da 2ª Ré (o que não se concede), deveriam estes ter-se salvaguardado com um documento em que a 2ª Ré assumisse as obrigações do 1º Réu na transação judicial. Pois, ao colocar o terreno prometido vender em nome de terceiro, alheio à transação, está o 1º Réu a impossibilitar de forma definitiva o cumprimento da transação, porculpa que lhe é imputável.

61. Ademais, fere as mais elementares regras da normalidade e da experiência comum que a autorização para a dita escritura de justificação tivesse sido dada pelo advogado dos AA. que esteve presente na mesma. Com efeito, jamais o dito Advogado tinha poderes para tal, apenas tinha uma procuração forense nos autos em que foi efetuada a transação, nem a mãe dos AA., sendo certo que os mesmos nunca estiveram presentes nas reuniões referidas pela testemunha EE, que disse que não conhecia os AA., apenas os viu no julgamento.

62. Por outro lado, estando as partes representadas por Advogados na transação judicial, não se entende como não ficou prevista a possibilidade de cessão da posição contratual do 1º R. para a 2ª Ré, já que face ao histórico de litigiosidade nunca se poderiam esquecer de tal cláusula, se essa fosse a vontade das partes.

63. Acresce que, a resenha histórica e cronológica não é a constante do acórdão recorrido (que mantém a da 1ª instância), pois nunca os AA. se furtaram ao cumprimento da transação judicial, antes sempre ficou o 1º R. de resolver o problema da falta de registo, de que tinha conhecimento pelo menos desde 1997. Ora, em Julho de 2010, o 1º R. ainda não tinha entregadoa moradia aos AA. apesarde concluída,fazendo da mesma standde vendas, quando já tinham entregadoa moradia ao Sr. LL andava a fazeralteraçõesna mesma, motivo peloqual os AA. desconfiaram da intenção do 1º Réu cumpriro acordado e foi quando descobriram a escritura de justificação em nome da 2ª Ré e intentaram o procedimento cautelar apenso a estes autos. Só depois foi enviada aos AA. a carta de fls. a interpelá-los para a escritura de compra e venda, carta essa que os AA. não receberam porque se encontrarem ausentes (cfr. aposição dos CTT). Posteriormente, os AA. receberam a notificação judicial avulsa a comunicar que a 2ª R. assumia as obrigações do 1º Réu na transação judicial e depois aconteceu a reunião no grupo invictus. Portanto, até à instauração do procedimento cautelar, nunca o 1º R. entregou a moradia, nem interpelou os AA. para a realização da escritura de compra e venda, nem a 2ª Ré assumiu as obrigações do 1º R., nem os AA. se furtaram à outorga da escritura.

64. Ou seja, o Mº juiz a quo considera mais justo os AA. receberem uma moradia entregue por terceiro conforme transação judicial da qual a 2ª R. não faz parte, do que receber o preço do terreno antes da incorporação das moradias levada a cabo pela 2ª Ré, em terreno que sabia ser alheio e onerou com duas hipotecas no valor de um milhão de euros. E, como se tal não bastasse, ainda vem condenar os AA. a indemnizar os RR. por ter exercido os seus direitos, reivindicando-os numa acção judicial e respetivo procedimento cautelar comum.

65. Assim, afigura-se que mesmo face à factualidade dada como provada (que não se concede) o recurso ao instituto da acessão industrial imobiliária (embora, no nosso entender não haja autorização dos AA. para a 2ª Ré construir, mas antes para o 1º Réu, conforme consta da transação judicial) é o que melhor realiza a justiça material no caso concreto, na senda do voto de vencido do acórdão recorrido e como foi pedido em reconvenção pela 2ª Ré.

66. Assim seria mais justo e equilibrado, atenta a realidade factual que se entende estar provada, que os RR. adquirissem o terreno por acessão industrial imobiliária pagando o preço do mesmo antes da incorporação das moradias, em vez de considerar a justificação válida e eficaz e condenar os AA. a pagar alegadamente um milhão de euros de prejuízo aos RR. sem se saber a que título receberiam a moradia, que aliás já nem sequer receberiam pois o seu valor não chegaria para pagar a indemnização aos RR. – Isto sim uma clamorosa injustiça e abuso de direito.

67. Por conseguinte, deveria a 2ª R. poder adquirir o terreno onde foram edificadas as 6 moradias pelo valor constante do relatório pericial e respetivos esclarecimentos, nomeadamente os por si prestados em 09.01.2017 a fls. 837 dos autos, limitando-se a fazer o simples cálculo aritmético da área total do terreno, real e efetiva, de 2591,03 m2 (1903,03 m2 + 688 m2) vezes o preço por m2 atribuído pelos mesmos peritos de 315,80 m2, o que dá o valor de avaliação do terreno no ano de 2006 de 818.247,27€, ou de 661.800,88€ na perspetiva do perito dos RR., corrigindo assim os seus erros de cálculo.

68. E não pela conclusão precipitada tirada pelo Mº Juiz a quo de que o valor do terreno de 420.317€, sem qualquer especificação entre as duas descrições, pelo método de custo de construção (quando temos dois terrenos tipificados com projetos de construção aprovados, um para a construção de 6 moradias e outro para a construção de uma moradia) dividindo tal valor pela área total do terreno incluindo 39 m2, que não são dos AA., e não pelo terreno efetivo para construção chegando ao valor de 116€ por m2 é subverter por completo tudo o que foi dito pelas várias testemunhas e pelos próprios peritos.

69. Sem prescindir, no seu depoimento de parte, o R. DD confessou que efetivamente o preço dos terrenos em causa, para a zona em que se situa o terreno que está em questão nos autos, rondava os 250 a 300€ m2 (cfr. ata da audiência de julgamento)

70. Acresce que, e não de somenos importância, o 1º R. ainda não pagou o terreno aos AA., depois de decorridos mais de 27 anos. Pelo que o valor a pagar aos AA, no caso de acessão industrial imobiliária da 2ª Ré terá de ser sempre o valor antes da incorporação das moradias, acrescido dos respetivos juros legais ou então, o valor atualizado do terreno, sob pena de um ilegítimo enriquecimento da Ré à custa dos AA., como tem sido jurisprudência maioritária.

71. Por outro lado, salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a 2ª Ré adquirir por acessão industrial imobiliária o terreno de 688 m2 onde nada construiu e quanto ao terreno onde foram construídas as 6 moradias, os peritos do tribunal e dos AA. atribuíram-lhe o valor de 370.000€ (cfr. esclarecimentos de fls. 837), onde concedem que o preço por m2 para construção é de 315,80 m2, como aliás tinha sido considerado provado inicialmente e agora se deu como não provado al. h).

72. Face ao exposto, nunca poderiam os AA. ser condenados a indemnizar os RR. pelos prejuízos alegadamente causados em valor superior a um milhão de euros de juros de financiamento, sem existir qualquer elemento documental que suporte tal valor e ainda nas indemnizações que teriam de pagar pelo incumprimento dos contratos-promessa de compra e venda, não existindo também suporte documental para tal, pois no contrato-promessa outorgado entre a 2ª Ré e o Grupo Invictus, não foi pago qualquer sinal (fls. 400 a 405), e entretanto a Invictus foi declarada insolvente. Quanto ao contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a 2ª Ré e o Sr. GG terá sido pago um sinal de 20.000€, mas o mesmo terá ficado a viver na moradia, pelo que não terá havido incumprimento.

73. Por outro lado, não ficou provado que a Ré sociedade tenha deixado de pagar o empréstimo em virtude de não ter vendido as moradias. Aliás nem sequer está provado que o pagava anteriormente, pois também ainda não tinha vendido as moradias. Pelo contrário ficou provado que a 2ª Ré não foi declarada insolvente (pois foi impugnada tal declaração com êxito) e nem sequer foi o Banco, aqui 3º R. que pediu a sua insolvência ou executou as hipotecas (não foi junto nenhum documento nesse sentido). Desconhecem os AA. se a 2ª R. tinha ou não condições de pagar o financiamento, quando lograria vender as moradias e que juros lhe terão ou não sido aplicados, se o 3º R. executou ou não as hipotecas ou se recorreu às restantes garantias do empréstimo, nomeadamente garantias pessoais do 1º R., certo é que não pediu a sua insolvência. Assim, não há prova de qualquer dano concreto, nomeadamente no valor de um milhão de euros que jamais se pode considerar provado com base no depoimento genérico de uma testemunha, nem há prova de qualquer nexo de causalidade entre a acção interposta pelos AA. e a falta de pagamento do empréstimo.

74. Acresce que a liquidação em execução de sentença só é permitida se não for possível fixar já o valor da indemnização, o que não é o caso dos autos, por os RR. terem forçosamente conhecimento das indemnizações a pagar (que não existem), e dos juros já eventualmente vencidos (de que não juntam qualquer documento bancário a solicitar o seu pagamento), a não ser que nada disso exista, pelo que não se pode relegar a sua quantificação para execução de sentença.

75. De igual modo, nunca poderiam os AA. ser considerados como litigantes de má fé e muito menos nos montantes exagerados que foram fixados pelo Tribunal, por terem alegado factos que não correspondem à verdade. Pois, limitaram-se a recorrer aos tribunais, peticionando o seu direito de propriedade sobre o terreno, que inclusive nunca foi impugnado pelos RR. bem como o pagamento do preço do terreno que ainda não foi pago após 27 anos, independentemente da procedência ou improcedência dos seus pedidos, pelo que muito menos agiram com dolo. Acresce que o procedimentocautelar, face àineficácia da usucapião,era não só legítimo como preventivo de futuras ações de quem adquirisse as moradias da 2ª R., que na procedência dos pedidos seriam todas nulas por venda de bens alheios. De igual modo, a presente acção é legitima. Os registos, quer do procedimento cautelar, quer da acção de impugnação da justificação, são obrigatórios, exatamente para salvaguardar os direitos de terceiros, quando está em causa o direito de propriedade. Aliás, antes deveriam ser os RR. a ser declarados como litigantes de má-fé, já que ficou provado documentalmente que prestaramdeclarações falsas numa escritura de justificação, como fimde obterumavantagem proibida pela lei – a referida usucapião. E de igual modo, alteraram a verdade dos factos na presente acção, deduzindo uma oposição cuja falta de fundamento não podiam ignorar, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de obter um objectivo ilegal – protelar o pagamento do terreno durante 27 anos.


Os Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.” apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência da revista.

9. Foi proferido despacho no âmbito e para os efeitos do art. 655º, 1, aplicável por força do art. 679º, do COC, considerando a possibilidade de não ser admitido o recurso no segmento em que os Recorrentes alegam a reapreciação da condenação em litigância de má fé.
Os Recorrentes vieram pronunciar-se, pugnando pelo conhecimento de tal pretensão na revista, uma vez que tal estaria dependente da decisão a tomar pelo STJ no que respeita ao mérito da causa.
Os Recorridos DD e «Imobiliária do Casas, S. A.» também se pronunciaram, batendo-se pelo não conhecimento de tal objecto, uma vez aplicada a inadmissibilidade de terceiro grau de jurisdição ditada pelo art. 542º, 3, do CPC.
*


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objecto do recurso

1.1. Estão preenchidos os requisitos gerais e especiais de admissibilidade da revista (para o art. 629º, 1, do CPC, com despacho de fixação de valor da causa em € 550.001,00: 12/9/2011; ref.ª CITIUS ...63).
Não obstante a coincidência de julgados e, no essencial, da fundamentação, o voto de vencido declarado no acórdão recorrido impede a formação de dupla conformidade decisória obstativa da revista normal (art. 671º, 3, do CPC), que assim é de admitir.


1.2. Vistas as Conclusões delimitadoras da revista (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), o objecto corresponde às seguintes questões:

- nulidade do acórdão com base em “falta de fundamentação”: art. 615º, 1, b), CPC;
- reconhecimento dos pedidos dos Autores;
- reconhecimento do pedido reconvencional indemnizatório dos Réus Reconvintes;
- condenação em litigância de má fé dos Autores.


2. Factualidade

2.1. Deram as instâncias como provados os seguintes factos:

1. Em 12 de Setembro de 1995, mediante documento particular, denominado de “contrato-promessa de compra e venda”, o 1.º A. AA, a 2.ª A. BB e a 3.ª A. CC, representada pela sua mãe MM, na qualidade de 1.º, 2.ª e 3.ª outorgantes e de promitentes-vendedores, e o R. DD, na qualidade de 4.º outorgante e de promitente-comprador, declararam o seguinte:
“Pelos 1.º, 2.º e 3.º outorgantes foi dito:
Que são donos e legítimos possuidores, em comum e partes iguais, do prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 1.237 m2 e logradouro com a área de 3.557 m2, sito na Rua ... (...) inscrito na respectiva matriz sob o art. ...69.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...99, que confronta do norte com NN, do Sul com a aludida Rua ..., do Nascente com Estrada ... à ... e do Poente com a Rua ...;
Que pelo presente Contrato prometem vender ao 4.º outorgante, ou a quem este indicar até à data da escritura, o logradouro do identificado prédio, livre de quaisquer ónus ou encargos, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
1.ª Como contrapartida da prometida venda, o 4.º outorgante obriga-se a:
a) Pagar conjuntamente aos 1.º, 2.º e 3.º outorgantes a quantia de Esc.: 3.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, com a assinatura do presente Contrato, de que os mesmos dão inteira quitação;
b) Ceder, a título gratuito, nesta data, e igualmente a título de sinal e início de pagamento, o veículo de marca BMW 320, descapotável, de matrícula QS-..-..;
c) Proceder à pintura exterior da casa de habitação e à substituição do respectivo telhado;
d) Proceder ao arranjo (…);
e) Proceder à construção de uma piscina, (…);
f) Proceder à electrificação (…);
g) Transferir para a conta nº (…), as rendas provenientes das fracções autónomas destinadas a Armazéns designadas pelas letras “E” e “F”, sitas no Lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., de que o 4.º outorgante é legítimo proprietário, e que se encontram actualmente arrendadas, (…);
Parágrafo Único – A raiz ou nua propriedade das fracções “D” e “E”, supra identificadas, será devidamente transferida, em comum e partes iguais, para os 1.º, 2.º e 3.º outorgantes, através da competente escritura notarial, logo que se encontre reunida toda a documentação necessária para o efeito, ficando a respectiva progenitora, MM, com o seu usufruto;
2.ª Os 1.º, 2.º e 3.º outorgantes desde já se obrigam a requerer, assinar e obter toda a documentação necessária ao destaque do identificado logradouro, correndo as respectivas despesas por conta do 4.º outorgante;
3.ª A competente escritura será outorgada logo que o destaque da parcela ora prometida vender se encontre devidamente autorizado pela Câmara Municipal ... e reunida toda a documentação necessária à sua efectivação devendo, para o efeito, o 4.º outorgante avisar os 1.º, 2.º e 3.º outorgantes do dia, hora e local da sua realização com a antecedência mínima de 5 dias;
4.ª Na eventualidade de as obras descritas na Cláusula 1.ª ficarem concluídas antes de concretizado o destaque referido na Cláusula anterior e, com elas, satisfeito na íntegra o preço a que o 4.º outorgante se obrigou como contrapartida da referida aquisição, os 1.º, 2.º e 3.º outorgantes obrigam-se a outorgar, a favor de pessoa ou pessoas a indicar pelo 4.º, procuração irrevogável, concedendo-lhe poderes para, em seu nome e representação, procederem à venda do referido logradouro, requerendo e/ou rectificando qualquer registo, requerendo quaisquer documentos junto de entidades públicas ou privadas, designadamente Câmaras Municipais e Repartições de Finanças, outorgando a competente escritura e, em geral, requerendo, assinando e obtendo todos os documentos necessários para o indicado fim;
5.ª Os 1.º, 2.º e 3.º outorgantes desde já se obrigam a, na eventualidade de pretenderem proceder à venda da casa de habitação atrás identifica, com a qual o logradouro objecto do presente Contrato, uma vez destacado, ficará a confrontar, darem preferência ao 4.º outorgante ou a quem este indicar, na respectiva aquisição;
6.ª Não obstante a existência de sinal, o presente Contrato fica expressamente sujeito ao regime de execução específica (art 830º do Cód. Civil);
Pelo 4.º outorgante foi dito que aceita o presente Contrato e se obriga nos seus precisos termos.
Todos os outorgantes acordam em ficar a quantia de Esc. 50.000.000$00 (€ 249.398,95), a título de cláusula penal, na eventualidade de qualquer das partes não cumprir o acordado”. (al. A) da Matéria Assente).

2. Em 26 de Setembro de 1995, os AA. AA e BB e MM, esta última como representante legal da A. CC, mediante procurações irrevogáveis, no interesse dos mandatários, constituíram seus procuradores, o R. DD e OO, concedendo-lhes poderes para, conjunta ou isoladamente, venderem a quem e pelo preço e condições que tiverem por convenientes, a parcela de terreno com a área de 3.557 m2, acima referida, a destacar do prédio, também aí mencionado, assinarem contratos promessa de compra e venda, rectificando escrituras ou documentos, aceitarem e assinarem a competente escritura, na Conservatória do Registo Predial efectuarem quaisquer registos, (…), representá-los junto de quaisquer Repartições Públicas, designadamente Repartições de Finanças, Cartórios Notariais e Câmaras Municipais, apresentando junto destas o competente pedido de destaque da parcela, efectuando o registo do respectivo ónus, bem como apresentando na mesma quaisquer pedidos de construção de edifícios na parcela a destacar, levantando as correspondentes licenças, requerendo pareceres, certidões ou outros documentos e, em geral tratarem, requererem e assinarem tudo quanto seja necessário para os indicados fins. (al. B) da Matéria Assente).

3. Em 21 de Fevereiro de 1997, através de escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ..., o 1.º R. DD, na qualidade de 1.º outorgante e de procurador dos AA., e DD, na qualidade de 2.º outorgante e de gestor de negócios e em representação da sociedade comercial por quotas “Imobiliária do Casas, Limitada”, declararam o seguinte:
“O 1.º outorgante declarou:
Que, os seus representados, são donos e legítimos possuidores, em comum, de um prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e andar, com jardim, logradouro, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., do Concelho ..., com a área coberta de 215 m2 e descoberta de 3.557 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...99, do livro B-oitenta e sete, e inscrito na matriz sob o artigo ...69.º.
Esse prédio foi adjudicado aos seus representados no inventário por óbito de KK, que correu termos no Tribunal judicial da Comarca ..., cuja partilha foi homologada por sentença de 23 de Maio de 1989, com trânsito em julgado.
Que, pela presente escritura, em nome dos seus representados, destaca uma parcela de terreno para construção, correspondente ao logradouro do identificado prédio, com a área de 3.557 m2, a confrontar do norte com NN, sul com a Rua ... e vendedores, do nascente com PP e outro e do poente com os vendedores e outro.
Que, pela presente escritura, em nome dos seus representados e no uso dos poderes conferidos nas citadas procurações, vende à sociedade representada pelo 2.º outorgante, dita “Imobiliária do Casas, Limitada”, pelo preço de noventa milhões de escudos, que já recebeu, a identificada parcela de terreno.
Declarou depois o 2.º outorgante:
Que aceita para a sua gestida o presente contrato, e que a parcela de terreno se destina a revenda”. (al. C) da Matéria Assente).

4. Ficou consignado em tal escritura de compra e venda que:
“Este acto foi praticado com carácter de urgência, porquanto o 1.º outorgante sofre de doença que o faz correr perigo de vida, conforme atesto médico que arquivo, não sendo pois obstáculo à outorga deste acto, o facto do dito prédio não se encontrar registado em nome dos vendedores, pelo que adverti o 2.º outorgante de que futuramente a sua gestida não poderá transmitir o bem ora adquirido, sem o prévio registo na competente Conservatória a favor dos vendedores.
Foram exibidos:
a) – certidão da dita Conservatória, de 24/10/96;
b) – certidão matricial, (…);
c) – certidão do referido inventário, extraída pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., em 22/9/1992.
(…).
Adverti os outorgantes:
a) de que este acto é anulável, porquanto na procuração passada pela dita representante legal MM não se mostra ter sido dada autorização judicial para o efeito;
b) de que este acto é ineficaz em relação à gestida do 2.º outorgante, se não for por ela ratificado”. (al. D) da Matéria Assente).

5. Em 10 de Outubro de 1997, o 1.º R., na qualidade de procurador dos AA., revogou a supra referida escritura de compra e venda, alegando que a “Imobiliária do Casas, Limitada” não procedeu ao registo de aquisição a seu favor da parcela de terreno na Conservatória do Registo Predial ..., em virtude de não ter sido dada autorização judicial em relação à CC (aqui 3.º A.), ao tempo ainda menor, para a concretização da citada escritura. (al. E) da Matéria Assente).

6. Em 13 de Fevereiro de 1998, o 1.º R. intentou uma providência cautelar de arrolamento contra os aqui AA., alegando que os mesmos iam vender o descrito prédio urbano e respectivo logradouro a um terceiro, não lhe dando o direito de preferência contratualmente previsto e opondo-se à celebração do contrato prometido (al. F) da Matéria Assente).

7. Tal procedimento cautelar correu termos sob o nº126/98 do ... Juízo Cível deste Tribunal, tendo sido deferida sem audiência prévia dos Requeridos, procedendo-se ao respectivo arrolamento. (al. G) da Matéria Assente).

8. Os aqui AA. contestaram tal procedimento, tendo como consequência sido determinado o levantamento do arrolamento, decisão essa confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto. (al. H) da Matéria Assente).

9. Em 09 de Julho de 1998, o aqui 1.º R. instaurou uma acção ordinária contra os aqui AA. que foi distribuída ao ... Juízo Cível deste Tribunal sob o n.º 522/98, peticionando que os aqui AA. fossem condenados a efectuar o destaque do logradouro com a área de 3557 m2 do prédio urbano com o artigo matricial ...69.º, da freguesia ... e a outorgar a competente escritura pública de venda do mesmo logradouro após o seu destaque ao 1º R. ou a quem por este for indicado ou, em alternativa, fosse declarada a resolução do referido contrato promessa de compra e venda por culpa dos AA. e, em consequência, fossem estes condenados solidariamente a devolver ao 1.º R. a quantia de 35.392.808$00, correspondente a tudo quanto prestou, acrescida dos respectivos juros vencidos no valor de 4.847.718$00 e vincendos, bem como a liquidar ao 1º R. a quantia de 50.000.000$00 a título de indemnização pelo não cumprimento do contrato, conforme estipulado na cláusula penal. (al. I) da Matéria Assente).

10. Os aqui AA. contestaram tal acção, impugnando os factos alegados pelo 1.º R., pugnando pela absolvição do pedido e, em reconvenção, pediram a condenação do 1.º R. a pagar-lhes a quantia de 50.000.000$00 a título de cláusula penal por o incumprimento do contrato se dever a culpa deste. (al. J) da Matéria Assente).

11. O aqui 1.º R. replicou e os aqui AA. treplicaram nessa acção. (al. K) da Matéria Assente).

12. A supra referida acção ordinária que foi, entretanto, distribuída à ... Vara Mista deste Tribunal sob o n.º 147/2000, findou com o acordo das partes, homologado por sentença proferida em 25 de Novembro de 2004 e transitada em julgado, nos seguintes termos:
“1.º Os Réus (aqui AA.) prometeram vender ao Autor (aqui 1.º R.), um logradouro com a área de 3557 m2 do prédio urbano, inscrito na matriz sobre o artigo ...69.º, na freguesia ..., descrito na C. R. P. ... sob o nº ...99.
2.º Autor e Réus (aqui 1.º R. e AA., respectivamente) atribuem ao prédio prometido vender o valor de € 374.098,42.
3.º Os Réus (aqui AA.) receberam já por conta do pagamento do preço da venda do logradouro € 104.747,56.
4.º O pagamento do remanescente será efectuado através da entrega de uma moradia de três frentes geminada a edificar num condomínio fechado, num empreendimento a construir no logradouro prometido vender, com licença já pedida na Câmara Municipal ..., no processo 1382/...1.
5.º A moradia indicada na cláusula anterior será a que for escolhida pelos Réus (aqui AA.), no projecto de entre as seis que foram construídas, devendo essa escolha ser comunicada ao Autor (aqui 1.º R.) por carta registada a enviar no prazo máximo de dois meses após a comunicação pela mesma via feita pelo autor aos réus do levantamento da licença de construção.
6.º A entrega da moradia aos réus devidamente concluída será efectuada no prazo máximo de dois anos, contados desde a data do levantamento da licença de construção.
7.º Para garantia da entrega da moradia anteriormente referida o autor (aqui 1.º R.) constituirá a favor dos réus uma hipoteca sobre dois armazéns destinados à indústria, sito na Rua ..., no Lugar ..., ..., fracções B e C, sendo os custos a cargo do autor (aqui 1.º R.).
8.º A escritura de compra e venda do logradouro prometido vender será realizada em simultâneo com a escritura de hipoteca a favor dos réus (aqui AA.) sobre os dois armazéns, ambas a efectuar no prazo máximo de 60 dias a contar de hoje.
9.º Os Réus (aqui AA.) obrigam-se a assinar atempadamente todos os documentos que se mostrem necessários a execução do empreendimento indicado na cláusula 4ª, nomeadamente junto da Câmara Municipal ..., Repartição de Finanças e várias entidades envolvidas no projecto.
10.º O Autor (aqui 1.º R.), toma posse efectiva do logradouro prometido vender a partir da data do levantamento da licença de construção, podendo a partir daí dar início a execução dos trabalhos necessários à realização do projecto, nomeadamente muros, escavações, fundações, com expressa autorização dos réus, aqui Requerentes.
11.º As partes acordam em manter a favor do autor o direito de preferência na venda da habitação construída no prédio, do qual se fará o destaque do logradouro aqui prometido vender e com a qual confrontará.
12.º Autores e Réus desistem dos pedidos respectivos.
13.º As custas em dívida a juízo serão suportadas por autores e réus em partes iguais, prescindindo
ambas as partes de custas de parte e da procuradoria, na parte disponível”. (al. L) da Matéria Assente).

13. Em 23 de Novembro de 2005, o 1.º R. outorgou uma escritura de justificação no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 64 a 65 verso do Livro ...7..., na qualidade de 1.º outorgante e de administrador único e em representação da sociedade anónima sob a firma Imobiliária do Casas, S.A., aqui 2.ª R., onde declarou o seguinte:
“Que, com exclusão de outrem, a sociedade é dona e legitima possuidora do seguinte prédio: Urbano, composto de terreno para construção, sito na Rua ... e ... – ..., freguesia ..., Concelho ..., com a área de 3557 m2, a confrontar de Norte com NN, do sul com Rua ..., do Nascente com QQ e do Poente com KK, inscrito na matriz, em nome da justificante, sob o artigo ...12 (anteriormente omisso nas respectivas matrizes urbana e rústica), com o valor patrimonial de 70.962,15 Euros, a que atribui igual valor, omisso no Registo Predial.
O certo porém é que a sociedade justificante não possui título formal que legitime o seu domínio sobre o referido prédio, o qual veio à sua posse por compra não titulada feita a AA, BB e CC, aquele casado com RR, estas, solteiras, maiores, residentes em ..., Concelho ..., em data que não podem precisar, por volta do ano de 1995, e estes últimos adquiriram-no, também por contrato verbal, a KK, sensivelmente no ano de 1980.
Que, não obstante isso, a justificante e seus antepossuidores, tem usufruído o prédio, usando todas as utilidades por ele proporcionadas, pagando os respectivos impostos, com ânimo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecida por sua dona por toda a gente, fazendo-o de boa fé por ignorar lesar direito alheio, pacificamente porque sem violência, continua e publicamente à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, tudo isto há mais de vinte anos.
Que, dadas as enunciadas características de tal posse, a sociedade adquiriu o citado prédio por usucapião, título este que, por natureza, não é susceptível de ser comprovado pelos meios normais”. (al. M) da Matéria Assente).

14. Nessa escritura, foram 2.os outorgantes FF, EE e SS, os quais declararam: “Que confirmam, para todos os efeitos legais, as declarações que antecedem, por serem inteiramente verdadeiras”. (al. N) da Matéria Assente).

15. Mediante a Ap. ...8 de 03/01/2006, o prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...03, da freguesia ..., inscrito na matriz sob o art.º ...50, composto por terreno destinado a construção, a confrontar do norte com NN, do sul com Rua ..., do nascente com TT e do poente com “Imobiliária do Casas, S.A.”, encontra-se inscrito a favor da 2.ª R., por usucapião. (al. O) da Matéria Assente).

16. Sobre tal prédio, mediante a Ap. ...9 de 10/01/2007, foi inscrita hipoteca voluntária a favor do R. “Finibanco”, cujo capital é de € 750.000,00, convertida em definitiva pela Ap. ...15 de 23/04/2007. (al. P) da Matéria Assente).

17. Sobre tal prédio, mediante a Ap. ...7 de 20/11/2007, foi oficiosamente registado um ónus de não fraccionamento pelo prazo de 10 anos a contar dessa data. (al. Q) da Matéria Assente).

18. E, através da Ap. ...0 de 25/03/2008, foi inscrita a favor do R. “Finibanco” hipoteca voluntária, com o montante máximo assegurado de € 359.402,75, que veio a ser convertida pela Ap. ...1 de 23/0672008. (al. R) da Matéria Assente).

19. O prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial de, da freguesia ..., sob o n.º ...20, inscrito na matriz sob o art.º ...48 e desanexado do n.º 3232/...13, com a área de 2.868,8 m2, encontra-se inscrito a favor da 2ª R., por usucapião, pela Ap. ...8 de 03/01/2006. (al. S) da Matéria Assente).

20. Sobre tal prédio, mediante a Ap. ...9 de 10/01/2007, foi inscrita hipoteca voluntária a favor do R. “Finibanco”, cujo capital é de € 750.000,00, convertida em definitiva pela Ap. ...15 de 23/04/2007. (al. T) da Matéria Assente).

21. Sobre tal prédio, mediante a Ap. ...7 de 20/11/2007, foi oficiosamente registado um ónus de não fraccionamento pelo prazo de 10 anos a contar dessa data. (al. U) da Matéria Assente).

22. E, através da Ap. ...0 de 25/03/2008, foi inscrita a favor do R. “Finibanco” hipoteca voluntária, com o montante máximo assegurado de € 359.40, que veio a ser convertida em definitiva pela Ap. ...1 de 23/0672008. (al. V) da Matéria Assente).

23. Mediante a Ap. ...46 de 18/12/2009, foi registada a aquisição a favor da 2.º R., por compra a UU e marido VV, do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial de, da freguesia ..., sob o n.º ...18, convertida em definitiva pela Ap. ...23 de 07/10/2010, prédio esse composto por parcela de terreno, com a área de 39 m2, para acerto de estremas do prédio descrito sob o n.º ...20. (al. X) da Matéria Assente).

24. Tal parcela foi desanexada do prédio descrito sob o n.º ...22. (al. Z) da Matéria Assente).

25. Sobre esta parcela, encontram-se registadas, pelas Aps. ...30 e ...31 de 02/03/2010, duas hipotecas voluntárias a favor do R. Finibanco, para reforço das hipotecas acima mencionadas e pelos montantes aí referidos. (al. AA) da Matéria Assente).

26. Encontra-se descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o n.º ...15 o prédio urbano, com a área de 1.903,03 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...01..., prédio este formado pelos prédios descritos sob os n.os ...20 e ...18. (al. BB) da Matéria Assente).

27. Tal prédio encontra-se inscrito a favor da 2.ª R., por reprodução das inscrições de aquisição dos prédios descritos sob os n.ºs ...20 e ...18. (al. CC) da Matéria Assente).

28. De igual modo se encontram inscritas as duas hipotecas a favor do R. Finibanco e o ónus de não fraccionamento, por reprodução das inscrições de aquisição dos prédios descritos sob os n.ºs ...20 e ...18. (al. DD) da Matéria Assente).

29. Em 04 de Junho de 2010, o 1.º R., na qualidade de administrador único, em nome e representação da 2.ª R., outorgou uma escritura de constituição de propriedade horizontal “do prédio urbano, composto por uma parcela de terreno para construção, sito na freguesia ..., Concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de, sob o n.º ...50 – ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...53, com o valor patrimonial de 300.840,00€, no qual a sociedade sua representada construiu um edifício, composto de cave, rés-do-chão e andar, destinado a habitações unifamiliares com cave comum, (…)”, declarando: “Que, o referido prédio, (…) compõe-se por oito fracções autónomas, destinadas a ser transmitidas em fracções, distintas e isoladas entre si, com saída directa para a via pública ou para parte comum do prédio e daí para a via pública, identificadas com a sua composição, permilagem, destino e valor, no documento complementar, que faz parte integrante deste escritura, (…)”. (al. EE) da Matéria Assente).

30. A constituição da propriedade horizontal foi registada no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial de, sob o n.º ...15, mediante a Ap. ...76 de 11/06/2010. (al. FF) da Matéria Assente).

31. Pela Ap. ...34 de 03/12/2010, a presente acção foi registada sob os prédios descritos sob os n.ºs ...32 e ...50. (al. GG) da Matéria Assente).

32. Por escritura pública outorgada em 23 de Dezembro de 2005, em cartório notarial, a 2.ª R., representada pelo 1.º R., declarando-se dona de duas fracções autónomas, correspondentes a armazéns, que fazem parte do prédio urbano sito em ..., ..., declarou que em cumprimento da cláusula sétima da transacção efectuada pelo 1.º R. e pelos AA., no âmbito do processo que correu termos pela ... Vara de Competência Mista ..., e para garantia da construção da moradia a que alude a cláusula 4.ª da referida transacção, no montante de € 269.350,86 (acção ordinária 147/2000), constituía hipoteca sobre tais fracções a favor dos AA., mais declarando que tal hipoteca não abrange as rendas e se extingue dois anos após o levantamento da licença de construção da moradia, vindo essa hipoteca a ser levada às tábuas do registo, quanto às duas fracções, aí ficando a constar (por apresentação de 09/01/2006) a hipoteca voluntária a favor dos AA., para garantia de construção da moradia, estando aí inscrito o valor (capital) de € 269.350,86. (al. HH) da Matéria Assente).

33. Por escritura pública outorgada em 29 de Janeiro de 2007, em cartório notarial, denominada de “Abertura de Crédito com Hipoteca”, WW, na qualidade de 1.º outorgante e em representação do R. “Finibanco”, e o 1.º R., na qualidade de 2.º outorgante e em representação da 2.ª R., declararam:
“Que, para a sociedade representada do 2.º outorgante é aberto, nesta data, pelo Banco representado do 1.º outorgante, um crédito no montante de Setecentos e Cinquenta Mil Euros, destinado a apoiar a construção de um empreendimento a edificar no imóvel adiante identificado.
Que esta abertura de crédito se rege pelas cláusulas e termos constantes do documento complementar anexo a esta escritura elaborado nos termos do nº. 2 do artigo 64º, do Código do Notariado e que dela fica a fazer parte integrante, (…).
Por sua representada, disse o 2.º outorgante:
Que a sociedade sua representada é dona e legítima possuidora do prédio urbano, composto por terreno destinado a construção, sito na Rua ... e ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...12, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o número ...32-..., registado definitivamente a favor da sociedade sua representada conforme inscrição G-um.
Que, pela presente escritura, em nome de sua representada, constitui a Favor do Finibanco, S.A. hipoteca voluntária, cujo registo provisório a favor do Banco, já foi requerido pela apresentação número 79 de 10 de Janeiro de 2007, sobre o imóvel acima identificado, com todas as suas construções e benfeitorias já edificadas e/ou a edificar, para garantia do bom e pontual pagamento:
a) De todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade representada do 2.º outorgante, “Imobiliária do Casas, SA”, perante o Banco representado do 1.º outorgante, proveniente da abertura de crédito no montante de 750.000 euros, bem como respectivos acessórios, concedida àquela sociedade, a qual se obriga a utilizar e liquidar conforme estipulado no mesmo contrato;
b) Da taxa de juros consignada no referido contrato, fixada para efeitos de registo, à taxa anual de (…);
c) Das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo (…).
Garante assim a presente hipoteca o montante máximo de capital e acessórios de € 1.043.902,50.
Que a presente hipoteca pode ser executada quando vencidas quaisquer obrigações cujo cumprimento assegura ou quando não forem cumpridas as obrigações cujo cumprimento assegura ou quando não forem cumpridos quaisquer dos deveres pela sociedade representada do 2.º outorgante, perante o Finibanco S.A. emergentes da presente escritura e do documento particular.
(…).
Disse o 1.º outorgante:
Que para o Banco que representa, aceita a presente abertura de crédito e hipoteca nos termos exarados. (…)”. (al. II) da Matéria Assente).

34. De acordo com o documento complementar elaborado nos termos do art.º 64.º, n.º 2, do Cód. Notariado, anexo a essa escritura:
“Este contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente, regula-se pelo clausulado seguinte, que os outorgantes se obrigam mutuamente a respeitar e a cumprir.
Cláusula primeira
A presente abertura de crédito destina-se a apoiar a sociedade denominada, “Imobiliária do Casas, SA”, (…), na construção de um empreendimento a edificar no imóvel identificado na escritura da qual este contrato faz parte integrante, podendo ser utilizada até ao limite de Setecentos e Cinquenta Mil Euros, o qual é utilizado na presente data o montante de Setenta e Cinco Mil Euros.
Cláusula Segunda Um – A presente Abertura de Crédito é válida pelo prazo de trinta e seis meses a contar da presente data.
(…).
Três – Sem prejuízo do prazo fixado no ponto Um desta Cláusula, o prazo de duração do presente contrato poderá ser prorrogado por uma ou mais vezes, mediante mero e prévio acordo escrito entre as partes.
Cláusula Terceira
A abertura de Crédito terá a forma de uma conta aberta no Finibanco, S.A. em nome da sociedade beneficiária, com o número ...16, sediada no balcão de ... do Finibanco, S.A. (…)”. (al. JJ) da Matéria Assente).

35. Através de escritura pública outorgada, em cartório notarial, em 06 de Junho de 2008, denominada de “Abertura de Crédito com Hipoteca”, XX, na qualidade de 1.ª outorgante e em representação do R. “Finibanco”, e o 1.º R., na qualidade de 2.º outorgante e em representação da 2.ª R., declararam:
“Que, para a sociedade representada do 2.º outorgante é aberto, nesta data, pelo Banco representado da 1.ª outorgante, um crédito no montante de Duzentos e Cinquenta Mil Euros, destinado a apoiar a construção de um empreendimento, para venda, a edificar no imóvel infra identificado em Um.
Que esta abertura de crédito se rege pelas cláusulas e termos constantes do documento complementar anexo a esta escritura elaborado nos termos do nº. 2 do artigo 64º, do Código do Notariado e que dela fica a fazer parte integrante, (…).
Por sua representada, disse o 2.º outorgante:
Que a sociedade sua representada é dona e legítima possuidora dos seguintes bens, a saber:
Um - Prédio urbano, composto por terreno destinado a construção, sito na Rua ... e ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...48, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o número ...25-..., número este assumido após a desanexação do número 3.232, freguesia ..., registado definitivamente a favor da sociedade sua representada conforme inscrição G-apresentação 68, de 3 de Janeiro de 2006; e
Dois - Prédio urbano, composto por terreno destinado a construção, sito na Rua ... e ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...50, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o número ...32-..., registado definitivamente a favor da sociedade sua representada conforme inscrição G-apresentação 68, de 3 de Janeiro de 2006.
Que, pela presente escritura, em nome de sua representada, constitui a Favor do Finibanco, S.A. hipoteca voluntária, cujo registo provisório a favor do Banco, já foi feito pelas Inscrições C- apresentação 40, de 25 de Março de 2008, sobre os imóveis acima identificados, com todas as suas construções e benfeitorias já edificadas e/ou a edificar, para garantia do bom e pontual pagamento:
a) De todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade representada do 2.º outorgante, “Imobiliária do Casas, SA”, perante o Banco representado do 1.º outorgante, proveniente da abertura de crédito no montante de 250.000 euros, bem como respectivos acessórios, concedida àquela sociedade, a qual se obriga a utilizar e liquidar conforme estipulado no mesmo contrato;
b) Da taxa de juros consignada no referido contrato, fixada para efeitos de registo, à taxa anual de (…);
c) Das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo (…).
Garante assim a presente hipoteca o montante máximo de capital e acessórios de € 359.402,75.
Que a presente hipoteca pode ser executada quando vencidas quaisquer obrigações cujo cumprimento assegura (…).
(…).
Disse o 1.º outorgante:
Que para o Banco que representa, aceita a presente abertura de crédito e hipoteca nos termos exarados. (…)”. (al. KK) da Matéria Assente).

36. De acordo com o documento complementar elaborado nos termos do art. 64.º, n.º 2, do Cód. Notariado, anexo a esta escritura:
“Este contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente, regula-se pelo clausulado seguinte, que os outorgantes se obrigam mutuamente a respeitar e a cumprir.

Cláusula primeira
A presente abertura de crédito destina-se a apoiar a sociedade denominada, “Imobiliária do Casas, SA”, (…), na construção de um empreendimento a implantar no imóvel para venda, imóvel esse, identificado na escritura em Um, da qual este contrato faz parte integrante, podendo ser utilizada até ao limite de Duzentos e Cinquenta Mil Euros.

Cláusula Segunda
Um – A presente Abertura de Crédito é válida pelo prazo de vinte e quatro meses a contar da presente data.
Dois – Sem prejuízo do prazo fixado no número anterior desta Cláusula, o prazo de duração do presente contrato poderá ser prorrogado por uma ou mais vezes, mediante mero e prévio acordo escrito entre as partes.

Cláusula Terceira
A abertura de Crédito terá a forma de uma conta aberta no Finibanco, S.A. em nome da sociedade beneficiária, com o número ...16, sediada no balcão de ... do Finibanco, S.A. (…)”. (al. LL) da Matéria Assente).

37. A par das hipotecas, o 1.º R. avalizou livranças subscritas pela 2.ª R. e que foram entregues ao R. “Finibanco” em branco e com entrega de convenções de preenchimento das mesmas, para o caso de incumprimento das obrigações assumidas nas aberturas de crédito. (al. MM) da Matéria Assente).

38. O terreno objecto da presente acção e o da escritura de justificação constitui o prédio que, antes da incorporação das construções lá executadas, os AA. se obrigaram a vender ao 1.º R., quanto à sua localização, respectivas áreas e limites, aquando da transacção celebrada no âmbito do processo judicial n.º 147/2000, no qual a 2.ª R. não teve intervenção. (al. NN) da Matéria Assente).

39. A licença de construção foi levantada em 24 de Novembro de 2006. (al. OO) da Matéria Assente).

40. Requerida pela 2.ª R. em 14 de Julho de 2010, em 23 de Agosto de 2010 foi emitida licença de utilização do prédio. (al. PP) da Matéria Assente).

41. Encontrando-se marcada no Cartório Notarial ... no dia 30/08/2010, pelas 14 h 15m, de venda pela 2.ª R. da fracção designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Travessa ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...01, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o n.º ...50... de ..., a mesma não se realizou por falta de comparência dos compradores, aqui AA. (al. QQ) da Matéria Assente).

42. Notificados pelos 1.º e 2.º RR. para escolherem a moradia, os AA., mediante escrito de Janeiro de 2007 dirigido a ambos, escolheram a fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Travessa ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...01, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de  sob o n.º ...50... de .... (artigo 1º da Base Instrutória);

43. Esteve afixado um cartaz junto às moradias com vista à sua venda por preço a partir de € 295.000,00 (artigo 3º da Base Instrutória);

44. As moradias, estando a ser vendidas, nessa altura, pelo grupo “Invictus”, foram anunciadas numa sua publicação com a promoção: “Moradias novas – T4; Antes 350.000 Euros – Agora 295.000 Euros” (artigo 4º da Base Instrutória);

45. Sendo inúmeras as pessoas que se deslocavam diariamente para ver as moradias, fazendo de stand de vendas e de “casa modelo” a moradia escolhida pelos AA. (artigo 5º da Base Instrutória);

46. Em Dezembro de 1997, após atingir a maioridade, a A. CC comunicou ao 1.º R. que não iria ratificar a procuração (artigo 6º da Base Instrutória);

47. A 2.ª R. edificou no terreno seis moradias, correspondentes às fracções “A” a “F” da aludida propriedade horizontal (artigo 7º da Base Instrutória);

48. Mediante promessa de venda, a 2.ª R. prometeu vender a terceiros as fracções “B” a “F” (artigo 8º da Base Instrutória);

49. Em 23 de Agosto de 2010, os 1.º e 2.º RR. enviaram aos AA. carta convocando-os para a realização, em cartório notarial, no dia 30/08/2010, pelas 14 h 15 m, da escritura de transmissão de propriedade sobre a moradia por estes escolhida (artigo 9º da Base Instrutória);

50. As escrituras de compra e venda das moradias a vender a terceiros (que não a moradia escolhida pelos AA.) estavam marcadas para o dia 31/08/2010 (artigo 11º da Base Instrutória);

51. Após o acordo celebrado no processo judicial n.º 147/2000, o 1.º R. procedeu à transmissão da sua posição contratual à 2.ª R. com o conhecimento e a concordância dos AA. (artigo 12º da Base Instrutória);

52. Tendo a 2.ª R., através do seu representante (aqui 1.º R.), assumido perante os AA. todas as obrigações que para este decorriam de tal acordo (artigo 13º da Base Instrutória);

53. E, desde então, o processo camarário foi todo tramitado em nome da 2.ª R. com o conhecimento dos AA. (artigo 14º da Base Instrutória);

54. Os AA. conheciam o projecto camarário (artigo 15º da Base Instrutória);

55. E acompanharam a construção das moradias pela 2.º R. desde as fundações até à sua conclusão (artigo 16º da Base Instrutória);

56. Com vista a evitar os encargos decorrentes do registo do prédio em seu nome, para dar cumprimento às cláusulas 1.ª e 8.ª da transacção efectuada no processo judicial n.º 147/2000, os AA solicitaram que fosse efectuada a escritura de justificação directamente em nome da 2ª Ré (artigo 17º da Base Instrutória);

57. A escritura de justificação foi efectuada com o acordo dos Autores, como solução encontrada por todos para resolver a situação registral do terreno e para o transmitir para a 2.ª R., a fim de esta dar impulso ao processo camarário, levantar a licença de construção e iniciar a construção das moradias (artigo 18º da Base Instrutória);

58. A escritura de transmissão da propriedade da moradia para os AA. só não foi outorgada por vontade dos AA. que se furtam ao recebimento de quaisquer comunicações (artigo 19º da Base Instrutória);

59. Sensivelmente no ano de 1980, os Autores adquiriram a KK o prédio descrito em 13. (artigo 20º, em parte, da Base Instrutória);

60. O 1.º R. e a 2.ª R., há mais de 15 anos (por referência à data da instauração da presente acção), vêm usando o prédio descrito em 13. com todas as suas pertenças, vedando-o com muros, nele fazendo obras e melhoramentos, procedendo à limpeza do terreno (artigo 22º, em parte, da Base Instrutória);

61. O que fazem de forma ininterrupta (artigo 23º da Base Instrutória);

62. À vista de toda a gente (artigo 24º da Base Instrutória);

63. Sem oposição de quem quer que seja, mormente dos AA. (artigo 25º da Base Instrutória);

64. A 2.ª R., a expensas suas, construiu no terreno em causa oito fracções autónomas, seis delas destinadas a habitação e as restantes a lugar de estacionamento, com autorização dos AA. (artigo 27º da Base Instrutória);

65. Sendo o seu valor superior a € 1.500.000,00 (artigo 28º da Base Instrutória);

66. O preço dos terrenos para construção na zona em que se situa o terreno em causa, em Novembro de 2006, antes da construção das moradias, rondava os € 116,88 por m2 (artigo 30º da Base Instrutória);

67. Em virtude das acções interpostas pelos AA. e do seu registo, a 2.ª R. vê-se impedida de cumprir as promessas de venda aludidas na matéria assente (artigo 31º da Base Instrutória);

68. O que determinará para 2.ª R. um prejuízo, com o pagamento de indemnizações e de juros do financiamento obtido para a construção, de valor superior a um milhão de euros (artigo 32º da Base Instrutória);

69. A 2.ª R. é titular junto do R. “Finibanco” da conta n.º ...18, aberta em 17 de Março de 2006 no balcão deste último em ... (artigo 33º da Base Instrutória);

70. O empréstimo de € 750.000,00 foi concedido após proposta pela 2.ª R. nesse sentido, proposta essa analisada e aprovada pelos serviços do R. “Finibanco” que subordinaram a sua aprovação à concessão de hipoteca, tendo o “R. Finibanco” procedido à prévia avaliação do imóvel onde seria construído o empreendimento (artigo 34º da Base Instrutória)

71. E, concedeu à 2.ª R. o empréstimo de € 250.000,00 após proposta apresentada por esta nesse sentido, proposta essa analisada e aprovada pelos serviços do R. que subordinaram a sua aprovação à concessão das hipotecas, tendo procedido previamente às respectivas avaliações dos imóveis que vieram a ser dados de hipoteca (artigo 35º da Base Instrutória);

72. A 2.ª R. utilizou integralmente os montantes dos empréstimos concedidos de € 750.000,00 e de € 250.000,00, que foram colocados na conta acima referida à sua disposição (artigo 36º da Base Instrutória);

73. Os empréstimos concedidos foram objecto da aludida apreciação e as hipotecas foram constituídas tendo por base as avaliações efectuadas pelo R. “Finibanco” e a documentação apresentada pela 2.ª R., pela qual foi constatado ser esta a titular inscrita como proprietária dos imóveis, tanto no registo predial como nas inscrições matriciais dos imóveis em questão (artigo 37º da Base Instrutória);

74. Nunca tendo o R. “Finibanco” acesso a qualquer outra documentação ou sido informado por quem quer que fosse da factualidade alegada na petição inicial (artigo 38º da Base Instrutória);

75. Desconhecendo quaisquer relações e vicissitudes prévias entre AA. e a 2.ª R. e que pudessem colocar em causa a actuação desta perante o R. “Finibanco” (artigo 39º da Base Instrutória).

2.2. Por seu turno, consideraram-se não provados os seguintes factos:

a) Os AA. estivessem convencidos que a 2.ª R. era apenas uma empresa mediadora na venda das moradias (artigo 2º da Base Instrutória);
b) Os AA. não tivessem recebido as comunicações enviadas pelos 1.º e 2.º RR. com vista a outorgar a escritura de transmissão da moradia porque se encontravam de férias (artigo 10º da Base Instrutória);
c) O referido em 59. tivesse sido efectuado por acordo verbal (artigo 20º, em parte, da Base Instrutória);
d) Por volta do ano de 1995, verbalmente, os AA. tivessem vendido à 2.ª R. e esta comprou-lhes o prédio descrito em 13. (artigo 21º da Base Instrutória);
e) A utilização referida em 60. perdure há 20, 25, 30, 40 e 50 anos (artigo 22º, em parte, da Base Instrutória);
f) O 1º e a 2ª Ré utilizem o prédio descrito em 13. na convicção de quem exerce um direito próprio de propriedade (artigo 26º da Base Instrutória);
g) O valor do terreno em causa não seja superior a € 180.000,00 (artigo 29º da Base Instrutória);
h) O preço dos terrenos para construção na zona em que se situa o terreno em causa, em Novembro de 2006, antes da construção das moradias, rondava os € 250,00 a € 300,00 por m2 (artigo 30º da Base Instrutória).


3. Fundamentação de direito


3.1. Nulidade do acórdão recorrido

Nas Conclusões 1. a 16., os Autores invocam a “falta de fundamentação” do acórdão recorrido na reapreciação da matéria de facto, assim como a “contradição” do concluído em face dos meios de prova constantes dos autos, que exigiriam uma decisão diversa. Apelam, portanto, às als. b) e c) do art. 615º, 1, do CPC.
A al. b) do art. 615º, 1, prevê a absoluta falta de fundamentação da sentença ou acórdão.
A al. c) do art. 615º, 1, contempla a incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão judicial, apontando a fundamentação num sentido que contraria o resultado decisório.
Em nenhum dos casos se poderá decretar a nulidade decisória se há fundamentação com a qual o recorrente não se conforma por entender que está desacertada ou se se regista falta de resignação por alegado erro de julgamento.

No entanto, prescrutando a parcela relevante do acórdão recorrido, não se vê de todo que tais vícios possam ser imputados ao acórdão recorrido.
Em análise estava a impugnação dos factos provados 50. a 58., 60. a 64., 66. e 68., assim como os factos não provados a), b) e h).
Verifica-se que o acórdão recorrido começou por transcrever a fundamentação de facto da 1.ª instância e partiu para uma sindicação da convicção do tribunal a quo, procedendo a uma análise, em particular, do alcance da prova documental e testemunhal, assim como de relatório pericial, socorrendo-se das regras de normalidade e da experiência comum, utilizando um método relacional, dotado de crítica racional e alinhando a prova considerada na sua globalidade para retirar conclusões sobre a impugnação feita.
Não se demitiu nem se refugiou em critérios imprecisos nessa análise, antes se realiza uma convicção própria no domínio da livre apreciação da prova, assim se corporizando e assumindo como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise, ainda que sem as virtualidades da 1.ª instância, mas com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo.
Por outro lado, é manifesto que a fundamentação trazida pelo acórdão recorrido não se esvaiu em considerações genéricas ou alusões vagas à tarefa de reapreciação fáctica para concluir sobre o mérito de tal impugnação; antes deu-se cumprimento aos princípios reitores do art. 662º, 1 («deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa»), em ligação com o art. 607º, 4 e 5, do CPC.
Por fim, enfatize-se que o art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando ao interessado a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância (nomeadamente com o apoio da gravação dos depoimentos prestados, juntamente com os demais elementos probatórios que fundaram a decisão em primeiro grau) para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida.[1] Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância[2].
Neste contexto, não se vê que haja qualquer contradição entre essa fundamentação – que existe e é farta – e o resultado decisório alcançado.
Importa, por isso, concluir que, como se apreende nas Conclusões pertinentes da revista, a discordância dos Recorrentes assenta na valoração feita pela Relação quanto aos meios de prova analisados. Trata-se, apenas e só, de uma questão de alegado erro de julgamento na livre apreciação das provas, insusceptível de ser enquadrado nas nulidades arguidas pelos Recorrentes. Tanto mais que essa arguição nunca poderia ser um expediente para contornar ou desrespeitar a regra-princípio de insindicabilidade junto do STJ prevista no art. 662º, 4, do STJ (fora dos casos excepcionais, em que avulta o art. 674º, 3, 2ª parte, do CPC, fora do regime de prova livre e “não tarifada”, que não é invocado pelos Recorrentes).


3.2. Pedidos dos Autores

3.2.1. Os Autores formularam através da presente acção os seguintes pedidos:
a) Ser declarada nula, com efeitos retroactivos, a escritura de justificação notarial celebrada pelos 1º e 2ª Réus em 23/11/2005;
b) Serem os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.os ...50 e ...32, da freguesia ... e inscritos nas matrizes prediais urbanas sob os artigos ... e ...50, da mesma freguesia, com a consequente condenação na obrigação de restituição;
c) Ser cancelado o registo de aquisição a favor dos Réus;
d) Serem cancelados os registos de hipoteca da 2ª Ré a favor do 3º Réu.

Subsidiariamente:
e) Ser a escritura de escritura de justificação notarial declarada nula com efeitos retroactivos;
f) Serem os Réus condenados a restituir aos AA. o prédio descrito sob o art. ...32, da freguesia ... e condenados solidariamente a pagar aos AA. o preço do terreno correspondente ao art. ...01, anteriormente à incorporação das moradias, em valor a liquidar em execução de sentença;
g) Ser cancelado o registo de aquisição por usucapião a favor dos Réus e todos os registos posteriores à justificação;
h) Serem cancelados os registos de hipoteca da 2ª Ré a favor do 3º Réu;
i) Serem os 1º e 2º RR. condenados solidariamente a pagar aos AA. os prejuízos morais e patrimoniais resultantes da anulação da justificação a liquidar em execução de sentença.

3.2.2. A sentença de 1.ª instância sumariou os factos e deu a seguinte resposta:

“Em traços muito largos, revela-se nos autos a seguinte situação: uma escritura de justificação notarial sobre determinado bem imóvel, outorgada no dia 23 de Novembro de 2005, a que se sucedeu a constituição de hipotecas sobre tal imóvel a favor da instituição bancária demandada nestes autos (“Finibanco, S.A.”). A acção move-se, assim, no campo dos direitos reais, tendo os Autores gizado o pleito sob duas perspectivas: pretendem, em primeiro lugar, impugnar a escritura de justificação notarial, e, por arrasto, as hipotecas; em segundo lugar, procuram ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o imóvel objecto do litígio, com a respectiva condenação dos Réus a acatarem esse direito e a restituírem-lhes o imóvel.
Nesta óptica, estão reunidos – a par dos pressupostos da acção de impugnação judicial de escritura notarial – os requisitos da acção de reivindicação prevista no artigo 1311.º do CC, enquanto manifestação típica do direito de sequela, em que se pretende firmar o direito de propriedade dos Autores e pôr fim à situação ou actos que o violem, tendo como primeiro desiderato a declaração de existência do direito e, como escopo ulterior, a sua realização, nela concorrendo dois pedidos: o de reconhecimento do direito e o de restituição da coisa, objecto desse direito.
Um dos princípios primordiais do registo predial, que sobreleva no caso em apreço, é o do trato sucessivo, contemplado no artigo 34º do Código do Registo Predial (CRP). A escritura de justificação notarial, enquanto um dos modos necessários para o estabelecimento do trato sucessivo no registo predial, está prevista no artigo 116º, nº1 do CRP, bem como nos artigos 89º, 96º, nº 1 e 101º do Código do Notariado (CN).
Concretamente, a escritura de justificação notarial tem por escopo providenciar aos interessados um meio de titulação de factos jurídicos relativos a imóveis que, ou não possam ser provados pela forma original, ou cuja eficácia se desencadeia legalmente sem necessidade de observância de forma escrita, como a usucapião ou a acessão. Em rigor, a justificação é uma solução pensada para resolver problemas de falta de título, por extravio ou destruição do mesmo ou para permitir a inscrição com base numa aquisição originária da propriedade, por usucapião ou acessão. (…)
Reduzida a escritura pública, constitui, por conseguinte, um documento autêntico que faz prova plena do facto jurídico que titula – artigos 363º, nº2 e 371º, nº1, ambos do CC.
Evidentemente, como qualquer outro acto jurídico, também a escritura de justificação notarial é passível de ser impugnada judicialmente, por parte de quem tenha legitimidade, tendo-se discutido na jurisprudência, nessa eventualidade, se os justificantes, cuja aquisição é contestada, beneficiariam da presunção de titularidade do direito de propriedade prevista no artigo 7º do CRP. Nessa sequência, o STJ uniformizou jurisprudência, no AUJ n.º 1/2008, no sentido de que: “Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos arts. 116.º, n.º 1, do CRP e 89.º e 101.º do CNot, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do art. 7.º do CRP”.
Ou seja, o titular inscrito com base em facto aquisitivo – v.g., situação de usucapião – titulado por escritura de justificação notarial tem o encargo probatório de demonstrar a aquisição e validade do seu direito, não beneficiando da presunção de titularidade registal emergente do artigo 7.º do CRP. Com efeito, consubstanciando a impugnação da escritura de justificação uma acção de simples apreciação negativa – artigo 10º, n.ºs 2 e 3, al. a), do Código de Processo Civil –, deve salientar-se a regra probatória civilística, vertida no nº 1 do artigo 343º do CC, segundo a qual: “Nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.”.
Destarte, era sobre os Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.” que impendia o ónus de revelarem probatoriamente os factos necessários à demonstração do seu direito de propriedade sobre o terreno em questão nos autos. Deveriam, pois, os Réus provar as características da posse imprescindíveis à verificação da usucapião, sendo certo que a lei intima o justificante a, logo na respectiva escritura, indicar “as circunstâncias de facto que determinam o início da posse”, bem como as que “consubstanciam e caracterizam a posse” – artigo 89º, nº 2 do CN –, não sendo suficiente a menção de conceitos jurídicos abstractos para atribuir à posse as qualidades para usucapir, devendo aludir-se às circunstâncias e aos actos materiais caracterizadores daquela posse e aos factos concretos que permitam ilustrar as características da mesma.
Como é sabido, a usucapião é, por excelência, o modo de aquisição de direitos reais e tem efeitos retroactivos à data do início da posse – artigo 1288.º do CC –, consistindo a posse no poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, tanto podendo ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem. Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no nº2  do artigo 1257º do CC – artigos 1251º e 1252º, nos 1 e 2 do CC. Esta pode ser titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta – artigo 1258º do CC. Diz-se titulada, a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico; o título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca – artigo 1259º do CC.
Adquire-se a posse pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor, por constituto possessório, por inversão do título de posse – artigo 1263.º do CC. Mantida a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, por certo lapso de tempo, é facultada ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação. Trata-se da usucapião – artigo 1287º do C.C.
Mas para conduzir à usucapião, a posse tem de revestir sempre duas características: ser pública e pacífica – a boa ou má-fé e a existência ou não de título influem apenas no prazo para a aquisição do direito de propriedade.
Para evitar a procedência desta acção, os demandados tinham que provar, primeiro, que, como declarado na escritura aludida, haviam adquirido o terreno em questão aos aqui Autores, e depois, a posse em nome próprio pelo tempo da usucapião.
Ora, não se provou aquele negócio translativo; e não se provou também posse em nome próprio em relação ao terreno, como resulta dos factos acima considerados não provados sob as alíneas d) e f).
Na verdade, constata-se que a Ré “Imobiliária do Casas, S.A.”, que outorgou a escritura de justificação notarial no dia 23 de Novembro de 2005, não logrou demonstrar que tivesse comprado verbalmente, no ano de 1995, o imóvel em litígio e que a utilização que dele vem fazendo o seja na convicção de exercer sobre o mesmo o respectivo direito de propriedade.
Em primeiro lugar, o terreno sobre o qual a Ré procedeu à construção das moradias não lhe foi vendido pelos Autores, antes existindo um contrato promessa de compra e venda relativo a tal terreno celebrado entre os Autores e o Réu DD; em segundo lugar, a factualidade apurada revela que foi com autorização dos Autores que a Ré levou a efeito a construção das moradias, o que remete a situação para a previsão do artigo 1253º, als. b) e c) do CC.
Inexistindo, por consequência, o segundo dos elementos referidos (animus), no sentido específico de posse relevante para o efeito a considerar, está-se perante posse precária, em nome alheio ou simples detenção, a qual, dure por muito ou pouco tempo, perdura indefinidamente (etiam per mille anos) com essa natureza enquanto não houver inversão do título da posse nos termos que o artigo 1265º do CC prevê: só a partir daí começando a correr o tempo necessário para a usucapião a favor da Ré, a qual, antes disso, não passava de possuidora precária.
Na realidade, “A posse, como caminho para a dominialidade – para a usucapião a que se refere o art. 1287º – é a posse stricto sensu, e não a posse precária ou detenção (art. 1290º), sendo certo que são tidos como detentores ou possuidores precários os referidos no art. 1253º, isto é, todos os que, tendo embora a detenção da coisa, não exercem sobre ela os poderes de facto com o animus de exercer o direito real correspondente” (Ac. STJ de 10/02/97, BMJ 472/483-III).
Em suma: adquirida originariamente a propriedade e posse das moradias – o que não está em causa nos autos – mas construídas estas em terreno alheio, com autorização dos donos deste, para que a Ré “Imobiliária do Casas, S.A.” se pudesse julgar proprietária, por usucapião, do terreno em que essas moradias assentam, era necessário, como resulta do artigo 1290º CC, ter-se provado inversão do título da posse.
A inversão do título da posse (interversio possessionis) é um dos modos de aquisição da posse no sentido jurídico indicado no artigo 1263º do CC. Determina a substituição duma posse precária ou mera detenção por uma posse em nome próprio. E só esta última pode eventualmente conduzir à aquisição da propriedade por usucapião, invocada pelos ora Réus na falada escritura de justificação notarial; sendo certo que só a contar da inversão do título da posse se inicia o prazo de usucapião (inversão essa que não foi sequer alegada pelos Réus).
É certo que o Réu DD entrou na posse do terreno já em 1995, quando lhe foram passadas pelos Autores procurações irrevogáveis com poderes para transaccionar o terreno; e desde essa altura, que o mesmo vem praticando no terreno diversos actos, como acima descrito na factualidade provada. É, no entanto, indubitável à luz do já exposto, que os referidos actos praticados pelo Réu sobre o aludido terreno correspondem a uma posse em sentido material, de mera detenção, que não em sentido jurídico, visto necessariamente saber que esse terreno não lhe pertencia (prometeu comprá-lo aos Autores, o que era insusceptível, por si só, de transferir a propriedade) e que a procuração irrevogável que lhe havia sido conferida não foi ratificada pela aqui Autora CC (razão pela qual foi revogada a escritura de compra e venda do terreno que o Réu havia celebrado em 21/02/1997); sendo que a construção das moradias edificadas naquele terreno pela Ré sociedade foi autorizada pelos Autores, autorização essa que precisamente traduz o exercício do direito de quem a concedeu – cfr. no sentido acabado de explanar, entre vários outros, o acórdão do STJ de 3 de Março de 2005, disponível in www.dgsi.pt, que vimos seguindo muito de perto dada a similitude das situações tratadas.
Aos Réus foi apenas autorizada a construção das moradias. A posse material que os mesmos passaram a exercer sobre o terreno só mediante inversão do título da posse, a operar nos termos vistos do artigo 1265º do CC, se podia transformar em posse em sentido jurídico, conducente à aquisição por usucapião da propriedade desse terreno, como expressamente determinado no artigo 1290º do CC.
Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela. "C.Civ. Anotado", III, 2ª ed., pág. 30, em anotação ao artigo 1265º, “a inversão do título da posse consiste na substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, e só pode operar-se pelos meios previstos nessa disposição legal, nomeadamente pela contraditio oposta pelo possuidor precário ao possuidor em nome próprio.”.
Conclui-se, assim, não terem os Réus logrado demonstrar – como lhes competia, nos termos acima vistos – a posse (no apontado sentido jurídico) sobre o referido terreno, capaz de conduzir à aquisição originária do mesmo, como declararam na escritura de justificação ora impugnada. Salienta-se, todavia, que esta falta de prova não permite concluir pela falsidade das declarações proferidas naquele documento autêntico. Com efeito, e tal como se ponderou no acórdão do STJ de 9 de Julho de 2015, disponível no mesmo site, “(…) Em todo o caso, decorrendo da procedência da impugnação judicial da justificação notarial a conclusão da desconformidade das declarações formalizadas na escritura pública à luz da realidade constatável, forçoso é concluir que aquela escritura, não podendo ser apodada de falsa no seu conteúdo declaratório, é, tão só, probatoriamente insuficiente para a demonstração dos eventos que ali se afirmaram e que suportavam a usucapião.”.
Donde, não tendo os Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.” observado o encargo probatório de demonstrar os requisitos da usucapião, ter-se-ia de considerar procedente a impugnação daquela escritura.”

Prosseguindo:

“Os Autores pedem que se declare nula a escritura de justificação notarial, outorgada em 23/11/2005, com fundamento em falsidade das afirmações justificatórias constantes da mesma. Porém, não figurando a falsidade entre as causas típicas de nulidade dos actos notariais, previstas nos artigos 70º e 71º do CN, estamos em face dum caso de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, sendo permitido ao tribunal corrigir oficiosamente esse erro e declarar a ineficácia daquela escritura de justificação notarial, no quadro do estatuído no artigo 5º, nº3 do CPC – cfr. AUJ n.º 3/2001, de 23-01-2001, publicado no DR I Série A, de 09/02/2001.
Assim, pese embora válida, tal escritura seria ineficaz em relação aos Autores, não produzindo os efeitos que, através dela, os Réus pretendiam alcançar: a inscrição registal da aquisição da propriedade.
Consequentemente, e por via do disposto nos artigos 8º e 13º do CRP, haveria de ser cancelada a inscrição de aquisição do prédio, por usucapião, a favor da 2ª Ré.
(…)”.

Sem prejuízo:

“Todavia, aqui chegados, verifica-se que resultou demonstrada a seguinte factualidade alegada pelos Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.”:

- Com vista a evitar os encargos decorrentes do registo do prédio em seu nome, para dar cumprimento às cláusulas 1.ª e 8.ª da transacção efectuada no processo judicial n.º147/2000, os Autores solicitaram que fosse efectuada a escritura de justificação directamente em nome da 2ª Ré;

- A escritura de justificação foi efectuada com o acordo dos Autores, como solução encontrada por todos para resolver a situação registal do terreno e para o transmitir para a 2.ª R., a fim de esta dar impulso ao processo camarário, levantar a licença de construção e iniciar a construção das moradias;

- A escritura de transmissão da propriedade da moradia para os Autores só não foi outorgada por vontade destes, que se furtam ao recebimento de quaisquer comunicações.

Atenta esta factualidade, parece-nos evidente estarmos no caso em apreço perante uma situação de clamoroso abuso de direito por parte dos Autores.

Na verdade, se fizermos uma espécie de resenha histórica acerca das vicissitudes do negócio inicialmente firmado entre as partes (contrato promessa de compra e venda do terreno celebrado em Setembro de 1995), não conseguimos encontrar quaisquer razões (válidas) para que o mesmo não pudesse estar, há muito, integralmente cumprido; e se não o está, tal deve-se exclusivamente ao comportamento dos Autores, que têm sistematicamente obstaculizado a tal cumprimento, como espelham os factos acima apurados.

Com efeito, na transacção judicial celebrada entre os Autores e o Réu DD, obrigaram-se aqueles a transmitir para este último o sobredito terreno, efectuando-se a escritura pública respectiva na mesma data da realização da escritura de constituição de hipotecas sobre os armazéns da Ré sociedade. Ora, os Réus, no cumprimento do acordado, constituíram efectivamente as hipotecas em causa (para garantia da entrega da moradia aos Autores), mas estes últimos não procederam à transmissão do terreno para os Réus, como se haviam obrigado; e sem tal transmissão, os Réus não poderiam iniciar o processo camarário tendente à construção das moradias e sem tal construção não podiam, naturalmente, cumprir com o que se obrigaram na transacção judicial – entregar aos Autores uma moradia como forma de pagamento de parte do preço convencionado no contrato promessa.

Mais: não tendo sido possível efectuar o registo do terreno em nome dos Autores – sem o qual não seria possível observar o trato sucessivo e a transmissão para os Réus da titularidade do mesmo –, também não se percebe por que razão não procederam os Autores, eles próprios, à outorga da escritura pública de justificação notarial, obtendo, dessa feita, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o aludido terreno (por usucapião) e estando, a partir daí, em condições de registarem o terreno em seu nome e, com isso, cumprirem perante o Réu aquilo a que se obrigaram – transmitir-lhes o terreno.

Neste quadro, facilmente se compreende a situação de impasse em que se encontravam os Réus: os Autores não formalizavam a transmissão do terreno para os Réus e estes estavam a braços com um projecto imobiliário para o terreno, tendo recorrido a financiamento bancário para a sua viabilização, com encargos avultadíssimos, não podendo dar início à construção das moradias por não serem os donos do terreno onde as mesmas seriam implantadas. Nessa medida, por forma a desbloquear a situação, procederam os Réus à celebração da falada escritura de justificação notarial directamente em nome da Ré sociedade; o que foi solicitado pelos próprios Autores (o que se compreende, por serem eles quem estavam obrigados a resolver a questão registal do terreno para o poderem transmitir aos Réus) e efectuado com o seu acordo. E, com a celebração de tal escritura, puderam finalmente os Réus impulsionar o processo camarário, levantar a licença de construção e iniciar a construção das moradias, assim dando cumprimento à obrigação que assumiram na transacção judicial – entregar uma das moradias aos Autores como forma de pagamento de parte do preço do terreno. Entrega essa que, não obstante, os Autores vêm recusando (a escritura de transmissão da propriedade da moradia para os Autores só não foi outorgada por vontade destes, que se furtam ao recebimento de quaisquer comunicações) sem qualquer justificação atendível.
Virem agora os Autores, cientes da realidade acabada de expender e que ficou comprovada nos autos, peticionar a declaração de invalidade de tal escritura de justificação parece-nos, a todos os títulos, contrária aos mais elementares princípios da boa-fé. E, por isso, impõe-se recusar a declaração de ineficácia de tal escritura, aceitando-se a sua validade, visto que os Autores, ao invocarem a sua invalidade, actuam manifestamente com abuso de direito.
(…)

Regressando ao caso dos autos, temos que em 23 de Novembro de 2005 os Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.” celebraram escritura de justificação na qual declararam que a Ré sociedade era possuidora do terreno em questão nos autos por tempo e modo susceptíveis de o ter adquirido por usucapião.

Ora, mais do que terem consentido ou concordado com a outorga de tal escritura, foram os próprios Autores quem pediram aos Réus que a outorgassem em nome da 2ª Ré, para assim se poder ultrapassar a questão da falta de registo do prédio em nome dos promitentes vendedores (questão que, recorde-se, competia aos Autores resolver em face do que se obrigaram na transacção judicial) e os Réus poderem dar início à construção das moradias e, com isso, cumprirem a obrigação de entrega da moradia aos Autores (a qual, recorde-se, já havia sido escolhida por estes).

Com esta conduta (factum proprium), os Autores atentam clamorosamente contra a boa fé, por terem criado nos Réus a fundada confiança, justificada pela boa fé, que os levou a acreditarem que os Autores não invocariam a invalidade da escritura; crença que é agora destruída pela invocação dessa invalidade (o venire contra factum proprium). Invocação que os Autores fazem com o intuito, para além do mais, de lhes ser restituído o terreno, bem sabendo que, em face daquela confiança, os Réus procederam já à constituição de ónus sobre o terreno (hipotecas a favor do Réu “Finibanco” para garantia de empréstimos concedidos que totalizam um milhão de euros), construíram sobre o mesmo oito fracções autónomas e constituíram já o prédio em regime de propriedade horizontal, tendo ainda celebrado contratos-promessa com terceiros relativos a tais fracções, de que receberam sinais que (com muita probabilidade) terão que restituir.

Tal comportamento – é para nós inequívoco – viola manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico do direito invocado pelos Autores; tanto mais quanto é certo que a escritura de justificação notarial foi celebrada em Novembro de 2005 e só em Dezembro de 2010, já depois do empreendimento imobiliário concluído, é que os Autores vieram invocar a dita invalidade. Para além de não se ver que benefício (que não seja indevido) poderiam os Autores retirar de tal invalidade, posto que sempre continuariam vinculados ao acordo que firmaram no âmbito da acção judicial acima indicada (não consta dos autos nem foi alegado pelas partes que a referida transacção judicial tivesse sido declarada nula ou anulada), ou seja, a obrigação de transmitirem para os Réus o sobredito terreno e receberem a moradia como pagamento de parte do preço acordado (qualquer uma delas geradora de responsabilidade contratual em caso de incumprimento).

(…)


No caso dos autos, uma pessoa normal, colocada na posição concreta dos aqui Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.”, podia objectivamente confiar que, tendo os Autores acordado na celebração da escritura de justificação como forma de resolver o problema do registo, não iriam depois suscitar a questão da sua invalidade. Agiram, pois, os Autores contra facta propria e, por conseguinte, de forma abusiva; sendo inadmissível e, sem dúvida, contrária à boa fé a conduta por eles assumida, na exacta medida em que trai a confiança gerada nos Réus pelo seu comportamento anterior.”

3.2.3. O acórdão recorrido alinhou pelo mesmo diapasão (seguindo jurisprudência do STJ):

“Decorre do disposto no artigo 334.º do Código Civil que o abuso do direito, nas suas várias modalidades, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Por sua vez, a proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra, justamente, na proibição do abuso do direito, nessa medida sendo de conhecimento oficioso.
No entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório, ou, dito de outro modo, “uma regra geral de coerência do comportamento dos sujeitos jurídico-privados, juridicamente exigível” – cf. Paulo Mota Pinto, “Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil”, BFDUC, Volume Comemorativo (2003), pág. 276.
Assim, o indivíduo é livre de mudar de opinião e de conduta fora dos casos em que assumiu compromissos negociais.
Daí que, em princípio, o mecanismo disponibilizado pela ordem jurídica para possibilitar a formação da confiança na palavra dada e, consequentemente, na conduta futura dos contraentes seja só o negócio jurídico.
Sabido, porém, que uma das funções essenciais do direito é a tutela das expectativas das pessoas, facilmente se intui que por si só o negócio jurídico, sob pena de cometimento de flagrantes injustiças em muitas situações concretas, não pode constituir o único modo de protecção das expectativas dos sujeitos na não contradição da conduta da contraparte; casos há em que, ainda antes do limiar da vinculação contratual, o agente deve ser obrigado a honrar as expectativas que criou, podendo exigir-se-lhe, então, que actue de forma correspondente à confiança que despertou; casos, isto é, em que não pode venire contra factum proprium.
A delimitação de tais casos obrigou a doutrina e a jurisprudência a terem que precisar com o máximo de rigor possível os pressupostos da proibição desta modalidade do abuso, desde logo por se ter a noção de que este instituto, construído, todo ele, a partir da cláusula geral da boa fé, apenas deve funcionar em situações limite, como verdadeira válvula de segurança e de escape do sistema, e não como uma tal ou qual panaceia de que se lança mão sempre que a aplicação das regras de direito estrito pareça ser insuficiente para assegurar a solução justa do caso.
Assim, há desde logo um primeiro e fundamental pressuposto a considerar: a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança.
Em segundo lugar, exige-se que, quer a conduta anterior (factum proprium), quer a actual (em contradição com aquela) sejam imputáveis ao agente.
Em terceiro lugar, que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, vale por dizer, que tenha confiado na situação criada pelo acto anterior, ignorando sem culpa a eventual intenção contrária do agente.
Em quarto lugar, que haja um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma actividade com base no factum proprium, de modo tal que a destruição dessa actividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) traduzam uma injustiça clara, evidente – cf. neste sentido, Meneses Cordeiro, “Contrato Promessa – art. 410.º, n.º 3, do Código Civil – Abuso do Direito – Inalegabilidade Formal”, ROA, Julho de 1998, II, pág. 964.
Por último, exige-se que o referido “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva objectivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano.
Os      pressupostos        enumerados        não      podem       em      caso      algum       ser      aplicados automaticamente pois, como observa o autor Paulo Mota Pinto que vimos a acompanhar, o venire contra factum proprium é, em última análise, “uma técnica (...) que não dispensa, e antes pressupõe, um controlo da adequação material da solução, com uma valoração global de todos os elementos à luz do ponto de vista da tutela da confiança legítima” – Obra e loc. citados, pág. 302; por isso, todos aqueles pressupostos “deverão ser globalmente ponderados, em concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo” – Obra e loc. citados, pág. 305.
Dentro desta mesma linha de pensamento, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.2.2009 (Revista n.º 4069/08) que “no âmbito da fórmula ‘manifesto excesso’ cabe a figura da conduta contraditória (venire contra factum proprium), que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte em função do modo como antes actuara”.
Assim tem de ser, justamente porque o princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; ele está presente, desde logo, na norma do artigo 334.º do Código Civil, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.
No caso vertente, à luz da factualidade provada afigura-se-nos que o comportamento dos réus, aqui apelados[,] encontra-se em conformidade com o direito ofendendo, sim, o comportamento das autoras, aqui recorrentes[,] os ditames da boa fé.
Com efeito, provou-se que em 23 de Novembro de 2005 os Réus DD e “Imobiliária do Casas, S.A.” celebraram escritura de justificação na qual declararam que a Ré sociedade era possuidora do terreno em questão nos autos por tempo e modo susceptíveis de o ter adquirido por usucapião.
Provou-se, ainda, que com vista a evitar os encargos decorrentes do registo do prédio em seu nome, para dar cumprimento às cláusulas 1.ª e 8.ª da transacção efectuada no processo judicial n.º 147/2000, os Autores solicitaram que fosse efectuada a escritura de justificação directamente em nome da 2ª Ré.
Mais se provou que a escritura de justificação foi efectuada com o acordo dos Autores, como solução encontrada por todos para resolver a situação registal do terreno e para o transmitir para a 2.ª R., a fim de esta dar impulso ao processo camarário, levantar a licença de construção e iniciar a construção das moradias;
Bem como que a escritura de transmissão da propriedade da moradia para os Autores só não foi outorgada por vontade destes, que se furtam ao recebimento de quaisquer comunicações.
Destarte, mais do que terem consentido ou concordado com a outorga de tal escritura, foram os próprios Autores quem pediram aos Réus que a outorgassem em nome da 2ª Ré, para assim se poder ultrapassar a questão da falta de registo do prédio em nome dos promitentes vendedores (questão que, recorde-se, competia aos Autores resolver em face do que se obrigaram na transacção judicial) e os Réus poderem dar início à construção das moradias e, com isso, cumprirem a obrigação de entrega da moradia aos Autores (a qual, recorde-se, já havia sido escolhida por estes).
Com esta conduta (factum proprium), os Apelantes/Autores atentam clamorosamente contra a boa fé, por terem criado nos Apelados/Réus a fundada confiança, justificada pela boa fé, que os levou a acreditarem que os Autores não invocariam a invalidade da escritura; crença que é agora destruída pela invocação dessa invalidade (o venire contra factum proprium).
Invocação que os Autores/Apelantes fazem com o intuito, para além do mais, de lhes ser restituído o terreno, bem sabendo que, em face daquela confiança, os Réus procederam já à constituição de ónus sobre o terreno (hipotecas a favor do Réu “Finibanco” para garantia de empréstimos concedidos que totalizam um milhão de euros), construíram sobre o mesmo oito fracções autónomas e constituíram já o prédio em regime de propriedade horizontal, tendo ainda celebrado contratos-promessa com terceiros relativos a tais fracções, de que receberam sinais que (com muita probabilidade) terão que restituir.
(…)
Parece-nos, à luz da factualidade provada e do elenco temporal e sequencial dos factos, como adequada a argumentação do Tribunal ‘a quo’ ao ter lançado mão do instituto do abuso de direito para paralisar a declaração de ineficácia da escritura de justificação.”

3.2.4. Quanto ao reconhecimento do direito de propriedade a favor dos Autores, a sentença de 1.ª instância e o acórdão foram igualmente claros e coincidentes:

“(…) da factualidade provada, resulta apenas que, sensivelmente no ano de 1980, os Autores adquiriram a KK o sobredito terreno.
Destarte, não tendo sido apurados actos de posse pelos Autores sobre tal terreno pela forma e tempo necessários para a respectiva aquisição originária (usucapião) e não beneficiando os mesmos da presunção da titularidade conferida pelo já acima citado artigo 7º do CRP, forçoso é de concluir pela improcedência daquela sua pretensão.”

E concluiu-se subsequentemente:

“Paralisada que fica – que deve ficar, por só assim se realizarem os ideais da justiça material no caso concreto – a declaração de ineficácia da escritura de justificação, nos termos sobreditos, fica naturalmente prejudicada a apreciação dos restantes pedidos (principais e subsidiários) formulados pelos Autores decorrentes de tal invalidade, quais sejam: a condenação dos Réus a restituírem-lhes tal terreno; o cancelamento do registo de aquisição do mesmo a favor da Ré e do registo das hipotecas a favor do Réu “Finibanco”; a condenação dos Réus a pagarem-lhe o preço do terreno anteriormente à incorporação das moradias; a condenação dos Réus a pagarem-lhe uma indemnização pelos invocados prejuízos decorrentes da anulação da justificação (diga-se, no entanto, que em relação a este último pedido nem sequer foi invocada qualquer causa de pedir, sendo certo que aquilo que se pode relegar para incidente de liquidação é apenas a quantificação dos danos e não a sua existência ou verificação, como é pacífico).” – 1.ª instância, secundada pela Relação.

3.2.5. Temos como certa a fundamentação das instâncias, à qual se adere e para a qual se remete, em especial no acordão recorrido, por intermédio da aplicação dos arts. 663º, 5, 2ª parte, e 679º, do CPC.
Para este desiderato, note-se que, depois de apreendidos os factos 1. a 8., o cerne e origem factual de toda a questão consiste no resultado obtido na acção declarativa de condenação referida no ponto 9. dos factos provados:

“Em 09 de Julho de 1998, o aqui 1.º R. instaurou uma acção ordinária contra os aqui AA. que foi distribuída ao ... Juízo Cível deste Tribunal sob o n.º 522/98, peticionando que os aqui AA. fossem condenados a efectuar o destaque do logradouro com a área de 3557 m2 do prédio urbano com o artigo matricial ...69.º, da freguesia ... e a outorgar a competente escritura pública de venda do mesmo logradouro após o seu destaque ao 1º R. ou a quem por este for indicado ou, em alternativa, fosse declarada a resolução do referido contrato promessa de compra e venda por culpa dos AA. e, em consequência, fossem estes condenados solidariamente a devolver ao 1.º R. a quantia de 35.392.808$00, correspondente a tudo quanto prestou, acrescida dos respectivos juros vencidos no valor de 4.847.718$00 e vincendos, bem como a liquidar ao 1º R. a quantia de 50.000.000$00 a título de indemnização pelo não cumprimento do contrato, conforme estipulado na cláusula penal.”

Esta acção culminou com uma transacção homologada por sentença proferida em 25/11/2004 e transitada, com o seguinte conteúdo (facto provado 12.; sublinhado nosso):

“1.º Os Réus (aqui AA.) prometeram vender ao Autor (aqui 1.º R.), um logradouro com a área de 3557 m2 do prédio urbano, inscrito na matriz sobre o artigo ...69.º, na freguesia ..., descrito na C. R. P. ... sob o nº ...99.
2.º Autor e Réus (aqui 1.º R. e AA., respectivamente) atribuem ao prédio prometido vender o valor de € 374.098,42.
3.º Os Réus (aqui AA.) receberam já por conta do pagamento do preço da venda do logradouro € 104.747,56.
4.º O pagamento do remanescente será efectuado através da entrega de uma moradia de três frentes geminada a edificar num condomínio fechado, num empreendimento a construir no logradouro prometido vender, com licença já pedida na Câmara Municipal ..., no processo 1382/...1.
5.º A moradia indicada na cláusula anterior será a que for escolhida pelos Réus (aqui AA.), no projecto de entre as seis que foram construídas, devendo essa escolha ser comunicada ao Autor (aqui 1.º R.) por carta registada a enviar no prazo máximo de dois meses após a comunicação pela mesma via feita pelo autor aos réus do levantamento da licença de construção.
6.º A entrega da moradia aos réus devidamente concluída será efectuada no prazo máximo de dois anos, contados desde a data do levantamento da licença de construção.
7.º Para garantia da entrega da moradia anteriormente referida o autor (aqui 1.º R.) constituirá a favor dos réus uma hipoteca sobre dois armazéns destinados à indústria, sito na Rua ..., no Lugar ..., ..., fracções B e C, sendo os custos a cargo do autor (aqui 1.º R.).
8.º A escritura de compra e venda do logradouro prometido vender será realizada em simultâneo com a escritura de hipoteca a favor dos réus (aqui AA.) sobre os dois armazéns, ambas a efectuar no prazo máximo de 60 dias a contar de hoje.
9.º Os Réus (aqui AA.) obrigam-se a assinar atempadamente todos os documentos que se mostrem necessários a execução do empreendimento indicado na cláusula 4ª, nomeadamente junto da Câmara Municipal ..., Repartição de Finanças e várias entidades envolvidas no projecto.
10.º O Autor (aqui 1.º R.) toma posse efectiva do logradouro prometido vender a partir da data do levantamento da licença de construção, podendo a partir daí dar início a execução dos trabalhos necessários à realização do projecto, nomeadamente muros, escavações, fundações, com expressa autorização dos réus, aqui Requerentes.
11.º As partes acordam em manter a favor do autor o direito de preferência na venda da habitação construída no prédio, do qual se fará o destaque do logradouro aqui prometido vender e com a qual confrontará.
12.º Autores e Réus desistem dos pedidos respectivos.
13.º As custas em dívida a juízo serão suportadas por autores e réus em partes iguais, prescindindo
ambas as partes de custas de parte e da procuradoria, na parte disponível.”.

É a partir deste conteúdo, nos seus direitos e obrigações, que se compreendem e conjugam (com sublinhado nosso) os factos provados 13. –

“Em 23 de Novembro de 2005, o 1.º R. outorgou uma escritura de justificação no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 64 a 65 verso do Livro ...7..., na qualidade de 1.º outorgante e de administrador único e em representação da sociedade anónima sob a firma Imobiliária do Casas, S.A., aqui 2.ª R., onde declarou o seguinte:
“Que, com exclusão de outrem, a sociedade é dona e legitima possuidora do seguinte prédio: Urbano, composto de terreno para construção, sito na Rua ... e ... – ..., freguesia ..., Concelho ..., com a área de 3557m2, a confrontar de Norte com NN, do sul com Rua ..., do Nascente com QQ e do Poente com KK, inscrito na matriz, em nome da justificante, sob o artigo ...12 (anteriormente omisso nas respectivas matrizes urbana e rústica), com o valor patrimonial de 70.962,15 Euros, a que atribui igual valor, omisso no Registo Predial.
(…)
Que, dadas as enunciadas características de tal posse, a sociedade adquiriu o citado prédio por usucapião, título este que, por natureza, não é susceptível de ser comprovado pelos meios normais”. –,

32. –

“Por escritura pública outorgada em 23 de Dezembro de 2005, em cartório notarial, a 2.ª R., representada pelo 1.º R., declarando-se dona de duas fracções autónomas, correspondentes a armazéns, que fazem parte do prédio urbano sito em ..., ..., declarou que em cumprimento da cláusula sétima da transacção efectuada pelo 1.º R. e pelos AA., no âmbito do processo que correu termos pela ... Vara de Competência Mista ..., e para garantia da construção da moradia a que alude a cláusula 4.ª da referida transacção, no montante de € 269.350,86 (acção ordinária 147/2000), constituía hipoteca sobre tais fracções a favor dos AA., mais declarando que tal hipoteca não abrange as rendas e se extingue dois anos após o levantamento da licença de construção da moradia, vindo essa hipoteca a ser levada às tábuas do registo, quanto às duas fracções, aí ficando a constar (por apresentação de 09/01/2006) a hipoteca voluntária a favor dos AA., para garantia de construção da moradia, estando aí inscrito o valor (capital) de € 269.350,86.” –,

e 38. a 58., em especial –

“O terreno objecto da presente acção e o da escritura de justificação constitui o prédio que, antes da incorporação das construções lá executadas, os AA. se obrigaram a vender ao 1.º R., quanto à sua localização, respectivas áreas e limites, aquando da transacção celebrada no âmbito do processo judicial n.º 147/2000, no qual a 2.ª R. não teve intervenção.”;

“A licença de construção foi levantada em 24 de Novembro de 2006.”;

“Requerida pela 2.ª R. em 14 de Julho de 2010, em 23 de Agosto de 2010 foi emitida licença de utilização do prédio.”;

“Encontrando-se marcada no Cartório Notarial ... no dia 30/08/2010, pelas 14 h 15m, de venda pela 2.ª R. da fracção designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Travessa ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o art. ...01, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o n.º ...50... de ..., a mesma não se realizou por falta de comparência dos compradores, aqui AA.”;

Notificados pelos 1.º e 2.º RR. para escolherem a moradia, os AA., mediante escrito de Janeiro de 2007 dirigido a ambos, escolheram a fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Travessa ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o art. ...01, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de  sob o n.º ...50... de ....”;

“A 2.ª R. edificou no terreno seis moradias, correspondentes às fracções “A” a “F” da aludida propriedade horizontal.”;

“Em 23 de Agosto de 2010, os 1.º e 2.º RR. enviaram aos AA. carta convocando-os para a realização, em cartório notarial, no dia 30/08/2010, pelas 14 h 15 m, da escritura de transmissão de propriedade sobre a moradia por estes escolhida.”

Após o acordo celebrado no processo judicial n.º 147/2000, o 1.º R. procedeu à transmissão da sua posição contratual à 2.ª R. com o conhecimento e a concordância dos AA.”;

Tendo a 2.ª R., através do seu representante (aqui 1.º R.), assumido perante os AA. todas as obrigações que para este decorriam de tal acordo.
 
E, desde então, o processo camarário foi todo tramitado em nome da 2.ª R. com o conhecimento dos AA.”;

“Os AA. conheciam o projecto camarário.”

“E acompanharam a construção das moradias pela 2.ª R. desde as fundações até à sua conclusão.”

Com vista a evitar os encargos decorrentes do registo do prédio em seu nome, para dar cumprimento às cláusulas 1.ª e 8.ª da transacção efectuada no processo judicial n.º 147/2000, os AA solicitaram que fosse efectuada a escritura de justificação directamente em nome da 2ª Ré.

A escritura de justificação foi efectuada com o acordo dos Autores, como solução encontrada por todos para resolver a situação registral do terreno e para o transmitir para a 2.ª R., a fim de esta dar impulso ao processo camarário, levantar a licença de construção e iniciar a construção das moradias.

A escritura de transmissão da propriedade da moradia para os AA. só não foi outorgada por vontade dos AA. que se furtam ao recebimento de quaisquer comunicações.


Ora, é neste encadeamento factual que se justifica a tutela da confiança invocada pelos Réus, dirigida a uma legítima expectação de conduta após uma anterior conduta assumida ou proclamada[3], que, sendo frustrada ou violada de forma particularmente clamorosa, implica paralisar – decair ou fazer perder – o direito de os Autores invocarem a ineficácia da justificação notarial da aquisição da propriedade do prédio-“logradouro” pela 2.ª Ré – como cessionária dos direitos adquiridos pelo 1.º Réu na transacção judicial homologada no processo concluído em 2004: v. factos provados 51. e 52. –, por aplicação do art. 334º do CCiv., e da consequencial impossibilidade de reconhecer o direito de propriedade que pudesse sobrepor-se à insusceptibilidade de fazer prevalecer tal ineficácia.
A conduta exibida neste processo é por demais evidente ser inadmissivelmente contrária em termos da sua relevância jurídica à globalidade dos comportamentos evidenciados após a intervenção e aceitação pelos Autores na referida transacção judicial.
Ademais, não obstante o conteúdo da escritura de justificação notarial e suas considerações sobre a posse do prédio-“logradouro” pela 2.ª Ré, o certo é que o resultado material da aplicação do art. 334º é o reconhecimento da aquisição da propriedade pela 2.ª Ré, enquanto cessionária dos direitos adquiridos pelo 1.º Réu nessa transacção judicial, beneficiando da correspondente presunção registal – v. facto provado 15.
Esta equiparação material para o efeito de aquisição da propriedade pela 2.ª Ré é também ela significativa para a bondade teleológica da aplicação ao caso do art. 334º do CCiv. em face da conduta das partes (na tipologia de venire contra factum proprium positivo: “o agente gera a convicção de que não irá praticar certo acto e, depois, pratica-o”[4])
Na verdade.

Destaque-se que tal transacção – enquanto contrato oneroso, com concessões recíprocas e carácter sinalagmático, mesmo quando resultante de conciliação das partes num litígio, susceptível de envolver a constituição de direitos diversos do direito controvertido: art. 1248º, 1 e 2, CCiv.[5] – deve ser qualificada verdadeiramente, no caso e atendendo à vontade das partes como fonte de resolução do litígio (arts. 236º, 1 e 2, 238º, 1, CCiv.)[6], como reconhecendo e traduzindo efeitos translativos através da celebração entre os Autores e o 1.º Réu de, sucessivo e em cumprimento da promessa anterior (termo 1.º), um contrato misto de compra e venda e permuta de bem presente por bem futuro[7], com definição das condições de preço e da identificação do bem futuro, dependente ainda de formalização “externa” através de escritura pública (termos 2.º a 5.º e 8.º)[8] e condicionados à realização da “desanexação” registal do prédio alienado (questão ultrapassada na escritura de justificação notarial: v. factos provados 57. –“A escritura de justificação foi efectuada com o acordo dos Autores, como solução encontrada por todos para resolver a situação registral do terreno e para o transmitir para a 2.ª R. (…).” –, 38. – “O terreno objecto da presente acção e o da escritura de justificação constitui o prédio que, antes da incorporação das construções lá executadas, os AA. se obrigaram a vender ao 1.º R., quanto à sua localização, respectivas áreas e limites, aquando da transacção celebrada no âmbito do processo judicial n.º 147/2000, no qual a 2.ª R. não teve intervenção.” – e 13.).
Em rigor, a transacção concluída nesse processo procurou responder ao incumprimento do contrato-promessa descrito no facto provado 1. (v. o facto provado 9. e o respectivo termo 1.º da transacção), sendo que esse incumprimento foi substituído pela apontada celebração do aludido contrato misto (por interpretação, cujas regras do regime geral dos negócios jurídicos se aplicam[9]).
E, uma vez homologada por sentença, a transacção configuradora do referido contrato misto é mesmo susceptível de execução, de acordo com o art. 703º, 1, a), do CPC[10].
De todo o modo, é também a 2.ª Ré cessionária das obrigações incluídas na posição contratual do contratante adquirente nessa transacção (cfr. factos provados 51. e 52.; art. 424º, 1, do CCiv.). Sendo que nessa transacção se consignou que a contrapartida da venda desse prédio-“logradouro” era o conjunto do pagamento do valor de € 104.747,56 (declarado ter sido recebido à data) e da entrega de uma moradia no empreendimento (com seis moradias) a construir nesse prédio e a escolher pelos Autores alienantes; sendo que, depois de 2004, houve tal escolha pelos Autores (Fracção “A” – v. factos provados 42., 47., 49.) e marcação da escritura pública para a transmissão da propriedade da referida moradia para os Autores (v. factos provados 41. e 49.). E o facto provado 41. diz-nos ainda que a escritura pública não foi realizada por falta de comparência dos Autores alienantes. Logo, faltará concretizar o pagamento integral dos termos convencionados na transacção judicial homologada para dar cumprimento à alienação produzida pelo contrato misto de venda e permuta celebrado através da transacção judicial. Mas esta é questão – e as questões que envolve, a começar pela conflitualidade aparente entre aquisição derivada translativa e aquisição originária a favor da 2.ª Ré e a acabar na convocação e aplicação ao caso do art. 425º do CCiv. em sede de cessão da posição contratual (relativamente aos aludidos factos provados 51. e 52.) em relação a um negócio-base resultante de transacção judicial homologada por sentença – que transcende(m) os autos e a questão recursiva em revista atinente aos pedidos dos Autores.
Por fim: lógica e cronologicamente, a escritura pública de transmissão da propriedade do prédio-“logradouro” para a 2.ª Ré deveria ser anterior ou, pelo menos, contemporânea à transmissão da propriedade da moradia-“contrapartida” para os Autores (como execução da permuta). É nesse contexto de celebração dessa primeira escritura e transmissão formalmente válida da propriedade para a 2.ª Ré que se compreendem os factos provados 56. e 57. como demonstrativos da escritura de justificação notarial como acto sucedâneo da escritura de formalização do contrato misto de venda e permuta plasmado na transacção judicial, com – assim nos diz a factualidade provada, à qual o STJ subsume o direito (art. 682º, 1, CPC) – com solicitação e acordo dos Autores
           
“Com vista a evitar os encargos decorrentes do registo do prédio em seu nome, para dar cumprimento às cláusulas 1.ª e 8.ª da transacção efectuada no processo judicial n.º 147/2000, os AA solicitaram que fosse efectuada a escritura de justificação directamente em nome da 2ª Ré.”;

“A escritura de justificação foi efectuada com o acordo dos Autores, como solução encontrada por todos para resolver a situação registral do terreno e para o transmitir para a 2.ª R., a fim de esta dar impulso ao processo camarário, levantar a licença de construção e iniciar a construção das moradias.”

Em suma.
Para o que aqui se discute em exclusivo – a aptidão da conduta dos Autores para ser preclusiva da ineficácia da escritura de justificaçõão notarial e consequente reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio-“logradouro” –, é com esta materialidade que se fecha o círculo de factos que justificam plenamente a solução jurídica dada ao pleito pelas instâncias quanto aos pedidos configurados como principais (prejudicando o conhecimento dos subsidiários).

Improcedem, assim, as Conclusões 17. a 71.


3.3. Pedido reconvencional indemnizatório dos Réus

Quanto ao segmento decisório de condenação dos Autores ao pagamento da indemnização a apurar em liquidação de sentença, também se verificou concordar a Relação com a 1.ª instância.
Nestes termos:

“(…) resultou apurado que a 2.ª R., a expensas suas, construiu no terreno em causa oito fracções autónomas, seis delas destinadas a habitação e as restantes a lugar de estacionamento, com autorização dos Autores, sendo o seu valor superior a € 1.500.000,00.
Em virtude das acções interpostas pelos Autores e do seu registo, a 2.ª Ré vê-se impedida de cumprir as promessas de venda das fracções que celebrou com terceiros; o que lhe determinará um prejuízo, com o pagamento de indemnizações e de juros do financiamento obtido para a construção, de valor superior a um milhão de euros.
Como deles se extrai, os autos apensos constituem procedimento cautelar comum que os ora Autores instauraram contra os aqui Réus, no qual pediram “que os 1º e 2ª Requeridos sejam impedidos de praticarem todos e quaisquer actos de alienação dos prédios em causa, designadamente contratos promessa de compra e venda, venda, permuta, doação, dação em cumprimento (….)”; sendo que os Autores procederam ao registo de tal procedimento (e desta acção principal) sobre os prédios descritos sob os nos ...03 e ...10 (este último constituído em regime de propriedade horizontal, após a construção das moradias).
Apesar de o procedimento cautelar apenso ter sido julgado totalmente improcedente, por decisão já transitada em julgado, certo é que o registo da presente acção mantém-se sobre os referidos imóveis, ficando assim inviabilizada a transacção das moradias.
Nos termos do disposto no artigo 483º, nº 1 do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Esta norma, que consagra um princípio fundamental em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos requer, para que exista a obrigação de indemnizar, a verificação de vários pressupostos, enunciados sumariamente como a ocorrência de um facto voluntário, a ilicitude, a culpa ou nexo de imputação do facto ao lesante; a verificação de um dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, não bastando, por conseguinte, que o agente tenha agido objectivamente mal, é preciso que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa, ou seja, que o lesante actue de forma que seja pessoalmente reprovável ou censurável; entendendo-se que “a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo, o que implica que o lesante conhecesse ou pudesse conhecer o desvalor da acção que cometeu”. [Cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 5ª edição, pág. 485.]
Atento o vertido no artigo 487º, nº 2 do Código Civil, a culpa, na falta de outro critério legal, é apreciada de forma abstracta, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
A conduta do autor da lesão é, assim, apreciada como a de um homem médio, exigindo-se um comportamento prudente, ajuizado e diligente de uma pessoa medianamente cuidadosa e não de acordo com a diligência habitual do autor do facto ilícito, em concreto. Sendo a culpa elemento constitutivo do direito à indemnização, cabia à Autora fazer a prova dela (cfr. artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1 do CC), impendendo sobre a Ré o ónus da prova de factos que excluam ou reduzam a sua culpa (cfr. artigo 342º, nº 2 do CC).
Ora, dúvidas não subsistem de que os Autores/reconvindos, ao terem instaurado, para além do mais, o procedimento cautelar apenso e a presente acção (com os pedidos que aí formularam e com o registo dos mesmos sobre os prédios em questão), depois de terem transigido no âmbito do processo judicial acima indicado, nos termos em que o fizeram, bem sabendo que os Réus construíram entretanto no terreno as oito fracções autónomas e que o registo de tal procedimento (e posteriormente desta acção) iria inviabilizar a comercialização das fracções, causando dessa forma prejuízos aos Réus, praticaram um facto ilícito gerador de responsabilidade civil.
Nessa medida, atento o disposto no artigo 563º do CC (que consagrou a teoria da causalidade adequada – na sua formulação negativa, aqui aplicável –, nos termos da qual a responsabilidade do lesante só deixa de se verificar a partir do momento em que o facto ilícito se possa considerar de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano registado), os Autores/reconvindos terão que indemnizar os Réus por todos os prejuízos que lhes causaram e que eles não teriam sofrido se não fosse a lesão.
A esse respeito, provou-se que a aludida conduta dos Autores impediu a 2ª Ré de cumprir as promessas de venda das moradias, o que lhe determinará um prejuízo, com o pagamento de indemnizações e de juros do financiamento obtido para a construção, de valor superior a um milhão de euros.
Porém, não existindo nos autos elementos que permitam desde já fixar o valor da indemnização devida pelos Autores/reconvindos aos Réus/reconvintes a esse título, relega-se a sua liquidação para momento ulterior, nos termos previstos no artigo 609º, nº2 do CPC, como pedido pelos Réus/reconvintes.”

Também aqui julgamos, atenta a subsunção do direito aos factos provados 29., 30., 31., 33., 34., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 43., 44., 45., 47., 48., 50., 51., 53., 64., 65., 67., 68., 70., 71., 72. e 73., que devemos aderir à argumentação do acórdão recorrido, nos termos dos arts. 663º, 5, 2.ª parte, e 679º, do CPC.
Sabendo, para fundamentação de suporte, que o abuso de direito consagrado no art. 334º do CCiv. pode ter como consequência sancionatória a responsabilidade civil indemnizatória de quem exerce abusivamente o direito[11].

Falecem, assim, as Conclusões 72. a 74. da revista.
 

3.4. Da condenação em litigância de má fé dos Autores
               
Em ambas as instâncias foram os Autores condenados em litigância de má fé, dando causa ao pagamento de multa de 10 UCs e de indemnização no montante de € 10.000, em aplicação do art. 542º, 1 e 2, do CPC.
A Relação reapreciou a questão da condenação proferida em 1.ª instância em razão das Conclusões CCCLXVIII a CCCCLXXIII inscritas na apelação.

Trata-se de uma decisão autónoma em relação ao objecto da acção, tomada em incidente cujo julgamento e resultado correspondem a um segmento decisório cindível no dispositivo da sentença proferida em 1.ª instância. Enquanto decisão proferida em incidente sem estrutura e natureza de acção, estamos perante decisão interlocutória com incidência processual, recorrível para a 2.ª instância nos termos do art. 644º, 2, e), e, depois, submetida esta segunda decisão ao regime da revista “continuada” do art. 671º, 2, do CPC[12] – o que, se fosse o caso, não foi cumprido pelos Recorrentes.
No entanto, a este regime geral acrescenta-se o regime especial do art. 542º, 3, do CPC, estatuindo que, «[i]ndependentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé».
Estamos perante uma previsão para a recorribilidade da decisão condenatória (e não para decisão absolutória) como litigante de má fé: só pode ser objecto de recurso em um grau – da 1.ª instância para a Relação ou desta para o Supremo (enunciativa, a contrario sensu); em contrapartida dessa restrição, amplia-se a faculdade recursiva, uma vez que é sempre assegurada a admissibilidade do duplo grau de jurisdição sem dependência da verificação do art. 629º, 1, do CPC[13]-[14]
Tal significa que: (i) se a condenação provier da 1.ª instância, o recurso (e a garantia do duplo grau de jurisdição) é sempre admissível para a Relação sem dependência do art. 629º, 1 (seguindo o art. 644º, 2, e), CPC); (ii) se a condenação for decretada pela primeira vez pela Relação, admite-se recurso para o STJ, independentemente ainda do valor da condenação em relação aos critérios do art. 629º, 1, do CPC, assim como sem dependência do regime do art. 673º para as decisões interlocutórias “novas” (o que se encontra devidamente salvaguardado na respectiva al. b)); (iii) se a condenação for proferida em primeira mão pela 1.ª instância e reapreciada em recurso pela Relação, não é admitida a revista, seja qual for a decisão em segunda mão pela 2.ª instância (sem prejuízo de, estando aqui presente uma irrecorribilidade legal por «motivo estranho à alçada do tribunal», se poder ponderar a aplicação do art. 629º, 2, d), do CPC).
Assim sendo, tendo os Autores sido condenados como litigantes de má fé em 1.ª instância e tendo essa condenação sido confirmada pela Relação, encontra-se esgotada, uma vez não convocado qualquer regime de revista extraordinária, a possibilidade de tal questão ser objecto de revista, independentemente da sorte e resultado da impugnação (nos outros segmentos) do acórdão recorrido onde foi reapreciada e confirmada a condenação de 1.ª instância, não podendo aqui ser conhecido tal segmento decisório, correspondente à Conclusão 75. da revista.


III) DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em:

(i) Não tomar conhecimento do objecto da revista no segmento respeitante à condenação da litigância de má fé dos Autores, decidida em 1.ª instância e confirmada pelo acórdão recorrido;

(ii) Julgar improcedente a revista nos demais segmentos reapreciados.


Custas pelos Recorrentes.



STJ/Lisboa, 11 de Julho de 2023



Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679, CPC).

____________________________________________________


[1] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403. 
[2] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36. Na jurisprudência, v., exemplificativamente, os Acs. do STJ de 10/7/2012, processo n.º 3817/05.6TBGDM-B.P1.S1, Rel. FERNANDES DO VALE, de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, e de 6/12/2016, Rel. GARCIA CALEJO (“(…) o legislador ao exprimir-se deste modo e ao dar à Relação as prorrogativas definidas nas alíneas do nº 2 do mesmo art. 662º, pretendeu que o tribunal de 2ª instância fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto. Deve-se, assim, repudiar a posição segundo a qual a actividade da Relação deverá circunscrever-se a um mero controlo formal da motivação efectuada em 1ª instância, procedendo à detecção e correcção de pontuais e excepcionais erros de julgamento, ou a orientação de que o tribunal da 2ª instância não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.”); sempre in www.dgsi.pt
[3] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 334º”, Código Civil comentado, I, Parte geral (artigos 1.º a 396.º), coord.: António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 931 (“a pessoa colocada numa situação de crença legítima, devidamente justificada no plano social e pessoal, em termos que a levem a desonvolver uma atividade significativa que não possa, sem dano, ser revertida (o investimento de confiança) é protegida, devendo essa protecção ser encabeçada por quem tenha dado azo à confiança em causa”), 934-935.
[4] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 334º”, ob. cit., pág. 933.
[5] PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 1248º”, Código Civil anotado, Volume II (artigos 762.º a 1250.º), 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, págs. 930-931.
[6] V. Ac. do STJ de 13/11/2018, processo n.º 97/15.9T8MGR.C1.S1, Rel. CABRAL TAVARES, in www.dgsi.pt (“II – A transação pode ir além da mera natureza declarativa – esta, a situação regra –, e produzir efeitos, também translativos, com a atribuição de direitos de uma parte à outra, devendo para tanto colher-se um mínimo de correspondência no texto do documento.”).
[7] Neste sentido, pelo facto de a “contrapartida ser mista (dinheiro e bens diferentes de dinheiro)”, v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos, Volume II, Conteúdo. Contratos de troca, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 119.
[8] Sobre a “forma externa” como “forma de que o ato se reveste”, “algo que lhe acresce mas que não participa da sua essência, do seu ser”, como é exemplo claro a escritura pública, razão pela qual “a falta de forma externa pode afetar a validade ou a prova, mas não afasta a sua qualificação [como compra e venda] nem a sua existência”, v. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS/PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral do direito civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra,2019, págs. 702-703.
[9] PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 1248º”, Código Civil anotado, Volume II cit., pág. 930.
[10] Ac. do STJ de 9/2/2017, processo n.º 3020/04.2TBVNG.P1.S1, Rel. TAVARES DE PAIVA, in www.dgsi.pt.
[11] V. ORLANDO DE CARVALHO, Teoria geral do direito civil, Centelha, Coimbra, 1981, pág. 70, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 90.
[12] Neste sentido, como regra no contexto da tipologia das decisões interlocutórias submetidas em revista por via do art. 671º, 2, do CPC, v. LOPES DO REGO, “Problemas suscitados pelo modelo de revista acolhido no CPC – O regime de acesso ao STJ quanto à impugnação de decisões interlocutórias de natureza processual”, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Maria Helena Brito, Volume II, Gestlegal, Coimbra, 2022, págs. 475-476 e 482: “decisões que se pronunciam acerca de incidentes inseridos na causa principal, admitindo-os ou rejeitando-os”; cfr. ainda, na interpretação do art. 671º, 2, do CPC, LUÍS ESPÍRITO SANTO, Recursos civis. O sistema recursório português. Fundamentos, regime e actividade judiciária, CEDIS, Lisboa, 2020, pág. 283.
Na jurisprudência do STJ, V. Acs. de 29/6/2017, processo n.º 2487/07.1TBCBR-C.C1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, 16/5/2023, processo n.º 113/16.7T8VNC-I.G1-A.S, Rel. RICARDO COSTA, 31/5/2023, processo n.º 65/16.3T8VNC-B.G1-A.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, e de 28/6/2023, processo n.º 3080/17.6T8BCL-I.G1.S1, Rel. RICARDO COSTA; in www.dgsi.pt.
[13] V. ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina Coimbra, 2018, sub art. 629º, págs. 64-65 e nt. 96, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 542º, pág. 594 (“Ainda que o valor da ação supere a alçada da Relação, a parte que tenha sido penalizada não pode interpor recurso de revista que abarque essa questão, regime que compatibiliza a tutela do visado (carecida, nesta parte, de um duplo grau de jurisdição) com a natureza marginal da questão.”), JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 2.º, Artigos 362.º a 626.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021 (reimp.), sub art. 542º, pág. 461 (aparentemente, atendendo à argumentação).
Na jurisprudência consolidada do STJ sobre a não admissão do terceiro grau de jurisdição, entre outros, também antes do CPC de 2013, v. os Acs. do STJ de 4/5/2021, processo 2523/19.9T8PRD-E.P1-A.S1, Rel. FÁTIMA GOMES, 19/5/2020, processo n.º 5126/07.7TBSXL.L1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, sendo o aqui Relator 2.º Adjunto (cfr. ponto II. do Sumário, disponível in www.stj.pt), 28/11/2017, processo n.º 2398/11.6TBVLG-A.P1.S1, Rel. HÉLDER ROQUE (cfr. pontos II. e III. do Sumário, disponível in www.stj.pt), 19/10/2017, processo n.º 11262/79.0TVLSB-L.L1.S1, Rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA (cfr. ponto IV. do Sumário, disponível in www.stj.pt), 17/11/2015, processo n.º 2443/11.5TJVNF.G1.S1, Rel. SILVA SALAZAR (in www.stj.pt), 26/6/2014, processo n.º 2733/05.6TBAMT.P1.S1, Rel. TÁVORA VÍTOR (cfr. ponto III. do Sumário, disponível in www.stj.pt),  16/1/2014, processo n.º 1279/08.5TBGRD-N.C1-A.S1, Rel. SÉRGIO POÇAS, 29/10/2013,  processo n.º 31038/96.0TVLSB.S1, Rel. FERNANDES DO VALE (in www.dgsi.pt), 21/11/2012, processo n.º 3365/04.1TTLSB.L1.S1, Rel. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, 12/7/2011, processo n.º 2375/07.1YXLSB.L1.S1, Rel. GABRIEL CATARINO (in www.stj.pt), 27/5/2010, processo n.º 5387/05, Rel. SOUSA LEITE, e de 20/1/2010, processo n.º 45/04.1TTEVR.E1.S1, Rel. VASQUES DINIS; disponíveis, os sem local de proveniência, in www.dgsi.pt.
[14] Já não é assim se a decisão de 1.ª instância for absolutória e a decisão de 2.ª instância for condenatória: v. Ac. do STJ de 15/2/2022, processo n.º 1246/20.0T8STB.E1.S1, Rel. MARIA JOÃO TOMÉ, in www.dgsi.pt (“Admite-se assim o recurso [de] revista no caso de a Recorrente haver sido condenada por litigância de má fé apenas pelo TR, uma vez que o Tribunal de 1.ª Instância tinha julgado improcedente este pedido de condenação (…).”: ponto I. do Sumário); na doutrina, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Litigância de má-fé, abuso do direito de ação e culpa “in agendo”, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 68 (não assim no caso de “não-condenação, apesar de pedida”).