Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS FUNDAMENTOS PRISÃO PREVENTIVA PRISÃO ILEGAL TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES INDÍCIOS SUFICIENTES INDEFERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 03/19/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - O pedido de habeas corpus é uma providência [judicial) expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, e visa a libertação imediata do arguido / detido em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal,”. II - O processo e os fundamentos do habeas corpus estão regulados nos artºs 222º e 223º CPP, podendo o STJ conhecer apenas dos casos de prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c). III - Não constitui fundamento de habeas corpus a averiguação da existência de prova e dos indícios do crime de tráfico de estupefacientes que determinou a aplicação à requerente da medida de coação da prisão preventiva. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, os Juízes na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça. No Proc. inquérito nº 26/24.9... do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de ... – ....ª Secção, Tribunal Central de Investigação Criminal - juiz ... dom Tribunal da Comarca de Lisboa em que é arguida AA, presa preventiva no E.P. ..., apresentou petição de Habeas Corpus que se transcreve, na parte que releva: “Venho através deste douto solicitara audiência de debate instrutório. No dia 28 de Fevereiro de 2025 a divisão de investigação criminal de ... efectuar uma operação na Rua ..., em vários prédios desta operação resulta a apreensão de material estupefaciente e valores monetários entre o lotes e a detenção de 7 arguidos sendo conduzidos somente 6 ao Tribunal. Foi decretada a minha prisão preventiva baseada nos autos da informação prestada ao tribunal pela investigação criminal sendo que esses são contraditórios a veracidade dos factos. O auto descreve a seguinte afirmação: neste momento são concretamente apurado, mas pelo menos desde o inicio do ano de 2025 os arguidos acordaram entre si procederem de forma organizada à venda de heroína, cocaína, canábis a consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias, no interior do lote ... na Rua ... em ..., repartindo posteriormente, os . O direito e a justiça são feito pautado sobre vachismo, solicito o ônus da prova, na lei diz que cabe a parte acusadora proceder de forma concreta a prova. Os auto afirma de forma discriminadas que os arguidos desde 2025 acordaram entre si procederem de forma organizada a venda de heroína, cocaína e canábis em troca de quantias monetárias. Solicito o ônus da prova referente a afirmação de vídeo vigilância existente a entrada do lote ... e as imagens de forma visível comprovando que as transações efectuadas e a repartição de proventos entre todos inclusive a mim arguida AA. Solicito as imagens que eu AA recebo os proventos e todas as transações referentes a mim. Foi afirmado em tribunal na fase de interrogatório que arguido BB, foi detido em minha casa, em interrogatório de forma afirmativa após ser confrontada disse por 2 vezes, que arguido foi preso no prédio, e não em minha residência. O Arguido BB, tinha consigo no interior de uma bolsa a tiracolo, 44 (quarenta e quatro) embalagens de heroína, cento e doze) embalagens de crack e quantia de 5 (quinhentos cinquenta e um euro sessenta cêntimos. A Exce. Dr Juiza de direito em interrogatório questionou em que local teria sido a apriensão Arguido BB , essa situação não ficou devidamente esclarecida, embora eu tenha relatado que no interior da minha casa, só se encontrava eu AA e o arguido CC, o arguido CC tinha em sua posse 00 (vinte euros)e nada mais. A minha declaração foi descredibilizada dando a entender que arguido BB preso em minha casa. O auto da policia diz que a venda do material estupefaciente era efetuada no ultimo patamar antes do r/c. O outro diz; em conformidade, foi acompanhado ao interior do prédio (lote) por DD. Uma vez, naquele local, DD gritou “tá limpo” no seguimento o arguido BB se acercou de EE a quem entregou uma embalagem de heroína nesse momento foram abordados pela polícia de segurança pública. Ele foi abordado pela polícia dentro do prédio aonde supostamente procedia-se a venda e não em ninha residência. Quanto as declarações descrita nos autos não consta na lista de apreensão a minha empressora, apriendida e levada pelos senhores agentes da policia. Relativamente em relação a balança de precisão, independente de onde ela estava guardada não dá a ela garantia de ser um material exclusivo para o comércio de venda de materiais estupefacientes, ela está englobada como material genológico. Em audiência farei prova da minha formação nesse setor, sou formada pelo Instituto Gemologico Português, GemesValue, como perita avaliadora em diamantes e a balança era destinada a esse setor. Os senhores agentes de polícia entraram em minha casa sem apresentar o mandato de busca e apriensão, a busca não foi efetuada com a minha presença, estive todo tempo dentro do quarto com a agente FF, sendo a busca sido feita pelos agentes sem a minha presença. Eu sou a provedora da minha casa, tendo sobre minha responsabilidade 2 menores, trabalho estudo na faculdade autonoma frequentando o curso de direito, não ofereço risco de fuga ou risco para sociedade. De acordo com constituição da República Portuguesa artigo 31º solicito a providencia de habeas corpus em audiência contraditória.” Da informação enviada, nos termos do artº 223º1 CPP consta (transcrição): “Nos termos do artigo 223º, n.º 1 do Código de Processo Penal, cumpre informar o seguinte: 1 – No âmbito dos autos de inquérito n.º 26/24.9... do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de ... – ....ª Secção, a arguida AA foi detida em flagrante delito em cumprimento de mandados de detenção legalmente formalizados e presente neste Tribunal Central de Instrução Criminal para primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do artigo 141º do Código de Processo Penal, por existirem fortes indícios da prática pela mesma, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº1, al. a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01. 2 - Realizado o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi proferido o despacho judicial datado de 1 de março de 2025, constante de fls. 465 a 480, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual determinou, além do mais, a sujeição da arguida, para além do já prestado TIR, à medida de coacção de prisão preventiva. 3 - Atualmente, mantém-se a execução da medida de coação de prisão preventiva imposta à arguida AA.” Foi junta certidão das folhas 390 a 398 e 453 a 481 dos autos de inquérito, que traduz a apresentação a primeiro interrogatório judicial da requerente e a decisão de aplicação da medida de coação de prisão preventiva à arguida requerente. Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o defensor do arguido, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP. + Finda a audiência o coletivo reuniu para deliberar, o que fez, apreciando o pedido nos termos seguintes: Os factos relevantes para a decisão mostram-se condensados na petição de Habeas Corpus e na informação do tribunal requerido e certidão com ela junta que aqui se dão por transcritos e deles resultam que as questões a decidir se prendem com: - a apreciação do pedido de habeas corpus e se ocorrem razões para o seu deferimento Conhecendo e apreciando: O pedido de habeas corpus é uma “providência [judicial) expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344)”1 O direito à liberdade é um direito fundamental dos cidadãos expresso no artº 27º 1 CRP que dispõe “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.”, esclarecendo no nº2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. Há exceções também constitucionalmente consagradas, no mesmo normativo, no seu nº3, e entre elas constam: “a) Detenção em flagrante delito; b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;(…), fora das quais as restrições à liberdade, através da detenção ou prisão, são ilegais, juízo que se tem afirmado em jurisprudência reiterada, quando ocorram fora dos casos previstos neste mesmo normativo (cf. ac. de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt)2. - A arguida/ requerente encontra-se atualmente presa no Estabelecimento prisional de ..., em prisão preventiva, que lhe foi aplicada em 1º interrogatório de arguida detida em 1/3/2025; - A arguida /requerente foi ali indiciada como coautora do crime de trafico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º 1 a) DL 15/93 de 22/1, cuja moldura penal é de 4 a 12 anos de prisão; Estes os factos relevantes. A providencia de Habeas Corpus como dispõe o artº 223º 4 CPP, visa a libertação imediata do arguido / detido em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal,”. Nos termos do artº 222º2 CPP, a petição a apresentar no Supremo Tribunal de Justiça deve fundar-se em prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c). Se bem interpretamos o que a arguida/ requerente, de modo algo confuso, expõe no seu pedido de habeas corpus, tal se traduz no facto de em seu entender estar presa sem que haja motivos para isso, não havendo indícios do crime que lhe é imputado, inexistindo por isso, razões para estar presa. Ora os fundamentos do habeas corpus, que traduzem a ilegalidade da detenção, são de caracter taxativo (ac. STJ de 19/5/2010 CJ STJ, 2010, T2, pág. 196) e estão fixados nas alíneas do nº2 do artº 222º CPP (numerus clausus) e nenhuns outros podem ser invocados, sob pena de invasão da jurisdição de outros tribunais e para cuja apreciação são competentes outros tribunais, donde não pode esta providencia ser utilizada para pôr em causa outros motivos de ilegalidade ou irregularidade da prisão ou a sua manutenção, ou para corrigir deficiências processuais, face ao caracter excecional da providencia em causa e suas razões que devem revestir natureza de erros grosseiros, evidentes e graves na aplicação do direito, pois não substitui o direito ao recurso nem é uma sua alternativa ( ac STJ 12/12/2007 www.dgsi.pt), talqualmente se reconhece que “…o habeas corpus não é meio adequado para impugnar as decisões processuais ou arguir nulidades e irregularidades processuais, que terão de ser impugnadas através do meio próprio” – cfr. ac. STJ de 16-03-2015 www.dgsi.pt, ou ainda “II. A medida de habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre a decisão judicial de privação de liberdade ou a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades, cometidas na condução do processo. Para esses fins servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, na sede apropriada. Nesta sede cabe apenas verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante enquadrável em alguma das alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP.” – ac STJ 9/11/2011 www.dgsi.pt 3 Ora o que a requerente / arguida questiona no seu requerimento são a ausência de indícios do seu ponto de vista do crime de trafico de droga que lhe é imputado em coautoria com vários outros arguidos, p.p. pelo artº 21º DL 15/93de 22/1 e por essa via a medida de coação aplicada de prisão preventiva, e para isso não é este (a providencia de habeas corpus) o meio adequado, mas o recurso para o tribunal judicial competente; A este Supremo Tribunal compete apenas verificar se se verifica se ocorre algum dos motivos de ilegalidade expresso no artº 222º CPP citado, e não se há indícios do crime imputado ou fundamentos para aplicação da prisão preventiva ( artº 204º CPP) Dado que a arguida/ requerente está presa por decisão do juiz de instrução que em 1/3/2025 a sujeitou à medida de coação da prisão preventiva e nessa situação aguardar os ulteriores termos do processo, e foi-o por indícios da prática em coautoria do crime de trafico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º DL 15/93 punível com a pena de 4 a 12 anos de prisão, que admite a aplicação dessa medida de coação em conformidade com o disposto no artº 202º 1 a) CPP: “Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;” e não se mostra que a duração da prisão preventiva tenha sido excedida, não ocorre uma situação de prisão ilegal que determine o deferimento da providencia requerida e a libertação da arguida, em consequência do que se torna manifesto que o pedido de habeas corpus, para libertação da requerente não pode ser emitido, pois a providencia não pode proceder, por falta de fundamento legal, sendo manifesta a sua improcedência e tem de ser indeferida (artº 223º 4 a) CPP) e a requerente sancionada. + Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça decide: - Indeferir a providencia de habeas corpus formulada pela arguida/ requerente AA, por manifesta falta de fundamento. - Condenar a requerente na taxa de justiça de 4 UC e nas demais custas Condenar a requerente, por manifesta improcedência no pagamento de 7 UC s (artº 223º, nº 6 CPP) Notifique + Lisboa e STJ, José A. Vaz Carreto (Relator) Maria Margarida Almeida Antero Luis _____________________________________________ 1. Cf. ac. STJ 4/6/2024, Proc. 1/22.8KRPRT-K.S1 Cons. Lopes da Mota www.dgsi.pt; Ac STJ 15/1/2025 Proc 59/21.7SULSB-H.S1 www.dgsi.pt 3. Cfr. também ac. STJ 16/11/2022 proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1 www.dgsi.pt cons. Lopes da Mota: “- I- Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, de enumeração taxativa, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP, pelo que o STJ apenas tem de verificar (a) se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial. II - O arguido fundamenta a sua pretensão em alegada nulidade insanável [art. 119.º, al. c), do CPP] resultante do facto de não ter sido ouvido no procedimento de formação da decisão que revogou a suspensão de execução da pena de prisão, nos termos do art. 495.º, n.º 2, do CPP, a qual, do seu ponto de vista, afetando a validade e eficácia da decisão e impedindo a execução da pena, determinaria a ilegalidade da prisão; para além disso, alega que o despacho de revogação da suspensão de execução da pena viola várias normas de direito penal substantivo, nomeadamente os arts. 50.º, 55.º, 56.º e 70.º do CP, bem como o princípio in dubio pro reo. III - A providência de habeas corpus não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei do processo e se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância; trata-se de matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas, de acordo com o estabelecido nos arts. 118.º a 123.º, do CPP e por via de recurso para os tribunais superiores (art. 399.º e ss., do CPP). IV - Se a não observância da lei determinar uma “nulidade insanável”, tal nulidade deve ser declarada no processo, “em qualquer fase do procedimento”, isto é, até ao trânsito em julgado da decisão, como impõe o art. 119.º do CPP. Não foi suscitada nem declarada, no processo, qualquer nulidade que possa afetar a validade ou a eficácia do ato que ordenou a detenção para cumprimento da pena de prisão ou a manutenção da situação da privação da liberdade em que o requerente atualmente se encontra.” |