Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
| Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
| Descritores: | APROVEITAMENTO DO RECURSO AOS NÃO RECORRENTES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES MEDIDA DA PENA | ||
| Data do Acordão: | 02/07/2018 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS. | ||
| Doutrina: | -Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Um concepção preventivo-ética do direito penal, Liber Discipulorum, Coimbra Editora, p. 317 e ss; -Anabela Rodrigues, Problemas fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, p.177 a 208; -Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal, tradução de Muñoz Conde, 1981, p. 96 a 98; -Claus Roxin, Estudos de Direito Penal, Renovar, S. Paulo, 2005, tradução de Luís Greco, p. 138; -Claus Roxin, Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal, Sentido y Limites de la Pena Estatal, Hammarabi, Buenos Aires, 63; -Eduardo Demétrio Crespo, Prevención General e Individualização judicial da Pena, Ediciones Universidade Salamanca, p. 54; -Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104 a 111 -Mir Puig, Santiago, Derecho, Penal, Parte General, Barcelona, 2004, p. 113; -Quintero Olivares, Gonzalo, Parte General de Derecho Penal, Navarra, 2005, p. 89; -Revista -Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, p. 147 a 182; -Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, p. 127. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 402.º, N.º 2, ALÍNEA A). LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º E 24.º, ALÍNEA C); NOVO REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E SUAS MUNIÇÕES, LEI N.º 5/2006 DE 23-02: - ARTIGO 86.º, N.º 1, ALÍNEA C) COM ALTERAÇÃO DA LEI N.º 50/2013 DE 24-07. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 07-02-2007, PROCESSO N.º 07P463; -DE 07-07-2007, PROCESSO N.º 05P 2546; -DE 20-02-2008, PROCESSO N.º 07P4724; -DE 09-04-2008; PROCESSO N.º 08P1011; -DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 95/10.9GGODM.S1. | ||
| Sumário : | I - Uma vez que, por acórdão proferido em 25-10-2017, no âmbito do presente processo, foi alterada a qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes agravado para tráfico de estupefacientes, e comprovando-se a não exclusividade pessoal dessa qualificação haverá que, por obediência ao preceituado no art. 402.º, n.º 2, al. a), do CPP, fazer essa nova qualificação - e distinto sancionamento abstracto da pena - na esfera dos demais arguidos. II - Ponderando os factores de referência jurídico-legal alinhados na sentença de 1.ª instância procede-se à imposição das seguintes penas, a cada um dos co-arguidos: M e B a pena de 7 anos de prisão, cada um, L a pena de 9 anos de prisão, J, MV, F e H a pena de 5 anos de prisão. | ||
| Decisão Texto Integral: |
I. – RELATÓRIO. AA e BB e CC – este já após ter sido designada data para conferência –, arguidos/condenados nos presentes autos, tendo tomado conhecimento do Douto Acórdão proferido em relação ao arguido DD, pelo Supremo Tribunal de Justiça, requereram a revisão da sua condenação, indicando para tal as seguintes razões: “foram condenados, entre outros, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos arts. 21º, nº 1 e 24º al. c) do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela Anexa I-B, na pena de 10 (dez) anos de prisão, cada um; - Em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso interposto pelo arguido DD, foi decidido: 1º - Convolar o crime pelo qual foi condenado o arguido DD, (p. e p. pelo nº 1 do artº 21º e al. c) do artº 24º do Dl 15/93, de 22 de Janeiro) num crime p. e p. pelo artº 21º do sobredito Decreto-Lei: - A convolação operada prejudicou “definitivamente a agravação do crime em apreço oportunamente decidida em Acórdão condenatório desse Tribunal de 21 de Outubro de 2016.” - o arguido DD, em função da convolação operada foi condenado numa pena única de 7 anos e 2 meses de prisão, em vez da numa pena única de 10 anos e dois meses de prisão que lhe havia imposta na decisão recorrida; - Verifica-se, s.m.o., o seguinte: a) - O recurso interposto pelo arguido DD não foi fundado em motivos estritamente pessoais. b) - O recurso interposto pelo arguido DD visou a errada qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes na sua forma agravada, por um lado, e, por outro, a medida da pena. - O recurso não se funda, como se pode concluir, na parte que para o caso importa, em qualquer motivo estritamente pessoal. - o acórdão prolatado por este Supremo Tribunal de Justiça, advogou-se que "...apenas estão dadas como provadas as despesas que o arguido [DD] já tinha suportado, não se sabendo qual o montante que iria receber, se e quando, entregasse a "mercadoria" ao destinatário.". - e que "Não se apurou, inclusive, e não seria de somenos, qual o valor que o grupo familiar organizador iria receber, sendo certo, que, pela quantidade de droga a transportar, a quantia não seria reduzida., tanto mais que vem adquirido que o piloto iria receber a quantia de € 19.000,00, tendo recebido uma parte correspondente ao total acordado no montante de € 9.000,00. No entanto não é possível saber qual o concreto montante que caberia ao arguido [DD]."; - "Desconhecendo-se, no entanto, o concreto o montante que viria a caber ao arguido DD, afigura-nos mais adequado integrar a sua conduta - de transportador/executor - no tipo de ilícito básico, vale dizer no artº 21º do Decreto-Lei 15/93, de 15 de Janeiro.". - “Estes factos desconhecidos são integralmente aplicáveis aos ora requerentes e não se circunscrevem a qualquer motivo estritamente pessoal do arguido DD. - Assim sendo, entendemos que deve ser imediatamente revista a convolação do crime pelo qual foram condenados os arguidos, ora requerentes, AA e BB, (p. e p. pelo nº 1 do artº 21º e al. c) do artº 24º do Dl 15/93, de 22 de Janeiro) num crime p. e p. pelo artº 21º do sobredito Decreto-Lei, ou seja, prejudicando definitivamente a agravação do crime em apreço oportunamente decidida em Acórdão condenatório desse Tribunal de 21 de Outubro de 2016, - com a consequente redução da medida da pena aplicada, - ao abrigo do disposto na al. a) do nº 2 do artº 402º do CPP. - Mais deve ser comunicada a consequente convolação e subsequente alteração da medida da pena aplicada aos arguidos ora requerentes ao Tribunal de Execução de Penas para os efeitos tidos por convenientes, - o que não fica prejudicado pelo facto de ter havido trânsito em julgado parcial do Acórdão proferido por esse Tribunal em 21 de Outubro de 2016 em virtude de tal trânsito, - no caso concreto e tendo em consideração a citada disposição legal [al. a) do nº 2 do artº 402º do CPP], - se tratar de "Desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cfr. art.º 409.º do CPP)." - Ac. do STJ, 7/07/2005, Procº 05P2546, disponível em www.dgsi.pt. 17. - Tal trânsito em julgado, parcial e sob condição, apenas releva para efeitos de início de cumprimento de pena - o que se verifica - "Vem sendo jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal que em casos de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 403.º forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes; estes passam a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar." - Acórdãos do STJ de 07-07-05, 08-03-06, 07-06-06 e de 07-02-07, respectivamente, Processos nºs 2546/05 - 5.ª, 886/06 - 3.ª, 2184/06 - 3.ª e 463/07 - 3.ª, disponíveis em www.dgsi.pt.” Na vista que foi dada à Distinta Magistrada do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, foi defendido que (sic): “Os arguidos AA e BB, certamente depois de terem conhecimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que parcialmente julgou procedente o recurso que o co-arguido DD havia interposto quanto à desagravação “do crime de tráfico de estupefacientes”, requereram no tribunal de 1ª instância, que também os mesmos beneficiassem do decidido quanto ao co-arguido DD e fossem condenados apenas pelo art. 21º do Dec-lei 15/93 e alterada e aplicada outra pena. A Mma. Juiz declarou ser o Supremo Tribunal o competente para apreciar o requerimento dos dois coarguidos acima referidos. O requerimento apresentado pelos coarguidos AA e BB tendo em conta o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2017 suscita-nos várias questões sobre as quais iremos emitir parecer. 1 – Embora os coarguidos apenas tenham requerido à 1ª instância a alteração da medida das penas que lhes foram aplicadas com prévia revista da “convolação do crime pelo qual foram condenados” (p. e p. pelo nº 1 do art. 21º e al. c) do art. 24º do dec-lei 15/93), prejudicando definitivamente a agravação do crime em apreço oportunamente decidido no Acórdão condenatório de 21.10.2017 (embora os arguidos digam 2016, erradamente, p. 10 do requerimento) ao abrigo da al. a) do nº 2 do art. 402º do CPP (p. 12), parece-nos poder considerar que só o Supremo Tribunal de Justiça poderá apreciar o requerido, interpretando-o como apreciação de uma omissão de pronúncia. 1.1. É que estes arguidos não foram notificados do acórdão do STJ que apreciou e decidiu o recurso que o coarguido DD interpôs do acórdão da Relação que havia negado provimento ao recurso da 1ª instância que o havia condenado pelo crime do art. 21º nº 1 e 24º c) do dec-lei 15/93. No entanto não tendo os outros 7 coarguidos interposto recurso, o acórdão condenatório apenas havia transitado provisoriamente, como tem sido doutamente decidido no Supremo Tribunal, devido ao disposto no art. 402º nºs 1, 2 a) e 403º do CPP. 1.2. Não tendo havido notificação do referido douto acórdão e interpretando-o no sentido de não ter sido decidido parcialmente a favor do arguido DD, apenas por questões pessoais quanto à agravação do crime de tráfico, parece-nos que relativamente aos restantes 7 (sete) co-arguidos que haviam sido condenados pelo crime agravado só poderá considerar-se transitado após serem devidamente notificados. 1.3. E assim sendo, a questão levantada pelos co-arguidos AA e BB parece-nos dever ser apreciada oficiosamente como arguição de nulidade por omissão de pronúncia mas que abrange estes co-arguidos/requerentes e também os restantes coarguidos, EE, FF, GG, HH e II por terem sido todos condenados pelo mesmo crime de tráfico agravado. 2 – De acordo com o douto acórdão posto em crise, o arguido DD veio a ficar condenado definitivamente como autor do crime de tráfico do art. 21º do dec-lei 15/93 depois de ter sido convolado o crime por que havia sido condenado (crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos arts. 21º e 24º c) do dec-lei 15/93). E da leitura atenta da fundamentação desta convolação resulta que a mesma não se verificou por questões exclusivamente pessoais do arguido DD, mas sim por resultar da matéria de facto provada (em resumo) que o papel assumido pelo arguido era de contratado só para realizar o transporte de cocaína e que … o transportador, pelo transporte que se compromete a efectuar e levar a cabo, contratualiza um preço, ficando as demais despesas a seu cargo e englobadas no preço global acordado. Apenas estão dadas como provadas as despesas que o arguido (DD) já tinha suportado, não se sabendo qual o montante que iria receber, se e quando … E não ficou apurado, não só qual o montante que iria este arguido Edmundo receber se e quando entregasse a “mercadoria” ao destinatário, mas também “qual o valor que o grupo familiar organizador iria receber, sendo certo que, pela quantidade de droga a transportar, a quantia não seria reduzida, tanto mais que o piloto iria receber a quantia de 10,000€ (…) e não foi possível saber qual o concreto montante que caberia ao arguido DD.”. 2.1. A aplicação da agravante p. na al. c) do art. 24º do Dec.-lei 15/93 na 1ª instância e mantida em recurso no acórdão da relação foi fundamentada genérica e uniformemente relativamente a todos os 8 co-arguidos, conforme resulta de fls. 3014 e 3015 do acórdão condenatório proferido no J3 da Secção Criminal de Leiria. E parecendo-nos que é muito bem fundamentada a apreciação e decisão sobre o “afastamento” da agravação da al. c) do art. 24º relativamente ao arguido DD que era um dos membros da “família organizadora” do transporte de cocaína, dever-se-á “estender” por isso aos outros dois membros, arguidos agora requerentes – AA e BB, uma vez que os factos dados como provados são os mesmos. 2.1.1. Aos restantes 5 arguidos- EE, FF, GG, HH e II, que tiveram outro papel mas que “se uniram em torno do desiderato comum, de fazer o transporte e entrega de … cerca de 1400 kg de cocaína” (fls. 3014) também foi considerado resultar preenchido o elemento objectivo p. e p. pelos arts. 21º e 24º c) do dec-lei 15/93. Só relativamente ao arguido GG foi acrescentado que o mesmo havia recebido 10.000€/19,000€ como vantagem patrimonial. Por isso e com uma excepção a ponderar também nos parece que os restantes co-arguidos deverão beneficiar da convolação aplicada ao co-arguido DD. 3 – E a aplicação deste princípio concreto tem sido considerado na jurisprudência actual do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, no acórdão de 11.12.2012, proc. 951/07.1GBMTJ-D.S1 e fundamentação do acórdão de 27.05.2010, proc. 18/07.GAAMT.P1, ambos da 3ª secção, que considerou que a alteração da qualificação jurídica para a prática de um crime … tem de levar à alteração do acórdão recorrido no que toca às condenações dos demais arguidos não recorrentes, nos termos do art. 402º nº 2 a) do CPP, devido à convolação ocorrido. 3.1. Todos os 8 arguidos haviam sido condenados por autoria do crime de tráfico agravado (arts. 21º e 24º c) do dec-lei 15/93) nas penas de: - a arguida BB e o co-arguido AA cada um na pena de 10 anos de prisão; - o arguido CC na pena de 11 anos de prisão; - cada um dos arguidos EE, FF, GG e HH na pena de 6 anos de prisão. 3.1.1. Para os coarguidos BB e AA, apesar de lhes ter sido aplicada por autoria do crime de tráfico agravado uma pena igual à do arguido DD – 10 anos de prisão, não nos parece dever ser aplicada agora pelo crime do art. 21º do dec-lei 15/93 uma pena da mesma dimensão. É que na fundamentação concreta da medida da pena a aplicar ao arguido Edmundo os Exmos. Senhores Conselheiros tiveram na devida conta não só as circunstâncias a desfavor (art. 71º) mas também três circunstâncias mais favoráveis - uma comum aos co-arguidos BB e AA, relativo “ao facto de a família estar a atravessar uma fase menos boa de usufruição de proventos económicos, as outras de índole estritamente pessoal, como será a idade do arguido e a doença que o atormenta”. Consequentemente só a primeira que é relativa à família é que poderá também ser entendida e por isso a pena a encontrar entre os 4 anos e 12 anos de prisão, parece-nos dever ficar próximo dos 8 anos e 6 meses de prisão, perante a motivação das penas que lhes haviam sido aplicadas. 3.1.2. Aos arguidos EE, FF e HH parece-nos dever ser aplicada a pena de 5 anos de prisão devendo ser mantida a fundamentação da medida da pena aplicada na 1ª instância. 3.1.3. Quanto ao arguido II pelas mesmas razões, já que também não tem circunstâncias pessoais a invocar poderá ficar condenado a 9 anos e 6 meses de prisão. 3.1.4. Relativamente ao arguido GG haverá que ponderar se os factos dados como provados relativamente ao montante que recebeu e/ou ia receber são suficientes para integrar a circunstância a al. c) do art. 24º do Dec.-lei 15/93 o que até poderá parecer “cruel” quando tais factos só terão ficado estabelecido devido à sua “confissão”. Mas se for mantida a condenação por co-autoria do crime de tráfico agravado (arts. 21º e 24º c)) a pena terá necessariamente de ser mantida por não estar abrangida pelo art. 402º nº 2 c) do CPP. Só muito eventualmente e na hipótese de beneficiar da convolação é que poderia vir a ser-lhe aplicada na pena de 5 anos de prisão. Como consequência e por não ter transitado o acórdão condenatório parece-nos ter-se verificado uma omissão que a requerimento e oficiosamente poderá ser suprida, passando os arguidos não recorrentes nos termos do art. 402º nº 2 a) do CPP a beneficiar da convolação do crime de tráfico agravado e a serem condenados por autoria do crime de tráfico do art. 21º nº 1 do Dec. Lei 15/93 e alterada a medida das penas mas de acordo com as circunstâncias e pressupostos p. no art. 71º nºs 1 e 2 do CP.” II. – FUNDAMNETAÇÃO. Preceitua o artigo 402º, nº 1 do Código Processo Penal que: “sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão. 2. – Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto: a) por um os arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes.” O recurso interposto pelo arguido DD visava a modificação da decisão recorrida sob uma dúplice vertente, ou abrangendo uma dupla perspectiva, a saber: “errada qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes na sua forma agravada; ii). Medida das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes e cúmulo jurídico inerente.” Mas como Cunha Rodrigues esclareceu, na palestra «Recursos», in Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1995, págs. 387 e 388, reportando-se ao n.º 3 do art.º 403.º, mas em doutrina aplicável aos outros preceitos, que ali se «estabelece uma verdadeira condição resolutiva do caso julgado parcial, mas não prejudica a sua formação desde o trânsito da decisão». Portanto, desde que o interessado dela não recorra, a sentença adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cfr. art.º 409.º do CPP).” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Julho de 2007, prolatada no processo nº 05P 2546. No mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Fevereiro de 2007, prolatada no processo nº 07P463, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, em que se doutrinou “II - Embora tendo-se presente o facto de o recurso interposto de uma sentença abranger toda a decisão, de, em caso de comparticipação, o recurso de um arguido aproveitar aos restantes (art. 402.º, n.º 2, al. a), do CPP), e de a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudicar o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403, n.º 3, do CPP), perfilha-se o entendimento de que neste último preceito se estabelece uma verdadeira condição resolutiva do caso julgado parcial, que não prejudica a sua formação desde o trânsito da decisão. III - Portanto, desde que o interessado dela não recorra, a sentença adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição da reformatio in pejus (cf. art. 409.º do CPP).” [[1]] O acórdão lavrado neste processo não atentou na necessidade de retirar, ou alargar, as consequências da operada convolação aos sujeitos processuais não recorrentes pelo que, emendando a mão, e ipso facto deferindo ao requerido, passará a fazer em novo aresto.
RECORRIDO: Ministério Público.
I. – RELATÓRIO. Acusado, com outros, da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos arts. 21º e 24º, alínea c) do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa, e em concurso real com aquele, da prática de um crime de associações criminosas, p. e p. no art.º 28º, nº 3 do mesmo diploma legal (D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro) bem ainda da prática, como autor material, em concurso efectivo com os demais, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, nº 1, alínea c) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na versão introduzida pela Lei n2 50/2013, de 24 de Julho, com referência aos arts. 32º, nº 4 alínea a) e nº 6 alínea a), 6º e 8º da mesma Lei, veio o recorrente a ser condenado, em primeira (1ª) instância, nos termos que a seguir se exaram (sic): “(…) iii) Julgar a pronúncia nesta parte procedente e provada e, consequentemente, condenam os arguidos DD, (…) pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos arts. 21º nº 1 e 24º al. c) do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela Anexa I-B, nas seguintes penas: 1. O arguido DD: na pena de 10 (dez) anos de prisão. (…) iv) Julgar a acusação nesta parte, procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido DD pela prática, em autoria material, e na forma consumada, e em concurso efectivo com o referido em III-1), de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na versão introduzida pela Lei nº 50/2013, de 24/07, com referência aos artºs. 3º nºs 4 al. a) e nº 6 al. a), 6º e 8º da mesma lei, na pena de 1 (um) ano de prisão. v) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas em iii-1.) e iv) condenam o arguido DD na PENA ÚNICA de dez anos e dois meses de prisão. vi) Julgar o pedido de liquidação e perda ampliada de bens improcedente e não provado e, consequentemente, absolvem os arguidos DD, BB e AA do mesmo, e, em consequência, determinam o levantamento do arresto efectivado no Apenso C, e incidente sobre os bens imóveis aí identificados e, após trânsito, ordenam o cancelamento dos respectivos averbamentos registais. vii) Mais condenam todos os arguidos (à excepção da arguida JJ) em 4 UCs de taxa de justiça, consequentemente, nas custas. viii) Nos termos do disposto no artº 109º do Cod. Penal, declaram perdidos a favor do Estado os seguintes bens apreendidos nos autos: - todos os produtos estupefacientes apreendidos nos autos (o remanescente da cocaína, já destruída, a amostra-cofre de cocaína, e o pedado de haxixe, estes a destruir, lavrando-se o competente auto; - a embarcação “...” registada na Capitania do Porto de Peniche sob a matrícula ...; - o equipamento que constitui o recheio da embarcação “...”, melhor identificado na avaliação de fls. 2853-2873, e mais se determina a afectação provisória (até ao trânsito) e definitiva de tais equipamentos à Polícia Marítima – Capitania do Funchal; - os viveres (bens perecíveis) aprendidos na embarcação, e a que já foi dado destino; - as quantias monetárias apreendidas no interior da embarcação “...”; - os três telefones satélite e respectivo carregador, e todos os telemóveis apreendidos no interior da embarcação “...” e no interior da residência dos arguidos DD e BB; - as armas (a pistola calibre 6,35 e a espingarda) e respectivas munições; ix) Nos termos do disposto no artº 186º nº 1 do CPP, determina o levantamento da apreensão o e entrega à arguida JJ do telemóvel que lhe foi apreendido. x) Determinam que os arguidos DD, BB, AA, CC, EE, FF, GG e HH continuem a aguardar o trânsito em julgado do presente acórdão na situação em que se encontram, de prisão preventiva, dado que não se verificou qualquer diminuição das exigências cautelares que o caso requer, antes pelo contrário, atenta a condenação dos mesmos em pena de prisão efectiva, sem prejuízo do disposto nos artºs. 213º e 215º do CPP.” Apelada a decisão, o tribunal da Relação de Coimbra viria a decidir pela não procedência. Contravêm com o presente recurso em que dessume a argumentação que alinhava com o sequente epítome conclusivo. I.a). – QUADRO CONCLUSIVO. 2. A norma inerente à agravativa patente da alínea c) do artigo 24.º al. c) do Decreto –Lei n.º 15/93, de 22/01 contem norma penal em branco que impõe especial cuidado na aferição do seu preenchimento, não devendo ser possível presunções judiciárias que não tenham correspondência com uma aferição probatória da intenção do Arguido, o que no caso dos presentes autos, não se verificou, não se tendo logrado prova da intenção do mesmo e se efectivamente buscava a obtenção de avultada compensação económica para si. Pelo que não pode dar-se como provado de que o Recorrente fosse ou procurasse obter “elevados proventos económicos”. 10. As penas atribuídas foram excessivas e deveriam ter sido fixadas próximas do limiar mínimo da moldura penal a considerar. 13. A pena a que foi condenado é praticamente uma “pena de morte”, tendo sido violadas as normas inerentes aos artigos 70.º, 71.º e 72.º do CP. Violaram-se as seguintes disposições legais: Artigos 21.º n.º 1 e 24.º al. c) do Decreto –Lei n.º 15/93, de 22/01; Artigos 50.º, 70.º, 71.º e 72.º todos do Código Penal.” Reponta à pretensão do recorrente, o Ministério Público, com a síntese conclusiva que a seguir queda transcrito. “1. Os factos dados por provados preenchem a prática do crime de tráfico agravado de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea c), do decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à Tabela Anexa-I-B, pelo qual foi o recorrente condenado em co-autoria material; 2. Na verdade, face à grande quantidade de produto estupefaciente transportado, que foi apreendido, sua natureza e valor do mesmo, segundo as regras da experiência e livre apreciação da prova, implicavam que o arguido recebesse uma avultada quantia; 3. Sendo a co-arguida, BB, sua ex-esposa, pessoa com quem vivia junto e com quem agiu concertadamente em conjugação de esforços, apesar de ser ela que tinha a tarefa de receber o "pagamento" do transporte do produto estupefaciente transportado no barco, do qual a família ... era dona, não iria afastar o recorrente de receber a sua parte dos lucros, na qualidade de armador de pesca que utilizava a embarcação "...", que necessariamente seriam avultados para ambos; 4. Por isso, a qualificação jurídica dos factos encontra-se correctamente feita pelo douto acórdão recorrido que confirmou o douto acórdão da 1ª instância; 5. Também, quer as penas parcelares, quer a pena única, encontram-se correctamente determinadas, em adequação com a culpa e a ilicitude do recorrente, que são ambas muito elevadas, tal como as exigências de prevenção geral, e tendo já em conta a sua idade avançada, e em conformidade com o disposto nos artigos 40.º, n.º 1, 70.º e 71.º do Código Penal, não havendo justificação para que, pelo crime de detenção de arma proibida, lhe fosse aplicada pena de multa face à condenação pelo outro crime numa pena de prisão tão elevada. 6. Assim, deve ser negado provimento ao recurso do arguido DD, confirmando-se a douta decisão recorrida.” Neste Supremo Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público, é de parecer que: “O arguido DD vem recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, do douto acórdão proferido no Tribunal da Relação de Coimbra em 17.05.2017, que negou provimento ao recurso que havia interposto da decisão condenatória da 1ª instância mantendo as condenações e medida das penas parcelares e a medida da pena única de 10 anos e 2 meses por autoria de um crime de tráfico agravado e de uma detenção de arma proibida. Nas conclusões que delimitam o conhecimento do recurso o arguido/recorrente DD impugna o acórdão recorrido não só discordando da agravação do crime do art. 21º do dec-Lei 15/93, mas também e consequentemente a medida da pena, que considera dever ser fixada em 5 anos de prisão. Também impugna a medida da pena por autoria do crime de detenção de arma proibida sem que apresente qualquer fundamento. O MP através do sr. Procurador-Geral-Adjunto respondeu defendendo a improcedência do recurso quanto à medida da pena e à qualificação do crime de tráfico. As questões defendidas pelo arguido/recorrente limitar-se-ão à qualificação do crime de tráfico e à medida da pena aplicada que é superior a 8 anos de prisão, pois a pena de prisão aplicada pelo crime p. no art. 86º nº 1 c) da lei nº 5/2006 – 1 ano de prisão, é irrecorrível por ser inferior a 8 anos de prisão como estabelece o art. 432º nº 1 e 400º nº 3 f) do CPP. O coarguido DD havia sido condenado no J3 – Secção Criminal – Inst. Central de Leiria, comarca de Leiria, por coautoria de um crime de tráfico de estupefaciente agravado dos arts. 21º e 24°, al. c) da dec-lei 15/93, na pena de 10 anos de prisão e pelo crime de detenção de arma proibida do art. 86º nº 1 c) da lei nº 5/2006, na pena de 1 ano, em cúmulo na pena única de 10 anos e 2 meses. Em recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra manteve integralmente esta condenação. 1- Tráfico do art. 21°, nº 1 e agravação p. no art. 24° do Dec-Lei nº 15/93. O art. 21º do Dec-Lei nº 15/93 define o crime de tráfico de estupefaciente, contendo não só uma larga descrição de acções típicas mas também uma ampla moldura penal (4 a 12 anos de prisão) atingindo assim uma elevada dimensão da ilicitude que abrangerá as várias modalidades de tráfico - grave, média e de rua. A este tipo base do crime foram aditadas as circunstâncias que agravam (art. 24º) e atenuam (art. 25º e 26º) o tráfico ficando abrangido nos primeiros os casos de excepcional gravidade e no segundo os de pequeno tráfico. 1.1. A agravação p. no art. 24º pressupõe um grau de ilicitude muito forte e que ultrapasse sem dúvida o círculo do crime/base, devendo assim a forma agravada ter uma dimensão que vá sem dúvida para além do modelo, espaço e grau de ilicitude do crime tipo. As circunstâncias que integram o crime de tráfico agravado terão, pois, de adensar o nível do ilícito, estabelecendo-se na dimensão do perigo para os bens jurídicos protegidos com a incriminação do crime de tráfico. A elevada compensação remuneratória tem de se mostrar com uma projecção de especial relevância resultante de elementos objectivos que têm de advir da intensidade da actividade, do núcleo da organização conjugadas com as quantidades de produto e montantes envolvidos nos “negócios” de grande tráfico. Segundo o disposto no art. 24º al. c) (a agravação que foi aplicada ao arguido) a pena p. no art. 21º é aumentada de ¼ nos seus limites mínimo e máximo se “o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória”. 1.1.1. A agravação através da avultada compensação remuneratória tem de resultar da matéria de facto no sentido de, em concreto, o agente (o arguido) ter obtido ou ter procurado obter essa grande remuneração. Mas da matéria de facto não se pode concluir qual o grande mentor da pretendida introdução da “cocaína”, eventualmente em Espanha ou outro país da Europa ou de África, via Portugal, através do barco pertencente à sociedade da coarguida tendo o arguido/recorrente DD planeado esse transporte para introdução conjuntamente com outros, incluindo coarguidos. Iniciou a sua execução, só não tendo entregue a cocaína devido à intervenção da PJ (com auxílio da Marinha de Guerra e Força Aérea Portuguesa) a 230 milhas da Madeira (Caniçal). 1.1.2 - Quem esteve incumbido de tal missão era a família dos arguidos ... (DD, AA e BB) sem no entanto ficar provado que quantias/montantes iriam receber (seriam entregue ao arguido Bruno, segundo consta no p.º 42 dos factos provados) ou que lhes tivessem sido prometidas e qual as quantias que iriam distribuir pelos outros quatro arguidos. Por outro lado também se desconhece a origem do dinheiro que o arguido/recorrente terá utilizado no arranjo do barco “...” e no pagamento aos coarguidos que tripulavam e mantinham activo o barco. Apenas ficou provado, o montante que recebeu o último “capitão” contratado para tripular o barco – coarguido GG – 9.000 euros entregues pela coarguida BB (29.07.2015) que com ele havia “falado” (contratado) quando o mesmo se encontrava em Casablanca e 10.000€ entregue pelo coarguido AA (30.07.2015). Por isso parece-nos que, tal como o arguido recorrente pretende, o mesmo apenas poderia/eventualmente ser condenado pelo crime de tráfico do art. 21º do dec-lei nº 15/93, atendendo às outras circunstâncias designadamente o peso bruto da cocaína que trazia consigo - 1.409,150 Kg. 1.2. Nesta hipótese, ou mesmo se a agravação se mantiver, parece-nos que a medida da pena aplicada poderá ser alterada, até porque serão exíguos os fundamentos que levaram o acórdão recorrido a manter a pena aplicada na 1ª instância, de 10 anos de prisão. 2 - O crime de tráfico do art. 21º é punido com pena de 4 a 12 anos e com agravação do art. 24º passa (tinha passado) de 5 a 15 anos de prisão. A determinação da medida da pena, nos termos do art. 71º, nº 1, do Código Penal, “far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes”, mas dentro dos limites definidos na lei. Existe, um critério legal para a determinação da pena que se baseia na culpa e na prevenção, graduando-se com as circunstâncias atenuantes e agravantes. Constitucionalmente, a pena tem por finalidade a prevenção – quer preventiva geral quer especial. Só depois de estabelecidos os parâmetros da culpa e da prevenção na maneira de determinar em concreto a pena, é que é possível passar a sua dosimetria. No crime de tráfico de droga as exigências de prevenção geral relevam já na moldura penal que o legislador consagrou. Mas as exigências de prevenção especial e a culpa do agente, é que estão na base da sua graduação entre o mínimo e o máximo estabelecido. A pena a aplicar pelo crime de tráfico não deverá ultrapassar a satisfação das exigências da culpa, sendo o limite máximo, as exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias dadas como provadas, nomeadamente ter 80 anos de idade, sem qualquer antecedência criminal embora seja elevada, a sua actuação na preparação e concretização do crime, o grau de ilicitude e a gravidade das consequências. Mas também nos parece dever ter relevância bastante a idade do arguido DD que não se pode enquadrar nas circunstâncias agravantes, tal como o acórdão do Tribunal da Relação considerou. É que tinha 80 anos de idade sem que até então lhe tivesse sido atribuído a autoria de qualquer tipo de crime. Não tem por isso, falta de preparação para manter uma conduta lícita, nos anos que lhe poderão restar depois do cumprimento da pena de prisão. 3 - Ainda quanto à suspensão da execução da pena que o arguido invoca nas conclusões só poderia ser equacionada se a pena que lhe viesse a ser aplicada fosse igual ou inferior a 5 anos de prisão, o que não nos parece possível. Assim, parece-nos que o recurso do arguido DD deverá/poderá merecer provimento ainda que parcial quanto à agravação do crime de tráfico de estupefacientes e medida da pena de prisão correspondente e rejeitado quanto à pena de prisão pelo crime de detenção de arma proibida.” I.b). – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO. O recorrente propõe à cognoscibilidade deste Supremo Tribunal, as questões que a seguir quedam enunciadas: i). Errada qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes na sua forma agravada; ii). Medida das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes e cúmulo jurídico inerente.
II.A. – DE FACTO. Está definitivamente adquirida a factualidade que a seguir queda extractada. “a.1) Os arguidos DD e BB foram casados entre si, vivendo ainda como se de marido e mulher se tratassem, na residência situada na Urbanização ..., sendo o arguido AA filho do casal. a.2) O arguido DD é armador de pesca, sendo auxiliado na sua actividade pela arguida BB, detendo a família ... uma embarcação de pesca, de nome “....”, com pavilhão português , registada na capitania do Porto de ... com a matrícula .... a favor da sociedade “..., Unipessoal, Lda”, da qual a arguida BB é a única sócia e gerente. a.3) Pretendendo incrementar os proventos económicos do agregado familiar, os arguidos DD e BB resolveram-se a utilizar aquela embarcação para, a pretexto de desenvolverem actividade pesqueira, transportarem do largo da Guiana Francesa para a Europa cocaína originária da América Latina, em articulação com indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, e que diligenciaram pela obtenção da cocaína. a.4) O arguido AA, uma vez a par de tal resolução, associou-se os pais. a.5) Na prossecução dessa actividade, com vista a recrutar pessoas que estivessem habilitadas para a condução de embarcações e que conhecessem bem o trajecto marítimo a percorrer, em data não apurada, mas anterior a Janeiro de 2015, o arguido DD entrou em contacto com o arguido EE, que já conhecia da actividade pesqueira, acordando então que este, mestre de pesca com muita experiência na navegação de embarcações pesqueiras, iria com a "..." para o mar, procedendo às reparações pertinentes, com vista a prepará-la para o carregamento e transporte para Portugal de elevada quantidade de cocaína. a.6) Pela mesma altura, o arguido DD entrou também em contacto com o arguido FF, motorista marítimo, com muita experiência na manutenção das máquinas de embarcações de pesca, designadamente durante a navegação, e com o arguido HH, que também tinha já experiência de mar, sendo ambos já conhecidos da família ..., convidando-os a integrar a tripulação da embarcação e a auxiliar na preparação desta para o transporte de cocaína. a.7) Aliciados pelo montante pecuniário que lhes foi oferecido, de valor não concretamente apurado, os arguidos EE, FF e HH aceitaram a proposta que lhes foi apresentada pelo arguido DD, aderindo ao projecto do grupo em que aquele se integrava, anuindo em cumprir as funções que lhes foram destinadas, bem como tudo o que lhes viesse a ser determinado pelo arguido DD com vista ao almejado transporte de elevada quantidade de cocaína. a.8) O arguido CC, de nacionalidade espanhola, sem conhecimentos pesqueiros, integrou a tripulação da "..." por imposição dos indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, e que diligenciaram pela obtenção da cocaína, cabendo-lhe assegurar a recepção de todos os 50 fardos de estupefaciente objecto do transbordo, e a posterior descarga desses mesmos 50 fardos no local que viesse a ser indicado; e reportar tais factos, por telefone via satélite, aos referidos indivíduos de identidade não apurada. a.9) Com tais objectivos e na sequência do que lhe foi determinado pelo arguido DD, o arguido EE, na qualidade de capitão, levou a "..." para mar alto, aportando em Vigo, em Espanha, para algumas reparações, seguindo ulteriormente, em 30 de Janeiro de 2015, para Las Palmas, na Gran Canária, onde deu entrada em 17 de Fevereiro de 2015. a.10) Em 11 de Março de 2015 a embarcação saiu do porto de Las Palmas, seguindo para o porto do Mindelo, na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, e regressando no dia 24 de Abril de 2015, novamente, ao porto de Las Palmas, sem qualquer pescado a bordo. a.11) O arguido EE, enquanto capitão da embarcação, informou as autoridades espanholas, à entrada no porto de Las Palmas, que estava há cerca de um mês no mar, a efectuar experiências de apetrechos de pesca, pese embora não possuísse, no momento, licença de pesca. a.12) A tripulação da "..." era então composta pelo capitão, o arguido EE, e por mais 4 tripulantes: os arguidos DD, HH e FF. a.13) O arguido DD esteve em Las Palmas entre 6 e 11 de Março de 2015, para se inteirar do estado da embarcação, viajando para Las Palmas, por via área e através de Sevilha, no dia 6 de Março de 2015. a.14) Também o arguido AA esteve em Las Palmas, viajando para esta cidade, por via área, no dia 11 de Março de 2015, com partida de Lisboa e escala em Madrid, acompanhando a "..." na sua viagem até ao Mindelo e daqui até Las Palmas. a.15) No dia 30 de Abril de 2015, o arguido AA regressou a Lisboa, por via aérea, juntamente com os arguidos EE, FF e HH. a.16) A embarcação ficou retida no porto de Las Palmas, por terem sido detectadas irregularidades na mesma. a.17) No dia 28 de Junho de 2015 os arguidos DD, BB, AA e FF viajaram para Las Palmas, com partida de Lisboa, no voo ..., operado pela BINTER, às 18h00. a.18) Todos encetam esforços no sentido de desenvolverem as diligências necessárias para preparar e colocar a embarcação apta para sair de Las Palmas e efectuar travessias em alto mar. a.19) A arguida BB desenvolveu junto das autoridades portuguesas e espanholas diversos contactos, coligindo os elementos a apresentar na capitania do porto de Las Palmas e contactando a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos. a.20) No dia 11 de Julho de 2015, os arguidos BB e DD regressaram de Las Palmas a Portugal, com o intuito de se reunirem com um responsável da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, para acelerarem os procedimentos para colocar a "..." a navegar. a.21) No regresso a Las Palmas, no dia 18 de Julho de 2015, efectuado via Sevilha, os arguidos BB e DD seguiram acompanhados pelo arguido FF, que entretanto também havia regressado a Portugal. a.22) No dia 19 de Julho de 2015, os arguidos AA e BB, que se encontravam em Las Palmas, estabeleceram contacto telefónico com o arguido HH, de molde a este regressar a Las Palmas. a.23) No dia 21 de Julho o arguido HH viajou para Las Palmas, por avião, juntando-se à tripulação da "...". a.24) A passagem aérea, com partida de Lisboa e escala em Madrid, foi adquirida, no dia anterior, na agência de viagens "...", situada em Lagoa, sendo o seu valor facturado em nome do arguido DD e pago em numerário. a.25) No dia 28 de Julho de 2015, os arguidos AA e BB regressaram a Portugal, embarcando em Las Palmas com destino a Sevilha, e efectuando o percurso entre esta cidade e Lagoa, por via automóvel. a.26) Em Lagoa, a arguida BB entrou em contacto telefónico com o arguido GG, pessoa da confiança do arguido DD, e combinaram encontrar-se no dia seguinte, 29 de Julho de 2015, no Aeroporto de Lisboa, pelas 13h30, hora de chegada do voo que o arguido GG apanharia em Casablanca, Marrocos. a.27) O arguido GG foi contratado para ser o novo capitão da embarcação, por o arguido EE ter a cédula marítima caducada, viajando de Casablanca, em Marrocos, para Lisboa, no dia 29 de Julho de 2015, data em que se encontrou com a arguida BB, no Aeroporto de Lisboa, recebendo desta o valor de € 9.000,00 (nove mil euros), equivalente à primeira parcela do valor total de € 19.000,00 (dezanove mil euros) que iria auferir, por integrar a tripulação da "..." e participar no transporte da cocaína. a.28) Na sequência do encontro mantido com o arguido GG, pelas 16h10 do dia 29 de Julho de 2015, a arguida BB pediu à sua agente de viagens - "EASY GO Holidays" - para reservar duas passagens aéreas para o dia 31 de Julho, com o percurso Lisboa/Las Palmas, em nome dos arguidos AA e GG. a.29) No dia 30 de Julho de 2015, o arguido AA entrou em contacto com o arguido CC e pediu-lhe cópia dos seus documentos identificativos (passaporte e DNI — documento de identificação espanhol), para encaminhar para as autoridades de Las Palmas que diligenciavam pelo desbloquear das formalidades necessárias para a "..." sair daquele porto. a.30) No dia 31 de Julho de 2015, os arguidos AA e GG viajaram para Las Palmas, via Madrid — voo IB 3107 -, onde chegaram de tarde. Antes do embarque, o arguido AA entregou ao arguido GG os restantes € 10.000,00 (dez mil euros). a.31) O arguido EE também viajou para Las Palmas nesse dia 31, embarcando no voo IBERIA 8727, com partida do Porto às 12h15 e chegada a Madrid às 14h25, transitando para o voo IBERIA 6970, que partiu de Madrid às 16h30 e chegou a Las Palmas às 18h25. a.32) Esta viagem foi adquirida na atrás referenciada agência de viagens, a pedido da arguida BB, sendo o código da reserva enviado pelo arguido AA, por SMS, para o telemóvel da mulher do arguido EE. a.33) A arguida BB confirmou, por contacto telefónico estabelecido para aquele telemóvel, a recepção do código da reserva. a.34) Pelas 22h00 do dia 31 de Julho de 2015, a embarcação "..." zarpou de Las Palmas, rumando a Sul, para o norte de Cabo Verde. a.35) A bordo seguiam os arguidos DD, AA, EE, GG, FF, II e H. a.36) No dia 1 de Agosto foram desligados os dois sistemas de monotorização da embarcação — AIS (Automatic Identification System) e MONICAP (sistema de monitorização para a inspecção das actividades de pesca) -, de forma a ocultar as movimentações desta. a.37) A arguida BB permaneceu em Portugal, e, de modo lograr a suspensão das vistorias à embarcação “...”, a realizar por inspectores da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, em Las Palmas, vistorias essas necessárias para a embarcação abandonar o porto de Las Palmas regularmente, disse a um Engenheiro da referida Direcção-Geral que a tripulação da "..." se havia revoltado. a.38) Ao longo da sua descrita conduta, a arguida BB contactou amiúde com a sua amiga e confidente, a arguida JJ, cartomante de profissão, a quem pediu a colocação de velas, realização de preces e leitura de cartas e desígnios, de molde a "abrir caminhos" à arguida Natividade, e à viagem da embarcação “...” e à respectiva tripulação. a.39) No dia 29 de Julho de 2015, pelas 15h45, a arguida BB deu a conhecer à arguida JJ o resultado do seu encontro com o arguido GG, e, no decurso da conversa mantida entre ambas, a arguida JJ questionou a arguida se pagou àquele o que ambas tinham combinado. a.40) Mais tarde, nesse dia, pelas 20h34, a arguida BB voltou a contactar telefonicamente a arguida JJ e disse-lhe que a situação da embarcação em Espanha ficou regularizada e que pretendiam sair de Las Palmas à revelia das autoridades marítimas portuguesas. Mais à arguida JJ para ver nas cartas se poderiam fazer isso, sem problemas. A arguida JJ de imediato disse àquela para a embarcação se meter a caminho, dizendo-lhe ainda que o arguido AA deveria apagar dos seus dispositivos electrónicos todas as mensagens trocadas, designadamente fotografias enviadas. a.41) Ainda nesse dia, cerca das 21h08, a arguida BB voltou a contactar telefonicamente a arguida JJ e pediu a esta para confirmar, pelos seus meios esotéricos, se é verdade que o pagamento será feito na hora de chegar a terra. a.42) No dia 30 de Julho de 2015, pelas 09h53, a arguida JJ contactou telefonicamente a arguida BB e transmitiu-lhe que as cartas lhe disseram que a embarcação poderia sair de Las Palmas e que o arguido AA deveria acompanhar o pai na embarcação, e ofereceu-se para lhe dar apoio no momento de receber o pagamento pelo transporte, dizendo-lhe ainda que conhecia alguém da sua confiança que as poderia transportar ao local acordado para o pagamento. a.43) Na madrugada do dia 9 de Agosto de 2015, em mar alto, a cerca de 600 (seiscentas) milhas da Guiana Francesa — coordenadas 10°N e 40°W - foi efectuado o transbordo da cocaína de embarcação desconhecida, que transportou o estupefaciente desde a América do Sul, para a embarcação "...". a.44) No início da madrugada de 16 de Agosto de 2015, pelas 02h00, a cerca de 270 milhas (latitude 33.°21'84"N e longitude 21.°51'67"W) do Caniçal, ilha da Madeira, a embarcação pesqueira "..." foi interceptada pela Polícia Judiciária (que actuou com o auxílio de meios aero-navais da Marinha de Guerra e da Força Aérea Portuguesas), sendo encontrados na parte central do pesqueiro “...”, no túnel de congelação, 49 (quarenta e nove) fardos de serapilheira, contendo cada um 25 (vinte e cinco) embalagens, e 1 (um) fardo de serapilheira com 10 (dez) embalagens, num total de 1235 (mil, duzentas e trinta e cinco) embalagens, com o peso bruto total de 1.409,150 kg (mil quatrocentos e nove quilos e cento e cinquenta gramas) de cocaína (cloridrato). a.45) No interior da casa de navegação foram ainda encontrados e apreendidos: - um telemóvel, marca "SAMSUNG", com o IMEI 351891/06/518993/5, com um cartão SIM da NOS associado ao número 910 271 536 (Alvo 75492060), habitualmente utilizado pelo arguido DD; - € 1.160,00 (mil, cento e sessenta euros), em numerário; - uma agenda pessoal; e - uma carta náutica do "North Atlantic Ocean", na qual se encontrava assinalado a lápis o ponto "2295", correspondente às coordenadas 10°N e 40°W, a cerca de 600 (seiscentas) milhas da Guiana Francesa. a.46) No interior da casa da ponte foram encontrados e apreendidos: - três telefones satélite, encastrados na embarcação, sendo um da marca "SAIT MARINE", outro da marca "THRANE & THRANE DENMARK", e outra da marca "IRIDIUM". a.47) No interior do camarote utilizado pelos arguidos DD e AA, pertencentes a este último, foram encontrados e apreendidos: - € 4.300,00 (quatro mil e trezentos euros), em numerário; - um telemóvel da marca "SAMSUNG", modelo S3, de cor branca, associado a número espanhol; - um cartão mini SIM da marca "LEGARA", com a referência 3457042140626163 6V013; - um cartão mini SIM da marca "LEGARA", sem referência; - um cartão mini SIM, da NOS, com a referência 166314599840; e - um telemóvel da marca "SAMSUNG", modelo S6 Edge, com o IMEI 359521065385355/01, com um cartão SIM da NOS associado ao número ... (Alvo 75492060), habitualmente utilizado pelo arguido AA. a.48) No interior do camarote utilizado pelo arguido FF foram encontrados e apreendidos: - € 600,00 (seiscentos euros), em numerário; e - um telemóvel VODAFONE, associado ao número .... a.49) No interior do camarote utilizado pelo arguido GG foram encontrados e apreendidos: - um telemóvel da marca "NOKIA", de cor preta, com o IMEI 355368/04/394157/6, com um cartão SIM da VODAFONE associado ao número ...; - um telemóvel da marca "NOKIA", de cor preta, com o IMEI 355388/04/273134/9, associado a um número marroquino; e - um telemóvel da marca "WICO", de cor preta. a.50) No interior do camarote utilizado pelo arguido EE foram encontrados e apreendidos: - € 300,00 (trezentos euros), em numerário. a.51) No interior do camarote utilizado pelo arguido II foram encontrados e apreendidos: - um telemóvel da marca "SAMSUNG", de cor prateada; - um cartão SIM da MUNDO, com a referência 652 512530; - um telefone satélite da marca "IRIDIUM", com o IMEI ..., com um cartão da IRIDIUM com o número ...; e - um carregador de telefone satélite, da marca "GEONATURE". a.52) No interior do camarote utilizado pelo arguido HH foram encontrados e apreendidos: - um telemóvel da marca "ALCATEL", modelo Onetouch; - um telemóvel da marca "SAMSUNG", modelo Galaxy Grand Duo, de cor branca; e - um cartão SIM da marca "LEGARA", com a referência 3457042130412230 2V013. a.53) Os arguidos DD, AA, CC, GG, EE, FF e HH seguiam na embarcação, aquando da descrita abordagem pela Polícia Judiciária, sendo os seus únicos tripulantes. a.54) No dia 17 de Agosto de 2015, na residência do arguido DD e da arguida BB, situada na Urbanização ..., Lote 16, em ..., no interior do seu quarto de dormir, o arguido DD detinha as seguintes armas, que foram apreendidas: - 1 (uma) pistola semiautomática, de calibre 6,35 mm Browning, de marca "ASTRA", modelo CUB, com o número de série 1261308, com a respectiva licença caducada, munida com carregador municiado com 6 (seis) munições de calibre 6,35 mm Browning, de marca GFL; - 8 (oito) cartuchos de calibre 12, da marca "WINCHESTER"; - 1 (uma) espingarda caçadeira, de tiro a tiro, com canos sobrepostos basculantes, marca "FN/BROWNING", modelo LIÉGE, de calibre 12 e com o número de série 72J 00865; e - € 2.560,00 (dois mil, quinhentos e sessenta euros), em notas de € 20,00 (vinte euros). a.55) No hall de entrada da residência a arguida BB detinha um telemóvel marca "SAMSUNG", de cor preta, com o IMEI ..., com um cartão SIM da NOS com o número ... (Alvo 76170040), o qual foi apreendido. a.56) Na cozinha da residência foram encontrados e apreendidos: - um telemóvel de marca "ALCATEL", com o IMEI 8679640132288195, com um cartão SIM da VODAFONE com o número ...; e - um telemóvel de marca "NOKIA", com o IMEI 355399/04/495712/1 e com um cartão SIM da MEO com o número .... a.57) Na zona de escritório da residência foram encontrados e apreendidos: - um telemóvel de marca "SAMSUNG", de cor preta, com o IMEI 352321068734270, sem cartão SIM inserido; - um telemóvel de marca "SAMSUNG" com o IMEI 356013035237869, com um cartão SIM da MOIGO com o número ...; - um telemóvel de marca "MOTOROLA", com o IMEI 356465012414087, sem cartão SIM; - um telemóvel de marca "MOTOROLA", com o IMEI 356465012414848, sem cartão SIM; - três documentos, datados de 27 de Julho de 2015, emitidos pela sociedade "... — Consultoria e Equipamentos Navais, Lda", relativos a trabalhos no âmbito da certificação de embarcação pela Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, efectuados na embarcação "..."; - um comprovativo de depósito de € 1.000,00 (mil euros), em numerário, na conta bancária da sociedade "...", no Banco SANTANDER TOTTA; - nove folhas de comprovativos de viagens aéreas; - uma factura emitida pela Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, em 12 de Junho de 2015, em nome de DD, relativa a um parecer técnico para viagens para além da área costeira nacional, referente à embarcação "..."; e - um bilhete de avião Gran Canaria/Lisboa, em nome de DD, com data de 25 de Abril. a.58) Na garagem da residência foram encontrados e apreendidos: - um telemóvel "SAMSUNG", de cor preta, com o IMEI 352325067900535 e com um cartão SIM da MEO com o número ...; - um telemóvel "SAMSUNG", prateado, com o IMEI 355057060004125, com um cartão SIM da NOS com o número ...; e - uma espingarda caçadeira semiautomática, de calibre 12, marca "FN/BROWNING", modelo AUTO 5, com o número de série 67 51924 (apresentando o número "L 61478" gravado no cano), com a respectiva licença caducada. a.59) No interior da carteira da arguida BB foram encontrados e apreendidos: - um maço de notas de € 10,00 (dez euros), presas com um elástico, no montante total de € 230,00 (duzentos e trinta euros); e - um comprovativo de depósito de € 2.300,00 (dois mil e trezentos euros), em conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, datado de 31 de Julho de 2015. a.60) As espingardas caçadeiras e a pistola acima descritas pertencem ao arguido DD e encontravam-se em boas condições de funcionamento e em regular estado de conservação e limpeza. a.61) Também as munições acima descritas pertenciam ao arguido DD, encontrando-se em boas condições de utilização. a.62) O arguido DD não era titular de licença de uso e porte de arma para as categorias daquelas armas, e sabia que a detenção daquelas pistola e caçadeiras só lhe era permitida se fosse titular de licença. a.63) Os arguidos DD, BB, AA, CC, EE, FF, GG e HH conheciam a natureza estupefaciente do produto transportado no interior da "...", e da elevada quantidade do mesmo, tendo actuado com o propósito de concretizar o aludido transporte, com vista a permitir a futura comercialização do estupefaciente, e, em contrapartida, se obterem avultados proventos económicos. a.64) Pela sua actuação no transporte do estupefaciente através da embarcação "...", os arguidos DD, BB, AA, II, GG, EE, FF e HH pretendiam receber avultada compensação monetária, cifrando-se no montante de € 19.000,00 (dezanove mil euros), para o arguido GG, e em montante não concretamente apurado para os demais arguidos. a.65) Submetida a exame laboratorial toxicológico, verificou-se que a cocaína (cloridrato) apreendida nos autos tem 67,9% de grau de pureza e o peso líquido de 1.238.167,297 gramas, o qual daria para a feitura de 4.203.591 doses (quatro milhões, duzentas e três mil, quinhentas e noventa e uma doses), no valor global de, pelo menos, € 85.396.398,47 (oitenta e cinco milhões, trezentos e noventa e seis mil, trezentos e noventa e oito euros e quarenta e sete cêntimos), por referência ao valor do preço médio da grama de cocaína no mercado de tráfico e tráfico-consumo (€ 68,97), indicado no Relatório Estatístico para o ano de 2014, elaborado pela Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária. a.66) Os arguidos DD, BB, AA, CC, EE, FF, GG e HH agiram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, com pleno conhecimento que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. a.67) No ano de 2010 os arguidos DD e BB, à data ainda casados entre si, declararam um rendimento anual no valor de € 911.697,12 , decorrente de vendas / prestação de serviços no âmbito da sua actividade de armadores de pesca – rendimentos de categoria B; acrescido de € 24.500,00 relativos ao recebimento de pensões. a.68) No ano de 2011 os arguidos DD e BB, à data ainda casados entre si, declararam um rendimento anual no valor de € 653.979,42 , decorrente de vendas / prestação de serviços no âmbito da sua actividade de armadores de pesca – rendimentos de categoria B; acrescido de € 24.500,00 relativos ao recebimento de pensões. a.69) No ano de 2010 o arguido AA declarou um rendimento anual no valor de € 18.000,00 , relativos a rendimento de trabalhador dependente (por conta do seu pai DD). a.70) No ano de 2011 o arguido AA declarou um rendimento anual no valor de € 12.000,00 , relativos a rendimento de trabalhador dependente (por conta do seu pai DD). a.71) No ano de 2012 o arguido AA declarou um rendimento anual no valor de € 14.000 , relativos a rendimento de trabalhador dependente (por conta da “..., Unipessoal, Lda”). a.72) No ano de 2013 o arguido AA declarou um rendimento anual no valor de € 14.000 , relativos a rendimento de trabalhador dependente (por conta da “..., Unipessoal, Lda”). a.73) No ano de 2014 o arguido AA declarou um rendimento anual no valor de € 14.000 , relativos a rendimento de trabalhador dependente (por conta da “..., Unipessoal, Lda”). a.74) No ano de 2015 o arguido AA declarou um rendimento anual no valor de € 7.000 , relativos a rendimento de trabalhador dependente (por conta da “..., Unipessoal, Lda”). a.75) Nos anos de 2012 a 2105 os únicos rendimentos declarados pelo arguido DD são os relativos ao recebimento da sua pensão, no montante mensal de € 713,99 x 14 meses. a.76) Nos anos de 2012 a 2105 a arguida BB não declarou quaisquer rendimentos. a.77) A arguida BB é desde 2012 única titular da totalidade do capital social da sociedade “..., Unipessoal, Lda”, no valor de € 5.000,00. a.78) A sociedade “..., Unipessoal, Lda”, representada pela arguida BB, é titular da conta do Novo Banco nºe o arguido AA é autorizado a movimentar esta conta. a.79) A sociedade “..., Unipessoal, Lda” não apresentou qualquer declaração de IRC relativa aos anos de 2012 a 2015. a.80) O arguido DD, no período de Janeiro de 2012 a 16 de Agosto de 2015, a acrescer ao valor da pensão por velhice, apresentou um património pecuniário da ordem de, pelo menos, € 54.834,49. a.81) A arguida BB, no período de Janeiro de 2012 a 16 de Agosto de 2015, apresentou um património pecuniário da ordem dos € 173.472,91; a.82) Em 03/10/2014 o arguido AA comprou o veículo Mercedes-Benz, Classe C 220, de matrícula ..., pelo preço de € 50.000,00; e que entretanto vendeu já a terceiro. a.83) O arguido AA, no período de Janeiro de 2012 a 16 de Agosto de 2015, a acrescer ao rendimento do trabalho subordinado que declarou, apresentou um património pecuniário da ordem dos € 58.575,30. a.84) O arguido DD é titular dos seguintes bens, todos onerados com penhoras averbadas: - o direito a 1/3 indiviso do Prédio urbano sito na..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o nº 579, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Santa Bárbara sob o artº 437, adquirido por herança, em 26/05/1989; - Prédio urbano sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o nº 2689, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Santa Bárbara sob o artº 787, - Prédio urbano sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o nº 2690, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Santa Bárbara sob o artº 858, - Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o nº 2691, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Santa Bárbara sob o artº 858. a.85) O arguido AA é titular da Fracção autónoma denominada pela letra E do prédio urbano sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1853-E, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Santa Maria de Belém sob o artº ..., adquirida em 2013, por recurso a crédito hipotecário, e onerada com uma penhora da instituição que concedeu o crédito hipotecário. a.86) A arguida BB é titular do prédio urbano sito na Urbanização ..., lote 16, freguesia e concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o nº 2405, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Lagoa sob o artº 4454, adquirido em 2001 por aquela e pelo à data seu marido DD, com recurso a crédito hipotecário, e posteriormente adjudicado à BB, em 23/02/2012, por partilha subsequente a divórcio. Sobre o aludido imóvel impendem duas penhoras e ónus hipotecários. Mais se provou: a.87) O arguido DD tem actualmente 80 anos de idade, sofreu um enfarte há cerca de 12 anos, e há cerca de 6 anos foi-lhe diagnosticada neoplasia da próstata, tendo realizado radioterapia. a.88) O arguido DD é filho de agricultor/pescador e de mãe doméstica, sendo uma fratria de 2 irmãos; e iniciou o trabalho no campo com o progenitor aos 11 anos. Aos 15/16 anos deu início à actividade de pescador, tendo-se iniciado na pesca da lagosta e aos 29 anos iniciou a função de mestre e trabalhou no porto de Peniche como proprietário/armador de embarcações. a.89) Ao nível escolar concluiu a 2ª classe, tendo concluído a 4ª classe aos 30 anos, quando tirou a carta de condução. a.90) Aos 23 anos iniciou relação de facto com a primeira companheira, de quem teve cinco filhos, e com quem viveu durante 28 anos. a.91) Após a separação iniciou nova relação com a BB, com quem teve um filho, o arguido AA, e de quem se separou em 2012. a.92) O arguido apresenta um discurso reservado quanto aos facto em apreço nos autos. a.93) Actualmente não tem contacto com a arguida BB, nem usufrui de visitas no estabelecimento prisional. a.94) O arguido sofre de surdez. a.95) Do CRC do arguido DD nada consta. a.96) A arguida BB nasceu e cresceu num ambiente familiar equilibrado e estruturado, tendo estabelecido uma relação confidente e cúmplice com os pais, entretanto falecidos, e com o único irmão, que há muitos anos emigrou para a Austrália. a.97) Iniciou a actividade laboral aos 18/19 anos, como desenhadora de construção civil, actividade que abandonou quando aos 28 anos casou com o co-arguido, DD, cerca de 22 anos mais velho, armador de embarcações de pesca. a.98) A arguida teve um anterior casamento, do qual nasceu um filho, ..., agora residente em França, e com quem tem pouco contacto. a.100) A arguida e o DD viviam dos rendimentos do pescado e de um armazém de redes de pesca, na zona da .... O casal viveu inicialmente na zona de ..., numa quinta, e há cerca de 14/15 anos adquiriram outra quinta em ..., onde acabaram por se fixar. a.101) O casal divorciou-se em 2012, mas mantiveram a coabitação e o trabalho em conjunto, até à data da prisão de DD, em Agosto. a.102) A arguida apenas dispõe do apoio dos vizinhos, em Lagoa, que a visitam no EP e cuidam da sua casa, e corresponde-se com o filho, AA, preso no EP de Lisboa. a.103) A arguida denota alguma inibição sócio afectiva e manifesta tendência vitimizante, com défices de competências pró-sociais ao nível da autonomia e da expressão de afectos. a.104) Do CRC da arguida BB nada consta. a.105) O arguido AA descende de uma família de nível sócio-económico favorável, sendo o único filho do casal, em que o pai, co-arguido, sempre esteve ligado à área piscatória, tendo-se estabelecido há vários anos como armador de barcos de pesca, cabendo à mãe, também co-arguida, tarefas ao nível da gestão/administração da empresa da família. Possui um irmão uterino, com quem cresceu, e cinco irmãos consanguíneos, com os quais manteve uma relação distante. a.106) A dinâmica familiar é estável, ainda que pontualmente afetada pela postura de controlo e de ciúmes do progenitor, em relação à mãe, com quem o arguido tem desenvolvido uma maior proximidade afetiva, e que surge como a sua principal figura de referência. a.107) Concluiu o 12º ano de escolaridade e frequentou dois anos da licenciatura em engenharia informática, que veio a abandonar, na sequência de dificuldades económicas, vivenciadas pelo agregado. a.108) Começou a trabalhar junto do progenitor, na empresa de família, nunca tendo experienciado outra ocupação laboral, assumindo funções ao nível da compra de peças para o barco, bem como ao nível da aquisição de mantimentos para as viagens que a embarcação efectuava. a.109) À data da sua detenção, AA encontrava-se a residir sozinho em Lisboa, num apartamento de tipologia T1, adquirido com recurso a empréstimo bancário; mas alternava de residência entre a sua habitação em Lisboa e a morada de família, em Peniche, onde se deslocava frequentemente para visitar os pais. a.111) Economicamente, beneficiou de um nível de vida confortável, em que a família viveu com qualidade, o que permitiu a aquisição de bens imóveis e de embarcações para pesca. a.112) Nos últimos quatro anos, verificou-se um agravamento da situação económica da família, derivada do decréscimo do volume de negócio e dos custos associados ao mesmo, com dívidas aos serviços de segurança social e finanças. a.113) Durante a sua permanência no Estabelecimento Prisional do Funchal, evidenciou na generalidade uma conduta ajustada, tendo, todavia, registado uma sanção disciplinar gravosa, por posse de telemóvel. a.114) Do CRC do arguido Bruno Miguel Silva Santos nada consta. a.115) O arguido Luís Filipe Garcia Manso Martinez nasceu e viveu em Espanha até ao ano de 1996, altura em que foi trabalhar para o Haiti, aí se fixou com a companheira e teve três filhos. a.115-a) Segundo declarado pelo arguido, em 2007 o mesmo foi detido e objecto de um procedimento criminal nos Estados Unidos da América por factos praticados em 2006, e no âmbito de tal processo o arguido respondeu pelo delito de "Conspiracy", tendo permanecido preso até 2011, altura em que foi deportado para Espanha. a.116) Em 2011 o arguido regressou para Espanha, onde já se encontravam a viver os seus filhos, com a mãe destes, e com a irmã do arguido, na casa desta última; e, em princípios de 2012 voltou ao Haiti. a.117) A mãe do arguido reside e trabalha no Haiti há mais de 10 anos, e aí ambos exploram três negócios distintos: um relativo à unidade turística que se denomina "Complex Confort", de alojamento em pequenos apartamentos, outro relativo uma empresa que se dedica à venda e colocação de equipamentos e comercialização de iluminação pública no Haiti, e um terceiro reportado à exploração e gestão de um espaço destinado à realização de workshops e eventos. a.117-a) A unidade turística "Complex Confort” necessitava de urgentes obras de reparação e de conservação em consequência dos sérios danos provocados na estrutura, na piscina, no sistema eléctrico e nos espaços comuns e exteriores pelo terramoto ocorrido no ano 2010; tendo o arguido ordenado se procedessem às reparações mais prementes no “Complex Confort”, de modo a poderem acolher os hóspedes, designadamente os soldados da ONU ou “capacetes azuis”; a.118) Com vista a acompanhar o transbordo e entrega da cocaína, o arguido Luís Martinez viajou no dia 18 de Maio de 2015 para Espanha, em Madrid, onde visitou e esteve com os seus filhos e família, após o que viajou para Mindelo , em Cabo Verde, e, mais tarde, viajou para Las Palmas, onde embarcou no “Miguel Santos”. a.119) Nos últimos anos o arguido enviou regularmente pelo menos € 1.000 mensais para prover ao sustento dos seus 3 filhos residentes em Madrid. O arguido tem uma outra filha, de 11 anos, que reside no Canadá com a mãe dela. a.120) Luís Martinez, é o terceiro mais velho de uma fratria de 4 irmãos, beneficiando de uma dinâmica familiar equilibrada, ainda que marcada pela separação dos progenitores, sendo o pai, engenheiro industrial, e a mãe, negociante. A relação com o progenitor é distante, tendo a mãe assumido uma figura mais constante no seu processo de desenvolvimento. a.121) Segundo declarado pelo arguido, concluiu licenciatura em gestão comercial e marketing e posteriormente um master em marketing turístico. a.122) O arguido adaptou-se bem ao estabelecimento prisional e beneficia de apoio dos familiares, que lhe telefonam. a.122)-a Do CRC do arguido CC emitido pela DGAJ – Ministério da Justiça de Portugal , nada consta. a.123) O arguido Manuel Braga Viana é o mais velho de cinco irmãos, tendo-se desenvolvido no seio de uma família de fracos recursos socioeconómicos, mas com uma dinâmica familiar estável e de entreajuda, em que o pai trabalhava na pesca e a mãe na venda de peixe. a.124) Frequentou o sistema de ensino até ao 4º ano de escolaridade, altura em que começou a trabalhar junto do progenitor na pesca. O arguido obteve carta de mestre de embarcação, e aos 19 anos emigrou para a Alemanha, tendo em vista a melhoria das condições de vida, e aí permaneceu durante cerca de sete anos, período em que trabalhou em navios mercantes de carga. a.125) Após o regresso a Portugal, voltou a desenvolver actividade piscatória como mestre de embarcação, apresentando um percurso com hábitos de trabalho, ainda que com várias alternâncias de entidade patronal. a.126) Contraiu matrimónio aos 23 anos de idade, com a actual cônjuge, tendo desta união três filhos, que contam actualmente 36, 32 e 27 anos de idade, apresentando a família uma dinâmica positiva, marcada por um forte sentimento de união familiar. a.127) À data dos factos, o arguido encontrava-se a residir com a cônjuge e um neto com 17 anos de idade. O agregado familiar habita uma casa de tipologia T3 adquirida com recurso a empréstimo bancário, ainda a liquidar, mediante a prestação mensal de € 350,00. a.128) Mais recentemente, uma das filhas, com problemas de saúde, reintegrou o agregado familiar de origem juntamente com o cônjuge e dois filhos menores, a.129) Em termos laborais, nos últimos anos apresentou uma situação irregular, trabalhando como mestre de embarcação em regime sazonal, de acordo com as oportunidades que iram surgindo, tendo chegado a beneficiar do subsídio de desemprego durante alguns períodos. a.130) Nos meses em que trabalhava o arguido EE auferia uma média mensal de € 2.000,00. a.131) Encontra-se desde o mês de novembro de 2015 a auferir pensão de aposentação, no valor de 624€. a.132) O arguido EE revelou uma integração ajustada em meio prisional, optando por permanecer maioritariamente na cela. Durante a sua permanência no Estabelecimento Prisional do Funchal, não beneficiou de visitas dos familiares, assumindo-se a distância geográfica como um factor de constrangimento. Mantinha contudo contactos telefónicos regulares com a cônjuge e filhos, que surgem como os seus principais elementos de suporte. a.133) Do CRC do arguido Manuel Braga Viana nada consta. a.134) O arguido Francisco Carlos Resende Lima é natural de Angola, onde viveu com os pais e cinco irmãos até ao 25 de abril de 1974, quando a família se deslocou para Portugal, onde fixou residência. a.135) As necessidades do agregado eram asseguradas através do vencimento do pai, serralheiro mecânico, cabendo à mãe as tarefas de gestão doméstica e acompanhamento dos filhos, numa condição de vida desfavorecida, mas com uma dinâmica familiar estável e de coesão. a.136) O percurso laboral do arguido iniciou-se aos dezasseis anos, após ter completado o 7º ano de escolaridade (atual 11ºano). Ao longo dos anos, manteve um exercício laboral regular, não obstante alguma alternância de entidade patronal, justificada pela procura de melhores condições junto de diferentes armadores, tendo contribuído regularmente para o sistema de proteção social. a.137) Estabeleceu um relacionamento conjugal no contexto do qual nasceu a sua única filha, actualmente com 28 anos. A relação terminou quando a filha ainda não tinha completado dois anos de idade. Após um curto período de permanência junto da mãe, a criança foi entregue aos cuidados e uma irmã do arguido com quem este vivia, facto que contribuiu para uma forte vinculação entre estes três elementos, que subsiste até ao momento presente. a.138) À data da reclusão, o arguido residia com a irmã, de 65 anos, com a qual partilhava uma casa arrendada à Câmara Municipal de Santarém. As despesas eram asseguradas através do trabalho da irmã, empregada doméstica em casas particulares, contribuindo Francisco Lima com um montante mensal de 150 euros para o orçamento familiar. a.139) Adinâmica familiar é de coesão e de interajuda, sendo o arguido identificado pela irmã não só como um apoio económico mas também emocional, especialmente após o falecimento do marido e a autonomização dos filhos. a.140) No Estabelecimento Prisional do Funchal o arguido manteve uma postura adequada, contando com o apoio da irmã e da filha, que o visitaram ainda durante o ano de 2015 e com quem contactava telefonicamente. a.141) Do CRC do arguido Francisco Carlos Resende Lima nada consta. a.142) O arguido Jorge Manuel Fontes Miguel é o mais novo de uma fratria de quatro elementos, tendo crescido num contexto socio familiar apoiante e onde as necessidades básicas eram asseguradas através dos rendimentos provenientes da actividade que o pai desenvolvia na pesca. a.142) Abandonou o sistema de ensino aos catorze anos, após obter a escolaridade obrigatória, começando a trabalhar junto do progenitor na pesca, actividade que sempre o aliciou. a.143) Aos 25 anos de idade o arguido estabeleceu-se por conta própria, e adquiriu mediante empréstimo bancário uma embarcação com a qual se dedicou à pesca, nomeadamente do espadarte, até março de 2012, quando se verificou o afundamento do barco que possuía. a.144) Por via dessa sua actividade, Jorge Miguel construiu uma vasta rede de sociabilidades, assumindo-se como um individuo ambicioso e empreendedor. a.145) O arguido foi pai aos 20 anos, no contexto de um relacionamento que cessou pouco após o nascimento da única filha, que conta actualmente 27 anos, reside com a mãe em Inglaterra, e com quem o arguido contacta frequentemente. a.146) O arguido consome bebidas alcoólicas, que encara como não sendo nocivos. a.147) À data da reclusão, o arguido residia numa moradia sua propriedade, possuindo também a casa contígua, que é ocupada por um sobrinho e respetivo agregado familiar. a.148) Desde o afundamento do seu barco, o arguido trabalha em regime não contributivo para outros armadores de pesca. a.149) Ao nível familiar refere uma dinâmica estável e positiva, marcada por um forte sentimento de união familiar. a.150) No Estabelecimento Prisional do Funchal o arguido tendeu a criticar as normas e regras de funcionamento do mesmo, mas não foi alvo de qualquer procedimento disciplinar, contactava telefonicamente com a filha, e contou com o apoio de familiares e amigos que o visitaram e apoiaram economicamente. a.151) Do CRC do arguido Jorge Miguel consta averbado o seguinte: Por sentença datada de 15/10/2015, transitada em julgado em 23/11/2015, proferida nos autos Processo Abreviado nº 219/15.0 GALNH da Instância Local da Lourinhã, secção criminal, o arguido foi condenado pela prática em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriague na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 6, o que perfez a multa global de € 420,00, por factos praticados em 19/05/2015. a.152) O arguido Heraclito da Graça dos Ramos Cravid é natural de São Tomé e Príncipe, e veio residir para Portugal em 2008, onde tem familiares. a.153) A dinâmica familiar da família de origem era funcional e apoiante, sendo o terceiro mais novo de uma fratria de nove irmãos; e sendo a progenitora a responsável pela gestão da casa, dedicando-se ainda ao comércio de frutas, enquanto o pai exercia a função de feitor numa firma do ramo agrícola. Todos os elementos colaboravam ainda numa agricultura de subsistência, não sendo por isso referidas especiais dificuldades ao nível da satisfação das necessidades básicas do agregado. a.154) Frequentou o sistema de ensino durante oito anos, tendo adquirido competências de leitura e escrita. a.155) Heraclito Cravid trabalhou inicialmente como comerciante de roupas porta a porta e, quando atingiu a maioridade, foi trabalhar como pescador. Após chegar a Portugal, o arguido trabalhou na construção civil, em cargas e descargas através de empresas de trabalho temporário. a.156) Foi pai ainda na adolescência, com quinze anos de idade. Deste relacionamento nasceram mais cinco filhos, dois dos quais já faleceram. Estabeleceu mais quatro relações amoroso-afetivas, dos quais nasceram mais cinco filhos. a.157) À data dos factos Heráclito Cravid residia com a ex cônjuge, com quem entretanto reatou a relação, e a filha de ambos, com 6 anos de idade. O agregado residia num imóvel adquirido pela companheira através de empréstimo bancário, pelo qual pagam uma mensalidade de 220 euros. a.158) Heráclito Cravid é um indivíduo com hábitos de trabalho que demonstra satisfação pelo exercício de uma atividade laboral. A companheira exerce funções numa empresa de limpeza que opera no aeroporto. a.159) Durante o período de reclusão regista uma sanção disciplinar, por ter na sua posse bebida com teor alcoólico. a.160) Quer do CRC emitido pela DGAJ , quer do CRC emitido pelas autoridades da República de São Tomé e Príncipe, nada consta acerca do arguido. a.161) A arguida Maria Lídia Fateixa é a mais velha de cinco filhos de um casal de baixa condição social. Foi alvo de um modelo educativo algo rígido, perturbado pelos hábitos alcoólicos do pai e por algumas dificuldades financeiras. A mãe assumiu um papel mais investido aos níveis afetivo e na definição de regras e limites. a.162) Abandonou a escola com 10 anos de idade, após a conclusão do 1º ciclo. a.163) Na decorrência das dificuldades económicas dos pais, começou a trabalhar com 12 anos de idade, como empregada doméstica, em Lisboa. Posteriormente exerceu outras profissões ligadas ao sector da restauração e como empregada de balcão. a.164) No plano afectivo, regista um primeiro casamento aos 18 anos de idade, do qual resultou o nascimento de duas filhas. Após uma vivência em comum de 10 anos, o casal separou-se. a.165) Posteriormente estabeleceu uma relação marital durante aproximadamente 4 anos, da qual nasceu a sua filha mais nova. Depois da morte do companheiro contraiu novo matrimónio, que manteve durante aproximadamente 7 anos. a.166) No primeiro semestre de 2015 , Maria Fateixa mantinha uma relação marital com o seu atual companheiro, e trabalhava como empregada de balcão numa ervanária localizada na Lourinhã, propriedade da sua filha mais velha. Neste espaço a arguida, que alega ser possuidora de “um chamamento espiritual”, dedicava-se a práticas esotéricas (cartas de tarôt). a.167) Na actualidade Maria Fateixa encontra-se num processo de separação do companheiro, e beneficia do apoio das filhas, a.168) Encontra-se desempregada, auferindo o respetivo subsídio social, no valor de €375. Sempre que contactada, continua a dar consultas de tarôt. a.169) Do CRC da arguida Maria Lídia Fateixa nada conta. Factos não provados: Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a discussão da causa, designadamente não se provaram quaisquer outros factos que estejam em oposição com os julgados provados, concretamente, não se provou: i) Qual o local ou país da Europa onde ia ser introduzida pelos arguidos a cocaína apreendida; ii) Que os arguidos tenham actuado em colaboração com outros indivíduos de nacionalidade espanhola, francesa e holandesa, cuja identidade não se logrou apurar, com vista à introdução e venda daquele estupefaciente em território Europeu, de molde a obterem elevados proventos económicos iii) Que o EE tenha isso contratado pela proceder às reparações da embarcação; iv) Que o arguido FRANCISCO LIMA seja pessoa com muita experiência a manobrar embarcações pesqueiras; v) Que o arguido JORGE MIGUEL, no dia 29/07/2015, apenas tenha recebido a quantia de € 10.000,00, e das mãos da Natividade; equivalente á parte do que iria auferir, por integrar a tripulação da "MIGUEL SANTOS" e participar no transporte da cocaína; vi) Que a arguida MARIA DA BB tenha instruído os arguidos DD e AA, instruindo-os no sentido de a informarem do local previsto para o desembarque da cocaína. vii) Que, até à saída da embarcação a arguida MARIA DA BB foi contactada pelos indivíduos que iriam receber a cocaína e pressionada para acelerar o processo de recolha e entrega do estupefaciente. viii) Que tenha sido igualmente com a arguida Natividade que aqueles indivíduos tenham acordado os termos do pagamento e o local da entrega da cocaína. ix) Que no dia 9 de Agosto de 2015, o arguido DD tenha transmitido à arguida MARIA DA BB , em código, o local previsto para a entrega do produto, e que tal local fosse situado na costa portuguesa, a cerca de 100 (cem) milhas de Peniche, com as coordenadas 39.30 - 11.20. x) Que a arguida LÍDIA FATEIXA fosse conhecedora de que o transporte a realizar pela embarcação “Miguel Santos” e respectiva tripulação fosse de cocaína, xi) Que os contactos entre as duas embarcações foram estabelecidos pelo arguido LUIS MARTINEZ, através do telefone satélite que trazia consigo. xii) Que coubesse à arguida MARIA DA BB a articulação com os elementos não nacionais da organização, com os quais estabeleceu contactos e acertou os termos do transporte, entrega e pagamento da cocaína e, na prossecução dessa conduta, se socorresse amiúde do aconselhamento da Lídia xiii) Que a arguida LÍDIA FATEIXA estivesse ciente da natureza e características da substância que a arguida MARIA DA BB e demais arguidos pretendiam transportar, auxiliou e aconselhou esta sobre os momentos, no seu entender, favoráveis ao transporte, a fidedignidade dos parceiros de negócio e, até, sobre o que deveria fazer para encobrir tal actividade, caso a sua conduta viesse a ser detectada pelas autoridades. xiv) Que os arguidos DD, MARIA DA BB e NUNO SANTOS tenham agido com o desígnio de levarem a cabo o tráfico de estupefacientes de forma permanente e prolongada, com a coordenação, orientação e repartição de tarefas pelos aderentes ao grupo. xv) Que os arguidos JORGE MIGUEL, EE, FRANCISCO LIMA e HERACLITO CRAVID tenham actuado como membros do grupo organizado para o transporte de elevadas quantidades de produto estupefaciente, de âmbito internacional, de forma permanente e prolongada, e com vista a obterem importante compensação remuneratória. xvi) Que os arguidos AA, JORGE MIGUEL, EE, FRANCISCO LIMA e HERACLITO CRAVID sabiam que participavam e quiseram participar no grupo em causa, o que sabiam ser proibido, bem como nas actividades relativas ao tráfico de estupefacientes que ele desenvolvia, aceitando e levando a cabo as tarefas que lhes foram atribuídas quer pelos arguidos DD e MARIA DA BB, quer pelos elementos da facção não nacional do grupo, nos moldes acima descritos. xvii) Que com a venda da cocaína apreendida, transportada na embarcação "MIGUEL SANTOS", cujo peso total daria para a feitura de 4.203.591 (quatro milhões, duzentas e três mil, quinhentas e noventa e uma) doses, os arguidos SANTOS e os demais elementos da organização esperavam angariar proventos superiores à quantia de € 289.921.671,27 (duzentos e oitenta e nove milhões, novecentos e vinte e um mil, seiscentos e setenta e um euros e vinte e sete cêntimos); xviii) Que no ano de 2014 o valor da dose diária de cocaína (correspondente a 0,2 gramas) indicado no Relatório Estatístico para o ano de 2014, elaborado pela Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária, fosse de € 68,97; xix) Que a arguida MARIA LÍDIA FATEIXA tenha agido deliberada, livre e conscientemente, ciente de que a MARIA DA BB e os demais arguidos fossem levar a cabo a tarefa de transporte marítimo de cocaína, e de que, com a sua conduta, prestava auxílio moral prestimoso à arguida; xx) Que os bens imóveis titulados pelo DD tenham sido adquiridos em data posterior a 2009; xxi) Que o prédio urbano titulado pela Maria da BB, sito na freguesia e concelho de Lagoa, descrito na CRP de Lagoa sob a ficha nº 2405 tenha sido adquirido na totalidade pela arguida em data posterior a 2010; xxii) Que o arguido Edmundo apenas auxiliou a legalização da embarcação "MIGUEL SANTOS", de modo a que a mesma pudesse navegar legalmente, desconhecendo que existisse qualquer procedimento com vista a recolha de qualquer produto estupefaciente com destino a Portugal; xxiii) Que a arguida Maria Natividade estivesse a preparar a embarcação «Miguel Santos» para a pesca e desse ordens ao arguido AA para tratar do recrutamento e documentação da tripulação exclusivamente nesse sentido; II. – DE DIREITO. II.a). – Errada qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes na sua forma agravada. A lei que regula a actividade ilícita atinente aos produtos entorpecedores ou estupefacientes contém uma previsão totalitária e quase absoluta das acções que podem ser desenvolvidas pela actividade humana concernente com este tipo de actividade. Na verdade, estatui o artigo 21º Decreto-lei nº 81/95, com as sucessivas alterações que lhe foram sendo introduzidas (vinte e uma (21) que “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer meio título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparar compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de 4 a 12 anos.” A previsão contida no citado constitui-se como o ilícito radical ou axial de todos os sub-tipos ou tipos exasperados e/ou mermados que a lei contempla – cfr. artigos 24º e 25º do mesmo diploma legal. [[2]] O bem jurídico [[3]] que a proibição das acções tipificadas na norma do artigo 21º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro pretende salvaguardar é a indemnidade ou protecção da saúde pública, pela nocividade que as substâncias elencadas nas tabelas anexas são susceptíveis de provocar no equilíbrio físico-psíquico dos indivíduos e reflexamente, na comunidade onde esses indivíduos se integram incubadora dos malefícios induzidos por comportamentos desviados dos padrões comummente aceites e tidos por relevantes pelo legislador penal. A incriminação jurídico-penal dos comportamentos decorrentes da detenção, compra, venda e consumo de estupefacientes [[4]], decorre da indicação feita pela Organização Mundial de Saúde do que se pode entender por droga. Para esta entidade por droga deve entender-se toda a substância, natural ou sintética, cujo consumo repetido, em doses diversas, provoca nas pessoas: 1º o desejo opressivo “abrumador” ou a necessidade de continuar o consumindo-a (dependência psíquica); 2º a tendência a aumentar a dose (tolerância) e 3º a dependência física ou orgânica dos efeitos da substância que torna verdadeiramente necessário o seu uso prolongado, para evitar a síndrome da abstinência” [[5]]. Tornou-se incontestado, ou não, que o tráfico de estupefacientes concita uma necessidade ingente de combate permanente pela danosidade social que comporta. Não sendo este o lugar apropriado para uma discussão que enfrente esta temática, mas não querendo deixar de debuxar a questão, temos para nós que a criminalização absoluta do “tráfico de droga”, como soe apelidar-se, pode assumir e comportar efeitos perversos e servir de álibi a actividades potenciadoras de conflitualidade gerada e gestionada, que induzem interesses e estratégias que pouco ou nada tem a ver com a preocupação do bem estar social. Bastaria ler alguma literatura descomprometida [[6]] para se adquirir a ideia dos fins para que podem ser utilizados o tráfico de droga e o dinheiro por ele gerado. Trata-se de um crime de perigo abstracto por através deles “se castigar uma conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso concreto tenha de ter-se produzido um resultado de colocação em perigo. Por tanto a evitação de concretos perigos e lesões é só o motivo do legislador, sem que a sua concorrência seja requisito do tipo.” [[7]] Partindo da configuração de um tipo, modelo ou nuclear, o previsto no artigo 21º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, o legislador português exasperou-o no artigo 24º, em face das repercussões económicas, sociais, financeiras que uma actividade, em exclusivo e de grandes dimensões acarreta, e doseou-o, de acordo com a intensidade da acção objectiva, a reduzida penetração e disseminação no tecido social e diminutos efeitos danosos que poderiam percutir nomeio onde se desenvolve um tráfico de cingido espectro no artigo 25º e, finalmente, com a qualidade e motivação subjectiva do agente no artigo 26º. Não sendo esta última previsão contemplada pela legislação espanhola, nem por isso a jurisprudência e a doutrina têm deixado de considerar uma realidade que engolfa comportamentos tidos por atípicos, por não legalmente consignados, [[8]] e que se conformam na figura do agente que adquire, detêm, consome e cede mediante contrapartidas monetárias a outros para auto-sustentação das suas próprias, concretas e especificas necessidades dimanantes da dependência que ostenta e mantém. Em decisão da Segunda Sala do T.S. – sentenças de 25 de Setembro de 1987 e 20 de Janeiro de 1989, considerou-se que o sujeito adicto ao consumo de determinado tipo de estupefacientes se pode transformar em “delinquente funcional” “que ingressa no pernicioso tráfico com o duplo fim de procurar a droga e um meio de vida”. As questões teóricas desencadeadas por este razoamento valorativo não deixa de merecer comentários de um autor espanhol Bacigulpo Zapater que alerta para a perversão que pode ocorrer quanto à natureza do tipo de ilícito e a imputação jurídico-objectiva em que se transformará um balizamento da acção de mera detenção de produtos estupefacientes. Seja-nos permitido socorrermo-nos, data venia, do doutrinado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Abril de 2013, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça em que se escreveu que (sic): “O crime de tráfico de estupefaciente abarca todas as condutas não autorizadas previstas no artº 21º do Dec-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro: “cultivar, produzir, fabricar, exportar, preparar, oferecer, puser a venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III. À sua consumação é-lhe indiferente a intenção lucrativa, ou o destino do produto estupefaciente, desde que não para consumo, sendo, porém, relevante, a quantidade total do produto integrante da acção proibida. O crime de tráfico como crime de perigo abstracto, centraliza-se na perigosidade da acção, uma vez que o perigo, não sendo elemento do tipo, se apresenta como “motivo da proibição”, sem que disso resulte qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência – (cfr. AC Tribunal Constitucional de 02-04-1992, “in” BMJ 411, p. 56). Nos termos do art.º 24.º do Dec- Lei n.º 15/93, a pena prevista no art.º 21.º é aumentada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, pela verificação de alguma das circunstâncias ali descritas. Não constitui um tipo autónomo, é circunscrito por circunstâncias especiais (agravantes) modificativas da pena, mas a sua aplicação não resulta obrigatoriamente da sua verificação, ou seja, a sua aplicação não deve ter-se por automática – v. Ac. STJ de 09/01/1997, Proc. n.º 210/96, 3.ª Secção Como já dava conta, o acórdão de 11/03/1998, deste Supremo, (v. Col. Jur. - Acs. do STJ, 1998, T. I, p. 228) as circunstâncias previstas no art.º 24.º referido apenas operam se em concreto revelarem uma agravação acentuada – considerável – da ilicitude ou da culpa do agente, em comparação com a subjacente para o crime principal do art.º 21.º, o que implica a ponderação em termos globais do facto e do seu agente.” [[11]] No mesmo eito se surpreende o doutrinado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Outubro de 2008, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa. “O tipo matricial ou tipo-base do crime de tráfico é o do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 – tipo esse que corresponde aos casos de tráfico normal e que, pela amplitude da respectiva moldura penal – 4 a 12 anos de prisão – abrange os casos mais variados de tráfico de estupefacientes, considerados dentro de uma gravidade mínima, mas já suficientemente acentuada para caber no âmbito do padrão de ilicitude requerido pelo tipo, cujo limite inferior da pena aplicável é indiciador dessa gravidade, e de uma gravidade máxima, correspondente a um grau de ilicitude muito elevada – tão elevada que justifique a pena de 12 anos de prisão. Os casos excepcionalmente graves estão previstos no art. 24.º, pela indicação taxativa das várias circunstâncias agravantes que se estendem pelas diversas alíneas do art. 24.º, enquanto que os casos de considerável diminuição da ilicitude estão previstos no art. 25.º, aqui por enumeração exemplificativa de algumas circunstâncias que, fazendo baixar a ilicitude para um limiar inferior ao requerido pelo tipo-base, não justificam (desde logo por não respeitar o princípio da proporcionalidade derivado do art. 18.º da Constituição) a grave penalidade prevista na moldura penal estabelecida para o tráfico normal. Por conseguinte, a grande generalidade do tráfico de estupefacientes caberá dentro das amplas fronteiras do tipo matricial; os casos de gravidade consideravelmente diminuída (pequeno tráfico) serão subsumidos no tipo privilegiado do art. 25.º e os casos de excepcional gravidade serão agravados de acordo com as circunstâncias agravantes do art. 24.º. Este último normativo rege para situações que desbordam francamente, pela sua gravidade, do vasto campo dos casos que se acolhem à previsão do art. 21.º e que ofendem já de forma grave ou muito grave os bens jurídicos protegidos com a incriminação – bens jurídicos variados, de carácter pessoal, mas todos eles recondutíveis ao bem jurídico mais geral da saúde pública. São, em suma, situações que, pelo que toca às quantidades e aos lucros obtidos, devem atingir significativas ordens de grandeza, que não se compadecem, de um modo geral, com a venda de substâncias estupefacientes ao consumidor final por um traficante que vai satisfazendo as necessidades de um pequeno círculo de pessoas, ainda que se venha dedicando, por tempo significativo, a essa actividade e tenha a sua subsistência assegurada exclusivamente através dela. Como se anota no acórdão de 4/5/2005, Proc. n.º 1263-05, da 3.ª Secção (Henriques Gaspar - relator, Antunes Grancho, Silva Flor e Soreto de Barros), publicado nos Sumários de Acórdãos do STJ, n.º 91, p. 122, (…) A agravação supõe, pois, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base - os artigos 21º, 22º e 23º do referido Decreto-Lei, e consequentemente, uma dimensão que, moldada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o círculo base das descrições-tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base. (…) O crime base do artigo 21º está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico. As circunstâncias – e especificamente, no caso, a da alínea c) do artigo 24º – não podem deixar de ser integradas, especialmente nos espaços de indeterminação, por considerações de gravidade exponencial de condutas que traduzam marcadamente um plus de ilicitude.” [[12]] Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Janeiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, “é inabarcável a jurisprudência deste Tribunal sobre a noção de avultada compensação económica enquanto qualificativa do crime de tráfico de estupefacientes”, esbagoando de seguida uma cópia de arestos concernentes à questão. No já citado acórdão desta secção de 17 de Abril de 2013, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, ponderou-se para esta questão que (sic): “Quando o art. 24º al. c) do DL nº 15/93 se refere à circunstância de "o agente obter ou procurar obter avultada compensação remuneratória", não é a diminuição do património do adquirente que está em causa, mas uma particular censura do espírito de lucro ou de ganho, que não recua perante as nefastas consequências para eminentes bens ou interesses jurídicos, pessoais, colectivos lesados pelo tráfico legal. Não ocorrendo, para o efeito, chamar à colação os valores que a lei penal considera para os crimes patrimoniais, dado se tratarem de situações diferentes em que nenhuma analogia é razoável. Após decisão isolada, o Supremo Tribunal de Justiça, na definição do conceito de avultada compensação remuneratória previsto no art. 24.º, al. c), do DL 15/93, de 22-01, este STJ já abandonou o recurso à fórmula usada no art. 202.º, al. b), do CPP [valor consideravelmente elevado é o que excede 200 unidades de conta], que apenas tem relevância para os crimes contra o património. No Código Penal de 1995, os conceitos de “valor elevado", "consideravelmente elevado" e diminuto valor" - art. 204, n.º 1, a), n.º 2, a) e n.º 4, deixaram de ser conceitos "carecidos de preenchimento valorativo", para assumirem a natureza de conceitos determinados descritivos, deixando de haver espaço valorativo para o tribunal Estão então em causa ofensas ao património, susceptível de valoração pecuniária determinada, justificação que não se encontra relativamente aos crimes a que se reporta o DL n.º 15/93, de 22/1, em que se pretende tutelar bens da personalidade, insusceptíveis de avaliação pecuniária. Está-se face a um índice de maior censurabilidade em actividade de acentuado perigo abstracto de ofensa de importantes bens jurídicos plúrimos sintetizados no bem jurídico da "saúde pública". A justificar opções de política criminal ainda mais rigorosas do que relativamente aos valores considerados para efeitos dos crimes patrimoniais podendo, em conformidade, essa "avultada" compensação considerar-se integrada por valores inferiores aos indicados na al. b) do citado art. 202.º do C. Penal. Como se referiu no Acórdão de 07-10-2004, 04P2828, ao se indicar que há agravação do tráfico para aquele que "procurava obter avultada compensação remuneratória", está exactamente a pensar-se nos casos em que, mesmo que não se apure qual a efectiva remuneração do traficante, seja fácil de concluir, pela qualidade da droga, pela sua quantidade e pela posição que o agente ocupa no "negócio" (não sendo mero «correio» ou «vendedor de rua»), que o mesmo iria obter uma larguíssima vantagem económica caso concluísse a «transacção». Outra solução que não esta seria aberrante e contrariaria o senso comum. “O conceito – avultada compensação remuneratória - há-de ser visto em ligação com a danosidade social emergente da actividade criminosa em causa, que, pondo em xeque a saúde pública, e portanto representando um valor negativo, sempre se haverá de ter como exageradamente «compensada», nesta perspectiva se havendo sempre por «avultada» a compensação que lhe corresponda, seja ela qual for (…). Aliás, a relatividade do conceito sempre terá de jogar com a miséria humana envolvente de muitos compradores dependentes, tornando verdadeiramente obscena a obtenção de lucros à sua custa, sejam eles grandes ou pequenos. E, neste sentido relativo das coisas, até o preço de uma dose pode comportar o objectivo de obtenção de «avultada compensação remuneratória»” – cf. Acs. proferidos em 02-09-02 e em 09-06-05, respectivamente nos Procs. n.ºs 2935/02 e 3992/04, ambos da 5.ª Secção., e Acórdão de 15-02-2007, SJ20070215028265 A jurisprudência deste Tribunal tem-se efectivamente pronunciado no sentido de que a avultada compensação remuneratória que se obteve ou se procurava obter pode não resultar directamente da prova do efectivo lucro conseguido ou a conseguir, mas de certos factos provados (como a quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias implicadas pela transacção), combinados com as regras da experiência comum, não dependendo de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da actividade. O carácter “avultado” da remuneração terá que ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente. Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada. “Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.” [[13]] Em sentido similar o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 2004, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, quando afirma (sic): “As instâncias consideraram que os factos provados integravam a circunstância referida na alínea c) do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro - o agente procurava obter «avultada compensação remuneratória». Esta disposição prevê a agravação dos crimes previstos nos artigos 21º, 22º e 23º do diploma se «o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória». É circunstância que, em identidade de formulação, constava já do artigo 27º do Decreto-Lei nº 430/83, de 13 de Dezembro. Na descrição da agravante (como em outras prevista na mesma disposição), a norma utiliza uma noção com largo espaço de indeterminação, impondo ao tribunal uma intervenção complementar de integração com assinalável extensão. As circunstâncias de agravação, que, como tal, integram o tipo agravado, e pertencem, num certo limite, ainda à tipicidade, têm refracções consequenciais na ilicitude por adensarem o nível do ilícito, revelando maior contributo na dimensão do perigo para os bens jurídicos que as incriminações dos tráficos de estupefacientes se destinam a tutelar. A maior dimensão da ilicitude que a agravação traduz há-de ser essencial para a interpretação e integração da referida noção indeterminada, que, por integrar ainda por si um elemento do tipo agravado, requer a definição segundo o modelo de rigor que tem de ser próprio à definição dos elementos da tipicidade. A agravação supõe, pois, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base - os artigos 21º, 22º e 23º do referido Decreto-Lei, e consequentemente, uma dimensão que, moldada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o círculo base das descrições-tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base. A circunstância prevista na alínea c) do artigo 24º tem, pois, de ser compreendida e integrada segundo critérios de densificação que se acolham aos supostos que devem sustentar a dimensão e a justificação político-criminalmente relevante do modelo de agravação. O crime base do artigo 21º está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico. As circunstâncias - e especificamente, no caso, a da alínea c) do artigo 24º - não podem deixar de ser integradas, especialmente nos espaços de indeterminação, por considerações de gravidade exponencial de condutas que traduzam marcadamente um plus de ilicitude. Mas, nesta perspectiva, a «elevada compensação remuneratória» que o agente obteve ou procurava obter, tem de se revelar da ordem de grandeza que se afaste, manifestamente e segundo parâmetros objectivos, das projecções do crime base, uma vez que em todos os tráficos - é da ordem das verificações empíricas e da sociologia ambiencial da actividade - os agentes procuram obter os ganhos (compensações remuneratórias) que a actividade lhes possa proporcionar - e, por isso, também já a previsão de acentuada gravidade da moldura do artigo 21º. A elevada compensação remuneratória, como circunstância que exaspera a ilicitude, tem de apresentar uma projecção de especial saliência, avaliada por elementos objectivos que revertem, necessariamente, à intensidade (mais que à duração) da actividade, conjugada com as quantidades de produto e montantes envolvidos nos "negócios" - o que aponta para operações ou "negócios" de grande tráfico, longe, por regra, das configurações da escala de base típicas e próprias do «dealer de rua» urbano ou do médio tráfico de distribuição intermédia. Têm de estar em causa ordens de valoração económica próprias dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição, ou alguma intervenção que, mesmo ocasional, mas directamente conformadora ou decisivamente relevante, seja determinada a obter ou produza uma compensação muito relevante, mas em que, pela ocasionalidade da intervenção, os riscos de detecção são menores, com a consequente maior saliência da ilicitude. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido abundante relativamente à referida circunstância (cfr., entre outros, os acórdãos de 4/10/2001, na CJ (STJ), Ano IX, tomo III, pág. 178; de 17/4/2000, na CJ (STJ), Ano VIII, tomo II, pág. 193, com indicação de variada jurisprudência anterior, e, mais recentes, de 29/5/2003, proc. 1662/03; de 27/2/2003, proc. 515/03; de 26/3/2003, proc. 3152/02; de 28/6/2002, proc.1099/01; de 10/10/2002, proc. 2539/01 e de 9/06/2004, proc. 1128/04).” [[14]/[15]] Temos para nós que o conceito utilizado pelo legislador na exasperação/agravação do tipo básico de tráfico de estupefacientes, ter o agente obtido ou procurado obter avultada compensação remuneratória, possui uma conotação ou índole valorativa, pelo que requer uma interpretação judicial em função do bem jurídico que a norma pretende proteger. Não fornecendo a lei pautas que permitam ao julgador obter âncoras de referência interpretativa, nomeadamente por indicação de valores ou quantias a partir das quais se possa considerar que o agente obteve, ou pretendia obter, avultada compensação remuneratória, está criado o espaço de rarefacção interpretativo-material indutor de insegurança jurídica e de permeabilidade do princípio da legalidade. Porém, alguns factores de correspondência económico-social poderão ser convocados para se poder aquilatar com um mínimo de conchavo integrador o que o julgador há-de ter por “avultada compensação remuneratória”. Os índices económicos e/ou remuneratórios a ter em consideração, porque referentes estabilizados, poderiam ser a referência a um determinado número de salários mínimos, ou a um escalão do IRS, por exemplo aquele a partir do qual o sistema fiscal estima ter o contribuinte adquirido um nível financeiro que o permite catalogar, ou acantonar, como integrado num estrato social médio-alto. Neste caso situar-se-ia o assalariado que estivesse colocado no 4º ou 5º, escalões, das tabelas aferidoras do IRS. Porém, na integração a que se deva proceder, não poderá deixar de se ter em consideração a etapa, ou fase, do circuito, ou iter, evolutivo em que se desenvolve e opera o processo de introdução de estupefaciente no mercado. De forma esquemática e em grandes etapas esse processo pode ser segmentado em i) cultivo; ii) produção; iii) transporte; iv) mercantilização. Se não será difícil proceder a uma integração/valoração do conceito na etapa da mercantilização, o mesmo não acontecerá – para nos cingirmos às duas fases finais – com o transporte. Uma compensação remuneratória avultada, considerando um desempenho de transporte – como parece ter sido a imputação operada ao arguido Edmundo – deveria situar-se perto dos trinta a mil (€ 30.000,00) ou quarenta mil (€ 40.000,00). Na integração/subsunção da conduta do arguido /recorrente está dado como adquirido que, i) o recorrente tomou a decisão de obter proventos extras à sua actividade de armador de pesca, aceitando proceder ao transporte de um carregamento de cocaína oriundo de um país da costa ocidental africana, na embarcação de que é proprietário; ii) para o efeito contratou pessoal experimentado na actividade marítima e conhecimento das rotas a adoptar; iii) assumiu a liderança do projecto, tendo procedido às tarefas necessárias ao bom estado da embarcação onde a cocaína iria ser carregada e transportada e desencalhado entraves que foram colocados pelas autoridades de Las Palmas; iv) integrava a tripulação quando a embarcação foi interceptada; v) sabia a natureza do produto e a quantidade que era transportada; vi) actuou com o propósito de a vir a transportar e entregar a mercadoria a indivíduos não identificados. Esta actividade e circunstâncias factuais materiais-pessoais conduzem a que o Distinto Magistrado do Ministério Público coloque objecções e aporias à exasperação do tipo de ilícito básico, com a sequente argumentação (sic): “A agravação através da avultada compensação remuneratória tem de resultar da matéria de facto no sentido de, em concreto, o agente (o arguido) ter obtido ou ter procurado obter essa grande remuneração. Mas da matéria de facto não se pode concluir qual o grande mentor da pretendida introdução da “cocaína”, eventualmente em Espanha ou outro país da Europa ou de África, via Portugal, através do barco pertencente à sociedade da coarguida tendo o arguido/recorrente DD planeado esse transporte para introdução conjuntamente com outros, incluindo coarguidos. Iniciou a sua execução, só não tendo entregue a cocaína devido à intervenção da PJ (com auxílio da Marinha de Guerra e Força Aérea Portuguesa) a 230 milhas da Madeira (Caniçal). Quem esteve incumbido de tal missão era a família dos arguidos Santos (Edmundo, Bruno e Maria Natividade) sem no entanto ficar provado que quantias/montantes iriam receber (seriam entregue ao arguido Bruno, segundo consta no p.º 42 dos factos provados) ou que lhes tivessem sido prometidas e qual as quantias que iriam distribuir pelos outros quatro arguidos. Por outro lado também se desconhece a origem do dinheiro que o arguido/recorrente terá utilizado no arranjo do barco “Miguel Santos” e no pagamento aos coarguidos que tripulavam e mantinham activo o barco. Apenas ficou provado, o montante que recebeu o último “capitão” contratado para tripular o barco – coarguido Jorge Miguel – 9.000 euros entregues pela coarguida Maria da Natividade (29.07.2015) que com ele havia “falado” (contratado) quando o mesmo se encontrava em Casablanca e 10.000€ entregue pelo coarguido Bruno (30.07.2015). Por isso parece-nos que, tal como o arguido recorrente pretende, o mesmo apenas poderia/eventualmente ser condenado pelo crime de tráfico do art. 21º do dec-lei nº 15/93, atendendo às outras circunstâncias designadamente o peso bruto da cocaína que trazia consigo - 1.409,150 Kg.” Para subsumir a conduta do recorrente do tipo agravado, ponderaram as instâncias (sic): “De seguida, este recorrente afirma que não foi produzida qualquer prova de que ele fosse receber essa avultada compensação monetária. Da não prova de tal facto resultaria a impossibilidade de condenação também pela circunstância modificativa agravante constante da al. c) do artº 24º do DL 15/93. Como se refere no acórdão recorrido, «nos termos do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, a pena prevista no art. 21.º é aumentada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo, pela verificação de alguma das circunstâncias ali descritas. (…) Quando o art. 24.º, al. c), do DL 15/93, de 22-01, se refere à circunstância de “o agente obter ou procurar obter avultada compensação remuneratória”, não é a diminuição do património do adquirente que está em causa, mas uma particular censura do espírito de lucro ou de ganho, que não recua perante as nefastas consequências para eminentes bens ou interesses jurídicos, pessoais, colectivos lesados pelo tráfico legal. Não ocorrendo, para o efeito, chamar à colação os valores que a lei penal considera para os crimes patrimoniais, dado tratarem-se de situações diferentes em que nenhuma analogia é razoável. A jurisprudência do STJ tem-se pronunciado no sentido de que a avultada compensação remuneratória que se obteve ou se procurava obter pode não resultar directamente da prova do efectivo lucro conseguido ou a conseguir, mas de certos factos provados (como a quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias implicadas pela transacção), combinados com as regras da experiência comum, não dependendo de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da actividade. O carácter “avultado” da remuneração terá que ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente. Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada. “Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.» Apenas se tendo feito prova da concreta compensação remuneratória conseguida pelo arguido Jorge Manuel, relativamente aos demais condenados, são pertinentes as considerações atrás tecidas. Não se provou qual a quantia que cada um dos arguidos, entre eles o Edmundo Miguel, procurava obter. Mas apurou-se, isso sim, nos termos já analisados, que eles pretendiam receber avultada compensação monetária, em montante não concretamente apurado (facto a.64)). Embora estejamos perante um conceito conclusivo, tal é permitido pela norma, já que é ela que, sem se preocupar com o preenchimento dessa verdadeira cláusula em branco, desse conceito indeterminado, permite ao tribunal a retirada da conclusão, face às circunstâncias objectivas em que os factos ocorreram. Não teve o legislador, neste caso, a preocupação de integrar tal conceito, mediante a criação de norma integradora, de definição legal, à semelhança do que fez com o artº 202º do CP. Como se destaca no acórdão recorrido, para o preenchimento desse conceito indeterminado, deve o tribunal socorrer-se de todos os elementos presentes do caso, que sirvam de índice dessa ‘avultada compensação remuneratória’. Da discussão da causa resultou provado que os arguidos Edmundo, Natividade, Bruno, Luis Martinez, EE, Francisco Lima, Jorge Miguel e Heraclito Cravid se uniram em torno de um desiderato comum, de fazer o transbordo e entrega em local não apurado de cerca de 1.400 Kg.s, peso bruto, de cloridrato de cocaína, a qual, no mercado, tem pelo menos o valor de € 85.396.398,47. Face ao grau de intervenção essencial e predominante do recorrente Edmundo Miguel, ao modo como o transporte da cocaína estava a ser efectuado, numa viagem oceânica de diversos dias, à quantidade e ao valor da cocaína apreendida, é lícito extrair a conclusão, por presunção judiciária (v. o artº 349º do CC), de que a remuneração que ela obteria tinha de ser, necessariamente, avultada, no sentido de valiosa, grande. Assim sendo, foi legítima a conclusão retirada pelo tribunal de que com a sua participação no transporte daquela droga, também este recorrente pretenderia obter uma compensação monetária de vulto, significativa, pois que de outro modo não seria compensado o risco resultante da sua provada intervenção nos factos. Por isso, também sob esta perspectiva, nada a censurar no acórdão recorrido. Ao ‘atirar’ a responsabilidade para cima da co-arguida Natividade, como o faz na sua conclusão 4., afirmando que era ela quem iria receber o valor do transporte, em nada prejudica a presunção retirada pelo tribunal recorrido; ainda que assim fosse, e nada se provou nesse sentido, essa compensação sempre seria visada pelos comparticipantes no crime, devendo aquela remunerá-los nesse sentido. Prossegue este recorrente fazendo afirmações inconsequentes nas suas conclusões 5 (Toda a operação estava controlada ab initito pela Polícia Judiciária, pelo que efetivamente, os bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras nunca estiveram em perigo de serem lesados.) e 6 (O produto estupefaciente foi totalmente apreendido, nunca tendo existido perigo para a saúde pública, tendo toda a operação estado sob controlo da Policia Judiciária, que ab initio sabia o que os Arguidos pretendiam fazer.), para daqui concluir que «não pode dar-se como provado de que o Recorrente fosse ou procurasse obter “elevados proventos económicos”.» (7.) É manifesto que o recorrente, ao levar a cabo o transporte da cocaína, deveria desconhecer em absoluto que a operação estava a ser acompanhada pela PJ e que aquela substância seria apreendida. Por isso se pode afirmar que, com o tráfico dessa droga, pretendia ele, como pretendiam todos, obter uma avultada compensação económica, nos termos já por nós apreciados. De seguida, este arguido, na pressuposição de que procederiam as suas anteriores conclusões, afirma que não deve o crime base, do artº 21º, 1, ser qualificado nos termos daquele artº 24º, c), face à não prova de que procurasse obter esses elevados proventos. Porque vimos já que esse era o fito do arguido, até porque a sua intervenção, juntamente com a da co-arguida Natividade e do filho de ambos Bruno Miguel, foi preponderante na génese e no desenvolvimento do crime, é lícita a conclusão de que eles pretendiam obter tais vantajosos proveitos. Assim sendo, tem de funcionar no caso a agravativa em causa.” O tipo base prevê, na sua elementaridade material básica, para além de outras acções típicas, que descreve “em cascata” – cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver – as condutas ilícitas que, no fundo congregam um fim, impedir que seja favorecido, promovido ou facilitado do consumo ilegal de qualquer dos produtos indicados na tabela anexa, através do tráfico. Entre as condutas que o tipo base prevê e acautela, no circuito (operativo) que vai desde o cultivo até ao consumo, encontra-se o transporte. Se é certo que a lei não individualiza e autonomiza qualquer das condutas típicas, o facto é que, no acto de julgar cada um dos factores da cadeia de introdução do produto estupefaciente no mercado – desde o cultivo até ao consumo – não pode o aplicador da lei deixar de distinguir e aferir cada uma das concretas acções que os diversos intervenientes no encadeamento condutor do produto estupefaciente no mercado. Tomando-se como exemplo, colhido de estudos e investigações efectuadas pelo Observatoire de la Drogue, o cultivador da folha de coca das montanhas da Colômbia, da Bolívia ou do Equador, ainda que tenha consciência que o cultivo e venda de folha de coca é proibida por lei, também sabe que o cultivo desse tipo de planta é, economicamente, mais vantajoso que todos os demais cultivos tradicionais que pudesse efectivar no mesmo espaço de terra. Daí que, na hora de decidir entre a semeadura de produto de cultivo legal, por exemplo batatas, e de uma planta de coca a opção vá para esta e despreze a ameaça de aplicação da norma que prevê e pune o cultivo. Encontrado em situação infraccional, a na hora de aplicação da lei não se poderá deixar de ter em atenção as condições económicas, familiares e sociais em que vivem este tipo de agricultores e quais os motivos que os levam a cultivar a folha de coca em detrimento de outras culturas menos rentáveis e, quiçá, com uma produtividade menor nas montanhas em que a planta de coca é cultivada. Questões de subsistência familiar e económica estão na opção que é tomada, e, diga-se por arrimo á verdade, uma certa condescendência das autoridades governamentais. Do mesmo passo, não pode, na hora de aferir as agravantes contidas no artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93, deixar de se equacionar e analisar o papel que assume alguém que é contratado – normalmente agenciada por um individuo, ou por um grupo de indivíduos experimentados, com contactos no mercado (da produção e comércio) e com meios financeiros para adquirir, transportar e colocar a droga no consumo – só para realizar o transporte de produto estupefaciente (cocaína, no caso). Normalmente, diz-nos a experiência, os grupos organizados contratam o transporte de partidas de droga com a mesma postura com que um comerciante faz um contrato de empreitada ou de prestação de serviços. Afora questões ancilares como contratos de seguro e outro clausulado típico de um contrato (legal) de transporte, o transporte de produto estupefaciente obedece aos mesmos cânones. O transportador assume, pela “relação contratual/compromisso” firmada com o destinatário, a obrigação de apanhar/colher o produto num determinado ponto, embarcá-lo e efectuar o seu transporte, por conta e risco - sendo que, normalmente, o “contraente do transporte” faz acompanhar a droga de um sequaz – até um destino previamente acertado. Vicissitudes próprias do transporte ficam a cargo do transportador, como é o caso dos contratos de transporte regulados na legislação adrede. O transportador, pelo transporte que se compromete a efectuar e levar a cabo, contratualiza um preço, ficando as demais despesas a seu cargo e englobadas no preço global acordado. No caso em tela de juízo, apenas estão dadas como provadas as despesas que o arguido já tinha suportado, não se sabendo qual o montante que iria receber, se e quando, entregasse a “mercadoria” ao destinatário. Não se apurou, inclusive, e não seria de somenos, qual o valor que o grupo familiar organizador iria receber, sendo certo, que, pela quantidade de droga a transportar, a quantia não seria reduzida, tanto mais que vem adquirido que o piloto iria receber a quantia de € 19.000,00, tendo recebido uma parte correspondente ao total acordado no montante de € 9.000,00. No entanto, não é possível saber qual o concreto montante que caberia ao arguido. Desconhecendo-se, no entanto, o concreto montante que viria a caber ao arguido Edmundo, afigura-se-nos mais adequado integrar a sua conduta – de transportador/executor – no tipo de ilícito básico, vale dizer no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 15 de Janeiro. II.b). – Medida das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes e cúmulo jurídico inerente. Na procura teórico-dogmática a que procede para a legitimação e limites do Estado à escolha e determinação da pena, Claus Roxin, depois de passar em análise as diversas teorias – retribuição, prevenção geral e prevenção especial – que desde a época do Iluminismo têm vindo a procurar encontrar uma justificação para as penas, refere que o seu ponto de partida arranca de que o Direito Penal “se enfrenta al individuo de tres maneras: amenazando con, imponiendo e ejecutando penas” [[16]] e que essas três tarefas de actividade estatal necessitam de justificação cada uma em separado. Quando se pergunta o que pode proibir o legislador haveremos de ter em conta a natureza subsidiária do Direito Penal e reconhecer a este ramo do Direito a necessidade e de assegurar a vigência de valorações essenciais e modelares da comunidade, ou seja a defesa dos bens jurídicos que sobrelevam para uma vivência fundada e configurada pelos valores da pessoa humana. Os reconhecidos bens jurídicos, com a vida, a integridade corporal a liberdade de actuação ou a propriedade. Ao par destes bens jurídicos, o Estado tem igualmente necessidade de assegurar o cumprimento das chamadas prestações públicas “de las depende el individuo en el marco de la assistencia social por parte del Estado.” [[17]] Em síntese, refere o Autor que as cominações penais só estarão justificadas se têm em conta a dupla restrição que encerra o principio da protecção subsidiária dos bens jurídicos e prestações. Para a imposição [[18]]e medição da pena resume o Autor a sua posição com a sequente asserção. A imposição da pena serve para a protecção subsidiária e a preventiva, tanto geral como individual, de bens jurídicos e das prestações estatais, mediante um procedimento que salvaguarde a autonomia da personalidade e que ao ditar uma pena está limitado à medida da culpabilidade. Desta forma “se conserva el principio de prevenção geral, reduzido às exigências do Estado de Direito, y se completa con los componentes de prevención especial de la sentencia, pero que simultaneamente, mediante la función limitadora del concepto de liberdade e culpabilidad en consonancia con nuestra Ley Fundamental se borran los reparos que se oponem a que se tenga en cuenta aquel principio en el quantum de pena.” [[19]] Já para a execução da pena haverá que apelar a um sentido ressocializador que deve conlevar da autonomia da personalidade e de exigências de prevenção geral. [[20]] Numa síntese, “si quisiéramos perfilar en una frase el sentido y los limites del Derecho penal, podríamos caracterizar su missión como protección de bienes jurídicos y prestaciones de servicios estatales mediante prevención general y especial que salvaguarde la personalidad en el marco trazado por la medida de la culpabilidad individual. Se trata, si se me permite darle un nombre a esta concepción, de una teoria unificadora dialéctica, que hay que distinguir estrictamente, tanto metodologicamente como por su contenido, de las tradicionales teorias monistas, así como de la teoria dominante de la unificación por adición.” [[21]] Para este Autor [[22]/[23]], epígono da corrente penalista que defende que os fins das penas atinam com a denominada «prevenção da integração», o limite da pena deve ser aferido pela culpa. Na conclusão das suas reflexões politico-criminais sobre o princípio da culpabilidade afirma que: 1º - a problemática da relação entre culpabilidade não se pode abordar depurando a culpabilidade de todos os elementos dos fins das penas, para poder contrapor os conceitos em antítese limpa. Antes bem, a culpabilidade, em tanto possa ser constatada na praxis forense, torna-se determinada no seu conteúdo por critérios preventivos; 2º - Nem tão pouco se pode incluir na culpabilidade, como se tentou recentemente invertendo as posições anteriores, todos os pontos de vista preventivos o só os preventivos gerais, fazendo desaparecer com isso o carácter antinómico de culpabilidade e prevenção; 3º - Para melhor se há-de reconhecer que conceito jurídico-penal de culpabilidade contém certamente em si alguns aspectos preventivos, mas precisamente não outros, pelo que se produzem, por isso, recíprocas limitações do poder punitivo que ocupam lugares distintos segundo se trata da fundamentação ou da determinação da pena; 4º - pelo que se refere à culpabilidade como fundamento da pena, em numerosos casos devem acrescentar-se requisitos preventivos, para desencadear uma responsabilidade jurídico-penal. Com isso, o castigo do comportamento culpável – contra o que constituía a opinião tradicional – será limitado precisamente pela necessidade preventiva, o que do ponto de vistas dogmático jurídico-penal produzirá consequências transcendentais, ainda somente vislumbradas (…); 5º - No que se refere á culpabilidade a determinação da pena, por outro lado aparece em primeiro plano o efeito limitador da culpabilidade sem prejuízo da sua congruência com as necessidades de uma prevenção integradora motivada criminalmente; já que na sua graduação limita em virtude da liberdade individual, qualquer tipo de prevenção geral intimidatória e qualquer tipo de prevenção especial dirigida a tratamento. Não obstante, também os prementes mandatos da prevenção especial limitam, ao inverso, o grau da pena, no entanto, contra o que sucede na praxis, pode-se impor no caso concreto uma pena inferior à correspondente ao limite que vem previamente dado pela magnitude da culpabilidade, quando só deste modo se possa evitar o perigo de uma maior dessocialização. Em remate para este autor «la pena adecuada a la cupabiIidadad, punto de partida del sistema de medición de la pena, del Código alemán, es la correspondiente a la prevención general positiva, y que la misma es inferior a la que permitiría la prevención generaI negativa. Roxin llama a la prevención general positiva “prevennción general compensadora“ o “integragdora-socialmente” mientras que denomina o “prevención general intimidatoria” a la negativa». (cfr. op. loc. cit. pag. 62). [[24]] Numa outra sistematização da teoria da pena, com intelectualmente se nos afigura mais aliciante, a pena é concebida com um instrumento para resolver as defraudações e expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira, “se trata de un tratamiento especifico de defraudaciones que consiste en demostrar a costa del defraudante que se mantiene la expectativa de comportamiento. La sanción expresa que no es incorrecta la expectativca de la sociedad, sin la acción o comunicación del sancionado y resuelve comunicativamente el conflicto mediante imputación de costes de resolución del mismo a un sujeto.” [[25]] A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica [[26]], enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente A pena terá, assim, que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; a responsabilidade do autor pela sua motivação ao cometer o crime. Em decisivo, numa lapidar expressão, para este autor «la única meta que lle corresponde al Derecho Penal es garantizar la función orientadora de las normas jurídicas. La pena no persigue impresionar al penado ni a terceros para que se abstengan de cometer delitos. Trata solo de “ejercitar en la confianza de la norma” a la colectividad, para que todos sepan cuáles son sus expectativas, de “ejercitar en la fidelidad al Derecho”, y de “ejercitar en la acpetación de las consecuencias” en caso de infracción. Estos três efectos resumen en el de “ejercitar en el reconocimiento de la norma”.- op. loc. cit. pág. 58 e 59. Para o Autor que vimos seguindo, [[31]] ”a prestação que realiza o Direito Penal consiste em contradizer por sua vez a contradição das normas determinantes da identidade da sociedade”, “(…) nesta concepção a pena não é tão somente um meio para manter a identidade social, mas já constitui essa própria manutenção”. Do mesmo modo as novas teorias incoam a desafogar a ideia de que as penas resultam imprescindíveis para a manutenção da ordem protegida pelo Direito. “Esta função da pena, todavia (“empero”), e ao contrário da concepção habitual, de nenhum modo se refere somente á prevenção, quer dizer à evitacão de delitos futuros, mas, de modo muito mais geral, à ampla descarga que para cada um significa o asseguramento da ordem jurídica”. [[32]] “Naturalmente, uno de los cometidos que deben cumplir la amenaza de pena y la pena también es el de evitar delitos que un autor determinado o terceros indeterminados posiblemente habrian cometido de no haberlas. Pero la imposición de la vigência de normas elementales, en caso necesario, mediante la coacción, parece ser un factor francamente esencial del derecho, y el hacerlo en absoluto es un asunto exclusivo del Derecho penal” [[33]] Essencialmente a pena tem uma função de manutenção da confiança na ordem jurídica e na reconstituição afirmativa da normatividade violada “Lo que debe importar de la pena (…) es solamente su significado como «respuesta confirmatória de la norma» a la «afirmación contraria a la norma» implícita en el delito, es decir, su función simbólica”. “A pena é sempre reacção ante a infracção de uma norma. Mediante a reacção evidencia-se (se pone de manifesto) que há que observar a norma. E a reacção demonstrativa sempre tem lugar à custa do responsável por haver infringido a norma (por “à custa” entende-se neste contexto o perda de qualquer bem). (…) A pena há que defini-la positivamente: É uma mostra da vigência da norma á custa do responsável”. [[34]] “A decepção, o conflito e a exigência de uma reacção à infracção da norma, por isso, não podem interpretar-se como uma vivência do sistema individual “pessoa singular”, mas, outrossim, se há-de interpretar como sucessos no sistema de relação social”. “Missión de la pena es el mantenimiento de la norma como modelo de orientación para los contactos. Contenido (conteúdo) de la pena es una réplica, que tiene lugar a costa (à custa) del infractor, frente al cuestionamineto de la norma”. Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig escreve que: «El principio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito. Entendida como posibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206. Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43 De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44 Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales. [[35]] Já para Hassemer «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.” De todos os autores citados se retira a ideia de que a pena tem uma função preventiva, no sentido em que deve servir a manutenção das expectativas da comunidade na vigência das normas e actuam como factor de dissuasão do autor do facto violador da regra jurídica e demais conviventes sociais na necessidade de manter estável e vigente a validade orientadora do amplexo normativo que regula o tecido social. No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[36]] Para este Professor, que parece defender uma posição próxima daquela que é defendida por Eduardo Demétrio Crespo, na obra já citada, isto é, que as penas devem visar, em primeira linha a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”.[37] “A determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar,” que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo – especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”. Constata-se, assim, que no ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. [[38]] «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas» [[39]]. Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179, bem como Taipa de Carvalho, ibidem, 328, ao defender que o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral.), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. [[40]] Na jurisprudência, e a propósito dos fins das penas, da medida concreta da pena e do princípio da proporcionalidade, doutrinou o nosso mais Alto Tribunal em dois arestos que se deixam transcritos a seguir. “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) “O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. [Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). [[41]] Nos termos do art. 71 nº 1 do C.P. "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, uma insubstituível tarefa mediadora e constitutiva. Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito Winfried Hassemer [[42]] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[43]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[44]] Num seminário sobre os fins das penas, [[45]] Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade, devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou ela forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz … poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” [[46]] Aceitando a opção legislativa recolhida do Código Penal – cfr. artigo 40º - de que “a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade”, afigura-se-nos que as penas parcelares determinadas pelo tribunal se compaginam com a culpabilidade do agente, e tomou na devida consideração (i) os motivos; (ii) a vida anterior à comissão do delito; e (iii) as circunstâncias pessoais do agente. O crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º do Decreto-Lei 15/93, é punido com uma pena que tem como mínimo uma pena de 4 e um máximo de 12 anos de prisão. O tribunal recorrido, justificou a opção pela pena de dez (10) anos de prisão, com a argumentação que a seguir queda extractada (sic): “No exercício da operação de concretização do tipo e da medida das penas a aplicar, o tribunal recorrido teceu as seguintes considerações fundamentadoras: No caso dos autos, atentos os demais factos muitíssimo graves por que o arguido Edmundo vem acusado, e dado que o mesmo contribuiu para a descoberta da verdade material, consideramos que a muito elevada ilicitude e culpa manifestada pelo arguido com a sua condução e as demais circunstâncias apuradas, designadamente as elevadíssimas exigências de prevenção especial, não nos permitem a formulação de qualquer juízo favorável ao arguido Edmundo, no tocante à prevenção de futuras delinquências, razão pela qual optamos pela aplicação ao mesmo de uma pena privativa da liberdade, efectiva, por considerarmos ser a única capaz de “in casu”, satisfazer com suficiência as elevadíssimas exigências de prevenção geral e especial que no caso se verificam. Resta, portanto, determinar a medida concreta da respectiva pena parcelar a aplicar a cada um dos arguidos, operação para a qual se terão em conta, nos termos do artº 71º do Cod. Penal, e dentro dos limites abstractos da respectiva moldura penal, supra descriminada, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respectivo tipo de crime, deponham a favor ou contra cada um dos arguidos, nomeadamente as referidas no nº 2 do artº 71º, fixando-se o limite máximo de cada uma das respectivas penas concretas a aplicar de acordo com a culpa manifestada por cada um dos arguidos, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral, e a pena efectiva, dentro da moldura penal assim fixada, de acordo com as exigências de prevenção especial. Assim, tendo em atenção os assinalados critérios dosimétricos, ponderado o grau de culpa dos arguidos (muito elevado relativamente aos arguidos Edmundo, Maria da Natividade, Bruno e Luís Martinez; mais mitigado relativamente aos demais arguidos), ponderadas as exigências de prevenção - existindo muito elevadíssimas exigências a nível da prevenção geral, e elevadíssimas exigências a nível da prevenção especial, no que respeita ao arguido Luiz Martinez, Bruno e Maria Natividade e Edmundo, e mais atenuadas relativamente aos demais arguidos; considerando ainda que todos os arguidos são formal e legalmente delinquentes primários, à excepção do arguido Jorge Miguel (tem uma condenação por condução em estado de embriaguez, em pena de multa), tudo ponderado, e considerando fundamentalmente como factor diferenciador o grau de participação e de responsabilidade de cada um dos arguidos, e as tarefas que estavam destinadas a cada um, com vista ao objectivo comum, ponderando a elevada ilicitude e a culpa, a natureza dos bens jurídicos violados, e intensidade de tal violação, a quantidade e valor do produto estupefaciente apreendido, e as respectivas condições pessoais, familiares, profissionais e sociais de cada um dos arguidos». Porque estamos perante um crime [o de detenção de arma proibida] cuja moldura penal é alternativa de prisão ou multa, a primeira tarefa que se impõe ao julgador é a de determinar qual delas deverá ser a eleita, já que, nos termos do disposto no artº 70º, do CP, por regra o tribunal deve optar pela medida não privativa da liberdade, sempre que ela seja susceptível de «realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Cremos que a personalidade do arguido, que ressalta dos factos provados, denota ser pouco atreita à observância da norma penal; atentemos em que, para além do gravíssimo crime de tráfico, no qual foi elemento preponderante, praticou, em concurso, o crime ora em causa. Não desconhecemos a sua provecta idade actual (81 anos, muito próxima daquela que tinha quando praticou os factos e que não funcionou como elemento inibidor da sua conduta); não encontram suporte factual as afirmações de que actuou na dependência emocional de outros arguidos e por amor ao seu filho (!), pois que se provou a sua intervenção preponderante nos factos, sendo por si posta a causa inicial do crime, juntamente com a co-arguida Natividade, e cabendo-lhe a função de engajamento de outros comparticipantes no facto, tudo nos termos provados. Sendo embora verdade que «a.87) sofreu um enfarte há cerca de 12 anos, e há cerca de 6 anos foi-lhe diagnosticada neoplasia da próstata, tendo realizado radioterapia», e que «a.94 sofre de surdez», não é menos verdade que tais circunstâncias, que há muito haviam ocorrido à data dos crimes, ou que persistiam à data dos mesmos, não funcionaram como factores deles inibidores. Do mesmo modo se provou que estamos perante delinquente primário. Desta resenha factual, e não obstante, logo se constata que as exigências de prevenção especial relativamente ao recorrente [quer na sua vertente de recuperação, quer de repressão] são prementes já que a sua situação pessoal descrita [em especial a idade avançada] não fez aumentar os níveis de auto-censura, como lhe era exigível e exigido, não se coibindo ele de, não obstante, levar a cabo as suas descritas condutas, de uma gravidade mais acentuada o crime de tráfico. Tal determina uma manifesta incapacidade da pena alternativa de multa para influenciar a conduta do recorrente, reconduzindo-o á via da legalidade, pois que ele, com as suas provadas condutas, demonstrou um profundo desprezo por ela. Por isso, é de manter a opção pela alternativa pena de prisão, relativamente ao crime de detenção de arma proibida e bem assim a respectiva pena, fixada no mínimo legal da moldura referente à pena de prisão. Sendo o crime agravado de tráfico de droga (artºs 21º, 1 e 24º, c), do DL 15/93) punível com pena contida numa moldura penal cuja elasticidade vai de 5 a 15 anos de prisão, cremos que a pena concretizada para este crime em primeira instância, de 10 anos de prisão, retrata de forma ponderada e equilibrada a ilicitude do crime e a culpa do agente. Atentemos em que se provou que o arguido, juntamente com a co-arguida Natividade, esteve na génese do crime e teve uma intervenção preponderante nele, de chefia e em que a pena fixada se situa, precisamente, no eixo médio da moldura. Sendo de manter essa pena em 10 anos de prisão e em 10 anos e 2 meses a pena aplicada em cúmulo jurídico, não é possível suspender a sua execução, já que pressuposto deste instituto é que a pena de prisão aplicada não o seja em medida superior a 5 anos (artº 50º, 1, CP).” Partindo do mínimo imposto por lei, e não devendo ser atendidas quaisquer circunstâncias atenuantes que não integrando a respectiva acção típica e ilícita – cfr. artigo 71º, nº 2 do Código Penal – dever-se-á ter em consideração: i) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; ii) a intensidade do dolo; iii) s sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; iv) as condições pessoais do agente e a sua condição económica; v) a conduta anterior ao facto e a posterior a este (…); v) a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Sob a epigrafe “Medida da Pena – Fundamentos da Medida da Pena” estipula o § 46 do StGB (Código Penal Alemão) que “I. A culpabilidade do autor será o fundamento da medida da pena. Dever-se-ão considerar os efeitos derivados da pena para a vida do autor na sociedade. II. Na medida da pena o tribunal ponderará as consequências favoráveis e contrárias ao autor.Com este fim se contemplarão particularmente: os fundamentos da motivação e os fins do autor; a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com que se realizou o facto, a medida do incumprimento do dever o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; assim como, a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.” Como se alcançará com facilidade, artigo do StBG privilegia e entona a necessidade de prevenção integradora de que Claus Roxin se tornou o principal arauto e defensor. Na verdade, a tónica (cfr. o apartado I. do preceito) é colocada na culpabilidade, como fundamento da pena, devendo, no entanto, projectar-se o efeito que a pena que irá ser imposta ao arguido possa vir a ter na vida do autor enquanto membro de uma sociedade. A premência de um sentido ressocializador da pena e de preparação do delinquente para a sua vivência em sociedade constitui a pedra de toque e a essencialidade da escolha e medida da pena. Afigura-se-nos que a ideologia e a auto-culpabilidade assumida pela doutrina alemã depois da segunda guerra mundial induziu uma dimensão demasiado ressocializante do individuo, privilegiando a vertente da integração futura do individuo na sociedade. A sociedade actual impõe, quiçá, uma revisão deste conceito de pena porquanto os fenómenos hodiernos convocam necessidades e estados de prevenção que não se colocavam ao tempo. Temos para nós, ainda que tenhamos a consciência do descompasso com a dogmática penal vigente, que “a pena é sempre reacção ante a infracção de uma norma. Mediante a reacção sempre se colocará em evidência que haverá de observar a norma. E a reacção demonstrativa tem sempre lugar à custa do responsável por haver infringido a norma (por «à custa de» entende-se neste contexto a perda de qualquer bem).” [[47]] Nesta medida, se bem se contemporizemos que a culpa deve avalizar o doseamento da medida da pena para o caso concreto, entendemos que a prevenção geral – entendida enquanto factor de garantia da norma e do sistema que o direito penal se propõe preservar – deve prevalecer no momento da escolha da pena e servir de fundamento na presciência do efeito e consequências que a acção desvalorativa teve relativamente á infracção de uma concreta norma e o modo de acautelar futuras violações do bem jurídico que a norma visa proteger. Ainda assim, e assumindo-se uma perspectiva funcionalista da pena, não poderemos deixar de ter presente princípios basilares da convivência jurídico-social de um Estado de Direito. Nomeadamente princípios enformadores da etiologia das penas como sejam o principio da legalidade e da proporcionalidade, nas suas vertentes de necessidade e adequação. “Segundo Mir Puig, são três os componentes das respectivas limitações punitivas. O Estado de direito, de donde se origina principio de legalidade; o estado social, donde se extraem os princípios de utilidade da intervenção penal, o principio de subsidiariedade e el carácter fragmentário do direito penal e o principio de exclusiva protecção de bens jurídicos; e por fim, o estado democrático, que exige a adopção do principio de humanidade das penas, o principio de culpabilidade, o principio de proporcionalidade e o principio de ressocialização. [[48]] O principio de proporcionalidade indica que a gravidade da pena ou das medidas de segurança se deve encontrar (hallarse) em relação com a gravidade do facto cometido ou da perigosidade do sujeito, respectivamente. [[49]] De acordo com Quintero Olivares, deriva do principio de culpabilidade a exigência que a pena seja proporcionada à entidade culpável da actuação do autor; quer dizer, que entre o castigo e o injusto exista um equilíbrio. Por isso, deve exigir-se que o limite máximo de este castigo não seja tão elevando que torne impossível qualquer classe de tratamento ressocializador. [[50]] São três os requisitos para que uma determinada sanção seja considerada proporcional: adequação ao fim proposto, necessidade e proporcionalidade no sentido estrito com as demais normas da mesma categoria. Quanto à adequação (ou idoneidade), a sanção deve ser apta para alcançar os fins que a justificam. Em virtude deste principio de idoneidade, o Direito penal unicamente pode e deve intervir quando seja minimamente eficaz e idóneo para prevenir o delito, devendo evitar a sua intervenção quando político-criminalmente este se mostre inoperante, ineficaz ou inadequado ou quando, incluso, se mostre contraproducente para a prevenção de delitos. No que toca à necessidade, para que a protecção penal de um bem ou interesse possa estimar-se pertinente, o bem ou interesse de que se trate há-de ser digno de protecção susceptível de protecção e, também, necessitado de protecção. Ademais, a protecção penal não deve referir-se a todos os ataques que possa sofrer um bem jurídico, mas tão somente aos mais graves e mais intoleráveis. (…) A pena haverá de atender à gravidade do delito cometido, isto é, ao conteúdo do injusto, ao mal causado e à maior ou menor reprovabilidade do autor. Consequentemente, analisando-se um conjunto de delitos será possível graduá-los entre si comparativamente. Quer dizer, não só é preciso ponderar o grau de liberdade que se consegue com a limitação penal e o beneficio que se obtém desta, mas também, e para além disso, das diferentes intervenções do Direito Penal entre si.” [[51]] Não desconhecendo o caminho de pedras que ainda haverá que trilhar para se alcançar uma concepção com aquela que defendemos – só os acontecimentos da história irão determinar uma alteração dos conceitos actuais, como já se escruta em algumas mundividências da politica do direito penal actual – ater-nos-emos ao quadro e paradigma estabelecido na lei vigente. Nas circunstâncias concernentes com o desvalor da acção e consequências do crime, ponderar-se-á que o tráfico de estupefacientes é um crime que deve assumir um grau de desvalor ético-social intenso, pela danosidade e efeitos deletérios e perturbadores que origina no tecido social, com transtornos e desvios pessoais e familiares e precipitações delitivas dos respectivos consumidores. É sabido que, pelo menos a nível de certos tipos de estupefacientes, v. g. cocaína e heroína, o consumo conduz a uma adicção e que, normalmente, essa adicção, pela necessidade de exasperação das quantidades e pelos custos que essa quantidades comportam, induz, pela premência em angariar meios de aquisição (numerário) á prática de outros tipos de crimes. A nível das consequências do crime, como é possível deduzir do que se deixou dito no parágrafo precedente, ainda que assumindo a avaliação/apreciação da conduta do arguido no seu elemento/compósito na fase de transporte, não poderia ser ignorado que transportar a quantidade de estupefaciente que foi aprendida – 1.238.167,297 gramas, a que, preparadas para o mercado, corresponderiam 4.203.591 doses – era uma acção que, se entregue e, posteriormente, comercializada, revestia de significativo impacto no meio onde viesse a ser consumida e que geraria elevados proventos a quem a viesse a distribuir e vender. As demais circunstâncias que relevam para a individualização judicial da pena atinam com as condições pessoais do agente, umas exteriores ou adjacentes, como seja o facto de a família estar a atravessar uma fase menos boa de usufruição de proventos económicos – que parece poder deduzir-se de uma merma de rendimentos, por força da redução do volume de negócio (a.112) – outras de índole estritamente pessoal, como será a idade do arguido e a doença que o atormenta. Fazendo incidir os factores (impressivos) expostos, e partindo da pena mínima que a norma comina, poderíamos encontrar a pena necessária, adequada e proporcionada em sete (7) anos de prisão para punição pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. Já a pena que foi encontrada nas instâncias para punição pelo crime de detenção arma proibida nos não merece censura. “À luz do nº 1 do art. 77.º do CP, para escolha da medida da pena única, importará ter em conta “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E é isto, apenas isto, que diretamente a lei nos dá como critérios de individualização. A doutrina tem procurado concretizar um pouco mais os critérios de determinação da pena conjunta e defendido, nas palavras de Figueiredo Dias, que, com tal asserção, se deve ter em conta, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 291). Apesar destas indicações da doutrina mais autorizada, não faltou quem defendesse que o ponto de partida para determinação da pena conjunta deveria ser o meio da sub-moldura disponível para efeito de cúmulo. Ou seja, metade da diferença entre a parcelar mais grave e a soma total das penas que entram no cúmulo. Este modo de proceder persiste, como nos dá a entender P.P. Albuquerque, com a eleição de 1/2 ou 1/3 da diferença apontada, em função da personalidade revelada, é dizer, da maior (1/2) ou menor (1/3) desconformidade ao direito da personalidade do agente (in “Comentário do Código Penal” pág. 244). Tudo com a preocupação de adoção de critérios que se revelassem os menos vagos possíveis, em face da lei que temos. Ora, para evitar uma aplicação de pena que resultasse de uma operação aritmética simplista, tem-se enveredado nesta 5ª Secção do STJ (pelo menos), por um caminho que também procura ter em conta o seguinte: A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar um efeito “expansivo” da parcelar mais grave, por ação das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas. Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. É aqui que deve aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fração menor das outras. A opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu por certo traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art. 40º do C.P., em matéria de fins das penas, e a que já nos referimos atrás. Sem que nenhum destes vetores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e, para a prevenção especial, contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida. Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade, a idade, a integração familiar, as condicionantes económicas e sociais que pesaram sobre o agente, tudo numa preocupação prospetiva, da reinserção social que se mostre possível. E nada disto significará qualquer dupla valoração, tendo em conta o caminho traçado para escolher as parcelares, porque tudo passa a ser ponderado, só na perspetiva do ilícito global, e só na perspetiva de uma personalidade, que se revela, agora, polo aglutinador de um conjunto de crimes, e não enquanto personalidade manifestada em cada um deles.” [[52]] Aplicando a doutrina do vincada no acórdão citado, entende-se que a operação cumulatória se deva quedar nos mesmos termos em que foi operada nas instâncias, com a alteração da pena relativa ao crime de tráfico de estupefacientes. A pena única quedar-se-á, pois, em sete (7) anos e dois (2) meses de prisão. II.c). – Incidência da alteração da qualificação jurídico-penal na dosimetria da pena imposta aos demais co-arguidos. Alterada a qualificação jurídico-penal por que os arguidos haviam sido acusados e condenados e comprovando-se a não exclusividade pessoal dessa qualificação haverá que, por obediência ao preceituado no nº 2, alínea a) do Código Processo Penal, fazer incidir essa nova qualificação – e distinto sancionamento abstracto da pena – na esfera dos demais arguidos. Após a determinação da pena concreta a impor ao arguido Edmundo, o tribunal de primeira (1ª) instância ponderou os sequentes referentes ideológico-dogmáticos para a escolha e determinação da pena a cada um dos demais arguidos. “Resta, portanto, determinar a medida concreta da respectiva pena parcelar a aplicar a cada um dos arguidos, operação para a qual se terão em conta, nos termos do artº 71º do Cod. Penal, e dentro dos limites abstractos da respectiva moldura penal, supra descriminada, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respectivo tipo de crime, deponham a favor ou contra cada um dos arguidos, nomeadamente as referidas no nº 2 do artº 71º, fixando-se o limite máximo de cada uma das respectivas penas concretas a aplicar de acordo com a culpa manifestada por cada um dos arguidos, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral, e a pena efectiva, dentro da moldura penal assim fixada, de acordo com as exigências de prevenção especial. Assim, tendo em atenção os assinalados critérios dosimétricos, ponderado o grau de culpa dos arguidos ( muito elevado relativamente aos arguidos Edmundo, Maria da Natividade, Bruno e Luís Martinez; mais mitigado relativamente aos demais arguidos), ponderadas as exigências de prevenção - existindo muito elevadíssimas exigências a nível da prevenção geral, e elevadíssimas exigências a nível da prevenção especial, no que respeita ao arguido Luiz Martinez, Bruno e Maria Natividade e Edmundo, e mais atenuadas relativamente aos demais arguidos; considerando ainda que todos os arguidos são formal e legalmente delinquentes primários, à excepção do arguido Jorge Miguel ( tem uma condenação por condução em estado de embriaguez, em pena de multa) , tudo ponderado, e considerando fundamentalmente como factor diferenciador o grau de participação e de responsabilidade de cada um dos arguidos, e as tarefas que estavam destinadas a cada um, com vista ao objectivo comum, ponderando a elevada ilicitude e a culpa, a natureza dos bens jurídicos violados, e intensidade de tal violação, a quantidade e valor do produto estupefaciente apreendido, e as respectivas condições pessoais, familiares , profissionais e sociais de cada um dos arguidos; tudo ponderado, Tudo ponderado, considera este Tribunal Colectivo adequado aos factos e à personalidade do agente a aplicação aos arguidos das seguintes penas, pela prática do crime de tráfico agravado: Ao arguidos Edmundo, Maria Natividade e AA: a pena de 10 anos de prisão a cada um: Ao arguido Luís Martinez: a pena de 11 anos de prisão. A cada um dos arguidos Jorge Miguel, EE, Francisco Lima e Heraclito Cravid: a pena de 6 anos de prisão. Quanto ao crime de detenção de arma proibida praticado pelo arguido Edmundo, fixa-se a pena parcelar pelo limite legal: 1 ano de prisão. Operando o respectivo cúmulo jurídico, atenta a gravidade dos factos e a personalidade do arguido Edmundo Miguel Santos, vai o mesmo condenado na pena única de 10 anos e 2 meses de prisão.” A moldura penal cominada no ilícito-típico pela qual havia sido aferida a conduta antijurídica dos arguidos havia sido a dos supostos de crime contidos nos artigos 21º e 24º do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Agosto que no alçamento da moldura penal cominada no nº 1 do artigo 21º do citado diploma legal estipulava uma pena que tinha como limite mínimo 5 anos e limite máximo 15 anos. Operada uma distinta qualificação jurídica e uma integração da materialidade provada no tipo base – artigo 21º do referido diploma legal [[53]] – haverá que com reformular as penas impostas a cada um dos arguidos. Ponderando os factores de referência jurídico-legal alinhados na sentença de primeira instância procede-se à imposição das seguintes penas, a cada um dos co-arguidos: 1) Maria Natividade Vieira da Silva Santos e Bruno Miguel Silva Santos, a pena de 7 anos de prisão, para cada um; 2) ao arguido Luís Felipe Garcia Manso Martinez, a pena de 9 anos de prisão; 3) aos arguidos Jorge Manuel Fontes Miguel, Manuel Braga Viana, Francisco Carlos Resende Lima , e Heraclito da Graça dos Ramos Cravid a pena de 5 anos de prisão.
III. – DECISÃO. Na defluência do exposto, acordam os Juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente: a) – convolar o crime por que o arguido/recorrente, Emundo Miguel dos Santos, havia sido condenado (crime de tráfico de estupefacientes agravado previsto e punido pelos artigos 21º e 24º, alínea c) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro) para um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º do citado diploma legal; b) condenar o arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º do decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro na pena de sete (7) anos de prisão; c) – manter a pena que lhe havia sido imposta pela prática em autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no art. 86º nº 1 al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na versão introduzida pela Lei nº 50/2013, de 24/07, com referência aos arts. 3º, nºs 4 al. a) e nº 6 al. a), 6º e 8º da mesma lei, na pena de 1 (um) ano de prisão. c) - Operando o cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido, condená-lo na pena única de sete e dois meses de prisão; d) – Condenar cada um dos co-arguidos: 1) Maria Natividade Vieira da Silva Santos e Bruno Miguel Silva Santos, na pena de 7 anos de prisão, para cada um; 2) ao arguido Luís Felipe Garcia Manso Martinez, na pena de 9 anos de prisão; 3) aos arguidos Jorge Manuel Fontes Miguel, Manuel Braga Viana, Francisco Carlos Resende Lima e Heraclito da Graça dos Ramos Cravid, na pena de 5 anos de prisão, para cada um; e) Sem custas.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2018
------------------------- [1] Seguindo a mesma doutrina o acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Maio de 2010, prolatado no processo nº 18/07.2GAAMT.P1.S1, onde se escreveu a ponto “Segundo o artigo 402.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão. Dispõe a alínea a) do n.º 2, que «Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes”. Segundo o artigo 403.º, n.º 2, alínea e), é autónoma a parte da decisão que se referir, em caso de comparticipação criminosa, a cada um dos arguidos, sem prejuízo do disposto na referida alínea a) do n.º 2 do artigo anterior. Explicita o n.º 3 do mesmo preceito, que a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele, as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida. Significa isto que o arguido que não recorre e não é assim parte na instância de recurso, poderá eventualmente tornar-se um beneficiário indirecto do recurso de co-arguido recorrente, tratando-se obviamente de uma mera expectativa de eventual proveito próprio decorrente de actividade alheia, ganho esse que reverterá a seu favor apenas se e quando for caso disso. Tendo transitado em julgado o acórdão quanto aos demais arguidos, a decisão poderá ser modificada supervenientemente nesse contexto, por se verificar caso julgado sob condição resolutiva, ou seja, a impugnação por parte de co-arguido não afecta o trânsito condicional do acórdão relativamente ao não recorrente, como o Supremo tem considerado, v. g., nos acórdãos de 09-02-2006, processo n.º 486/06-5.ª; de 08-03-2006, processo n.º 888/06-3.ª; de 25-05-2006, processo n.º 4123/05-5.ª; de 07-06-2006, processo n.º 2184/06-3.ª; de 04-10-2006, processo n.º 3667/06-5.ª; de 11-10-2006, processo n.º 3774/06-3.ª; de 07-11-2007, processo n.º 4209/07-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR-3.ª. Sobre a extensão do recurso e o trânsito em julgado, anota-se o acórdão de 05-12-1997, processo n.º 48956-3.ª, Sumários Assessoria, n.º 8, Fevereiro de 1997, pág. 78, onde se refere: “Tendo todos os arguidos sido condenados pelo crime de associação criminosa e alguns deles recorrido para o Tribunal Constitucional para alegação de inconstitucionalidades várias em sede de produção da prova em julgamento, uma vez que a sua eventual procedência se repercutirá ao nível dos demais interessados, cria-se assim um circunstancialismo legalmente extensivo a todos os demais intervenientes no processo, pelo que não é de deferir o pedido formulado por um dos arguidos não recorrentes, para que quanto a si, seja declarado o trânsito em julgado da decisão.” [2] Acórdão do STJ de 2 de Dezembro de 2013, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, em que se escreveu (sic): “O tipo matricial ou tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes é o do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 – tipo esse que, pela amplitude da respectiva moldura penal – 4 a 12 anos de prisão - e pela multifacetada descrição típica, abrange os casos mais variados de tráfico de estupefacientes, considerados dentro de uma gravidade mínima, mas já suficientemente acentuada para caber no âmbito do padrão de ilicitude requerido pelo tipo, cujo limite inferior da pena aplicável é indiciador dessa gravidade, e de uma gravidade máxima, correspondente a um grau de ilicitude muito elevada – tão elevada que justifique a pena de 12 anos de prisão. Esse tipo fundamental corresponde, pois, genericamente, a casos que são já de média e de grande gravidade. [12] Ambos os arestos citados se encontram disponíveis em www.dgsi.pt. Sobre a qualificação do crime descrito no artigo 24º salienta-se ainda o escrito no acórdão do STJ de 2 de Dezembro de 2013, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, em que se escreveu (sic): “Frequentemente designado como um tipo privilegiado de tráfico, não o será em termos próprios, se atendermos ao que FIGUEIREDDO DIAS assinala a propósito da teoria das circunstâncias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 199), afirmando que «estas situações circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes distinguem-se das consideradas de qualificação ou privilegiamento, porque, enquanto nestas a modificação da moldura penal se opera por efeito de alterações ao nível do tipo ou dos elementos típicos – seja, como é geralmente, do tipo-de-ilícito, seja, menos frequentemente, do tipo-de-culpa - , na situação de que agora tratamos ela verifica-se por força de circunstâncias modificativas. Circunstâncias são, nesta acepção, pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo directamente respeito nem ao tipo-de-ilícito (objectivo ou subjectivo), nem ao tipo-de-culpa, nem mesmo à punibilidade em sentido próprio, todavia contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam por isso directamente para a doutrina da determinação da pena». [15] No mesmo sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Outubro de 2011, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral onde se vincou que “(…) estamos perante um crime de tráfico agravado nos termos da alínea c) do artigo 24 do Decreto Lei 15/93. Importa considerar que a descrição das referidas agravante assume uma natureza ampla com um segmento de indeterminação que impõe ao intérprete uma actividade interpretativa em que se recorta a procura da teleologia do preceito. As circunstâncias de agravação, que, como tal, integram o tipo agravado, e pertencem, num certo limite, ainda à tipicidade, adensam a ilicitude revelando maior contributo na dimensão do perigo para os bens jurídicos que as incriminações dos tráficos de estupefacientes se destinam a tutelar. A maior dimensão da ilicitude que a agravação traduz há-de ser essencial para a interpretação e integração da referida noção indeterminada, que, por integrar ainda por si um elemento do tipo agravado, requer a definição segundo o modele de rigor que tem de ser próprio à definição dos elementos da tipicidade. A agravação supõe, pois, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base - os artigos 21º, 22º e 23º do referido Decreto-Lei, e consequentemente, uma dimensão que, referenciada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o circulo base das descrições tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base.(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2004). O crime base tipificado no artigo 21 do diploma em causa está delineado para assumir uma função de defesa social ou protecção da comunidade perante a actividade de tráfico que se projecta numa dimensão mediana utilizando recursos e propondo meios e objectivos que não apresentam grande traço de dissemelhança perante o perfil que apresenta, normalmente, a patologia criminal deste tipo. Por exclusão de partes a densificação das circunstâncias que apresentam a nota de diferença em sede de carga de ilicitude relevante terá de apresentar-se como algo que apresenta natureza de excepcionalidade ou pelo menos revela, no que respeita a esta circunstância concreta, um procura de avultados proventos económicos, ou seja, ganhos que projectam o agente para um nível superior próprio das grandes organizações a nível nacional ou internacional e resultados de uma dimensão superior em termos financeiros. Reportando-nos novamente á decisão supracitada dir-se-á que o acto ilícito tem de apresentar uma projecção de especial saliência, avaliada por elementos objectivos que revertem, necessariamente, á intensidade (mais que à duração) da actividade conjugada com as quantidades de produto e montantes envolvidos nos "negócios" - o que aponta para operações ou "negócios" de grande tráfico, longe, por regra, das configurações da escala de base típicas e próprias do «dealer de rua» urbano e suburbano ou do seu sucedâneo no espaço rural.” [48] MIR PUIG, Santiago, Derecho Penal, Parte General, Barcelona, 2004,p. 113. [49] 6 MIR PUIG, Santiago, Introducción a las bases de derecho penal, Argentina,2003, p. 141. [50] QUINTERO OLIVARES, Gonzalo, Parte General de Derecho Penal, Navarra, 2005, p. 89. [52] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2014, proferido no Processo nº 95/10.9GGODM.S1, relatado pelo Conselheiro Souto Moura. |