Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
169/23.6GBIDN-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: HABEAS CORPUS
CUMPRIMENTO DE PENA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Como meio expedito, célere e de primeira aparência, na apreciação da ilegalidade da prisão, a providência de habeas corpus  “(…) não decide sobre a regularidade de actos do processo, não constitui um recurso das decisões em que foi determinada a prisão do requerente, nem é um sucedâneo dos recursos admissíveis” e   “não se substitui aos recursos ordinários” e “(…),não cabe julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo)” e ainda  “ não pode ser utilizada para impugnar irregularidades processuais ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o processo ou o recurso como modo e lugar próprios para a sua reapreciação

II. Acresce ainda que o habeas corpus não é o meio próprio para arguir ou conhecer de eventuais nulidades, insanáveis ou não, ou irregularidades, cometidas na condução do processo ou em decisões nele proferidas;

III. Estando em causa o cumprimento da pena de prisão subsidiária, em que foi condenado e não uma situação de prisão preventiva, não há que proceder à apresentação do detido ao Mº JIC para primeiro interrogatório judicial, para saber das razões da sua detenção, pois estas constam do mandado de detenção.

IV. Sendo o arguido preso na sequência de um mandado de detençao emanado do juiz do processo, para cumprimento da pena de prisão subsidiária em que fora condenado por sentença, transitada, pelo crime de condução no estado de embriaguez e por falta de pagamento da multa em que fora condenado, a prisão  não é ilegal, não se mostrando excedido o tempo de prisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam em audiência os Juízes Conselheiros na 3 Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

No Proc. Sumário nº169/23.6GBIDN do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco Juízo de Competência Genérica de ... em que é arguido AA preso em cumprimento da pena de prisão efectiva, apresentou pelo seu advogado / mandatário petição de Habeas Corpus, com os seguintes fundamentos:

“1.1 - Nobre julgador, a autoridade coatora é a diretora do Estabelecimento Prisional de ..., Ilustríssima Senhora BB, vez que, o requerente encontra-se detido desde o dia ........2025, sem ter sido apresentado à autoridade judiciária, ou seja, há mais de 08 (oito) dias detido ilegalmente.

II. DOS FACTOS

2.1 -Nobre julgador, o requerente foi detido na data de ........2025, no momento em que foi à PSP realizar uma queixa contra um indivíduo que lhe furtou uma roda de sua viatura, assim, no facto em questão, agentes da PSP informaram que havia um madado de captura em aberto, oriundo da Comarca de ..., em razão de descumprimento de pena acessória do processo criminal n. 246/23.3.9....

2.2 -O processo em questão foi relacionado de condenação por crime de desobediencia, previsto e punido pelo artigo 348, n. 1, alíena “b” do Código Penal, no qual, condenado pela prática de 23.09.2023, a um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 (cento e dez) diasde multa, a taxa diária de5,50 euros e na pena acessória de inibição de conduzir.

2.3 - Posteriormente, o requerente entregou a sua carta de condução, mas, por ter mudado a sua morada, que antes era: Rua do ..., ..., ... PARA o atual: Calçada da ..., ..., acabou sendo penalizado pela ausencia de comunicação prévia, o que acabou sendo-lhe aplicado um processo apenso de n. 8/24.0.9....

2.3 -Conforme se demonstra em anexo, por se encontrar desempregado desde ........2024, o requerente, por meio de advogado oficioso, solicitou o parcelamento da multa que lhe foi aplicado, sendo assim, deferido, e o mesmo efectuando os respetivos pagamentos atempadamente, tudo conforme anexo que aqui se dá por integralmente reproduzidos.

2.4 -Independente das circunstancias do mérito, que trata-se exclusivamente sobre os factos aqui narrados, o requerente encontra-se desde o dia ........2025, sem sequer ter sido apresentado a uma autoridade judicial, conforme determina o artigo 141, do Código de Processo Penal, afinal, já se transcorre o lapso temporal, na data de hoje, de 08 (oito) dias e avançando cada dia mais.

2.5 - Oras Excelencia, o único motivo do requerente encontrar-se detido, ainda que de forma ILEGAL, é a ausência de pagamento a uma das multas processuais, porém, não por culpa própria, mas sim, por ausencia de informação devida, visto que, a multa referente ao processo principal, qual seja, 246/23.3.9..., o requerente vem efetuando atempadamente os seus respetivos pagamentos.

III. DOS DIREITOS

3.1- Nobre relator, nas situações de violação do artigo 28ª, é cabível o Habeas Corpus, nas definições do artigo 31, ambos da Constituição Portuguesa que:

Artigo 28.º Prisão preventiva

1. A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa. [...]

Artigo 31.º Habeas corpus

1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3.2 -Em seguimento, o Código de Processo Penal, esclarece em seu artigo 220º que, o habeas corpus pode ser requerido ao juízo competente, de forma imediata, senão, vejamos:

Artigo 220.º

Habeas corpus em virtude de detenção ilegal

1 - Os detidos à ordem de qualquer autoridade podem requerer ao juiz de instrução da área onde se encontrarem que ordene a sua imediata apresentação judicial, com algum dos seguintes fundamentos:

a) Estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial;

b) Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos;

c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

3.3 - No caso em apreço, com todos os devidos respeitos sobre entendimentos, o Tribunal Constitucional, tem entendido que, o cerceamento à liberdade de locomoção, quando ocorrido de forma ilegal, deve ser combatido veementemente, afinal, assim é verificado, vejamos:

ACÓRDÃO Nº 465/2022 Processo n.º 672/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos *

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, [...]Esclarece-nos José Lobo Moutinho, a este propósito, que «(…) [A] liberdade que está em jogo no artigo 27.º é a liberdade física, a liberdade [de] movimentos corpóreos, ou seja, e na formulação de Gomes Canotilho e Vital Moreira, a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem, por vezes recorrido, expressamente, o «direito a não ser detido, jurisprudência, p. ex., Acs n.ºs 479/94, 436/00 e 471/01).

Mas dizer isto não basta para apreender o alcance do objeto de proteção.

Torna-se ainda necessário ter presente que a garantia constitucional abrange, expressamente desde 1982, a privação total ou parcial da liberdade ou, como a jurisprudência tem aceitado, na sequência da terminologia germânica, a privação ou a mera restrição da liberdade, entendendo pela primeira o confinamento coativo a um espaço relativamente limitado (como um estabelecimento prisional, o edifício de um tribunal ou de entidade policial ou de um hospital) e pela segunda qualquer outra forma de impedimento à deslocação da pessoa de ou para lugar que lhe seria jurídica e facticamente acessível (…)» (Constituição Portuguesa Anotada - org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Lisboa, UCP, 2017, pp. 466)

3.4 - Excelência, é de se esclarecer que o requerente encontra-se detido desde o dia ........2025, sem sequer ter sido legado a uma autoridade judicial até o momento, mesmo ultrapassando o lapso temporal de mais de 08 (oito) dias, o que é uma completa aberração do sistema prisional e deve ser combatida.

3.5 - Pontua-se ainda que, em que pese o requerente encontra-se desempregado, o mesmo realiza trabalhos voluntários em troca de sustento para sobreviver, bem como, tem tentado conquistar uma vaga no mercado de trabalho novamente, porém, impedido em razão desta privação.

3.6 -Pontua-se ainda que, o Egrégio Supremo Tribunal de justiça, no que tange ao Habeas Corpus, entende que:

3. Ac. STJ de 25-06-2009, CJ (STJ), 2009, T2, pág.252: I. O pedido de «habeas corpus», quando se funde em detenção ilegal, é dirigido ao Presidente do STJ.

II. Aquela detenção ilegal tem, como seu pressuposto, uma privação total, precária e condicional da liberdade, que não resulte de uma decisão judicial e que se situe entre os momentos da captura e do despacho judicial sobre a sua apreciação e validação e a prisão preventiva. [...]

3.7 -Oras, Excelência, como o Estado Português quer exigir que o requerente cumpra sua parte no que tange às obrigações legais, se o próprio Estado Português aplica ilegalidades, como o caso que aqui se reclama.

3.8 - O único motivo que se ensejou ao requerente para ter contra si um mandado de captura, é em razão da justiça ter achado que o mesmo se furtava de cumprir com os pagamentos das penas assessorias que lhe foram impostos, porém, conforme se restou demonstrado, o requerente vem efectuando o pagamento de forma regular daquilo que foi regularmente notificado, em sua morada legal e atualizada.

3.9 -Aduza-se que a irregularidade invocada, atenta a sua gravidade, é apta a afectar o valor do acto em causa, podendo e devendo ser conhecida oficiosamente e independentemente de qualquer prazo, nos termos do artigo 123.º n.º 2 do CPP.

3.10 - Assim, presumindo-se inocente até prova em contrário, não pode o impetrante estar “DETIDO” no Estabelecimento prisional de ... sem sequer ter sido apresentado à autoridade judicial competente, ferindo assim o princípio da legalidade, proporcionalidade e adequação necessária, bem como, o artigo 5º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem.

– DO REQUERIMENTO FINAL –

Excelsio Julgador, diante de tudo que foi argumentado pelo impetrante, pugna para requerer::

A. Que seja dado provimento ao presente pedido de Habeas Corpus, tendo em vista a violação do artigo 31, n. 1 da Constituição da República Portuguesa e com base no artigo 220, n. 1, alínea “a” do Código de Processo Penal, com a consequente libertação do Sr. AA, português. Cartão cidadão n. ......26, válido até ........2029, nascido a ........1983, detido ilegalmente no Estabelecimento Prisional de ..., n. .10, ala “...”;

B. Subsidiariamente, pugna para que o mesmo seja imediatamente apresentado à autoridade judicial, ademais, junta-se neste momento a procuração e pugna para que seja notificado este advogado para comparecer ao acto, se assim for necessário;”

Da informação enviada, nos termos do artº 223º1 CPP consta com interesse para a apreciação do pedido (transcrição):

“Em cumprimento do despacho proferido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal de ..., em 25/06/2025, foi a petição de habeas corpus remetida aos presentes autos de processo, ao abrigo do disposto no artigo 222.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, cf. se alcança da ref.ª Citius .....72, registada em 25/06/2025.


**


Por sentença proferida em 25/09/2023, transitada em julgado em 27/10/2023, foi o arguido, AA, condenado pela prática, em 23/09/2023, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, a que acresce a pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfez o valor total de 605,00 € (seiscentos e cinco euros), pena à qual foi descontado um dia em virtude da detenção sofrida pelo arguido à ordem dos presentes autos, cf. impõe o disposto pelo artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal.

Foi, em 09/12/2024, despacho a que foi atribuída a ref.ª Citius ......79, ordenada a notificação do arguido, por via postal simples com PD, na morada do TIR, para pagar a pena de multa ou justificar e fundamentar o seu não pagamento, sob pena de, não o fazendo, ser a mesma convertida em prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49.º, do Código Penal.

Foi o arguido notificado do despacho proferido em 09/12/2024, a que foi atribuída a ref.ª Citius ......79, na morada Rua do ..., ou seja, na morada do TIR, cf. expediente de notificação registado em 13/12/2024, com a ref.ª Citius ......47, prova de depósito registada em 19/12/2024, com a ref.ª Citius .....14 e Termo de Identidade e Residência prestado em 23/09/2023, registado em 25/09/2023, a que foi atribuída a ref.ª Citius .....84.

Regularmente notificado, o arguido não pagou a multa em que foi condenado, cf. guia de pagamento não paga, datada de 07/01/2025, com a ref.ª Citius ......33.

Das pesquisas de bens realizadas resultou que o condenado não possui bens registados em seu nome, nem aufere rendimentos suscetíveis de penhora, porquanto, atentas as informações obtidas, não se vislumbrou possível a cobrança coerciva da pena de multa.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser a pena de multa não paga convertida em prisão subsidiária, cf. promoção datada de 14/01/2025, com a ref.ª Citius ......47.

Decorrido o prazo legal, não tendo o arguido cumprido a pena de multa, nem requerido o seu pagamento fracionado ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, por despacho datado de 17/01/2025, a que foi atribuída a ref.ª Citius 38120842, determinou-se que o condenado cumprisse, em concreto, 72 (setenta e dois) dias de prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal.

O arguido encontra-se preso à ordem dos presentes autos desde .../.../2025, cf. ofício da PSP de ..., registado em 18/06/2025, a que foi atribuída a ref.ª Citius .....17 e e-mail do Estabelecimento Prisional de ..., registado em 23/06/2025, a que foi atribuída a ref.ª Citius .....31.

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Entendo, na verdade e salvo melhor opinião, que o meio processual próprio/idóneo do qual o arguido deveria ter lançado mão seria a interposição de recurso, admissível nos termos previstos no regime dos recursos ordinários da lei processual penal.

Em bom rigor, nenhum dos argumentos/fundamentos invocados pelo arguido se aproximou, sequer timidamente, da norma legal por si enunciada como fundamento de «detenção» ilegal até porque sempre estará em causa uma prisão ao invés de uma detenção, devendo ser dessa forma enquadrada a petição de habeas corpus apresentada pelo arguido, ou seja, nos termos do disposto no artigo 222.º, do Código de Processo Penal, e não no artigo 220.º, do mesmo diploma legal.

Entendo, portanto, que o arguido se encontra legalmente preso, carecendo de fundamento a petição de habeas corpus apresentada, não estando, de todo em todo, preenchidos os requisitos previstos, nem no artigo 220.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, nem no artigo 222.º, do mesmo diploma legal.


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Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário do arguido, procedeu-se à realização da audiência contraditória (artº 31º 1 e 3 CRP), com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

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Finda a audiência o coletivo reuniu para deliberar, o que fez, apreciando o pedido nos termos seguintes:

Os factos relevantes para a decisão mostram-se condensados na petição de Habeas Corpus e na informação do tribunal requerido e documentos com ela juntos que aqui se dão por transcritos e deles resultam que a questão a decidir se prende em averiguar se o arguido se encontra ou não ilegalmente preso.


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Conhecendo:

O pedido de habeas corpus é uma “providência [judicial) expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros1.

O direito à liberdade é um direito fundamental dos cidadãos expresso no artº 27º 1 CRP que dispõe “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.”, esclarecendo no nº2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. Todavia há exceções também constitucionalmente consagradas, no nº 3 do mesmo normativo2, fora das quais as restrições à liberdade, através da detenção ou prisão, são ilegais, juízo que se tem afirmado em jurisprudência reiterada, quando ocorram fora dos casos previstos neste mesmo normativo (cf. por todos, o ac. de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt)3.

Resulta dos autos que:

- Por sentença proferida em 25/09/2023, proferida no proc. sumário nº 169/23.6GBIDN do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco Juízo de Competência Genérica de ... transitada em julgado em 27/10/2023, foi o arguido, AA, condenado pela prática, em 23/09/2023, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, a que acresce a pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 5,50 €, o que perfez o valor total de 605,00 €, pena à qual foi descontado um dia em virtude da detenção sofrida pelo arguido à ordem dos presentes autos.

Foi notificado para pagar a pena de multa ou justificar e fundamentar o seu não pagamento, sob pena de, não o fazendo, ser a mesma convertida em prisão subsidiária.

Notificado, o arguido não pagou a multa em que foi condenado, cf. guia de pagamento não paga, datada de 07/01/2025.

Das pesquisas de bens realizadas resultou que o condenado não possui bens registados em seu nome, nem aufere rendimentos suscetíveis de penhora, e não foi possível a cobrança coerciva da pena de multa.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser a pena de multa não paga convertida em prisão subsidiária

Por despacho datado de 17/01/2025 determinou-se que o condenado cumprisse, em concreto, 72 (setenta e dois) dias de prisão subsidiária

O arguido encontra-se preso à ordem dos presentes autos desde 17/06/2025, na sequência dos mandados de detenção e condução do EP para cumprimento da pena de prisão subsidiária determinada ao abrigo do proc 169/23.6GBIDN mencionado.

O arguido apresenta o pedido de habeas corpus invocando o proc. 246/23.3.9... relativo à prática de um crime de desobediência, em que teria sido autorizado o pagamento da multa em prestações.

Estes os factos relevantes.


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Apreciando e decidindo:

A providencia de habeas corpus como dispõe o artº 223º 4 CPP, visa a libertação imediata do detido em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal,” podendo nos termos do nº2 “… ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.”, tendo sido o próprio arguido detido a requerer a providência em causa através do seu mandatário, para o que tem legitimidade.

Nos termos do artº 222º2 CPP, a petição a apresentar no Supremo Tribunal de Justiça4 deve fundar-se em prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c) ou seja por “incompetência da entidade donde partiu a prisão” no dizer do ac. STJ 26/6/2003 www.dgsi.pt, ou que a ordenou) e por “motivação imprópria” ou razão ou motivo que a lei não prevê, ou ainda por decurso do prazo fixado por força da lei “ excesso de prazos”.

O arguido fundamenta o seu pedido invocando no essencial “a circunstância de não ter sido regularmente notificado da necessidade de proceder ao pagamento da pena de multa - «[…] por ausência de informação devida» - razão pela qual não a pagou, pese embora se mostre a liquidar em prestações a pena de multa aplicada no «processo principal, qual seja, 246/23.3.9...»” e que foi preso não tendo sido apresentado a nenhum juiz quando o devia ter sido.

Visto o alegado em face dos fundamentos do habeas corpus, de caracter taxativo (ac. STJ de 19/5/2010 CJ STJ, 2010, T2, pág. 196) e fixados nas alíneas do nº2 do artº 222º CPP (numerus clausus) que podem ser invocados, estamos perante um pedido:

a) formulado por excesso de prazo por falta de apresentação a um juiz e

b)- por falta de notificação para pagar a multa

Começando por este último fundamento, em face dos fundamentos de habeas corpus, como meio expedito, célere e de primeira aparência, na apreciação da ilegalidade da prisão, esta providência “(…) não decide sobre a regularidade de actos do processo, não constitui um recurso das decisões em que foi determinada a prisão do requerente, nem é um sucedâneo dos recursos admissíveis”, “neste há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira à situação processual do requerente, se os actos do processo produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos referidos no art. 222.º, n.º 2, do CPP" e “não se substitui nem pode substituir-se aos recursos ordinários5 tal como, nesse âmbito, lhe “(…),não cabe julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo)” sendo ainda que (...) “A medida não pode ser utilizada para impugnar irregularidades processuais ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o processo ou o recurso como modo e lugar próprios para a sua reapreciação6, a que acresce ainda que “Constitui jurisprudência reiterada deste Tribunal a de que a providência de habeas corpus não é o meio próprio para arguir ou conhecer de eventuais nulidades, insanáveis ou não, ou irregularidades, cometidas na condução do processo ou em decisões nele proferidas; para esse fim servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, deduzidos no tempo e na sede processual apropriados.”7

Consta da informação supra e documentos anexos a notificação do arguido para o feito de pagar a multa, mas conhecer de tal facto ou saber se foi bem ou mal notificado para pagar a multa em que foi condenado não cabe no conhecimento deste Supremo Tribunal no âmbito da providencia de habeas corpus.

No que respeita ao primeiro fundamento, cumpre salientar que o arguido foi detido em cumprimento de mandados de detenção emitidos na sequência da decisão que determinou o cumprimento da pena subsidiária, em que fora condenado, por falta de pagamento da multa no proc. 169/23.6GBIDN do Tribunal Judicial de Castelo Branco – Juízo de Competência Genérica de ... e pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e não no âmbito do proc. 246/23.3.9... em que teria sido condenado por um crime de desobediência, a que o requerente faz expressa referência e fundamento.

Estando em causa o cumprimento da pena de prisão subsidiária, em que foi condenado e não uma situação de prisão preventiva, não há que proceder que proceder à apresentação do detido ao Mº JIC para primeiro interrogatório judicial, para saber das razões da sua detenção, pois estas constam do mandado de detenção.

No demais verifica-se que compete apenas a este Supremo Tribunal, atento o principio da actualidade, verificar se na situação em que o detido/requerente se encontra se existe ou não por abuso de poder excesso de prazo na sua detenção, não podendo imiscuir-se ou discutir questões da competência de outros tribunais e sujeitas a recurso.

Em face dos dados trazidos a este Supremo Tribunal:

- o arguido foi detido .../6/2025 no âmbito do proc. 169/23.6GBIDN na sequência de mandado de detenção emitido pelo Tribunal de Castelo Branco – Juízo de competência genérica de ... para cumprimento de 72 de prisão subsidiária, situação em que se encontra no EP de ..., e cujo terminus do cumprimento de tal pena ocorrerá em .../8/2025.

Não foi detido nem como tal se encontra no âmbito do proc. 246/23.3.9....

Assim estando o arguido preso em cumprimento da pena subsidiária no âmbito do proc. 169/23.6GBIDN e não do proc. 246/23.3.9..., e na sequencia de mandados de detenção e condução do Estabelecimento prisional para o efeito emitidos pelo Juiz do tribunal condenatório e competente para o efeito, importando constatar que não decorreu o período da pena de prisão não sendo excedido esse prazo, ou outro que determinasse a libertação imediata do arguido, e não se mostra, que estejamos perante uma prisão ilegal, pois foi ordenada por um tribunal / juiz competente na sequência da decisão que determinou o cumprimento da prisão subsidiária, transitada em julgado e por isso (exequível) por facto que a lei permite (condenação por crime e não pagamento da pena de multa em que fora condenado), pelo que o pedido de habeas corpus, para libertação do requerente não pode ser emitido, pois a providencia não pode proceder, por falta de fundamento legal, visto que não é ilegal a prisão, ordenada pelo juiz, na sequência de condenação em pena de prisão, transitada em julgado e com vista ao seu cumprimento8, e não ocorre razão, para ser presente a juiz para validar essa detenção, por não ser caso de prisão preventiva.


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Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça decide:

- Indeferir a providência de habeas corpus formulada pelo requerente detido AA por falta de fundamento.

- Condenar o requerente na taxa de justiça de 5 UC e nas demais custas


Notifique

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Lisboa e STJ, 2/7/2025

José A. Vaz Carreto (relator)

Antero Luis

António Augusto Manso

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

__________


1. assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344) e Cf. também ac. STJ 4/6/2024, Proc. 1/22.8KRPRT-K.S1 Cons. Lopes da Mota www.dgsi.pt e nossos Ac STJ 26/24.9SWLSB-A.S1 de 19/3/2025 e 1200/19.5PBSTB-A.S1 de 14/5/2025 ambos em www.dgsi.pt;

2. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:

  a) Detenção em flagrante delito;

  b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;

  c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;

  d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;

  e) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;

  f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;

  g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;

  h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.

3. Idem.

4. Artº 31º 1 CRP “ tribunal competente”

5. Acórdão STJ de 16/3/ 2015, Proc. 122/13.TELSB-L.S1, disponível em www.dgsi.pt,

6. Acórdão STJ de 05/5/2009, Proc. 665/08.5JAPRT-A.S1, citado no acórdão de 04 de Janeiro de 2017, Proc. 109/16.9GBMDR-B.S1, disponível em www.dgsi.pt

7. Ac de 16/5/2019 Proc. 1206/17.9S6LSB-C.S1, disponível em www.dgsi.pt; ac STJ 26/2/2025 proc. n.º 234/24.2GELSB-B.S1 Cons. Antero Luis

8. Ac. STJ 11/12/2024 proc. 108/20.6PAETZ-B.S1 www.dgsi.pt