Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | FERREIRA LOPES | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO REVOGAÇÃO ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MORTE LESADO ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO DANO BIOLÓGICO DANOS FUTUROS DANOS PATRIMONIAIS | ||
| Data do Acordão: | 11/10/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
| Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA PARCIALMETE | ||
| Sumário : | I - Se o lesado em acidente de viação faleceu, por razões alheias ao acidente, na pendência da acção de indemnização em que está em discussão o quantum indemnizatório por dano patrimonial futuro, esse facto não pode ser desconsiderado na fixação da indemnização; II - Nesse caso a indemnização por dano biológico deve ser calculada tendo em consideração o tempo efectivo de vida e não a esperança média de vida, ou de vida activa; III - Se a morte do Autor apenas foi trazida ao conhecimento do processo após a prolação da decisão final, verifica-se o fundamento do recurso de revisão previsto no art. 696º, alínea c) do CPCivil. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça. Mapfre – Seguros Gerais, SA, ré e recorrente nos autos em que era autor AA, veio, nos termos do disposto no artigo 696.º, alínea c) e seguintes do Código de Processo Civil, interpor recurso de revisão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 14.07.2021, já transitado em julgado, que a condenou a indemnizar o Autor por danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes de acidente de viação. Concluiu as alegações do seguinte modo: 1ª. Vem o presente recurso de revista interposto do Douto Acórdão proferido pela 7.º Secção do Supremo Tribunal de Justiça, datado a 14.07.2021, que julgou parcialmente procedente a revista interposta pela ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A., no demais confirmando o acórdão recorrido e proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, em consequência, ficado aquela obrigada a pagar ao autor, AA, as seguintes quantias: - € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) a título de indemnização por dano patrimonial futuro de perda de ganho/dano biológico; - € 11.000,00 (onze mil euros) a título de indemnização pelo dano estético sofrido pelo autor; - € 5.700,00 (cinco mil e setecentos euros) a título de indemnização pelo quantum doloris sofrido pelo autor; - € 22.450,00 (vinte e dois mil quatrocentos e cinquenta euros) a título de indemnização pelo período de 898 dias de internamento sofrido pelo autor; - € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam na sua vida laboral; - € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam na sua vida sexual; - € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam nas suas actividades de lazer; - € 3.320,42 (três mil trezentos e vinte euros e quarenta e dois cêntimos) a título indemnização por danos patrimoniais, na vertente de danos emergentes com despesas de transporte e aquisição de cama ortopédica e cadeira de rodas; - € 100.000,00 (cem mil euros) a título indemnização por danos patrimoniais, na vertente de danos emergentes com a necessidade de internamento do autor na“Casa de Repouso - O ...”; - € 14.520,66 (catorze mil quinhentos e vinte euros e sessenta e seis cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes - rendimentos perdidos durante o período de incapacidade temporária absoluta sofridos pelo autor; - € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de adiantamento por dano patrimonial futuro com aquisição de fármacos e tratamentos médicos, relegando-se a liquidação dessa indemnização, e até ao montante de € 105.267,80, para o momento em que esses danos se verificarem. 2ª. Sucede que, o autor AA faleceu. 3ª. Assim, impõem-se, de forma inquestionável, que seja, a decisão proferida pela 7.º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, objecto de revisão, uma vez que, verificada e comprovada a morte do autor AA, a condenação da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. é manifestamente injusta e, sobretudo, absolutamente desadequada e injustificada, uma vez considerado o ressarcimento dos danos a que respeita – danos estes que, na verdade, não se verificam nem verificarão. 4ª. Resulta do artigo 696.º do Código de Processo Civil, que qualquer das partes pode requer a revisão de Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida – tal se verificando nos presentes autos, uma vez que, tendo o autor AA falecido, conforme documento junto, é manifesta a existência de factos que implicam decisão diversa da proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça. 5ª. É, o presente recurso de revisão legal e admissível, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil – que desde já expressamente se invoca – bem como tempestivo, nos termos do disposto no artigo 697.º do mesmo diploma legal – que igualmente expressamente se invoca – tendo, para a interposição do mesmo, a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. legitimidade e fundamentos legais. 6ª. O falecimento do autor AA, a ... de fevereiro de 2021 é elemento suficiente e determinante para uma decisão diferente, pelo que se verificam reunidos presentes os fundamentos para a revista da decisão pela qual ora se pugna. 7ª. Não está em causa qualquer discordância da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. quanto ao sentido da decisão. 8ª. Muito embora sejam taxativas as situações que podem fundamentar o recurso extraordinário de revisão, a verdade é que, considerada a factualidade ora trazida ao conhecimento dos presentes autos, se verifica a excepção prevista na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil. 9ª. O documento apresentado – e que comprova o falecimento do autor AA não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, não tendo, por isso, o facto do seu falecimento, sido levado ao conhecimento da instância que proferiu a decisão ora objecto de recurso de revisão, não tendo igualmente sido possível à ora recorrente dele fazer uso. 10ª. O autor AA faleceu a ... de fevereiro de 2021, tendo nessa data levado aos autos do processo 4961/16.0T8LSB.L1.S1, que se encontrava a correr termos no Tribunal da Relação de Lisboa as suas Contra-Alegações de Recurso. 11ª. A 22demarço de 2021foi admitido o recurso de revista interposto naqueles autos, tendo em 14 de julho de 2021 sido proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal da Justiça. 12ª. Sucede que, somente a 02 de setembro de 2021 foi levado ao conhecimento dos autos do processo 4961/16.0T8LSB.L1.S1, que o Autor falecido a ... de fevereiro de 2021, tendo sido junto aos autos correspondente Assento de Óbito com o número ...80 do ano de 2021 e Habilitação de Herdeiros – conforme documentos juntos pelos habilitados em Incidente de Habilitação de Herdeiro deduzido nos presentes autos em requerimento datado a 02 de setembro de 2021 e com referência CITIUS.... 13ª. Ora, tivessem os herdeiros que ora se habilitam, levado ao conhecimento dos autos do processo 4961/16.0T8LSB.L1 S1 a factualidade descrita, e dúvidas inexistem de que seria – com toda a certeza – diferente a decisão proferida por este Douto Supremo Tribunal de Justiça, dado que seria dado ao mesmo conhecimento de um facto imprescindível à tomada da sua decisão. 14ª. É, pois assim, manifesta necessidade de revisão da decisão proferida nos presentes autos. 15ª. O documento ora junto, consubstancia um meio de prova susceptível e suficiente de, por si só, demonstrar factos relevantes – in casu, a morte do autor AA – que conduzem, necessariamente, a uma decisão mais favorável à ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A., nomeadamente, à sua absolvição do pagamento dos montantes indemnizatórios fixados por referência a danos futuros, bem como a sua condenação em montantes inferiores aos fixados a títulos indemnizatórios diversos, conforme resulta de decisão ora objecto de recurso de revisão. 16ª. É da competência deste Supremo Tribunal de Justiça a revisão da decisão ora objecto do presente e correspondente pedido, nos termos do disposto no artigo 697.º do Código de Processo Civil, que, expressamente, prevê que é da competência do tribunal que proferiu a decisão, a sua revisão. 17ª. São os presentes autos resultado da acção de condenação interposta pelo autor AA na sequência de acidente de viação de que foi vítima, sendo o objecto dos mesmos o ressarcimento dos danos sofridos por aquele primeiro em consequência do acidente sofrido, quer passados, presentes e futuros. 18ª. Foi a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A., condenada a pagar ao autor AA, diversos quantus indemnizatórios. 19ª. Sucede que o falecimento do Autor impõe-se a revisão dos mesmos, uma fez que tal facto, indiscutivelmente, modifica o direito à indemnização do autor falecido. 20ª. Não obstante o falecimento do autor AA, sempre se manterá a condenação da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A., no pagamento dos montantes que ora se elencam – por o direito ao seu ressarcimento se ter gerado na esfera jurídica do autor: - € 5.700,00 (cinco mil e setecentos euros) a título de indemnização pelo quantum doloris sofrido pelo autor; - € 22.450,00 (vinte e dois mil quatrocentos e cinquenta euros) a título de indemnização pelo período de 898 dias de internamento sofrido pelo autor; - € 3.320,42 (três mil trezentos e vinte euros e quarenta e dois cêntimos) a título indemnização por danos patrimoniais, na vertente de danos emergentes com despesas de transporte e aquisição de cama ortopédica e cadeira de rodas; - € 14.520,66 (catorze mil quinhentos e vinte euros e sessenta e seis cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes - rendimentos perdidos durante o período de incapacidade temporária absoluta sofridos pelo autor; 21ª. Contudo, no respeitante aos restantes danos cujo ressarcimento se havia peticionado, importa que se proceda, por um lado, à sua redução e, por outro, à sua eliminação, nomeadamente quanto aos danos que, com o falecimento do autor, não se verificarão na dimensão a que corresponde o quantum indemnizatório fixado e, por outro, que não se verificarão de todo. 22ª. Foi a ora recorrente condenada no pagamento ao Autor do montante de € 11.000,00 (onze mil euros) a título de indemnização pelo dano estético sofrido por este último, bem como condenada no pagamento do montante de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam nas suas actividades de lazer e, ainda, condenada no pagamento do montante de € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam na sua vida sexual, conforme apurado e fixado por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e confirmado por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça. 23ª. Ora, por referência aos danos mencionados – e cuja ocorrência dos mesmos não se discute – a verdade é que, atenta a nova factualidade ora trazida a juízo – nomeadamente o falecimento do autor AA – importará operar, com recurso a critérios de equidade, a redução dos montantes indemnizatórios fixados. 24ª. Isto porque, no momento da fixação dos montantes indemnizatórios mencionados, importou ao apuramento dos mesmos, diversos critérios como foram, a idade do autor e a sua esperança média de vida, como critério susceptível e cabal de apurar um montante indemnizatório adequado e cabal a ressarcir os danos que o autor iria sofrer, de forma vitalícia, no seu futuro. 25ª. Sucede que, tendo o autor AA falecido, não mais se vislumbra que os danos por si sofridos o sejam de forma duradoura, importando assim, nos presentes autos, que se proceda a nova valoração do sofrimento e das sequelas supra identificadas de que o autor ficou a padecer, já não de forma duradoura e vitalícia, mas os sofridos durante hiato temporal específico, nomeadamente, durante o período compreendido entre o acidente e o seu falecimento, in casu, o período compreendido entre ... de julho de 2015 e ... de fevereiro de 2021. 26ª. Os danos não patrimoniais como são os aqui em apreço, serão danos indemnizáveis por se reportarem a bens que, ofendidos, se revelam danos de natureza de ordem espiritual, ideal ou moral, pelo que, a indemnização correspondente visará reparar os mesmos, não de forma a colocar o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mas sim, mediante a atribuição, ao mesmo, de indemnização que se reflita numa satisfação ou compensação pelos mesmos, a determinar e a atribuir segundo juízos de equidade, conforme, entre o demais, o expressamente previsto na primeira parte do número 3 do artigo 496.º do Código Civil. 27ª. Não se podendo ignorar que as circunstâncias do caso concreto se alteraram, a verdade é que a compensação a atribuir ao autor AA já não mais poderá ser uma indemnização que vise compensar um sofrimento duradouro e vitalício do mesmo – pois tal, lamentavelmente, não ocorrerá – importando, assim, por ora, a remissão do presente caso para os princípios da equidade e da proporcionalidade, com vista a atribuir, ao autor AA, compensação pelos 33 (trinta e três) meses durante os quais o mesmo sofreu os danos ora em apreço. 28ª. Assim, considerando que para a fixação das indemnizações a que ora nos reportamos, se considerou a idade do Autor à data do acidente, nomeadamente, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, e tendo o mesmo falecido aos 61 (sessenta e um) anos de idade, pugna a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. pela redução dos montantes indemnizatórios em que foi condenada a, pelo menos, um terço; revogando-se a decisão ora objecto de revisão e substituindo-se por outra que condene esta no pagamento dos seguintes montantes indemnizatórios: - € 3.666,66 (três mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) a título de indemnização pelo dano estético sofrido pelo autor; - € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam na sua vida sexual; - € 3.333,33 (três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam nas suas actividades de lazer. 29ª. Foi também a ora recorrente condenada no pagamento, ao autor AA, do montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam na sua vida laboral futura, nomeadamente, a repercussão que as sequelas teriam, para o autor para o resto da sua vida. 30ª. Sucede que, com o seu falecimento, o autor AA as sequelas de que o mesmo padeceu, enquanto repercussão na sua vida laboral futura, ocorreram – tão só – durante pouco mais de dois anos e meio. 31ª. É assim entendimento da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. que, também aqui, se deverá – pelos fundamentos já supra expostos – pela redução dos montantes indemnizatórios em que foi condenada a, pelo menos, um terço. 32ª. Assim, tendo sido a MAPFRE – SEGUROS GERAIS, S.A. condenada no pagamento da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam na sua vida laboral, requer que, sendo procedentes as presentes alegações, seja o montante indemnizatório identificado, reduzido a um terço do seu valor e, portanto, se revogando a decisão anterior e ora objecto de recurso, substituindo-se por outra que condene a ora recorrente MAPFRE -SEGUROS GERAIS, S.A. no pagamento do montante de € 16.666,67 (dezasseis mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) a título de indemnização pela repercussão, que as sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, reflectiriam na sua vida laboral. 33ª. Ainda em conformidade com a decisão proferida por este Douto Supremo Tribunal de Justiça, foi a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A., pelo Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, condenada no pagamento do montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico sofrido pelo autor enquanto dano patrimonial futuro de perda de ganho. 34ª. Ora, tendo o autor AA falecido, não se vislumbrará, da forma duradoura que havia sido perspectivada, alteração da vida laboral daquele em consequência do acidente de que foi vítima. 35ª. Sendo a parcela indemnizatória a que ora se faz expressa referência, uma inequívoca compensação patrimonial, a título de perda de capacidade de ganho, motivos inexistem – no modesto entendimento da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. para manter a indemnização, no montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico sofrido pelo autor enquanto dano patrimonial futuro de perda de ganho, uma vez que, a ser assim, ocorreria manifesta violação do princípio da reparação a que a fixação desta indemnização está sujeita. 36ª. Tendo o autor AA lamentavelmente falecido, ocorreu inequívoca modificação superveniente do seu direito, ocorrendo consequentemente modificação do seu direito à indemnização, atenta a interrupção do nexo causal entre incapacidade funcional do autor e os danos futuros que previsivelmente iria ter até ao fim da sua vida activa – e que já não existem, 37ª. Ora, não existindo danos, não poderão os mesmos, naturalmente, ser ficcionados e consequentemente ressarcidos; impondo-se, assim, fixar indemnização dos respectivos danos que, à presente data, são concretamente apuráveis. 38ª. A partir da superveniência da morte, os danos emergentes da incapacidade funcional do falecido autor AA, são danos concretos, já consolidados no momento presente, cujo valor facilmente se calcula, sem necessidade de recorrer a critérios de probabilidade e de equidade: limitam-se à perda de ganho ocorrida entre a data do acidente e a data da morte. 39ª. Assim, tendo sido a MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. condenada no pagamento da quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico sofrido pelo autor enquanto dano patrimonial futuro de perda de ganho, e tendo o autor, efectivamente, tão só sofrido danos patrimoniais futuros de perda de ganho inerentes ao período compreendido entre a data do acidente, 03 de julho de 2015 e a data do seu infeliz falecimento, ... de fevereiro de 2021, limitando-se assim a sua perda de ganho a pouco mais que 5 (cinco) anos, requer que, sendo procedentes as presentes alegações, seja o montante indemnizatório identificado, reduzido a, pelo menos, um terço, e, portanto, se revogando a decisão anterior e ora objecto de recurso, substituindo-se por outra que condene a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. no pagamento do montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico sofrido pelo Autor. 40ª. Por fim, foi ainda a ora recorrente MAPFRE – SEGUROS GERAIS, S.A. condenada no pagamento do montante de € 100.000,00 (cem mil euros) a título indemnização por danos patrimoniais, na vertente de danos emergentes com a necessidade de internamento do autor na “Casa de Repouso - O ...”, conforme apurado e fixado por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e confirmado por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça. 41ª. Lamentavelmente, não se verificou a concretização da esperança de vida que havia sido levada em conta para o apuramento e fixação daquele quantum indemnizatório, pelo que, inexistem quaisquer fundamentos para que se atribua, ao mesmo, indemnização por danos patrimoniais futuros, na vertente de danos emergentes com a necessidade de permanência de internamento do mesmo na “Casa de Repouso - O ...”, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros). 42ª. Ora, considerando que o autor AA, faleceu a ... de fevereiro de 2021, facilmente se apura que o mesmo permaneceu internado na "Casa de Repouso - O ..." tão só durante o período de 33 (trinta e três) meses, facilmente se apurando que tal permanência se reflecte num dano patrimonial, inerente à sua despesa, no valor de € 19.140,00 (dezanove mil cento e quarenta euros). 43ª. Não existindo dano, o mesmo não pode – de forma alguma – ser ressarcido, pelo que a condenação da ora recorrente MAPFRE- SEGUROS GERAIS, S.A. no pagamento de indemnização por dano patrimonial resultante da necessidade de o autor permanecer internado na "Casa de Repouso - O ...", se esgota no montante de € 19.140,00 (dezanove mil cento e quarenta euros) – valor que facilmente se apura, sem necessidade de recorrer a critérios de probabilidade e de equidade, já que se limita a apurar um dano patrimonial, neste caso, uma despesa, ocorrida entre a data do internamento e a data da morte. 44ª. É, pois assim, forçosa a revisão da decisão condenatória proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente na condenação da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. no pagamento de indemnização por danos patrimoniais, na vertente de danos emergentes com a necessidade de internamento do autor na “Casa de Repouso - O ...”, substituindo-se o quantum indemnizatório de € 100.000,00 (cem mil euros), pelo valor de € 19.140,00 (dezanove mil cento e quarenta euros). 45ª. Por fim, tendo sido a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. condenada no pagamento do montante de € 7.500,00(sete mil e quinhentos euros) a título de adiantamento por dano patrimonial futuro com aquisição de fármacos e tratamentos médicos, relegando-se a liquidação dessa indemnização, e até ao montante de € 105.267,80, para o momento em que esses danos se verificarem, deverá o correspondente trecho decisório ser igualmente objecto de revisão. 46ª. Por um lado, verificando-se, com a morte do autor, a substituição dos danos futuros por danos concretizáveis e apuráveis, a condenação a título de danos futuros com aquisição de fármacos e tratamentos médicos não se poderá manter; e, por outro lado, tendo falecido o autor, forçoso será absolver a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. do pagamento de indemnização a título de danos futuros até ao montante de €105.267,80, para o momento em que esses danos se verificarem, uma vez que, lamentavelmente, não se verificarão. 47ª. Uma vez que correspondia, a condenação ora em apreço a adiantamento ao autor AA para a aquisição, por este, de fármacos e tratamentos médicos, tendo o mesmo falecido, operou a modificação do seu direito. 48ª. Assim, por um lado, não existirão quaisquer danos futuros a este título, pelo que terá forçosamente de ser a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. absolvida da condenação no pagamento de danos futuros com aquisição de fármacos e tratamentos médicos, a liquidar em momento em que esses danos se verifiquem, e até ao montante de € 105.267,80 (cento e cinco mil duzentos e sessenta e sete euros e oitenta cêntimos). 49ª. Por outro lado, será de rever a condenação da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. no pagamento de adiantamento no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) por dano patrimonial futuro com aquisição de fármacos e tratamentos médicos, substituindo-se por outra que limite o ressarcimento a este título ao valor daqueles que foram os danos efectivos e resultantes da aquisição, pelo AA, de fármacos e tratamentos médicos – impondo-se, assim, a sua concretização, que só aos herdeiros que ora se habilitam compete, por só estarem estes em condições de o fazer. Nada se demonstrando, forçosa será a absolvição da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. da condenação no pagamento do valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) por dano patrimonial futuro. 50ª. Verificadas que estão as condições de admissibilidade do presente pedido de revisão, não poderá deixar a ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. de concluir que, não procedendo o pedido de revisão ora pugnado, será a situação em que se colocarão aos herdeiros do falecido autor AA, maxime, uma situação de manifesto enriquecimento ilícito. Termos em que requer a ora requerente Mapfre – Seguros Gerais S.A. que seja o presente recurso de revisão julgado procedente e, em consequência, seja modificada a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça nos termos ora impugnados. /// Os Recorridos responderam, pugnando pela improcedência do recurso. /// Por acórdão de 24.05.2022 foi julgado procedente o recurso e, em consequência, revogado o acórdão recorrido, notificando-as partes para, querendo, alegarem por escrito no prazo de 20 dias (art. 701º, nº1, b) do CPC). A Recorrente apresentou alegações escritas, dizendo no essencial: Tendo o autor falecido, não haverá condenação da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. no pagamento de nenhum tipo de danos futuros, uma vez que os mesmos, com toda a certeza, não se verificarão. Do mesmo modo, não haverá lugar à condenação da ora recorrente MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. no pagamento de danos cujo seu ressarcimento respeita a uma compensação assente no pressuposto dos danos a que respeita serem vitalícios e duradouros no tempo e perspectivados na esperança média de vida do autor. Comprovado que está o falecimento do autor AA, há que proferir decisão que se mostre adequada e justa à realidade dos factos, nomeadamente, que o autor sofreu um acidente de viação do qual resultaram danos, danos esses que findaram com o seu infeliz falecimento e que, por isso, não perdurarão no tempo. Tendo vindo o autor AA a falecer, as indemnizações a atribuir ao mesmo – e a serem posteriormente liquidadas aos seus herdeiros habilitados – em resultado dos danos sofridos em acidente de viação ocorrido a 03 de julho de 2015, deverão ser apuradas e arbitradas tomando em consideração a data do seu infeliz e posterior falecimento a ... de fevereiro de 2021 –importando desde já esclarecer que o falecimento daquele não resultou das lesões pelo mesmo sofridas em consequência do acidente mencionado. É inegável que o autor, em consequência do acidente a que reportam os presentes autos, sofreu: quantum doloris; 898 dias de internamento; despesas de transporte e aquisição de cama ortopédica e cadeira de rodas; perdas salariais durante o período de incapacidade temporária absoluta sofridos pelo autor; dano estético; afectaçao da sua vida laboral; afectação da sua vida sexual; e afectação das suas actividades de lazer. Por seu turno, é inegável que o autor não sofreu os danos futuros para os quais a matéria de facto parecia apontar, dado que, lamentavelmente, o autor faleceu a ... de fevereiro de 2021. Ou seja, o autor não sofrerá quaisquer danos futuros inerentes à necessidade de internamento do autor na “Casa de Repouso - O ...”, nem tão pouco quaisquer danos inerentes ao dano biológico enquanto gerador de perda de ganho, nem tão pouco quaisquer danos futuros inerentes a despesas com aquisição de aquisição de fármacos e tratamentos médicos e sua relegação para momento posterior. Assim, ao contrário daquele que é o juízo habitualmente formulado quanto ao ressarcimento dos danos supra elencados, para apuramento do seu correspondente montante ressarcitório – sendo esses, regra geral, a idade do autor e a sua esperança média de vida – não se poderá ignorar as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, que o autor não viverá os danos mencionados como sofrimentos duradouros e vitalícios, tendo, pois assim, quanto ao ressarcimento dos mesmos, de ser feito um juízo de equidade face ao tempo de convivência do autor com os mesmos, e que se fixou durante o período de tempo compreendido entre ... de julho de 2015 e ... de fevereiro de 2021. Assim, importará no presente juízo rescisório o recurso a juízos de equidade, deforma a apurar e fixar montante indemnizatório a atribuir, já não como forma de compensar a permanência e irreparabilidade no tempo dos danos sofridos, mas sim, de ressarcir em consequência da convivência do autor AA com os mesmos durante um período de tempo que se fixa em 33 (trinta e três) meses, e considerando ainda que, na sequência da decisão proferida pelo Juiz ... do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., decisão entretanto confirmada pela ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa – mas que por ora foi revogada – a MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A., ré, liquidou, em 16 de setembro de 2020, ao autor AA a quantia de € 214.889,73 (duzentos e catorze mil oitocentos e oitenta e nove euros e setenta e três cêntimos). Os Recorridos mantêm a posição segundo a qual não há fundamento para o recurso de revisão, sendo “devidas todas as quantias fixadas a título de indemnização ao Autor, independentemente do seu falecimento em ... .02.2021. Decidindo. Já se decidiu que o recurso de revisão procede, por verificado o fundamento da alínea c) do art. 696º do CPCivil, tendo sido revogada a decisão objecto de revisão. Ora dispõe o art. 701º, nº1, alínea a) do CPCivil: Nos casos previstos nas alíneas a) a f) e h) do art. 696º, se o fundamento da revisão for julgado procedente, é revogada a decisão recorrida, observando-se o seguinte: nos casos das alíneas a), c) e f), do art. 696º, profere-se nova decisão, procedendo-se às diligências absolutamente indispensáveis e dando-se a cada uma das partes o prazo de 20 dias para alegar por escrito. Não se vê a necessidade de proceder a diligências instrutórias, nem tal foi requerido pelas partes. Está assente que o Autor AA foi vítima de acidente de viação, culposamente causado por um veículo segurado na Recorrente Companhia de Seguros Mapfre, S. A. Está igualmente assente que em consequência do acidente aquele sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial. No presente recurso de revisão está em causa a alteração dos valores indemnizatórios fixados, tendo em conta o facto morte do Autor, que apenas foi dado a conhecer no processo após a prolação do acórdão neste Tribunal. Os valores indemnizatórios sujeitos a revisão são apenas os atinentes aos danos futuros, em que o tempo previsível de vida do Autor foi determinante para a fixação do quantum indemnizatório. Daí que a indemnização por danos não patrimoniais (dano estético, quantum doloris, repercussão na vida sexual, na actividade laboral, nas actividades de lazer, e pelos 898 dias de internamento hospitalar), fixada no montante global de €114.150,00 se mantém inalterada. Igualmente se mantém a indemnização por dano patrimonial, pelas despesas que suportou com transportes, cama ortopédica e cadeira de rodas, e rendimentos perdidos durante a incapacidade absoluta, no total de €17.841,10. Os valores indemnizatórios que urge rever são os seguintes: - €100.000,00 a título de ressarcimento do custo com o internamento do Autor na “Casa de Repouso - O ...”; - €120.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico, na vertente de dano patrimonial; - €7.500,00 “a título de adiantamento por dano patrimonial futuro com aquisição de fármacos e tratamentos médicos, relegando-se a liquidação dessa indemnização – até ao montante de €105.267,80 – para o momento em que esses danos se verificarem”. Vejamos cada um deles. O acórdão revidendo justificou a fixação da indemnização de €100.000,00 pela despesa com o internamento do Autor nos seguintes termos: “A Relação alterou esta parte da decisão e atribuiu a indemnização peticionada, €100.000,00. Decisão que justificou com o facto de o Autor estar internado desde 01.08.2018 na Casa de Repouso, que necessita de ali continuar internado face à gravidade dos danos que sofreu, sendo o custo de internamento de €850,00 mensais, valor em que não inclui, como é do conhecimento geral, todas as despesas acessórias ao mesmo internamento como, por exemplo, o pagamento de fraldas, de que o A. passou a necessitar para toda a vida e de medicamentos ou de serviços adicionais como é o caso de fisioterapia e tratamentos médicos específicos como o é o da, acabando por concluir que o valor peticionado foi modestamente calculado. Defende a Recorrente que se trata de um valor exagerado, não havendo prova de que no custo do internamento não estão incluídas as despesas do Autor com fraldas e medicamentos, etc. Que dizer? Não se trata em rigor de “indemnizar uma despesa com a adequação da habitação do Autor”, mas sim indemnizar a despesa com o internamento na Casa de Repouso onde se encontra desde 01.06.2018, mediante a mensalidade de €850,00. Não carece de prova, por ser um facto notório (art. 412º do CPC), que a mensalidade dos lares, ou casas de repouso, cobre apenas as despesas de internamento e alimentação, não as relativas a medicamentos, consultas ou fraldas dos utentes. Como assim, o valor indemnizatório fixado com este fundamento não se confunde, nem duplica a indemnização já atribuída de €7.500,00. Uma simples operação aritmética permite concluir que ao fim de um ano a estadia na Casa de Repouso tem um custo de €10.200,00, valor que ao fim de dez anos, desprezando possíveis aumentos da mensalidade, atingirá os €102.000,00. E ao contrário do defendido pela Recorrente, pode concluir-se com segurança da matéria de facto que a necessidade de o Autor estar internado na Casa de Repouso, apesar das patologias de que já padecia, deriva do acidente. A necessidade de internamento do Autor só surgiu após o acidente, como resulta do facto nº 36º-A, e foi imposto pelo tipo de tratamentos e cuidados médicos de que carece. Tanto basta para confirmamos o juízo da Relação nesta parte.” Uma vez que o Autor viveu apenas 30 meses e 22 dias após a data do internamento na Casa do Repouso (01/08/2018 – 23/02/2021), o quantum indemnizatório de €100.000,00 deve ser alterado. Considerando aquele período temporal e o valor da mensalidade do internamento (€850,00), que se admite tenha sofrido um aumento nos dois anos e meio em causa, entende-se como adequado fixar a indemnização a este título em €27.000,00. A indemnização pelo dano biológico, que foi fixada em €120.000,00. Escreveu-se no acórdão recorrido: “Insurge-se também a Recorrente contra a indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico que a Relação fixou em €146.017,68, subindo o valor de €90.000,00. fixado na sentença. (…) Está consolidado a nível do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento que a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui um dano real ou dano-evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem saúde. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de actividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária. No acórdão do STJ de 13.07.2017, P. 3214/11 (Tomé Gomes), decidiu-se que “para efeitos de indemnização a título do chamado dano biológico, só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida do lesado, mas sem um alcance dessa natureza.” Indemnização que visa compensar a “maior penosidade e esforço no exercício da actividade diária corrente e profissional do autor, bem como a condicionamento a que ficou sujeito para efeitos de valorização do seu estatuto no emprego” (Acórdãos de 17.05.2011, P. 7449/05, de 21.03.2013 P. 565/10, e 19.09.2019, sumariado na CJ AcSTJ, 2019, 3º, pag. 385). Como se trata de um dano patrimonial indeterminável, a reparação deve ser fixada segundo juízes de equidade – art. 566º, nº3 do CCivil – dentro dos limites que o tribunal tiver por provado. A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão – tanto na profissão habitual do lesado, assim como em actividades profissionais alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. (Ac. STJ de 25.05.2017, P. 2028/19). No caso presente, resulta da factualidade apurada que o Autor, à data do acidente, tinha 55 anos de idade; ficou a padecer de défice funcional de 75 pontos; as lesões sofridas são impeditivas do exercício da sua profissão habitual (cozinheiro, que exerceu durante 30 anos); encontrava-se desempregado, auferindo o subsídio mensal de €485,00; com carácter permanente passou a necessitar de usar cama articulada, cadeira de rodas, andarilho, talheres adaptados, cadeira para o banho; ajuda de terceira pessoa para todas as actividades da vida diária, excepto ingestão alimentar. Todas estas sequelas não só o acompanham até à idade da reforma laboral, como o acompanharão até ao termo da sua vida activa. Importa, no entanto, considerar que as potencialidades de trabalho do Autor, ou de aumento de ganho, na sua profissão ou em actividades alternativas, estavam já limitadas por motivo das várias patologias de que sofria (cf. nº 30). Não pode ainda esquecer-se que o Autor foi ressarcido, a título de danos não patrimoniais, com a verba de €50.000,00 “pela repercussão na vida laboral,” que em bom rigor encontraria melhor justificação no âmbito do ressarcimento do dano biológico na vertente de dano patrimonial. É que a indemnização por dano não patrimonial (art. 496º do CC), visa compensar as dores, físicas ou morais, o desgosto, o sofrimento de quem se sente diminuído fisicamente para o resto da vida (cf. Ac. STJ de 21.03.2013, P. 565/10). Por outro lado, a Relação valorou aspectos que não integram o dano de perda de capacidade de ganho, ao considerar para efeitos da indemnização “a total impossibilidade de o lesado poder executar os actos normais da sua vida quotidiana e que se traduzem na sua autonomia para andar, tratar da sua própria higiene e dos assuntos normais da sua vida particular, tal como ir buscar o seu neto à escola (actividade que desempenhava diariamente), passear e/ou executar todos os actos que correspondem ao curso normal de vida de um qualquer cidadão e que, no seu caso, e apenas em relação a alguns deles, podem ser executados por terceiros,” aspectos sem dúvida importantes na vida de qualquer pessoa, mas não susceptíveis de avaliação pecuniária e portanto a considerar na indemnização por dano não patrimonial. Dito isto, e porque importa assegurar a objetividade possível, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (art. 8º/3 do CC), há que ponderar a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, citam-se alguns exemplos recentes que se encontram disponíveis em www.dgsi.pt., em casos com alguma semelhança: (…). Á luz dos exemplos citados, o valor de €90.000,00 fixado na sentença e que a Recorrente defende é baixo, muito aquém da gravidade da situação em que o Recorrido se encontra por força do acidente. Por outro lado, também nos parece excessivo o montante fixado na sentença tendo em conta o já referido (as condições pessoais do Autor à data do acidente, e o facto de “a repercussão na vida laboral” já ter sido considerado na fixação do dano não patrimonial). Daí que, num juízo equitativo, se fixe a este título a indemnização de €120.000,00.” Se o falecimento do Autor, que foi alheio ao acidente, fosse conhecido aquando da prolação do acórdão revidendo, tal facto não deixaria de ter influência na fixação do “quantum indemnizatório.” Assim é uma vez que no cálculo da indemnização por dano biológico um dos factores a ter em conta é a esperança média de vida do lesado. Neste sentido decidiu o Acórdão do STJ de 05.07.2007, P.07 A1818 (Nuno Cameira), assim sumariado: “Se o lesado num acidente de viação falecer por razões alheias a esse facto cinco anos depois da sua ocorrência, a indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade parcial de 30% de que ficou afectado não deve ser calculada tendo em consideração a esperança média vida (ou de vida activa). Haverá que necessariamente atender, em tal caso, ao facto da morte entretanto sobrevinda, quer por força do art. 663º, nºs 1 e 2 do CPC (…), quer em função do disposto no art. 564º, nº2 do Código Civil, que apenas consente a reparação dos danos futuros previsíveis.” Escreveu-se na fundamentação do aresto: “(…) o factor de maior contingência a tomar em consideração no cálculo a efectuar – a esperança média de vida – deixou de o ser a partir a partir do momento em que, por razões alheias ao acidente ajuizado, faleceu cinco anos mais tarde. Perante este dado, torna-se óbvio que os danos futuros decorrentes da IPP de 30% de ficou a padecer por virtude do acidente não devem ser quantificados com referência ao que poderia ter sido, mas na realidade não foi, o seu tempo de vida física. Há que computá-los considerando tão somente o período de cinco anos incompletos. Se não se proceder dessa forma (…) dar-se-á cobertura a uma situação de verdadeiro enriquecimento sem causa com origem na atribuição de uma indemnização por danos cuja previsibilidade, exigida pelo art. 564º, nº2, o falecimento do lesado tornou impossível ou, se se quiser, de todo anulou.” No caso vertente, foi fixada a indemnizada pelo dano biológico em €120.000,00 no pressuposto de que o Autor – que à data do acidente tinha 55 anos, ter ficado afectado de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 75 pontos, sendo as lesões impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional – teria ainda mais 20/25 anos de vida activa. Tal não se veio a verificar por motivo do seu decesso cerca de 6 anos depois, não podendo, pois, manter-se a indemnização fixada no acórdão revidendo. Tudo sopesado, entende-se que a indemnização por este dano deverá ser fixada em €25.000,00, valor que se ajusta às circunstâncias do caso. Por último vejamos a indemnização por dano patrimonial futuro, por se ter provado que o Autor iria ter despesas no futuro com a aquisição de fármacos e tratamentos médicos, que foi fixada em €7.500,00 “a título de adiantamento, relegando-se a liquidação dessa indemnização – até ao montante de €105.267,80 – para o momento em que esses danos se verificarem”. Provou-se que em consequência do acidente o Autor passou a necessitar, com carácter permanente de “ajudas medicamentosas: fármacos adequados à sua condição neurológica, prescritos pelo médico assistente, e de tratamentos médicos regulares: de fisioterapia, para evitar agravamento das sequelas motoras, e consultas de neurologia.” Da morte do Autor decorre a desnecessidade de relegar para liquidação a fixação da indemnização, mantendo-se a indemnização, a este título, no valor fixado de €7.500,00. Tudo visto, na parcial procedência do recurso de revisão, reconhece-se ao falecido Autor o direito às seguintes indemnizações: €114.150,00 a título de danos não patrimoniais, que se mantém inalterada; €17.841,10, a título de patrimonial, por danos emergentes (despesas com transportes, cama ortopédica e cadeira de rodas, e rendimentos perdidos durante a incapacidade absoluta); €7.500,00 a título de ressarcimento pelas despesas com aquisição de fármacos e tratamentos médicos; €27.000,00, por dano patrimonial pelo internamento na “Casa de Repouso - O ...” - €25.000,00 a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial. Por fim, uma referência ao pedido da Recorrente no sentido de serem notificados os Recorridos para prestarem caução no valor de €380.232,00, nos termos do art. 702º do CPC, alegando estar pendente execução de sentença no ... Juízo Cível de ..., em que constitui título executivo o acórdão da Relação de Lisboa proferido nos autos. O citado art. 702º do CPC estatuiu que “se estiver pendente ou for promovida execução de sentença, não pode o exequente ou qualquer credor ser pago em dinheiro ou em quaisquer bens sem prestar caução.” À prestação de caução como incidente são aplicáveis as disposições dos arts. 906º e ss, do CPC, e o incidente é processado por apenso, nº1 do art. 915º. Por conseguinte, é no processo de execução que a Requerente deve requerer a prestação de caução e não no recurso de revisão. Decisão. Em face do exposto, na parcial procedência do recurso de revisão, decide-se condenar a Ré Mapfre – Seguros Gerais SA a indemnizar o Autor por danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante global de €191,491,10 (cento e noventa e um mil quatrocentos e noventa e um euros e dez cêntimos). A Recorrente vai condenada em juros de mora, nos termos decretados no acórdão da Relação e que mantida no acórdão revidendo. Na indemnização ora fixada, a Recorrente Mapfre deduzirá o que a título de indemnização já pagou ao Autor pelo acidente. Custas por Recorrentes e Recorridos na medida do decaimento. Lisboa, 10.11.2022 Ferreira Lopes (Relator) Manuel Capelo Tibério Nunes da Silva |