Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAUL BORGES | ||
Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU RELATÓRIO SOCIAL PRINCÍPIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO SUBTRACÇÃO DE MENOR CONSUMAÇÃO RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/18/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – LEI CRIMINAL / MOMENTO DA PRÁTICA DO FACTO – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE / CRIMES CONTRA A FAMÍLIA / SUBTRACÇÃO DE MENOR. | ||
Doutrina: | - Agostinho Soares Torres, As alterações à Lei 65/2003 de 23 de Agosto (Lei do Mandado de Detenção Europeu), introduzidas pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, Revista Julgar, n.º 28, Janeiro-Abril 2016, p. 13 a 42; - Anabela Miranda Rodrigues, O Mandado de Detenção Europeu, na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 1, p. 23 e ss.; - Battaglini, Teoria Inf. Crim., p. 111 a 113; - Bettiol, Direito Penal, Volume III, p. 175; - Cuello Calón, Direito Penal, Volume I, p. 281; - Euclides Dâmaso Simões, A importância da cooperação judiciária internacional no combate ao branqueamento de capitais, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 3, p. 423 a 473; - Luís Lemos Triunfante, Os novos instrumentos legislativos nacionais em matéria de reconhecimento mútuo de decisões penais pre e post sentenciais no âmbito da União Europeia, Revista Julgar, n.º 28, Janeiro-Abril 2016, p. 43 a 57; - Mário Elias Soltoski Júnior, O controlo da dupla incriminação e o mandado de detenção europeu, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 3, p. 475 a 494; - Ricardo Jorge Bragança de Matos, O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n. º 3, p. 325 a 367. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 3.º E 249.º, N.º 1, ALÍNEA C). LEI N.º 65/2003, DE 23 DE AGOSTO: - ARTIGO 12.º, N.º 1, ALÍNEA H), PONTO I). LEI N.º 35/2015, DE 4 DE MAIO. LEI N.º 158/2015, DE 17 DE SETEMBRO: - ARTIGO 26.º. | ||
Legislação Comunitária: | DECISÃO QUADRO N.º 2002/584/JAI, DE 13 DE JUNHO DE 2002. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 02-01-2008, PROCESSO N.º 4850/07; - DE 30-03-2010, PROCESSO N.º 75/10.4YRLSB.S1; - DE 29-09-2010, PROCESSO N.º 143/10.2YRCBR.S1; - DE 29-06-2011, PROCESSO N.º 415/11.9YRLSB.S1; - DE 09-05-2012, PROCESSO N.º 27/12.0YRCBR.S1; - DE 23-05-2012, PROCESSO N.º 687/10.6TAABF.S1; - DE 25-07-2014, PROCESSO N.º 71/14.2YRCBR.S1. | ||
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Sumário : | I - A Lei 65/2003, de 23-08, não contém norma que imponha ou sequer refira a necessidade de elaboração de relatório social em pedido de execução de MDE, e no que respeita à aplicação subsidiária do CPP, resulta da inserção sistemática e do próprio texto da norma contida no art. 370.º, n.º 1, que o relatório social está primacialmente previsto tendo em vista a correcta determinação da sanção, o que não se justificaria de pleno numa decisão que visa pedido de entrega de procurado para efeitos de procedimento penal. II - É admissível, em sede de MDE emitido pelas Autoridades Judiciárias de França, a entrega de cidadão nacional, para efeitos de procedimento criminal por crime de subtracção de menor, face ao disposto no art. 2.º, n.º 1 e 3 da Lei 65/2003, dado verificar-se o requisito de dupla incriminação do facto, pois nos termos do disposto no art. 249.º, n.º 1, al. c), do CP, o crime de subtracção de menor é punível com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias. III - Ao processo de execução de MDE são aplicáveis as normas constantes da Lei 65/2003 e, subsidiariamente, o CPP, mostrando-se desprovida de qualquer fundamento a pretensão do recorrente no sentido de serem aqui aplicadas as normas constantes da Lei 144/99, de 31-08, a qual, em matéria de extradição, nos países da União Europeia, foi substituída pelo MDE, pelo que, atenta a moldura penal do crime imputado ao recorrente (limite máximo de 3 anos que se situa acima do limite de 12 meses previsto no n.º 1 do art. 2.º da Lei 65/2003), e não sendo a nacionalidade portuguesa do procurado impedimento à sua entrega no âmbito da execução de mandado de detenção europeu, não se verifica obstáculo à entrega do recorrente. IV - Estando em causa o desrespeito ou violação do determinado por tribunal francês em sede de regulação das obrigações parentais estabelecidas a propósito do menor, sendo que o pai, ora requerido, em vez de o entregar à mãe como lhe competia, não o fez, trazendo-o para Portugal onde se encontra, frequentando inclusive a escola, tendo o mesmo praticado um crime de subtracção de menor que se consumou-se com a não entrega do menor à mãe e desde então e em todo o ciclo, há conduta ininterrupta ilegal, verificando-se uma consumação continuada ou uma consumação seguida de uma persistente violação do bem jurídico, sempre teria de ser afastada a possibilidade de intervenção dos tribunais portugueses, pois os factos tiveram a sua génese em França e dentro de um quadro regulador cujos parâmetros foram traçados pelo tribunal francês, não se verificando a causa de recusa facultativa prevista no art. 12.º, n.º 1, als. h) e i) da Lei 65/2003. V - Estando a entrega de cidadãos nacionais coberta pelo n.º 5 do art. 33.º da CRP, sendo de afastar a causa de recusa invocada, sendo determinada e confirmada a entrega sem se mostrar violado qualquer preceito constitucional ou da CEDH, mostrando-se prestada a garantia a que alude o art. 13.º, al. c), da Lei 65/2003, é improcedente a violação dos arts. 2.º, n.º 2 e 18.º, n.º 2, da CRP e 6.º e 8.º da CEDH invocada pelo recorrente. | ||
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Decisão Texto Integral: |
O Exmo. Procurador-Geral Distrital Adjunto no Tribunal da Relação do Porto promoveu em 15 de Fevereiro de 2018, ao abrigo do disposto do artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, no âmbito do pedido de execução de Mandado de Detenção Europeu emitido pelas Autoridades Judiciárias de França, a apresentação do cidadão português AA, [...], com residência conhecida em França em [...], requerendo a sua audição para os efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto. O Mandado de Detenção Europeu foi emitido em 25 de Janeiro de 2018 pela Juíza de Instrução junto do Tribunal de Grande Instance de Privas, instrução com o n.º JICABJI 217000028, para efeitos de procedimento criminal, pelo crime de Soustraction de mineur par ascendant hors du territoire de la République française (subtração de menor por um progenitor fora do território da República Francesa), previsto e punido pelos artigos 227.º - 7 e 227.º - 9 do Código Penal Francês. A pessoa procurada foi detida às 9:00 horas do dia 15 de Fevereiro de 2018 pela PSP de Matosinhos, conforme fls. 4.
***** Finda a audição do procurado, foi julgada válida a detenção efectuada e determinada a sua restituição à liberdade, mediante a sujeição à medida de coacção de obrigação de apresentação bissemanal, às 2.ª feiras e 6.ª feiras, da parte da manhã, na Esquadra da PSP de Matosinhos, tudo conforme auto de audiência de fls. 44 a 47. Ouvido o Ministério Público, que nada opôs, foi concedido o prazo de 10 dias para o requerido apresentar oposição, nos termos do artigo 21.º, n.º 4, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto. ***** ***** O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto respondeu à oposição, conforme fls. 161-164, pronunciando-se no sentido de o MDE reunir todas as condições para ser concedida a entrega. ***** Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Março de 2018, constante de fls. 180 a 201, ora decisão recorrida, foi deliberado: “- Julgar improcedente a oposição à execução do Mandado de Detenção Europeu; - Deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu e, em consequência, determinar a entrega do cidadão português AA às Autoridades Judiciárias da República de França, para efeitos de procedimento criminal pelos factos mencionados no mandado, consignando-se que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade. A entrega fica sujeita, na sua execução, à condição de a autoridade judiciária do Estado-membro de emissão prestar garantia de que o requerido será devolvido a Portugal para cumprimento da pena ou medida de segurança privativa da liberdade em que venha a ser condenado em França. Sem Custas. Comunique, desde já e independentemente do trânsito desta decisão, à autoridade judiciária de emissão do mandado, solicitando a prestação, no prazo de 5 dias, da garantia exigida (cf. artigo 5.º, n.º 3, da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI), com menção de que a entrega não será executada antes de prestada a garantia. Notifique. Comunique ao SEF e ao Gabinete SIRENE. Após trânsito, proceda-se às diligências necessárias à entrega do requerido às Autoridades Judiciárias da República de França, no prazo de dez dias (cf. artigo 29.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003 de 23-08)”. ***** Não se conformando com o decidido, o requerido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 216 a 227, que remata com as seguintes conclusões: 1. Conforme consta da folha 4 do douto acórdão, “foi solicitado relatório social relativo ao enquadramento social, familiar e profissional do requerido, que não veio a ser realizado”. (sic) 2. O douto acórdão não explica por que não foi feito. E o recorrente sempre esteve à disposição das autoridades. 3. Relatório que teria interesse ou até seria fundamental para os fins a que se destinava. 4. Assim, não tendo sido realizada essa diligência, não podia ter sido proferido acórdão, pelo que o mesmo é nulo, devendo realizar-se as diligências com vista ao relatório, e só depois poderá ser proferido acórdão. 5. A pena a aplicar em França vai até 3 anos pelo que o requerente não pode ser extraditado. 6. Como se disse, o requerente é português e nada tem a ver com França, onde não tem bens nem família. 7. É em Portugal que trabalha e tem uma empresa, conforme doc. junto no Tribunal de Família de Matosinhos. 8. É em Portugal que o requerente está integrado, aqui mora, trabalha e tem família. É França é desterrado. E a pena do desterro está proibida. 9. Há violação da ordem pública portuguesa. 10. O requerente não pode ser extraditado, e se o fosse tinha de ser de forma diferida ou condicionalmente. 11. Conforme consta do douto acórdão, página 17, a infracção foi em parte também cometida no território português, artigo 12, n.º 1, alínea h, ponto i). 12. Isto é uma causa de recusa facultativa de execução. A sua melhor ponderação resultaria do inquérito social que nunca foi feito, como no início se explicou. 13. O requerente pode defender-se em França através de um advogado, não sendo necessária a sua presença pessoal. 14. Assim, nada se justifica que tenha de ser devolvido a França para se defender, sendo ele que sabe como se defender e não as autoridades portuguesas. 15. O oponente, ora recorrente, não tem confiança na justiça francesa, que ultimamente tem sido apodada de corrupta. 16. Os juízes envolvidos no seu caso foram objecto de recusa/suspeição. Como se demonstra pelo documento superveniente acima transcrito. 17. Este facto só agora veio a público. 18. Como o extraditando tem nacionalidade portuguesa também não pode ser extraditado ao abrigo da lei 144/99. 19. A extradição violaria a Constituição portuguesa, nomeadamente o artigo 2º e o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18, nº 2. 20. Como violaria o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que garante o direito a um processo equitativo e o artigo 8º que garante o direito à vida privada e familiar. 21. O artigo 2º, nº 2, da Lei nº 65/2003 é inconstitucional por violação da CRP, artigo 2º e artigo 18º, nº 2, princípio da proporcionalidade, quando interpretado no sentido de permitir a extradição para outro país, quando a pena aí aplicável tiver a duração máxima não inferior a três anos. Devendo ser interpretado no sentido de proibir a extradição quando a duração máxima da pena for não inferior a três anos. ***** O recurso foi admitido por despacho de fls. 232, nos termos do artigo 24.º da Lei n.º 65/2003, de 23-08. ***** Entretanto, em 27 de Março de 2018, pelas entidades competentes foi junta declaração de concessão de garantia, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI - fls. 236 e 237. ***** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação do Porto respondeu, conforme fls. 239 a 244, invocando o acórdão do STJ de 22-01-2014, relatado por Maia Costa no processo n.º 140/13.6YREVR.S1, terminando deste jeito: “Pelo exposto, em conclusão, nos parece que nenhuma norma ou princípio constitucional, designadamente os invocados pelo requerido, foram violados pelo tribunal a quo, devendo julgar-se improcedente o recurso interposto e manter-se o acórdão recorrido”. **** Colhidos os vistos, foi realizada a conferência, cumprindo apreciar e decidir. **** Questões a decidir.
O recorrente sintetiza as razões de discordância com o decidido, do modo que segue: Questão I – Nulidade do acórdão por falta de relatório social – Conclusões 1.ª. 2.ª, 3.ª, 4.ª e 12.ª; Questão II – Inadmissibilidade legal da entrega com fundamento na moldura penal e na Lei n.º 144/99 – Conclusões 5.ª a 10.ª; Questão III – Recusa facultativa - Infracção cometida em parte em território nacional - Artigo 12.º, n.º 1, alínea h), i) – Conclusões 11.ª e 12.ª; Questão IV – Violação dos artigos 2.º, n.º 2 e 18.º, n.º 2, da CRP e 6.º e 8.º da CEDH – Conclusões 18.ª. 19.ª, 20.ª e 21.ª.
Apreciando.
Antes de avançarmos, dar-se-á ligeira nota da evolução do MDE, que servirá para ancorar algumas das considerações feitas infra.
Do Mandado de Detenção Europeu
Vejamos a génese e evolução deste novo meio de cooperação internacional em matéria penal, que, contornando os obstáculos do tradicional processo de extradição, veio possibilitar a entrega de cidadãos, incluindo nacionais do Estado de execução, a autoridades judiciárias de Estados Membros da União, traduzindo-se num instrumento simplificado de entrega de pessoas, com o objectivo de combater, de forma célere e eficaz, a criminalidade internacional. Como é sabido, com o advento do Mandado de Detenção Europeu, criado pela Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, introduzido no direito interno pela Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, alterou-se por completo o panorama da extradição, em vigor no País, desde 1975, enquanto instrumento de cooperação entre os Estados Membros da União. O mandado de detenção europeu corresponde a uma forma de entrega de cidadãos sujeitos a procedimento criminal, ou condenados, mais eficaz, mais rápida e flexível, com um processo simplificado, na tentativa, por um lado, de responder à nova realidade criminológica, internacionalizada e globalizada, e por outro, como projecção no plano da cooperação judiciária dos avanços no processo de integração europeia, procurando implementar-se um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, com o reconhecimento de que uma decisão tomada por uma autoridade judiciária competente de um Estado Membro deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União. Esta nova forma de cooperação internacional e de entrega entre Estados da Comunidade entronca na Convenção Europeia de Extradição, feita em Paris, em 13 de Dezembro de 1957, a que se seguiu o Primeiro Protocolo Adicional, feito em Estrasburgo em 15 de Outubro de 1975 e o Segundo Protocolo Adicional, feito em Estrasburgo em 17 de Março de 1978, os quais vieram a ser aprovados, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, sendo a Convenção assinada em 27 de Abril de 1977 e os dois Protocolos assinados, igualmente em Estrasburgo, em 27 de Abril de 1977 e em 27 de Abril de 1978, tendo sido ratificada a Convenção pelo Decreto do Presidente da República n.º 57/89, ambos publicados no Diário da República - I Série, de 21 de Agosto de 1989. O procedimento extradicional veio a ter outros desenvolvimentos ao nível do direito convencional comunitário. Assim acontece, desde logo, com um instrumento relevante para este novo processo - cfr. artigo 4.º da Lei n.º 65/2003 - o Acordo Relativo à Supressão Gradual dos Controlos nas Fronteiras Comuns, assinado em Schengen, a 14 de Junho de 1985 e a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, assinada em Schengen, em 19 de Junho de 1990, cujos Protocolo e Acordo de Adesão foram aprovados em 2 de Abril de 2002 pela Resolução da Assembleia da República, publicada sob o n.º 53/93, no Diário da República, I Série - A, n.º 276, de 25-11-1993 e ratificados pelo Decreto do Presidente da República n.º 55/93, publicado no mesmo Diário da República - cfr. Capítulo IV - artigos 55.º a 66.º. Os Estados-Membros da Comunidade com o Tratado da União Europeia (TUE), assinado em 7 de fevereiro de 1992 e entrado em vigor em 1 de Novembro de 1993 (Tratado de Maastricht), afirmaram a existência de um domínio de cooperação comum relacionados com a justiça e assuntos internos, impulsionando a cooperação judicial em matéria penal, como expressamente foi inscrito no Título VI - “Disposições relativas à cooperação policial e judiciária em matéria penal”, criando-se então o terceiro pilar da União Europeia. Na sequência, são firmadas e estabelecidas, com base no então artigo K.3 do referido TUE, a Convenção relativa ao Processo Simplificado de Extradição entre os Estados Membros da União Europeia, assinada em Bruxelas, em 10-03-1995, aprovada em 27-02-1997 para ratificação por Resolução da Assembleia da República e ratificada por Decreto do Presidente da República, de 22-05-1997, ambos publicados sob o n.º 41/97, in Diário da República, I Série - A, n.º 138, de 18-06-1997, e a Convenção relativa à Extradição entre os Estados – Membros da União Europeia, assinada em Dublin, em 27-09-1996, aprovada em 28-05-1998, para ratificação por Resolução da Assembleia da República e ratificada em 18-08-1998 por Decreto do Presidente da República, ambos publicados sob o n.º 40/98, in Diário da República, I Série - A, n.º 205, de 05-09-1998, modificando esta Convenção o regime da Convenção de 1957, sendo que tais convenções não chegaram a entrar em vigor na totalidade dos Estados-Membros, uma vez que não foram ratificadas por todos eles. A construção de um espaço judiciário comum e a cooperação judiciária em matéria penal ganha nova dimensão a partir do Tratado de Amesterdão, assinado em 2 de Outubro de 1997, que entrou em vigor em 01-05-1999, ratificado por Decreto do Presidente da República n.º 65/99, in Diário da República, I Série - A, de 19-02-1999, que teve por ambição suprimir os entraves jurídicos à circulação das decisões judiciais, com a introdução de novos instrumentos normativos, passando os Estados Membros a dispor em matéria penal de “decisões” e “decisões-quadro”, com natureza vinculativa para os Estados Membros, quanto aos fins a alcançar. Com o Plano de Acção de Viena, aprovado em 3 de Dezembro de 1998, estabeleceu-se a adopção de medidas tendentes a facilitar os procedimentos de extradição entre os Estados-Membros, assegurando que as duas convenções de extradição existentes adoptadas ao abrigo do TUE fossem efectivamente implementadas na prática. Com o Conselho Europeu de Tampere, realizado em 15 e 16 de Outubro de 1999, operou-se avanço significativo. Concluiu-se então que o procedimento formal de extradição deveria ser abolido entre os Estados-Membros no que dizia respeito às pessoas julgadas à revelia cuja sentença já tivesse transitado em julgado e substituído por uma simples transferência de pessoas. No sentido da construção do tal espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça propugnado em Amesterdão, concluiu-se deverem as sentenças e decisões serem respeitadas e aplicadas em toda a União, para o que se mostrava necessário alcançar um mais elevado grau de compatibilidade e de convergência entre os diferentes sistemas jurídicos. Lançam-se as bases do princípio da confiança mútua, com a verificação de que os Estados-Membros “atingiram um tal grau de integração económica e de solidariedade política que não é insensato partir do postulado de que devem confiar uns nos outros no domínio judiciário”, devendo os Estados prescindir de uma parcela da sua soberania penal para reconhecer, também, as pretensões punitivas estrangeiras, abrindo as fronteiras nacionais às decisões judiciais estrangeiras, consagrando-se, como pedra angular da cooperação judiciária, o princípio do reconhecimento mútuo. O objectivo geral deste princípio é conferir à decisão judicial eficácia total e directa, em todo o território da União Europeia, criando operacionalidade ao exercício das acções por parte de cada um dos seus Estados Membros. O Conselho, em Novembro de 2000, adoptou um programa de medidas destinado a dar execução ao princípio, afirmando-se que “o reconhecimento mútuo assume (…) formas diversas, devendo ser procurado em todas as fases do processo penal, antes e depois da sentença”. Entretanto, outro sinal é ainda avançado a partir do Tratado de Nice, que altera o Tratado da União Europeia, os Tratados que Instituem as Comunidades Europeias e Alguns Actos Relativos a Esses Tratados, assinado em Nice, em 26 de Fevereiro de 2001, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 61/2001, e aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 79/2001, como o antecedente publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 291, de 18 de Dezembro de 2001. No artigo 1.º altera, i. a., o artigo 31.º do Tratado da União Europeia, colocando - n.º 1, alínea b) - como um dos objectivos da acção em comum no domínio da cooperação judiciária em matéria penal, facilitar a extradição entre os Estados membros. Os acontecimentos verificados nos Estados Unidos da América, em 11 de Setembro de 2001, precipitaram esta evolução, sendo o impulso dado no Conselho Europeu extraordinário, que se realizou dez dias depois, assinalando-se o acordo obtido quanto à introdução do mandado de detenção europeu, que permite a entrega de pessoas procuradas directamente entre autoridades judiciárias, conferindo-se carácter prioritário à sua implementação. O Conselho da União Europeia adoptou então a Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre Estados-Membros. Este regime inovador substituiu as Convenções até então vigentes sobre extradição nas relações entre os Estados Membros da União. Portugal adaptou o seu direito interno à Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, através da publicação da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (diploma interno de transposição, que aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu, publicado no Diário da República – I Série - A, n.º 194, de 23 de Agosto de 2003). Previamente, através de revisão constitucional – Quinta Revisão – foi aditado um novo n.º 5 ao artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa, que passou a estabelecer que “O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia”, e alterado o n.º 6 do mesmo preceito, que passou a dispor “Não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física”, foi viabilizada a extradição ou a entrega de cidadãos nacionais, o que aconteceu em consequência dos compromissos assumidos no domínio da cooperação judiciária penal no âmbito da União Europeia – artigo 5.º da Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro (Diário da República – I Série - A, n.º 286, de 12-12-2001), que aditou o referido novo n.º 5 ao artigo 33.º. Esta revisão constitucional surgiu pela necessidade de dar guarida a um tratado internacional – o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional – feito em 17 de Julho de 1998, aprovado por Resolução da Assembleia da República n.º 3/2002, de 18 de Janeiro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/2002, de 18 de Janeiro, ambos publicados no Diário da República, I Série-A, n.º 15, de 18-01-2002, constando a versão portuguesa de págs. 396 a 431. O MDE constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo e por força da sua aplicação, a Decisão Quadro – considerando 11 – acaba com o processo de extradição entre os Estados Membros da União. Como refere Anabela Miranda Rodrigues, O Mandado de Detenção Europeu - na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto? na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 1, págs. 23 e ss., a decisão quadro “substitui as convenções aplicáveis em matéria de extradição nas relações entre os Estados-Membros, sem prejuízo da sua aplicação nas relações entre Estados–Membros e Estados terceiros (art. 31.º, n.º 1) …”. Nas relações entre os Estados da Comunidade, por força do MDE, o elemento chave do processo de “entrega” passou a ser o próprio “mandado” de detenção emitido pela autoridade judiciária competente, diversamente do que ocorre nas relações com o exterior do «território único», em que o elemento chave continua a ser o “pedido”, o que se justificará por nesses casos não se estar perante os pressupostos (confiança recíproca entre os Estados Membros, o reconhecimento mútuo e o postulado do respeito efectivo pelos direitos fundamentais em toda a União Europeia) que justificam a judiciarização do processo de detenção e de entrega. A propósito desta evolução vejam-se, para além do trabalho referido, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, por Ricardo Jorge Bragança de Matos, na mesma Revista, Ano 14, n. º 3, págs. 325 a 367, “A importância da cooperação judiciária internacional no combate ao branqueamento de capitais”, por Euclides Dâmaso Simões, na Revista citada, Ano 16, n.º 3, págs. 423 a 473, e “O controlo da dupla incriminação e o mandado de detenção europeu”, por Mário Elias Soltoski Júnior, no mesmo número da citada Revista, págs. 475 a 494.
Com a Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 4-05-2015), é operada a primeira alteração à Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, em cumprimento da Decisão-Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, que altera as Decisões-Quadro 2002/584/JAI, 2005/214/JAI, 2006/783/JAI, 2008/909/JAI e 2008/947/JAI, e que reforça os direitos processuais das pessoas e promove a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido. Sobre esta Lei, veja-se Agostinho Soares Torres em As alterações à Lei 65/2003 de 23 de Agosto (Lei do Mandado de Detenção Europeu) introduzidas pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, Revista Julgar, n.º 28, Janeiro-Abril 2016, págs. 13 a 42. No que respeita a execução de condenações na sequência de um mandado de detenção europeu importa ter em consideração o artigo 26.º da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 182, de 17-09-2015) entrada em vigor em 16 de Dezembro de 2015. Esta Lei aprova o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, transpondo as Decisões-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, e 2008/947/JAI, do Conselho, ambas de 27 de Novembro de 2008. Sobre esta lei pode ver-se Luís Lemos Triunfante, “Os novos instrumentos legislativos nacionais em matéria de reconhecimento mútuo de decisões penais pre e post sentenciais no âmbito da União Europeia”, Revista Julgar, n.º 28, Janeiro-Abril 2016, págs. 43 a 57 – mais especificamente, págs. 52 a 55), que concorda que a transposição implica que se afaste a necessidade de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, passando a aplicar-se a estes casos um procedimento mais simples e célere, ainda que plenamente garantístico dos direitos individuais. Apreciando. Fundamentação de facto
O acórdão recorrido procedeu à análise das questões propostas partindo da seguinte fundamentação de facto, constante de fls. 183 a 185 (Realces do texto). “Fundamentação * Não foram apreciados outros factos alegados no requerimento de oposição, nomeadamente os que se reportam a agressões infligidas ao menor BB e atribuídas a CC, por se considerar que não interessam à decisão sobre a execução do MDE, pelos motivos que adiante serão explicitados.Os factos supra fixados resultaram da análise da prova documental carreada para os autos, das declarações do requerido e da prova testemunhal. Assim, no tocante à matéria de facto relacionada com a ordenada detenção de AA atendeu-se ao teor do mandado de detenção europeu e ao mandado de detenção que o fundamentou (originais e traduzidos para a língua portuguesa). Quanto às circunstâncias em que se efetivou a detenção atendeu-se ao teor do auto de detenção. Os elementos relativos à identificação do requerido resultaram das suas declarações e do teor do Cartão de Cidadão pelo mesmo exibido aquando da sua audição. No concernente à sua atividade profissional atendeu-se à cópia de certidão permanente do registo comercial da sociedade, em conjugação com o depoimento da testemunha .... Também quanto ao enquadramento familiar se considerou o depoimento da mesma testemunha que se revelou consistente e isento. Relativamente à matéria atinente ao menor BB foi relevante o conteúdo dos documentos constituídos pela petição inicial, certidão do assento de nascimento e certificado de matrícula.
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Apreciando. Fundamentação de Direito
Passando à apreciação das questões suscitadas pelo recorrente. E isto porque, como refere o acórdão de 09-05-2012, proferido no processo n.º 27/12.0YRCBR.S1 - 3.ª Secção, a decisão do Estado emitente do MDE, desde que seja tomada por autoridade judiciária competente à luz do direito interno daquele Estado e em conformidade com aquele direito, tem um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União, produzindo a decisão judiciária do Estado emitente efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada pela autoridade judiciária nacional. Questão I – Nulidade do acórdão por falta de relatório social De qualquer modo, a verdade é que a decisão recorrida nos FP 6 a 12 inclui factos respeitantes às condições pessoais e familiares do procurado, como referência à sua actividade profissional nos FP 9 e 10, à acção intentada na Comarca do Porto para regulação de obrigações parentais, no FP 14, e a matrícula do menor Henrique no FP 15, o que tudo foi fundamentado com base nas declarações do procurado, depoimentos das testemunhas ouvidas e documentos apresentados como consta acima. Conclui-se assim que o acórdão recorrido não padece de nulidade, improcedendo a pretensão da recorrente expressa nas conclusões 1.ª a 4.ª e 12.ª.
Questão II – Inadmissibilidade legal da entrega com fundamento na moldura penal e na Lei n.º 144/99
Nas conclusões 5.ª a 10.ª e 18.ª defende o recorrente a inadmissilidade legal da entrega, atenta a moldura penal, e considerando o facto de ser nacional de Portugal, invoca o disposto na Lei n.º 144/99.
Começando pela moldura da pena.
Afirma o recorrente na conclusão 5.ª: “A pena a aplicar em França vai até 3 anos pelo que o requerente não pode ser extraditado”. Como resulta do artigo 1.º, n.º 1, o mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade. Definindo o âmbito de aplicação define o artigo 2.º, no n.º 1: 1 – O mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses. Daqui decorre que a moldura prevista é diferente, consoante esteja em causa procedimento criminal, ou cumprimento de pena, justificando-se limite máximo mais elevado naquele caso em que não houve ainda julgamento e não foi aplicada pena. No presente caso, o limite máximo não é inferior a 12 meses porque é de 3 anos, como resulta das disposições conjugadas dos n.º 7 e 9 do artigo 277.º do Código Penal francês. Por outro lado, não estando a infracção que fundamenta o mandado incluída no catálogo elencado no n.º 2 do artigo 2.º, certo é que os factos constituem crime face à lei portuguesa, estando o crime de subtracção de menor previsto no artigo 249.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, punido com pena de prisão até dois anos ou com multa até 240 dias. Ora, como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 65/2003: “No que respeita às infracções não previstas no número anterior só é admissível a entrega da pessoa reclamada se os factos que justificam a emissão do mandado de detenção europeu constituírem infracção punível pela lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação”. Verifica-se, pois, o requisito da dupla incriminação do facto, pois nos termos do artigo 249.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, o crime de subtracção de menor é punível com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias. Inexiste obstáculo à entrega do recorrente.
Entrega de cidadão nacional.
Após as afirmações vertidas nas conclusões 6.ª a 10.ª, na conclusão 18.ª defende o recorrente não poder ser extraditado por ser nacional português. Invoca para tanto, a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (publicada no Diário da República, Série I-A, n.º 203/99, de 31 de Agosto), a qual aprovou a lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal. O artigo 32.º prevê os casos em que é excluída a extradição no n.º 1 e no n.º 2 prevendo os casos em que é admissível a extradição de cidadãos portugueses do território nacional. Este diploma não tem aqui aplicação por reger o MDE. Como referimos no acórdão de 2-01-2008, por nós relatado no processo n.º 4850/07, através da 5.ª revisão constitucional, que aditou o § 5.º ao artigo 33.º da CRP (O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia), Portugal viabilizou a extradição ou a entrega de cidadãos nacionais em consequência dos compromissos assumidos no domínio da cooperação judiciária penal no âmbito da União Europeia - Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro. Segundo o acórdão de 09-08-2010, proferido no processo n.º 95/10.9YRGMR.S1, da 5.ª Secção: “O MDE constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo, pelo qual se pretende assegurar a execução o mais automática e o mais directa possível das decisões judiciárias estrangeiras, intimamente ligado à noção de espaço comum de justiça, onde se visaria realizar a ambição de livre circulação das decisões judiciárias. O regime do MDE desvincula-se do princípio tradicional da não entrega (e da não extradição) de nacionais − princípio, porém, já excepcionalmente atenuado com a revisão constitucional de 1997 e a alteração do art. 33.º, n.º 3, da CRP, e, posteriormente, com a alteração de 2001, em que ficou ressalvada a aplicação de normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia. A abolição genérica, do elenco dos motivos de recusa da sua execução, da nacionalidade da pessoa, no quadro do regime do MDE, apresenta-se como a solução congruente com o objectivo geral de reconhecimento mútuo − que consiste, em última análise, em conferir a uma decisão final um efeito pleno e directo em toda a União, pois reconhecer efeitos a uma decisão estrangeira é também tê-la por válida quando relativa a cidadãos nacionais − e adequada, se se atender à confiança recíproca depositada em cada um dos diferentes sistemas jurídicos e judiciários, motivada pela circunstância da sua proximidade jurídico-cultural e de todos estarem submetidos à protecção dos direitos fundamentais. No caso, tendo o MDE sido emitido para efeitos de prossecução penal, não tem qualquer fundamento válido (legal) a pretensão de recusa da execução do mandado na base da alegação da nacionalidade portuguesa e da residência em Portugal do recorrente. A nacionalidade portuguesa e a residência em Portugal do recorrente são, na perspectiva da execução do mandado, circunstâncias anódinas porque, com base nelas, não pode a execução do mandado ser recusada (cf. causas de recusa de execução do MDE elencadas nos arts. 11.º e 12.º da Lei 65/2003, de 23-08)”.
Como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira em Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I (Artigos 1.º a 107.º), 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, em anotação ao artigo 33.º, pág. 532: “A prática de não extradição de cidadãos portugueses deixou de ser um direito garantido em termos absolutos depois da Revisão de 1997 que, assim, deu guarida constitucional ao estatuído no art. 7.º -1 da Convenção relativa à Extradição entre os Estados - membros de 27-09-1996. O n.º 3 admite, em casos excepcionais, a extradição de cidadãos portugueses, embora estabeleça requisitos particularmente restritivos (…).” (Realce do texto). Como se viu, com a 5.ª revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/2001, pelo artigo 5.º foi aditado um novo n.º 5 ao artigo 33.º da CRP, introduzindo a inovação, como referem os citados Autores, a págs. 38, uma “diminuição de garantias referentes à expulsão e extradição”.
Concluindo: atenta a moldura penal do crime imputado ao recorrente (limite máximo de 3 anos que se situa acima do limite de 12 meses previsto no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 65/2003), e não sendo a nacionalidade portuguesa do procurado impedimento à sua entrega no âmbito da execução de mandado de detenção europeu, não se verifica obstáculo à entrega do recorrente. Questão III – Recusa facultativa - Infracção cometida em parte em território nacional - Artigo 12.º, n.º 1, alínea h), i) da Lei n.º 65/2003.
Nas conclusões 11.ª e 12.ª invocou esta causa de recusa facultativa.
Vejamos.
Causas de recusa facultativa
As causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu estão previstas no artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, o qual, na versão originária, estabelecia:
1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: a) O facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu não constituir infracção punível de acordo com a lei portuguesa, desde que se trate de infracção não incluída no n.º 2 do artigo 2.º; b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu; c) Sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido arquivado o respectivo processo; d) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro em condições que obstem ao ulterior exercício da acção penal, fora dos casos previstos na alínea b) do artigo 11.º; e) Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu; f) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei portuguesa; g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa; h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses; ou ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional. 2 - A execução do mandado de detenção europeu não pode ser recusada, em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios, com o fundamento previsto no n.º 1, pela circunstância de a legislação portuguesa não impor o mesmo tipo de regulamentação em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios que a legislação do Estado membro de emissão.
Com a Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 4-05-2015), é operada a primeira alteração à Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, em cumprimento da Decisão-Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, que altera as Decisões-Quadro 2002/584/JAI, 2005/214/JAI, 2006/783/JAI, 2008/909/JAI e 2008/947/JAI, e que reforça os direitos processuais das pessoas e promove a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido. No que tange ao artigo 12.º, o diploma deu nova redacção às alíneas c) e f) do n.º 1 e foram aditados os n.ºs 3 e 4.
O preceito passou a estabelecer: Artigo 12.º Causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu
1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: a) O facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu não constituir infracção punível de acordo com a lei portuguesa, desde que se trate de infracção não incluída no n.º 2 do artigo 2.º; b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu; c) Sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido decidido por termo ao respectivo processo por arquivamento; d) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro em condições que obstem ao ulterior exercício da acção penal, fora dos casos previstos na alínea b) do artigo 11.º; e) Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu; f) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado terceiro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado da condenação; g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa; h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses; ou ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional. 2 - A execução do mandado de detenção europeu não pode ser recusada, em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios, com o fundamento previsto no n.º 1, pela circunstância de a legislação portuguesa não impor o mesmo tipo de regulamentação em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios que a legislação do Estado membro de emissão. 3 - A recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do tribunal da relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada. 4 - A decisão a que se refere o número anterior é incluída na decisão de recusa de execução, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o regime relativo à revisão e confirmação de sentenças condenatórias estrangeiras.
Está em causa um MDE cujo objectivo é o exercício do procedimento criminal, correndo termos em tribunal francês inquérito por crime de subtracção de menor imputado ao ora recorrente.
O recorrente no dia 8-10-2017, estando com o filho menor de 7 anos BB em ..., não o entregou à mãe, a quem competia a guarda do menor, conforme sentença proferida pelo tribunal da relação de ... a 15 de Abril de 2015, vindo posteriormente para Portugal, tendo sido aberta em 11-10-2017 uma investigação na gendarmaria em ..., sendo aberto inquérito judicial em 26-10-2017 (fls. 15).
Afirma o recorrente que a infracção foi praticada em parte em território português. A averiguação do preenchimento desta causa de recusa remete-nos para a questão da determinação do lugar da prática do crime imputado, ou seja, a questão da sede do crime. De igual modo a aplicação do princípio da territorialidade da lei penal pressupõe resolvida a questão da sede do crime (locus ou sedes delicti). Neste segmento, seguiremos de perto o já expendido em acórdãos de 2-01-2008, de 30-03-2010, de 29-09-2010, de 29-06-2011 e de 25-07-2014, por nós relatados nos MDE n.º 4850/07 (tentativa de burla cometida na Alemanha), n.º 75/10.4YRLSB.S1 (terrorismo - Espanha), n.º 143/10.2YRCBR.S1 (evasão fiscal cometida na Alemanha), n.º 415/11.9YRLSB.S1 (furto e burla informática cometidos na Bélgica), n.º 71/14.2YRCBR.S1 (burla tributária e fraude fiscal, cometidos na Alemanha).
A nossa lei - artigo 4.º do Código Penal - consagra como primordial o princípio da territorialidade, princípio determinativo da competência para o julgamento dos factos ilícitos, o qual só é derrogado em casos excepcionais.
Sobre aplicação da lei penal no espaço dispõe o artigo 4.º do Código Penal, com a epígrafe “Aplicação no espaço: princípio geral”: «Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados: a) Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou b) A bordo de navios ou aeronaves portugueses».
Em termos absolutamente paralelos, de todo concêntricos/sobreponíveis, a este artigo 4.º do Código Penal, sobre aplicação da lei fiscal no espaço, o Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado em Anexo à Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho de 2001 (Diário da República, I Série – A, n.º 130, de 5 de Junho de 2001, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 15/2001 (coincidência absoluta de numeração), in Diário da República, I Série – A, n.º 180, de 4 de Agosto de 2001), no referido Anexo, no Artigo 4.º versa a «Aplicação no espaço», estabelecendo: «Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, o presente Regime Geral é aplicável, seja qual for a nacionalidade do agente, a factos praticados: Da mesma forma ainda ao nível da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 290, de 17 de Dezembro de 1998, sucessivamente actualizado, no artigo 13.º.
Estas disposições consagram o princípio da territorialidade na aplicação da lei penal no espaço, o qual já encontrava consagração no artigo 53.º, n.º 1 (com a excepção do § 1.º) e n.º 2, do Código Penal de 1886.
Segundo este princípio-regra basilar, que continua a dominar a aplicação da lei penal no espaço, a legislação penal do Estado pune todas as infracções cometidas no seu território (conceito definido no artigo 5.º da Constituição da República Portuguesa), cometidas por qualquer cidadão, entendendo-se território nacional com a extensão conferida pelo princípio corolário daquele, o chamado princípio da bandeira ou do pavilhão, podendo ver-se o caso de alargamento da aplicação no espaço das leis penal e contra-ordenacional portuguesas, a casos de ilícitos cometidos a bordo de aeronaves civis em voos comerciais, constante do Decreto-Lei n.º 254/2003, de 18 de Outubro – artigos 4.º e 5.º, relativos a actos de “passageiros desordeiros”. Ainda neste domínio, veja-se a Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 179, de 15-09-2009) que aprova a Lei do Cibercrime e que estabelece disposições relativas a cooperação internacional em matéria penal, relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte electrónico. O artigo 27.º versa sobre “Aplicação no espaço da lei penal portuguesa e competência dos tribunais portugueses”.
O princípio - regra da territorialidade, por não assegurar, só por si, eficaz protecção visada pelo ordenamento penal, é complementado por outros princípios que funcionam subsidiariamente, concretamente, pelos princípios da protecção dos interesses nacionais, da nacionalidade - da personalidade activa e da personalidade passiva - e da plurilateralidade da prática do crime, também designado de princípio da competência ou da aplicação universal da lei penal ou princípio do direito mundial (segundo este último princípio, o Estado pune todos os crimes cometidos segundo o seu próprio direito, independentemente do lugar onde tenham sido praticados, de quem os cometeu, ou de quem é o ofendido). Sobre estas distinções, cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 12.ª edição, em anotação aos artigos 4.º e 5.º; Código Penal, de Victor Sá Pereira, 1988, Livros Horizonte, Manuel António Lopes Rocha, A Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço, in Jornadas de Direito Criminal, Edição do CEJ, 1983, págs. 118 e ss. e Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição – Questões Fundamentais - A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2007, 9.º Capítulo - Âmbito de validade espacial da lei penal, págs. 207 a 232, versando o princípio - base – princípio da territorialidade e os princípios acessórios ou complementares, com reporte ao Decreto-Lei n.º 254/2003, de 18-10, como nova extensão da competência da lei penal portuguesa, a págs. 215/6. (Cfr. sobre a matéria, com interesse, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Setembro de 1995, processo n.º 48.601, in BMJ n.º 449, pág. 229).
Estes princípios mostram-se consagrados no artigo 5.º do Código Penal, prevendo-se os casos em que ainda é aplicável a lei penal portuguesa a factos cometidos fora do território nacional, com as restrições previstas no artigo 6.º. (Segundo o n.º 1, a aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional só tem lugar quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação).
Estabelece o artigo 5.º do Código Penal, com a epígrafe “Factos praticados fora do território português” (Texto actual, incluindo alteração introduzida na alínea c) do n.º 1, pela Lei n.º 83/2015, de 5 de Agosto – 38.ª alteração ao Código Penal, in Diário da República, 1.ª série, n.º 151, de 5-08-2015): 1. Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional: a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 308.º a 321.º e 325.º a 345.º; b) Contra portugueses, por portugueses que viverem habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e aqui forem encontrados; c) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.º-A, 154.º-B e 154.º-C, 159.º a 161.º, 171.º, 172.º, 175.º, 176.º, e 278.º a 280.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; d) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.º, 163.º e 164.º, sendo a vítima menor, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; e) Por portugueses, ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que: i) – Os agentes forem encontrados em Portugal; ii) – Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e, iii) – Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; f) Por estrangeiros que forem encontrados em Portugal e cuja extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam a extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; g) Por pessoa colectiva ou contra pessoa colectiva que tenha sede em território português. 2. A lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.
A redacção da alínea a) foi introduzida pelo artigo 10.º da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (Lei de combate ao terrorismo, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de Junho, publicada no Diário da República – I Série-A, n.º 193, de 22-08-2003, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 16/2003 (Diário da República – I Série-A, n.º 251, de 29 de Outubro), a qual operou a 12.ª alteração ao Código de Processo Penal e a 14.ª alteração do Código Penal, suprimindo a referência aos artigos 300.º e 301.º (revogados pelo artigo 11.º da mesma Lei) e intercalando na parte final, entre “321.º, 325.º”, a copulativa e.
A propósito da determinação do lugar da prática da infracção debatem-se as doutrinas da actividade ou execução e do evento.
A aceitação cumulativa das duas doutrinas, resultante de premências da vida moderna e da facilidade e frequência de prática de crimes à distância, deu origem à chamada solução plurilateral, já defendida anteriormente pela doutrina, como Eduardo Correia, Direito Criminal, I, pág. 179 (defendendo ser a solução exigida pelo interesse de que, em virtude de diferentes critérios usados pelas leis de diferentes países, os criminosos não fiquem impunes) e a que Hans-Heinrich Jescheck chama teoria da ubiquidade. No Tratado de Derecho Penal, Parte General, I, tradução espanhola, edições Bosch, 1981, de Santiago Mir Puig e Francisco Muñoz Conde, no capítulo IV da 1.ª Parte, fls. 239 a 241, a propósito do lugar de comissão, expende este Autor, a propósito do artigo 9.º do Código Penal da então República Federal da Alemanha: “O lugar de comissão de um facto é decisivo para a questão de saber se o poder punitivo de determinado Estado se deve basear no princípio da territorialidade ou deve buscar-se outro ponto de conexão. A questão de saber quais são os elementos que servem para determinar o lugar de comissão foi durante muito tempo objecto de discussão técnica. A teoria da actividade atende ao lugar em que o autor actuou, ou em caso de omissão, devia ter actuado. A teoria do resultado atende, pelo contrário, ao lugar onde se produziu o resultado típico. Actualmente é dominante a teoria da ubiquidade. Esta teoria considera como lugar de comissão tanto o lugar da acção como o do resultado típico. Invoca-se para tanto a equivalência da acção e resultado para o conteúdo criminal do facto e a necessidade de colmatar as lacunas que surgem com a aplicação do princípio da territorialidade. No que se refere à acção como ponto de conexão, o lugar da comissão nos crimes de simples actividade determina-se unicamente pela acção típica, da qual é necessário que se cometa só uma parte em território nacional e, nos crimes de resultado, pela acção e pelo resultado. Os actos preparatórios podem servir de base ao lugar da comissão do facto quando se apresentam como contributo ao facto de um co-autor”. A teoria da ubiquidade foi defendida entre nós pelo Professor Figueiredo Dias no estudo La compétence des jurisdictions pénales portugaises pour les infractions commises à l´ étranger, publicada na separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1966, págs. 10 e seguintes. Manuel de Cavaleiro Ferreira, segundo Apontamentos das Lições de Direito Penal proferidas ao 5.º ano jurídico, edição da Faculdade de Direito de Lisboa, ano de 1972-1973, Fasc. 15 e 16, págs. 180/2, expendia: “As posições que têm sido sustentadas acerca da determinação do lugar do delito são as mesmas que foram apresentadas quanto ao tempo do delito. Segundo a doutrina da actividade, todo o delito é cometido no lugar em que se exerce a acção criminosa do delinquente. Segundo a teoria do evento, o delito deve considerar-se cometido no lugar onde se verificou o resultado danoso. Finalmente, a doutrina da ubiquidade afirma que o delito se poderá considerar cometido tanto num como no outro lugar”. Adiantava o Autor que, no que respeitava à competência internacional da lei portuguesa, havia sido seguida a doutrina da ubiquidade no artigo 46.º e §§ do Código de Processo Penal. Desde que qualquer elemento do crime fosse praticado em Portugal, toda a infracção se devia considerar cometida em território português. E finalizava: “Com a adopção da doutrina da ubiquidade, o direito penal português é aplicável aos factos que se realizem só parcialmente em território nacional. Ainda que só a actividade, ou só o evento, ou só uma parte do evento, se tenha realizado em território nacional, a lei penal será sempre aplicável porque todo o crime se considera cometido em território nacional”. O mesmo Professor retoma o tema nas Lições de Direito Penal, Editorial Verbo, 1987, I, págs. 26 a 31, dizendo: «O C. Penal de 1886 era omisso sobre a determinação do lugar do delito; a doutrina portuguesa então ponderou largamente a questão; intervieram no seu estudo e discussão com especial relevo os professores Henriques da Silva, Pedro Martins e Caeiro da Mata. A questão foi resolvida pelo Cód. de Proc. Penal com base na opinião dominante e que foi a dos dois últimos autores citados, ou seja a chamada doutrina da “ubiquidade”». E adiantava que “a solução legislativa do art. 46º do CPP (de 1929) está fundamentalmente recolhida pelo art. 7º do (então) novo Cód. Penal”.
Na jurisprudência, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Dezembro de 1983, in BMJ n.º 332, pág. 341, dizia-se: «O actual Código Penal no seu artigo 7.º consagra a teoria da ubiquidade quanto ao lugar do delito, em clara consonância com a ideia da plenitude da soberania portuguesa sobre o território nacional, anotando-se aí que a teoria da ubiquidade é a mais ampla concepção da sede do delito já que tem em conta o lugar, o processo de execução, o resultado e o efeito intermédio». Em anotação a este acórdão do STJ, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 118.º, pág. 17, escrevia o Professor Figueiredo Dias: «O art. 7.º do CP consagra a chamada solução plurilateral ou da ubiquidade, em termos particularmente amplos e consonantes com a ideia da plenitude da soberania portuguesa sobre o território nacional. Basta, por isso, que a infracção tenha com o território português qualquer dos elementos de conexão mencionados com aquele preceito - acção, nos crimes respectivos; a acção esperada nos casos de omissão; ou o resultado típico - para que deva concluir-se ter sido o crime praticado em Portugal…».
O Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, procurou resolver a questão no artigo 7.º, cujo texto inicial era, sob a epígrafe “Lugar da prática do facto”, o seguinte: «O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico se tenha produzido». Redacção praticamente simétrica encontra-se na definição do lugar da prática do facto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o Regime Geral das Contra-ordenações. O texto teve uma alteração (ligeira) em 1995 (3.ª alteração do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte), substituindo-se apenas na parte final o tempo verbal “se tenha produzido” por “se tiver produzido”, sendo a seguinte a redacção actual, introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro – 4.ª alteração do Código Penal – entrada em vigor em 7 de Setembro de 1998 e intocada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro e alterações subsequentes: 1 – O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido. 2 – No caso de tentativa, o facto considera-se igualmente praticado no lugar em que, de acordo com a representação do agente, o resultado se deveria ter produzido. O n.º 1 foi modificado, alterando-se a redacção e acrescentando-se na parte final, em vez de “resultado típico se tiver produzido”, a expressão “resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiverem produzido”. O n.º 2 corresponde a inovação introduzida pela citada reforma de 1998, não tendo correspondente, quer na versão original de 1982, quer na referida 3.ª alteração operada em 1995.
Retomando o caso concreto.
Em causa está o desrespeito ou violação do determinado por tribunal francês em sede de regulação das obrigações parentais estabelecidas a propósito do menor Henrique Celac, sendo que o pai, ora requerido, em vez de o entregar à mãe como lhe competia, não o fez, trazendo-o para Portugal onde se encontra, frequentando inclusive a escola. Em causa a prática de um crime de subtracção de menor. De acordo com o artigo 3.º do Código Penal “O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido”. É o momento da prática do primeiro acto de execução que conta para este efeito. O crime consumou-se com a não entrega do menor à mãe e desde então e em todo o ciclo, há conduta ininterrupta ilegal, verificando-se uma consumação continuada (Battaglini, na Teoria Inf. Crim., págs. 111 a 113) ou uma consumação seguida de uma persistente violação do bem jurídico (Cuello Calón, no Direito Penal, vol. 1, pág. 281 e Bettiol, no Direito Penal, vol. 3, pág. 175 – posições apud acórdão do STJ de 30-10-1985, processo n.º 37 989, publicado no BMJ n.º 350, pág. 196.
Crime duradouro ou permanente.
Na definição de Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 1968, págs. 309-310, Tipos de crimes permanentes “são aqueles em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo”, sendo exemplo de escola o sequestro. “Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma que se analisa na produção de um estado antijurídico e que não tem aliás nada de característico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que corresponde à permanência, ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento”. Nos crimes permanentes “o primeiro momento do processo executivo compreende todos os actos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento [...], isto é, até à consumação inicial da infracção; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder a uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever […] de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a que corresponde, o protrair-se da consumação do delito, ou em outra construção, pela manutenção, ininterrupta, da «compressão», por vontade do agente, do bem jurídico afectado”.
Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I - A Lei Penal e a Teoria do Crime no Código Penal de 1982, Editorial Verbo, 4.ª edição, 1992, reimpressão 1997, define os crimes permanentes por distinção dos crimes instantâneos. Ao abordar os elementos essenciais do facto ilícito no ponto “50. O evento jurídico e o evento material”, referia a págs. 139: “c) O momento da produção do evento tem interesse para fixar o momento consumativo do crime. O evento, como consequência, é posterior à execução e, portanto, será com a sua verificação que se consuma o crime. Há, porém, eventos que perduram e em que a consumação não é instantânea. A este respeito se distinguem os crimes instantâneos dos crimes permanentes. O carácter instantâneo ou permanente refere-se à própria consumação, à lesão do bem jurídico. Ora, há bens jurídicos que, pela sua natureza, só são susceptíveis de ofensa mediante a sua destruição; assim, o crime de homicídio consuma-se no momento em que a vítima, perdeu a vida como resultado da acção causal. E há bens jurídicos de natureza imaterial que não podem ser destruídos e são apenas susceptíveis de compressão, como a honra ou a liberdade, e estes são ofendidos enquanto se mantiver em execução a actividade lesiva. Relativamente aos bens imateriais, a lei penal pode tomar em atenção a possibilidade e impor o dever de o agente pôr termo à compressão do bem jurídico lesado, ou pode, não atribuindo a lei ao agente do crime o dever de pôr termo à ofensa, o crime consumar-se no momento em que a acção ofensiva agride o bem jurídico. Exemplo clássico de crime permanente é o crime de sequestro (no Código Penal de 1982. cf. art.º 16º.º) A execução nos crimes permanentes toma necessariamente uma dupla feição: é uma acção seguida de uma omissão continuada. A acção agride o bem jurídico, e a omissão ofende o dever de pôr termo à situação criada. No crime de sequestro, a execução inicia-se privando de liberdade a vítima e continuar-se-á enquanto durar a detenção da vítima. A imposição do dever positivo de restituição da liberdade é violada pela omissão do dever de pôr termo à privação de liberdade”. (Sublinhados nossos). O Autor defende, pois, uma concepção bifásica sobre a construção do crime permanente: acção e subsequente omissão do dever de fazer cessar o estado antijurídico provocado. No Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 54/98, relatado por Henriques Gaspar, votado em 23-10-1998 e homologado em 5-02-1999, publicado no Diário da República, II Série, n.º 99, de 28-4-1989, págs. 6351 a 6355, a propósito do crime de deserção previsto no artigo 142.º e seguintes do Código de Justiça Militar, convocando Roberto Rampioni, Contributo alla Teoria del Reato Permanente, ed. Cedam, 1988, p. 20, afirma-se: “O crime permanente pode definir-se como aquele que, podendo ser constituído por uma única conduta (aquela que o realiza), se revela, ao menos numa primeira aproximação, estruturalmente unitário. A lesão do bem objecto de tutela é única e o facto perdura, protraindo-se no tempo a conduta ofensiva, apenas cessando a consumação (o crime é exaurido) no momento em que cessa o comportamento antijurídico (acção ou omissão ou acção e omissão) por vontade do agente ou por qualquer outra causa”. Na pág. 95 afirma: “no crime permanente o agente cria uma situação antijurídica cuja manutenção depende da sua vontade”.(Realces do texto). M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, em anotação ao artigo 3.º, pág. 37, estabelecem as diferenças entre crimes instantâneos e outros, como os de características permanentes, considerando as consequências da acção. Naqueles em que não se encontra um lapso de tempo entre a acção e o resultado, não oferecendo dúvidas, enquanto nos crimes duradouros, de permanência, a comissão do facto dura enquanto dura a acção. No crime de sequestro (art.º 158.º) o facto prolonga-se no tempo, perdurando do mesmo modo a conduta ofensiva (privação da liberdade). O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Julho de 1987, BMJ n.º 369, pág. 398, refere-se, nestes termos, a propósito dos elementos do conceito de crime permanente: “Na lição dos Professores Eduardo Correia e Cavaleiro de Ferreira, são crimes permanentes aqueles em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo, contrariamente ao que acontece nos crimes instantâneos. Com a prática de qualquer deles verifica-se um estado antijurídico, mas no crime permanente perduram ao mesmo, tempo a execução e a consumação. A explicação para esta particularidade é fácil e encontra-se na especial natureza dos interesses jurídicos ofendidos. Com efeito, há bens ou interesses jurídicos que só podem ser destruídos com a prática do crime. São disso exemplo os interesses patrimoniais, o interesse à vida. Da violação deles resultam crimes instantâneos, como o homicídio, etc. Há outros bens ou interesses jurídicos que não podem destruir e apenas podem ser objecto de compressão. São interesses ordem moral como a honra, a liberdade, pudor. Nos primeiros crimes, os instantâneos, verificado o evento, verificada está a prática definitiva dos mesmos. Nos segundos, os permanentes, o processo executivo compreende toda a conduta do agente até ao aparecimento do evento, isto é, até à consumação inicial da infracção; segue-se uma segunda fase que perdura no tempo até que o agente cumpra o dever de fazer cessar o estado antijurídico causado.” Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2012, processo n.º 687/10.6TAABF.S1 - 3.ª Secção: “Na nova formulação, o tipo legal do artigo 249.º, n.º 1, alínea a), do CP pode, deste modo, ser integrado «por intermédio de um facere ou de um omittere: a recusa e, em princípio, o atraso na entrega do menor serão, por via de regra, concretizados através de uma omissão (…) «Enquanto se mantiver a recusa na entrega, o crime diz-se permanente, como já sucedia com a anterior redacção do art. 249.º, n.º 1, alínea c)»”. Nesta perspectiva de leitura e interpretação dos elementos do tipo do art. 249.º, n.º 1, al. c), do CP, os factos indiciados não integram, nem se aproximam do limiar de tipicidade descrito na norma penal, independentemente de circunstâncias afloradas e que poderiam ser consideradas no plano da justificação, o comportamento da denunciada não foi «repetido», com o sentido com que a tipicidade acolhe a noção; estando em causa apenas um intervalo de tempo entre 06-05-2010 e 01-06-2010, em que teve lugar nova conferência no processo de regulação das responsabilidades parentais suscitadas para a resolução da divergência, não existe reiteração, recorrência, contumácia ou persistência determinada no não cumprimento, que a norma penal necessariamente pressupõe e impõe. Não estão, assim, indiciariamente integrados os elementos do tipo”.
No caso presente a conduta do requerido deverá ser analisada à luz da violação da decisão reguladora das obrigações parentais, a qual foi tomada por tribunal francês, apetrechado para dirimir o conflito por estar dentro do contexto situacional até porque as alegadas agressões invocadas pelo requerido como justificativas do seu comportamento terão sido cometidas em território francês. A lesão do bem jurídico protegido verificou-se em território francês, com a não entrega do menor à mãe como havia sido estabelecido pelo tribunal de Nîmes. Damião da Cunha, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, págs. 614/5, assinala o bem jurídico protegido pelo tipo legal em causa: O artigo 249.º visa a protecção dos poderes que cabem a quem esteja encarregado de menor. A subtracção consiste em retirar um menor do domínio de quem legitimamente o tenha a cargo. O crime consumou-se em França, continuando a compressão em Portugal. Aceitando-se que parte dos factos foram, estão/continuam a ser praticados em Portugal, na fase da compressão do bem jurídico afectado, na omissão de posição que faça cessar a situação lesiva, estando-se numa fase complementar, sempre teria de ser afastada a possibilidade de intervenção dos tribunais portugueses, pois os factos tiveram a sua génese em França e dentro de um quadro regulador cujos parâmetros foram traçados pelo tribunal francês. O acórdão recorrido aborda, aliás, este ponto, de forma certeira e devidamente fundamentada, da forma que segue e se aplaude. Diz o acórdão a fls. 16 a 19 (fls. 195 a 198 dos autos): “Propugna, ainda, o requerido pelo preenchimento da causa de recusa facultativa de execução do MDE, prevista na alínea h), sob o ponto i), do n.º 1, do citado artigo 2.º, da Lei n.º 65/2003 de 23-08, alegando que a infração teria sido cometida em território nacional uma vez que se deslocou para Portugal com o filho e não o entregou à progenitora. Analisados os factos descritos no MDE e tendo em conta que AA foi detido em território português, permanecendo consigo o filho menor (matriculado em Portugal no ensino básico), deve admitir-se indiciariamente o cometimento, em parte, dos factos em Portugal. Na verdade, atenta a natureza do ilícito que, segundo a lei portuguesa, os factos preenchem em abstrato, verifica-se que a consumação do crime perdura para além do dia 08-10-2017 (data em que Firmino Duarte deveria ter procedido à entrega do menor), mantendo-se por vontade do requerido após a sua entrada e permanência em Portugal, e enquanto não for restabelecida a situação anterior à prática do crime[1], pelo que, à face do disposto no artigo 7.º, do Código Penal Português, os factos indiciariamente ocorreram, em parte, no território nacional. Deste modo, considera-se que a situação dos autos pode enquadrar-se no circunstancialismo legal previsto no artigo 12.º, n.º 1, alínea h), ponto i), da Lei n.º 65/2003 de 23-08[2]. No entanto, como tem sido o entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça[3], o preenchimento de uma das situações descritas como causas de recusa facultativa não autoriza ou determina a imediata recusa de execução do MDE, mas antes exige a ponderação, face às circunstâncias concretas do caso, dos interesses de ordem pública na prossecução da justiça do Estado-membro de emissão e os correspondentes interesses do ordenamento jurídico do Estado-membro de execução. Assim, a recusa facultativa de execução do MDE tem de «assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente invocados pelo interessado, que, devidamente equacionados, levem o tribunal a dar justificada prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente.»[4]. A propósito da específica causa de recusa facultativa em análise, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de que «a recusa terá que ser justificada nas concretas vantagens que a prevalência da jurisdição nacional sobre a do estado emissor envolva para a investigação e conhecimento das infrações constantes do MDE.» Ora, no caso concreto, inexistem no processo elementos relevantes que possam fundar a decisão de recusa de cumprimento do mandado, por virtude de, em parte, a infração ter tido lugar em território nacional. Na verdade, a conexão estabelecida com o ordenamento jurídico português resulta, ao nível dos factos, de ter sido em Portugal que o requerido veio a fixar residência com o menor. Contudo, o núcleo essencial dos acontecimentos relevantes para a investigação e o exercício do procedimento criminal decorreu em território do Estado-membro de emissão do MDE, pois está em causa o cumprimento de uma decisão judicial que regulamentou as responsabilidades parentais relativa ao menor Henrique Celac, no âmbito de processo judicial que decorreu em França, país onde ambos os pais do menor viveram, pelo menos, até Agosto de 2017, e onde o menor sempre residiu até ao momento em indiciariamente ocorreram os factos. Assim, o contexto factual que decorre da matéria apurada aponta no sentido de a perseguição e conhecimento da infração dever prosseguir em França, posto que o acesso aos elementos relevantes será mais fácil e expedito, sem que daí derivem dificuldades para a defesa do requerido, mas antes também para o mesmo será mais fácil o acesso aos meios de prova e elementos que considere pertinentes ao exercício do contraditório e da sua defesa. Por outro lado, o facto de o requerido ter nacionalidade portuguesa não integra contributo decisivo para acionar a causa de recusa facultativa em apreço. Ademais, não se extrai da oposição deduzida à execução do MDE quaisquer fatores que demonstrem a existência de vantagem ou utilidade na concretização da recusa. Assim sendo, não se verificam, no caso presente, concretas vantagens na prossecução do procedimento criminal por parte do Estado Português, ou seja, não se mostra justificada a prevalência da jurisdição nacional sobre a do estado emissor na investigação e conhecimento da infração constante do MDE. Nestes termos, conclui-se que não deve ser recusada a execução do MDE”.
Por todo o exposto, não se verificando esta causa de recusa facultativa de execução do mandado, improcede a pretensão exposta pelo recorrente nas conclusões 11.ª e 12.ª.
Questão IV – Violação dos artigos 2.º, n.º 2 e 18.º, n.º 2, da CRP e 6.º e 8.º da CEDH
Nas conclusões 18.ª. 19.ª, 20.ª e 21.ª invoca o requerido a violação dos normativos apontados. Como vimos, improcedem as alegações do requerido em relação à moldura penal, estando a entrega de cidadãos nacionais coberta pelo n.º 5 do artigo 33.º da CRP, sendo de afastar a causa de recusa invocada, sendo determinada e confirmada a entrega sem se mostrar violado qualquer preceito constitucional ou da CEDH, mostrando-se prestada a garantia a que alude o artigo 13.º, alínea c), da Lei n.º 65/2003.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo requerido AA. Custas pelo requerido, nos termos dos artigos 513.º, n.º s 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 34.º da Lei n.º 65/2003, fixando-se a taxa de justiça, de acordo com os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 5.º, 8.º, n.º 5 e 13.º, n.º 1 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril (artigos 1.º e 2.º), pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), em 5 (cinco) UC (unidades de conta). Mantém-se em vigor o valor da UC vigente em 2017, conforme estabelece o artigo 178.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2018). Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 18 de Abril de 2018
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