Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | ESTABELECIMENTO DE FARMÁCIA ALVARÁ DE FARMÁCIA MEIOS DA EMPRESA AVIAMENTO DA EMPRESA INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PENHOR SOBRE ESTABELECIMENTO GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA | ||
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Data do Acordão: | 10/29/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS / RECURSOS / APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS / AUTUAÇÃO DAS IMPUGNAÇÕES E RESPOSTAS. DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO / OBJECTO DE NEGOCIAL. | ||
Doutrina: | - CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 447; - CAROLINHA CUNHA/RICARDO COSTA, A simplificação formal do trespasse de estabelecimento comercial e o novo regime do arrendamento urbano, Almedina, Coimbra, 2006, p. 47; - CARVALHO FERNANDES, Teoria geral do direito civil, Vol. II, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1996, p. 351; - CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2013, p. 130; - CASSIANO DOS SANTOS, Direito Comercial português, Volume I, Dos actos de comércio às empresas: o regime dos contratos e mecanismos comerciais no direito português, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 295; - COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Volume I, Introdução, Atos de Comércio, Comerciantes, Empresas, Sinais Distintivos, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 226-228, 229-230, 235, 245 e ss ; Da empresarialidade. As empresas no direito, Almedina, Coimbra, 1996, p. 69 e ss. e 72-77 - DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, 2.ª ed., com a colaboração de Pedro Machete e Lino Torgal, Almedina, Coimbra, 2011, p. 287-288; - FERNANDA PAULA OLIVEIRA/JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Noções fundamentais de direito administrativo, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, p. 192; - FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. I, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1973, p. 205-206 ; Sobre a projectada reforma da legislação comercial portuguesa, ROA, 1984, I, p. 22 e ss.; - GRAVATO DE MORAIS, Alienação e oneração de estabelecimento comercial, Almedina, Coimbra, 2005, p. 171; - ORLANDO DE CARVALHO, Direito das coisas (Do direito das coisas em geral), Centelha, Coimbra, 1977, p. 190 e nt. 2, p. 186, 189-190, 196, 201-211 e 214 ; ID., Introdução à posse, RLJ, 1989-1990, Ano 122º, n.º 3781, p. 107; - PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial, volume I, Parte Geral, Contratos Mercantis, Títulos de Crédito, Almedina, Coimbra, 2011, p. 103 ; Teoria geral do direito civil, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 552; - PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 315-316; - ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, FDUC, Coimbra, 1978, p. 111; - RUI DE ALARCÃO, Interpretação e integração dos negócios jurídicos. Anteprojecto para o novo Código Civil, BMJ n.º 84, 1959, p. 334; - RUI PINTO DUARTE, O penhor de estabelecimento comercial, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 63, 68-70, 72-7375-76; - VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 5.ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2017, p. 74, 75, 138-139, 167 e 232; | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 14.º, N.º 1, 17.º, N.º 1 E 132.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1, 238.º, N.º 1 E 280.º. DL N.º 307/2007, DE 31 DE AGOSTO. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 08-04-1997, PROCESSO N.º 50/97, IN CJSTJ, 1997, II, P. 37 E SS.; - DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 462/10.8TBVFR-L.P1.S1, IN SASTJ, ASSESSORIA CÍVEL, NOVEMBRO DE 2018, P. 34, WWW.STJ.PT; - DE 13-11-2014, PROCESSO N.º 1444/08.5TBAMT-A.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 12-08-2016, PROCESSO N.º 841/14.1TYVNG-A.P1.S1, REL.: NUNO CAMEIRA, IN WWW.DGSI.PT; - DE 20-09-2016, PROCESSO N.º 1823/12.3TBLGS-F.E1.S1, IN SASTJ, ASSESSORIA CÍVEL, NOVEMBRO DE 2018, P. 22, WWW.STJ.PT; - DE 18-10-2016, PROCESSO N.º 106/13.6TYVNG-B.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 05-09-2017, PROCESSO N.º 2503/12.5TBPDL-G.L2.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 9791/15.3T8CBR-B.C1, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: - DE 03-05-2018, PROCESSO N.º 2601/14.0T8VNF-B.G1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I. A impugnação recursiva do art. 14º, 1, do CIRE não se aplica aos incidentes que correm por apenso aos autos de insolvência, como o de verificação e graduação de créditos (art. 132º do CIRE), o que implica que a admissão da revista está submetida ao regime geral do CPC (art. 17º, 1, CIRE). II. O DL 307/2007, de 31 de Agosto, estabelece um procedimento para controlo público da instalação e exploração lícitas das actividades e serviços «de saúde e de interesse público» (art. 2º) prosseguidos pelas farmácias de oficina, a cargo do “Infarmed I.P.”. Esse procedimento conduz à prática de uma típica autorização permissiva (acto administrativo) da autoridade competente, que conduz à emissão (para o proprietário originário) e de averbamento superveniente (em caso de alteração da propriedade ou da titularidade de exploração ou da localização da farmácia) de “alvará”, enquanto pressuposto legal para abertura ao público e manutenção em funcionamento do estabelecimento. III. O “alvará” é o acto jurídico instrumental e executivo dessa autorização permissiva, que se traduz num título (sob a forma de documento) comprovativo da prática do acto administrativo de autorização, apto a formalizar (ou externalizar) a atribuição ao seu titular (originário ou superveniente) do direito de exploração do estabelecimento (condicionado ao cumprimento de requisitos substanciais) e do dever geral de cumprimento das obrigações legais de actuação e funcionamento das farmácias de oficina, enquanto actividade de interesse e ordem pública. É título constitutivo da condição jurídico-administrativa para a abertura e manutenção da exploração desse estabelecimento de farmácia, restringida por lei em função do interesse público. IV. O “alvará” emitido ou averbado não é um elemento ou bem ou meio empresarial do estabelecimento de farmácia enquanto organização produtiva. Antes se radica numa situação jurídica necessária à prossecução da actividade empresarial e que acompanha a circulação negocial da empresa. É requisito (fundante e condicionante) para o aviamento objectivo da empresa. Essa situação jurídica – e o “alvará” em que se constitui como seu título executivo-instrumental – tem valor económico-patrimonial (muito relevante, por corresponder a autorização pública insuprível) e este valor é parte decisiva do valor de negociação ou de mercado do estabelecimento de farmácia concreto – sendo esse valor autonomizável e ponderável enquanto parte do respectivo valor de aviamento. V. Corresponde ao entendimento de um declaratário normal, diligente e experiente, colocado na posição do declaratário concreto e tendo em conta o comportamento dos declarantes (art. 236º, 1, CCiv.), interpretar a cláusula de constituição de penhor sobre “os direitos emergentes do alvará para funcionamento” de uma farmácia, no âmbito e para o efeito da garantia de um mútuo bancário destinado à prossecução do objecto do estabelecimento farmacêutico, como um penhor sobre o estabelecimento como um todo (admissível e válido à luz do art. 280º do CCiv.), necessariamente privilegiado com essa condição público-administrativa para o respectivo exercício empresarial, devidamente executada pelo “alvará” emitido ou averbado, e não sobre um título que não é susceptível de domínio e apropriação nem transmissível, ainda que com valor integrado no goodwill do estabelecimento susceptível de avaliação. Trata-se igualmente de sentido interpretativo com correspondência objectiva abrangida pelo texto do documento que formaliza o mútuo («mínimo de correspondência», de acordo com o art. 238º, 1, do CCiv.). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 6.ª Secção I. RELATÓRIO A) Por apenso aos autos de insolvência de «AA, S.A.», foram reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência (AI) os créditos constantes da lista apresentada com o reg. 6507311 (fls. 1 e ss), considerando-os privilegiados, garantidos, comuns e subordinados. B) A credora reclamante «BB PCL», tendo em conta ter celebrado contrato de penhor em 20/6/2011 sobre o estabelecimento comercial denominado “Farmácia CC” e sobre o respectivo alvará n.º ..., para garantia de crédito reclamado, que integra a massa insolvente, e sabido da constituição de outros penhores sobre o alvará e/ou direitos com este relacionados a favor de outras entidades, igualmente reclamantes nos autos, e tendo em vista apurar a prioridade de pagamento de cada crédito e respectiva graduação, veio requerer, sem prejuízo do feito pelo Sr. AI, que se ordenasse a notificação do INFARMED para juntar aos autos uma certidão do registo dos aludidos ónus ou encargos (fls. 23 e ss). C) A credora DD apresentou, nos termos do art. 130º do CIRE, a impugnação com a ref.ª ... (fls. 57 e ss), pugnando pela eliminação da condição sob o seu crédito e pela qualificação do seu crédito como privilegiado, por ser crédito laboral, sem qualquer restrição, uma vez tendo sido decidido o processo n.º 1090/15.7T8MAI (Comarca do Proto, Maia, Instância Central, 2.ª Secção de Trabalho – J1), solicitando ao AI a correcção da lista de credores reconhecidos. O Sr. AI declarou nada ter a opor à eliminação da condição, nada dizendo quanto à qualificação do crédito (fls. 68). D) O Sr. AI expôs nos autos a data de constituição dos quatro penhores constituídos sobre o alvará da farmácia, que faz fls. 67. E) O «Infarmed, IP» juntou certidão nos autos, com o reg. ... de 20/4/2016, informando não constar nenhum ónus averbado e registado no alvará n.º ... da farmácia CC e certificando os processos pendentes dos pedidos de registo de penhor desse alvará e do estabelecimento comercial da farmácia, o requerimento pendente de “transição de registos de penhores mercantis” a favor da «EE S.A.» para a «FF S.A.» e o requerimento pendente, subscrito pela «FF S. A.», a solicitar sem efeito o pedido inicial de penhor de alvará da farmácia CC efectuado em 22/2/2010 (fls. 69 e ss). F) Notificados da exposição do Sr. AI indicando a graduação dos penhores constituídos sobre o alvará n.º ... e sobre o estabelecimento de farmácia da insolvente e da certidão do «Infarmed, IP», os credores pronunciaram-se quanto à graduação dos penhores nos seguintes termos: a) a credora «GG, SARL» pugnou pela graduação dos penhores de acordo com os registos promovidos junto do Infarmed, atendendo ao disposto nos arts. 19.º e 19.º-A do DL n.º 307/2007, de 31 de Agosto, “por não poderem os penhores não registados, ser oponíveis a terceiros, por prejudicarem os interesses entretanto adquiridos, nesse período” (fls. 79 e ss, 179 e ss); b) a credora «FF, S.A.» pugnou pela graduação em primeiro lugar do penhor em 1.º grau de que beneficia sobre o alvará, constituído em 06/05/2008 e solicitado registo junto do «Infarmed IP» em 22/2/2010, defendendo a irrelevância da desistência do registo desse penhor (solicitado em 17/7/2015), por, à data da constituição em 2008, não ter esse registo efeitos constitutivos, e só a partir da alteração legislativa do DL 303/2007, de 31 de Agosto, introduzida pelo DL 171/2012, de 1 de Agosto, tal registo ter passado a ter relevo no plano da eficácia para terceiros dos factos sujeitos a registo ou averbamento (fls. 84 e ss, 186 e ss); c) a credora «HH, S.A.» pugnou pela graduação do seu crédito garantido por penhor atendendo à data do pedido do seu registo ao «Infarmed, IP», que refere ter ocorrido em 20/6/2011, tal como o da «BB, PLC» (juntando cópia do pedido e do contrato de constituição do penhor; cfr. fls. 157 e ss); d) a credora «II, S.A.», cessionária da «BB, PLC», pugnou pela graduação do seu crédito garantido por penhor atendendo à data da sua constituição, por contrato de 20/6/2011, invocando que, à data, o registo desse acto não era obrigatório, nem produzia qualquer efeito relativamente a terceiros, reforçando tal entendimento com a alteração do art. 19º-A do DL 307/2007 (revogação dos n.os 4 e 5), promovida pelo DL n.º 75/2016, de 8 de Novembro (fls. 191 e ss). G) O Sr. AI veio aos autos, em requerimento de 20/3/2017, informar que assistia razão à «FF S.A»; logo, “o alvará n.º ..., emitido pelo Infarmed em 14-07-1980, encontra-se onerado com penhor: - A favor do FF S.A., para garantia do Contrato de Financiamento n.º ... de 06/05/2008 e com aumento da garantia por acordo de assunção e regularização de dívida ao estabelecimento comercial em 30/01/2013” fls. 184-185). H) Foi realizada “audiência prévia”, nos termos do art. 136º, 1, do CIRE, destinada a ouvir pessoalmente os credores interessados quanto à graduação dos créditos garantidos por penhor (fls. 195, 278 e ss), não se tendo logrado acordo quanto à forma como deveriam ser graduados, “concretamente se se devia atender à data do registo, na altura em que o mesmo era obrigatório, ou se devia atender à data da respetiva constituição”. I) Em 18/12/2017, foi proferido despacho a declarar a nulidade do penhor de alvará de farmácia, “por estar legalmente impossibilitada, dada a natureza desta licença, a sua venda ou transmissão isolada do estabelecimento que a detém” (fls. 311). Notificada, a credora «FF, S.A.» pronunciou-se pela validade e oponibilidade a terceiros do penhor sobre o alvará de farmácia constituído a seu favor e datado de 6/5/2008, devendo, assim, “ser devidamente reconhecido e graduado em sede de sentença de verificação e graduação de créditos a proferir” (fls. 315 e ss). J) A primeira instância proferiu sentença de verificação e graduação dos créditos (fls. 326 e ss), dispondo (i) julgar procedente a impugnação apresentada pela credora DD e, consequentemente, reconhecer o seu crédito no montante de € 22.487,50 como privilegiado e sem qualquer condição; (ii) reconhecer os demais créditos discriminados na lista apresentada pelo Sr. AI e (iii) graduar tais créditos (fls. 326 e ss); K) Nessa graduação, fixou a seguinte ordem para o “produto da venda do estabelecimento comercial denominado “AA, SA” instalado na rua da ..., nº …, ..., ..., ..., composto pelo alvará de farmácia nº ...; prédio urbano, composto pela fracção autónoma designada pela letra …, descrita na Conservatória do Registo Predial ... ... sob o nº …, inscrito na respectiva matriz em ..., sob o art. ...; e por outros bens móveis”, estabelecimento apreendido para a massa insolvente: “1. Crédito pignoratício do BB, PLC, no montante de € 204.973,41, e crédito pignoratício da HH, S.A., no montante de € 630.907,66, rateadamente e em pé de igualdade; 2. Crédito pignoratício do FF, S.A., no montante de € 556.312,47; 3. Crédito pignoratício da GG, SARL, no montante de € 576.034,69; 4. Os créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores JJ, KK, LL e DD; 5. O crédito privilegiado da Fazenda Nacional, no montante global de € 40.380,51 (todos, com excepção do IUC e do IMI); 6. O crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, IP, no montante de € 7.512,45; 7. Os demais créditos comuns (incluindo os privilegiados e garantidos quanto aos demais bens), rateadamente e em pé de igualdade; 8. Os créditos subordinados, na ordem prevista no art. 48º do CIRE. Os créditos “sob condição” não são pagos no rateio final, a não ser que se tenha verificado a condição determinante da respectiva verificação.” L) Inconformados, vários credores reclamantes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, conforme se verifica a fls. 336 e ss, 347 e ss, 368 e ss, 397 e ss, 415 e ss, e se sintetiza no ac. recorrido, a fls. 522 e ss dos autos. M) Na sequência de arguição de nulidade da sentença recorrida, como fundamento da respectiva apelação, foi proferido despacho nos termos do art. 617º, 1, do CPC e julgada procedente a impugnação da credora LL quanto à qualificação do seu crédito como condicional (fls. 498), o que não mereceu a oposição do Sr. AI (fls. 502-503); em consequência, foi proferido despacho de reforma da sentença, que faz fls. 508, e restringido o âmbito do recurso pela referida recorrente (fls. 509 e ss). N) A segunda instância, em 15/1/2019, julgou improcedente a apelação da credora «MM, SARL» e procedentes as demais apelações, “alterando-se a decisão recorrida relativamente ao segmento da graduação pelo produto da venda do estabelecimento comercial denominado “AA, SA” instalado na rua da ..., nº …, ..., ..., ..., composto pelo alvará de farmácia nº ...; prédio urbano, composto pela fracção autónoma designada pela letra …, descrita na Conservatória do Registo Predial ... ... sob o nº ..., inscrito na respectiva matriz em ..., sob o art. ...; e por outros bens móveis, que é substituído pelo seguinte: 1. Pelo produto da venda do prédio urbano, composto pela fracção autónoma designada pela letra …, descrita na Conservatória do Registo Predial ... ... sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz em ..., sob o artigo ..., serão pagos os seguintes créditos, nesta ordem: 1. Os créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores LL, JJ e KK; 2. Os créditos comuns (incluindo os privilegiados e garantidos quanto aos demais bens), rateadamente e em pé de igualdade; 3. Os créditos subordinados, na ordem prevista no artigo 48.º CIRE. Os créditos sob condição não são pagos no rateio final, a não ser que se tenha verificado a condição determinante da respectiva verificação. 2. Pelo produto da venda do estabelecimento comercial denominado “AA, SA” instalado na rua da ..., nº …, ..., ..., ..., composto pelo alvará de farmácia nº ... e por outros bens móveis, serão pagos os seguintes créditos, nesta ordem: 1. Crédito pignoratício do FF, S.A., no montante de € 556.312,47; 2. Crédito pignoratício do BB, PLC, no montante de € 204.973,41, e crédito pignoratício da HH, S.A., no montante de €630.907,66, rateadamente e em pé de igualdade; 3. Crédito pignoratício da GG, SARL, no montante de € 576.034,69; 4. Os créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores JJ, KK, LL e DD; 5. O crédito privilegiado da Fazenda Nacional, no montante global de € 40.380,51 (todos, com excepção do IUC e do IMI); 6. O crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, IP, no montante de € 7.512,45; 7. Os demais créditos comuns (incluindo os privilegiados e garantidos quanto aos demais bens), rateadamente e em pé de igualdade; 8. Os créditos subordinados, na ordem prevista no artigo 48.º do CIRE. Os créditos sob condição não são pagos no rateio final, a não ser que se tenha verificado a condição determinante da respectiva verificação.” No mais confirmou a decisão de 1.ª instância recorrida. O) Não se conformando com a decisão da segunda instância, a credora reclamante «HH» interpôs o presente recurso de revista, pretendendo substituir-se a decisão recorrida por outra que “julgue procedente a nulidade do penhor constituído sobre o alvará de farmácia, graduando, consequentemente o crédito da Recorrente em primeiro lugar”, e em cujas Alegações formulou as seguintes Conclusões: “A. A ora Recorrente não concorda com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, que contraria a decisão proferida pelo Tribunal a quo, onde no qual considerou nulo o penhor constituído pelo FF sobre o alvará da Insolvente face à indissociação deste com o estabelecimento, devendo ser visto numa universalidade e por isso “estar legalmente impossibilitada, dada a natureza desta licença, a sua venda ou transmissão isolada do estabelecimento que detém aquela - arts. 280º/1, 401º/1 e 680º do CC e que apesar de imperfeitamente expressa, a intenção das partes foi constituir um penhor sobre o estabelecimento em que se integra o alvará, graduando, assim, consequentemente, o crédito do FF em primeiro lugar. B. Entende a Recorrente que, quer o Tribunal da 1.ª Instancia, quer o Tribunal da Relação, ponderaram corretamente a irretroatividade da obrigação do registo imposta pelo do DL 307/2007, graduando-se de acordo com a data de constituição, os penhores constituídos antes da entrada em vigor daquele diploma legal. Todavia, C. Concorda a Recorrente que o estabelecimento comercial constitui, segundo a doutrina tradicional, uma universalidade de direito, um complexo ou unidade económica que integra vários elementos, corpóreos e incorpóreos – bens móveis e imóveis, direito ao arrendamento ou à utilização do espaço, direito de uso do nome do estabelecimento, marcas, patentes de invenção. E que enquanto universalidade, não pode ser decomposto, atomizado, nos seus elementos componentes. D. No caso de alvará de farmácia, este integra a universalidade de direitos que constitui o Estabelecimento de Farmácia, sendo condição necessária para a sua existência. Isto é, a existência de um, está dependente da existência do outro. E. Contudo, não aceita o Recorrente a presunção, salvo o devido respeito, infundada, que o tribunal da Relação faz do texto do contrato subscrito pelo FF e pela Insolvente, ao afirmar que aquele na sua redação está imperfeito, mas que fora intenção das partes constituir penhor sobre o estabelecimento em que se integra o alvará. F. Entender que estamos perante um lapso de escrita ou imperfeição da descrição da vontade das partes, estar-se-ia a pôr em causa a liberdade contratual que irremediavelmente abalará a segurança do comércio jurídico. G. Constituíram a Recorrente e o BB, de boa-fé, penhor sobre estabelecimento de farmácia no pressuposto de sobre aquele não penderia nenhum ónus – requisito essencial para a aceitação da garantia e razão pela qual não foi exigida outra garantia. H. Aceitar a presunção que o Tribunal da Relação faz, é defraudar por completo as expectativas subjacentes ao “negócio” da Recorrente e do BB, que sempre tiveram de boa-fé. I. Tal presunção é ilidível perante a constituição de penhor sobre o estabelecimento que o FF, veio, posteriormente, em 2013 a constituir com a insolvente. J. Caso se tratasse efetivamente de um lapso, por defeito da expressão usada pelo FF na constituição do penhor sobre o alvará, e quisessem aqui as partes referir-se ao estabelecimento comercial, sempre teria o FF aproveitado para aqui retificar e/ou aditar os termos do penhor primeiramente constituído, ao invés de constituir novo penhor. K. É claro, que o FF não o quis fazer, já que o primeiro contrato não enfermava de qualquer erro e muito menos era limitativo na sua intenção, como veio o mesmo a reforçar em sede de reclamação de créditos, quando diferencia as garantias que recaem sobre o seu crédito e quando não impugna (porque aceita) a lista de credores que igualmente faz a distinção das garantias: “penhor em primeiro grau sobre os direitos emergentes do Alvará para funcionamento da Farmácia CC, sita em ..., Rua da ... …, ..., ..., Porto, atribuído pelo Instituto Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. objecto de registo junto sob o nº ...; PENHOR de primeiro grau sobre o Estabelecimento Comercial denominado por Farmácia CC sita em ..., Rua da ... …, ..., ..., ….” L. Entendendo-se que o penhor do FF constituído em 2008.05.06 incidia apenas sobre o alvará da Farmácia, deve este ser considerado nulo, “por estar legalmente impossibilitada, dada a natureza desta licença, a sua venda ou transmissão isolada do estabelecimento que detém aquela – artigos 280.º/1, 401º/1 e 680º do CC.” (…) “e por isso, não se encontra garantido pelo penhor em 1.º grau sobre o alvará para funcionamento da farmácia CC, registado no Infarmed IP, sob o nº ... – conforme vai a decisão do Tribunal da 1ª Instancia. M) Uma vez nulo o penhor sobre o alvará de farmácia, por todas as razões já expostas, sempre terá que ser o crédito da Recorrente graduado em primeiro lugar, e ser pago em paridade e na proporção dos respetivos créditos desta e do BB, Plc.”
P) A recorrida «FF» apresentou contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, dado que o recorrente não havia demonstrado a verificação dos pressupostos exigidos pelo art. 14º do CIRE e, antes disso, “não invoca um único preceito legal que permita sustentar o recurso que interpôs, apenas escorrendo ao longo do seu articulado que não concorda com a decisão recorrida, a qual transcreve em grande parte, alicerçando a sua fundamentação apenas com base no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 03.05.2018”. Quanto aos fundamentos do recurso, pugnou pela sua improcedência.
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO
1. Questão prévia da admissibilidade do recurso A recorrida invocou nas contra-alegações a inadmissibilidade do recurso de revista, porquanto o recorrente não havia demonstrado os pressupostos elencados pelo art. 14º do CIRE. O especial regime dos recursos previsto no art. 14º, 1, do CIRE («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.») tem sido objecto de uma apurada e fundamentada aplicação por parte deste Supremo Tribunal e nesta 6.ª Secção. Em primeira linha, no que respeita ao âmbito de aplicação da disciplina restritiva nele contido em razão da matéria – logo, da amplitude da inibição de acesso de Acórdãos proferidos por Tribunal da Relação ao terceiro grau de jurisdição do STJ, tendo em conta a especialidade da norma de irrecorribilidade –, tem-se uniformemente julgado e decidido que a revista “normal” – independentemente do juízo sobre a condição negativa da “dupla conformidade decisória”, tal como prevista no art. 671º, 3, do CPC – está vedada a todas as decisões proferidas no processo de insolvência (e, extensivamente, no PER e no PEAP), incluindo-se as decisões tomadas nos incidentes que do ponto de vista formal e estrutural integram o referido processo e nele se tramitam (excluindo-se portanto da irrecorribilidade todas as acções e incidentes processados por apenso ao processo de insolvência e PER, a não ser, por expressa previsão legal e constituindo apenso nos termos do art. 41º, 1, do CIRE, os embargos opostos à sentença de declaração de insolvência): v., por ex., os Acs. de 13/11/2014[1] e de 12.8.2016[2], absorvendo igualmente a posição e os fundamentos da doutrina, focada com acerto na relação do n.º 1 com o n.º 2 (quando neste se faz referência a «todos os recursos interpostos no processo ou em qualquer dos seus apensos») do art. 14º do CIRE[3]. Em suma, a razão visada na restrição (ao art. 671º, 1 e 2, do CPC), centrada na particular celeridade e desejada estabilidade processual nas matérias da insolvência (cfr. Preâmbulo, ponto 16, do DL n.º 53/2004, que aprovou o CIRE) e da revitalização pré-insolvencial, aplica-se à tramitação endógena dos processos e deixa de fora a tramitação apensa e adjectivamente autonomizada desses mesmos processos, cujos litígios correm o regime comum (como induz justamente o referido art. 14º, 2, do CIRE). Para essa tramitação endógena tão-só se admite que se precluda a limitação do direito de recurso a um grau apenas nos casos de oposição de acórdãos em matéria relativamente à qual não exista ainda uniformização de jurisprudência (2.ª parte do art. 14º, 1). Assim sendo, a disciplina do art. 14º, 1, do CIRE não se aplica aos incidentes que correm por apenso, como o de verificação e graduação de créditos (art. 132º do CIRE)[4]. Tendo o acórdão recorrido revogado parcialmente a decisão proferida em primeira instância, o recurso de revista é admissível, nos termos do art. 671º, 1, do CPC, estando ademais reunidas as condições gerais de admissibilidade previstas no art. 629º,1, do CPC.
2. O objecto do recurso As questões a decidir, que emergem das Conclusões das alegações da Recorrente, dizem apenas respeito ao segmento da graduação dos penhores constituídos em benefício dos credores reclamantes da insolvente, relativos ao produto da venda do estabelecimento comercial denominado “Farmácia CC”. E são: — qual é o objecto do penhor constituído em 6/5/2008 a favor da «EE, S.A.», depois «FF, S.A., que incidiu “sobre os direitos emergentes do Alvará para funcionamento da Farmácia CC”, para garantia de pagamento das obrigações resultantes do contrato de mútuo/financiamento nessa data celebrado com NN, depois assumidas pela insolvente «AA, S.A.» por acordo celebrado em 30/1/2013; — a validade do penhor tendo como objecto (assim dito) o alvará atribuído pelo «Infarmed IP» ao estabelecimento de farmácia da propriedade de NN e, depois, da insolvente. As questões são assim identificadas por aquela ordem, uma vez que a resposta à primeira é susceptível de prejudicar o conhecimento da segunda, uma vez considerada a aplicação do art. 608º, 2, 1ª parte, do CPC. Verifica-se, nesse contexto das questões a que se visa responder neste julgamento, que a Recorrente invoca, para o efeito de lograr o resultado da nulidade do penhor tendo por alegado objecto o referido alvará, a aplicação dos arts. 280º, 1, 401º, 1 e 680º do CCiv., sendo esses preceitos os que foram sustento para a sentença de 1.ª instância, revogada nessa parte pelo acórdão recorrido da Relação do Porto.
3. Factualidade A instância recorrida considerou relevante a seguinte matéria de facto: 1. Em 06.05.2008, o EE, S.A., ao qual sucedeu entretanto o FF, S.A., celebrou com NN – legal representante e detentora da Insolvente AA, S.A. –, um contrato de empréstimo a que foi atribuída a referência interna FRC 1517/08, no âmbito do qual lhe concedeu um financiamento no montante de € 800.000,00, para apoio à tesouraria. 2. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do não cumprimento de qualquer obrigação deste contrato (a saber, reembolso do capital, pagamento dos juros moratórios e remuneratórios, despesas judiciais e extrajudiciais, honorários, custas e saldos devedores) a mutuária constituiu a favor do Recorrente, livre de ónus e encargos anteriores, penhor sobre os direitos emergentes do Alvará para funcionamento da Farmácia CC, sita em .., Rua da ..., …, ..., ..., Porto, atribuído pelo Instituto Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., objecto de registo junto sob o número .... 3. Por escrito particular denominado por Acordo de Assunção e Regularização de Dívida de 30 de Janeiro de 2013, a Insolvente, devida e validamente representada, assumiu, por assunção de dívida perante o EE, S.A., sem reserva e condição, o cumprimento da obrigação emergente do financiamento composta de capital, juros e encargos. 4. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do não cumprimento de qualquer obrigação do presente Acordo de Assunção e Regularização de Dívida (a saber, reembolso do capital, pagamento dos juros moratórios e remuneratórios, despesas judiciais e extrajudiciais, honorários, custas e saldos devedores) a Insolvente constituiu a favor do EE penhor de primeiro grau sobre o Estabelecimento Comercial (e direitos que o integram) denominado por Farmácia CC, sito em Lugar do Forno, Rua ..., …, ..., ..., Porto. 5. Em 23.04.2013 [lapso, correcção resultante dos autos: o ano é 2010[5]], NN – mutuária – na qualidade de accionista da Insolvente transmitiu, a título de entrada em espécie no capital social da AA, ora Insolvente, o estabelecimento comercial denominado Farmácia CC. 6. Em 20.06.2011, os Credores BB PLC e HH, S.A., celebraram com a Insolvente, AA, S.A., um contrato de penhor no qual foi constituído penhor sobre o estabelecimento comercial denominado “Farmácia CC”, com o alvará n.º ..., para garantia de um mútuo no valor de € 1.000.000,00. 7. Em 30.09.2013, a OO, CRL, celebrou com a Insolvente, AA, S.A., um contrato de penhor no qual foi constituído penhor sobre o estabelecimento comercial denominado “Farmácia CC”, com o alvará n.º .... 8. A OO cedeu, posteriormente, o crédito à GG, SARL, que o cedeu a MM, SARL, oportunamente habilitado. 9. O averbamento deste ónus foi requerido ao INFARMED, IP em 16.01.2015; 10. Em 30.01.2013, o EE, S.A., celebrou com a Insolvente um contrato de assunção e regularização de dívida nos termos do qual foi constituído penhor sobre o estabelecimento comercial denominado “Farmácia CC”, com o alvará n.º .... 11. O averbamento deste ónus foi pedido ao INFARMED, IP em 30.07.2013. 12. No auto de apreensão o Sr. Administrador de Insolvência atribuiu ao estabelecimento comercial denominado AA S.A., instalado na Rua da ... n.º …, ..., ... ..., os seguintes valores: - Alvará n.º ..., emitido pelo Infarmed em 14.07.1980: € 1.184.760,00 - Bem imóvel: € 72.370,00 Bens móveis: - Conjunto mobiliário: € 200,00 - Conjunto material informático e administrativo: € 150,00 - Conjunto equipamento farmacêutico: € 370,00 - Medicamentos e outros produtos de farmácia (stock): € 42.500,00. 13. Por escritura notarial foi outorgado[,] por um lado, o trespasse do estabelecimento comercial denominado “Farmácia CC”, constituído por alvará e outros bens móveis pelo preço de € 864.062,65 e, por outro lado[,] a compra e venda do imóvel inscrito no Registo Predial sob o nº ... e na matriz predial sob o artigo ..., pelo preço de € 50.937,35, devidamente autonomizados. 14. LL, JJ e KK eram trabalhadores da insolvente, exercendo suas funções no imóvel sito em .., Rua da ..., …, ..., ..., ….
4. O direito aplicável 4.1. A questão de saber se o contrato de penhor celebrado em 6/5/2008 a favor da «EE»/depois «FF» deve ou não ter como objecto reconhecido o estabelecimento comercial de farmácia, entretanto trespassado por entrada em espécie para a insolvente, limita-se, em recurso de revista, ao conhecimento da correta aplicação, pela decisão recorrida, das regras substantivas de interpretação do negócio jurídico (arts. 236º-238º CCiv.). * A decisão recorrida discorreu assim: “Na verdade, apesar de imperfeitamente expressa, a intenção das partes foi constituir penhor sobre o estabelecimento em que se integra o alvará: a intenção das partes era constituir um penhor sobre o estabelecimento para garantia do crédito concedido pelo apelante (cfr. artigo 236.º, n.º 2, CC). Sublinha-se que a insolvente não questionou a validade do penhor do alvará, e o Sr. Administrador da insolvência interpretou a penhora do alvará como penhora do estabelecimento. O que sucedeu foi que as partes, cientes do valor do alvará no todo que constitui o estabelecimento, tomaram a parte pelo todo e enunciaram como objecto do penhor o direito ao alvará da farmácia, quando efectivamente a garantia era constituída pelo estabelecimento. Recorde-se que, antes da consagração legal da penhora do estabelecimento enquanto universalidade (artigo 862.º A, CPC pregresso), era frequente o exequente nomear à penhora “o direito ao arrendamento e ao trespasse”, o que era entendido pela jurisprudência como penhora do estabelecimento (…). No sentido da convolação do penhor do direito ao alvará em penhora do estabelecimento se pronunciou o acórdão da Relação de Guimarães, de 2018.05.03, Pedro Damião e Cunha, www.dgsi.pt.trg, proc. n.º 2601/14.0T8VNF-B.G1”. * A reclamante (agora Recorrente) alegou não aceitar a “presunção infundada” de que fora intenção das partes constituir penhor sobre o estabelecimento em que se integra o alvará, referindo que entender-se o escrito no acordo como uma imperfeição da descrição da vontade das partes coloca em causa a liberdade contratual, as expectativas das partes e a segurança do comércio jurídico. Mais refere que essa “presunção” terá sido elidida pela constituição de penhor sobre o estabelecimento que a «FF» celebrou em 2013 com a insolvente: “caso se tratasse efetivamente de um lapso, por defeito da expressão usada pelo FF na constituição do penhor sobre o alvará, e quisessem aqui as partes referir-se ao estabelecimento comercial, sempre teria o FF aproveitado para aqui retificar e/ou aditar os termos do penhor primeiramente constituído, ao invés de constituir novo penhor. / (..) o FF não o quis fazer, já que o primeiro contrato não enfermava de qualquer erro e muito menos era limitativo na sua intenção”. * A Recorrida «FF S.A.» pugnou neste processo pela validade da constituição desse penhor e pela relevância da sua data de constituição, tendo em vista a sua prioridade como garantia em face de outros credores reclamantes, em detrimento do seu registo junto do Infarmed e, a final, veio aderir à posição decisória expressa pela Relação do Porto, “no sentido que quando as partes declaram constituir um penhor que tem por objeto o alvará de Farmácia, tal declaração deve ser interpretada no sentido de que o que pretendiam eleger como objeto do penhor era o Estabelecimento Comercial de Farmácia, no seu todo”. 4.2. O chamado “direito ao alvará” de farmácia e a sua relação com a farmácia como estabelecimento-empresa têm sido merecedores de alguns equívocos na sua apreciação jurídica. Para a sua clarificação, teremos que lançar mão do DL 307/2007, de 31 de Agosto, que estabelece o regime jurídico das farmácias de oficina, sendo a sua vigência a pertinente para se aplicar ao estabelecimento de farmácia da insolvente. Esse regime impõe um controlo público para a instalação e exploração lícitas das actividades e serviços «de saúde e de interesse público» (art. 2º) prosseguidos pelas farmácias. Esse controlo cabe ao «Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos, I.P.» (antes: Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento) e faz-se originariamente através de um procedimento de «licenciamento», composto por concurso para pré-selecção dos candidatos e emissão de “alvará” (requerido pelo particular interessado). A atribuição de “alvará” é pressuposto para abertura ao público e é emitido em nome e em benefício do proprietário da farmácia, ainda que sempre imputado às condições concretas de funcionamento e localização da farmácia (art. 25º, 1-4, 6). Esse procedimento conduz à prática de um acto administrativo[6] da Administração Pública Estadual indirecta, na modalidade de acto primário permissivo, e configura uma típica autorização: “acto pelo qual um órgão da Administração permite a alguém o exercício de um direito ou de uma competência preexistente”; “alguém é titular de um direito subjectivo, mas a lei estabelece que esse direito só pode ser exercido mediante autorização prévia, dada caso a caso pela autoridade administrativa competente, pelo que o particular, se pretende exercer o seu direito, tem de dirigir-se à Administração Pública, requerendo que lhe seja conferida autorização para esse fim. O direito pertence ao particular, não é a autorização que lho confere: ele já é titular do direito, mas o respectivo exercício está condicionado pela necessidade de obter uma autorização prévia da Administração Pública”[7]. Em suma, sendo o particular titular do direito de propriedade do estabelecimento de farmácia e dos poderes e faculdades jurídicos inerentes que lhe permitem a exploração e gestão das actividades típicas do objecto desse estabelecimento, contudo, o exercício desses poderes e faculdades só é legítimo se e depois do interesse privado subjacente ser fiscalizado pelo interesse público com que potencialmente se confronta e se deve equilibrar[8]. Passando em sentido positivo esse teste de controlo público, que incide sobre os requisitos legais de aptidão e funcionamento e aspira a uma declaração de conformidade ou não conformidade[9], o “alvará” corresponde ao título (sob a forma de documento) constitutivo da autorização para o exercício lícito, na alçada público-administrativa, da realização e exploração (originariamente pelo proprietário) da actividade de farmácia[10]. Supervenientemente, «a alteração da propriedade ou a transferência da localização da farmácia estão sujeitas a averbamento no alvará, disponibilizado em local apropriado no sítio eletrónico do INFARMED, I. P., de forma a permitir a consulta pública do mesmo» (art. 25º, 5), ficando os pedidos de averbamento sujeitos a novo teste de controlo público sobre o novo explorador da farmácia e o cumprimento dos requisitos legais (art. 25º, 6). Isto é, o “alvará”, nessa oportunidade, será averbado para se comprovar uma autorização sucessiva (a decisão do averbamento), sempre que se altere a propriedade originária de acordo com os factos jurídicos que a proporcionam, no âmbito do regime previsto pelo art. 18º (maxime, por trespasse ou locação de estabelecimento e sucessão mortis causa). O art. 42º, 1, dispõe: «Sem prejuízo de outras sanções que ao caso couberem, as farmácias, postos farmacêuticos móveis e postos de medicamentos podem ser encerrados pelo INFARMED quando não cumpram os requisitos de abertura e funcionamento, designadamente não disponham de alvará, ou o mesmo não contenha os averbamentos obrigatórios nos termos do presente decreto-lei, ou não disponham de diretor ou responsável técnico.» Tendo em conta o n.º 2, «[s]e o incumprimento referido no número anterior não afetar a saúde pública e a confiança dos utentes, ou noutros casos devidamente justificados, o encerramento pode ser temporário e limitado ao período necessário à correção das desconformidades detetadas.» «A abertura da farmácia ao público sem a atribuição do respetivo alvará ou a falta de averbamento em casos de alteração da propriedade ou de transferência da localização, previstas nos n.os 3 e 4 do artigo 25.º» constitui contra-ordenação muito grave (art. 48º, 1, f)) e, em acrescento e em simultâneo, poderão esses ilícitos merecer o decretamento das sanções acessórias do art. 49º: «a) Perda de objectos pertencentes ao agente; b) Encerramento do estabelecimento; c) Suspensão do alvará; d) Privação do direito de participar em concursos públicos que tenham por objecto a concessão de serviços públicos ou a atribuição de licenças ou alvarás.» [11] O “alvará” (em rigor, a sua emissão e averbamento) corresponde(m), pois, ao acto jurídico instrumental e executivo da autorização permissiva praticada pela autoridade pública competente[12]. Traduz-se num título comprovativo da prática do acto administrativo de autorização, apto a formalizar (ou externalizar) a atribuição ao seu titular beneficiário (originário ou superveniente) do direito de exploração do estabelecimento (condicionado ao cumprimento de requisitos substanciais)[13] e do dever geral de cumprimento das obrigações legais de actuação e funcionamento (objectivo e subjectivo) das farmácias de oficina (sob pena, conforme os casos, de indeferimento de emissão, caducidade, cassação[14]), enquanto actividade de interesse e ordem pública. A sua emissão e averbamento[15] pela autoridade administrativa competente são, em termos executivos, condições de exercício efectivo da actividade farmacêutica num estabelecimento de farmácia concreto, uma vez que esse acto administrativo de autorização – enquanto acto de “colaboração administrativa”[16] que o “alvará” executa e dá corpo – é, em termos substanciais, condição jurídico-administrativa para a abertura e manutenção da exploração desse estabelecimento de farmácia, ou seja, para o exercício desta actividade económico-comercial, restringida por lei em função desse interesse público[17].[18]
4.3. O “alvará” emitido ou averbado não é um elemento ou bem ou meio empresarial do estabelecimento de farmácia. Meios da empresa são os factores produtivos – “os objetos e instrumentos de trabalho ou capital, e o trabalho” –, os outros bens que primordialmente (ou também) a individualizam ou identificam – como os logótipos, recompensas, marcas, etc. – e as situações ou relações de facto com valor económico-patrimonial – correspondentes ao saber-fazer (“ou tecnologia, no sentido de conhecimentos não patenteados e/ou não patenteáveis de caráter científico, técnico ou empírico aplicados na prática empresarial, incluindo os ‘segredos comerciais’”)[19] e às experiências acumuladas de negócio, como instrumentos estrutural-funcionalmente inseridos e envolvidos na “organização produtiva que a empresa é”[20]. No contexto da coisa imaterial ou incorpórea complexa e funcionalmente “sui generis” em que a empresa se assume – não é universalidade, nem de direito nem de facto[21] –, o direito à exploração do estabelecimento de farmácia, atribuído pela autorização do Infarmed e comprovado pelo “alvará” (emitido e averbado), não se integra em qualquer desses elementos ou bens componentes da unidade que a empresa constitui. Antes se radica numa situação jurídica necessária à prossecução da actividade empresarial e que acompanha a circulação negocial da empresa. Como tal, é algo de prévio ou pressuposto ao funcionamento da organização produtiva, sem a qual a empresa farmacêutica não pode arrancar ou subsistir, mesmo que a empresa como “complexo de bens de produção organizados”[22] esteja apta a realizar o seu fim económico-produtivo. E, portanto, é requisito (fundante e condicionante) para o aviamento objectivo da empresa, sendo este qualidade (e não “coisa”) própria da empresa preparada para intervir no mercado e realizar o fim para a qual foi configurada nos seus elementos e articulada globalmente num todo diferente da mera soma das partes[23] (em termos simples, a sua “capacidade de rendimento ou lucro”[24]). Por isso, essa situação jurídica – e o “alvará” em que se constitui como seu título executivo-instrumental – tem valor económico e este valor é parte decisiva do valor de negociação ou de mercado do estabelecimento de farmácia concreto. Não enquanto meio ou elemento da empresa – antes como um prius para o reconhecimento dos meios empresariais como partes do sistema novo que a empresa é. Não enquanto «coisa» que (tal como exige o art. 202º, 2, do CCiv.) possa ser individualizada, objecto de domínio/apropriação e transmissão – antes como titularidade jurídica insusceptível de coisificação e de fazer incidir licitamente direitos sobre o “direito sotoposto”, uma vez que este é intransferível pela sua natureza, mas traduzindo-se para o titular em posição economicamente vantajosa na sua ligação incindível (e acessória) com o estabelecimento (de tal modo que só dominando juridicamente o estabelecimento-coisa se pode usufruir dessa posição)[25]. O que significa que, não sendo parte cindível em relação à organização-empresa, mesmo em caso de trespasse ou locação do estabelecimento autorizado juspublicamente, não se transmite (porque não é transmissível) o “alvará” (ainda que emitido ou averbado em nome do titular do estabelecimento), antes permanece (ainda que com possibilidade de revisão por parte da autoridade administrativa aquando do averbamento) como situação jurídica com valor económico-patrimonial (muito relevante, por corresponder a autorização pública insuprível) para o valor do estabelecimento aviado – sendo esse valor autonomizável e ponderável enquanto parte do “valor de aviamento” do estabelecimento de farmácia[26]-[27].
4.4. Aqui chegados, cabe perguntar, atendendo às regras de interpretação vigentes no CCiv.: o que deve ser entendido quando as partes do contrato de mútuo/financiamento, celebrado em 6/5/2008, constituem como garantia real do cumprimento das obrigações contratuais um penhor sobre “os direitos para si emergentes do alvará para funcionamento da Farmácia CC” (cláusula 14.1., fls. 110 dos autos)? Esses “direitos emergentes” – melhor, esse direito de exploração autorizado pela autoridade administrativa – estão/está na titularidade do seu proprietário ou titular de exploração na relação com essa autoridade administrativa. Mas está exclusivamente afectado ao exercício da actividade para a qual o estabelecimento constitui o suporte e o instrumento enquanto elemento essencial ao seu aviamento (porque o condiciona e o potencia). A sua vinculação ao estabelecimento justifica que dele seja indissociável como um valor imperativo da sua aptidão de funcionamento. Portanto, quando as partes constituem penhor sobre tais “direitos emergentes”, para garantia de um financiamento bancário destinado à prossecução do objecto do estabelecimento (“apoio de tesouraria”, como se lê na cláusula 2., fls. 109 dos autos – “empréstimo mercantil”, nos termos do art. 394º do CCom.[28]), é razoável compreender que um declaratário normal, medianamente instruído, diligente e experiente, colocado na posição daquele declaratário concreto e em face do comportamento dos declarantes, apreendesse com essa declaração negocial, ainda que imperfeita ou inexacta, constituir penhor sobre o estabelecimento como um todo e não sobre um título que não é apropriável nem transmissível. Esse é “o sentido típico que um declaratário típico teria tipicamente entendido naquela situação típica”[29]. Acresce que, em favor dessa tipicidade interpretativa no caso, tal cláusula, identificada com esse quid, encontrava a sua regulação na “condição geral” 27. do contrato, que disciplinava (e vinculava as partes enquanto contrato de adesão) justamente o “Penhor/Estabelecimento comercial” (cfr. fls. 111 dos autos). Razoável é, portanto, compreender que as partes contratantes se tenham expressado sobre tais “direitos emergentes do alvará” como referência ao facto de ser o estabelecimento garante necessariamente privilegiado com essa condição público-administrativa para o respectivo exercício empresarial, devidamente traduzida pelo “alvará” emitido ou averbado (enquanto “pura execução” do acto de autorização[30]). Também naturalmente sabendo então que – como igualmente é razoável considerar para efeitos de decifrar o sentido de uma cláusula de garantia, tendo em vista os interesses em jogo nessa cláusula – o valor global do estabelecimento será superior ao valor conferido pela titularidade do “alvará”, passado pelo Infarmed ao estabelecimento e integrado no seu goodwill susceptível de avaliação. Esta compreensão é reforçada pelos termos das declarações negociais, que envolvem a economia do contrato de mútuo/financiamento celebrado em 6/5/2008 quanto às suas garantias de cumprimento. Verifique-se a cláusula (particular) 14.3.: “Os Garantes conferem ainda ao EE os poderes para, em seu nome e representação, alienar extraprocessualmente os direitos inerentes ao alvará ora empenhado, nos termos, condições, a quem e por intermédio de quem entender conveniente. O mandato conferido no presente número apenas poderá ser utilizado caso, na data de vencimento das obrigações garantidas, estas não forem cumpridas.” Este mandato – em rigor, procuração com representação própria, no caso condicionada – conferido ao banco mutuante atribui poderes que devem ser compreendidos para a alienação do estabelecimento, pois este bem unitário é o que o declaratário diligente e experiente compreenderia como objecto da procuração. E não se antevê que, no âmbito de uma mesma cláusula visando as garantias do cumprimento, se distinguisse sem mais entre o objecto de garantia dada em penhor e o objecto de “mandato” conferido em caso de incumprimento. Por outro lado, no momento da assunção da dívida do contrato celebrado em 2008, feita em 2013 (“acordo de assunção e regularização de dívida”, fls. 114 e ss), note-se que as partes – as mesmas partes de 2008, acrescidas apenas da nova proprietária do estabelecimento, a «AA, S.A.», que assume a dívida – tiveram a oportunidade de expressar de forma completa e perfeita que o contrato de financiamento se garantia (também e em termos jusreais) por um “penhor de primeiro grau sobre o estabelecimento comercial denominado «Farmácia CC»” (cláusula 5.ª, 1, fls. 115-verso dos autos), sujeito ao regime do DL 29.833, de 17 de Agosto de 1939 (cfr. cláusula 4.ª, fls. 116). Inclusivamente, acentuaram então as partes, mesmo que fosse dispensável, que (n.º 2 dessa cláusula 5.ª), “[p]ara além dos bens que integram o estabelecimento comercial, este penhor abrange o direito ao trespasse do estabelecimento e, caso exista, o direito ao arrendamento do local onde o mesmo se encontra instalado”. Ora, estas cláusulas não podem deixar de ter a importante função intersubjectiva posterior de esclarecer o sentido jurídico a apurar da cláusula 14, 1, do contrato de mútuo/financiamento de 2008 (pois dele se tratava nesse acordo de 2013), nomeadamente se estivermos cientes que o regime legal do penhor não exigiria nova convenção de garantia, atendendo ao teor do art. 599º, 2, do CCiv. («Mantêm-se nos mesmos termos as garantias do crédito, com excepção das que tiverem sido constituídas por terceiro ou pelo antigo devedor, que não haja consentido na transmissão da dívida.») e, para esse regime, ao facto de o antigo devedor (NN) ter sido parte do acordo de assunção de dívida e consentido tacitamente na sua transmissão. Como adverte a doutrina, quanto às circunstâncias atendíveis para a interpretação, é de considerar “os modos de conduta por que posteriormente se prestou observância ao negócio concluído”[31] – abrangendo-se esse comportamento declarativo das partes em 2013 neste âmbito de decifração do sentido negocial no contrato de 2008. Em suma, temos penhor constituído sobre o estabelecimento comercial de farmácia, seja em 2008, seja em 2013 – sentido jurídico que, para 2008, é imputável aos declarantes e com ele não podiam razoavelmente deixar de contar, nos termos do art. 236º, 1, in fine, do CCiv. E penhor sobre estabelecimento comercial admissível e válido à luz do art. 280º do CCiv.[32] Importa sublinhar, por fim, que a esta conclusão não obsta o que dispõe o n.º 1 do art. 238º do CCiv. sobre os negócios formais, como este em que se consubstancia o penhor sobre estabelecimento de farmácia[33]: exige-se que a declaração prevalecente pela impressão do destinatário tenha, na letra do negócio, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, já que é através dela que o declaratário conhece a vontade do declarante, sendo que, por seu turno, é nela que se consubstancia a declaração negocial[34]. Porém, não estamos num desses casos limitativos da interpretação-regra (que ainda poderiam recorrer à legitimação do art. 238º, 2, CCiv.). Antes estamos perante uma declaração cujo sentido extraído da impressão do destinatário encontra correspondência ainda objectivamente abrangida, como se viu, pelos termos da declaração negocial (e, reitere-se, coberta pela “condição geral” 27. do contrato). * Improcedem, pois, as Conclusões da Recorrente e merece acolhimento a decisão do acórdão recorrido. Ademais, fica prejudicada a análise da restante questão identificada como decidenda, em aplicação do art. 608º, 2, 1ª parte, do CPC.
III. Decisão Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido na graduação dos créditos pignoratícios relativos ao “produto da venda do estabelecimento comercial denominado ‘Farmácia CC’”. Custas pela Recorrente.
STJ/Lisboa, 29 de Outubro de 2019
Ricardo Costa (Relator)
Assunção Raimundo
Ana Paula Boularot
SUMÁRIO (arts. 663º, 7, 679º, CPC)
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