Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
366/23.4PAENT.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
NULIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
REINCIDÊNCIA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
Data do Acordão: 10/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :

I. A «desqualificação» do crime de furto pelo valor diminuto, antes qualificado por introdução em local vedado ao público através de escalamento implica a repristinação dos elementos do tipo que qualificavam o crime, subsistindo então as incriminações autonomamente. Assim, tendo havido furto por introdução em local vedado ao público por meio de escalamento de uma janela, com danos nesta e no interior do espaço, face à desqualificação operada nos termos do nº 4 do artº 204º do CP, aquela introdução ilegítima e os danos ocorridos não podem deixar de ser punidos. Daí que se compreenda que a autonomização dos mesmos, gerada pela desqualificação, deva ser entendida como reflectindo diferentes bens jurídicos merecedores igualmente de protecção. A repristinação na sua autonomia implica uma relação de concurso real tendo em conta que os bens jurídicos protegidos por cada um dos tipos em causa são distintos, inexistindo, a partir da desqualificação do furto, qualquer interdependência entre a realização de cada um deles.

II. O crime de introdução ilegítima em local de acesso vedado ao público consuma-se independentemente de dano como meio de o realizar. Daí que não haja consunção por especialidade e o dano não fazer parte integrante dos elementos desse tipo penal. É autónomo e, em ambos os crimes, configuram-se bens jurídicos diferenciados.

III. Não se verifica concurso aparente entre um crime de furto qualificado e o crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão quando o agente do crime pratica o crime de furto (mediante uma primeira resolução de apropriação de valores e bens através de entrada em Agência por quebra de vidro e forçando a porta de entrada) e, mais tarde, formando nova resolução criminosa, utiliza o cartão que havia subtraído (utilização facilitada por o código de acesso se encontrar junto ao mesmo), procedendo a levantamentos em caixas ATM e pagamentos de serviços.

IV. Não se consumindo, no furto qualificado, o crime de abuso de cartão, havendo mais do que uma resolução criminosa e, embora reflectindo a final um prejuízo patrimonial ao ofendido titular, a abrangência da acção ilícita afecta diversidade de bens jurídicos que não apenas a propriedade mas também a segurança e privacidade de transações bancárias por meio informático através do posterior (ao furto) uso indevido de cartão e código bancário de acesso, havendo pois diferentes resoluções criminosas, diferentes bens jurídicos e inexistência de relações de “especialidade, subsidiariedade ou consunção”.

V. Na punição da reincidência devem estar claramente determinada a conexão com os crimes anteriores efectivamente considerados como relevantes, os nºs de processo a que respeitam, e as penas parcelares de cada um, sendo necessário justificar de forma assertiva e compreensível qual a relevância da condenação por reincidência quando se considerem também crimes anteriores cometidos mas com diferente natureza.

VI. A pena a determinar havendo reincidência não o será a partir de uma pena concreta previamente fixada( sem a reincidência), depois agravada pela reincidência em mais alguns meses. A pena concreta pelo crime deve ser determinada primeiramente a partir da moldura abstracta agravada (pela reincidência) em mais um terço no respectivo mínimo e sem nunca exceder (tal agravação) a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.

VII. A especificação adequada e clara de quais os crimes anteriores que foram tidos em concreto na consideração da reincidência deve ser sempre elemento compreensível a partir da fundamentação.

VIII. Na declaração de perda de vantagens, tendo ficado provado que o arguido levou consigo moedas cujo valor exacto não se apurou mas não superior a 55,50 euros, não pode ser condenado a restituir esse montante. Tendo-se provado que apenas levou moedas em quantia indeterminada não superior a 55,50 euros, logo tanto poderiam ter sido de valor equivalente a este montante como inferior. A contabilização de uma perda de vantagem deve aferir-se ao valor exacto do que o arguido fez seu. Neste caso, desconhecendo-se o valor exacto subtraído, que poderia oscilar entre duas moedas de euro de menor valor existente em circulação e aqueles 55,50 euros, na dúvida não se pode condenar o arguido em perda de vantagem por quantia cujo valor se desconhece, a não ser pelo mínimo subtraído possível, equivalente ao menos a 2 moedas de euro de valor mínimo.”

Decisão Texto Integral:

Recurso 366/23.4PAENT.S1

Acordam em Conferência na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I-RELATÓRIO

1. Por acórdão de 16.05.2024 do coletivo de juízes do Juízo Central Criminal de ..., foi o arguido AA, além do mais, condenado pela prática:

[(…)

1. como reincidente, de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (factos objeto do processo 263/23.3...);

2. de um crime introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º, nº 1 Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, e, como reincidente de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão e de um crime de furto simples (desqualificado pelo valor), previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (factos objeto do processo 302/23.8...);

3. de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1 e 191.º do Código Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão e, como reincidente, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (factos objeto do processo 336/23.2...);

4. como reincidente, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alíneas e) e f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (factos objeto do processo 366/23.4...);

5. como reincidente, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alínea f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão e de um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, previsto e punido pelo artigo 225.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (factos objeto do processo 374/23.5...);

6. de um crime introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do código pena, na pena de 2 (dois) meses de prisão, e, como reincidente, de um crime de furto simples, desqualificado pelo valor, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (factos objeto do processo 377/23.8...);

7. como reincidente, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão (factos objeto do processo 380/23.0...);

8. como reincidente, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão (factos objeto do processo 378/23.8...);

9. como reincidente, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alínea f) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (factos objeto do processo 381/23.8...);

10. como reincidente, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alínea f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão (factos objeto do processo 382/23.6...); e

11. como reincidente, um crime de roubo, desqualificado pelo valor, previsto e punido pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 4 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (factos objeto do processo 396/23.6...);

Em cúmulo destas penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de 10 (dez) anos prisão.

Mais foi ainda:

a. Declarada perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial alcançada pelo arguido com a prática dos crimes (que, não sendo suscetível de apropriação, se substituiu pelo pagamento ao estado do respetivo valor), pelo que o arguido foi condenado a pagar ao Estado a quantia de € 4.692,8 (quatro mil seiscentos e noventa e dois euros e oitenta cêntimos), nos termos do artigo 110.º n.ºs 1 alínea a) e 4 do Código Penal;

b. Condenado a pagar o valor de € 60 (sessenta euros), a BB, a título de danos patrimoniais; e

c. Condenado a pagar ao Estado o valor de € 50 (cinquenta euros), a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% e subsequentes que venham a vigorar, contados desde a notificação e até efetivo e integral pagamento (artigos 804º, 805º e 806º, todos do código civil e portaria n.º 291/03, de 08.04

1.2- Não se conformando, o arguido interpôs o presente recurso desta decisão directamente para este Supremo Tribunal de Justiça, limitando-o expressamente à matéria de direito “(…) nos termos e ao abrigo do disposto no art. 432.º nº 1 al. c) do C.P.P e 414.º nº 8 do CPP (a contrário)” e referindo assentar a sua posição de discordância nos seguintes temas centrais:

- (A existência de) Nulidade por falta de fundamentação - art. 374º, nº 2 do CPP;

- (A discordância quanto ao) Enquadramento jurídico-penal das condutas imputadas ao arguido;

- (A verificação de um) Concurso aparente de crimes;

- (A) Falta de verificação dos pressupostos de que depende a consideração do arguido como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do CP; e

- (A) Medida concreta das penas parcelares

- A medida da pena única aplicada.

- (A questão da) Perda de bens a favor do Estado.

Na verdade, concluiu a motivação do recurso, dizendo impressivamente em 95 conclusões contidas em prolixas 12 págs:

“[(…)

1. OBJECTO DO PRESENTE RECURSO:

Acórdão proferido no passado dia 16 de maio de 2024, em que veio a ser condenado na pena única de 10 (dez) anos prisão.

2. MATÉRIA DE RECURSO: Recurso em matéria de direito diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça.

3. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO PRESENTE RECURSO:

No caso vertente as questões que o recorrente pretende ver decididas por este Alto Tribunal, são as seguintes:

- Enquadramento jurídico-penal das condutas do arguido:

- Nulidade por falta de fundamentação - art. 374º, nº 2 do CPP. - Concurso aparente de crimes.

- Medida concreta das penas parcelares e da pena única aplicada ao arguido – que consideramos exagerada e despropositada;

- Falta de verificação dos pressupostos de que depende a consideração do arguido como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do CP. - Perda de bens a favor do Estado.

4. MATÉRIA DE DIREITO:

5. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA - ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:

(…) Relativamente à análise de cada qualificação jurídica dos factos pelos quais veio o arguido condenado, de cada NUIPC individualmente, alegamos o seguinte:

6.

I- NUIPC 263/23.3...: Neste, o arguido foi condenado como reincidente em um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, cometido em 13.05.2023, factos que constam dos pontos 1 a 7 da decisão recorrida.

7. Compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é, antes de mais, nulo por falta de fundamentação,na medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos trata-se de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 210º, n.º 1 do Código Penal.

8. Na boa verdade, na sua fundamentação de direito, o tribunal recorrido limitou-se apenas em dispor sobre os tipos de crime pelos quais se mostrava o arguido acusado, não fazendo qualquer conexão dos crimes com os factos dados como provados, e se se encontravam preenchidos ou não os pressupostos objetivos e subjetivos de cada ilícito penal.

9. Assim, entendemos, antes de mais, que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação, por não conter qualquer exposição dos motivos de direito que fundamentam a decisão em matéria de direito quanto à qualificação que fez dos factos imputados ao recorrente, no que diz respeito ao crime de crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 210º, n.º 1 do Código Penal do NUIPC 263/23.3... - Nulidade que se argui nos termos do art. 374º, nº 2 do CPP.

10. Acresce ainda: Dos factos dados como provados, restou demonstrado que o ofendido não trazia consigo nenhum objecto com valor económico ou dinheiro de que se pudesse o arguido apoderar. Assim, o roubo que provavelmente estaria na intenção do agente tornou-se inexequível, porque nada havia para roubar.

11. Inclusive, no que concerne à tentativa, embora tenham sido praticados actos de execução, esta não é punível porque lhe falta o objecto essencial à consumação do crime, nos termos dos artigos 22.º e 23.º do Código Penal.

12. Face ao exposto, o arguido ora recorrente deverá, por isso, ser absolvido do crime de roubo tentado.

. II NUIPC 302/23.8...:

Neste, o arguido foi condenado em um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Pena, na pena de 2 (dois) meses de prisão; um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º, nº 1 Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; E, como reincidente em um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão; e um crime de furto simples (desqualificado pelo valor), previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, cometido em 02.06.2023, factos que constam dos pontos 8 a 16 da decisão recorrida.

14. Novamente compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é, novamente, nulo por falta de fundamentação na medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos trata-se de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal, um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º, nº 1 Código Penal, um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal e um crime de furto simples (desqualificado pelo valor), previsto e punido pelos artigos203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal.

15. Assim, entendemos, mais uma vez, que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação, por não conter qualquer exposição dos motivos de direito que fundamentam a decisão em matéria de direito quanto à qualificação que fez dos factos imputados ao recorrente no que diz respeito ao crime de introdução em lugar vedado ao público, aos crimes de dano, e ao crime de furto simples do NUIPC 302/23.8... - Nulidade que se argui nos termos do art. 374º, nº 2 do CPP.

16. Acresce ainda: Enquadrando-se o comportamento do arguido, no tocante à subtração, no tipo legal de furto simples, por ocorrência da desqualificação fundada no valor, coloca-se a questão de saber se tal crime de furto, está numa relação de concurso efetivo ou aparente com o crime de introdução de lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal dado que se provou que o arguido penetrou num estabelecimento que se encontrava fora de hora de atendimento ao público, através de uma janela lateral do rés do chão, introduziu-se no edifício, partindo o estore da janela.

17. Da mesma forma, no que diz respeito ao crime de dano à célula do alarme que se encontrava na parede e à maquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas que se encontrava no local.

18. O Tribunal decidiu pela autonomização de tais crimes, condenando o arguido na pena de 2 (dois) meses de prisão pelo crime de introdução de lugar vedado ao público, 6 (seis) meses de prisão pelo crime de dano e 1 (um) ano de prisão pelo outro crime de dano.

19. O ora recorrente discorda desta decisão, na medida em que o crime de introdução em lugar vedado ao público, bem como o crime de dano, é o designado crime "instrumental", um crime "meio", para se alcançar o "crime fim", que neste caso é o crime de furto, deste modo não deveria o ora recorrente ser condenado pelos demais crimes, excepto pelo crime de furto.

20. Neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Proc. 1028/09.0PRPRT.P1, datado de 10.11.2010, cuja Relatora Juíza Desembargadora Eduarda Lobo, disponível site DGSI, que refere: "I - O critério do bem jurídico tutelado pelas normas violadas permite afastar a relação de concurso sempre que o agente vai praticando vários ilícitos numa sucessão de etapas com vista à obtenção de um resultado criminoso não contemplado nas acções já realizadas.

21. Numa tal situação, o concurso aparente só deverá ser equacionado no caso da indispensabilidade dos crimes instrumentais para o cometimento do “crime fim”: sem a verificação dessa indispensabilidade instrumental, os crimes que antecedem o crime fundamentalmente visado pelo agente conservam a sua autonomia, devendo ser punidos no âmbito do concurso real de infracções.

22.O significado do “crime meio” desaparece nos casos em que é tido por secundário em relação ao “crime fim” e desde que se mostre associado a este através de uma forma de aparição regular, ou forçosamente necessária: mas se a gravidade do “crime meio” não for mínima, do excesso resultará um concurso efectivo com o “crime fim”.

23.E igualmente o Ac. Tribunal da Relação do Porto, datado de 13.05.2015, Proc. n.º 888/09.0GAVGS.P1, Relatora Desembargadora Maria Prazeres Silva, disponível no site da DGSI, que relata: " I – A desqualificação do crime de furto, por força do valor diminuto dos bens, não faz renascer o crime de violação de domicílio, quando se concretizou na introdução na habitação por arrombamento.

24.Entre o crime de furto, praticado com introdução na habitação por arrombamento e o crime de violação de domicílio existe um concurso aparente de crimes, abrangendo a punição por aquele a totalidade da conduta do arguido.

25.Poder-se-ia defender que um “crime meio”, ou “crime instrumento”, fosse deixado impune, desde que se tratasse de crime menos grave e que protegesse o mesmo bem jurídico do “crime fim”. Crê-se, porém, que não será essencial à possibilidade da unidade criminosa a mesmeidade do bem jurídico atingido – v.g., furto da chave para furtar o veículo automóvel –, podendo ela ter lugar mesmo em face de bens jurídicos violados diferentes.

26.No entanto, o “crime meio” tem sempre que surgir numa relação com o crime fim, tão estreita em termos normativos, que o desvalor do primeiro acto se possa encarar como razoavelmente compreendido no desvalor do acto principal. Ora, esta possibilidade exige que a gravidade do ilícito do crime meio se revele muito significativamente menor do que a do crime fim, tudo avaliado com referência às respectivas molduras penais."

27.Face ao exposto entendemos que o arguido não devia ter sido condenado pelo crime de introdução de lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º do Código Penal, e nem pelos crimes de dano previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, ainda que se trate de um crime de furto simples desqualificado pelo valor.

28.

III NUIPC 336/23.2...:

Neste NUIPC, o arguido foi condenado em um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1 e 191.º do Código Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão e, como reincidente, em um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, cometido em 14.06.2023, factos que constam dos pontos 17 a 20 da decisão recorrida.

29.Mais uma vez compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é nulo por falta de fundamentação, na medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos tratam-se de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1 e 191.º do Código Penal, e de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal

30.Acresce ainda: Entende o recorrente novamente que, efectivamente, existe nos autos um concurso aparente entre o crime de introdução em lugar vedado ao público e o crime de dano, perdendo este último autonomia em relação àquele, na medida em que o crime de dano é considerado um “crime meio” para alcançar o “crime fim”, sendo este último a entrada do arguido à loja física destinada à comercialização de produtos e/ou serviços que se encontrava totalmente desocupada e fechada ao público.

31. Face ao exposto entendemos que o arguido não devia aqui ter sido condenado pelo crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal.

32.

IV NUIPC 366/23.4...:

Neste, o arguido foi condenado, como reincidente, em um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alíneas e) e f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cometido em 23.06.2023, factos que constam dos pontos 21 a 24 da decisão recorrida.

33.Novamente compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é nulo por falta de fundamentação, na medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos trata-se de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alíneas e) e f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal.

34.

V NUIPC 374/23.5...:

Neste, o arguido foi condenado, como reincidente, em um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alínea f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, e em um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, previsto e punido pelo artigo 225.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, cometido entre as 18:00 horas de dia 27.06.2023 e as 01:08 horas do dia 28.06.2023, factos que constam dos pontos 25 da decisão recorrida

35.Compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é aqui, novamente, nulo por falta de fundamentação na medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos trata-se de um crime de furto qualificado, e um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão.

36.Acresce ainda: Entende o recorrente que existe aqui um concurso meramente aparente (concurso de normas) entre o crime de furto qualificado e o crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, quando a ação que constitui o último («crime-meio») é simultaneamente elemento constitutivo do crime de furto («crime-fim»). Isto é, quando no âmbito do mesmo desígnio criminoso, a inversão do título da posse, constitutiva do crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, integra a intenção de enriquecimento ilegítimo do furto qualificado, consumando este crime, daí derivando um só (o mesmo) prejuízo no mesmo lesado. Nesse caso, por via da relação de consunção, haverá apenas um crime de furto qualificado.

37.

NUIPC 377/23.0...:

Neste, o arguido foi condenado em um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Pena, na pena de 2 (dois) meses de prisão, e, como reincidente, em um crime de furto simples, desqualificado pelo valor, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, e um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, cometido no dia 28.06.2023, factos que constam dos pontos 34 a 40 da decisão recorrida.

38.Compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é, novamente, nulo por falta de fundamentaçãona medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos tratam-se de crime introdução em lugar vedado ao

público, crime de furto simples e crime de dano.

39.Acresce ainda: Novamente, o Tribunal recorrido decidiu pela autonomização do crime introdução em lugar vedado ao público e do crime de dano, condenando o arguido na pena de 2 (dois) meses de prisão e na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, respectivamente.

40.Ora, conforme já defendido acima no ponto referente ao NUIPC 302/23.8..., o recorrente discorda desta decisão, na medida em que o crime de introdução em lugar vedado ao público, bem como o crime de dano, é o designado crime "instrumental", um crime "meio", para se alcançar o "crime fim", que neste caso é o crime de furto. Deste modo não deveria o ora recorrente ser condenado pelos demais crimes, excepto pelo crime de furto, na medida em que estamos diante de um concurso aparente de crimes.

41.

VII NUIPC 380/23.0..., VIII NUIPC 378/23.8..., IX NUIPC 381/23.8..., X NUIPC 382/23.6...

42.Nestes, o arguido foi condenado como reincidente, respectivamente: em um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, cometido no dia 28.06.2023, factos que constam dos pontos 41 a 43 da decisão recorrida; um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, cometido no dia 29.06.2023, factos que constam dos pontos 44 a 50 da decisão recorrida; um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alínea f) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, cometido no dia 30.06.2023, factos que constam dos pontos 51 a 54 da decisão recorrida; e um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alínea f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, cometido no dia 30.06.2023, factos que constam dos pontos 55 a 57 da decisão recorrida.

43.Compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é, novamente, nulo por falta de fundamentação na medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos tratam-se de crimes de furto qualificado.

44.Novamente o Tribunal teria que ter justificado, nem que fosse de forma sintética, por que razão aqueles factos integram a prática de crimes de furto qualificado, e se se encontravam verificados ou não os pressupostos objetivos e subjetivos daquele ilícito penal.

45.

XI NUIPC 396/23.6...: Neste, o arguido foi condenado, como reincidente, em um crime de roubo, desqualificado pelo valor, previsto e punido pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 4 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, cometido no dia 06.07.2023, factos que constam dos pontos 58 a 61 da decisão recorrida.

46.Compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é, novamente, nulo por falta de fundamentaçãona medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos trata-se de um crime de roubo.

47.ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA:

48.Primeiramente, o recorrente considera que, atento aos factos que foram dados como provados, bem como ao supra alegado em sede de ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL, entendemos pela re-ponderação das penas parcelares e pena única que concretamente foi aplicada ao arguido, na medida em que o mesmo foi condenado em crimes que não deveria ter sido, tendo em conta que em várias das situações estamos perante concursos aparente de crimes.

49.Mais: defende o recorrente também que, quanto à medida da pena aplicada a si, ainda que se entenda ou não pelo concurso aparente de crimes supra defendido, a mesma foi desajustada e desproporcional.

50.ENTENDE O ORA RECORRENTE QUE, QUANTO À MEDIDA CONCRETA DAS PENAS PARCELARES SUPRA MENCIONADAS, BEM COMO DA PENA ÚNICA - 10 anos de prisão – as mesmas são manifestamente excessivas porque a culpa é o limite máximo da pena que não pode ser ultrapassado, nem mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, e, no caso concreto, face ao grau de culpa que deflui da factualidade provada relativamente ao recorrente, essa ultrapassagem põe em causa a dignidade humana o que, por razões jurídico constitucionais, é inadmissível, para além de que não acautela o carácter ressocializador que as penas devem assumir.

51. No que diz respeito à reincidência do arguido: A repetição de crimes não determina sempre uma situação de reincidência, ainda que verificados os pressupostos formais a que se reporta o art. 75.º do CP. Apenas a pluriocasionalidade fica atestada face à mera constatação da “sucessão” de crimes. A pluriocasionalidade é um menos em relação à reincidência, cuja certificação está dependente de concreta apreciação em sede de decisão judicial, dos pressupostos materiais a que alude a referida norma.

52.A reincidência implica que, além da verificação dos respectivos pressupostos formais, haja factualidade demonstrativa de que o arguido não sentiu as anteriores condenações como suficiente advertência para não delinquir(trata-se fundamentalmente de prevenção especial), exigindo-se ainda que, atentas as circunstâncias do caso, ocorra uma íntima conexão entre os crimes reiterados, adequadamente relevante em termos de censura e de culpa.

53.Importa, primeiramente, para efeitos de reincidência analisarmos o CRC do arguido, que consta no ponto 63 da decisão recorrida.

54.No presente caso, analisado aqui o CRC do recorrente, este nos últimos 5 anos foi condenado pela prática de outros crimes, sendo sua última condenação por um crime de consumo de estupefacientes em que o arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão cometido em 17.03.2018, e um crime de condução em estado de embriaguez nas penas de 6 meses de prisão substituída por 110 dias de multa e 4 meses de proibição de conduzir.

55.Ambos os crimes pelos quais o arguido veio a ser condenado no período dos últimos cinco anos tem bens jurídicos e natureza diversa dos crimes dos presentes autos, não se tratando nenhum deles de crimes contra propriedade alheia e integridade física.

56.Muito estranha, portanto, o recorrente, que perante uma situação em que a íntima conexão necessária para a reincidência entre os diversos crimes praticados se torna consideravelmente mais difícil de demonstrar, o douto Tribunal a quo se baste apenas e tão somente com o período decorrido entre os mesmos.

57.Recaía sobre o Tribunal a quo uma particular responsabilidade de exigência e rigor na aferição de factos que pudessem indiciar uma conexão entre o crime pelo qual o recorrente foi condenado, responsabilidade essa que o tribunal a quo não respeitou devidamente.

58.Os crimes em causa são completamente diferentes daqueles pelos quais veio - dentro do período para consideração da reincidência – a ser condenado, em virtude do bem jurídico, das motivações e do método utilizado.

59.Assim, no âmbito da distinção entre o reincidente e o mero delinquente multiocasional, considera o recorrente que se enquadra no segundo caso, algo que o momento em que o seu crime foi cometido não é o suficiente para desmentir.

60.Assim, não existem aqui factos provados que permitam concluir que entre os crimes pelos quais foi condenado no período anterior de 5 anos para efeitos de reincidência e os crimes aqui em apreciação, exista uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir pela reiteração radica na personalidade do recorrente, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação não serviu de suficiente advertência contra os mesmos, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas.

61. Tudo isto, à luz de uma interpretação do art. 75.º, n.º 1 do Código Penal que se coaduna, não apenas com a orientação predominante da nossa doutrina e jurisprudência, mas também com a sensibilidade da matéria em questão, e a exigência e rigor que devem ser empregues na aferição da existência, ou não, de uma íntima conexão entre os vários crimes pelos quais o agente é condenado, para efeitos de aplicação da figura da reincidência.

62.Por outro lado, uma interpretação deste mesmo preceito segundo a qual a demonstração da existência de tal conexão se baste com uma justificação meramente superficial, baseada em elementos circunstanciais, como é o caso da apresentada na decisão recorrida, além de ir contra o referido entendimento predominante, é mesmo inconstitucional, por violação, nomeadamente, dos artigos 18º, nº 2 e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa inconstitucionalidade que aqui se alega para todos os efeitos legais 63.Compulsada a decisão recorrida, resulta evidente que o Tribunal recorrido não faz uma aferição da existência, ou não, de uma íntima conexão entre os crimes pelos quais o agente já foi condenado, para efeitos de aplicação da figura da reincidência, mas apenas e tão somente uma fundamentação generalizada. Tal fundamentação não é suficiente e adequada à conclusão retirada pelo tribunal de que o arguido é reincidente.

64.A jurisprudência é uniforme no sentido de que, para poder operar a reincidência, se exige uma "específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor. Há que distinguir o reincidente do delinquente multiocasional. Este reitera na conduta devido a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade. Aquele tem personalidade propensa à prática de determinado tipo de factos ilícitos e típicos, sendo indiferente às condenações judiciais.

65.No que diz respeito a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade, entende-se pela própria situação de toxicodependência do arguido que foi ignorada pelo tribunal recorrido.

66.Face ao exposto, deve o Recorrente ser absolvido do julgamento como reincidente, com os efeitos que daí advêm. Assim, deverá excluir-se a aplicação ao Recorrente do artigo 76.º, n.º 1 do Código Penal, sendo a ponderação das medidas das penas parcelares a serem aplicadas àquele feita no âmbito da normal moldura penal respeitante aos crimes em questão.

67.Acresce ainda: Mesmo que o tribunal tivesse verificado se existia o necessário pressuposto material de “conexão íntima” entre os crimes, anterior e posteriormente praticados, ainda assim é completamente omisso quanto ao disposto no art. 76.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP.

68.Para tanto, o tribunal a quo devia ter referido quais as penas em que o arguido tinha sido condenado no âmbito dos processos considerados para fins de reincidência e, depois, comparando com a pena concreta atribuída nestes autos, verificar que a diferença entre cada uma daquelas e desta nunca era superior à pena mais grave anteriormente aplicada, assim demonstrando estar também preenchido o requisito do art. 76.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP. Sendo omisso quanto a este aspecto, verifica-se uma nulidade, nos termos o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – NULIDADE QUE AQUI SE ARGUI PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS.

69.Por fim: Nos presentes autos o arguido veio a ser condenado por crimes de roubo na forma tentada, introdução em lugar vedado ao público, dano, furto simples desqualificado pelo valor, furto qualificado, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento e crime de roubo, desqualificado pelo valor 70.O arguido já pugnou no presente recurso pela não condenação por parte destes crimes, na medida em que defende pela ocorrência de um concurso aparente de crimes. Mais, também entende o arguido que no caso em concreto não se verificam os pressupostos do instituto da reincidência.

71. Pelo que, consequentemente, deverá haver uma re-ponderação das penas parcelas e pena única aplicada ao arguido.

72.Sem prescindir: Entendendo ou não V. Exas. pelos argumentos supra expostos no que diz respeito aos concursos aparente de crimes e a reincidência, ainda assim, entende o recorrente que as penas a si aplicadas foram desajustadas e desproporcionais – com ou sem a agravante pela reincidência.

73.De acordo com a estatuição legal do n.º 1 e 2 do art.º 40 do CP “a aplicação de penas…visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

74.É necessário determinar as exigências comunitárias que ressaltam do caso, no complexo da sua forma concreta de execução, da sua específica motivação e das consequências que dele resultam (vd. Prof. Figueiredo Dias, Sobre o Estado Actual da Doutrina do crime, RPCC, vol.I).

75.A determinação em concreto da pena a atribuir, tendo em atenção o ilícito praticado, e conforme estipula o art. 71.º, nº 1, do CP, far-se-á dentro dos limites da moldura penal abstracta fixada na lei, tendo em conta a culpa do agente (limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2 do CP) e as exigências de prevenção de futuros crimes, de harmonia com os factores ínsitos no n.º 2 do art. 71.º, que deponham a favor ou contra o arguido, desde que tais elementos não constituam elementos do tipo ou elementos qualificativos do crime.

76.Não obstante, cremos que uma re-ponderação correta das circunstâncias em concreto do arguido aponta para penas parcelares e pena única inferior a que foi fixada, sendo o quantum a ser aplicado ao arguido em cada uma delas descrito supra, separadas por NUIPC.

77.Portanto: Considerando a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em causa, ponderando todas as circunstâncias atenuantes e agravantes anunciadas na decisão recorrida (nomeadamente a toxicodependência do arguido), não temos dúvidas em defender – conscientemente, como mais adequada, proporcional e justa à culpa do recorrente e às prementes exigências de retenção, de defesa do ordenamento jurídico e da paz social que se fazem sentir nesta sorte de crimes, sem deixar de lado as necessidades de ressocialização do arguido -a redução das penas parcelas supra mencionadas.

78.O mesmo é defendido quanto à pena única fixada ao recorrente. Ponderando o conjunto dos factos provados, bem como todas as circunstâncias atenuantes e agravantes anunciadas na decisão recorrida, entendemos que a pena única de 10 (dez) ano de prisão foi exagerada e desproporcional.

79.ISTO TUDO PORQUE:

80.Diferente do que entende o tribunal quando alegada que os factos dados como provados e as anteriores condenações, associadas, revelam a indiferença do arguido em relação às condenações e ao cumprimento de pena de prisão sofridas em momento anterior, na verdade tal comportamento ilícito adotado pelo arguido é resultado inerente à sua toxicodependência.

81. Conforme resulta dos pontos 78 e 79, o arguido iniciou o consumo de produto estupefacientes pelo haxixe, consumos que evoluíram para heroína e cocaína. Não obstante ter estado internado e ter realizado duas desintoxicações, nunca se desvinculou efectivamente das substâncias estupefacientes.

82.Mais: Conforme resulta do ponto 81, na sequência de nova recaída nos consumos de estupefacientes em fevereiro de 2023 cometeu os factos em causa nestes autos, pelos quais foi preso preventivamente em 15.07.2023. Isto é, a própria decisão recorrida faz a conexão da toxicodependência aos crimes cometidos pelo arguido nos presentes autos.

83.No ponto 86 da decisão recorrida, destaca-se que o arguido, apesar de justificar os seus ilícitos criminais anteriores com uma fase de desorganização pessoal decorrente da adicção, denota reflexão, não adoptando um discurso desculpabilizante, expressando sentimentos de vergonha e de interiorização do desvalor das suas condutas.

84.Portanto, o tribunal recorrido deveria ter partido do pressuposto de que não serão penas elevadas e muito menos a cadeia que irá ressocializar e reintegrar o arguido na sociedade, até porque, como já visto, o mesmo cometeu os crimes dos presentes autos após uma nova recaída.

85.A prática de crimes por toxicodependentes, nomeadamente aqueles que possibilitam a apropriação de dinheiro ou bens facilmente convertíveis em moeda é frequentemente apresentada como consequência da pressão que a satisfação do vício exerce sobre o agente.

86.Para que a toxicodependência possa ter elevado valor atenuativo importa ficar demonstrado que os crimes que são imputados ao agente resultaram das necessidades aditivas, isto é, que a acção empreendida ocorreu num estado de privação da droga que tivesse nele criado um estado de impulsividade/compulsividade – cfr. Ac. do STJ de 12-07-07, Proc. n.º 4098/06 – 5.ª Secção.

87.Ora, os factos dados como provados nos levam a tal conclusão, designadamente os pontos 78 a 81 da decisão recorrida.

88.Portanto, não poderia a decisão recorrida entender – como fez – que, tendo em conta o CRC do arguido, as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para o arguido não continuar a delinquir. É necessariamente o raciocínio contrário a ser feito: O facto de o arguido ter praticado os crimes pelos quais vem condenado na decisão recorrida, numa altura em que era toxicodependente e se encontrava em recaída diminui a intensidade do dolo, e deve ser valorado em sede de culpa a seu favor

fazendo diminuir o grau de censura do facto.

89.Tanto é verdade que os últimos crimes cometidos pelo arguido de natureza semelhante à dos autos foram praticados no ano de 2017, sendo-lhe concedida posteriormente a liberdade condicional em 2021, tendo o arguido voltado a delinquir apenas em 2023. Isto é, além de não se tratar de um curto lapso de tempo decorrido entre a libertação do arguido e o cometimento de novos crimes, os mesmos não foram cometidos pelo facto da personalidade e comportamento do arguido ser tendencialmente criminoso, ou que o mesmo é indiferente às condenações anteriores mas pelo facto de o mesmo ser toxicodependente e ter tido uma recaída

90. O tribunal "a quo" não relevou, como devia, a circunstância do arguido ser toxicodependente há anos e por isso ter necessidade de roubar e/ou furtar para suprir as suas carências e ser este o motivo pelo qual foi levado a delinquir. A toxicodependência não foi efectivamente considerada na decisão recorrida, ainda que tenha sido comprovada em matéria de facto, ao menos não na medida das penas parcelares a serem aplicadas ao arguido, bem como na pena única na qual ficou condenado.

91. Pelo que, as penas parcelares, bem como a pena única aplicada ao Recorrente é exagerada, pois fixou um quantum que é manifestamente elevado para um indivíduo nas concretas condições do arguido.

92.Face ao exposto, deverá o Acórdão em apreciação ser revogado, proferindo-se outro que altere a medida das penas parcelares e, consequentemente, da pena única, por outra mais leve e que tenha em consideração as atenuantes aplicáveis ao caso, afastando ainda a agravação resultante da reincidência.

93.DA PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO:

94.Uma vez que não consta da matéria dada como provada a quantidade exacta e concreta de alguns dos valores obtidos pelo arguido, e que supra alegamos a mesma não deveria ter sido dada como perdida em favor do Estado – o que se requer. DAS NORMAS VIOLADAS:

- artigo 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 210º, n.º 1 do Código Penal.

- artigo 191.º do Código Penal.

- artigo 212º, nº 1 Código Penal.

- artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e), 3 e 4, todos do Código Penal.

- artigo 225.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal.

- artigos 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 4 do Código Penal. - artigo 110.º n.ºS 1 alínea a) e 4 do Código Penal.

- artigo 374º, nº 2 do CPP. - artigos 75.º e 76.º do CP.

- artigos 22.º e 23.º do Código Penal

- artigos 18º, nº 2 e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa - artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP

- artigos 40.º e 71.º do CP

95. Nestes termos, e nos mais de Direito consentidos (…) requer-se que seja o presente recurso julgado procedente”]

1.2- O Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta, na qual, afastando os argumentos esgrimidos pelo recorrente, pugnou pela manutenção integral da decisão recorrida.

No essencial concluiu, aqui em síntese:

“(…)

3. Perscrutado o acórdão recorrido, constata-se que a fundamentação do tribunal a quo, constante do Ponto 3. do acórdão recorrido, é perfeitamente clara e suficiente para se perceber por que razão a factualidade assente é subsumível aos tipos penais, por que, a final, AA veio a ser condenado, ou seja, a exposição do tribunal observa o intuito primacial da exigência de fundamentação das decisões: é inteligível para o destinatário.

4. Da mera leitura conjugada dos fundamentos legais, jurisprudenciais e doutrinários explanados no acórdão e da matéria de facto provada, é incontornável que a premissa menor do silogismo judiciário, relativa ao facto, permite a conclusão que o tribunal retirou da sua subsunção à matéria de direito aplicável, ou seja, resultam perfeitamente claras as razões pelas quais a factualidade dada como assente integra os crimes de roubo, de roubo agravado desqualificado pelo valor, de introdução em lugar vedado ao público, de dano, de furto, de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, de furto qualificado e de furto qualificado desqualificado, alguns praticados pelo arguido na forma tentada, outros enquanto reincidente.

5. Seguindo, aliás, a posição que já singrara na acusação, em face da desqualificação do furto por aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 204.º do CPenal, o tribunal a quo entendeu, e bem, condenar o arguido pelo concurso efectivo de infracções em que a sua conduta se desdobrou, por julgarque só dessaforma se acautelavam integralmente os interesses abrangidos pela esfera de protecção das normas incriminadoras convocadas.

6. AA foi condenado por um crime de roubo na forma tentada, um

crime de roubo agravado desqualificado pelo valor, um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, três crimes de introdução em lugar vedado ao público, quatro crimes de dano, um crime de furto qualificado desqualificado pelo valor e seis crimes de furto qualificado.

7. No que toca os ilícitos em apreço – todos contra a propriedade, com excepção do

previsto no artigo 191.º do CPenal –, as necessidades de prevenção geral são, obviamente, de tomo, tendo em conta a crescente frequência destes crimes e a gravidade das suas consequências.

8. Independentemente da diminuta sofisticação das condutas de AA, as mesmas, pela constância e relativa dilação temporal, sobressaltaram a comunidade em que se insere, ao ponto de a sua ausência, por força da reclusão, ser notada e saudada por essa comunidade.

9.Sãooutrossim elevadas asexigênciasdeprevençãoespecial,decorrentesdaconsabida

(e assumida pelo proprio arguido) tendência para delinquir dos indivíduos entregues ao consumo de produtos estupefacientes, atestada, no caso dos presentes autos, pelo anterior cometimento de outros crimes de idêntica natureza por AA.

10. Avultam no certificado de registo criminal do arguido, condenações por vários tipos de ilícito, patenteando a sua dificuldade de conformação com outros tantos bens jurídicos tutelados pelo ordenamento.

11.É também significativa a culpa do arguido, enquanto juízo decensurada sua conduta que podendo e devendo ser conforme o direito, só não o foi porque aquele não o desejou: a conduta de AA é tão mais censurável quanto era para si bem-sabido, por virtude decondenações anteriores – designadamente, pela prática de crimes de furto qualificado e de roubo –, que a mesma era proibida e punida por lei.

12. A toxicodependência de que o arguido não consegue desvincular-se, não pode

estribarqualquer mitigação das necessidades de prevenção especial e da culpa, ademais, porque beneficiando, como beneficiou em liberdade, deprestaçõessociais, certamente terá sido instado pela entidade prestadora a melhorar as suas competências pessoais e a procurar estabilidade laboral, escolhendo não o fazer, logo, a falta de mais e melhores oportunidades sibi imputet.

13. Importa valorar, contra o arguido, o dolo enquanto elemento subjectivo do ilícito

que, de harmonia com os factos nessa matéria assentes no acórdão recorrido, se expressou na sua forma mais intensa e que corresponde ao dolo directo – a realização dos tipos penais foi posta pelo arguido como o fim a atingir.

14. A fixação da medida das penas parcelares e da pena única, considerando as circunstâncias do caso concreto e à luz dos critérios dos artigos 40.º, 71.º e 77.º do CPenal, foi ajustada, de molde a permitir a tutela retrospectiva dos bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras e, do mesmo passo, a “emenda” e ressocialização do arguido.

15. A circunstância qualificativa da reincidência não configura efeito automático das

condenações anteriores, demandando a aferição, em face das circunstâncias concretas da vida do agente no período decorrido entre a condenação anterior e a prática dos factos, da existência de uma culpa qualificada e de acrescidas necessidades de prevenção especial.

16. Foi precisamente por atentar no percurso de vida de AA, feito a par com um quase ininterrupto consumo de estupefacientes, contra-ordenacional ou criminalmente ilícito – consumo que, ademais, o recorrente invoca ad nauseam, mas apenas, convenientemente, em sua defesa – que o tribunal considerou inelutável puni-lo como reincidente.

17. Como linearmente decorre do seu trajecto criminal, AA não se deixou influenciar, afastando-se dapráticade novos ilícitos, nem pelas condenações mais remotas, nem pela mais recente: ao invés, conforme por si é assumido, desde logo, na motivação do recurso, é a sua dependência das drogas o impele a renovar as resoluções criminosas.

18. Perscrutado o Ponto 5. do acórdão recorrido, que faz a síntese da matéria de facto

provada – não impugnada no recurso – quanto à vantagem patrimonial obtida pelo arguido e a soma dos valores apurados para os vários crimes, deduzindo ainda uma quantia que foi restituída ao seu legítimo proprietário, ou seja, esclarecendo, sem margem para dúvidas como foi alcançado o valor de € 4 692,80 (quatro mil seiscentos e noventa e dois euros e oitenta cêntimos), a decisão de o declarar perdido a favor do Estado é inatacável.

19. O acórdão recorrido não violou quaisquer normas, nem está ferido de qualquer nulidade. Termos em que, negando provimento ao recurso (…)”

1.4- Recebido o recurso no STJ, o MPº emitiu desenvolvido parecer o qual de seguida transcreveremos, embora em apertada síntese do essencial:

[“(…) aceitando no presente parecer, na generalidade, o referido naquela resposta, embora, nalguns aspetos, entendendo que o recurso deverá levar ao reenvio dos autos para a primeira instância, a fim de aí serem reapreciadas algumas questões.

(…)

a. No que respeita às condenações do arguido/recorrente pela prática dos factos que estavam em causa nos processos apensados:

a.1. Com os NUIPC 302/23.8..., 336/23.2..., 366/23.4..., 374/23.5..., 377/23.0..., 378/23.8..., 381/23.8..., 382/23.6... e 396/23.6..., todos PA... - não se verifica nenhum dos vícios invocados no recurso, tendo as respetivas condenações sido justificadas através de correta e adequada fundamentação, quer de facto, quer de direito, inexistindo a alegada nulidade nos termos do disposto nos art.ºs 379º, nº 1, al. a) e 374º, nº 2, do CPP, conjugados entre si.

a.2. Com os NUIPC 302/23.8..., 336/23.2..., 374/23.5... e 377/23.0... – mostram-se, para além de fundamentadas, corretas as decisões que, em tais processos, entenderam pela verificação de concurso real entre os crimes pelos quais, consequentemente, o arguido acabou condenado.

a.3. Com o NUIPC 263/23.3... - Neste caso, entende-se pela efetiva falta de fundamentação de direito da decisão condenatória, pois que o acórdão em lado algum justifica a aplicação aos factos dados como provados das normas legais referentes ao crime de roubo tentado, subsistindo assim dúvidas quanto ao entendimento que terá estado na base dessa condenação, principalmente porque tal matéria de facto poderá, em abstrato, levantar dúvidas quanto a estar-se perante tentativa impossível de roubo (caso em que subsistiria a prática do crime de ofensa à integridade física, matéria que igualmente não foi apreciada). Assim sendo, verifica-se a nulidade decorrente de falta de fundamentação, nos termos do disposto nos art.ºs 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal.

b. Quanto à declarada reincidência e seu reflexo na maioria das condenações, entende-se igualmente pela verificação de nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, pois que não explica de forma suficiente quais as razões que importaram a conclusão de se estar perante arguido reincidente, quer esclarecendo a que condenações anteriores deu relevância para aquele efeito (não expurgando as que não podiam ser já tidas em conta, ou esclarecendo se a todas deu relevância e porquê), nem indicando de forma concreta quais as que operaram em termos temporais e o motivo de estas importarem a conclusão de se estar perante arguido a merecer censura por não lhe ter ou terem servido essa ou essas condenações anteriores como suficiente advertência contra o crime.

c. Nada há a censurar quanto à declaração de perda de vantagens dos crimes, tendo a decisão recorrida dando adequado cumprimento aos preceitos legais contidos no art.º 110º do Código Penal com base nos valores que, relativamente a cada atuação criminosa, foram dados como provados e que não mereceram contestação por parte do recorrente.

-- Assim, quanto às matérias atrás referenciadas sob os nºs a.1, a.2., c. e d., entende o Ministério Público que o recurso deverá ser julgado improcedente;

-- Quanto às matérias constantes nos pontos a.3 e b. que antecedem, já se entende pela efetiva verificação de nulidade por falta de fundamentação de direito da decisão de condenação, no primeiro caso, e, no segundo da qualificação do arguido como reincidente, pelo que, é nosso parecer que, julgando-se o recurso parcialmente procedente, deverá ser determinado o regresso dos autos à 1ª instância, a fim de aí serem sanados os correspondentes vícios, que poderão importar alterações nas condenações anteriormente estabelecidas.”]

A defesa do arguido, notificada nos termos do art.º 417.º n.º 2 do CPP, nada ofereceu em resposta.

Efectuado exame preliminar e após vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.

II- Delimitação das questões a conhecer no âmbito do presente recurso

2.1- Na linha da que tem sido posição pacífica da jurisprudência, é de considerar que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, devidamente congruentes, que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo da ponderação das questões que sejam de conhecimento oficioso. (1)

Assim, atentas as conclusões formuladas, as questões a decidir, por ordem de relevância e precedência lógica, são as que se seguem:

- Nulidade por falta de fundamentação - art. 374º, nº 2 do CPP;

- Falta de verificação dos pressupostos de que depende a consideração do arguido como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do CP;

- Enquadramento jurídico-penal das condutas imputadas ao arguido;

- Concurso aparente (?) de crimes;

- Proporcionalidade da medida concreta das penas parcelares e única.

- (A questão da) Perda de bens a favor do Estado.

2.3 - O Direito

2.3.1- Os segmentos relevantes da decisão recorrida

A) Factualidade

1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

Discutida a causa e produzida a prova, com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

I- NUIPC 263/23.3...

1. No dia 13.05.2023, pelas 10 horas e 53 minutos, o arguido circulava na Rua ..., na localidade do ..., quando visualizou no mesmo local, CC, tendo decidido dirigir-se a ele, com o intuito de se apoderar das quantias e objectos de valor que o mesmo transportasse consigo.

2. Para tanto, o arguido aproximou-se de CC, perguntando-lhe se tinha moedas, ao que aquele respondeu negativamente, seguindo o seu caminho.

3. Não obstante a resposta de CC, o arguido seguiu atrás deste, enquanto aquele circulava na Rua ... e posteriormente na Rua ..., perguntando-lhe por diversas vezes se aquele tinha moedas.

4. Na Rua ..., após novamente CC lhe dizer que não tinha moedas, o arguido disse-lhe mostra lá a carteira o que aquele fez, abrindo-a, mostrando-lhe o compartimento das moedas que se encontrava vazio.

5. De imediato, o arguido agarrou a carteira, puxando-a com força por várias vezes, uma vez que CC a segurava, ao mesmo tempo que dizia eu já te mato, eu já te mato, espera aí que já te cego.

6. Em consequência do descrito em 5., CC ficou com hematomas e arranhões no braço esquerdo.

7. O arguido agiu com o propósito de proferir expressões idóneas a intimidar e causar receio pela sua vida em CC, de forma a limitar a sua liberdade de acção, visando apoderar-se das quantias que aquele trouxesse consigo, apesar de saber que as mesmas não lhe pertenciam e de que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que pretendeu fazer mediante o puxão que deu na carteira daquele, propósito que não logrou alcançar, por motivo alheio à sua vontade, que o levou a abandonar o local, sem alcançar o seu intento.

II NUIPC 302/23.8...

8. No dia 02.06.2023, cerca das 23 horas e 55 minutos, o arguido AA dirigiu-se à Junta de Freguesia de ..., sita na Rua ..., que se encontrava fechada ao público, onde, de forma que em concreto não foi possível apurar, através de uma janela lateral do rés-do-chão, introduziu-se no edifício, partindo o estore da janela.

9. Já no interior do edifício, o arguido AA viu a célula do alarme que se encontrava na parede e de forma que, em concreto, não foi possível apurar, partiu-a.

10. Em seguida, dirigiu-se a uma máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas que se encontrava no local e, com recurso a objecto não concretamente apurado, forçou a abertura da porta da máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas, causando a inoperabilidade daquele equipamento e estragos na respectiva estrutura cuja reparação importou um custo de valor que, em concreto, não se logrou apurar.

11. Após proceder à abertura da máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas, o arguido retirou do seu interior, o moedeiro e respectivo conteúdo, moedas, levando consigo e fazendo sua, quantia cujo valor exacto não se logrou apurar, mas não superior a 55,50€, abandonando o local.

12. A célula de alarme partida pelo arguido teve um custo de reparação de 105,00€.

13. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de, por uma janela, entrar na Junta de Freguesia de ..., um espaço, que àquela hora bem sabia estar fechado e não acessível ao público, não tendo legitimidade ou autorização para aí entrar.

14. Pretendia fazer sua, como fez, a quantia supra mencionada, que integrou na sua esfera patrimonial, bem sabendo que aquela pertencia ao proprietário da máquina, agindo assim contra a vontade do seu legítimo proprietário - Grupo ... -, causando-lhe um prejuízo de, pelo menos, igual valor.

15. Ao agir da forma descrita em 9, o arguido agiu com o propósito concretizado de destruir a célula de alarme instalada no interior da Junta de Freguesia, bem sabendo que aquele não lhe pertencia, e que causava um prejuízo ao seu proprietário – Junta de Freguesia ...- de valor igual ao da sua reparação.

16. Ao agir da forma descrita em 10., agiu com o propósito concretizado de forçar a abertura da porta da máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas para aceder ao seu interior e daí retirar as quantias monetárias que aí se encontrassem, o que conseguiu, bem sabendo que aquela não lhe pertencia, e que causava um prejuízo ao seu proprietário – Grupo ... - de valor igual ao da sua reparação.

III NUIPC 336/23.2...

17. No dia 14.06.2023, cerca das 13 horas e 37 minutos, o arguido AA, deslocou-se ao edifício sito na Rua ..., na localidade do ..., designadamente à loja física que se encontra no número 27, destinada à comercialização de produtos e/ou serviços, a qual, naquele momento, se encontrava totalmente desocupada e fechada ao público.

18. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido partiu o vidro da porta em alumínio do alçado lateral direito da loja, por onde entrou, sem autorização ou consentimento de BB, seu proprietário, ali permanecendo até ser surpreendido pela chegada dos agentes de Polícia de Segurança Pública.

19. Agiu o arguido de forma livre e com o propósito concretizado de causar estrago no vidro da porta da loja, para conseguir aceder ao interior da mesma, apesar de saber que o vidro não lhe pertencia, e que estava a agir contra a vontade do seu proprietário, a quem causou um prejuízo, de montante igual ao valor da sua substituição.

20. Agiu ainda com o propósito concretizado de se introduzir na loja, bem sabendo que não tinha autorização nem o consentimento do respectivo proprietário para ali entrar e permanecer, não desconhecendo, também, que se tratava de um espaço fechado e que não era de livre acesso.

IV NUIPC 366/23.4...

21. No dia 23.06.2023, cerca das 22 horas e 29 minutos, o arguido AA entrou na Lavandaria ..., sita na Rua ..., ..., que se encontrava aberta ao público, e dirigiu-se à porta da área técnica que é uma zona reservada ao público, porta essa que se encontrava trancada.

22. Ali chegado, com recurso a um objecto que não se logrou identificar, estroncou a fechadura e acedeu ao seu interior.

23. Já no interior da área técnica, forçou a fechadura da divisão que permite o acesso ao dispositivo de pagamento das máquinas de lavar self service, acercou-se de tal dispositivo, desligou os cabos, removeu os trincos, e dali retirou, levando consigo e fazendo seus, o leitor de cartões de clientes, no valor de € 570, o leitor de notas de no valor de € 870, o pote moedeiro no valor de € 1.042,5 e, bem assim notas e moedas do Banco Central Europeu que se encontravam dentro do leitor de notas e moedeiro, em valor que em concreto não foi possível apurar mas de cerca de € 500, após o que abandonou o local.

24. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus os objectos referidos em 23, bem como a quantia monetária ali mencionada, integrando-os na sua esfera patrimonial, bem sabendo que não tinha legitimidade ou autorização para entrar naquele espaço fechado e não acessível ao público, nas condições em que o fez - estroncando a fechadura -, sendo ainda do seu conhecimento que, ao apoderar-se daqueles bens e valores monetários, que sabia pertencerem ao proprietário do estabelecimento comercial “Lavandaria ...”, agiu contra a vontade da sua legítima proprietária - C...S.A. -, causando-lhe um prejuízo do correspectivo valor.

V NUIPC 374/23.5...

25. No período compreendido entre as 18 horas do dia 27.06.2023 e a 01:08 horas do dia 28.06.2023, o arguido partiu o vidro da porta principal da Agência Funerária ..., sita na Rua ..., no ..., forçou a sua abertura, assim acedendo ao seu interior.

26. Aí, dirigiu-se a um dos escritórios e retirou do interior de uma gaveta um cofre de cor vermelha, que abriu e de onde retirou dois envelopes, um com a quantia de €150,00 e outro com a quantia de €65,00, em notas do Banco Central Europeu, um cartão pré-carregado da Caixa Económica do Montepio Geral com o n.º ...274, carregado com €482,20, e um código que se encontrava junto a outro cartão pré-carregado da mesma instituição bancária.

27. De seguida, dirigiu-se a um outro escritório e daí retirou um colar “Joya Relicario Corazón de Nácar”, no valor de €20,00 e duas pulseiras “Relicario Pulsera Minimalista”, no valor de €40,00.

28. Após, ausentou-se da agência funerária na posse dos supra identificados bens os quais fez seus.

29. Posteriormente, e na posse do sobredito cartão pré-carregado e do código que encontrou, no dia 28.06.2023 pelas 01:08 horas, dirigiu-se ao ATM n.º 8274, do Banco Santander Totta, sito na Rua ..., no ..., onde inseriu o cartão, colocou o código de acesso PIN que encontrou no estabelecimento, e levantou duas vezes a quantia de 200€, em numerário, que fez sua.

30. Logo de seguida, o arguido dirigiu-se às Bombas de Combustível da BP, sitas na Estrada ..., onde realizou duas compras com o referido cartão pré-carregado, uma pela 01 hora e 30 minutos, no valor de €32,90 (trinta e dois euros e noventa cêntimos), e outra pela 01 hora e 31 minutos, no valor total de €27,00 (vinte sete euros).

31. Ao actuar da forma descrita em 25. a 28., o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus os objectos e valores monetários supramencionados, integrando-os na sua esfera patrimonial, bem sabendo que não tinha legitimidade ou autorização para entrar naquele espaço que se encontrava fechado e não acessível ao público, nas condições em que o fez – partindo um vidro da porta principal -, tendo ainda conhecimento que ao apoderar-se daqueles bens e valores, que sabia pertencerem ao proprietário do estabelecimento comercial “Agência Funerária ...”, agia contra a vontade da sua legítima proprietária, causando-lhe um prejuízo de, pelo menos, igual valor.

32. Ao actuar como descrito em 29. e 30., o arguido agiu, ainda, com o intuito conseguido de usar o cartão pré-carregado, do qual bem sabia não ser titular e que não tinha autorização para utilizar, procedendo a levantamentos de quantias monetárias em numerário e realizando compras contra a vontade da ofendida - Agência Funerária ....

33. O arguido quis realizar tais levantamentos/pagamentos com recurso ao aludido cartão, apesar de saber que causava à titular desse cartão um prejuízo patrimonial, visando dessa forma um enriquecimento ilegítimo em valor correspondente, o que logrou alcançar.

VI NUIPC 377/23.0...

34. No dia 28.06.2023, pelas 18:02 horas AA deslocou-se ao interior do estabelecimento comercial “...Lavandarias Self-Service”, sito na Rua ....

35. Lá chegado, acercou-se da máquina de pagamento ali existente e, com o auxílio de uma chave de fendas e posteriormente com um objecto parecido com um formão, tentou estroncar a fechadura do moedeiro, o que não logrou concretizar.

36. Em seguida dirigiu-se à porta que dá acesso a uma zona reservada do estabelecimento e, desferindo-lhe pontapés, partiu-a.

37. Em acto contínuo, acedeu ao interior da zona reservada, onde partiu mais duas portas que dão acesso a arrecadações, e de onde retirou, levando consigo e fazendo suas diversas chaves das máquinas de lavar e secar, no valor total de 10,00€.

38. A reparação das portas ascendeu ao valor de 2.373,90€.

39. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de entrar naquele espaço fechado e não acessível ao público, não tendo legitimidade ou autorização da sua proprietária para o fazer, com a intenção de fazer seus as quantias e objectos que ali encontrasse, que também não lhe pertenciam, levando consigo e fazendo suas diversas chaves, bem sabendo que aquelas pertenciam à proprietária do estabelecimento – L...Lda. -, agindo assim contra a vontade da mesma, causando-lhe um prejuízo de, pelo menos, igual valor (dez euros).

40. Ao agir da forma descrita, ou seja, partindo as portas do estabelecimento, o arguido agiu com o propósito concretizado de forçar a sua abertura, bem sabendo que aquelas não lhe pertenciam, e que causava um prejuízo à sua proprietária – L...Lda.-, de valor igual ao da sua reparação.

VII NUIPC 380/23.0...

41. No dia 28.06.2023, pelas 20:18 horas, AA forçou fisicamente a porta de acesso principal ao Cine-Teatro ..., sito na Rua ..., no ..., abrindo-a e acedendo ao seu interior.

42. Em acto contínuo dirigiu-se à máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas, que aí se encontrava, estroncou a respectiva fechadura, acedeu ao moedeiro, que aquela protegia, de onde retirou, levando consigo o moedeiro e a quantia de 139,35€ em moedas que ali se encontrava, abandonando o local.

43. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus, o objecto e a quantia supramencionada, integrando-os na sua esfera patrimonial, bem sabendo que não tinha legitimidade ou autorização para entrar naquele espaço fechado e não acessível ao público, nas condições em que o fez – forçando fisicamente a porta-, nem para estroncar a fechadura da máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas -, e que ao querer apoderar-se daquele objecto e quantia, que sabia não lhe pertencer, agiu contra a vontade do seu legítimo proprietário – Grupo ... -, causando-lhe um prejuízo de pelo menos, igual valor (cento e trinta e nove euros e trinta e cinco cêntimos).

VIII NUIPC 378/23.8...

44. No dia 29.06.2023, por volta das 03 horas e 45 minutos, o arguido dirigiu-se ao edifício sito na Avenida ..., onde se encontra instalado o Tribunal do ..., bem como a Conservatória do Registo Civil e Predial, com o intuito de se apoderar dos bens que aí encontrasse.

45. Nesse seguimento, com a ajuda de um objecto não concretamente apurado, forçou e estroncou a fechadura da porta que dá acesso ao átrio do referido edifício, abrindo-a e acedendo ao seu interior.

46. Já no interior do edifício, dirigiu-se às instalações da Conservatória, onde remexeu as gavetas, bem como se deslocou às instalações do Balcão E, e DIAP –Secção do ... - onde abriu armários e remexeu diversas gavetas, tendo ainda forçado, rebentando a parte superior de uma porta de um armário metálico pequeno (89 cmx46xmx73cm), originando um prejuízo de 50,00€.

47. Em acto contínuo, o arguido dirigiu-se ao átrio do Tribunal, onde se encontrava uma máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas onde, com a ajuda de objecto não concretamente apurado, forçou fisicamente e estroncou a respectiva fechadura, retirando do moedeiro, em moedas, valor não inferior a € 30 e não superior a € 40 e do cofre, em notas, quantia não inferior a € 70 mas não superior a € 80, levando-as consigo e fazendo-as seus.

48. A dado momento subiu as escadas do edifício e dirigiu-se às instalações da Secção do Juízo de Competência Genérica do ..., onde abriu diversos armários e gavetas, designadamente uma gaveta da secretária de DD, de onde retirou, levando consigo e fazendo seus, dois maços de tabaco da marca “Ventil”, no valor de 10,40€ (dez euros e quarenta cêntimos) e uma carteira de cortiça que tinha no seu interior a quantia de 20,00€ em moedas do Banco Central Europeu.

49. A reparação da máquina de vending ascendeu a € 1600/€1.700.

50. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus os objectos e as quantias monetárias supramencionadas, integrando-os na sua esfera patrimonial, bem sabendo que não tinha legitimidade ou autorização para entrar naquele espaço fechado e não acessível ao público, nas condições em que o fez – forçando fisicamente a porta do edifício -, nem para estroncar a fechadura da máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas, e que ao apoderar-se daqueles objectos e quantias, que sabia não lhe pertencerem, agiu contra a vontade dos seus legítimos proprietários – EE e DD, causando-lhes um prejuízo de, pelo menos, igual valor.

IX NUIPC 381/23.8...

51. No dia 30.06.2023, cerca das 04 horas e 58 minutos, o arguido AA deslocou-se à Clínica V...S.A., sita na Rua ..., no ..., que se encontrava fechada ao público e aproveitando o facto de a porta se encontrar aberta, por a respectiva fechadura ter sido anteriormente forçada, acedeu ao seu interior.

52. Aí, percorreu diversas divisões e espaços comuns da mencionada clínica tendo retirado e feito seu: a) um telemóvel de valor que, em concreto, não se logrou apurar mas seguramente superior a € 30 que se encontrava na mesa da recepção; b) 9 cadernetas de plástico com os dizeres Centro Médico ... de valor que, em concreto, não se logrou apurar; c) um cartão multibanco do Banco Montepio Geral em nome de ...; d) um cartão multibando da Caixa Geral de Depósitos em nome de FF; e) uma caixa de metal prateada com os dizeres Caniquental Plus XL, comprimidos para cães; f) 3 envelopes da clínica V...S.A., um dos quais com diversos papeis dentro; g) um envelope com os dizeres ao cuidado da Dra GG contendo no interior 4 notas de € 20 do Banco Central Europeu e h) um cartão SIM da operadora MEO com o nº ...978

53. Após, ausentou-se da clínica veterinária na posse dos supra identificados bens.

54. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus, os objectos supramencionadas, integrando-os na sua esfera patrimonial, bem sabendo que não tinha legitimidade ou autorização para entrar naquele espaço fechado e não acessível ao público e que, ao querer apoderar-se daqueles objectos, que sabia não lhe pertencerem, agia contra a vontade da sua legítima proprietária – V...S.A.. -, causando-lhe um prejuízo de, pelo menos, igual valor.

X NUIPC 382/23.6...

55. No dia 30.06.2023, entre as 00:00 e as 08:00 horas, o arguido, através de método não concretamente apurado, estroncou a fechadura da porta da entrada da Clínica ..., sita na Rua ..., no ... e, da recepção retirou um cofre de cor verde, que continha várias chaves e um cartão do Millennium BCP para abertura/fecho de TPA com código escrito atrás, um tablet e um telemóvel de marca Lenovo, no valor de € 600, fazendo-os seus e, após, abandonou o local.

56. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus os objectos supra mencionada, integrando-os na sua esfera patrimonial, bem sabendo que não tinha legitimidade ou autorização para entrar naquele espaço fechado e não acessível ao público, nas condições em que o fez – estroncando a fechadura -, sendo do seu conhecimento que ao querer apoderar-se daqueles bens, que sabia pertencer à Clínica ..., agia contra a vontade do seu legítimo proprietário, causando-lhe um prejuízo de pelo menos, igual valor (cento e vinte euros).

57. O arguido AA guardou alguns dos objectos que retirou nas condições de tempo, modo e lugar supramencionadas, na residência de HH, sita na Rua ..., na localidade do ..., onde pernoitou por diversas vezes, tendo no dia 30.06.2023, ali sido encontrados os seguintes objectos:

a. 9 (nove) cadernetas em plástico com os dizeres Centro Médico ...;

b. 1 (um) cartão multibanco do Montepio, cor cinza, em nome de ...;

c. 1 (um) cartão multibanco do Millennium BCP, de cor rosa, com o n.º ...004 (com o número ... escrito a caneta de acetato na parte de trás) que foi entregue a II por pertencer à clínica ...;

d. 1 (um) cartão multibanco da CGD, de cor cinza, em nome de FF;

e. 1 (uma) caderneta da CGD de cor azul, em nome de JJ, KK e LL;

f. 1 (uma) caixa em metal de cor prateada, com os dizeres “caniquental plus X2 comprimidos para cães”;

g. 3 (três) envelopes da clínica V...S.A., de cor branca, um dos quais com papéis no seu interior;

h. 1 (um) envelope de cor branca com os dizeres “Ao cuidado da Dr. GG”, contendo no interior quatro notas de 20,00€ (vinte euros).

XI NUIPC 396/23.6...

58. No dia 06.07.2023, pelas 09 horas e 25 minutos, o arguido encontrava-se na Rua ..., no ..., quando visualizou no mesmo local, MM, tendo decidido dirigir-se a ele, com o intuito de se apoderar dos objectos de valor que o mesmo transportava consigo.

59. Para tanto, o arguido aproximou-se de MM, perguntando-lhe “Tens 5 euros?”, e quando MM respondeu negativamente, o arguido de imediato o empurrou, ao mesmo tempo que retirou uma navalha, que tinha na bolsa, abrindo-a com um simples movimento do braço direito.

60. Em acto contínuo, o arguido encostou a navalha à barriga de MM, enquanto lhe colocava a mão a mão no bolso dos calções, daí retirando duas notas de 5,00€ (cinco euros), que fez suas, abandonando o local, perante a inércia do ofendido que temeu pela sua vida.

61. O arguido agiu com o propósito concretizado de usar um instrumento perfurante para intimidar e causar receio em MM, limitando a sua liberdade de acção, de forma a apoderar-se, sem resistência por parte do mesmo, das quantias que aquele trouxesse consigo, apesar de saber que as mesmas não lhe pertenciam e de que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário.

62. Em todas as situações atrás descritas AA agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo capacidade e liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

63. Do Certificado de Registo Criminal do arguido constam as seguintes condenações:

a. Por decisão de 17.12.2007, transitada em julgado em 01.02.2008, foi condenado pela prática em 19.03.2007 de um crime de furto qualificado na pena de 15 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, pena declarada extinta por inexistência de causas de revogação.

b. Por decisão de 09.07.2009, transitada em julgado em 08.09.2009, foi condenado pela prática em 25.07.2006 de um crime de furto qualificado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, pena declarada extinta por inexistência de causas de revogação da suspensão.

c. Por decisão de 11.06.2014, transitada em julgado em 11.07.2014, foi condenado pela prática em 08.08.2013 de um crime de roubo na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pena declarada extinta por inexistência de causas de revogação.

d. Por decisão de 19.11.2017, transitada em julgado em 11.01.2018, foi condenado pela prática em 03.02.2017 de um crime de furto qualificado na forma tentada na pena de 10 meses de prisão.

e. Por decisão de 22.06.2018, transitada em julgado em 07.03.2019, foi condenado pela prática em 17/18.06.2917, 18/21.06.2017, 11.07.2017 e 24.10.2017 de 4 crimes de furto qualificado e em 23.10.2017 e 31.10.2017 de 2 crimes de roubo na pena de 7 anos de prisão.

f. Por decisão de 15.07.2020, transitada em julgado em 30.09.2020, foi condenado pela prática em 17.03.2018 de um crime de consumo de estupefacientes na pena de 7 meses de prisão.

g. Por decisão de 03.02.2023, transitada em julgado em 06.03.2023, foi condenado pela prática em 15.01.2023 de um crime de condução em estado de embriaguez nas penas de 6 meses de prisão substituída por 110 dias de multa e 4 meses de proibição de conduzir.

64. No Proc. 554/17.2..., AA foi detido a 09.11.2017 para primeiro interrogatório judicial tendo ficado sujeito a prisão preventiva no dia 10.11.2017, situação em que se manteve até 09.02.2018.

65. Em 09.02.2018, foi desligado do Proc. 554/17.2... e ligado ao Proc. 90/17.7... para cumprimento da pena em que ali foi condenado, situação que se manteve até 09.09.2018, data em que foi novamente ligado ao primeiro.

66. Em 25.11.2021 foi-lhe concedida liberdade condicional pelo tempo de prisão que lhe faltaria cumprir, isto é, até 09.03.2024.

67. O tempo que esteve privado da liberdade e as condenações sofridas, não foram suficientemente dissuasoras da prática de novos ilícitos criminais.

68. Os factos dados como provados e as anteriores condenações, associadas, revelam a indiferença do arguido em relação às condenações e ao cumprimento de pena de prisão sofridas em momento anterior.

69. Revelam, igualmente, dificuldade de adopção de comportamentos conformes ao direito e ausência de interiorização do desvalor das suas condutas e da valia dos bens jurídicos violados.

70. O processo de desenvolvimento de AA decorreu junto dos pais e irmãos, em contexto familiar associado à instabilidade relacional entre os pais, carências económicas e toxicodependência do pai.

71. A disfuncionalidade dos pais colocou muitas vezes em causa a satisfação das necessidades dos filhos que, em consequência, eram acolhidos por familiares.

72. Iniciou a frequência escolar em idade tardia e, fruto do pouco investimento na aprendizagem e na assiduidade, abandonou a escola sem concluir o ensino básico.

73. Sabe ler mas não sabe escrever.

74. Desde cedo adoptou comportamentos desviantes relacionados com vivências de rua.

75. Aos 16 anos iniciou relação marital, relação da qual nasceram 4 filhos, todos ainda menores.

76. A nível laboral, desenvolveu, apenas, actividade como vendedor ambulante.

77. Os rendimentos familiares provinham da venda ambulante, do RSI e do abono de família.

78. Iniciou consumo de produto estupefacientes pelo haxixe, consumos que evoluíram para heroína e cocaína.

79. Não obstante ter estado internado e ter realizado duas desintoxicações, nunca se desvinculou efectivamente das substâncias estupefacientes.

80. Iniciou cumprimento de pena aos 27 anos de idade, tendo saído em liberdade condicional em 25.11.2021, altura em que reintegrou o agregado constituído pela companheira e os filhos, vivenciando um período de estabilidade pessoal, aditiva com acompanhamento pela Equipa de Tratamento de ... e laboral.

81. Na sequência de nova recaída nos consumos de estupefacientes em Fevereiro de 2023 cometeu os factos em causa nestes autos, pelos quais foi preso preventivamente em 15.07.2023.

82. A data dos factos não tinha paradeiro certo.

83. Avalia a problemática aditiva como fortemente perturbadora no seu percurso de vida, verbalizando disponibilidade para se sujeitar a tratamento, com internamento, quando regressar ao meio livre, caso não consiga concretizar a abstinência.

84. Beneficia de apoio familiar, do agregado constituído e do agregado de origem, os quais se têm revelado pouco contentores e orientadores dos seus comportamentos.

85. A companheira do arguido beneficia de uma bolsa de formação, de RSI e de abono familiar dos filhos, tudo num total de € 1793.

86. Apesar de justificar os seus ilícitos criminais anteriores com uma fase de desorganização pessoal decorrente da adicção, denota reflexão, não adoptando um discurso desculpabilizante, expressando sentimentos de vergonha e de interiorização do desvalor das suas condutas.

87. Apesar de verbalizar abstinência, em teste de despiste toxicológico realizado em 25.03.2024, acusou positivo para THC.

88. Apresenta características de imaturidade, permeável a indivíduos e contextos criminais e com dificuldades de ponderar a sua reorganização pessoal de forma responsável.

89. Revela lacunas ao nível do raciocínio crítico, do pensamento consequencial e dificuldades na resolução de problemas, tendendo a agir, preferencialmente, em função das suas necessidades e interesses pessoais.

90. Em meio prisional tem-se integrado sem dificuldades, adoptando uma atitude adequada e colaborante.

91. Está laboralmente inactivo.

1. FACTOS NÃO PROVADOS

Sem prejuízo da factualidade que resultou provada, com relevância para a decisão, não resultou demonstrado que:

A. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 4, o arguido revistou os bolsos das calças de CC bem como lhe agarrou com força o braço esquerdo, arranhando-o.

B. O arguido agiu com o propósito de molestar fisicamente CC.

C. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 8., o arguido forçou a fechadura da janela.

D. O valor monetário que o arguido fez seu nas circunstâncias de tempo e local descritas em 21 a 24, foi de € 1000.

E. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 42, o arguido levou consigo e fez sua uma caixa de bateria no valor de € 100.

F. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 46, das instalações da Conservatória, o arguido retirou e levou consigo um cartão de abertura e fecho do multibanco de valor não apurado.

G. Nas circunstâncias de tempo e lugar provadas em 47., o arguido levou consigo e fez sua a quantia de € 180.

H. O arguido deslocou-se à Clínica V...S.A. às 04:36 horas, acompanhado de dois outros indivíduos de identidade não concretamente apurada, e com eles, em comunhão de esforços e intentos, com a ajuda de um objecto não concretamente apurado, amolgaram o batente lateral e forçaram fisicamente a porta de entrada da clínica, acedendo ao seu interior.

I. Dali retirou e fez seus € 50 em notas do Banco Central Europeu que se encontravam na caixa registadora, € 50 que se encontravam fora da caixa registadora, uma caixa de metal que continha no seu interior a quantia de 3.000,00€ (três mil euros) em notas do Banco Central Europeu e um telemóvel.

J. A navalha referida em 59 e 60, tinha uma lâmina com cerca de 13 (treze) centímetros.

K. BB contratou os serviços de um técnico para, temporariamente, tapar o vidro partido, o que importou um custo de € 150.

L. Os danos provocados pelo arguido obrigaram à substituição de toda a porta de alumínio, o que teve um custo de € 350.

Ao demais alegado na acusação, nos pedidos de indemnização civil e nas contestações não se responde por ser irrelevante para a decisão, matéria de direito ou conclusiva.

1. MOTIVAÇÃO

(…)”

2. – A questão da nulidade por falta de fundamentação

2.3.2.1- Antes de mais, convém sublinhar que este Supremo Tribunal é o competente para apreciar o recurso interposto, conforme o disposto no art.º 432.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), sendo certo que, em função do estabelecido no n.º 2, do artigo 432.º do CPP, se impõe a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito ou quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro), abrangendo nessa competência o que respeite às penas parcelares ainda que inferiores a 5 anos de prisão ( conforme Acórdão Uniformização de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017, de 23/06/2017, Proc. n.º 41/13.8...-B.S1, em www.dgsi.pt.)

2.3.2.2.

Passemos agora à apreciação da questão invocada.

A. Quanto ao NUIPC 263/23.3...

Neste, o arguido foi condenado, como reincidente, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, cometido em 13.05.2023, com base nos factos que constam dos pontos 1 a 7 da decisão recorrida.

Menciona o recorrente que o acórdão proferido pela primeira instância é, antes de mais, nulo por falta de fundamentação, na medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada se trata de um crime de roubo na forma tentada e que o tribunal recorrido limitou-se apenas em dispor sobre os tipos de crime pelos quais se mostrava o arguido acusado, não fazendo qualquer conexão dos crimes com os factos dados como provados e se se encontravam preenchidos ou não os pressupostos objetivos e subjetivos de cada ilícito penal. E conclui, dizendo que a decisão recorrida não contém qualquer exposição dos motivos de direito que fundamentam a decisão quanto à qualificação que fez dos factos imputados ao recorrente pois que dos factos dados como provados restou demonstrado que o ofendido não trazia consigo nenhum objecto com valor económico ou dinheiro de que pudesse o arguido apoderar-se. Assim, entende que o roubo que provavelmente estaria na intenção do agente tornou-se inexequível, porque nada havia para roubar.

Do mesmo passo, o MPº no seu parecer, veio salientar que o acórdão em lado algum justifica a aplicação aos factos dados como provados das normas legais referentes ao crime de roubo tentado, subsistindo assim dúvidas quanto ao entendimento que terá estado na base dessa condenação, principalmente porque tal matéria de facto poderá, em abstrato, levantar dúvidas quanto a estar-se perante tentativa impossível de roubo (caso em que subsistiria a prática do crime de ofensa à integridade física, matéria que igualmente não foi apreciada). Assim sendo, também considera verificar-se a nulidade decorrente de falta de fundamentação.

Ora bem.

Nos factos assentes fixou-se que o arguido inicialmente decidiu dirigir-se ao ofendido, com o intuito de se apoderar das quantias e objectos de valor que o mesmo transportasse consigo, que este lhe mostrou a carteira com o compartimento das moedas vazio e que o arguido queria moedas e que ainda tentou puxar a carteira mas não conseguiu. Fica-se sem se saber se ainda havia na carteira algum dinheiro, nomeadamente moedas e notas e se a carteira, por diminuto valor que tivesse, era também também visável pela apropriação.

Estamos perante uma tentativa provavelmente impossível se o arguido pretendia, como parece, apenas moedas, pois tudo aponta para que não existissem moedas apropriáveis e se, além delas, queria também a carteira, tivesse ou não no seu interior moedas ou outra quantia (desconhece-se se havia mais algum dinheiro vg em notas).

Na fundamentação de direito constante do acórdão (sendo certo que da descrição da convicção formada nada se extrai de decisivo que esclareça estas dúvidas) após uma longa dissertação dogmática sobre os vários tipos de crime, forma e comparticipação, apenas consta o seguinte:

“(…)

Cotejando os considerandos doutrinários e jurisprudenciais atrás expostos, com a factualidade dada como provada, resulta clara a condenação do arguido nos exactos termos em que vinha acusado (ponderando-se, aqui, a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos a acusação oportunamente comunicada), salvo no que ao NUIPC 381/23 respeita.

(…) Assim, resultou provado que de forma livre, deliberada e consciente o arguido, por meio de violência, o esticão que deu à carteira de CC, (…) pretendia fazer seus os valores que aquele(s) tivesse(m) consigo o que, (…) só não logrou concretizar devido à resistência daquele isto é, por razões alheias à sua vontade.”

Entretanto, mais adiante, na escolha e determinação da medida concreta da pena o tribunal a quo explicitou o seguinte:

“(…)

Vejamos agora as penas com que são punidos os crimes pelos quais cumpre condenar o arguido:

O crime de furto simples é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, o furto qualificado previsto e punido pelo nº 1, alínea f) Código Penal é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias e o furto qualificado previsto no artigo204º, nº 2 Código Penal, com pena de prisão de dois a oito anos.

Os crimes de dano e de abuso de cartão são, ambos, punidos com prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, o crime de introdução e lugar vedado ao público com pena de prisão até 3 meses ou multa até 60 dias e, finalmente, o crime de roubo na sua forma consumada na pena de 1 a 8 anos de prisão e na sua forma tentada com prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses.

(…)

As necessidades de prevenção especial, seja na sua vertente positiva de ressocialização, seja na sua vertente negativa de prevenção da reincidência, são elevadas.

Com efeito, se por um lado a integração social do arguido sempre foi deficitária, o seu certificado de registo criminal antes da prática dos factos aqui sob julgamento, já tinha averbadas 6 condenações, pela prática de 11 crimes, sendo que só um deles não era um crime contra a propriedade.

À data da prática destes factos o arguido já havia sido condenado em penas de prisão substituídas bem como em penas de prisão efectiva, estando em liberdade condicional concedida precisamente por cometimento de crimes de roubo e furto qualificado, termos em que é manifesto que a pena de multa não é suficiente para acautelar de forma que se repute de adequada e cabal as finalidades da punição.

No que aos crimes que apenas admitem pena de prisão respeita, valem os considerandos atrás explanados no que tange às necessidades de prevenção geral e especial.

Para a determinação da pena concreta, deve o Tribunal ponderar o disposto nos artigos 40º e 71º, ambos do Código Penal.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena

(…)

A considerar, então, que o arguido actuou sempre com dolo directo, o grau de ilicitude dos seus comportamentos não é especialmente elevado, tendo por referência o grau de ilicitude médio deste tipo de condutas, tendo, porém, graduações diversas em função do valor dos estragos ou dos bens furtados, em que, portanto, a ilicitude se situa em patamar superior naqueles cujos valores em causa são superiores, sendo, elevado no que ao crime de furto qualificado do NUIPC 366/23 atento o valor dos bens e valores que subtraiu.

A culpa do arguido é muito intensa, sendo igualmente intenso o impulso criminoso que o moveu, seja pelas barreiras físicas que teve que ultrapassar para consumar os crimes, seja pela barreira pessoal da privação da liberdade que o mesmo também ultrapassou, já que pelo cometimento, também, de crimes contra o património, o arguido esteve largos anos privado da liberdade, pelo que nem esse contacto prévio e longo com o meio prisional, e a probabilidade de futuro contacto caso fosse apanhado, o demoveu da reincidência criminosa. Não obstante, não se olvida e por isso mesmo se tem em consideração a situação de toxicodependência do arguido a qual não se duvida, serviu de catalisador ao cometimento dos ilícitos.

O arguido tem antecedentes criminais nos moldes supra expostos, antecedentes que, vistos à luz dos crimes em apreciação, demonstram uma especial tendência para os crimes contra o património e a propriedade em especial (criminalidade também ela típica da toxicodependência).

Nenhuma das condenações anteriormente sofridas, sejam elas em prisão substituída, sejam elas em prisão efectiva foram suficientes para demover o arguido da persistência criminosa, o que o cometimento destes factos no decurso de liberdade condicional concedida no cumprimento de pena de prisão precisamente por crimes da mesma natureza apenas confirma e reforça.

Com efeito, do cumprimento de uma pena de prisão espera-se e visa-se a ressocialização do arguido e que a mesma tenha por um lado, a capacidade de fazer o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta e, por outro, demovê-lo do cometimento de novos crimes.

In casu, a prisão do arguido não alcançou nenhuma das suas finalidades o que resulta à saciedade seja pelo cometimento de ilícitos no decurso do prazo de liberdade condicional, seja pela natureza de tais ilícitos, seja, ainda, pelo seu elevado número, uma vez que não é irrelevante, antes pelo contrário, o desprezo reiterado do arguido pelo património alheio, desprezo esse manifestado no cometimento de diversos e diferentes crimes e em ocasiões também elas distintas.

Tudo visto e ponderado tem-se por adequado graduar as penas nos seguintes moldes:

NUIPC 263/23

Roubo na forma tentada – 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão

NUIPC 302/23

Introdução em lugar vedado ao público – 2 (dois) meses de prisão

Dano (Junta de Freguesia) – 9 (nove) meses de prisão

Dano (Delta Cafés) – 6 (seis) meses de prisão

Furto Desqualificado pelo valor – 9 (nove) meses de prisão

NUIPC 336/23

Dano – 9 (nove) meses de prisão

Introdução e lugar vedado ao público – 1 (um) mês de prisão

NUIPC 366/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) – 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão

NUIPC 374/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) – 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão

Abuso de Cartão – 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão

NUIPC 377/23

Introdução em lugar vedado ao público – 2 (dois) meses de prisão

Dano – 1 (um) ano de prisão

Furto – 9 (nove) meses de prisão

NUIPC 380/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) – 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão

NUIPC 378/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) –3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão

NUIPC 381/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 1, alínea f) Código Penal)- 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão

NUIPC 382/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal)- 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão

NUIPC 396/23

Roubo desqualificado pelo valor – 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão”

(…)

Aqui chegados, e uma vez que o arguido vinha acusado como reincidente, impõe-se ponderar a aplicação do instituto da reincidência.

No Código Penal vigente, maxime respectivos artigos 75.º e 76.º, a reincidência é perspectivada exclusivamente como uma causa de agravação da pena — não como uma modificação típica, seja ao nível do tipo-de-ilicito seja ao nível do tipo-de-culpa — conducente à aplicação ao agente da moldura penal cabida ao facto mas agravada no seu mínimo.

Seguiu-se, assim, a tradição do nosso direito — de fazer avultar na reincidência a vertente da culpa agravada do agente, só de forma mediata podendo entrar em linha de conta a sua perigosidade eventualmente aumentada; sem prejuízo, no entanto, da circunstância de, se na situação convergirem os pressupostos não coincidentes — da reincidência e da aplicação de uma pena relativamente indeterminada, as disposições desta última prevalecerem sobre as daquela (cfr. artigo 76.º, n.° 2, do Código Penal).

O conceito de reincidência abrange agora, por outro lado, tanto a reincidência homótropa (entre crimes da mesma espécie ou natureza) como a polítropa (também chamada mera sucessão de crimes, que poderia dar-se entre crimes de qualquer espécie ou natureza), sujeitando a lei ambas a igual tratamento.

O artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal estatui que É punido como reincidente quem, por si ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

O seu n.º 2 acrescenta que O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

Os pressupostos formais da reincidência são, assim, o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime.

O pressuposto material da reincidência é que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime.

(…)

Vejamos então a situação dos autos.

Por não verificação dos pressupostos formais relativos à dosimetria concreta da pena, fica desde já arredada a condenação do arguido como reincidente nos crimes de introdução em lugar vedado ao público e o crime de dano relativo ao NUIPC 302/23.

Quanto aos demais, porque as penas concretas são superiores a 6 meses de prisão, cumpre averiguar da verificação, ou não dos demais pressupostos.

A última condenação do arguido reporta-se a um crime de consumo de estupefacientes em que o arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão cometido em 17.03.2018, ou seja, é um crime doloso e a pena é superior a 6 meses de prisão.

A condenação anterior, reporta-se a 4 crimes de furto e dois crimes de roubo, cometidos. O último crime desta condenação, roubo, foi cometido em 31.10.2027 e por ele o arguido foi condenado na pena de 3 anos de prisão (cfr. fls. 650).

Importa agora ponderar se entre o cometimento destes crimes e os factos aqui sob julgamento decorreram ou não mais de 5 anos.

Os factos dos presentes autos decorreram entre Maio e Julho de 2023, ou seja, decorridos mais de 5 anos desde o crime de consumo ter sido praticado.

Antes, importa recordar que resulta dos autos que o crime de consumo de estupefacientes foi amnistiado, amnistia que, nos termos do disposto no artigo 75º, nº 4 Código Penal não obsta à verificação da reincidência (4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.)

Nos termos do disposto no artigo 75º, nº 2 Código Penal, para a contabilização dos 5 anos, não releva o lapso temporal em que o arguido esteve privado da liberdade termos em que, resultando provado que o arguido esteve privado da liberdade entre 09.07.2017 até 25.11.2021, é manifesto que também este pressuposto forma se tem por verificado.

Aqui chegados, e preenchidos que se mostram todos os pressupostos formais, resta apreciar pela verificação, ou não, do pressuposto material de se concluir que a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime, o que, em face do que supra se deixou já referido, e para onde se remete, relativamente à falência da pena de prisão cumprida e ao cometimento do crime no decurso do prazo de liberdade condicional, é manifesto que se verifica.

Nessa medida, cumprindo condenar o arguido como reincidente em relação a todos os crimes cujas penas o admitem, dispõe o artigo 76º, nº 1 Código Penal que:

Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores termos em que o Tribunal decide agravar cada uma das penas concretas em 3 meses donde resulta, em síntese, a condenação do arguido nas seguintes penas parcelares (e que, adiantando já, indicamos na sua totalidade face ao problema a analisar , mais à frente , da justificação das condenações por reincidência):

NUIPC 263/23

Roubo na forma tentada – 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão

NUIPC 302/23

Introdução em lugar vedado ao público – 2 (dois) meses de prisão

Dano (Junta de Freguesia) – 1 (um) ano de prisão

Dano (Delta Cafés) – 6 (seis) meses de prisão

Furto Desqualificado pelo valor – 1 (um) ano de prisão

NUIPC 336/23

Dano – 1 (um) ano de prisão

Introdução e lugar vedado ao público – 1 (um) mês de prisão

NUIPC 366/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) – 5 (cinco) anos de prisão

NUIPC 374/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) – 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão

Abuso de Cartão – 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão

NUPC 377/23

Introdução em lugar vedado ao público – 2 (dois) meses de prisão

Dano – 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão

Furto – 1 (um) ano de prisão

NUIPC 380/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) – 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão

NUIPC 378/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) –3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão

NUIPC 381/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 1, alínea f) Código Penal)- 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão

NUIPC 382/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal)- 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão

NUIPC 396/23

Roubo desqualificado pelo valor – 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.]

Tomando em conta as referências constantes do acórdão recorrido, e considerando as condenações que devem ou deveriam relevar para a verificação da reincidência (art.º 75.º n.º1 e 2 do Código Penal- crimes anteriores cometidos há não mais de 5 anos, ressalvado o tempo de prisão cumprido em medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade) recordamos que o arguido foi condenado e esteve detido (factos 63- alíneas d) e) e f), 64, 65 e 66):

[63 (…)

d. Por decisão de 19.11.2017, transitada em julgado em 11.01.2018, foi condenado pela prática em 03.02.2017 de um crime de furto qualificado na forma tentada na pena de 10 meses de prisão.

e. Por decisão de 22.06.2018, transitada em julgado em 07.03.2019, foi condenado pela prática em 17/18.06.2917, 18/21.06.2017, 11.07.2017 e 24.10.2017 de 4 crimes de furto qualificado e em 23.10.2017 e 31.10.2017 de 2 crimes de roubo na pena de 7 anos de prisão.

(aqui não se indicam as penas parcelares mas apenas a que parece ter sido uma pena unitária desconhecendo-se qual daquelas foi a pena mais grave embora se aluda a uma pena de 3 anos de prisão pelo crime de roubo mais recente)

f. Por decisão de 15.07.2020, transitada em julgado em 30.09.2020, foi condenado pela prática em 17.03.2018 de um crime de consumo de estupefacientes na pena de 7 meses de prisão.

64. No Proc. 554/17.2..., AA foi detido a 09.11.2017 para primeiro interrogatório judicial tendo ficado sujeito a prisão preventiva no dia 10.11.2017, situação em que se manteve até 09.02.2018.

65. Em 09.02.2018, foi desligado do Proc. 554/17.2... e ligado ao Proc. 90/17.7... para cumprimento da pena em que ali foi condenado, situação que se manteve até 09.09.2018, data em que foi novamente ligado ao primeiro.

66. Em 25.11.2021 foi-lhe concedida liberdade condicional pelo tempo de prisão que lhe faltaria cumprir, isto é, até 09.03.2024.]

O tribunal considerou no primeiro caso em apreciação (Nuipc 263/23 …) uma moldura para o roubo desqualificado tentado, de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses.) E bem, se a qualificação jurídica estivesse correcta face à configuração do crime como roubo desqualificado tentado. Depois, considerou a reincidência, agravando em mais 3 meses a pena concreta fixada (sem reincidência) de 1 ano e 6 meses de prisão, em vez de o fazer calculando a pena concreta apenas a partir, não de uma pena concreta, mas somente da moldura abstracta (1 mês de prisão) agravada no mínimo em mais 1/3 (ou seja, 1 mês e 10 dias de prisão).

Portanto, a pena a determinar sê-lo-ia não a partir de uma pena concreta previamente fixada, agravada pela reincidência em mais 3 meses (método este que foi aplicado praticamente todas as restantes penas concretas dos Nuipc julgados) mas sim uma pena concreta determinada a partir da moldura abstracta agravada (pela reincidência) em mais um terço no respectivo mínimo e sem nunca exceder (tal agravação) a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores (pena essa mais grave que se desconhece qual foi, face à omissão de indicação na alínea e) do facto provado em 63 e à falta de especificação adequada e mais clara de quais os crimes anteriores que foram tidos em concreto na consideração da reincidência, pois parece que foi tudo metido no mesmo plano)

A montante deste problema e voltando de novo ao caso do mencionado nuipc 262/23 e da qualificação da tentativa, tem toda a razão o arguido bem como o MPº

ao sublinharem que:

“(…) está apenas aqui em causa a fundamentação de direito (que não a de facto, com a qual o recorrente não manifesta discordância), (…) e que teria cumprido ao tribunal proceder à explicitação do modo como integrou a factualidade dada como provada no crime de roubo tentado.

E nada foi, quanto a esta matéria, referido de concreto no acórdão recorrido: não obstante se referenciarem os elementos do roubo, de se analisarem os casos em que, quer este, quer outros crimes, existe punição a título de tentativa e quando esta figura se deve entender como preenchida, certo é que no acórdão absolutamente nada é referido quanto à matéria de facto dada como provada quanto a este NUIPC 263/23.3...

Basta, nesse sentido, verificar que na fundamentação de direito, nunca é referido este caso concreto (nunca aquele número de processo surge até).

Ora, assim sendo, pode concluir-se que – tal como alegado no recurso – a decisão é omissa de fundamentação coerente e adequada aos critérios legais, pois que nem em modo sintético essa fundamentação foi levada a cabo.

No caso dos autos verifica-se a referida falta absoluta de fundamentação.

(…)

(…) o recorrente mostra discordância quanto à qualificação jurídica dos factos dados como provados, levantando a hipótese – quanto a nós bastante consistente – de se estar perante uma tentativa impossível. Nem que fosse por isto, pela possibilidade de se estar perante tal figura, ter-se-ia imposto ao tribunal apreciar juridicamente tal possibilidade.

É que, atendendo aos factos dados como provados, quando se concluiu que o arguido teve conhecimento de que a carteira do ofendido não continha qualquer valor monetário (facto provado 4), levanta alguma estranheza que, concomitantemente, se entenda pela verificação de tentativa de roubo por parte do arguido, por este pretender apropriar-se das quantias que o ofendido consigo transportaria, nesse sentido puxando pela carteira em questão. Embora, obviamente, possa ter o coletivo seguido a ideia de que, no caso, se verificava uma situação (…) no sentido de que «Para efeitos da verificação da tentativa no crime de roubo, a inexistência dos bens móveis, objecto da subtracção planeada, tem de resultar verificada, nomeadamente pelas regras da experiência comum, reconhecíveis pela generalidade das pessoas normais e razoáveis. Na situação ocorrida, a ausência de objectos de valor, principalmente dinheiro, em poder do ofendido não se apresentava como manifesta. Pelo contrário: o que seria normal e natural era precisamente que a vítima detivesse objectos, designadamente dinheiro.» haveria que explicar ao leitor ter sido essa ideia que esteve na base da decisão.

Efetivamente, tendo sido a decisão recorrida no sentido da existência, efetiva, de um crime de roubo tentado, teria cumprido ao coletivo esclarecê-lo, por exemplo referindo que, não obstante o conhecimento do arguido relativamente a nenhuma quantia estar a ser transportada na carteira, a intenção do mesmo abarcava outros bens que fossem transportados pelo ofendido CC.

[Ou ainda – e aqui já alterando a qualificação jurídica dos factos – ter concluído no sentido da verificação de uma tentativa impossível de roubo (por inexistência do objeto essencial à consumação do crime – segunda parte do nº 3 do artº 23º do Código Penal) – mas subsistindo factualidade que, pelo menos, integrava a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. no artº 143º, nº 1, do Código Penal, atenta a restante matéria dada como provada, nomeadamente no ponto 5].

Daqui concluir-se subsistirem dúvidas quanto ao entendido pelo coletivo de 1ª instância, precisamente porque se mostra inexistente a fundamentação de direito, o que configura a nulidade invocada, prevista no artº 379º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal, por referência ao nº 2, do mesmo diploma.(…)]

Concordando com esta perspectiva, e concretamente neste caso do NUIPC 263/23 (…) está gravemente em causa a omissão de fundamentação clara e inequívoca, de direito, pelo tribunal a quo, cabendo esclarecer a questão da duvidosa tentativa de roubo, se impossível ou não, nos termos supra questionados e a possibilidade de alteração da qualificação jurídica por via da subsistência de factualidade que, a arredar-se a qualificação por roubo tentado (impossível), pelo menos integraria a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. no artº 143º, nº 1, do Código Penal, atenta a restante matéria dada como provada, nomeadamente no ponto 5.

Ademais, a manter-se uma pena de prisão como reincidente, será necessário esclarecer adequadamente (neste e nos restantes nuipc) o método de agravação pela reincidência e a partir de que crimes e penas a mesma foi efectivamente considerada em cada caso.

Neste segmento, dá-se razão ao recorrente e anula-se a decisão, a qual deve ser substituída por outra que, com adequada e compreensível fundamentação, se esclareçam os pontos questionados.

B) NUIPC 302/23.8...

[Factos provados de 8 a 16:]

O tribunal condenou o arguido pela prática destes factos:

-a 02.06.2023, por um crime introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Pena, na pena de 2 (dois) meses de prisão;

-de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º, nº 1 Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, e,

como reincidente de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão e de um crime de furto simples (desqualificado pelo valor), previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (302/23.8...)

O recorrente discorda desta condenação, argumentando:

[“ O tribunal não justifica não justifica por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos foi subsumida aos tipos legais indicados, não contendo qualquer exposição dos motivos de direito que fundamentam a decisão em matéria de direito quanto à qualificação que fez dos factos imputados ao recorrente;

-no tocante à subtração, no tipo legal de furto simples, por ocorrência da desqualificação fundada no valor, coloca-se a questão de saber se tal crime de furto, está numa relação de concurso efetivo ou aparente com o crime de introdução de lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal dado que se provou que o arguido penetrou num estabelecimento que se encontrava fora da hora de atendimento ao público, através de uma janela lateral do rés do chão, introduziu-se no edifício, partindo o estore da janela.

No que diz respeito ao crime de dano à célula do alarme que se encontrava na parede e à máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas que se encontrava no local, o Tribunal decidiu pela autonomização de tais crimes.

O ora recorrente discorda desta decisão, na medida em que o crime de introdução em lugar vedado ao público, bem como o crime de dano, é o designado crime "instrumental", um crime "meio", para se alcançar o "crime fim", que neste caso é o crime de furto, deste modo não deveria o ora recorrente ser condenado pelos demais crimes, excepto pelo crime de furto. Entre o crime de furto, praticado com introdução na habitação por arrombamento e o crime de violação de domicílio existe um concurso aparente de crimes, abrangendo a punição por aquele a totalidade da conduta do arguido.

Face ao exposto (…) o arguido não devia ter sido condenado pelo crime de introdução de lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal, e nem pelos crimes de dano previsto e punido pelo artigo 212.º Código Penal, ainda que se trate de um crime de furto simples desqualificado pelo valor. (…)]

No acórdão recorrido é amplamente mencionado o conjunto de razões que levou o tribunal a fazer aquela qualificação nos diversos tipos penais indicados e também a opção pelo concurso efectivo. Por isso, independentemente de se concordar ou não com a subsunção fáctico-jurídica realizada, é de todo inegável que convocar neste segmento uma nulidade por falta de fundamentação é ir manifestamente contra a evidência da sua concretização e que claramente decorre da leitura do texto do acórdão.

Senão, vejamos o que ali consta:

“(…)

Por outro lado, da materialidade dada como provada nos NUIPC 302/23 e 377/23, resultou provado que o arguido se introduziu nas instalações da Junta de Freguesia através de uma janela isto é, por meio de escalamento, e na área reservada da ...Lavandarias Self-Service através de arrombamento (pontapés que desferiu na porta), e dali retirou e fez seus bens de valor inferior a 1 UC, isto é, valores monetários inferiores a € 102, termos em que estes furtos, nos termos do nº 4 do artigo 204º, são desqualificados pelo valor.

Aqui chegados cumpre abordar a questão do concurso entre crime de furto, desqualificado nos termos do disposto no artigo 204º, nº 4 Código Penal, o crime de dano e ou introdução em lugar vedado ao público.

O Ministério Público pugnou pela existência de concurso efectivo entre o crime de furto e o crime de dano e/ou o crime de introdução em lugar vedado ao público no caso de crime furto, desqualificado, por força do nº4 do artigo 204º do Código Penal.

A questão que se suscita é saber se se trata de concurso meramente aparente, impondo-se a condenação do arguido por apenas um dos crimes, ou de concurso real, condenando-se o arguido pela prática dos crimes em concurso, crime de furto e crime de dano e/ou introdução em lugar vedado ao púbico.

Ensina o Professor Costa Andrade que «Nas hipóteses de concorrência entre dano e furto, haverá concurso efectivo, se o dano servir apenas como meio para a prática do furto (…). Também há concurso efectivo em caso de dano seguido de furto (…) salvo se do primeiro resultar a destruição total da coisa. Inversamente, já haverá concurso aparente nos casos de furto qualificado nos termos do art. 204º nº 1 al. e), e nº 2 al. e). Só não será assim se, por força do disposto no nº 4 do artº 204º não houver lugar à qualificação do furto, hipótese em que a solução será, mais uma vez, o concurso efectivo. (Cfr. Comentário Conimbricense, Coimbra Editora Tomo II, pág. 234/235).

Se agora tivermos em conta a factualidade reportada ao comportamento do arguido em 25/10/05, e procurarmos qualificá-lo penalmente, começaremos por considerar que as circunstâncias das al.f) do nº 1 e e) do nº 2, ambas do artº 204º, se sobrepõem, de modo a configurarem um concurso tão só aparente de circunstâncias, sobrelevando, numa relação de especialidade, esta última, como mais gravosa, em relação àquela. E não se trata, aqui, evidentemente, de chamar à colação o disposto no nº 3 do artigo, que pressupõe circunstâncias diferentes, para além de qualquer relação de especialidade entre si.

Subsistindo então, apenas, a circunstância da al. e) do nº 2 do artº 204 citado, vemos que a mesma deixará de relevar para efeitos de qualificação do furto, por força do nº 4 do preceito, tendo em atenção, no caso, o valor “diminuto” efectivamente subtraído (70 euros). E assim, no dizer de Faria Costa, “ o comportamento, em princípio susceptível de ser enquadrado como adequada expressão de qualificação, mais não deve do que ser degradado para a integração no crime matricial” (In “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, pág. 87). Igual solução se adoptou, no ponto II do § 243º do Código Penal alemão. (…)

Ora, pelo facto de o comportamento do agente passar a ser encarado, no tocante à subtracção, em termos de furto simples, nem por isso estaremos dispensados de ponderar a eventualidade de se configurar, no caso, um concurso efectivo de infracções. A desqualificação do nº 4 do artº 204 do C. P. não poderá prejudicar o funcionamento do disposto no nº 1 do seu artº 30º, que, no que vem ao caso, manda aferir o número de crimes pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos. Crimes efectivamente cometidos com o sentido de que se não encontram numa relação de concurso aparente ou de normas.

Na situação em apreço, de facto, esse concurso meramente aparente não terá lugar.

A questão que se poderia configurar aqui prende-se com uma eventual consunção, decorrente de se estar perante o chamado “facto anterior não punível”. Poder-se-ia defender que um “crime meio” “ou crime instrumento”, fosse deixado impune, desde que se tratasse de crime menos grave e que protegesse o mesmo bem jurídico do “crime fim” (neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Português”, tomo 1º, pág. 339, diferentemente, v.g. Palma Herrera in “Los actos Copenados”, Madrid Dykinson, pag. 184).

No caso entendemos relevar a diferença entre bens jurídicos atingidos, propriedade no furto, privacidade e funcionalidade de um certo espaço, na introdução em lugar vedado ao público. Por isso somos levados a configurar um concurso efectivo entre os crimes mencionados de furto simples e introdução em lugar vedado ao público do artº 191º do C.P. Em sentido paralelo se pronunciou, por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 7/12/93 (Pº 45909), estando em causa, também, uma situação de desqualificação.

Mas também ocorre concurso efectivo entre o crime de furto simples e o crime de dano do artº 212º nº 1 do C. P.

Conforma nos diz Costa Andrade ”(…) Também há concurso efectivo em caso de dano seguido de furto salvo se do primeiro resultar a destruição total da coisa. Inversamente, já haverá concurso aparente nos casos de furto qualificado nos termos do artº 204º nº 1 al. e), e nº 2 al. e). Só não será assim se, por força do disposto no nº 4 do artº 204º não houver lugar à qualificação do furto, hipótese em que a solução será, mais uma vez, o concurso efectivo”. (In Comentário Conimbricense cit., Tomo II, pág. 212).

Esta a posição que vem sendo defendida no direito alemão, em contexto legislativo homólogo, já que o § 243, nº II do Código Penal, também desqualifica o crime de furto em atenção ao escasso valor da coisa subtraída. O significado do crime-meio desaparece, nos casos em que é tido por secundário em relação a outro, o crime-fim, e desde que se mostre associado a este através de uma forma de aparição regular, ou forçosamente necessária. Mas, se no caso concreto a gravidade do crime-meio não é mínima, do excesso resultará um concurso efectivo com o crime-fim. Discorre-se, no entanto, assim, no contexto do efectivo preenchimento do crime de furto qualificado. (Cfr. Jakobs, “Derecho Penal, Parte General”, Madrid, Marcial Pons, pág. 1061, ou Jescheck , “Derecho Penal, Parte General”, Valencia, Comares, pág.794). (…)

Voltemos ao caso em apreço para verificar que se está perante uma acção naturalística que, muito embora integre crimes (furto simples e dano), que protegem fundamentalmente o mesmo bem jurídico, protegem-no de modo diverso. E daí a necessidade sentida pelo legislador de criar tipos legais diversos. No furto está em causa a privação de todos os poderes em que a propriedade se analisa, no dano releva a integridade ou a existência da coisa em si, para que o possuidor dela usufrua.

O objecto material do crime de furto é, no caso, evidentemente diferente do do crime de dano.

Também não é sempre, nem é por regra, necessário, que para se furtar uma coisa se tenha que arrombar a porta do espaço fechado onde a coisa se encontra. No caso foi porém o que aconteceu. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.10.2007, relatado por Souto de Moura, disponível para consulta in www.dgsi.pt)

No caso de a conduta do agente preencher a previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 204º do Código Penal, como é o caso dos autos em relação às situações dos NUIPC’s 366/23, 374/23, 380/23, 378/23, 381/23 e 382/23, a verificação dessa circunstância qualificativa protege reflexamente o bem jurídico protegido pelo crime de dano/introdução em lugar vedado que já não é punido autonomamente. O dano provocado foi o meio para garantir, ao agente, aceder aos bens que pretendia apropriar-se, mesmo valendo para a introdução em lugar vedado. Existe, assim, uma relação de concurso aparente entre os ilícitos.

(…)

A questão coloca-se quando, apesar de se verificar o preenchimento da circunstância qualificativa, opera a desqualificação, atento o valor dos bens subtraídos (NUIPC’s 302/23 e 377/23).

Dispõe o artigo 30º do Código Penal que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crimes efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido. A norma será um concurso real, com punição autónoma para cada tipo de crime, só não se verificando este concurso real quando o bem jurídico do crime de dano permanece protegido reflexamente pela verificação da qualificativa.

Todavia, ocorrendo a desqualificação do crime de furto, nos termos do artigo 204º, n.º 4 do Código Penal, a violação do bem jurídico propriedade, no que concerne à danificação ou destruição de uma parte dos bens realizada pelo agente, para aceder aos demais bens que subtraiu, não se mostra protegida pela punição do crime de furto simples, razão pela qual considera-se existir concurso efectivo entre os crimes de furto, desqualificado, e dano, devendo o agente ser punido por ambos.

Orientação diversa defende que no furto qualificado está-se a punir a apropriação e o dano causado pela mesma. O nº 4 do artigo 204º do Código Penal não autoriza que autonomize o furto – simples – e o dano, sendo diversa a ratio da norma contida no nº 4: visa o legislador que não se puna como furto agravado a conduta bagatelar. Ao punir-se em concurso efectivo o crime de dano e de furto, transforma-se a bagatela em algo de significativo, desde logo pela circunstância de o agente passar a ser punido por dois crimes (e com duas penas) onde o legislador só quis um.

Com efeito, “se uma acção típica é composta por várias acções em sentido «natural», cada uma dessas acções parciais deste delito determinado pode estar em unidade de acção com outros delitos. (5)”

Importa salientar que, com os elementos disponíveis nos autos, se nos afigura existir uma destas “unidades de acção” entre a conduta de entrar no estabelecimento comercial (especificamente numa firma imobiliária, pela 0100 horas, cujo vidro se encontrava quebrado, ou seja, um lugar vedado ao público) com o escopo de furtar vários objectos que estivessem no seu interior.

“A ideia central que preside à categoria do concurso aparente deve (…) ser (…) a de que situações da vida existem em que, preenchendo o comportamento global mais que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica entre os sentido de ilícito coexistentes uma conexão objectiva e/ou subjectiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, e hoc sensu autónomo, enquanto o restante ou os restantes surgem, também a uma consideração jurídico-social segundo o sentido, como dominados, subsidiários ou dependentes; a tal ponto que a submissão do caso à incidência das regras de punição do concurso de crimes contantes do art. 77.º seria desproporcionada, político-criminalmente desajustada e, ao menos em grande parte das hipóteses, inconstitucional. (6)”

Deste modo, atenta a estreita conexão espácio-temporal e, sobretudo, a instrumentalidade essencial que reveste a invasão física do espaço pelo arguido para perpetrar as subtracções, A conduta global do arguido constitui uma unidade em sentido social (7), inexistindo quaisquer indícios de que o arguido, caso não tivesse aquele escopo essencial (subtractivo) tivesse quaisquer motivos ou interesse em penetrar naquele estabelecimento.(8) – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.10.2023, relatado por Edgar Valente, disponível para consulta in www.dgsi.pt.

Por este Tribunal é perfilhada a solução do concurso efectivo entre estes ilícitos.

Tratando-se de furto qualificado, punido nos termos do artigo 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, operada a desqualificação do crime de furto, cumpre considerar o âmbito de protecção dessa norma contida no nº2 alínea e) do artigo 204º Código Penal: o bem jurídico apresenta-se no tipo qualificador “ … não na formulação linear da protecção de uma específica realidade patrimonial, como acontece no chamado furto simples, mas antes na defesa de um bem jurídico formalmente poliédrico ou multifacetado” (Professor José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 58).

No fundo, operando a qualificativa, o legislador pune com uma pena mais elevada uma ilicitude acrescida decorrente de um concreto circunstancialismo de facto, de uma determinada conduta do agente especialmente desvaliosa, por reveladora de um especial desrespeito por vários bens jurídicos ou por um especial impulso criminoso.

Operando o nº 4 do artigo 204º, em função de a coisa ter um valor diminuto, não se pode em abono da verdade dizer que a conduta daquele que furta, por exemplo, uma nota de € 20 que está em cima de uma mesa de café, é similar e deve merecer a mesma moldura legal daquele outro que furta também uma nota de € 20 que se encontrava em cima da bancada da cozinha de uma casa de habitação onde entra pela janela cujo vidro quebrou.

Dentro do espectro do crime de furto temos o furto simples, como pena de prisão até 3 anos ou multa, o furto qualificado do nº 1 do artigo 204º, punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, e o furto qualificado do nº 2 do artigo 204º, punido com prisão de 2 a 8 anos, ou seja, as qualificativas surgem como um plus ao tipo base, precisamente por esse mais de ilicitude que as condutas ali previstas acrescentam ao tipo base.

Não se verificando a qualificativa, e salvo melhor opinião, não se pode deixar de proteger os bens jurídicos efectivamente violados pelo agente, os quais a lei penal protege ao punir mais severamente os mesmos comportamentos se a coisa furtada tiver valor superior a, actualmente, € 102.

Aliás, vista a moldura legal abstracta do furto qualificado do nº 2, alínea e) do artigo 204º, pena de prisão de 2 a 8 anos, e pensando numa situação de arrombamento, este tipo prevê indubitavelmente uma introdução num lugar vedado – a habitação, e um dano, pois que o arrombamento é precisamente isso …rompimento, fratura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar….

Vistos os crimes isoladamente alcançamos uma moldura legal abstracta de 6 anos e 3 meses de prisão (furto 3 anos, introdução em lugar vedado 3 meses, dano 3 anos) donde nos parece claro que a intenção do legislador não pode ter sido outra que não a de punir autonomamente as condutas similares à exposta, as quais não são, naturalmente, iguais ou idênticas àquelas que se pune com a moldura legal abstracta do crime de furto simples.

Assim, pelas razões expostas, entende-se que operada a desqualificação do furto, impõe-se tutelar a propriedade dos bens danificados nos locais onde o arguido ilegitimamente entrou, e bem assim essa entrada ilegítima, por via da tutela da reserva da intimidade (do lar ou profissional), bens jurídicos que se distinguem da subtracção ilegítima, pelo que se verifica concurso efectivo do crime de furto e os crimes de dano e de introdução em lugar vedado ao público

Nessa medida, resultando provado nos NUPC mencionados (302/23 e 377/23) que o arguido concretizou essas entradas ilegítimas, porque não autorizadas, em lugares vedados e não livremente acessíveis, sabendo que ali não poderia entrar e permanecer, deve pelas mesmas ser condenado, o mesmo valendo para os danos causados com as suas condutas, uma vez que também resultou da materialidade provada que o arguido partiu a célula de movimento do alarme da Junta de Freguesia, causou danos na máquina de vending ali existente, danos decorrentes da abertura da mesma por via da força e sem chave, tal como causou danos aliás bem visíveis nas portas da área técnica da supra identificada lavandaria.(…)”]

Assim, voltando ao 2º caso agora em análise (NUIPC 302/23), é manifesto que inexiste omissão de fundamentação geradora de nulidade. No acórdão, de forma explícita (a fls. 52 e seguintes) é longamente abordada a questão da qualificação jurídica da atividade levada a cabo pelo arguido neste e noutros casos semelhantes, fazendo-o ainda, em detalhe, no respeitante à questão do concurso de crimes colocada pelo recorrente, citando doutrina e jurisprudência variada – e concluindo pela verificação de concurso efectivo.

Por conseguinte, ao contrário da alegação constante na motivação, o acórdão recorrido aprofundou a análise da situação, fundamentando de direito a sua opção.

Quanto ao problema do concurso de infracções decorre ter sido entendimento expresso no acórdão recorrido o de que a «desqualificação» do crime de furto acarreta a repristinação dos elementos que serviriam para a qualificação, subsistindo as incriminações que tais factos implicam.

Na verdade, o arguido introduziu-se em local vedado ao público por meio de escalamento de uma janela, partiu no interior um alarme, estragando-o, parecendo visar com isso melhor conseguir os seus intentos de não ser descoberto e de apropriação e, de seguida, danifica uma máquina, dela retirando moedas “(…) quantia cujo valor exacto não se logrou apurar, mas não superior a 55,50€ ()”, inferior portanto a 1 (uma) UC (=102 euros))

Se o valor das moedas tivesse sido superior a 1 UC, então seria claro que não haveria desqualificação e o arguido seria condenado apenas pela prática de um crime qualificado p.p. no artº 204º nº2 e) do CP, onde estariam consumidos pela qualificação a introdução ilegítima em local vedado ao público e os crimes de dano. Ou seja, haveria uma unificação típica pela qualificação.

Porém, face à desqualificação operada nos termos do nº 4 do artº 204º do CP, aquela introdução ilegítima e os danos deixariam de ser punidos?

O crime, nesse caso, seria punido como furto simples no qual apenas o elemento da apropriação ilegítima de coisa móvel, dinheiro no caso, seria o bem jurídico violado.

Já quanto ao crime de introdução ilegítima em local vedado ao público e aos crimes de dano, quer no alarme da Junta de Freguesia quer na máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas, a desqualificação do furto opera automaticamente uma punição daqueles não unificada neste.

Daí que se compreenda que a autonomização dos mesmos, gerada pela desqualificação, deva ser entendida como reflectindo diferentes bens jurídicos merecedores igualmente de protecção.

A partir dessa desqualificação não se verifica já, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível.

Na verdade, o artigo 30º, nº1, do Código Penal, dispõe que o número de crimes se determina pelo número de tipo de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, adoptando a unidade ou pluralidade de tipos violados como critério básico da distinção entre a unidade e pluralidade de infracções.

Com efeito, quando a conduta do agente integra uma pluralidade de infracções, distingue-se, na doutrina e jurisprudência entre concurso real ou efectivo e concurso legal, aparente ou impuro.

Neste último, muito embora a conduta do agente preencha, em abstracto e formalmente, vários tipos de crime, conclui-se, por via das regras interpretativas, que a conduta concreta integra apenas um dos ilícitos violados, afastando os demais.

Aí, a pluralidade de infracções, depois de analisados os vários tipos, traduz-se numa mera aparência. Ou, como ensina Eduardo Correia – in Unidade e Pluradlidade de Infracções - muitas normas penais, afectas à descrição dos diferentes tipos, estão entre si numa relação de hierarquia ou subordinação, isto é, têm uma estrutura tal que a aplicação de uma delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras.

Tal acontece, por exemplo, e já o referimos antes, quando entre várias normas incriminadoras, se verificam relações de especialidade ou consumpção.

Já no concurso efectivo ou real, a conduta do agente preenche vários tipos legais, não se excluindo nenhum deles, por via das regras de interpretação. As normas concorrentes aplicam-se todas elas à conduta do agente.

Ora, perante a factualidade apurada, nenhuma dúvida se suscita em que os ilícitos penais praticados pelo arguido (furto simples por via da desqualificação, crimes de dano e de introdução ilegítima em local vedado ao público) repristinaram a sua autonomia, se recuperaram numa relação de concurso real e, é claro, não aparente. Com efeito, os bens jurídicos protegidos por cada um dos tipos em causa são distintos, inexistindo, a partir da desqualificação do furto, qualquer interdependência entre a realização de cada um deles.

Na mesma linha do já mencionado (também pelo MPº) Ac. do STJ de 04-10-2007 (Souto Moura) pubº in DGSI (2) defendemos igual solução quanto ao concurso efectivo, e que está exactamente em consonância com a perspectiva do tribunal recorrido:

“ (…) Ora, pelo facto de o comportamento do agente passar a ser encarado, no tocante à subtracção, em termos de furto simples, nem por isso estaremos dispensados de ponderar a eventualidade de se configurar, no caso, um concurso efectivo de infracções. A desqualificação do nº 4 do artº 204 do C. P. não poderá prejudicar o funcionamento do disposto no nº 1 do seu artº 30º, que, no que vem ao caso, manda aferir o número de crimes pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos. Crimes efectivamente cometidos com o sentido de que se não encontram numa relação de concurso aparente ou de normas.

Na situação em apreço, de facto, esse concurso meramente aparente não terá lugar.

A questão que se poderia configurar aqui prende-se com uma eventual consunção, decorrente de se estar perante o chamado “facto anterior não punível”. Poder-se-ia defender que um “crime meio” “ou crime instrumento”, fosse deixado impune, desde que se tratasse de crime menos grave e que protegesse o mesmo bem jurídico do “crime fim” (neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Português”, tomo 1º, pág. 339, diferentemente, v.g. Palma Herrera in “Los actos Copenados”, Madrid Dykinson, pag. 184 ).

No caso entendemos relevar a diferença entre bens jurídicos atingidos, propriedade no furto, privacidade e funcionalidade de um certo espaço, na introdução em lugar vedado ao público. Por isso somos levados a configurar um concurso efectivo entre os crimes mencionados de furto simples e introdução em lugar vedado ao público do artº 191º do C.P. Em sentido paralelo se pronunciou, por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 7/12/93 (Pº 45909), estando em causa, também, uma situação de desqualificação.

Mas também ocorre concurso efectivo entre o crime de furto simples e o crime de dano do artº 212º nº 1 do C. P. Conforme nos diz Costa Andrade ”(…) Também há concurso efectivo em caso de dano seguido de furto salvo se do primeiro resultar a destruição total da coisa. Inversamente, já haverá concurso aparente nos casos de furto qualificado nos termos do artº 204º nº 1 al. e), e nº 2 al. e). Só não será assim se, por força do disposto no nº 4 do artº 204º não houver lugar à qualificação do furto, hipótese em que a solução será, mais uma vez, o concurso efectivo”. (In Comentário Conimbricense cit., Tomo II, pág. 212).

Esta a posição que vem sendo defendida no direito alemão, em contexto legislativo homólogo, já que o § 243, nº II do Código Penal, também desqualifica o crime de furto em atenção ao escasso valor da coisa subtraída. O significado do crime-meio desaparece, nos casos em que é tido por secundário em relação a outro, o crime-fim, e desde que se mostre associado a este através de uma forma de aparição regular, ou forçosamente necessária. Mas, se no caso concreto a gravidade do crime-meio não é mínima, do excesso resultará um concurso efectivo com o crime-fim. Discorre-se, no entanto, assim, no contexto do efectivo preenchimento do crime de furto qualificado. (Cfr. Jakobs, “Derecho Penal, Parte General”, Madrid, Marcial Pons, pág. 1061, ou Jescheck , “Derecho Penal, Parte General”, Valencia, Comares, pág.794).

Também boa parte da doutrina italiana alinha na opção de rejeitar um concurso aparente, na situação em foco , fundada sobretudo no facto de não ter lugar qualquer aplicação do princípio ne bis in idem, estando, como se está, perante tipos legais numa “relação de heterogeneidade”. Depois, fora de qualquer determinação clara do direito positivo, seríamos confrontados com um mecanismo de contornos pouco precisos, e aferido com base em critérios empíricos de “normalidade de ocorrência”, o que se mostraria insuficiente para fundar a solução do concurso aparente (Cfr. Ferrando Mantovani, “Diritto Penale”, Padova, Cedam , pág. 468) (…)”]

Por conseguinte, inexiste nulidade por omissão de fundamentação e a linha de pensamento jurídico-subsuntivo foi adequada, justificada e correctamente enquadrada no âmbito do concurso efectivo de infracções, operada por força da desqualificação do furto e pela reautonomização das qualificativas (crimes de dano e de introdução em local vedado ao público) que o integrariam por consunção apenas se fosse furto qualificado.

Assim, improcede neste segmento o recurso do arguido.

C) NUIPC 336/23.2...

[Corresponde aos factos provados de 17 a 20]

Neste caso, o tribunal recorrido condenou o arguido por estes factos ocorridos a 14.06.2023:

Pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1 e 191.º do Código Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão e,

como reincidente, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.

O arguido impugna esta condenação dizendo que o tribunal omitiu de igual modo a fundamentação, por isso sendo nulo o acórdão, na medida em que não justifica em lado nenhum por que razão a factualidade dada como provada naqueles pontos configura um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1 e 191.º do Código Penal, e um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal.

Mais alega que existe nos autos um concurso aparente entre o crime de introdução em lugar vedado ao público e o crime de dano, perdendo este último autonomia em relação àquele, na medida em que o crime de dano é considerado um “crime meio” para alcançar o “crime fim”, sendo este último a entrada do arguido na loja física destinada à comercialização de produtos e/ou serviços que se encontrava totalmente desocupada e fechada ao público.

Assim, conclui que não devia aqui ter sido condenado pelo crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal.

No acórdão, a págs 52, depois de um longo excurso acerca da caracterização dos diversos tipos de crime, nomeadamente dos crimes de dano e de introdução ilegítima em local vedado ao público, e sua densificação no tipo penal previsto no Código Penal, o tribunal a quo explicitou ainda, que “(…) Finalmente também resultou cabalmente demonstrado que o arguido partiu o vidro da porta do estabelecimento devoluto propriedade de BB, o que causou um prejuízo, assim logrando aceder ao interior do mesmo, local que se encontrava fechado (tanto assim que para entrar teve que partir o vidro) e não livremente acessível, entrada que lhe não era permitida”.

Pois bem.

Na condenação, a final, identificou-se claramente serem os artºs 191.º e 212.º do Código Penal, respectivamente, as normas integradas pela subsunção dos factos,.

A caracterização efectuada em termos de subsunção jurídica não oferece dificuldades, é simples e evidente, não havendo muito mais a ter de se dizer nessa matéria quanto ao dano e à introdução ilegítima naquele espaço. Aliás, o próprio arguido reconhece que houve essa introdução ilegítima e um crime de dano, ainda que diga deste estar consumido, mas sem razão, naquele primeiro.

O crime de introdução ilegítima em local de acesso vedado ao público consuma-se independentemente de dano como meio de o realizar. Daí que não haja consunção por especialidade e o dano não fazer parte integrante dos elementos desse tipo penal. É autónomo e, em ambos os crimes, configuram bens jurídicos diferenciados.

Por isso, não tem razão o recorrente.

D) NUIPC 366/23.4...

(factos provados nos pontos 21 a 24 da decisão recorrida).

Neste caso, o arguido foi condenado, como reincidente, por prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alíneas e) e f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cometido em 23.06.2023:

O arguido novamente invoca também neste caso a nulidade por falta de fundamentação das razões de direito e relativas à subsunção jurídica.

O tribunal a quo, a propósito, além do excurso já aludido em termos de densificação dos diversos tipos de crime, tipificou aquela conduta como um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alíneas e) e f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal.

A pags 51, ali se refere:

“ Em relação aos NUIPC 366/23, 374/23, 380/23, 378/23, 382/23 não apenas resultou provado que o arguido se introduziu em espaços comerciais, ou casas na acepção legal, por meio de arrombamento ou seja, através do rompimento, fractura ou destruição total ou parcial, das fechaduras das portas de tais “casas”, e delas retirou e fez seus bens e quantias monetárias de valor superior a € 102, importando aqui, designadamente no que tange, por exemplo, ao Tribunal do ... o valor de todos os bens que o arguido fez seus por meio da entrada materializada por via do arrombamento e não o valor dos bens subtraídos da máquina de vending e à funcionária do tribunal individualmente considerados.

E a pags 55:

“(…)

No caso de a conduta do agente preencher a previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 204º do Código Penal, como é o caso dos autos em relação às situações dos NUIPC’s 366/23, 374/23, 380/23, 378/23, 381/23 e 382/23, a verificação dessa circunstância qualificativa protege reflexamente o bem jurídico protegido pelo crime de dano/introdução em lugar vedado que já não é punido autonomamente. O dano provocado foi o meio para garantir, ao agente, aceder aos bens que pretendia apropriar-se, mesmo valendo para a introdução em lugar vedado. Existe, assim, uma relação de concurso aparente entre os ilícitos.(…)”

Como também, a págs. 62:

“(…)

A considerar, então, que o arguido actuou sempre com dolo directo, o grau de ilicitude dos seus comporta,mentos não é especialmente elevado, tendo por referência o grau de ilicitude médio deste tipo de condutas, tendo, porém, graduações diversas em função do valor dos estragos ou dos bens furtados, em que, portanto, a ilicitude se situa em patamar superior naqueles cujos valores em causa são superiores, sendo, elevado no que ao crime de furto qualificado do NUIPC 366/23 atento o valor dos bens e valores que subtraiu.”

E a pags 63:

“Tudo visto e ponderado tem-se por adequado graduar as penas nos seguintes moldes:

(…) NUIPC 366/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) – 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão

Por fim . ao condenar por reincidência, conclui:

“(…)NUIPC 366/23

Furto qualificado (artigo 204º, nº 2, alínea e) Código Penal) – 5 (cinco) anos de prisão”

Desta forma, é completamente inconcludente e sequer sem sustentação de razão, a invocação e omissão de fundamentação, inexistindo a nulidade arguida neste conspecto.

Improcede também aqui o recurso quanto à invocada nulidade.

E) NUIPC 374/23.5...

Reporta-se este caso aos factos 25 a 33 da decisão recorrida, cometidos entre as 18:00 horas de dia 27.06.2023 e as 01:08 horas do dia 28.06.2023.

O arguido foi condenado, como reincidente, por um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alínea f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, e em um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, previsto e punido pelo artigo 225.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.

Argumenta o recorrente, de novo, que compulsada a fundamentação de direito, o acórdão proferido pela primeira instância é aqui, novamente, nulo por falta de fundamentação na medida em que não justifica em lado nenhum a razão de a factualidade dada como provada naqueles pontos se tratar de um crime de furto qualificado e de um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão.

Ademais, o recorrente conclui ainda que existe:

“(…) um concurso meramente aparente (concurso de normas) entre o crime de furto qualificado e o crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, quando a ação que constitui o último («crime-meio») é simultaneamente elemento constitutivo do crime de furto («crime-fim»). Isto é, quando no âmbito do mesmo desígnio criminoso, a inversão do título da posse, constitutiva do crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, integra a intenção de enriquecimento ilegítimo do furto qualificado, consumando este crime, daí derivando um só (o mesmo) prejuízo no mesmo lesado.

Nesse caso, por via da relação de consunção, haverá apenas um crime de furto qualificado.”

Quanto à questão da omissão de fundamentação:

Inexiste nulidade, de igual modo invocada, mas sem razão. O tribunal, ademais, faz alusão qualificativa e explicativa a pags 50 e 54, abrangendo este e outros casos dos autos (furtos, etc).

Para além disso, realiza desenvolvimento dogmático do crime de abuso de cartão de pagamento de fls 46 a 48:

Do crime de abuso de cartão de garantia

Nos termos do disposto no artigo 225º Código Penal 1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, usar: a) Cartão de garantia; b) Cartão de pagamento; c) Qualquer outro dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou a meio de pagamento; d) Dados registados, incorporados ou respeitantes a cartão de pagamento ou a qualquer outro dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou a meio de pagamento; determinando o depósito, a transferência, o levantamento ou, por qualquer outra forma, o pagamento de moeda, incluindo a escritural, a eletrónica ou a virtual, e causar, desse modo, prejuízo patrimonial a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

O bem jurídico protegido no crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito é o património individual (cfr. neste sentido Paulo Pinto Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 5.ª Edição, 2022, pág. 969)

O ofendido deste crime é a pessoa que suporta o prejuízo decorrente do abuso de cartão, do dispositivo ou dos dados.

Este crime é um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção).

Como emerge da leitura do citado preceito legal, são elementos do tipo objectivo do crime em análise:

- O uso de cartão de garantia, cartão de pagamento, qualquer outro dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou a meio de pagamento, ou de dados registados, incorporados ou respeitantes a cartão de pagamento ou a qualquer outro dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou a meio de pagamento;

- Que o referido uso determine o depósito, a transferência, o levantamento ou, por qualquer outra forma, o pagamento de moeda, incluindo a escritural, a electrónica ou a virtual;

- O prejuízo patrimonial a outra pessoa.

O artigo 225º do Código Penal punia já, antes da alteração legislativa operada pela Lei nº 79/2021, o abuso de cartão de crédito.

Tratava-se essencialmente de um crime presencial, no sentido de ser tipicamente praticado por alguém que, munido de um cartão de crédito autêntico, titulado por outra pessoa e ilegitimamente na posse do agente do crime, se dirigia, por exemplo, a um estabelecimento comercial e fazia um pagamento com aquele cartão.

Porém, com a nova versão desta norma, operada pela Lei nº 79/2021, a alínea b do artigo 225º, nº 1, deixa de usar-se a expressão “cartão de crédito” a passa a incriminar-se o abuso de “cartão de pagamento”.

Esta expressão, incluiu assim todo o tipo de cartões bancários e também outros cartões que permitam efectuar pagamentos, ainda que não emitidos por um banco, como, por exemplo, o caso de cartões emitidos por estabelecimentos comerciais, que permitem o pagamento de compras efectuados no mesmo, sendo depois o respectivo custo repercutido numa conta bancária do cliente.

Além disso, a acção abusiva pode incidir sobre o uso (além do cartão, enquanto objecto físico, que se exibe e usa) dos meros dados de um cartão, ainda que não se esteja em posse ou presença do mesmo.

É o que resulta da nova alínea d) do artigo 225º, nº 1. Esta inovação é extremamente relevante, uma vez que enquadra de forma autónoma e específica o uso ilegítimo e não autorizado de dados de cartões de crédito, por exemplo, em compras na Internet.

Na anterior versão desta norma (artigo 225º do Código Penal) apenas se punia o abuso de cartão que conduzisse a pagamentos ilegítimos.

Na nova versão do artigo 225º passou a punir-se também o abuso que venha a dar origem a depósito, transferência, levantamento ou, por qualquer forma, pagamento de moeda; a expressão cartão de crédito foi substituída por cartão de pagamento punindo-se expressamente o uso de dados de um cartão de pagamento – abuso e contrafacção de cartões e outros dispositivos de pagamento.

Como já se disse, importa sublinhar que, além do abuso de cartão de pagamento, a nova versão deste dispositivo passou também a punir o uso abusivo de “qualquer outro dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou a meio de pagamento”. Este qualquer outro dispositivo pode ser um dispositivo de hardware ou apenas software, legítimo e não falsificado, desde que permita o acesso lícito a um sistema de pagamento. O propósito da norma é o da incriminação do seu uso abusivo (isto é, o dispositivo é verdadeiro e autêntico, mas é usado de forma ilegítima ou não autorizada).

Esta nova dimensão do artigo 225º visa incriminar, por exemplo, o uso de legítimas aplicações informáticas de pagamento, quando tal uso for efectuado sem autorização do respectivo titular, ou de qualquer outra forma abusiva.

A nível subjectivo o referido crime exige o dolo, em qualquer uma das suas modalidades, bem como, a existência de uma intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo. (…)”

Por fim, na condenação, não deixa de qualificar os crimes na sua densificação normativa, como crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alínea f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal e crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, previsto e punido pelo artigo 225.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal.

A fundamentação de direito revela-se pois suficiente e claramente compreensível.

Já quanto à questão do alegado concurso aparente entre o crime de furto qualificado e o crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão:

O recorrente, neste caso, como se viu, praticou o crime de furto (mediante uma primeira resolução de apropriação de valores e bens através de entrada em Agência por quebra de vidro e forçando a porta de entrada).

Mais tarde, formando nova resolução criminosa, utilizou o cartão que havia subtraído (utilização facilitada por o código de acesso se encontrar junto ao mesmo), procedendo a levantamentos em caixas ATM e pagamentos de serviços. O acórdão recorrido refere-se especificamente a esta matéria, de fls. 46 a 48.

Em todo o caso, também de igual modo dizemos e defendemos na mesma linha do aliás citado Acórdão do STJ de 04.12.2008, no processo 08P3552 (relator – Pires da Graça), ainda que com factos diferentes, mas por equiparação ou identidade de argumentos, mutatis mutandis:

“(…) Sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime (…) não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível [...] deve continuar a concluir-se que a conduta do agente (…)que falsifica um documento e o usa, astuciosamente, para enganar ou induzir em erro o burlado integra (suposta, naturalmente, a verificação de todos os elementos essenciais de cada um dos tipos), efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação de documento e um crime de burlaNão havendo razões para alterar tal posição, à mesma se adere, sendo que o mesmo tipo de argumentação é válido para o crime de abuso de cartão de crédito e falsificação, quanto à operação relativa à activação do cartão e consequente e necessária assinatura do respectivo talão. No que concerne ao crime de furto (do cartão e não só), ele é autónomo em relação aos crimes que se lhe seguem de falsificação e abuso de cartão de crédito, porque relativo a conduta diversa que protege também bem jurídico diferente, no caso a propriedade (e posse), pelo que não pode deixar de se considerar que há concurso real entre os três aludidos crimes.

As utilizações abusivas e ilícitas, por terceiro alheio à titularidade do cartão de crédito, dependentes de resolução e acções posteriores ao furto da carteira, assumem autonomia em relação a este.»

Assim, não se consumindo, no furto qualificado, o crime de abuso de cartão, havendo mais do que uma resolução criminosa e, embora reflectindo a final um prejuízo patrimonial ao ofendido titular do cartão, a abrangência da acção ilícita afecta diversidade de bens jurídicos que não apenas a propriedade mas também a segurança e privacidade das transações bancárias por meio informático através do posterior (ao furto) uso indevido de cartão e código bancário de acesso.

Há diferentes resoluções criminosas, diferentes bens jurídicos e inexistência de relações de “especialidade, subsidiariedade ou consunção”.

Improcede pois o recurso nesta parte também.

F) NUIPC 377/23.0...

Neste caso, o arguido foi condenado por um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão, e, como reincidente, por um crime de furto simples, desqualificado pelo valor, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e por um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, cometido no dia 28.06.2023, por factos que constam dos pontos 34 a 40 da decisão recorrida.

Repristina também aqui a questão da nulidade por falta de fundamentação bem como a da inexistência de concurso efectivo de crimes, à semelhança do que convocou quanto ao caso do NUIPC 302/23.

Por identidade de razões com as ali desenvolvidas quando foi analisado no presente recurso, que damos aqui por reproduzidas, a argumentação do recorrente padece da igual inconsistência, sendo pois igualmente improcedente.

G) Quanto aos 5 restantes NUIPC´s nº 380/23.0..., 378/23.8... 381/23.8... 382/23.6... e 396/23.6... valem as mesmas razões anteriores por identidade entre elas, já que igualmente o tribunal recorrido definiu os pontos de facto provados, integrou-os na qualificação pertinente (ainda que de modo sintético) e concluindo pela condenação nas penas que indicou assinalando o tipo legal em causa em cada um deles( cfr vg, págs 50, 54, 63 e 68 do texto do acórdão)

Improcede assim o recurso, também aqui, no respeitante à invocada nulidade por omissão de fundamentação.

2.3.3-Da medida das penas, sua proporcionalidade e da omissão sobre a fundamentação da aplicação da reincidência.

2.3.2.1. O recorrente vem alegar que, atentendo aos factos que foram dados como provados, bem como ao supra alegado em sede de enquadramento jurídico-penal, pugna pela reponderação das penas parcelares e pena única aplicadas, na medida em que considera ter sido condenado por crimes pelos quais não o deveria ter sido, tendo em conta que, em várias das situações que enunciou, se estaria perante concurso aparente de infracções.

Contudo, esta questão atinente ao concurso aparente está já analisada e resolvida nos termos dos pontos anteriores, no sentido da improcedência.

Quanto às penas parcelares e sua medida concreta, antes de entrarmos na ponderação da justeza e proporcionalidade, há que, previamente, enfrentar o problema da sua determinação com a componente da reincidência.

Na verdade, como inicialmente se consignou, o arguido foi condenado pela grande maioria dos crimes, como reincidente.

Ademais, o tribunal a quo fixou, primeiramente, as penas concretas sem a reincidência e, depois acrescentou a estas mais 3 meses por reincidência.

Como assinalámos inicialmente a propósito do primeiro caso- Nuipc 263/23 (no ponto 2.3.2.2-A), a determinação das penas está incorrecamente efectuada. Foi-o desde logo a partir de cada pena concreta já fixada sem a reincidência e não, como devia tê-lo sido, a partir da cada moldura abstracta agravada pela reincidência em 1/3 no respectivo mínimo.

Assim, aquela forma de determinação está inexplicada, desconhecendo-se se o tribunal a quo chegaria ou não ao mesmo resultado, sendo mais acertado, até por economia de esforço, enunciar adequadamente o mínimo moldural encontrado, agravado pela reincidência e o respectivo limite máximo (da moldura abstracta) de cada tipo de crime, fixando então a respectiva pena parcelar concreta.

Acerca da reincidência propriamente dita o tribunal recorrido enunciou correctamente os seus pressupostos formais mas não identificou de forma compreensível e inequívoca (adiante indicaremos em que termos) os crimes que teriam de ser relevantes (no essencial) para a reincidência.

No texto do acórdão recorrido consta, a propósito:

(…) Por não verificação dos pressupostos formais relativos à dosimetria concreta da pena, fica desde já arredada a condenação do arguido como reincidente nos crimes de introdução em lugar vedado ao público e o crime de dano relativo ao NUIPC 302/23.

Quanto aos demais, porque as penas concretas são superiores a 6 meses de prisão, cumpre averiguar da verificação, ou não dos demais pressupostos.

A última condenação do arguido reporta-se a um crime de consumo de estupefacientes em que o arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão cometido em 17.03.2018, ou seja, é um crime doloso e a pena é superior a 6 meses de prisão.

A condenação anterior, reporta-se a 4 crimes de furto e dois crimes de roubo, cometidos. O último crime desta condenação, roubo, foi cometido em 31.10.2027 e por ele o arguido foi condenado na pena de 3 anos de prisão (cfr. fls. 650).

Importa agora ponderar se entre o cometimento destes crimes e os factos aqui sob julgamento decorreram ou não mais de 5 anos.

Os factos dos presentes autos decorreram entre Maio e Julho de 2023, ou seja, decorridos mais de 5 anos desde o crime de consumo ter sido praticado.

Antes, importa recordar que resulta dos autos que o crime de consumo de estupefacientes foi amnistiado, amnistia que, nos termos do disposto no artigo 75º, nº 4 Código Penal não obsta à verificação da reincidência (4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.)

Nos termos do disposto no artigo 75º, nº 2 Código Penal, para a contabilização dos 5 anos, não releva o lapso temporal em que o arguido esteve privado da liberdade termos em que, resultando provado que o arguido esteve privado da liberdade entre 09.07.2017 até 25.11.2021, é manifesto que também este pressuposto forma se tem por verificado.

Aqui chegados, e preenchidos que se mostram todos os pressupostos formais, resta apreciar pela verificação, ou não, do pressuposto material de se concluir que a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime, o que, em face do que supra se deixou já referido, e para onde se remete, relativamente à falência da pena de prisão cumprida e ao cometimento do crime no decurso do prazo de liberdade condicional, é manifesto que se verifica.

Nessa medida, cumprindo condenar o arguido como reincidente em relação a todos os crimes cujas penas o admitem, dispõe o artigo 76º, nº 1 Código Penal que:

Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores termos em que o Tribunal decide agravar cada uma das penas concretas em 3 meses donde resulta, em síntese, a condenação do arguido nas seguintes penas parcelares (e que, adiantando já, indicamos na sua totalidade face ao problema a analisar , mais à frente , da justificação das condenações por reincidência):

(…)

As necessidades de prevenção especial, seja na sua vertente positiva de ressocialização, seja na sua vertente negativa de prevenção da reincidência, são elevadas.

Com efeito, se por um lado a integração social do arguido sempre foi deficitária, o seu certificado de registo criminal antes da prática dos factos aqui sob julgamento, já tinha averbadas 6 condenações, pela prática de 11 crimes, sendo que só um deles não era um crime contra a propriedade.

À data da prática destes factos o arguido já havia sido condenado em penas de prisão substituídas bem como em penas de prisão efectiva, estando em liberdade condicional concedida precisamente por cometimento de crimes de roubo e furto qualificado, termos em que é manifesto que a pena de multa não é suficiente para acautelar de forma que se repute de adequada e cabal as finalidades da punição.

(…)

O arguido tem antecedentes criminais nos moldes supra expostos, antecedentes que, vistos à luz dos crimes em apreciação, demonstram uma especial tendência para os crimes contra o património e a propriedade em especial (criminalidade também ela típica da toxicodependência).

Nenhuma das condenações anteriormente sofridas, sejam elas em prisão substituída, sejam elas em prisão efectiva foram suficientes para demover o arguido da persistência criminosa, o que o cometimento destes factos no decurso de liberdade condicional concedida no cumprimento de pena de prisão precisamente por crimes da mesma natureza apenas confirma e reforça.

Com efeito, do cumprimento de uma pena de prisão espera-se e visa-se a ressocialização do arguido e que a mesma tenha por um lado, a capacidade de fazer o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta e, por outro, demovê-lo do cometimento de novos crimes.

In casu, a prisão do arguido não alcançou nenhuma das suas finalidades o que resulta à saciedade seja pelo cometimento de ilícitos no decurso do prazo de liberdade condicional, seja pela natureza de tais ilícitos, seja, ainda, pelo seu elevado número, uma vez que não é irrelevante, antes pelo contrário, o desprezo reiterado do arguido pelo património alheio, desprezo esse manifestado no cometimento de diversos e diferentes crimes e em ocasiões também elas distintas. (…)]

Na verdade, o arguido acabou por ser condenado como:

[ REINCIDENTE de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (263/23.3...)

COMO REINCIDENTE de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão e de um crime de furto simples (desqualificado pelo valor), previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (302/23.8...)

COMO REINCIDENTE, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (336/23.2...)

COMO REINCIDENTE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 14.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alíneas e) e f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (366/23.4...)

REINCIDENTE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alínea f) e n.º 2 alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão e de um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, previsto e punido pelo artigo 225.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (374/23.5...)

REINCIDENTE, de um crime de furto simples, desqualificado pelo valor, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 4, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (377/23.8...)

COMO REINCIDENTE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão (380/23.0...

COMO REINCIDENTE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alíneas e) e f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão (378/23.8...)

COMO REINCIDENTE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1 alínea f) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (381/23.8...);

COMO REINCIDENTE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 1 alínea f), 2 alínea e) e 3 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão (382/23.6...);

Em 06.07.2023, COMO REINCIDENTE, um crime de roubo, desqualificado pelo valor, previsto e punido pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 4 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (396/23.6...)].

Pois bem.

É considerada como pressuposto material da reincidência a manifestação de uma atitude pessoal de desconsideração pela solene advertência contida na condenação anterior (pressuposto este exigido pelo art. 75.º, n.º 1, in fine, do CP).

Nas palavras de Maria João Antunes :- “Nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 75.º do CP, é pressuposto (material) da reincidência que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. Formulação que é significativa da culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente e, consequentemente, do fundamento desta circunstância modificativa agravante, relativamente à qual a perigosidade do agente só releva de forma mediata. A censura do agente por não ter respeitado a condenação ou as condenações anteriores exige o estabelecimento de uma conexão íntima entre o crime (ou crimes) anterior (anteriores) e o reiterado que deva considerar-se relevante do ponto de vista da culpa.”

Ensina o Prof. Figueiredo Dias (op. cit) que “o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e daquela culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (v.g., o afeto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de atuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores.

Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão, é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel.»

Do mesmo passo, “(…) a reiteração criminosa pode ocorrer por causas fortuitas ou exógenas e, nestas circunstâncias, não deve operar a reincidência. A mera existência de condenações anteriores não é suficiente, exigindo-se uma “específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor»

Assim, voltando ao caso concreto, socorrendo-nos aqui, por economia de esforços, do excelente resumo contido no parecer do MP, há que perceber melhor a consideração a ter em conta, enunciando-os claramente, quanto aos crimes concretos anteriores aos dos autos, efectivamente relevantes para a condenação por reincidência pois que a explicação do tribunal, salvo o devido respeito, foi confusa e não está suficientemente clara, certamente por motivos ligados à dificuldade e complexidade do processo.

Na verdade, a esse propósito acertadamente se escreveu em parecer do MP.º:

“ (…)

resulta dos autos que o crime de consumo de estupefacientes foi amnistiado, amnistia que, nos termos do disposto no artigo 75º, nº 4 Código Penal não obsta à verificação da reincidência (4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.)

(…)

O recorrente, depois de referir entender como excessivas as penas parcelares e única, debruça-se acerca da questão da reincidência.

Ora, quanto a esta matéria, é nosso parecer que, em parte, deverá ser-lhe dada razão em termos de no acórdão recorrido se verificar falta de fundamentação dos motivos que justificaram a conclusão alcançada.

Na verdade, sendo completamente acertado tudo o que o recorrente refere quanto às exigências que a lei contém para que alguém seja considerado reincidente (e muitos mais acórdãos poderiam ser referidos, para além dos indicados, no sentido de que a conclusão no sentido da reincidência não pode apenas decorrer da circunstância de o arguido ter condenações anteriores, o tempo de prisão da condenação anterior e a condenação a aplicar, bem como o espaço de tempo decorrido, sendo exigível que das circunstâncias do caso se conclua no sentido de que – como referido no artº 75º do CPP - é de censurar o agente por a condenação ou as condenações anteriores não terem servido de suficiente advertência contra o crime), exigências que o acórdão recorrido igualmente refere – até com transcrição de doutrina a propósito, pode entender—se como algo parca, ou pelo menos confusa, a fundamentação utilizada para se entender pela verificação da figura.

É certo que ficou dado como provado que:

«67. O tempo que esteve privado da liberdade e as condenações sofridas, não foram suficientemente dissuasoras da prática de novos ilícitos criminais.

68. Os factos dados como provados e as anteriores condenações, associadas, revelam a indiferença do arguido em relação às condenações e ao cumprimento de pena de prisão sofridas em momento anterior.

69. Revelam, igualmente, dificuldade de adopção de comportamentos conformes ao direito e ausência de interiorização do desvalor das suas condutas e da valia dos bens jurídicos violados.»

E que acerca desta matéria não se verificou recurso, podendo, formalmente, entender-se que tal matéria se mostra fixada, por inércia do recorrente (lembre-se que não existiu matéria acerca da matéria de facto).

No entanto, como se referiu atrás, - e sempre salvo o devido respeito por opinião contrária – parece-nos existir alguma falta de fundamentação quanto a este aspeto.

Pelo menos, existe alguma confusão nessa fundamentação, que leva a dúvidas – que não podem subsistir – quanto aos efetivos fundamentos da agravação.

Efetivamente, mesmo na matéria de facto dada como provada em momento anterior àquelas conclusões atrás transcritas, existem omissões que reputamos de relevantes, assim como dúvidas que entendemos deverem ser esclarecidas. Assim, é ali referido que:

«a. Por decisão de 17.12.2007, transitada em julgado em 01.02.2008, foi condenado pela prática em 19.03.2007 de um crime de furto qualificado na pena de 15 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, pena declarada extinta por inexistência de causas de revogação.

b. Por decisão de 09.07.2009, transitada em julgado em 08.09.2009, foi condenado pela prática em 25.07.2006 de um crime de furto qualificado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, pena declarada extinta por inexistência de causas de revogação da suspensão.

c. Por decisão de 11.06.2014, transitada em julgado em 11.07.2014, foi condenado pela prática em 08.08.2013 de um crime de roubo na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pena declarada extinta por inexistência de causas de revogação.

d. Por decisão de 19.11.2017, transitada em julgado em 11.01.2018, foi condenado pela prática em 03.02.2017 de um crime de furto qualificado na forma tentada na pena de 10 meses de prisão.

e. Por decisão de 22.06.2018, transitada em julgado em 07.03.2019, foi condenado pela prática em 17/18.06.2917, 18/21.06.2017, 11.07.2017 e 24.10.2017 de 4 crimes de furto qualificado e em 23.10.2017 e 31.10.2017 de 2 crimes de roubo na pena de 7 anos de prisão.

f. Por decisão de 15.07.2020, transitada em julgado em 30.09.2020, foi condenado pela prática em 17.03.2018 de um crime de consumo de estupefacientes na pena de 7 meses de prisão.

g. Por decisão de 03.02.2023, transitada em julgado em 06.03.2023, foi condenado pela prática em 15.01.2023 de um crime de condução em estado de embriaguez nas penas de 6 meses de prisão substituída por 110 dias de multa e 4 meses de proibição de conduzir.»

Desde logo, atenta a antiguidade da algumas destas condenações, suspeitas podem ser levantadas quanto a não poderem ser já objeto de apreciação para efeitos de reincidência.

É que – como referido no acórdão deste STJ de 10.05.2016, no processo 216/14.2GBODM.E1 (Relatora – a atual Conselheira Ana Barata de Brito):

«I. A lei (n.º 57/1998 e, depois, a n.º 37/2015) é inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido tenha delinquido nesses prazos.

II. O “cancelamento dos registos” significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena.

III. Uma vez verificada a hipótese determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.

IV. O aproveitamento judicial de informação que por inoperância do sistema se mantenha no CRC é ilegal, e viola ainda o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo”.

V. Se o CRC visa informar o tribunal do passado criminal do condenado, e se a lei ordenou o cancelamento dos registos, o arguido tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais que indevidamente permaneçam “ativos”, são de tratar como inexistentes e de nenhum efeito.

VI. Também ao sistema de registo preside a intenção de restringir a estigmatização social do delinquente e o conteúdo dos certificados de registo criminal limita-se ao que é verdadeiramente essencial ao processo e ao direito penal conhecer.».

Ora, como já se referiu, algumas das condenações referenciadas são já bastante antigas, algumas quase de há 3 décadas, suspeitas existindo de que tenham ficado ‘esquecidas’ no CRC, não tendo sido cumprido o disposto nas leis atrás mencionadas, nomeadamente no artº 11º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 05.05, quando ali se refere, na alínea a) que:

«1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:

a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente […]».

«Ou seja, não se tendo apreciado esta situação (por exemplo atestando-se a relevância de tais antecedentes para efeitos de reincidência, por se encontrarem corretamente ainda inseridos no registo, por aplicação da última parte daquele mesmo preceito quando ali se refere que aquele cancelamento nos prazos mencionados não se verificará «desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza») – ou, pelo menos, não sendo na decisão referenciado algo acerca desta questão, fica a dúvida quanto a tais antecedentes terem sido, ou não – e legitimamente, ou não – tidos em conta.

Haveria, concretamente, que referenciar quais os antecedentes, em concreto, que motivaram a decisão, afastando expressamente os que (eventualmente) não tiveram peso nessa decisão.

Note-se que o acórdão recorrido, certamente dado o volume do processo e do serviço colocado a cargo do tribunal, acabou por nem esclarecer quais, na prática, as condenações de que se serviu para concluir pelo preenchimento, até, dos requisitos formais constantes no artº 75º do CPP, ou seja, qual ou quais as condenações a que deu relevância direta em termos de penas superiores a 6 meses de prisão aplicadas, tão pouco esclarecendo de forma necessariamente clara, como efetuou a contagem dos 5 anos mencionados no mesmo preceito.

Na verdade, depois dos pontos atrás transcritos, surgem como provados os seguintes (aos quais se sucede a conclusão de se mostrar provada a reincidência):

«64. No Proc. 554/17.2..., AA foi detido a 09.11.2017 para primeiro interrogatório judicial tendo ficado sujeito a prisão preventiva no dia 10.11.2017, situação em que se manteve até 09.02.2018.

65. Em 09.02.2018, foi desligado do Proc. 554/17.2... e ligado ao Proc. 90/17.7... para cumprimento da pena em que ali foi condenado, situação que se manteve até 09.09.2018, data em que foi novamente ligado ao primeiro.

66. Em 25.11.2021 foi-lhe concedida liberdade condicional pelo tempo de prisão que lhe faltaria cumprir, isto é, até 09.03.2024.»

Ora, dos factos provados nem se fica a saber a que crimes correspondem estas condenações (nos pontos anteriores não foi efetuada referência ao número dos processos, referência que apenas surge aqui algo desgarrada). Assim, quando depois, no ponto 67. Se conclui que «O tempo que esteve privado da liberdade e as condenações sofridas, não foram suficientemente dissuasoras da prática de novos ilícitos criminais», não se entende se as condenações anteriores são apenas as referidas nos pontos anteriores (64, 65 e 66), se são todas as anteriormente indicadas (a que nos referimos atrás como distantes no tempo), como igualmente não se mostra efetuada ligação entre as atividades aí em causa e as que são objeto do presente processo.

Aliás, mesmo depois, aquando da fundamentação de se ter concluído no sentido da reincidência, o acórdão refere o seguinte:

«A última condenação do arguido reporta-se a um crime de consumo de estupefacientes em que o arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão cometido em 17.03.2018, ou seja, é um crime doloso e a pena é superior a 6 meses de prisão.

A condenação anterior, reporta-se a 4 crimes de furto e dois crimes de roubo, cometidos. O último crime desta condenação, roubo, foi cometido em 31.10.2027 e por ele o arguido foi condenado na pena de 3 anos de prisão (cfr. fls. 650).

Importa agora ponderar se entre o cometimento destes crimes e os factos aqui sob julgamento decorreram ou não mais de 5 anos.

Os factos dos presentes autos decorreram entre Maio e Julho de 2023, ou seja, decorridos mais de 5 anos desde o crime de consumo ter sido praticado.

Antes, importa recordar que resulta dos autos que o crime de consumo de estupefacientes foi amnistiado, amnistia que, nos termos do disposto no artigo 75º, nº 4 Código Penal não obsta à verificação da reincidência (4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.)

Nos termos do disposto no artigo 75º, nº 2 Código Penal, para a contabilização dos 5 anos, não releva o lapso temporal em que o arguido esteve privado da liberdade termos em que, resultando provado que o arguido esteve privado da liberdade entre 09.07.2017 até 25.11.2021, é manifesto que também este pressuposto forma se tem por verificado.»

Sucede que, também por aqui não se consegue compreender se o acórdão teve em consideração para a reincidência apenas a condenação pelo crime de consumo de estupefacientes, se também a anterior, reportado à prática de crimes de furto. (sublinhado nosso)

E daqui que seja legítimo que o recorrente parta do princípio que apenas a condenação pela prática do crime de consumo (e ainda um de crime de condução em estado de embriaguez) tenha fundado a reincidência, a isso se opondo, referindo, entre o mais, que «Ambos os crimes pelos quais o arguido veio a ser condenado no período dos últimos cinco anos tem bens jurídicos e natureza diversa dos crimes dos presentes autos, não se tratando nenhum deles de crimes contra propriedade alheia e integridade física».

Matéria que, desta forma, cumprirá ver mais bem explicitada, afastando-se as dúvidas quanto às condenações que efetivamente estiveram na base e justificaram, e porquê, o concluir-se estar-se perante arguido reincidente.(…)]

Consequentemente, damos inteira razão a esta chamada de atenção sobre as dúvidas acerca da forma como foi aplicada a reincidência, acerca de quais os crimes anteriores efectivamente considerados como relevantes, de quais os nºs de processo a que respeitam, e as penas parcelares de cada um, a que acrescentaremos ainda, em nota final, neste segmento do recurso, a necessidade de se justificar de forma mais assertiva e compreensível qual a relevância (se é que foi tida em conta) da condenação pelo crime de consumo de estupefacientes (face aos crimes cometidos de evidente natureza diferenciada, afectando sobretudo bens jurídicos patrimoniais e pessoais) e qual a justificação também quanto à reincidência na condenação pela prática (que nos autos aparece isolada) do crime de abuso de cartão de garantia (que não está explicada, apesar de ser um crime que também afecta o bem jurídico património, mas não só.)

Em suma, há que eliminar tais dúvidas, suprir as omissões indicadas e esclarecer a metodologia de determinação das penas parcelares.

Em remate derradeiro sobre este tema das penas parcelares e por extensão à pena unitária, a apreciação concreta final fica agora prejudicada já que as mesmas terão de ser redefinidas quanto ao critério da reincidência enunciado (artº 75.º do CP), com o limite de não poderem vir a sê-lo em patamares superiores às já fixadas sob pena de violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.

4. Da perda de vantagens

Na decisão recorrida o tribunal a quo decidiu neste segmento:

[(…)

1. PERDA DE VANTAGENS

Estabelece o artigo 110º Código Penal que 1 - São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.

5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.

6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.

(…) In casu, as vantagens obtidas pelo arguido traduzem-se no valor dos bens por si subtraídos e bem assim nas quantias monetárias que fez suas.

Resultou demonstrado que a vantagem patrimonial obtida pelo arguido com a prática dos crimes de furto ascendeu a € 4.772,8 (quatro mil setecentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos), resultantes da soma dos seguintes valores: € 55,5 (NUIPC 302/23) + € 2.982,5 (NUIPC 366/23) + € 275 (NUIPC 374/23 crime de furto qualificado) + € 459,9 (NUIPC 374/23 crime de abuso de cartão) + € 10 (NUIPC 377/23) + € 139,35 (NUIPC 380/23) + € 130,40 (NUIPC 378/23) + € 110 (NUIPC 381/23) + € 600 (NUIPC 382/23) + € 10 (NUIPC 396/23).

Parte de tal quantia, € 80, foi apreendida no NUIPC 381/23 e já entregue ao seu legítimo proprietário (cfr. termo de entrega de fls. 221).

Quanto à diferença, € 4.692,8 (quatro mil seiscentos e noventa e dois euros e oitenta cêntimos) não sendo possível apreendê-la em espécie, ao abrigo do disposto no artigo 110.º n.º 1 alínea a), 4.º do Código Penal, condena-se o arguido a pagá-la ao Estado sem prejuízo dos ofendidos poderem vir a requerer a atribuição da sua co-parte nas sobreditas quantias, nos termos do disposto no artigo 130º do Código Penal. (…)”]

A propósito desta declaração de perda, vem o recorrente impugnar os montantes, dizendo:

“O tribunal recorrido veio declarar perdidas a favor do Estado a quantia de € 4.692,8 (quatro mil seiscentos e noventa e dois euros e oitenta cêntimos) resultante da vantagem patrimonial obtida pelo arguido com a prática dos crimes dos presentes autos.

Contudo, tendo em conta os factos dados como provados, o tribunal a quo, não consegue precisar todos os valores que teria o arguido obtido, nomeadamente:

- € 55,5 (NUIPC 302/23), na medida em que, conforme resulta da matéria factual provada, tal quantia não se logrou apurar no valor exacto

- € 2.982,5 (NUIPC 366/23) – na medida em que, deste valor, não foi possível apurar as notas e moedas do Banco Central Europeu que se encontravam dentro do leitor de notas e moedeiro, presumindo-se que se tratava de cerca de € 500.

- € 130,40 (NUIPC 378/23) – na medida em que, da máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas onde o arguido teria forçado fisicamente e estroncou a respectiva fechadura, não se conseguiu apurar o valor obtido pelo arguido.

Uma vez que não consta da matéria dada como provada a quantidade exacta e concreta de tais valores obtidos pelo arguido, a mesma não deveria ter sido dada como perdida em favor do Estado - o que se requer.]

Vejamos então:

No Nuipc «302/23(…)» ficou assente:

“ (… Após proceder à abertura da máquina de venda de produtos alimentícios e de bebidas, o arguido retirou do seu interior, o moedeiro e respectivo conteúdo, moedas, levando consigo e fazendo sua, quantia cujo valor exacto não se logrou apurar, mas não superior a 55,50€, abandonando o local.”

Neste caso, provou-se que levou moedas consigo, cujo valor exacto não se apurou, mas que não seriam de valor superior a 55,50 euros.

Isto significa apenas que levou moedas em quantia indeterminada não superior a 55,50 euros. Portanto, tanto poderiam ter sido de valor equivalente a este montante como inferior. Diferentemente se concluiria se tivesse sido demonstrado e provado que o valor seria não inferior a esse limite.

O tribunal considerou que “(…) as vantagens obtidas pelo arguido traduzem-se no valor dos bens por si subtraídos e bem assim nas quantias monetárias que fez suas.”

A contabilização de uma perda de vantagem deve aferir-se ao valor exacto do que o arguido fez seu. Neste caso, desconhecendo-se o valor exacto subtraído, que poderia oscilar entre duas moedas de euro de menor valor existente em circulação e aqueles 55,50 euros, na dúvida não se pode condenar o arguido em perda de vantagem por quantia cujo valor se desconhece, a não ser pelo mínimo subtraído possível equivalente ao menos a 2 moedas de euro de valor mínimo.

A perda de vantagem deve ser, pois, rectificada no valor tendo em conta esta análise.

No Nuipc «366/23(…)»:

“(…) Já no interior da área técnica, forçou a fechadura da divisão que permite o acesso ao dispositivo de pagamento das máquinas de lavar self service, acercou-se de tal dispositivo, desligou os cabos, removeu os trincos, e dali retirou, levando consigo e fazendo seus, o leitor de cartões de clientes, no valor de € 570, o leitor de notas de no valor de € 870, o pote moedeiro no valor de € 1.042,5 e, bem assim notas e moedas do Banco Central Europeu que se encontravam dentro do leitor de notas e moedeiro, em valor que em concreto não foi possível apurar mas de cerca de € 500, após o que abandonou o local. “

Ora, aqui os valores estão determinados sem dúvida alguma e atingem o valor calculado na decisão de perda. O tribunal declarou provado que as notas tinham o valor de cerca de 500 euros (podiam ser mais ou menos mas dentro desse valor) e essa matéria de facto não foi impugnada). Diferentemente seria de concluir se o tribunal tivesse dado como assente (e não deu) que o valor não seria superior a 500 euros, o que geraria uma conclusão idêntica ao raciocínio extraído no primeiro dos casos, sendo por isso, se assim fosse, redutível a pelo menos a 2 notas de 5 euros.

Consequentemente, o valor apurado neste segmento está correcto não tendo razão o recorrente.

No Nuipc «378/23(…)»:

“(…) A dado momento subiu as escadas do edifício e dirigiu-se às instalações da Secção do Juízo de Competência Genérica do ..., onde abriu diversos armários e gavetas, designadamente uma gaveta da secretária de DD, de onde retirou, levando consigo e fazendo seus, dois maços de tabaco da marca “Ventil”, no valor de 10,40€ (dez euros e quarenta cêntimos) e uma carteira de cortiça que tinha no seu interior a quantia de 20,00€ em moedas do Banco Central Europeu.”

Neste caso, nem se compreende a impugnação pois os valores subtraídos estão perfeitamente contabilizados exactamente em correspondência com os valores efectivamente apropriados (tabaco e moedas)

Apenas se altera, deste modo, a decisão, nos termos do supra referido quanto ao Nuipc «302/23(…)»

III- DECISÃO

3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente provido, anulando-se parcialmente a decisão recorrida nos pontos assinalados, devendo os autos regressar à 1ª instância para serem supridas as omissões e dúvidas enunciadas quanto à fundamentação (processo 262/23), à reincidência (crimes concretos anteriores, conexão com os dos autos e redefinição da metodologia de determinação das penas parcelares) e à rectificação do valor da perda de vantagem tendo em conta a redução assinalada no caso do Nuipc «302/23(…)».

STJ, 31 de Outubro de 2024

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (art.º 94º do CPP)

Agostinho Torres- (relator)

Jorge Gonçalves - (1.º adjunto)

Jorge dos reis Bravo- (2.º adjunto)

___________________




1. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/29bbee5ca962585b802573780052cc32?OpenDocument↩︎