Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | SECÇÃO DO CONTENCIOSO | ||
Relator: | CHAMBEL MOURISCO | ||
Descritores: | CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL APOSENTAÇÃO COMPULSIVA DIREITO A PENSÃO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR NULIDADE | ||
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Apenso: | |||
Data do Acordão: | 05/27/2020 | ||
Votação: | MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE CONTENCIOSO | ||
Decisão: | JULGADA IMPROCEDENTE POR MAIORIA | ||
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Sumário : |
I. Num procedimento por iniciativa de um particular, por não ter natureza oficiosa, não há que aplicar o disposto no art.º 128.º, n.º 6, do CPA, segundo o qual os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias. II. A omissão de decisão no prazo legal geral confere, apenas, ao recorrente a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados, nos termos do art.º 129.º do CPA, não ocorrendo assim causa de extinção do procedimento. III. A deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que não foi oportunamente impugnada, que aplicou a um juiz, que estava integrado no Regime Geral da Segurança Social, a pena de aposentação compulsiva, prevista no artigo 85.º, n.º 1, alínea f. do EMJ, na versão que vigorou até 31 de dezembro de 2019, por estarem preenchidos os requisitos para a aplicação de uma pena de natureza expulsiva, nos termos do art.º 95.º do EMJ, não enferma do vício de nulidade, por não ter incidido sobre objeto impossível, ocorrendo apenas a falta de um requisito ao visado para que lhe fosse aplicada tal pena, ou seja a inscrição na CGA. IV. As referidas deliberações, na medida estrita do que foi decidido, não enfermam de nulidade, na aceção prevista no art. 161.º, n.º 2, alínea d. do CPA, por ofenderem o contéudo essencial de um direito fundamental, no caso o direito à segurança social e ao recebimento de uma pensão, pois essas deliberações não têm a virtualidade de excluir o direito a uma pensão, que será sempre atribuída se estiverem reunidos os respetivos requisitos legais. Chambel Mourisco | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 52/19.0YFLSB
Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, veio impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 23 de abril de 2019, pedindo que seja declarado nulo o ato administrativo corporizado na deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 14 de junho de 2016 que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva, por inexequibilidade da mesma, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 90.º n.º 1 e 106.º, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 161° n° 1, alíneas c) e d), 162°, 165° n° 2, 166°, "a contrario sensu" e 171°, todos do Código do Procedimento Administrativo. Concluiu nos seguintes termos: 1) O presente recurso vem interposto do teor da deliberação emanada pelo Plenário do Colendo Conselho Superior da Magistratura, em 23 de abril de 2019 e notificada ao recorrente em 04 de setembro de 2019. 2) Ao recorrente, foi instaurado processo disciplinar, na sequência de notação de "medíocre" que lhe foi atribuída no âmbito de inspeção ordinária ao serviço prestado nas então Comarcas …, … e …. 3) Que culminou na aplicação, ao ora recorrente, através de deliberação do Plenário do Colendo Conselho Superior da Magistratura, datada de 14 de junho de 2016 e notificada em 30 de junho do mesmo ano, de uma pena disciplinar de aposentação compulsiva, nos termos do disposto nos artigos 95.º n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, em vigor naquela data. 4) Através do despacho n° 13997/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série - n° 223, de 21 de novembro de 2016), proferido em 9 de novembro de 2016, mas datado de 1 de novembro de 2016, feriado nacional, certamente por lapso, foi o recorrente desligado do serviço para efeitos de aposentação compulsiva. 5) Porém, desde a data de tal desligamento do serviço, o recorrente nada percebeu em termos de pensão de reforma. 6) E não foi notificado ou contactado por qualquer serviço, quer da Direção Geral da Administração da Justiça, quer da Segurança Social, quer do Colendo Conselho Superior recorrido, para esse efeito. 7) Desde a data do desligamento do serviço e até ao dia 11 de agosto de 2017, data em que o recorrente resolveu atravessar requerimento nos autos do processo disciplinar. 8) Nos termos do qual, suscitou a questão da nulidade da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, por considerar que lhe foi aplicada pena disciplinar legalmente inaplicável, atento o seu regime contributivo. 9) Impeditivo da aplicação de pena dessa natureza a situações como a do aqui recorrente. 10) Uma vez que o recorrente, por estar integrado no Regime Geral da Segurança Social, não possuía número de anos na função de juiz de Direito que lhe permitissem auferir uma pensão de reforma. 11) Tendo apresentado argumentação, suficientemente estribada em pareceres, decisões e normas legais, para se concluir que a aplicação de uma pena disciplinar dessa natureza implica, forçosamente, a atribuição de uma pensão de reforma. 12) Assim e em condições normais, a aplicação de uma pena disciplinar de aposentação compulsiva, implicaria que seria devida ao recorrente uma pensão, cujo montante haveria de ser calculado em função da situação contributiva daquele, o que não sucedeu. 13) Ou seja, o recorrente, nunca recebeu qualquer notificação que lhe desse conhecimento de que não tinha direito a qualquer pensão. 14) Aguardou, por isso, durante meses que lhe fosse comunicado o seu direito a perceber uma pensão e qual o montante da mesma, ou que não tinha direito a dela beneficiar. 15) Apenas em abril de 2018, após a remessa do requerimento datado de 11 de agosto de 2017, o recorrente viu a sua pretensão tratada. 16) Tendo sido emitido parecer, pelo Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, datado de 04 de abril de 2018. 17) Onde foi referido que a situação do recorrente havia sido objeto de decisões e parecer, alegadamente notificados ao recorrente. 18) Por corresponder à verdade, o recorrente nunca teve conhecimento de tais despachos ou parecer, não tendo recebido qualquer notificação a esse respeito, fosse porque meio fosse. 19) Tendo, por isso, ficado bastante surpreendido com a alegação de tais factos. 20) Ainda hoje, o recorrente desconhece o teor de tais decisões e parecer. 21) Sendo certo que, se tivesse sido notificado dos mesmos, seguramente, teria reagido em tempo útil. 22) Na verdade, o respeitável Conselho Superior respondeu a tal requerimento cerca de nove (9) meses depois e apenas através do parecer acima referido, datado de 04 de abril de 2018, homologado por despacho do Senhor Vice-Presidente em 06 de abril de 2018 e notificado ao recorrente em 11 de abril de 2018. 23) E onde são referidos factos, decisões e parecer que nunca chegaram ao conhecimento do recorrente, ao contrário do que ali é alegado. 24) Não tendo sido junto, pelo vetusto Conselho Superior recorrido, qualquer expediente a comprovar as notificações que alega ter expedido para o recorrente. 25) Na ausência de qualquer outra comunicação ou notificação, o recorrente aguardou então que tais doutos pareceres e despacho homologatório fossem ratificados pelo Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, órgão competente para esse efeito. 26) Ou que o mesmo proferisse decisão sobre o requerimento apresentado pelo recorrente em agosto de 2017. 27) O que não sucedeu, vendo-se o recorrente obrigado, em 17 de dezembro de 2018, a atravessar novo requerimento para esse efeito. 28) Onde alegou, sumariamente, que, tendo arguido a nulidade da deliberação que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva, por inexequibilidade da mesma, não tinha sido ainda objeto de qualquer resposta por parte daquele Colendo Conselho Superior. 29) Mostrando-se, nessa data, já exauridos todos os prazos legais para esse efeito. 30) Na verdade, o prazo-regra para a emissão de decisão, é de 90 dias e encontra-se enunciado no disposto no art.º 128.º n.º 1, do CPA, podendo ser alargado por circunstâncias excecionais, em caso de prorrogação ou necessidade de formalidades especiais, conforme disposto nos art.º 128.º n.ºs 1 e 2 do CPA e podendo até ser mais curto em certos casos de procedimentos específicos. 31) No presente caso, verificou-se que tais prazos se exauriram de há muito, sem que ao recorrente tivesse sido notificada qualquer decisão sobre o que requereu, em agosto de 2017. 32) Prazos esses que haviam já sido ultrapassados aquando da notificação do parecer e do alegado despacho homologatório, notificados ao recorrente em abril de 2018, ou seja, cerca de oito meses depois da apresentação do requerimento, em agosto de 2017. 33) Entendeu, por isso, o recorrente, salvo o devido respeito, que o Colendo Conselho Superior recorrido não havia dado uma resposta formal à sua pretensão até àquela data. 34) Decisão essa que tinha de ser proferida pelo órgão competente para esse efeito, ou seja, o Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura. 35) Já que, no seu entendimento, o parecer que lhe foi remetido, não configurava qualquer decisão quanto ao que foi requerido em agosto de 2017. 36) Uma vez que, o requerimento apresentado pelo recorrente, apenas podia ser objeto de decisão por parte do Plenário do douto Conselho Superior. 37) Tendo em conta que, pelos fundamentos dele constantes, colocou em crise uma decisão emanada desse órgão. 38) Acresce que, consultadas as deliberações de delegação de competências do Plenário do Conselho Superior para o Exmo. Senhor Vice-Presidente, publicadas no Diário da República, 2.ª Série, n° 224, de 21 de novembro de 2018, de nenhuma delas se retirava que o Exmo. Senhor Vice-Presidente tivesse competência para decidir em matérias relacionadas com nulidades ou anulabilidades de deliberações do Conselho Plenário. 39) Assim, a existência de um dever de decisão e prazos que não foram respeitados, gerou “in casu" inércia da administração. 40) Por terem sido ultrapassados os prazos de resposta e aquela se ter mantido em silêncio, o que configura a existência, também, de uma omissão legal. 41) Tal atuação do douto Conselho Superior de Magistratura não pode passar incólume, uma vez que foi lesiva de direitos do aqui recorrente. 42) Com efeito, somente após a expedição do requerimento datado de 17/12/2018, é que o assunto voltou a ser tratado pelo Conselho Superior da Magistratura, conforme comprovam as deliberações datadas de 05 de fevereiro de 2019 e de 23 de abril de 2019. 43) E que somente foram notificadas ao ora recorrente em 04 de setembro de 2019, na sequência de um telefonema efetuado para o Conselho Superior da Magistratura, em 03 de setembro de 2019, por um familiar daquele. 44) Se assim não fosse, provavelmente o recorrente ainda não teria sido notificado do teor das mesmas, o que reflete bem as condutas que têm vindo a ser adotadas pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura. 45) Em resposta ao requerimento apresentado pelo recorrente em 17/12/2018, foi proferida a informação anexa às deliberações de 05/02/2019 e 23/04/2019, nos termos da qual, a invocada nulidade ainda não tinha sido objeto de decisão, por ser o Conselho Plenário órgão competente para apreciação e decisão da mesma. 46) Na nota final de tal informação, diz-se que o recorrente não arguiu a nulidade do despacho do Exmo. Vice-Presidente do Conselho Superior, o que veda a aplicação do disposto no n° 2, do Art.º 164.º, do CPA, à presente situação. 47) Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, não se concorda com o teor da sobredita informação, nessa parte. 48) Desde logo porque, o recorrente arguiu a falta de fundamentação daquele despacho. 49) Referindo que o princípio da fundamentação dos atos é um princípio basilar do ordenamento jurídico de qualquer Estado de Direito e a sua ausência tem consequências ao nível da perfeição e da eficácia dos mesmos. 50) O que significa, como aliás é consabido, que a falta de fundamentação tem, como consequência, em regra a nulidade, seja no âmbito de que jurisdição for. 51) Podendo haver, por isso, no presente caso e salvo o devido respeito, lugar à aplicação do disposto no art.º 164° n.º 2, do CPA. 52) Resulta do teor da deliberação aqui em crise e que indefere a pretensão do recorrente, que a mesma "abraça" o teor do douto parecer do GAVPM elevando-o a parte integrante daquela decisão. 53) Sendo, portanto, o teor de tal douto parecer que importa impugnar e rebater, para os devidos e legais efeitos. 54) A argumentação esgrimida no douto parecer em questão e salvo o devido e merecido respeito, que é muito, não infirma o alegado pelo recorrente no requerimento por si apresentado, em 11 de agosto de 2017. 55) Desde logo porque o parecer do GAVPM ali referenciado, não refere, nem responde à "vexata quaestio" que é a de se saber se aplicação de uma pena disciplinar de aposentação compulsiva implica forçosamente a atribuição de uma pensão. 56) A situação retratada em tal parecer, refere-se apenas à eventual atribuição de uma pensão provisória naquele âmbito. 57) E não se refere a magistrado judicial com um número de anos de serviço que lhe não permite perceber uma pensão de reforma em caso de aplicação de pena disciplinar daquela natureza. 58) O que, desde logo, na modesta opinião do recorrente, seria sempre impeditivo da aplicação de uma pena de aposentação compulsiva. 59) E se dúvidas restassem, que não restam, atente-se no disposto no art.º 106.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais ainda vigente, que estatui que, "a pena de aposentação compulsiva implica a imediata desligação do serviço e a perda dos direitos e regalias conferidos por este Estatuto, sem prejuízo do direito à pensão fixada na lei". 60) E no disposto no art.º 90.º n.º 1, do mesmo Diploma Legal, onde se estatui que "a pena de aposentação compulsiva consiste na imposição da aposentação". 61) Sendo que, esta norma, na modesta opinião do recorrente espelha de forma límpida a natureza de tal pena disciplinar. 62) Assim, o regime contributivo do ora recorrente, atento o número de anos em que desempenhou as mui nobres funções de Juiz de Direito, revelava-se como impeditivo da possibilidade de o mesmo poder perceber uma pensão de reforma. 63) E o próprio Conselho Superior Recorrido, em Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 155/2015 - PD (Vogal Relator: Juiz de Direito, Dr. Gonçalo Oliveira Magalhães), tratou questão relacionada com a impossibilidade legal de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva a arguido em situação idêntica à do recorrente. 64) Concluindo pela não aplicação, nestes casos, de pena dessa natureza porque a mesma não permitida por Lei. 65) Nessa conformidade, o recorrido Conselho Superior de Magistratura tinha de se conformar com esta realidade jurídica e atuar de acordo com ela. 66) O que não sucedeu e vai contra decisão que, fazendo parte da Jurisprudência daquele douto Conselho Superior, devia ser levada em linha de conta em situações futuras idênticas. 67) Pelo que, a deliberação aqui em crise, ao ter aplicado pena disciplinar não permitida por lei, está ferida de nulidade, por violação de lei. 68) Nulidade essa que expressamente se deixa invocada para os devidos e legais efeitos. 69) E que terá como forçosa consequência, a anulação do ato administrativo corporizado na deliberação que aplicou ao signatário a pena disciplinar de aposentação compulsiva, nos termos do disposto nos art.os 161.º e seguintes, do CPA. 70) O que, através do presente recurso, mui respeitosamente, se requer. 2. O Conselho Superior da Magistratura apresentou resposta, tendo concluído que deverá ser julgado improcedente o presente recurso contencioso. 3. O recorrente apresentou alegações, tendo concluído como no requerimento inicial, pela procedência do presente Recurso de Contencioso e pela consequente anulação dos atos administrativos corporizados nas deliberações emanadas pelo Conselho Plenário, datadas, respetivamente, de 14/06/2016 e de 23/04/2019, por estarem feridas de nulidade, com as legais consequências daí decorrentes. 4. O Conselho Superior da Magistratura apresentou alegações, pronunciando-se pela improcedência do recurso, concluindo que quer a deliberação que aplicou a pena de aposentação compulsiva (deliberação de 14.06.2016), quer a deliberação que apreciou a reclamação apresentada pelo Recorrente com fundamento no parecer de 03.04.2018 (deliberação de 23.04.2019), não padecem de qualquer violação de lei, que conduza à sua invalidação 5. A Exma. Procuradora‑Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer no sentido da nulidade da deliberação impugnada, devendo, em consequência, a presente ação ser julgada procedente. 6. Cumpre apreciar e decidir, havendo que dar resposta às questões suscitadas pelo recorrente: ̶ Caducidade do procedimento que culminou com a deliberação impugnada; ̶ Saber se a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 23 de Abril de 2019, que indeferiu a arguição de nulidade da deliberação de 14 de junho de 2016, que lhe aplicou a sanção disciplinar de aposentação compulsiva, enferma do vício de violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 90.º, n.º1 e 106.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. 7. Fundamentação de facto: a) Na sequência da homologação da notação de Medíocre, por deliberação de 19/05/2015, foi instaurado processo disciplinar ao ora recorrente; b) O referido processo disciplinar culminou com a aplicação ao ora recorrente da pena de aposentação compulsiva, nos termos do disposto no artigo 95.º, n.º 1, alínea a) do EMJ, conforme deliberação do Plenário do CSM, de 14.06.2016; c) Notificado de tal deliberação o recorrente não apresentou impugnação; d) Nos termos do artigo 106.º do EMJ, foi o Recorrente desligado do serviço, através de despacho publicado em Diário da República, cessando funções, com efeitos reportados a 01.07.2016; e) Constatando que não lhe foi processada qualquer pensão, o Recorrente apresentou requerimento no CSM em 11/8/2017, suscitando a omissão de pagamento, bem como a nulidade da deliberação de 14/6/2016, por inexequibilidade da mesma; f) Foi elaborado parecer no Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente (GAVPM) do CSM, datado de 04.04.2018, em que se concluiu inexistir qualquer vício da decisão em causa, nem fundamento para a sua alteração; g) O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, na sessão plenária de 23 de abril de 2019, deliberou julgar improcedente a reclamação apresentada pelo Exmo. Sr. Dr. AA por inexistir qualquer vício da decisão em causa, nem fundamento para a sua alteração; h) O recorrente até ser desligado do serviço desempenhou funções de juiz de direito e estava integrado no Regime Geral da Segurança Social. 8. Fundamentação de direito: 8. a) O recorrente vem defender a caducidade do procedimento que culminou com a deliberação impugnada, invocando que o CSM não proferiu decisão relativamente ao seu requerimento, apresentado em 11/8/2017, no prazo previsto no art.º 128.º n.º 6, do CPA. A alegada disposição legal refere que os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias. No caso dos autos, temos que a deliberação do Plenário do CSM de 14/6/2016, que não foi impugnada, pôs termo ao procedimento que culminou com a aplicação ao ora recorrente da pena de aposentação compulsiva. Em 11/8/2017, o ora recorrente apresentou um requerimento ao CSM, no qual suscitava a falta de processamento e pagamento da pensão, invocando ainda nulidades da deliberação que lhe aplicou a referida pena. Neste contexto, estamos perante um procedimento da iniciativa do ora recorrente e não de um procedimento de iniciativa oficiosa, pelo que não há que aplicar a disposição legal citada ̶ art.º 128.º, n.º 6, do CPA. A omissão de decisão no prazo legal geral, que foi reconhecida pelo recorrido, confere, apenas, ao recorrente a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados, nos termos do art.º 129.º do CPA, não ocorrendo assim causa de extinção do procedimento. 8. b) O recorrente sustenta que a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 23 de Abril de 2019, que indeferiu a arguição de nulidade da deliberação de 14 de junho de 2016, que lhe aplicou a sanção disciplinar de aposentação compulsiva, enferma do vício de violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 90.º, n.º1 e 106.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. O Recorrente impugnou a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 23/04/2019, que indeferiu a arguição de nulidade da deliberação do mesmo órgão de 14/6/2016, que lhe aplicou a sanção disciplinar de aposentação compulsiva, sustentando que a deliberação padece do vício de violação de lei, atento o disposto nos artigos 90.º, n.º 1 e 106.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na versão que vigorou até 31 de dezembro de 2019, pois em seu entender tal pena não lhe podia ter sido aplicada, por ser inexequível, uma vez que estava integrado no Regime Geral da Segurança Social, não sendo subscritor da Caixa Geral de Aposentações, ofendendo ainda o conteúdo essencial de um direito fundamental. Segundo José Carlos VIEIRA DE ANDRADE, (Validade do ato administrativo, in AA.VV., Dicionário Jurídico da Administração Pública, Volume VII, Lisboa, 1996, pág. 581) a validade do ato administrativo é a «qualidade do ato administrativo que se constitui em conformidade com as normas jurídicas fundamentais que, em função do interesse público, regulam essa atuação de autoridade, sendo, por isso, apto à produção de efeitos jurídicos próprios […]» Trata-se de um requisito atinente a momentos intrínsecos do próprio ato, que afetam a sua validade e perfeição, e cuja verificação ou ausência se pode afirmar logo no momento constitutivo do procedimento. Ainda que a produtividade efetiva de um ato administrativo esteja em princípio associada à sua validade, existem atos válidos mas ineficazes (atos com eficácia diferida, condicionada ou suspensa), bem como atos inválidos, mas eficazes (atos anuláveis que, não sendo anulados no prazo legal, adquirem força de caso decidido). Isto pressupõe que nem todas as invalidades do ato administrativo sejam cominadas com a mesma sanção, pelo que se impõe o depuramento prévio, a nível normativo, dogmático e exegético, das figuras de nulidade e de anulabilidade. Eis o escopo das linhas que se seguem, cotejando as pertinentes disposições do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, doravante designado abreviadamente por CPA. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, tendo como elementos caraterizadores o facto de: i) o ato ser ab initio totalmente ineficaz, não produzindo qualquer efeito (cf. n.º 1 do artigo 162.º); ii) ser insanável quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, embora já não reforma ou conversão (cf. n.º 2 do artigo 162.º e n.º 2 do artigo 164.º); iii) ser suscetível de impugnação a todo o tempo perante os tribunais administrativos ou, em casos de impugnação das deliberações do CSM, como o dos autos, perante a Secção de Contencioso do STJ (artigo 162.º, n.º 2, do CPA, e 168.º, n.º 1, do EMJ); iv) ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo, sendo que v) o reconhecimento da nulidade tem natureza meramente declarativa (cf. artigo 162.º, n.º 2); e vi) conferir aos particulares o direito de desobediência e de resistência passiva perante execução de ato nulo. Já a anulabilidade reveste um desvalor menos gravoso, possuindo como traços essenciais o facto de o ato anulável ser: i) juridicamente eficaz e produzir todos os seus efeitos até ao momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão (cf. n.º 2 do artigo 163.º, a contrario sensu); ii) ser suscetível de sanação pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão (cf. artigo 164.º); iii) ser obrigatório para os particulares enquanto não for anulado; iv) carecer de impugnação num prazo certo e determinado ou fixado por lei (cf. artigos 163.º, n.º 2, do CPA, 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 169.º do EMJ); e v) a sentença que procede ao reconhecimento da anulabilidade do ato possuir natureza constitutiva (art.º 163.º, n.º 2, do CPA). No nosso ordenamento jurídico-administrativo a forma de invalidade da nulidade reveste de natureza excecional porquanto o regime regra é o da anulabilidade (Diogo FREITAS DO AMARAL ̶ Curso de Direito Administrativo – volume I,. 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 408 e 409 e José Carlos VIEIRA DE ANDRADE ̶ «Nulidade e anulabilidade do ato». Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, 2004, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, pp. 46 e 47). Segundo este último autor, num «sistema de administração executiva, como o português, a generalidade da doutrina está de acordo em que a anulabilidade constitui a “invalidade-regra”, em função das ideias de estabilidade (das relações jurídicas criadas pelos atos ou à sombra deles) e de autoridade (mas não já de “presunção de legalidade”), do ato administrativo — para uns porque a nulidade só existe nos casos expressamente previstos na lei; para outros, porque o regime da nulidade só se aplica em casos de vícios particularmente graves […]». O próprio CPA acolhe este regime, posto que, se no n.º 1 do artigo 163.º enuncia a anulabilidade como o desvalor jurídico de invalidade residual, supletivo ou regra («São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção»), no n.º 1 do artigo 161.º estatui o caráter excecional do desvalor de nulidade («São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade»). Mário ESTEVES DE OLIVEIRA / Pedro COSTA GONÇALVES / João PACHECO AMORIM (Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, 8.ª reimpressão, 2010, Coimbra, Almedina, pág. 645 ̶ anotação ao art. 133.º do CPA1991, corresponde ao art. 161.º do CPA2015) referem: «Estamos com REBELO DE SOUSA (RDJ, vol. VI, 1992, pág. 45), quando considera abrangidas nesta alínea c) do n.º 2 deste art.º 133.º todas aquelas noções possíveis de objeto do ato administrativo, quer se trate de uma situação concreta a que o ato se reporta (pode ser ininteligível) quer se trate do seu objeto imediato (do seu conteúdo ou medida, que pode constituir em si mesma um crime) quer se trate ainda do sue objeto mediato (da coisa, do bem sobre que recai esse efeito, que pode já não existir fisicamente). Não somos, também neste particular, adeptos de restrições conceituais, pois que o ato tem de ser sempre nulo, em qualquer destas hipóteses. São de objeto impossível os atos cujo efeito ou medida seja jurídica ou fisicamente impossível e não quando se trata apenas de efeitos proibidos pela ordem jurídica. Casos de objeto juridicamente impossível, temo-los, por exemplo, na revogação de um ato nulo ou na expropriação de um bem que já foi vendido à Administração expropriante; de atos de objeto fisicamente impossível, a ordem de demolição de um prédio que já ruiu ou a ordem de cessação de fabrico dado a uma empresa que ainda não tem instalações. A ininteligibilidade de um ato administrativo resulta, não de ele ser passível de duas ou mais interpretações, mas de não se saber o que aí se determina. Um ato de expropriação que pode ser lido de maneira diversa quanto às extremas da área expropriada nele estabelecidas, não cabe na precisão desta alínea, pedindo, porventura, aclaração (ou interpretação). Cabem nela, sim, por exemplo, as hipóteses em que se aplique a “sanção que legalmente cabe à infração cometida” ou em que se declare a utilidade pública de expropriação “do terreno que for necessário.» José Manuel SANTOS BOTELHO / Américo PIRES ESTEVES / José CÂNDIDO DE PINHO, (Código de Procedimento Administrativo. Anotado e Comentado. 5.ª edição. Coimbra: Almedina, 2002, pág. 796) anotam: «Segundo F. Gonzalez NAVARRO, seriam as seguintes as espécies de impossibilidade: 1) Impossibilidade física Abarca os casos de atos cujo objeto é inadequado à finalidade do ato, ou é de realização impossível. 2) Impossibilidade lógica Abrange os casos em que o conteúdo é indeterminado ou indeterminável ou contraditório (corresponde à nossa ininteligibilidade do objeto do ato). » Cfr. a já citada obra “Derecho…, tomo II, pág. 147. » Segundo RAMÓN PARADA (obra já citada, “Derecho Administrativo”, vol. I, pág. 177 e seguintes) a impossibilidade poderia resultar: » 1) Da falta de substrato pessoal do ato » Por exemplo: a nomeação para um cargo público de pessoa já falecida. » 2) Da falta de substrato material » Quando a sua execução é material ou tecnicamente impossível. » 3) Da falta de substrato jurídico » Por exemplo: a revogação de um ato administrativo já revogado.» José CÂNDIDO DE PINHO (Estatuto da Aposentação. Anotado. Comentado. Jurisprudência. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 155 a 157 ̶ em anotação ao artigo 42.º do Estatuto da Aposentação, subordinado à epígrafe “Aposentação compulsiva”) refere: «O n.º 2 do presente artigo estabelece, então, as condições em que essa pena pode ser aplicada. […] Consequentemente, temos por certo que a aposentação compulsiva só será aplicada se o infrator tiver o mínimo de cinco anos de subscritor, nele se incluindo o tempo de inscrição nas instituições de previdência, anterior ou posterior ao tempo de inscrição na Caixa (cfr. art. 37.º, n.º 4). Isto significa que, antes que o procedimento disciplinar culmine com a aplicação da pena, no máximo após o relatório final do instrutor […], se os factos apurados aconselharem a subsunção à previsão legal punitiva […], deve averiguar-se junto da Caixa se o funcionário dispõe daquele tempo. Se sim, poderá o órgão competente para a punição aplicar essa pena; na hipótese contrária, será aplicada a pena de demissão. Entendemos que a diligência acabada de referir é imprescindível à dosiometria concreta da pena: para se poder aquilatar da possibilidade de uma sanção severa, como é a aposentação compulsiva, importa previamente apurar se está reunido o pressuposto substantivo do “tempo de subscritor”. Embora ato de trâmite, ele apresenta todos os contornos de uma formalidade absolutamente essencial e determinante. Se foi aplicada pena de aposentação compulsiva sem ter sido observada ou, então, se foi pedida à Caixa, mas apesar disso (por demora na resposta, por exemplo), o órgão competente avançou para a decisão sem a informação solicitada, tem que considerar-se ter sido desrespeitada a formalidade exigível. A consequência será a anulação do ato punitivo por vício de forma por omissão de formalidade (sobre este vício, ver S, Botelho e outros, in Código de Procedimento Administrativo anotado, 4.ª edição, págs. 739 a 742). […] Diferente é o caso de ter sido aquela pena aplicada sem que o infrator dispusesse do período de garantia mínimo de cinco anos de subscritor. Duas situações possíveis poderão acontecer: Se o subscritor não contava com aquele tempo mínimo e, mesmo assim, foi aplicada a aposentação compulsiva, deparamo-nos com o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito (a pena só poderia ter sido a de demissão […] Teremos aí a concorrência de dois vícios, ambos em condições de proceder, um de forma, outro de violação de lei (se, “a posteriori”, ficar demonstrado que ele não dispunha ainda daquele tempo mínimo de subscritor) […]». Na jurisprudência, o Acórdão do STA, de 01/06/2004, processo n.º 038/04, disponível em http://www.dgsi.pt/ jsta refere : «[…] constitui objeto do ato administrativo a produção de efeitos jurídicos num dado caso concreto, pelo que, tendo o ato produzido efeitos jurídicos, ainda que ilegais, o seu objeto não é impossível […]». Neste acórdão são citados os seguintes acórdãos do STA (inéditos ou apenas com sumário publicado em http://www.sgsi.pt/jsta) no mesmo sentido de 18/02/1998 (rec. 35752-PLENO); 18/11/1999 (rec. 45247); 14/06/2000 (Rec.45029) e de 26/09/2002 (Rec. 663.02-12). À data da aprovação do EMJ, vigorava o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro (doravante designado abreviadamente por ED84), sendo este o diploma de aplicação subsidiária em matéria disciplinar, atenta a remissão operada pelo artigo 131.º do EMJ. À semelhança do estabelecido no artigo 95.º do EMJ, também no ED84 estavam previstas as duas penas expulsivas: demissão ou aposentação compulsiva. A última era definida como a “imposição da passagem do funcionário ou agente à situação de aposentado” e a primeira como o “afastamento definitivo do funcionário ou agente do serviço, cessando o vínculo funcional.” Ambas pressupunham a inviabilidade da “manutenção da relação funcional”, isto é, a quebra da confiança de forma irrecuperável entre o empregador público e o trabalhador. Distinguiam-se apenas porque a demissão produzia apenas o efeito extintivo da relação jurídica de emprego público, ao passo que, na aposentação compulsiva, a esse efeito seguia-se um outro – o de constituição, com a Caixa Geral de Aposentações (doravante designada abreviadamente por CGA), da relação jurídica de aposentado. A aplicação da pena de aposentação compulsiva pressupunha assim, em acrescento à da demissão, que o trabalhador público fosse subscritor da CGA. Qualquer magistrado judicial que tivesse tomado posse e iniciado o exercício das suas funções até 01.01.2006 era obrigatoriamente inscrito na CGA, à semelhança de todos os servidores do Estado, institutos públicos e autarquias locais, suas federações e uniões e zonas de turismo (artigo 1.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, doravante designado abreviadamente por EA). A pena de aposentação compulsiva só seria aplicada, conforme dispunha o artigo 26.º, n.º 5, do ED84, verificado o condicionalismo exigido pelo EA, na ausência do qual seria aplicada a pena de demissão. Em conformidade, o n.º 2 do artigo 42.º do EA estabelecia, como ainda faz, que a aplicação da pena de aposentação compulsiva apenas podia ocorrer depois de a CGA ter informado o órgão com competência disciplinar que o subscritor reunia o pressuposto do tempo de serviço exigível, nos termos do artigo 37.º do mesmo diploma, para a aposentação ordinária – mais concretamente, que tinha, pelo menos, cinco anos de serviço. Entretanto, a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, a pretexto da “convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões”, revogou o artigo 1.º do EA (artigo 9.º) e estabeleceu que, a partir da sua entrada em vigor, no dia 01.01.2006, a CGA deixaria de proceder à inscrição de subscritores (artigo 1.º, n.º 1). Mais acrescentou o diploma aludido que o pessoal que iniciasse funções a partir da referida data passaria a ser obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social, no qual não existe o instituto da aposentação, mas o da reforma. Não deixa, aliás, de ser sintomático que o EDTEFP, entrado em vigor no dia 01.01.2009 (artigo 7.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, em conjugação com o artigo 23.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro), tenha deixando de prever a pena de aposentação compulsiva, mantendo a de demissão (artigo 18.º), o que também sucede com a LGTFP (artigos 180.º, alínea d), e 297.º). O próprio EMJ admite a coexistência de magistrados judiciais subscritores da CGA com outros que o não sejam. Veja-se, designadamente, os artigos 64.º, que alude a magistrados judiciais aposentados e a magistrados judiciais reformados, com referência a diferentes instituições de segurança social competentes (a CGA ou o Instituto da Segurança Social, IP), sendo uns subscritores da CGA e outros beneficiários do regime geral da Segurança Social. A nova redação do EMJ, introduzida recentemente pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto, e aplicável a partir de 01.01.2020, veio clarificar essa diferenciação de regimes, seja estabelecendo, no artigo 69.º, que «[a]s matérias não expressamente reguladas no presente Estatuto, designadamente as condições de aposentação ou reforma dos magistrados judiciais, regem-se, com as necessárias adaptações, pelo regime estabelecido para os trabalhadores em funções públicas, nomeadamente no Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, nas Leis n.os 60/2005, de 29 de dezembro, 52/2007, de 31 de agosto, 11/2008, de 20 de fevereiro, e 3-B/2010, de 28 de abril», seja esclarecendo que a sanção aqui em apreço deverá ser qualificada como “aposentação ou reforma antecipada” (cf. artigos 91.º, n.º 1, alínea e), 96.º, 102.º e 105.º). Nesta medida, o artigo 95.º do EMJ na redação vigente à data dos factos não pode ser interpretado de forma estática e estanque, alheia a todo o demais quadro normativo. Carece, designadamente, de ser interpretado em conjugação com as normas citadas do EA, apenas permitindo a aplicação da pena de aposentação compulsiva aos magistrados judiciais que, sendo subscritores da CGA, reúnam, no momento da sua aplicação, os requisitos para a aposentação ordinária (5 anos — cf. artigo 37.º, n.º 2, alínea c), ex vi artigo 42.º, n.º 2, ambos do EA). Perante este quadro legislativo, os magistrados que foram nomeados após 01.01.2006 não reúnem o pressuposto para a constituição da relação jurídica de aposentado e, logo, não podem ser destinatários de uma pena de aposentação compulsiva. Ao não observar a disciplina jurídica supra exposta, a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 14 de junho de 2016, que aplicou ao recorrente a sanção disciplinar de aposentação compulsiva, padece de invalidade. Importará, no entanto, aquilatar do específico desvalor jurídico associado a essa invalidade. Adiante-se, desde já, que não se prefigura que uma deliberação que determine a aplicação de uma sanção de aposentação compulsiva fora do quadro enunciado (isto é, a magistrado que não seja subscritor da CGA há pelo menos cinco anos à data da decisão disciplinar) se possa subsumir na alínea c) do n.º 1 do artigo 161.º do CPA. A questão passa, pois, por distinguir entre atos cujo objeto ou conteúdo, seja impossível ou ininteligível e os casos de falta de idoneidade do objeto. No primeiro caso o desvalor jurídico será o da nulidade por aplicação do preceito supra indicado; no segundo, o desvalor será o da mera anulabilidade, decorrente de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos (de facto e/ou de direito) e por falta de idoneidade do ato para produzir os efeitos pretendidos. Como refere Luiz S. Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo, Anotado, 3.ª edição, Revista e Atualizada, Quid Juris, pág. 527, «São nulos os atos cujo objeto ou conteúdo, acrescentado agora, seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado, acrescentado agora, pela prática de um crime. Impossível é objeto sobre o qual não pode incidir um ato administrativo. Distingue-se da falta de idoneidade do objeto que gera apenas a anulabilidade porque neste caso é possível a incidência do ato, mas falta um requisito legal ao destinatário». Em sentido similar mas com diversa formulação Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 5.ª edição, Almedina, pág. 278 e segs., defendem no que concerne ao requisito de validade do ato administrativo, designado por idoneidade que «está aqui em causa a relação entre o objeto e o conteúdo do ato administrativo, isto é, a adequação entre um e outro; a idoneidade é requisito de validade do quanto ao objeto, uma vez que pode acontecer que o objeto seja possível mas que a lei não o considere adequado a receber aquelas transformações jurídicas, o que aconteceria por exemplo num ato que pretendesse alienar bens públicos ou dominiais». Os mesmos autores, na obra e local citados, defendem que os vícios do ato administrativo relativos ao objeto no que respeita à idoneidade terão como consequência a anulabilidade. Ora, em bom rigor, não estamos perante um ato de realização impossível: o ato é suscetível de produzir os seus efeitos jurídicos, ainda que ilegais. Como tal, não é de objeto impossível (cf. Acórdãos do STA proferidos a 18/02/1998 (rec. 35752-PLENO), 18/11/1999 (rec. 45247), 14/06/2000 (Rec.45029), 26/09/2002 (Rec. 663.02-12) e 01/06/2004 (processo n.º 038/04) e de 13/07/2016 (processo n.º 0516/14), estes últimos integralmente disponíveis para consulta online in http://www.dgsi.pt/jsta. Na verdade, como advertem Mário ESTEVES DE OLIVEIRA / Pedro Costa GONÇALVES / João Pacheco AMORIM (Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, 8.ª reimpressão, 2010, Coimbra, Almedina, pág. 645), apenas são cominados com o desvalor de nulidade os atos cujo efeito ou medida seja jurídica ou fisicamente impossível. Na certeza, porém, de que essa impossibilidade física ou jurídica não se confunde, como os mesmos tratadistas esclarecem, com os casos de efeitos proibidos pela ordem jurídica. Nesse caso estará em causa um erro sobre os pressupostos de direito, que determina a anulabilidade do ato impugnado. Noutra perspetiva, seguindo aqui de perto a exposição de José Manuel SANTOS BOTELHO / Américo PIRES ESTEVES / José CÂNDIDO DE PINHO (Código de Procedimento Administrativo. Anotado e Comentado, 5.ª edição. Coimbra: Almedina, 2002, pág. 796), definindo-se esta impossibilidade jurídica pela falta de substrato pessoal, material/técnico e lógico/jurídico, não se pode julgar que o ato impugnado padeça da nulidade prevista no artigo 161.º, n.º 1, alínea c), do CPA. Na verdade, o substrato pessoal existe, tendo como destinatário o arguido do processo disciplinar; assim como existe o substrato jurídico e material (extinção de uma relação funcional). Neste conspecto, tendo o CSM considerado verificados os pressupostos para a aplicação de uma pena expulsiva, temos que sobre o objeto e o destinatário em apreço podia recair o ato impugnado. Simplesmente faltava um requisito ao arguido para que lhe fosse aplicada a pena de «aposentação compulsiva», ou seja estar inscrito na CGA. Ora, «[s]e o subscritor não contava com aquele tempo mínimo e, mesmo assim, foi aplicada a aposentação compulsiva, deparamo-nos com o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito […]» (José CÂNDIDO DE PINHO, Estatuto da Aposentação. Anotado. Comentado. Jurisprudência. Coimbra: Almedina, 2003, pág. 156). Na dogmática jurídico-administrativa, o vício de violação de lei é definido como sendo o vício que «consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» (Diogo FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo. Volume III. Lisboa: impressão da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1990, p. 303) ou na «desconformidade entre os pressupostos e/ou o conteúdo do ato concreto e a previsão de situação e/ou o comando contidos em norma imperativa» (SÉRVULO CORREIA, Noções de direito administrativo, Lisboa, Danúbio, 1982, pág. 463). Dito por outras palavras, trata-se do vício que «afeta o ato praticado em desconformidade com os requisitos legais vinculados respeitantes aos respetivos pressupostos ou objeto» (Mário ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo. 1.ª edição. Coimbra: Almedina, 1980, pág. 559), ou, por outras palavras ainda, que afeta o ato administrativo «cujo conteúdo, incluindo os respetivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar, integrando tal vício quer o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito) como o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto)» (MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo. Volume I. Introdução - Organização Administrativa - Atos e Contratos Administrativos, 10.ª Edição, 11.ª Reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 501). Portanto, o vício de violação de lei configura uma ilegalidade de natureza material, sendo a própria substância do ato administrativo que contraria a lei. A ofensa da lei não se verifica aqui nem na competência do órgão nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objeto do ato. «O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei […] Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre os efeitos de direito determinados pela Administração e os efeitos que a norma ordena. O vício de violação de lei produz-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decida quando a lei mande decidir algo» (Diogo FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, cit, pág. 304). Em suma, o vício de violação de lei verifica-se quando é efetuada uma interpretação errónea da lei, aplicando-a a realidade a que não devia ser aplicada ou deixando-a de aplicar a realidade que devia ser aplicada. Neste sentido veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-05-2016, proferido no processo n.º 55/14.0YFLSB. Assim, uma deliberação do Plenário do CSM que aplique a pena de «aposentação compulsiva» a um magistrado que não esteja inscrito na CGA ou, estando, não tenha ainda 5 anos de inscrição e descontos efetuados para aquela autoridade administrativa, não incide sobre um objeto impossível, mas padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos (de facto e de direito). Como tal, apesar de inválida, o desvalor jurídico associado a tal invalidade é a anulabilidade, e não a nulidade. Afastamo-nos assim da tese defendida no Parecer do Ministério Público, segundo a qual não só o objeto do ato administrativo (aplicação ao Recorrente da pena de aposentação compulsiva com atribuição de pensão) é impossível ou inexequível, por razões de ordem legal, como impossível é também o conteúdo do ato administrativo, já que o conteúdo da pena (afastamento da função com atribuição de pensão), não é possível. Sublinhe-se que o CSM considerou verificados os pressupostos para a aplicação de uma pena expulsiva, no entanto faltava um requisito ao ora recorrente para que lhe fosse aplicada a pena de «aposentação compulsiva», ou seja estar inscrito na CGA, pelo que a referida pena não incidiu sobre um objeto impossível, daí não enfermar de nulidade. O recorrente defende ainda que as referidas deliberações do Plenário do CSM são nulas por ofenderem o conteúdo essencial de um direito fundamental. Também o Ministério Público, no seu parecer, defende que se verifica a nulidade prevista na alínea d) do art.º 161.º do CPA. Sustenta tal posição com base nos seguintes argumentos: Alega o Recorrente que a deliberação impugnada ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental uma vez que, conforme sustenta, nunca recebeu qualquer pensão, pensão essa que se impunha receber, face ao conteúdo e objeto da pena disciplinar de aposentação compulsiva que lhe foi aplicada. Não pode proceder o argumento do Recorrido, quando diz que o Recorrente não identifica o direito fundamental cuja ofensa invoca.
Com efeito, o Recorrente concretiza e identifica esse direito – o direito à segurança social, ao recebimento de uma pensão. Apenas não identifica, o Recorrente, a disposição legal que consagra esse direito. Nem tinha de o fazer uma vez que, como decorre do art.º 5.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (…)”, cabendo ao juiz a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. O direito invocado pelo Recorrente insere-se no âmbito dos “direitos sociais”, direito à segurança social, consagrado no art.º 63.º n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Conforme se estabelece em tal preceito: - “O sistema de segurança social protege os cidadãos (…) em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência”. Como se refere na obra supra citada (CPA Comentado), a fls. 382, citando Esteves de Oliveira e Pedro Gonçalves, in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, atualizada, revista e aumentada, 1997, Almedina, pp. 646 e segs.: - “Resulta do texto da alínea d) do n.º 2 deste artigo 161.º do CPA 2015 que não devem ser excluídos os atos que ofendem direitos económicos, sociais e culturais e os respetivos direitos análogos, exigindo-se, porém, que o direito em causa já tenha sido objeto de concretização ou densificação legislativa, dado que apenas nesta circunstância o ato pode atingir o seu núcleo essencial”. É certo, com efeito, que o regime dos direitos, liberdades e garantias se aplica, também, aos direitos fundamentais de natureza análoga - Art.º 17.º da CRP. Em causa está o direito à pensão, à totalidade da pensão. A pena aplicada ao Recorrente tem como fundamento não ficar o visado sem meios de subsistência, pressupõe a proteção social do destinatário da pena. Ora, nunca o Recorrente poderia executar a deliberação impugnada, que lhe aplicou uma pena de objeto e conteúdo impossíveis. O CSM aplicou-lhe, na realidade e contra legem, os efeitos de uma outra pena (de demissão?), que não os efeitos da pena que efetivamente lhe aplicou. Vejamos: A questão que se coloca é a de saber se a deliberação CSM, nos exatos termos em que foi adotada, poderá padecer de nulidade por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 161.º do CPA. É indiscutível que a aludida previsão é aplicável à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da Constituição da República Portuguesa, porque o conteúdo essencial de tais direitos é determinado ou determinável a nível constitucional, sem necessidade de intervenção do legislador ordinário. Aliás, por isso mesmo é que as disposições de direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis (artigo 18.º da CRP). Do mesmo modo, será plenamente defensável que este preceito também abranja direitos de caráter análogo, quer dentro da própria Constituição, quer fora da Lei Fundamental (em norma internacional, ou até em lei ordinária). É, no entanto, não só muitíssimo discutível, como efetivamente debatido na doutrina e na jurisprudência, que esta norma também abranja os direitos económicos, sociais e culturais do Título III da Parte I da CRP. Quanto a esta questão, e dada a dificuldade de interpretação no que se deve entender por «direito fundamental» na aceção do artigo 161.º, n.º 1, alínea d), do CPA, tem-se debruçado, quer a doutrina quer a jurisprudência, muitas vezes em sentido não unânime. Na doutrina, Diogo FREITAS DO AMARAL (Curso de Direito Administrativo, 211 – volume II. 2.ª edição. Coimbra: Almedina, pág. 450) refere «[c]abe à jurisprudência e à doutrina delimitar o sentido e alcance da norma legal: por nós, contudo, entendemos que a expressão direitos fundamentais só abrange, neste artigo, os direitos, liberdades e garantias, e os direitos de natureza análoga, excluindo os direitos económicos, sociais e culturais que não tenham tal natureza. Seria, com efeito, levar longe de mais o elenco das nulidades do ato administrativo considerar como atos nulos todos os que de alguma forma pudessem ofender algum direito económico, social ou cultural sem natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias: por exemplo, não nos pareceria razoável fulminar com a sanção mais grave da nulidade todos os atos administrativos praticados no domínio da segurança social em que, por erro de facto ou por erro de cálculo, se violasse o direito subjetivo a uma certa prestação social […]». As reservas da doutrina foram ainda expressas na seguinte formulação: (Mário ESTEVES DE OLIVEIRA / Pedro Costa GONÇALVES / João Pacheco AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, 8.ª reimpressão, 2010, Coimbra, Almedina, pp. 646 e 647) «Sempre se exigirá, em qualquer caso, que o direito em causa já tenha sido objeto de concretização legislativa, para que se possa dar como assente a existência de um ato administrativo que prejudica, para lá de qualquer dúvida, aquilo que esse direito tem, ao nível “ordinário”, de “essencial”. [Podem ser], assim, nulos, os atos que violem tais direitos, se e na medida em que estes representem a densificação legal mínima ou nuclear de direitos fundamentais. Pensamos, ainda assim, que esta solução poderá, em certos casos, trazer resultados inconvenientes, pelo alargamento excessivo da sanção de nulidade a hipóteses de violação do ordenamento jurídico que não reclamariam punição tão severa, sobretudo num ramo de Direito onde a sanção-regra é a da anulabilidade. Desta forma, a entender-se que os direitos económicos, sociais e culturais se subsumem nesta alínea, o juiz deve mostrar-se especialmente rigoroso e exigente na verificação de uma violação que afete o “conteúdo essencial” do direito em causa […]» Tendo presentes estes contributos doutrinários, importa delimitar quais os direitos fundamentais que poderão aqui estar em causa. À partida, tais direitos serão, por um lado, o direito à segurança no emprego, e, por outro lado e sobretudo, o direito à proteção social, traduzido numa pensão de aposentação. Estarão aqui em causa, por conseguinte, os artigos 53.º, 59.º, n.º 1, alíneas e) e, sobretudo, 63.º da Constituição da República Portuguesa. Em qualquer dos casos, estamos perante direitos económicos, sociais e culturais, não estando enquadrados, nem dogmática, nem sistematicamente no título dos direitos, liberdades e garantias. Quanto à segurança no emprego, e apesar de ter a deliberação impugnada por efeito precisamente a extinção de uma relação jurídica de emprego público, não se vê como possa o ato sub judicio subsumir-se na precisão do CPA citada. Como se deixou expressamente consignado no acórdão da Secção de Contencioso do STJ de 25/10/2017 (processo n.º 71/16.8YFLSB), «[…] o direito à segurança no emprego não é absoluto, devendo, como decorre do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, ser entendido em conjugação com os limites expressos e implícitos (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2002, proferido no proc. n.º 4269/01). Entre esses limites, conta-se a responsabilidade disciplinar do juiz, a qual pode conduzir à aplicação de sanções disciplinares expulsivas por inobservância de deveres funcionais, designadamente, o dever de administrar Justiça aos cidadãos e empresas que recorram aos tribunais. Uma vez que nos deparamos com valores com idêntica dignidade constitucional – n.os 1 e 2 do artigo 204.º, n.º 1 do artigo 215.º e artigo 271.º - e dado que a aplicação da sanção de aposentação compulsiva teve lugar no âmbito de um procedimento disciplinar desencadeado pela infração dos aludidos deveres funcionais e em que se concluiu pela reunião dos pressupostos legais de que aquela depende (designadamente, as previsões das alíneas a) e c) do artigo 90.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais), é de concluir que, nesse contexto, não se pode ter como violado o direito à segurança no emprego.» Importa agora determinar se a deliberação impugnada poderá configurar uma afetação incomportável ao direito à segurança social. Na linha da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, em cujos artigos XXII e XXV, n.º 1, parte final, se consagrou o direito à Segurança Social, também a Constituição da República Portuguesa, no artigo 63.º, sob a epígrafe «Segurança social e solidariedade» [integrado no Capítulo II (Direitos e deveres sociais), do Título III (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), I Parte (Direitos e deveres fundamentais)], estabelece que «[t]odos têm direito à segurança social» (n.º 1), incumbindo «[…] ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários» (n.º 2). Mais estabelece que «[o] sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho» (n.º 3). Depreende-se com mediana clareza da leitura dos preceitos aludidos que apenas se pode retirar destas normas constitucionais a obrigação genérica do Estado garantir proteção aos cidadãos em situações de desemprego, doença, velhice, invalidez e orfandade, mas já não a sua concretização. Daí que ambos os artigos constitucionais não tenham, por regra, a força jurídica estabelecida pelos artigos 17.º e 18.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, ou seja, a possibilidade de aplicação direta e vinculação das entidades públicas e privadas. Acresce ainda, por importante, que, face às crescentes limitações orçamentais dos Estados para dar resposta às necessidades de apoio social, tem-se vindo a defender que os direitos fundamentais sociais estão sujeitos a uma «reserva do possível» em cada momento, na linha da ressalva já constante do artigo XXII (parte final) da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Importa fazer notar, no entanto, que a aceitação sem reservas deste entendimento pode abrir a porta ao esvaziamento praticamente total dos direitos fundamentais sociais, sempre que as opções ideológicas do legislador ordinário o levem a estabelecer outras prioridades em detrimento das políticas sociais. Por isso, se, por um lado, se deve ter em conta os constrangimentos financeiros do Estado e a margem de escolha dos governos eleitos, em função do seu projeto político, por outro lado também há que proteger a confiança dos cidadãos criada pelo sistema de proteção social estabelecido que deve ser assegurado no seu conteúdo mínimo. Em suma: o artigo 63.º da CRP impõe ao Estado o dever de criar condições que garantam aos cidadãos proteção social em situações de velhice, desemprego, doença, invalidez e outras. Porém, não as concretiza, cabendo essa tarefa ao legislador ordinário, sendo que só então o particular adquire o direito a auferir uma determinada prestação social. Pois bem, tem sido entendido pelos tribunais superiores da jurisdição administrativa que a violação de um qualquer direito relacionado com o artigo 63.º da CRP não deverá, em princípio, ser abrangida pelo disposto no artigo 161.º, n.º 1, alínea d), do CPA. Isto é: a violação de um direito relacionado com o direito fundamental à segurança social apenas determinará a mera anulabilidade do ato, por via de regra. Foi esse o julgamento efetuado, designadamente, no Acórdão do STA proferido a 05.06.2008, no âmbito do processo que aí correu termos sob o n.º 0275/07, no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte: «o conteúdo essencial do direito à proteção [social] não se mostra determinado (ou determinável) só com recurso à norma constitucional, a sua concretização foi delegada no legislador ordinário, a quem coube definir os seus pressupostos e assegurar as condições da sua realização. […] Assim, a eventual invalidade do ato […], enquanto reportado às condições em que pode ser exercido o direito […] previstas na lei ordinária, é simplesmente causal da anulação do ato». Além do aresto parcialmente transcrito, também o Tribunal Central Administrativo Norte (acórdãos de 26.06.2008, de 25.02.2011, de 02.03.2012 e de 23.09.2015, proferidos respetivamente nos processos n.os 00255/04, 2382/07.04BEPRT, 00931/07.7BEBRG e 01426/5BEBRG) e o Tribunal Central Administrativo Sul (acórdão de 20.11.2014, proferido no processo n.º 10631/13) já reiteraram esse julgamento (com arestos publicitados in http://www.dgsi.pt). A única exceção que os tribunais têm admitido a esta regra, no sentido de poder ser admitido que a violação de um direito associado ao artigo 63.º da CRP possa consubstanciar um vício de tão forma gravoso que seja suscetível de ser cominado com o desvalor da nulidade, ao abrigo do disposto do artigo 161.º, n.º 1, alínea d), do CPA, prende-se com verificação casuística de uma lesão tão acentuada que ponha em causa o limiar de sobrevivência ou a dignidade da pessoa humana. A justificação para esta exceção reside, não só na constatação, em singelo, de que «[o]s direitos sociais contêm também – ou podem conter – um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial, diretamente aplicável […]» (RUI MEDEIROS, «Artigo 63.º». AAVV. Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I. Coordenação: JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS. 2010, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 634), como também na aplicação da jurisprudência do Tribunal Constitucional (acórdão n.º 3/2010, proferido a 06.01.2010 no processo que aí correu termos sob o n.º 176/09, integralmente disponível para consulta online in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100003.html), segundo a qual, «[…] naquelas circunstâncias típicas previstas no n.º 3 do artigo 63.º, quando esteja em causa a própria subsistência mínima e, portanto, a existência socialmente condigna, o direito à segurança social adquire uma urgência e uma força vinculante que o tornam diretamente aplicável e o subtraem, em ampla medida, ao poder de legislar […]». Ora, o certo é que o mesmo Tribunal Constitucional já asseverou, a propósito da perda de rendimentos em sede de aplicação de sanções disciplinares expulsivas em relações jurídicas de emprego público, a sua conformidade constitucional, precisamente atento o específico desiderato e natureza dos procedimentos disciplinares, nomeadamente os fins retributivos e de prevenção geral (cf. acórdãos n.os 442/06, 518/06 e 28/07). Além de que, como também se afirmou nos arestos aludidos, nos casos em que da aplicação do regime legal resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista, «sempre este poderá recorrer aos mecanismos assistenciais normais, previstos no ordenamento jurídico português, para fazer face a situações de inaceitável carência social, fazendo aí a prova da alegada situação de necessidade», daí se concluindo, em ponderação dos diversos interesses em presença, que não fica violado o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, quando se encontram disponíveis no sistema mecanismos que visam, no limite, assegurar uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista. Mais recentemente, o Tribunal Constitucional veio firmar jurisprudência, novamente ancorada no angular princípio da dignidade da pessoa humana, no sentido de julgar inconstitucional soluções normativas das quais resulte a perda total da pensão de aposentação em resultado de aplicação de (nova) decisão disciplinar, a quem já esteja aposentado. Fê-lo, nomeadamente, no Acórdão n.º 858/2014, proferido a 27/02/2015 no processo que aí correu termos sob o n.º 360/2014, em que julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, na parte em que determina para os funcionários e agentes aposentados a substituição da pena de demissão pela perda total do direito à pensão pelo período de 4 anos. No entanto, o caso a que se reporta o citado Acórdão n.º 858/2014 não é transponível nem aplicável ao caso sub judice. E não o é por dois motivos distintos, que se enunciam, sucintamente, de seguida. Por um lado, naquele aresto foi declarada a inconstitucionalidade de uma norma, não por aplicar uma sanção disciplinar extintiva da relação jurídica de emprego público, mas porque, ao aplicar uma sanção por infração praticada ainda em exercício de atividade a um funcionário que entretanto já se encontrava aposentado, suprimiu na totalidade a pensão que ele vinha auferindo. Tratava-se de uma medida administrativa destinada e subordinada exclusiva e precisamente a tal desiderato de suprimir a pensão de aposentação. O EMJ tem, aliás, uma disposição de natureza idêntica, embora de alcance muito diverso e muito menos ablativo: trata-se do artigo 100.º, segundo o qual, «[p]ara os magistrados aposentados ou que, por qualquer outra razão, se encontrem fora da atividade, as penas de multa, suspensão ou inatividade são substituídas pela perda de pensão ou vencimento de qualquer natureza pelo tempo correspondente». Para fundar tal julgamento de inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional consignou no aludido acórdão, além do mais, o seguinte: As medidas disciplinares visam a proteção da capacidade funcional da Administração e têm como principal finalidade a «prevenção especial ou correção, motivando o agente administrativo que praticou uma infração disciplinar para o cumprimento, no futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributiva e de prevenção geral só secundária ou acessoriamente realizadas» (LUÍS VASCONCELOS DE ABREU, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: as Relações com o Processo Penal, Coimbra, 1993, pág. 43). Assim se explica que as medidas expulsivas sejam aplicadas em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação laboral e, portanto, naquelas situações em que o agente, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração (artigo 26.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 1984, replicado no artigo 18.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 2008, e no artigo 187.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao contrário, os fins de prevenção geral no âmbito do direito disciplinar encontram-se desde logo comprometidos pela vigência do princípio da oportunidade, pelo qual a Administração dispõe de liberdade para desencadear a perseguição disciplinar de uma infração, cabendo-lhe decidir, em face das circunstâncias do caso, se é conveniente do ponto de vista do interesse público exercer o poder disciplinar. Alguns afloramentos desse princípio encontravam-se nos artigos 50.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, do mesmo Estatuto, que conferiam à entidade competente, logo que seja recebido o auto, participação ou queixa, o poder decidir se há lugar ou não a procedimento disciplinar, e ao instrutor a possibilidade de propor o arquivamento se entendesse que os factos constantes dos autos não constituem infração disciplinar, que não foi o arguido o agente da infração ou que não é de exigir responsabilidade disciplinar por virtude de prescrição ou outro motivo (idem, págs. 43 e 51 a 54). E sublinhe-se que a sujeição ao poder disciplinar dos funcionários e agentes que tivessem passado à situação de aposentados, com a consequente possibilidade de substituição das penas profissionais por sanções de natureza pecuniária, que vigorava no domínio do Estatuto Disciplinar de 1984 (artigos 5.º, n.º 3, e 15.º), deixou de ter aplicação com a aprovação do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, que prevê a extinção da pena com a cessação da relação jurídica de emprego público e desde que esta não volte a ser renovada (artigo 12.º) - o que também explica a cessação da execução das penas em curso, à data da entrada em vigor da lei, relativamente a trabalhadores aposentados (artigo 4.º, n.º 8, da Lei n.º 58/2008) -, regime que ainda se mantém com a atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, como resulta por argumento a contrario sensu do disposto no seu artigo 176.º, n.os 3 e 4. O que significa que o legislador, em consonância com o regime vigente no direito laboral comum, passou a desconsiderar a execução de penas que atinjam o agente na sua carreira profissional ou na sua situação funcional, sempre que se verifique uma outra causa de cessação da relação de emprego (como será o caso da exoneração ou da aposentação), o que aponta para a ideia de que a finalidade característica das medidas disciplinares é a prevenção especial, que deixa de ter cabimento quando o agente se encontre já desligado do serviço ativo.
6 - A aplicação de uma sanção que se traduz na privação total da pensão de aposentação em relação a um funcionário que se encontra já desligado do serviço por ter passado à situação de aposentado não pode já visar um qualquer efeito de prevenção especial e apenas pode justificar-se por considerações retributivas e de prevenção geral, assentando na necessidade de retribuir o dano causado pelo facto ilícito e de exercer um efeito intimidativo relativamente aos trabalhadores no ativo. […] Além disso, uma medida predeterminada em relação ao montante da pensão declarada perdida e ao tempo de duração da perda do direito, sem qualquer ponderação do efeito que poderá produzir nas condições básicas de vida do arguido, põe em causa o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade ou exigibilidade, porquanto uma solução legislativa que preservasse um rendimento mínimo destinado a garantir a existência condigna, ainda que prevendo o correspondente alargamento da duração da pena por forma a alcançar a mesma intensidade de sacrifício patrimonial, poderia atingir, com o mesmo grau de eficácia, os fins de retribuição e prevenção geral sem pôr em risco o direito à subsistência. […] Não releva, por outro lado, o argumento de que o princípio da existência condigna poderia também inviabilizar a aplicação de penas de demissão. A situação não é, de nenhum modo, equiparável à perda do direito à pensão. Os efeitos patrimoniais da medida expulsiva de demissão, com a supressão das remunerações correspondentes ao exercício do cargo, são a mera consequência da extinção da relação laboral. No entanto, o agente, uma vez que nada impede que retome uma atividade profissional, poderá obter outras fontes de rendimento através do mercado de trabalho, e, em última instância, mantém o direito às prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho do subsistema previdencial aplicáveis em caso de desemprego (artigo 52.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 4/2007). É diferente a situação dos aposentados. Chegado o momento em que cessou a vida ativa e se tornou exigível o direito à pensão de aposentação, o pensionista já não dispõe de mecanismos de autotutela e de adaptação da sua própria conduta a novas circunstâncias, e encontra-se diminuído em razão da idade - como está pressuposto na própria passagem à situação de aposentado - na sua capacidade de ganho. O sacrifício patrimonial que lhe é imposto por força da perda do direito à pensão, por prática de infração disciplinar cometida ainda quando se encontrava no ativo, não é normalmente suscetível de ser ressarcido através de outros recursos económicos a que o interessado possa aceder por meios próprios, e, na ausência de uma cláusula de salvaguarda que evite a supressão total da pensão, coloca-o numa situação de carência que poderá pôr em causa as condições básicas de vida. Ora, como bem se vê, o caso dos autos é distinto da situação apreciada no aresto do Tribunal Constitucional citado: i) não se trata de determinar, nos termos do artigo 100.º do EMJ (preceito de natureza similar ao que foi julgado inconstitucional no aresto citado), a aplicação de uma pena disciplinar a um magistrado que já estivesse aposentado, determinando, nessa exata medida, a perda da pensão de aposentação em substituição da pena disciplinar que caberia; ii) não estamos sequer perante aquele impedimento de caráter axiológico dotado de particular força cogente denunciado no acórdão ditado, no sentido de desconsiderar a execução de penas que atinjam o agente na sua carreira profissional ou na sua situação funcional, por já se verificar uma outra causa de cessação da relação de emprego (como será o caso da exoneração ou da aposentação), porque o autor não estava desligado do serviço à data da prática do ato disciplinar aqui sindicado; iii) o ato punitivo não foi predeterminado, em exclusivo, a essa medida de supressão total, ainda que temporária, da pensão de aposentação. O caso dos autos demonstra, ao invés, o exercício do poder disciplinar a um magistrado em funções (logo, não aposentado à data da aplicação da sanção), decorrente de um juízo de infração que inviabiliza a manutenção da relação laboral. Segundo o CSM, o autor, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração da Justiça. Estamos, portanto, perante uma deliberação ainda perfeitamente acomodada pela finalidade característica das medidas disciplinares, que é a prevenção especial, que apenas deixa de ter cabimento quando o agente se encontre já desligado do serviço ativo (magistrado já aposentado). Por outro lado, o aresto citado partiu de um pressuposto ôntico subjacente à aplicação da norma julgada inconstitucional substancialmente diverso daquele que se verifica no caso dos autos: o da preexistência de uma situação de aposentação, seja por o visado pela medida disciplinar já ter atingido o limite de idade, seja por ter passado à aposentação por incapacidade. Por esse motivo, por entender que o visado pela medida disciplinar já «[…] cessou a vida ativa e se tornou exigível o direito à pensão de aposentação, [pelo que] já não dispõe de mecanismos de autotutela e de adaptação da sua própria conduta a novas circunstâncias, e encontra-se diminuído em razão da idade - como está pressuposto na própria passagem à situação de aposentado - na sua capacidade de ganho […]», é que o Tribunal Constitucional julgou verificada uma compressão intolerável do princípio da dignidade da pessoa humana pela supressão de meios de subsistência. Ora, o caso dos autos é totalmente distinto, posto que o autor não se encontra diminuído, seja em termos de idade, seja em termos de capacidade, na sua capacidade de ganho de rendimentos de trabalho. Pelo exposto, do ato impugnado não resulta afetado o conteúdo essencial do direito à proteção social, na vertente do respeito pela dignidade da pessoa humana enquanto núcleo essencial das condições materiais para garantia de existência condigna. Desde logo, porque os efeitos patrimoniais da medida expulsiva, com a supressão das remunerações correspondentes ao exercício do cargo, são a mera consequência da extinção da relação laboral. Depois, porque ainda que se verifique que o autor possa não vir a beneficiar de uma pensão de aposentação, sempre manterá o direito, mesmo ao nível de proteção social: i) às prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho do subsistema previdencial aplicáveis em caso de desemprego (artigo 52.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases do sistema de segurança social); ii) aos mecanismos assistenciais normais previstos no ordenamento jurídico português para fazer face a situações de inaceitável carência social, nomeadamente no âmbito do subsistema de solidariedade (artigos 38.º, n.os 1 e 3, e 41.º, da Lei n.º 4/2007), fazendo aí a prova da alegada situação de necessidade. Além disso, porque nada obsta, aliás e bem vistas as coisas, que o autor retome uma atividade profissional, no âmbito da qual poderá obter outras fontes de rendimento através do mercado de trabalho. O EMJ, à semelhança da LGTFP, acomoda essa possibilidade, posto que mesmo a pena de demissão não impossibilita o magistrado de ser nomeado para cargos públicos ou outros que possam ser exercidos sem que o seu titular reúna as particulares condições de dignidade e confiança exigidas pelo cargo de que foi demitido (cf. art. 107.º, n.º 2). Se assim é para os casos de demissão, não se vislumbra porque não possa ocorrer nos casos de aposentação, sendo que ao autor nem sequer será aplicável, em rigor, a disciplina dos artigos 78.º e 79.º do EA (porque o autor não é subscritor da CGA e porque não aufere uma pensão de aposentação). Por último e mais decisivamente, porque a decisão que aplique pena de aposentação, em si mesma, não determina a perda de qualquer pensão: ao invés, tem por efeito garantir a pensão que for devida nos termos da lei (artigo 106.º, in fine, do EMJ). Isto é, deliberações como a dos autos não têm , em si mesmas, a virtualidade de excluir o direito a uma pensão, que será sempre atribuída, a jusante, se estiverem reunidos os respetivos requisitos legais. No caso concreto o CSM considerou estarem preenchidos os requisitos do art.º 95.º do EMJ, ou seja, considerou que o magistrado revelou definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função, logo as penas correspondentes seriam, consoante o caso, a aposentação compulsiva ou a demissão, sendo certo que qualquer uma dessas penas tem carácter expulsivo. Tendo o CSM chegado à conclusão que o magistrado revelou definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função não poderia, atentas as consequências da pena aplicada, aplicar uma outra de menor gravidade (não expulsiva), o que contrariaria o pressuposto essencial subjacente à aplicação dessa mesma pena. Pelos motivos invocados, o caso dos autos também não se subsumirá na alínea d) do n.º 1 do artigo 161.º do CPA, pelo que o desvalor jurídico associado à invalidade da deliberação do CSM não será, também por aqui, a nulidade. 9. Pelo exposto, acorda-se na secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente a ação administrativa de impugnação interposta por AA, contra a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 23 de abril de 2019.
10. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs.
Lisboa, 27 de maio de 2020.
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos Nuno Gomes da Silva, Oliveira Abreu, Pedro Lima Gonçalves e Maria da Graça Trigo votaram em conformidade. Os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos Henrique Araújo e Lopes da Mota votaram vencidos, conforme declaração de voto que juntam. Chambel Mourisco (Relator) Nuno Gomes da Silva Henrique Araújo (Declaração de voto) Oliveira Abreu Pedro de Lima Gonçalves Maria da Graça Trigo Lopes da Mota (Declaração de voto) Maria dos Prazeres Pizaro Beleza (Presidente)
__________________________ DECLARAÇÃO DE VOTO
1. A pena disciplinar de aposentação/reforma compulsiva constitui uma das modalidades de penas expulsivas, sendo a outra a de demissão, estabelecidas no Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, objecto de várias alterações, sendo que, no caso, importam especificamente as introduzidas pela Lei n.º 67/2019, de 27 de Agosto, em vigor a partir de 01.01.2020, em matéria de ilícito disciplinar, modalidade e efeitos da sanção aplicada. No domínio sancionatório, o EMJ, uma vez caracterizado o âmbito de factos jurídicos que indiciam o desvalor de acção e de resultado do ilícito disciplinar (artigo 102.º, anteriores artigos 106.º e 107.º), determina no artigo 91.º, n.º 1, als. e) e f) (anterior artigo 85.º), duas modalidades de penas de natureza expulsiva: aposentação ou reforma compulsiva e demissão, consistindo a primeira “na imposição da aposentação ou reforma” (artigo 96.º) e a segunda “no afastamento definitivo do magistrado judicial, com cessação do vínculo à função” (artigo 97.º). Quanto ao efeito das penas na relação jurídica de emprego público e na componente estatutária derivada da função judicial exercida, diz o EMJ na versão vigente desde 01.01.2020: “A sanção da aposentação ou reforma compulsiva implica o imediato desligamento do serviço e a perda dos direitos conferidos pelo presente Estatuto, sem prejuízo do direito à pensão fixada na lei” (artigo 105º); “A sanção da demissão implica o imediato desligamento do serviço e a perda dos direitos conferidos pelo presente Estatuto (artigo 106.º, n.º 1); “A demissão não implica a perda do direito à aposentação ou reforma, nos termos e condições estabelecidos na lei” (artigo 106.º, n.º 2). Dos dispositivos legais ressalta que ambas as modalidades de pena expulsiva operam o imediato desligamento do serviço – daí o carácter expulsivo – ou seja, têm por efeito a extinção da relação jurídica de emprego público, cessando, por parte do juiz, a obrigação de prestação funcional e, por parte dos serviços administrativos da entidade pública competente, a obrigação de pagamento da retribuição. Mas também resulta da lei que as penas expulsivas inscrevem na esfera jurídica do magistrado sancionado a operatividade imediata de uma nova relação jurídica que se segue ao termo da relação jurídica de emprego público, a saber, a relação jurídica de desligado do serviço aguardando aposentação ou aguardando reforma, com efeitos retroactivos à data do acto determinante da aposentação/reforma compulsiva, ou seja, à data em que cessou a contagem de tempo de serviço para efeitos da aposentação/reforma. Deixando de lado a situação jurídica da demissão, mas evidenciando que o magistrado demitido mantém, por disposição legal expressa do EMJ e observados os condicionalismos legais em matéria de segurança social, o direito a aposentação ou a reforma, o magistrado sancionado com a pena de aposentação/reforma compulsiva passa de imediato e ope legis a sujeito de uma relação jurídica de aposentação ou de reforma, “(..) filiada na relação jurídica extinta e constituída em seu benefício, a qual estabelece um novo complexo de direitos, deveres e incompatibilidades (..) Mesmo (...) quando reveste natureza de pena disciplinar, a aposentação compulsiva não perde o carácter fundamental de instituição de previdência, uma vez que confere protecção social na velhice ao aposentado compulsivamente (..) e que tem a sua natureza expulsiva minorada com a protecção social da aposentação (..)”.([1]) 2. Todavia, a factualidade do caso inscreve-se num espaço temporal aberto com a entrada em vigor, em 01.01.2006, da Lei n.º 60/2005, de 20 de Dezembro, lei nova em matéria de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões, com especial incidência na parte disciplinar do EMJ, criando uma disparidade estatutária de regime disciplinar traduzida num vazio legal por inexistência de previsão sancionatória específica na modalidade de reforma compulsiva apenas sanado com as alterações ao EMJ introduzidas pela Lei n.º 67/2019, vigente a partir de 01.01.2020, mediante disposição expressa em matéria de previsão do ilícito disciplinar de reforma compulsiva (artigos 96.º e 102.º), da pena [artigo 91.º n.º 1, al. e)] e dos efeitos extintivos (artigo 105.º) ou seja, da caducidade da relação jurídica de emprego público e subsequente situação jurídica de desligado do serviço aguardando reforma. Efectivamente, o artigo 9.º da Lei n.º 60/2005 revogou não só o artigo 1.º do Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro), como todo o complexo normativo que conferia o direito à inscrição na CGA, e deixou claro no artigo 2.º, n.º 1, que “A Caixa Geral de Aposentações deixa a partir de 1 de Janeiro de 2006 de proceder à inscrição de subscritores.” Ora, como nos diz a doutrina que vimos citando, “(..) [a]o ser investido em um lugar que lhe atribui a qualidade de funcionário ou de agente em regime de direito público, o indivíduo adquire (...) o direito de ser inscrito como subscritor ou beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, (...) verificada tal inscrição, o funcionário ou agente obtém a qualidade de subscritor da CGA e automaticamente passa a incluir-se na situação de jurídica de subscritor da CGA, que lhe atribui o direito a vir a ser aposentado logo que reúna os requisitos legais para tal exigidos (direito esse cujo exercício é assim diferido para o futuro) e o dever de pagamento de quotas àquela instituição de segurança social”.([2]) O que significa que a posse conferida a partir de 01.01.2006 não inscrevia na esfera jurídica do magistrado o direito à inscrição na CGA e, consequentemente, o direito à aposentação, mas é óbvio que o legislador ordinário da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, teve presente o princípio constitucional, inscrito e desenvolvido no artigo 63.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição, do direito à segurança social, nomeadamente por cessação do contrato de trabalho, concretizando este direito social no artigo 2.º, n.º 2, como segue: “O pessoal que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação, em razão (...) do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular (…), é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.” 3. O artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, tem diversas e relevantes implicações no caso em apreço. Primeira, o recorrente, auditor de justiça de curso do CEJ de 2008 e “desligado do serviço para efeitos de aposentação compulsiva com efeitos reportados a 01.07.2016” [despacho (extracto) n.º 13997/2016, DR n.º 223/2016 II Série de 21.11.2016], na qualidade de juiz de direito nunca foi subscritor da CGA mas foi inscrito no regime da Segurança Social por determinação legal o que, face à cessação do contrato de trabalho por extinção do vínculo, implica, nos termos gerais de direito, que caberia ao Centro Nacional de Pensões a atribuição da pensão e determinação da data a que o pagamento da mesma se reporta. Segunda, que parece decisiva: por falta de previsão legal, entre 01.01.2006 e 31.12.2019, o Conselho Superior da Magistratura, no exercício da competência disciplinar atribuída por lei, esteve impedido de aplicar outra pena expulsiva que não fosse a demissão a juízes empossados no período temporal de 01.01.2006 a 31.12.2019, posto que o EMJ apenas passou a prever, elencar os pressupostos substantivos do ilícito disciplinar, determinar a modalidade da pena e especificar os efeitos da reforma compulsiva – pena específica do estatuto do juiz inscrito no regime da Segurança Social (artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 60/2005) – nas alterações introduzidas pela Lei n.º 67/2019, de 27 de Agosto, em vigor a partir de 01.01.2020. À semelhança da aposentação compulsiva, a reforma compulsiva é, também ela, uma pena disciplinar de natureza expulsiva, aplicável especificamente a juízes inscritos no regime geral da Segurança Social – e apenas a estes, não a juízes subscritores da CGA –, sendo que tais penas de aposentação/reforma compulsiva constituem limites autorizados de harmonia com o disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, traduzindo uma restrição legal de liberdades ou direitos protegidos constitucionalmente, como é o caso do acesso a cargos públicos, aplicável aos cargos de juiz, previsto no artigo 50.º, nº 1, da Constituição ([3]). O que significa que, no tocante às restrições concretizadas em lei ordinária, como sucede no EMJ, quanto à pena de aposentação/reforma compulsiva regem os princípios gerais em matéria criminal estabelecidos no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, aplicáveis no domínio sancionatório disciplinar, de proibição de retroactividade da lei sancionatória, isto é, da lei que qualifique uma determinada conduta (acção ou omissão) como crime e estabeleça uma pena (nullum crimen, nulla poena sine lege praevia). Nos citados dispositivos constitucionais afirma-se que “1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão” e “3. Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.” Donde resulta que as alterações introduzidas no EMJ pela Lei n.º 67/2019, de 27 de Agosto, em vigor a partir de 01.01.2020, não podem ser interpretadas de molde a contextualizar normativamente, por aplicação retroactiva, a aposentação compulsiva aplicada ao ora recorrente por deliberação sancionatória de CSM de 14 de Junho de 2016, modalidade de pena disciplinar inexistente no EMJ vigente à data desta deliberação para os juízes inscritos no regime da Segurança Social. Como nos diz a doutrina relativamente ao disposto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, “(..) Isto vale tanto para a hipótese em que o facto em causa nem sequer era considerado ilícito (seja cível, disciplinar ou contra-ordenacional) como para a hipótese em que o facto praticado era considerado ilícito (p. ex., contra-ordenacional), no momento em que foi praticado, mas não ilícito criminal. (..)” ([4]) Em terceiro lugar, verifica-se ainda uma terceira desconformidade constitucional na interpretação da deliberação do CSM que aplicou, em 14 de Junho de 2016, a pena de aposentação compulsiva ao ora recorrente, juiz inscrito no regime da Segurança Social, desconformidade assente na violação do núcleo essencial do direito à segurança social (do próprio direito à pensão, constitucionalmente garantido no artigo 63.º, n.º 1, da Constituição, subordinado ao princípio da igualdade e “análogo” aos direitos, liberdades e garantias pessoais – artigo 17.º), na medida em que lhe é recusado o direito de minorar a natureza expulsiva da pena com a protecção social da pensão de reforma, em razão de a deliberação do CSM aplicar a pena de aposentação compulsiva a juiz que nunca foi subscritor da CGA e, como tal, esta entidade administrativa não poder proceder ao cálculo e pagamento de pensão por falta de título legal para o efeito. Pelo exposto, e salvo o devido respeito pela tese que obteve vencimento, o vício em que incorre a deliberação do Plenário do CSM de 14 de Junho de 2016 não se reconduz a erro de direito sobre os pressupostos, sancionável com a anulabilidade do acto (artigo 163.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo), porque, ao aplicar retroactivamente direito sancionatório (no sentido acima exposto) que à data do acto (tempus regit actum) não existia, bem como ao inviabilizar o direito à protecção social (conferido em resultado da aplicação da sanção) mediante a percepção da pensão de reforma, produziu um efeito jurídico cuja invalidade a lei expressamente comina por inclusão no elenco legal dos actos nulos, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, al. d), do Código de Procedimento Administrativo. 4. Pelo exposto, na procedência da acção, julgaria nulas ambas as deliberações do Plenário do CSM, a de 14 de Junho de 2016, que aplicou a pena de aposentação compulsiva ao ora recorrente (autor), e a de 23 de Abril de 2019, que indeferiu a reclamação impugnatória da anterior deliberação de 14 de Junho de 2016, por constituírem actos ofensivos do conteúdo essencial de direitos fundamentais, in casu, violação do disposto nos artigos 29.º, n.ºs 1 e 3, e 63.º, n.º 1, da Constituição, invalidade expressamente sancionada com a nulidade do acto nos termos do artigo 161.º n.º 2, al. d), do Código de Procedimento Administrativo.
José Luís Lopes da Mota ___________________________ |