Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDO SAMÕES | ||
Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA EXCESSO DE PRONÚNCIA CASO JULGADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA TRANSACÇÃO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PODERES DA RELAÇÃO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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Data do Acordão: | 04/09/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISTA | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTAS DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / PRINCÍPIOS GERAIS / PRESUNÇÃO DE CULPA E APRECIAÇÃO DESTA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / APELAÇÃO / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA. | ||
Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada, p. 91; - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 137 ; Eficácia do Caso Julgado em Relação a Terceiros, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. XVII (1940-1941), p. 207; - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista, 1985, p. 686, 687 e 688; - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 726-729; - Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, p. 38-39, 43-44; - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 2, 3.ª edição, p. 735 e 736; - José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 2.ª edição, p. 703; - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, p. 354; - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 305; - Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572, 578-579. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 799.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 5,615.º, N.º 1, ALÍNEAS A), B), C), D) E E), 616.º, N.º 2, 619.º, 621.º, 662.º, N.º 1 E 674.º, N.ºS 1, ALÍNEA C) E 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 22-01-2015, PROCESSO N.º 24/09.2TBMDA.C2.S2; - DE 07-07-2016, PROCESSO N.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1; - DE 30-03-2017, PROCESSO N.º 1375/06.3TBSTR.E1.S1; - DE 18-05-2017, PROCESSO N.º 4305/15.8T8SNT.L1.S1; - DE 13-09-2018, PROCESSO N.º 33/12.4TVLSB-A.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - Não padece de nulidades, por omissão nem por excesso de pronúncia, o acórdão que conhece de todas as questões colocadas e são fundadas em omissão de elementos probatórios e em erro de julgamento. II - Também não padece de nulidade por falta de fundamentação de direito, o acórdão que encerra uma decisão jurídica: a inexistência de um contrato ou prestação de serviços entre as partes e dos seus efeitos jurídicos. III - A função positiva do caso julgado, designada por autoridade do caso julgado, tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objectos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se depreende dos arts. 619.º e 621.º, ambos do CPC. IV - Não tem eficácia de caso julgado a sentença homologatória de uma transacção celebrada noutra acção, relativamente a terceiro juridicamente interessado. V - O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 607.º, n.º 5 do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto impugnada. VI - É definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art. 662.º. n.º 1, do CPC, sobre a prova sujeita à livre apreciação, não podendo ser modificado ou censurado pelo STJ, cuja intervenção está limitada aos casos da parte final do n.º 3 do art. 674.º do mesmo Código. VII - A presunção de culpa prevista no art. 799.º, n.º 1, do CC pressupõe a existência de uma obrigação a ser cumprida pelo devedor, cuja demonstração compete ao credor. VIII - As nulidades previstas na al. c) do n.º 1 do art. 674.º, como fundamento de revista, reportam-se somente às nulidades cujas causas estão enunciadas nas als. a) a e) do n.º 1 do art.º 615.º, e não a qualquer outro vício, nomeadamente os fundamentos de reforma aludidos no n.º 2 do art. 616.º, todos do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1[1] * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:
I. Relatório
AA, Lda.”, intentou acção declarativa, com processo comum, contra BB, SA, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 67.770,00 € (sessenta e sete mil, setecentos e setenta euros), correspondente ao valor do crédito resultante das facturas que mencionou, acrescido dos juros de mora à taxa legal, vencidos e os vincendos até integral e efectivo pagamento.
A ré BB, SA, apresentou contestação, por impugnação, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido. Após a declaração de nulidade da sua citação, apresentou nova contestação, excepcionando a ilegitimidade activa e impugnando os factos alegados, concluindo pela sua absolvição da instância ou pela improcedência total da acção com a consequente absolvição do pedido.
Realizou-se audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador em que foi decidido julgar a autora parte legítima. Foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença onde foi decidido julgar a acção procedente, por provada, e, consequentemente, condenar a ré BB a pagar à autora AA, Lda, a quantia global de € 93.951,50 (noventa e três mil novecentos e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais aplicáveis aos créditos comerciais, sobre o capital de €67.770,00 (sessenta e sete mil setecentos e setenta euros), desde 26 de setembro de 2016 e até integral pagamento.
Inconformada, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 25/10/2018, julgou a apelação procedente, revogando a sentença recorrida e absolvendo a ré do pedido.
Inconformada, desta feita, a autora interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões: “1. Ocorreu violação da lei substantiva e da lei de processo, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) do C.P.C., como sejam, o caso julgado, a liberdade contratual, a liberdade de apreciação da prova, o art.º 799.º do Código Civil e o art.º 1154.º do Código Civil; 2. Nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), conjugado com o art.º 674.º, n.º l, alínea c) do C.P.C., o Tribunal a quo, conheceu de questões (favoravelmente à Recorrida) de que não podia tomar conhecimento nos moldes em que o fez. Isto a propósito do documento — contrato de aluguer dos aviões entre a aqui Recorrente e a empresa "CC", que nunca foi impugnado de forma especificada pela aqui Recorrida na contestação (nem a mesma fez uso dos arts.º 444.º e 446.º do Código Civil, relativamente à alegação da falta de genuinidade ou autenticidade do referido documento); 3. Nos termos dos arts.º 674, n.º 1, alínea c) e 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., o tribunal a quo, deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, como sejam, a existência de sentença transitada em julgado em que a massa insolvente da empresa "CC", rejeitou e excluiu que seja a dita empresa a titular do direito de crédito perante a empresa "BB", atribuindo à ora Recorrente esse direito de recebimento e rejeitando a existência de qualquer prestação de serviços à "BB”, que tenha ocorrido, no período entre Maio e julho de 2011; um contrato de aluguer dos aviões operados pela empresa "CC" e que concedia à Recorrente, a exploração dos aviões no período que se situa entre Maio e Julho de 2011 e que prova que era a ora Recorrente quem detinha os aviões nesse período, sendo a "CC'' a empresa que somente operava e confirmava os voos; declaração do Administrador da "CC", no qual refere que esta somente operacionalizou, sob o seu certificado de operador aéreo os voos para a Ré/Recorrida, no período em causa e que os custos operacionais destes voos foram suportados pela A., ora Recorrente, empresa detentora de personalidade jurídica própria; as declarações da testemunha DD, piloto de aviação, que declarou prestar serviços apenas à Recorrente no período entre Maio e julho de 2011 em voos destinados à aqui Recorrida e que pilotou os aviões que fizeram as viagens constantes nas facturas em dívida nos autos; 4. Existem documentos que constam do processo, que, por si só, implicam, necessariamente decisão diversa da proferida, nos termos dos arts.° 674.º, n.º 1, alínea c), 666.º e 616.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., como o sejam a sentença transitada em julgado relativo à exclusão e rejeição da empresa "CC" como prestadora de serviços à aqui Recorrida, no período entre Maio e Julho de 2011, confessando e valendo tal assumpção e reconhecimento da "CC” à ora Recorrente como sendo esta a prestadora de serviços à ora Recorrida e, daí, aliás, esta última ter efectuado pagamentos de diversas facturas à ora Recorrente; 5. Existiu violação do art.º 615.º, alínea b), art.º 666º e artº 674.º, n.º l, alínea c) do C.P.C., pelo Acórdão recorrido não ter especificado os fundamentos de direito que justificam a decisão; 6. O Tribunal a quo não fez qualquer análise conjuntural da prova produzida e, nomeadamente, não faz qualquer análise e referência, não tendo sequer, se referido, à existência prévia de uma sentença transitada em julgado, proferida no processo judicial n.º 1142/15.3 T8PV2, pelo Juízo Central Cível da ..., J2, na qual foi decidido que o ente titular do crédito existente sobre a empresa "BB” referente a prestação de serviços ocorrida entre Maio e Julho de 2011, de serviços de aviação privada executiva, é a "AA", ora Recorrente; 7. A referida decisão judicial, transitada em julgado, não pode ser totalmente omitida pelo Tribunal a quo, como se não existisse, porquanto, a mesma comporta e traduz em si mesma diversos efeitos jurídicos; 8. No processo judicial n.º 1142/15.3 T8PVZ, que correu termo no Juízo Central Cível da ..., J2, a "CC", através da respectiva Administradora de Insolvência vem aos autos indicar que nada tem a ver com a relação comercial entre a "AA" e a “BB” e que não foi prestadora de serviços a esta última no período entre Maio e Julho de 2011, nem detém qualquer crédito sobre esta última relativo a esse período; 9. O processo judicial referido, findou, por sentença homologatória de transacção, já transitada em julgado, em que existiu esse reconhecimento e confissão da "CC", através da sua massa insolvente - Administrador Judicial; 10. Apesar da ora Recorrida não ter participado no referido processo judicial como parte ou interveniente processual, não se pode afastar a circunstância da representante da massa insolvente da empresa "CC'', a Administradora de Insolvência, ter vindo a um processo judicial, informar os mesmos de que a sua representada não é titular de qualquer crédito sobre a empresa “BB” a Ré, ora Recorrida, sabendo-se que a Administradora de Insolvência, prestou tal informação conscientemente, no interesse dos credores da massa insolvente, sendo que, caso houvesse crédito da "CC” teria sido, de imediato, peticionado esse crédito e a massa insolvente só teria a ganhar com o recebimento de rendimento para distribuição pelos credores; 11. O teor do Acórdão recorrido ao omitir deliberadamente tal sentença judicial transitada em julgado, confronta, pois, com o caso julgado, isto porque, sendo caso julgado que a empresa "CC" não é detentora de crédito sobre a "BB”, por estar o ter reconhecido expressamente através do seu representante legal, a decisão do tribunal recorrido, aponta para o não reconhecimento do crédito da A., ora Recorrente, porque tal crédito será, isso sim, diz o Tribunal a quo, da empresa "CC"; 12. Uma vez que o Tribunal a quo conheceu em sede de recurso, decidindo contra matéria já transitada em julgado (no Juízo Central Cível da ...), não poderia o mesmo tribunal perante quadro factual e jurídico idêntico e sendo do seu conhecimento o teor da sentença do Juízo Central Cível da ..., porquanto, consta dos autos e foi até referido na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância — Juízo Central Cível de ... -, pronunciar-se em nova decisão em sentido contrário, assim violando o caso julgado (arts.º 619.º, 620.°, n.º 1 e ss. e 628.º do Código de Processo Civil) e não podendo, por isso, essa decisão subsistir; 13. Nos termos do art.º 625.º do C.P.C., existe caso julgado contraditório, havendo duas decisões sobre quem é o titular do crédito, cumprindo-se a que passou em julgado em primeiro lugar; 14. A força do caso julgado impede que numa nova acção se reconheça expressamente que o titular do crédito é a empresa "CC", quando em acção anterior, em que esta empresa (sem que se possa pensar em ter existido algum tipo de protecção à aqui Recorrente, uma vez que a representação da massa insolvente coube ser feita através de ente imparcial, munido de independência e isenção, como é o caso da respectiva Administradora de Insolvência/Judicial) foi Ré, foi decidido que essa empresa não era a titular do crédito perante a empresa aqui Recorrida; 15. Ainda que se admita que não sendo a Recorrida parte ou interveniente processual do processo previamente decidido, a sentença não tem efeitos de caso julgado relativamente à Recorrida, não se poderá, no entanto esconder que a referida sentença judicial tem efeitos jurídicos e que os mesmos se reflectem na esfera jurídica da empresa "CC" e na consideração, pelo tribunal a quo, da entidade titular do direito de crédito, pelo menos, sendo importante meio de prova a ser considerado em termos de motivação da decisão; 16. Se o Tribunal a quo não considera a referida sentença judicial já transitada em julgado, na motivação da decisão, trata-se de uma gritante omissão, a nível da análise global e estruturada da prova produzida e da justa composição do litígio, que se subsume, necessariamente, a violação do princípio da liberdade de apreciação da prova, previsto no art.º 607.°, n.º 5 do C.P.C.; 17. Ainda que não se considere a admissão argumentativa da excepção de caso julgado, a figura da autoridade do caso julgado — que é distinta da excepção do caso julgado — visa garantir a coerência e a dignidade das decisões judiciais; 18. Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontem inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles casos em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum; 19. Como refere Figueiredo Dias, o princípio da livre apreciação não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável — e, portanto, arbitrária — da prova produzida. Se a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem, evidentemente, os seus limites, que não podem ser ultrapassados; 20. Há limites para a livre apreciação da prova, que contendem com a existência, por exemplo, de decisão judicial transitada em julgado em que a "CC" declara e confessa que não é titular de direito de crédito sobre a "BB" e que esse titular é a "AA” e a total omissão do tribunal a quo sobre tal matéria, como os há quando existe o reconhecimento da credibilidade e a consideração das declarações de parte do representante legal da Recorrida e o tratamento diferenciado que se dá às declarações de parte da representante legal da Recorrente; 21. Existem limites à livre apreciação da prova, também, quando o tribunal a quo, altera o elenco dos factos provados e não provados, provocando contradição no teor dos mesmos e falta de sentido e senso no resultado, daí resultando pouca clarificação da justa composição do litígio, sendo exemplo, a consideração como Factos Provados dos factos provados n.ºs 7 a 18 — facturas emitidas pela Recorrente e pagas pela Recorrida, sucessivamente ao longo do tempo, entre Maio e Julho de 2011, não sendo oferecida, pelo tribunal a quo, qualquer justificação ou contextualização da razão pela qual as referidas facturas foram pagas pela Recorrida à Recorrente, atendendo a que, aliás, como se dá por provado, a prestadora dos serviços realizados à Recorrida não foi a ora Recorrente, mas terceiro e o Facto Não Provado n.º 20 — que estipula que o pagamento das várias facturas pela Recorrida "BB" ao longo do período de Maio e Julho de 2011, se deveu a um lapso dos serviços de contabilidade da Ré/Recorrida, violando-se a livre apreciação da prova, quando apreciando a prova, o resultado final dos factos provados e não provados, resulta contraditório e não clarifica o sentido e motivação da decisão final; 22. Dá-se por provado que a Ré/Recorrida pagou as facturas à A./Recorrente e esta emitiu os competentes recibos e se tal facto não foi provado, significará, com senso comum e de equilíbrio, à evidência que a Ré pagou as facturas emitidas pela A. sem lapso e com consciência de que estava a pagar; 23. Resulta evidente que o que a Ré/Recorrida pretende é fazer crer à instância judicial que é à empresa "CC" a quem tem que pagar a dívida, isto para poder compensar créditos que detém sobre essa empresa sobre questões passadas entre as duas empresas; 24. A Recorrida nunca recusou as facturas emitidas e enviadas pela Recorrente, antes pagou-as e inseriu as mesmas e os recibos na sua contabilidade; 25. Inexiste fundamentação de direito e de facto do Acórdão recorrido, no que diz respeito à relação comercial subjacente entre Recorrente e Recorrida, que permitiu e foi idónea a que esta processasse e procedesse a vários pagamentos àquela e no período de Maio a Julho de 2011, violando-se, assim, o art.º 154.º do C.P.C.; 26. Ocorreu violação da livre apreciação da prova, tornando-se excessiva a falta de fundamentação da absoluta descredibilização do testemunho do ex-funcionário da Recorrida, EE, a quem o tribunal a quo, apontou deficiente credibilidade por ter saído da empresa Recorrida, por não ter sido promovido a cargo de topo da empresa, qualificando o tribunal a quo, a saída do referido funcionário da Recorrida como tendo sido em «claro descontentamento», mas, todavia, escusando-se a justificar onde se baseia tal atribuição, isto porque, nenhuma prova existe nos autos, que a testemunha tenha saído zangado ou em claro descontentamento da empresa, aliás, o que perspassou a quem estava na audiência de julgamento, incluindo ao juiz do tribunal a 1.ª instância, foi que a referida testemunha disse que saiu da empresa de forma voluntária, por não ter sido promovido e é evidente que preferia ter sido promovido, mas que tal não implicou qualquer falta à verdade dos factos e estava perfeitamente à vontade a esse respeito, tendo seguido a sua carreira profissional; 27. A desconsideração completa e integral das declarações de uma testemunha importante para a descoberta da verdade material e cujo testemunho foi fulcral para o tribunal de 1.ª instância, como é o caso da testemunha EE, ainda que o tribunal a quo tenha poderes sobre a matéria de facto que lhe permitem, tem que ter uma base mais alargada de fundamentação da falta de credibilidade que lhe é imputada pelo Tribunal da Relação, sob pena, de se cair numa zona de arbitrariedade na apreciação da prova e de violação, por isso, do princípio da livre apreciação da prova; 28. Nos termos do art.º 674.º, n.º 1, alínea a), ocorre violação de lei substantiva, designadamente, violação do art.º 799.° C.P.C., porque, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, o que se requer e, in casu, não almejou a Recorrida provar que a falta de cumprimento não procedeu de sua culpa; 29. O devedor terá de provar — atente-se o disposto no n.º 1 do art.º 799.º - que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família, ou pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente, não tendo tal sucedido relativamente ao comportamento da Recorrida, que não logrou demonstrar que tentou proceder ao pagamento do valor da dívida, seja a quem for, seja à empresa Recorrente ou a empresa terceira; 30. A apreciação que é feita no Acórdão recorrido, sobre o contrato de aluguer celebrado entre a "CC" e a ora Recorrente, de desconsideração por invalidade ou conluio do referido documento, aflorada pelo Tribunal a quo, viola o princípio da liberdade contratual, previsto, designadamente, no art.º 405.º do Código Civil; 31. O contrato de aluguer celebrado pela "CC" e a ora Recorrente respeita os limites do princípio da liberdade contratual e não se considerando o mesmo como perfeitamente válido e activo, como o fez o tribunal a quo, faz com que exista violação do art.º 405.º do Código Civil e do princípio da liberdade contratual; 32. Se as partes quiseram assim celebrar um determinado acordo (contrato de aluguer), com os termos e conteúdo que quiseram, da forma como o fizeram, respeitando os bons costumes e os limites legalmente previstos, sem que nenhuma ilegalidade possa ser retirada do teor do contrato, então, respeitaram, o princípio da liberdade contratual e do mesmo não foi alegada pela Recorrida, qualquer falta de genuinidade ou autenticidade, nos termos do art.º 444.º e 446.º do Código Civil; 33. Qualquer análise e tomada de posição decisória pelo tribunal a quo sobre um contrato legitimamente celebrado e que cumpre todos os termos legais, defendendo a falta de produção de efeitos do mesmo ou a invalidade do mesmo, fere o art.º 405.º relativo a liberdade contratual, violando-se lei substantiva, nos termos do art.º 674, n.º 1, a) do C.P.C.; 34. O contrato de prestação de serviços pode ter como objecto uma obrigação de meios, em que o prestador apenas fica vinculado a desenvolver uma actividade, independentemente da verificação do resultado a que ela se destina ou uma obrigação de resultado, em que o prestador fica vinculado a obter um determinado resultado com a sua actividade, ou convencionar-se ambas as obrigações, no âmbito da liberdade contratual; 35. Considerar-se que a ora Recorrente, deveria ter assumido perante a ora Recorrida, quer uma obrigação de resultado, quer uma obrigação de meios, é incorrer-se em violação do art.º 1154.º do Código Civil e tal análise foi efectuada pelo tribunal a quo, no acórdão de que se recorre, designadamente, no último parágrafo da página 14 do acórdão; 36. Resulta da análise do tribunal a quo, sobre o referido contrato de aluguer, uma violação do princípio da liberdade contratual previsto no art.º 405.º do Código Civil, mas, também, uma violação do art.º 1154.º do Código Civil (e, por conseguinte, do art.º 674, n.º 1 do C.P.C.), porquanto, segundo o entendimento do tribunal a quo, os meios e o resultado deveriam ter sido prestados unicamente pelo mesmo prestador e, no entendimento do tribunal a quo, qualquer contrato deve ser, necessariamente, remunerado; 37. Existem documentos que constam do processo, que, por si só, implicam, necessariamente decisão diversa da proferida, nos termos dos arts.º 674.º, n.º 1, alínea c), 666.º e 616.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., como sejam, a sentença transitada em julgado, proferida pelo Juízo Central Cível, J2, da ..., no âmbito do processo judicial n.º 1142/15.3 T8PVZ, relativa ao reconhecimento da rejeição da empresa "CC" como prestadora de serviços à aqui Recorrida, no período entre Maio e Julho de 2011, confessando e valendo tal assumpção e reconhecimento da "CC" por parte da própria Administradora de Insolvência, o contrato de aluguer celebrado entre a empresa ora Recorrente e a empresa “CC” para que a ora Recorrente tivesse um título de posse dos aviões, que eram operados pela "CC", mas cuja gestão global do serviço prestado ao cliente final estava a cargo da ora Recorrente, nos termos do qual aquela cedeu a esta, pelo período de um ano, três aeronaves, entre as quais o Bombardier Learjet45, com a matrícula... e o Cessna Mustang 510, com a matrícula ..., de fls. 51 dos autos; um outro documento — Declaração emitida pela empresa "CC" -, do qual resulta que a empresa "CC", declara que trata apenas da mera operacionalização dos voos, incluindo confirmações, ficando a cargo da ora Recorrente "AA'', toda a gestão do serviço, incluindo, custo de fornecedores, reparações dos aviões, enfim, toda a gestão global do serviço ao cliente final; 38. Todos estes três documentos, analisados de forma individual, mas, sobretudo, conjunta, revelam que a empresa "CC" apenas operava os voos, era, pois, meramente instrumental para a prestação de serviço que era efectuada pela empresa "AA” ao cliente final; 39. Esses documentos, por si só, são suficientes para implicar uma decisão final diversa da que ocorreu no tribunal a quo, porquanto, dos mesmos resulta que a empresa "CC” era apenas instrumental e um fornecedor da empresa "AA", tratando aquela apenas da parte operacional dos voos, por exemplo, confirmação de voos através de seu funcionário, mas não de todas as partes componentes de um serviço de aviação, como o sejam pagamento do combustível, recrutamento e pagamento a pilotos, pagamento do Handling e cateríng, pagamento das taxas aeroportuárias e de estadia e hospedagem dos pilotos dos aviões; 40. Uma coisa é a operação dos voos, confirmações de voo, etc, operada pela "CC", outra coisa, bem diferente, é a gestão global de toda a operação, contratação de fornecedores, do operador de voo, do tratamento e pagamento das taxas aeroportuárias, da contratação e recrutamento dos pilotos, pagamento e contratação de handling, catering, gestão das estadias dos pilotos, reserva de hotéis para estes, que, normalmente é efectuada por um broker (um intermediário entre o cliente final - um particular ou uma empresa - e a companhia de aviação que contrata os seus serviços), que, nestes casos, foi a "AA” considerando a ora Recorrente a “BB” como seu cliente final, porquanto, é esta quem pagava os seus serviços; 41. O Acórdão recorrido, procedeu a violação de lei (art.º 674, n.º l do C.P.C.), designadamente, do art.º 154.º do C.P.C., por falta de fundamentação de direito da decisão; 42. A decisão proferida pelo tribunal a quo, incorreu em omissão da fundamentação de direito, apenas tendo sido aposta fundamentação de facto; 43. Nos termos do art.º 615.º, alínea b), conjugado com o art.º 674.º, n.º 1, alínea b), ocorre, nulidade quando a decisão não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, o que é o caso; 44. A omissão do fundamento de direito que justifica a decisão não é o mesmo que fundamentação insuficiente, inadequada ou, até, errada. Trata-se de uma omissão clara de uma fundamentação de direito, por parte do Acórdão recorrido, que apenas se debruçou sobre matéria de facto e colocando até em dificuldade na elaboração do seu recurso a ora Recorrente, porquanto, se omite a parte de direito na decisão final. Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso de Revista, assim se fazendo JUSTIÇA!”
A ré contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido.
O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.
II. Fundamentação
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos: “1. A autora dedica-se à atividade de organização de viagens de avião privadas e de intermediação entre o cliente final e vários fornecedores de viagens de avião (v.g., companhias de aviação detentoras de licenças de voo, de pessoal de bordo, de equipamentos de aviões e fornecedores de combustível e de catering), atuando como “broker” nessa atividade. 4. A CC – ..., SA, forneceu os aviões, operou os voos, tratou das operações aéreas e confirmou os horários dos voos com a ré. 7. Do valor ínsito nessas faturas, a ré, procedeu ao pagamento de €28.709,00 à autora – para pagamento da fatura nº 16 -, no dia 16 de maio de 2011. 8. E a ré pagou à autora a quantia de €8.790,00, no dia 23 de maio de 2011, relativa à fatura nº 20/2011, emitida e vencida em 17 de maio de 2011, com o valor inscrito de €8.800,00, relativa a voo efetuado no dia 19 de maio de 2011, percurso LSGG/EGLF, operado pelo avião “Lear Jet 45. 9. E a ré pagou à autora a quantia de €11.420,00, no dia 31 de maio de 2011, referente à fatura nº 25/2011, emitida e vencida em 30 de maio de 2011, com o valor inscrito de €11.430,00, relativo a voos efetuados nos dias 02 e 05 de junho de 2011, percurso LSGG/LIRN/LSGG, operado pelo avião “Lear Jet 45. 10. E a ré pagou à autora a quantia de €45.200,00 - para pagamento das faturas nºs 27, 32, 44 e 45 (pagamento parcial desta última – €12.930,00) - no dia 30 de junho de 2011. 11. E a autora emitiu notas de crédito a favor da ré no valor de €28.000,00 no dia 9 de junho de 2011 - relativa à fatura nº 28-; de €6.100,00 no dia 21 de junho de 2011 – relativa à fatura nº 41-; de €6.300,00 em 30 de junho de 2011 – relativa à fatura nº 42-; de €6.400,00 em 30 de junho de 2011 – relativa à fatura 43; e de €7.800,00 em 30 de junho de 2011 – relativa à fatura nº 40. 12. A ré não efetuou o pagamento do valor remanescente de €10,00 referente à fatura nº 20. 13. A ré não efetuou o pagamento do valor remanescente de €10,00 referente à fatura nº 25. 14. A ré não efetuou o pagamento da fatura nº 33/2011, emitida e vencida em 07 de junho de 2011, com o valor inscrito de €21.400,00, relativa aos voos efetuados nos dias 10 de junho de 2011, entre Paris e Figari, e 15 de junho de 2011, entre Figari e Paris, operados pelo avião “Lear Jet 45”. 15. A ré não efetuou o pagamento da fatura nº 36/2011, emitida e vencida em 09 de junho de 2011, com o valor inscrito de €31.480,00, relativa aos voos efetuados nos dias 16 de junho de 2011, entre Ulli e EETN e São Peterburgo e Tallin, e 19 de junho de 2011, entre EETN e Ulli e Tallin e São Petersburgo. 16. A ré não efetuou o pagamento do valor remanescente de €4.120,00 relativa à fatura nº 45/2011, emitida e vencida no dia 30 de junho de 2011, com o valor inscrito de €17.050,00, relativa aos voos efetuados nos dias 30 de junho de 2011, percurso Geneva/Ibiza, 01 de julho de 2011, La Coruña, 2 de julho de 2011, La Coruña/Ibiza e 03 de julho de 2011, Geneva, operados pelo avião “Lear Jet 45”. 17. A ré não efetuou o pagamento da fatura nº 46/2011, emitida e vencida em 04 de julho de 2011, do valor de €10.750,00, relativa aos voos dos dias 03 de julho de 2011, entre Genebra - Frankfurt-Ibiza) e 04 de julho de 2011, entre Ibiza e Genebra, operados pelo avião “Lear Jet 45”. 18. A autora emitiu os recibos das quantias pagas pela ré. 19. A ré BB contratou com a CC – Transportes, SA a organização das viagens de avião que prestou aos seus clientes no período compreendido entre maio e 30 de julho de 2011. 21. A sociedade CC - ..., S.A. foi declarada insolvente por sentença proferida em 19.10.2011, no âmbito do processo nº 2376/11.5TBSTR.”
E foram dados como não provados os seguintes factos:
“ 2. Entre maio e 30 de julho de 2011, a autora organizou a prestação de serviços de viagem de aviação privada para clientes da ré, a pedido desta, entre diversas localizações. 3. A autora contratou, para o efeito, os serviços de “FF”, “GG”, “HH”, “II” que lhe forneceram, respetivamente, os serviços de handling, catering, combustível, pilotagem de aviões e hotelaria… 5. A autora procedeu ao pagamento das taxas de aeroporto, do combustível, da logística dos voos, da operação dos voos, dos pilotos e tripulação dos aviões, nos voos organizados à TAG e fornecidos aos clientes desta. 6. Na sequência das viagens de avião que organizou, a pedido da ré, prestadas aos clientes desta, a autora emitiu as faturas nºs 16, 20, 25, 27, 28, 32, 33, 36, 40, 41, 42, 43, 44, 45 e 46, no valor global de €216.489,00, remetidas à ré e rececionadas por esta. 20. O pagamento das quantias referidas em 7, 8, 9 e 10 pela ré à autora deveu-se a um lapso dos serviços de contabilidade daquela por desconhecerem que o verdadeiro fornecedor das viagens era a CC, SA. 22. À data da prestação dos serviços objeto dos presentes autos, a ré tinha um crédito sobre a sociedade CC , S.A., resultante de serviços de manutenção efetuados na aeronave “Lear Jet 45”, no valor de 130.000 CHF.”
O art.º 615.º do CPC (também aplicável aos acórdãos, por força da remissão do art.º 666.º, n.º 1, do mesmo Código) dispõe que a sentença é nula, entre outras situações que não importa aqui analisar, quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” [al. b)] e quando“[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [al. d)]. Vejamos se ocorrem as nulidades arguidas:
2.1.1. Da omissão de pronúncia
Esta causa de nulidade, prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do citado art.º 615.º, está em correlação com o disposto na 1.ª parte do n.º 2 do art.º 608.º do CPC que impõe ao juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada, conforme tem vindo a decidir uniformemente a nossa jurisprudência[3] e tem sido entendido pela doutrina[4]. Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras). A recorrente fundamenta a arguição desta nulidade: Salvo o devido respeito, os fundamentos invocados, acabados de elencar, não constituem questões, mas tão só elementos probatórios ou argumentos factuais, aos quais o tribunal a quo não tinha que dar resposta especificada, como se referiu. Reportando-se aquela nulidade à falta de apreciação de questões, é manifesto que nunca seria verificável pela falta de apreciação de elementos probatórios. É que, por “questões” deve entender-se "(...) as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos pelas partes no esgrimir das teses em presença"[5]. O legislador deixou bem clara a sua opção ao utilizar em ambas as normas [os citados art.ºs 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d)] o vocábulo “questões” e não qualquer outro com diferente sentido. E assim tem sido entendido pela jurisprudência, segundo cremos unânime, deste Supremo. O acórdão de 1/3/2012 do Supremo Tribunal de Justiça[6] é inequívoco a este propósito, afirmando que: "A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal não julgou uma questão que devia apreciar; não basta que não tenha considerado um argumento ou um elemento (nomeadamente probatório) que o recorrente entenda ser relevante."
No caso dos autos, é bom de ver que os elementos indicados não constituem questões que o tribunal recorrido tivesse que resolver, pelo que a alegada falta de apreciação jamais poderia constituir nulidade por omissão de pronúncia. Quando muito, poderia, no limite, integrar deficiente fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, a qual é da exclusiva competência da Relação (cfr. art.º 662.º do CPC), mas nunca uma nulidade por omissão de pronúncia. Improcede, por conseguinte, sem mais considerações, esta nulidade.
2.1.2. Do excesso de pronúncia
Esta causa de nulidade, prevista no citado art.º 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, está em correlação com o disposto na segunda parte do n.º 2 do art.º 608.º do CPC que só permite ao juiz ocupar-se das “questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Radica no conhecimento indevido, isto é, no conhecimento de questões que não podiam ser julgadas por não terem sido suscitadas pelas partes, nem serem de conhecimento oficioso. A recorrente fundamenta esta nulidade na apreciação do contrato de aluguer celebrado entre ela e a CC "nos termos em que o fez", já que os termos do referido contrato não foram impugnados especificadamente pela recorrida, nem, tão pouco, alegada a falta de genuinidade ou autenticidade do documento que o titula. A recorrente fundamenta, assim, esta nulidade não no conhecimento indevido de “questões”, mas em factos ou elementos probatórios, os quais, como se disse, nunca servem para basear a arguição de nulidades seja por omissão seja por excesso de pronúncia, por estas serem apenas verificáveis relativamente a questões. Ao invocar que o acórdão recorrido é nulo porque se pronunciou sobre o aludido contrato de aluguer “nos termos em que o fez”, é evidente que a recorrente reconduz a dita nulidade a um elemento probatório (um documento) e não a uma verdadeira "questão". Tanto bastaria para julgar improcedente a invocada nulidade. Acresce que a nulidade por excesso de pronúncia não se “mede” pelos termos em que o Tribunal se pronuncia sobre determinada questão. Com efeito, como bem refere a recorrida, “ou o Tribunal pode conhecer da questão em causa e, nesse caso, pode pronunciar-se sobre a mesma em quaisquer termos (e a correção ou adequação dos termos em que se pronuncia será depois uma questão de mérito). Ou não pode conhecer da questão e, nesse caso, não pode sobre ela pronunciar-se, seja em que termos for.” Acresce, ainda, que, contrariamente ao afirmado, o dito contrato foi impugnado pela recorrida no art.º 75.º da segunda contestação que apresentou, onde alegou expressamente que não tinha conhecimento do referido contrato de aluguer, desconhecendo em absoluto – e sem qualquer obrigação de conhecer – o seu teor, o que equivale a impugnação para todos os efeitos legais (cfr. art.º 574.º, n.º 3, do CPC). A recorrente, ao sustentar que foi mal apreciado esse meio de prova, reporta-se ao mérito da acção, que nada tem a ver com a nulidade que imputa ao acórdão, a qual não inclui o erro de julgamento, seja de facto ou de direito. Não se vislumbra, pois, esta invocada nulidade, nem ela é correctamente imputada ao acórdão, já que se estriba, ao que parece, exclusivamente, em erro de julgamento. Por isso, jamais poderia aqui ser reconhecida e declarada.
2.1.3. Da falta de fundamentação
É sabido que o dever de fundamentação das decisões que não sejam de mero expediente tem consagração constitucional no n.º 1 do art.º 205.º da CRP, ao dispor que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. O art.º 154.º do CPC também dispõe no n.º 1 que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. Esta fórmula é redutora, pois o dever de fundamentação existe relativamente a todas as decisões que não sejam despachos de mero expediente (cfr. art.º 152.º, n.º 4, do CPC), por imperativo constitucional, mesmo que aparentemente não estejam abrangidas por aquele preceito. O dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, mesmo daquelas de que não cabe recurso, assenta no pressuposto de que a decisão não é, nem pode ser, um acto arbitrário, mas a concretização da vontade abstracta da lei ao caso submetido à apreciação jurisdicional, e na necessidade de as partes serem não só esclarecidas mas convencidas do seu acerto, uma vez que o seu valor extrínseco flui da sua motivação, cuja função pedagógico-social se não pode subestimar, para além de, admitindo recurso, necessitarem de saber a razão ou razões do decaimento das suas pretensões para as poderem impugnar. A violação do dever de fundamentação gera a nulidade nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC ao preceituar que a sentença é nula quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Também é certo e sabido que, não obstante o aludido dever de fundamentação, a doutrina e a jurisprudência dominantes têm vindo a entender que só a falta absoluta de motivação, que não a meramente deficiente ou medíocre, conduz àquela nulidade. Quanto aos fundamentos de facto, não é a falta de exame crítico das provas que basta para preencher aquela nulidade, tornando-se antes necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão. Relativamente aos fundamentos de direito, importa salientar que a fundamentação contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador e que não é indispensável a especificação das disposições legais que fundamentam a decisão. Fundamental é que sejam mencionados os princípios, as regras, as normas em que a decisão se apoia[8]. Trata-se de um vício estrutural da sentença, cuja causa, em rigor, seria caso de anulabilidade e não de verdadeira nulidade, devendo entender-se esta no sentido lato de invalidade, a qual apenas ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, em desrespeito pelo disposto no art.º 607.º, n.º 3, do CPC[9]. No presente caso, a recorrente arguiu a nulidade com fundamento na falta de fundamentação de direito, porquanto, no seu entender, o acórdão recorrido “… apenas se debruçou sobre matéria de facto e colocando até em dificuldade na elaboração do seu recurso a ora Recorrente, porquanto, se omite a parte de direito na decisão final.” Analisado o acórdão recorrido, constata-se que nele, após análise da prova produzida tendo em vista a resolução das questões suscitadas na apelação, designadamente a decisão sobre a impugnação da matéria de facto e fixação da matéria de facto provada e não provada, refere-se, precisamente, que “Em face da matéria de facto apurada nesta instância não resulta a existência de qualquer contrato ou prestação de serviços entre as partes, motivo pelo qual não se poderá manter a condenação da ré a pagar à autora a quantia fixada na sentença recorrida, antes terá de se julgar procedente a apelação e em consequência revogar a douta sentença recorrida e absolver a ré do pedido.” Embora sintético, este trecho encerra uma decisão jurídica: a inexistência de um contrato ou prestação de serviços entre as partes e dos seus efeitos jurídicos. Contém, por conseguinte, a indicação das razões jurídicas que serviram de apoio à solução ali adoptada, ainda que não tenha especificado qualquer disposição legal para fundamentar a decisão que, no caso, não se mostra necessária, em face da alteração da matéria de facto e da inexistência de qualquer contrato celebrado entre as partes. Em face da sua simplicidade e dos contornos do litígio, não se impunham mais desenvolvimentos. Note-se que as questões que haviam sido suscitadas na apelação respeitavam à alteração da matéria de facto impugnada e à alteração da decisão decorrente dessa alteração. Mais do que jurídicas, eram questões fácticas que separavam as partes. Tudo se resumia a saber a quem a ré/recorrida havia solicitado os voos, quem lhos forneceu e com quem acordou as respectivas condições, ou seja, com quem celebrou o respectivo contrato. Apurada esta matéria, que acabou por ser dada como provada no n.º 19 da fundamentação de facto, deixaram de subsistir outras questões jurídicas a demandar decisão, resultando dali a inexistência de qualquer contrato celebrado entre as partes e do correspondente direito de a autora exigir da demandada o pagamento do montante em que havia sido condenada. O acórdão recorrido contém fundamentação bastante que se revela adequada ao presente caso e às questões colocadas pelas partes à apreciação do Tribunal a quo, permitindo aos seus destinatários a percepção das razões de facto e de direito da respectiva decisão. Não se verifica, por conseguinte, esta nulidade.
Acresce que as referidas nulidades, tal como foram expostas, vêm fundamentadas em erro de julgamento, o que também impediria, como já se referiu, só por si, a sua verificação. É que tem vindo a entender-se, desde há muito, que as nulidades da decisão, cujas causas estão taxativamente enunciadas no citado art.º 615.º não incluem o erro de julgamento, seja de facto ou de direito[10]. Improcedem, por conseguinte, todas as conclusões atinentes à arguição das nulidades do acórdão em apreciação. A recorrente sustenta a violação do caso julgado formado pela sentença homologatória proferida no processo n.º 1142/15.3T8PVZ, do Juízo Central Cível da ..., J2, que, no seu entender, consagrou que o ente titular do crédito existente sobre a empresa “BB”, referente a prestação de serviços ocorrida entre Maio e Julho de 2011, de serviços de aviação privada executiva, é a “AA” e não a empresa “CC”. Coloca, assim, a questão dos efeitos daquela decisão, o que convoca a complexa problemática da eficácia do caso julgado material formado com o trânsito em julgado dessa sentença. O caso julgado material radica nos art.ºs 619.º, n.º 1, e 621.º, ambos do CPC, dispondo o primeiro que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”; e o segundo que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).” A questão que nos é colocada remonta já ao direito romano clássico. Segundo o acórdão do STJ de 30/3/2017, proferido no processo n.º 1375/06.3TBSTR.E1.S1[11]: «Das fontes romanas colhe-se o velho princípio de que o caso julgado não deve aproveitar nem prejudicar terceiros, o que se fora plasmado no brocardo latino nec res inter alios judicata aliis prodesse aut nocere solet.[12] Deve-se, pois, ao direito romano a consagração dos três requisitos fundamentais do caso julgado material: a identidade de sujeitos (eadem personae), a identidade de pedidos (eadem res) e a identidade de causas de pedir (eadem causa petendi)[13]. Todavia, como refere o citado autor[14], “foi o mesmo direito romano que se viu forçado a quebrar a rigidez do princípio e a admitir, em certos casos, que uma sentença proferida entre duas pessoas determinadas atingisse terceiros, estranhos à causa.”
Seria, pois, perante tal expansividade que o direito processual poderia consagrar uma de três possibilidades: i) - uma solução de indiferença, deixando que a força expansiva do caso julgado se projete livremente; ii) – uma solução de hostilidade, coarctando qualquer eficácia reflexa; iii) – uma solução de transigência prudente, estabelecendo limites aos efeitos reflexos a certos casos ou a certas formas de interdependência.[16]
Segundo a noção dada por Manuel de Andrade[18], o caso julgado material: «Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.» Para o mesmo Autor[19], o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos: a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”; b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”. Nas lúcidas palavras daquele Autor: «O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável. Vê-se portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)» No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina[20] quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes: a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais. Quanto à função negativa ou exceção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. Já quanto à autoridade de caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (exceção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[21]. Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[22]. Todavia, quanto à identidade objetiva, segundo Castro Mendes[23]: «(…) se não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão que foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental), é preciso que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos». Para aquele Autor, constitui problema delicado a “relevância do caso julgado em processo civil posterior, quando nesse processo a questão sobre a qual o caso julgado se formou desempenha a função de questão fundamental ou mesmo de questão secundária ou instrumental, não de thema decidenum.”[24] Apesar disso, considera[25] que: «Base jurídica para afirmarmos que, havendo caso julgado e levantando-se num processo civil seguinte inter easdem personas a questão sobre a qual este recaiu, mas levantando-se como questão fundamental ou instrumental e não como thema decidendum (não sendo, pois, de usar a excepção de caso julgado), o juiz do processo novo está vinculado à decisão anterior, é apenas o artigo 671.º n.º 1, na medida em que fala de força obrigatória fora do processo, sem restrição, e ainda a ponderação das consequências a que essa falta de vinculação conduziria.» E observa[26] que: «O respeito pelo caso julgado posto em causa num processo posterior, não como questão central, mas como questão fundamental, ou instrumental, representa uma conquista da ciência processual que vem já dos tempos de Roma. Não nos parece estar em causa no direito português. Só nos parece inconveniente que o seu fundamento seja apenas o vago e genérico art.º 671.º n.º 1. A vinculação do juiz ao caso julgado quando a questão respectiva seja levantada como fundamental ou instrumental baseia-se, evidentemente, na função positiva do caso julgado. De iure condito, a excepção de caso julgado, quando peremptória nos termos do art.º 496.º, alínea a), desenvolve igualmente a função positiva do caso julgado.»[27] Também Lebre de Freitas e outros[28] consideram que: «(…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.» Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, tem-se entendido,…, que “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”[29] Nas palavras de Teixeira de Sousa ali citado[30]: «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão». Relativamente à extensão do caso julgado a terceiros, de entre eles, segundo Antunes Varela e outros[31], distinguir-se-ão: i) – os terceiros juridicamente indiferentes, a quem a decisão não produz nenhum prejuízo jurídico, não interferindo com a existência e validade do seu direito, embora podendo afetar a sua consistência prática ou económica, em relação aos quais não poderia deixar de se admitir a eficácia do caso julgado; ii) - os terceiros juridicamente prejudicados, titulares de relações jurídicas independentes e incompatíveis com o caso julgado alheio, em relação aos quais nenhuma razão haverá para serem por ele atingidos; iii) – os terceiros titulares de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes por decisão transitada, a quem se tem reconhecido a eficácia reflexa do caso julgado; iv) – os terceiros titulares de relações paralelas à definida pelo caso julgado alheio ou com ela concorrentes, considerando-se, quanto às primeiras, que o caso julgado só se estende às partes e, quanto às segundas, que, se a lei não exigir a intervenção de todos os interessados, só lhes aproveita o caso julgado favorável. A ineficácia do caso julgado em relação a terceiros é explicada por Alberto dos Reis nos seguintes moldes[32]: «É perfeitamente compreensível este princípio da ineficácia do caso julgado em relação a terceiros. A sentença contém a formulação da vontade concreta da lei com referência a um caso particular. Como se alcança esta formulação? A sentença é um acto do juiz; mas para a produção desse acto contribui, na mais larga medida, a actividade do autor e do réu. São as partes que põem a questão; são as partes que articulam os factos; são as partes que alegam e discutem; são as partes, em suma, que preparam, mobilizam e fornecem ao juiz os materiais de conhecimento, os vários elementos de que há-de sair a sua convicção, expressa na sentença. Para bem ou para mal, a sentença, se é um acto do juiz, é ao mesmo tempo o produto de intensa e activa colaboração das partes. Por isso a sentença tem, como destinatários naturais, as partes e só as partes. Estender a eficácia da sentença a terceiros, estranhos ao processo, que não intervieram nele, que não foram ouvidos nem convencidos, que não foram colocados em condições de dizer da justiça, de alegar as suas razões, de exercer qualquer espécie de influência na formação da convicção do juiz – é uma violência que pode redundar numa iniquidade.»» Regressando ao caso dos autos, servindo-nos destes ensinamentos, facilmente se alcança que a decisão proferida na acção n.º 1142/15.3T8PVZ não faz caso julgado material relativamente à recorrida. Desde logo, porque a sentença ali proferida nada decidiu sobre o mérito da causa. Não decidiu, designadamente, que o titular do crédito sobre a recorrida é a recorrente. Ela limitou-se a homologar a transacção judicial alcançada pelas partes – a aqui recorrente e a “CC” - no âmbito do referido processo, sem que tenha, por conseguinte, decidido sobre o mérito da causa. Enquanto sentença homologatória de uma transacção, tal sentença limitou-se a aferir se “pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram” a transacção era válida e, em caso afirmativo, assim o declarou, “condenando ou absolvendo nos seus precisos termos” (cfr. art.º 290.º, n.º 3, do CPC). Não conheceu, portanto, do mérito da causa, não emitiu qualquer juízo sobre o litígio. Não tendo o tribunal chegado a pronunciar-se sobre o objecto do litígio, não faz sentido falar-se em violação do caso julgado, seja na vertente negativa da excepção, seja na positiva de autoridade de caso julgado, quanto a tal matéria. Acresce que a aqui recorrida não teve qualquer intervenção naquela acção e a mesma não lhe é indiferente. Entre a presente acção e aquele processo não se verificam os três requisitos de identidade da excepção do caso julgado previstos no art.º 581.º do CPC. Mesmo que se entenda que, relativamente à autoridade do caso julgado, não é exigível a coexistência da tríplice identidade, o mesmo não seria eficaz relativamente à recorrida, por ser terceira juridicamente interessada. Com efeito, a aqui ré/recorrida não foi ali demandada, nem foi chamada a intervir para fazer valer qualquer eventual direito. E foram ali discutidos e objecto da transacção factos que serviriam para a sua condenação nestes autos! Sendo terceira juridicamente interessada, os factos assim acordados e que fundaram a transacção homologada pela sentença transitada proferida naquela acção não se impõem neste processo. Deste modo, o caso julgado formado com a prolação da sentença naquela acção não é oponível à ré/recorrida neste processo, pois nenhuma eficácia tem relativamente a ela. Por isso, não podiam ser, como não foram, dados como provados por efeito do caso julgado. Não houve, assim, violação do caso julgado.
Sustenta a recorrente, tanto quanto é possível alcançar das alegações de recurso e das respectivas conclusões por si apresentadas, que o acórdão recorrido viola o princípio da livre apreciação da prova, excedendo os seus limites, porquanto: 1. Omite a sentença proferida no âmbito do processo n.º 1142/15.3T8PVZ, em que a CC declara e confessa que não é titular do direito de crédito sobre a recorrida e que esse titular é a recorrente; 2. Reconhece credibilidade às declarações de parte do representante legal da recorrida e dá tratamento diferenciado às declarações de parte da representante legal da recorrente; 3. Incorre em contradições na matéria de facto dada por provada e por não provada (nomeadamente, no que se reporta aos factos provados n.ºs 7 a 18 e ao facto não provado n.º 20); e 4. Confere uma excessiva descredibilização do depoimento da testemunha EE. Antes de entrar na análise desta questão suscitada, importa deixar aqui bem claro o âmbito dos poderes do STJ na parte relativa à alteração da matéria de facto que consta dos art.ºs 682.º, n.º 2 e 674.º, n.º 3, ambos do CPC. Nos termos do primeiro normativo “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”. E, de acordo com este preceito, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Assim, o fundamento de revista previsto nesta norma visa a intervenção (excepcional) do Supremo, no plano dos factos, quando tenha havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a exigência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Dito isto, vejamos a solução a dar à questão suscitada, não na perspectiva de uma alteração da matéria de facto, que nos está vedada e visto que não é caso de intervenção deste Supremo, nos termos acabados de referir, mas da alegada violação do princípio da livre apreciação da prova. Importa, desde já, referir que não assiste razão à recorrente nos argumentos que invoca para sustentar a pretensa violação daquele princípio. Com efeito, contrariamente ao sustentado e afirmado na conclusão 18.ª, o Tribunal da Relação procede a um autêntico julgamento sobre a matéria de facto impugnada, formando a sua própria convicção mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. A reforma do processo civil, operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, visou precisamente, em matéria de recursos, um verdadeiro reforço dos poderes dos Tribunais da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto impugnada. Como se lê na Exposição de Motivos subjacente à referida reforma, “(...) cuidou-se de reforçar os poderes da 2.ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios (...), são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material.” E é o que resulta do art.º 662.º do actual CPC, o qual representa uma “clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis”[33]. Em face do novo regime processual, não se suscitam quaisquer dúvidas de que o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 607.º, n.º 5 do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto, à qual se aplica o regime previsto naquele preceito, por remissão do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo Código [34]. Daí que compita ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos de prova que tenham sido produzidos nos autos e decidir, de acordo com a sua própria convicção, a matéria de facto impugnada em sede de recurso de apelação. Só assim fica assegurado o segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise. Ao Tribunal da Relação compete, pois, julgar de acordo com a sua íntima e livre convicção, fazendo o seu próprio juízo de valoração das provas e devendo “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (n.º 1 do citado art.º 662.º). Os únicos limites à livre apreciação da prova constam do mesmo art.º 607.º, n.º 5, onde se prevê que ela não abrange “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. No presente caso, não estamos perante qualquer uma destas situações, acabadas de referir: os factos controvertidos não exigem ser provados por formalidade especial, nem estão plenamente provados por documentos, acordo ou confissão das partes. Por isso, tais factos encontravam-se sujeitos à livre apreciação da prova pelo Tribunal da Relação, a quem competia julgá-los de acordo com a sua própria convicção e mediante a reapreciação da prova produzida, nomeadamente a que se encontra gravada. Nessa medida, o Tribunal a quo podia atribuir à prova produzida - incluindo os elementos probatórios invocados pela recorrente e acima referidos - o valor probatório que entendesse, de acordo com a sua própria convicção e no âmbito da sua autonomia decisória. Ou seja, podia o Tribunal a quo, de acordo com a sua livre convicção, desconsiderar a sentença proferida no processo n.º 1142/15.3T8PVZ, tanto mais que se trata de uma sentença homologatória de transacção, que não se pronunciou sobre o mérito da causa, nem faz caso julgado contra a aqui recorrida, como se disse; valorar as declarações de parte do representante legal da recorrida em detrimento das declarações de parte da representante legal da recorrente e descredibilizar in totum o depoimento da testemunha Sérgio Oliveira. A prova a que se refere a recorrente estava, efectivamente, sujeita à livre apreciação pelo Tribunal da Relação, tal como tinha estado pela 1.ª instância. E estando em causa prova sujeita a livre apreciação, o juízo formulado pela Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º. n.º 1, do CPC é definitivo, não podendo ser modificado pelo Supremo Tribunal de Justiça[35]. Acresce que as alegadas contradições na matéria de facto também não têm fundamento, pura e simplesmente porque não existem, já que é impossível verificar qualquer contradição entre os factos provados e um não provado, ainda que ficassem por esclarecer as relações subjacentes à emissão das facturas e ao pagamento de parte delas. Sendo definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, não cabe no âmbito do recurso de revista, nem nos poderes do Supremo Tribunal, analisar a apreciação que as instâncias fizeram relativamente à prova sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, como parece pretender a recorrente. Efectivamente, como começámos por referir no início do tratamento desta questão, o Supremo Tribunal de Justiça apenas intervém no domínio da matéria de facto, nos termos do n.º 3 do citado art.º 674.º, ou seja, relembrando, quando esteja em causa a “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Não se tratando de nenhum caso desta intervenção excepcional, nem sendo caso de violação de lei adjectiva, está vedado a este Supremo sindicar o modo como o Tribunal da Relação apreciou a impugnação da matéria de facto e procedeu à sua alteração com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação. Não estando em causa factos para os quais a lei imponha meios de prova pré-determinados (“prova tarifada”) e não detendo os elementos probatórios indicados pela recorrente (documentos, declarações dos legais representantes e depoimentos das testemunhas), só por si, forca probatória que exclua ou anule a demais prova produzida, forçoso é concluir que o Tribunal recorrido não violou quaisquer limites ao princípio da livre apreciação da prova. Improcede, assim, esta questão.
Sustenta a recorrente que, no presente caso, ocorre violação do disposto no art.º 799.º do CC[36], porquanto “não almejou a Recorrida provar que a falta de cumprimento não procedeu de sua culpa.” Esta alegação não tem fundamento. Como é evidente, a presunção de culpa prevista no n.º 1 do citado art.º 799.º pressupõe a existência de uma obrigação a ser cumprida. Só assim se pode falar em “falta de cumprimento”. Para poder falar-se em culpa, é necessário saber quem é o devedor e qual é a obrigação que deva cumprir. Só depois de conhecidos o devedor e a obrigação a que está sujeito, é possível equacionar o funcionamento da presunção de culpa, competindo àquele provar que o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. A demonstração da existência da obrigação e do respectivo devedor é ónus a cargo do credor, no caso a autora, por serem elementos constitutivos do direito por si alegado (cfr. art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil). Porém, a autora não procedeu a essa prova, como lhe competia. No caso dos autos, o Tribunal a quo decidiu o contrário do que havia sido alegado pela autora, pois deu como provado, no n.º 19 da fundamentação de facto, que “A ré BB contratou com a CC – Transportes, SA a organização das viagens de avião que prestou aos seus clientes no período compreendido entre maio e 30 de julho de 2011”. Daqui resulta que a recorrida não é devedora à recorrente da quantia pedida na acção, ou qualquer outra, já que as viagens de aviação a que se reportam os autos foram contratadas entre a recorrida e a CC. Ou seja, não só não ficou demonstrada a existência de qualquer contrato entre a recorrente e a recorrida, donde derivasse uma obrigação que devesse ser cumprida por esta, como também decidiu o Tribunal da Relação que as viagens de avião a que se reportam os autos foram contratadas entre a recorrida e a CC. Significa isto que a recorrida não tem qualquer obrigação perante a recorrente, não lhe sendo devedora de qualquer montante. E, não sendo devedora à recorrente, não se vislumbra a “falta de cumprimento” pela recorrida para se poder fazer funcionar a invocada presunção de culpa. Também é desprovida de qualquer sentido a invocação de que houve violação do disposto no artigo 799.º do Código Civil porque a recorrida não logrou demonstrar nos autos que tentou pagar a prestação à CC, não só porque esta é estranha à acção, mas também porque ultrapassa o objecto do litígio e excede o ónus decorrente da presunção de culpa. Não houve, pois, violação do disposto no art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil.
Alega, ainda, a recorrente que a “consideração de invalidade do referido documento[37], aflorada pelo Tribunal a quo viola o princípio da liberdade contratual previsto no art.º 405.º do Código Civil. A tese da recorrente não tem qualquer cabimento. Desde logo, porque o Tribunal a quo não se pronunciou pela invalidade do contrato de aluguer, já que se limitou a explicar a razão pela qual os termos de tal contrato não lhe mereciam credibilidade, quando cotejados com a demais prova produzida. Escreveu, a propósito, no acórdão recorrido: “Antes de mais não deixa de ser verdade, conforme resulta da prova produzida, que os voos em questão eram pedidos pela ré à CC Transportes Aéreos, SA, através do funcionário desta, de nome Marco Bessa, que era o funcionário que tratava de tal matéria. Por outro lado, é igualmente verdade que as confirmações dos voos, onde constavam a data, os preços, os itinerários, o tempo de voo, o número de passageiros, foram emitidos pela CC e não pela autora, conforme resulta dos documentos de fls. 90 a 99, que operava tais voos, sendo certo que os elementos aí constantes, coincidem com as datas e destinos dos voos referidos na petição inicial e alegadamente prestados pela autora, o que não faz sentido. Aliás, não deixa de ser significativo que tenha havido um contrato denominado de aluguer entre a CC e a autora PHS, em que aquela cede a esta três aeronaves, sem qualquer contrapartida, o que não faz qualquer sentido, dado tratar-se de duas sociedades comerciais que visam, ou deveriam visar, o lucro (cfr. fls. 151), para mais quando a CC foi declarada insolvente em 19/10/2011, sendo certo que há uma proximidade familiar reconhecida entre a gerente da PHS, Carla Moreira, que já foi vogal do Conselho de Administração da CC e o seu pai, sócio de ambas as sociedades (CC e PHS)…”. O que se diz no acórdão é coisa distinta do que afirma a recorrente. Refere-se ali que, à luz das regras da experiência e do senso comum, não faz sentido que a CC ceda três naves à recorrente sem qualquer contrapartida, sobretudo quando estamos perante duas sociedades comerciais que visam o lucro, mais evidenciando essa conclusão o facto de ambas terem sido administradas e geridas pela mesma pessoa ou com laços familiares muito próximos e de a CC ter sido declarada insolvente em 19/10/2011. Não nos sendo lícito censurar essa apreciação, há que aceitá-la, por respeitar à livre apreciação da prova. Importa apenas dizer, no que interessa para a economia deste recurso, que não se vislumbra qualquer violação de lei substantiva, nomeadamente dos art.º 405.º e 1154.º, ambos do Código Civil, nem esta é concretizada, de forma perceptível, pela recorrente. Esta parece confundir o contrato de aluguer celebrado com a CC e o contrato de prestação de serviços supostamente celebrado com a recorrida, os quais são distintos, sendo ambos onerosos. Em parte alguma do acórdão recorrido se diz que todo e qualquer contrato deve ser, necessariamente, remunerado. O que se deixou explicitado foi que não faz sentido que aquele contrato em concreto - um contrato de aluguer celebrado por duas entidades que visam o lucro e sendo que uma delas, a única que presta, está em carência económica - não seja remunerado. O acórdão recorrido não viola, pois, o disposto nos art.ºs 405.º ou 1154.º, ambos do Código Civil.
A recorrente sustenta, ainda, invocando o disposto nos art.ºs 674.º, n.º 1, c), 666.º e 616.º, n.º 2, b), do CPC, que os documentos que indica - a sentença proferida no processo n.º 1142/15.3 T8PVZ, o contrato de aluguer dos aviões e a declaração do administrador da CC -, conjugados com as declarações da testemunha DD, impunham decisão diversa da sufragada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido. Mais uma vez sem razão. O citado art.º 674.º, n.º 1, al. c) prevê como fundamento da revista “[a]s nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º”. Reporta-se só às nulidades ali previstas e não a qualquer outro vício, em sentido lato considerado, nomeadamente a “manifesto lapso”. É o que resulta do teor literal da al. c) do n.º 1 do citado art.º 674.º, onde se fala em “nulidades” e está referida a norma em que as mesmas estão previstas, ou seja, o art.º 615.º. Apesar de, ali, também estar mencionado o art.º 666.º e de este mandar aplicar aos acórdãos os art.ºs 613.º a 617.º, isso não significa que não estejam previstas apenas nulidades, tanto mais que se trata de figuras distintas – “vícios e reforma”, como consta da epigrafe daquele – como distintos são também as causas de nulidade contempladas no art.º 615.º dos fundamentos da reforma previstos no art.º 616.º. Acresce que a aplicação do n.º 2 deste preceito, que permite às partes requerer a reforma da sentença (ou do acórdão), quando, “por manifesto lapso do juiz” se verifique alguma situação prevista nas suas alíneas a) e b), pressupõe que não caiba recurso da decisão, o que não é manifestamente o caso. Temos assim por certo que o legislador, ao referir-se expressamente às nulidades, na al. c) do n.º 1 do art.º 674.º do CPC, como fundamento de revista, quis reportar-se às nulidades cujas causas estão previstas nas als. a) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do mesmo Código e deixar de fora, entre outros, os fundamentos de reforma aludidos no n.º 2 do art.º 616.° do CPC. A existência de documentos no processo que, “só por si, impliquem decisão diversa da proferida” não é, pois, fundamento de revista nos termos do art.º 674.º, n.º 1, al. c), do CPC, porquanto não consubstancia uma nulidade. Tal fundamento, previsto no art.º 616.º n.º 2, al. b) como fundamento de reforma da sentença (ou do acórdão) pressupõe que não caiba recurso da decisão reformanda, o que não se verifica no presente caso, na medida em que foi invocado no âmbito do recurso de revista. Além disso, sempre contenderia com os limites previstos no art.º 674.º, n.º 3, do CPC, pelo que, também por estas razões, não constitui (nem pode constituir) fundamento do recurso de revista. Com efeito, como já se referiu a propósito da livre apreciação da prova, o fundamento de revista previsto no art.º 674.º, n.º 3 visa a intervenção (excepcional) do Supremo, no plano dos factos, quando tenha havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a exigência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Considerando, como acima também já se referiu, que no caso dos autos não se verifica nenhuma destas situações, a apreciação da prova que foi feita pelo Tribunal recorrido - incluindo no que aos meios de prova indicados pela recorrente diz respeito - é insindicável por este Supremo Tribunal. Ainda que se admitisse como fundamento de revista, acresce dizer que não se trata de “manifesto lapso” do julgador, nem os documentos indicados pela recorrente têm força probatória plena, de forma a, só por si, implicarem decisão diversa da proferida. No caso, não estamos perante qualquer lapso manifesto do Tribunal recorrido, mas antes a sua preterição em face dos outros meios de prova produzidos. Foi depois de sopesada a prova produzida que o Tribunal recorrido entendeu dar maior relevância e credibilidade a outros meios de prova (desde logo, as confirmações de voo juntas aos autos) em detrimento dos documentos indicados pela recorrente. A sentença proferida no proc. n.º 1142/15.3T8PVZ, o contrato de aluguer dos aviões e a declaração do administrador da CC (ainda que conjugados com as declarações da testemunha DD) não impunham decisão diversa da sufragada pelo Tribunal a quo. Quanto à sentença, sendo homologatória de transacção, não define os termos do litígio, porquanto não versou sobre o objecto da causa, nem é oponível à demandada. Quanto ao contrato de aluguer de aviões celebrado entre a recorrente e a CC e à declaração do administrador desta empresa, enquanto documentos particulares que não se mostram assinados pela demandada, não contêm declarações que lhe sejam desfavoráveis, pelo que não fazem prova plena contra ela (cfr. art.ºs 373.º, n.º 1, 374.º, n.º 1 e 376.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil). Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a este último artigo, escreveram: “O n.º l deste artigo deve ser interpretado em harmonia com o disposto no n.º 2. Só as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas, e não as favoráveis…”[38]. Menezes Cordeiro ensina: “O documento particular assinado, a sua letra e assinatura ou só a assinatura consideram-se verdadeiras (374.º/l), quando reconhecidas pela parte contra quem o documento é apresentado; quando não impugnadas por essa mesma parte; quando, sendo atribuídas à parte em causa, esta declare não saber se lhe pertencem; quando sejam legal ou judicialmente havidas como verdadeiras…O documento particular cuja autoria seja reconhecida e salvo a arguição e a prova da sua falsidade, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (376.º/l). Quanto aos factos contidos na declaração: consideram-se provados na medida em que se apresentem contrários aos interesses do declarante; a declaração é, contudo, indivisível, em termos aplicáveis à confissão (376.º/2)”[39]. E as declarações confessórias que os mesmos contenham dos seus declarantes, nas relações com terceiros, como é o caso da recorrida, somente valerão como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (art.º 358.º, n.º 4, do Código Civil). Improcede, por conseguinte, também esta questão.
O acórdão recorrido não merece, pois, censura, pelo que improcedem todas as conclusões do recurso.
Sumariando, em jeito de síntese final: III. Decisão Por tudo o exposto, acorda-se em julgar o recurso de revista improcedente e manter o acórdão recorrido. * Custas pela recorrente. *
Lisboa, 9 de Abril de 2019
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[7] No mesmo sentido, veja-se, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22/1/2015, processo n.º 24/09.2TBMDA.C2.S2 e de 7/7/2016, processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt, também citados pela recorrida. [14] Artigo cit., p. 209. |