Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO GAMA | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM CONHECIMENTO SUPERVENIENTE CÚMULO JURÍDICO PRESCRIÇÃO PENA SUSPENSA DESCONTO OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/02/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGAMENTO ANULADO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I- Não existe óbice legal à realização de cúmulo jurídico entre penas de prisão e penas suspensas, ou apenas entre penas suspensas, por conhecimento superveniente do concurso. II- O caso julgado relativo à formulação do cúmulo jurídico vale rebus sic stantibus, ou seja, se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, o caso julgado fica sem efeito e as penas parcelares adquirem toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura do concurso. III- Podendo o legislador ter excluído do conhecimento superveniente do concurso de crimes as penas de prisão suspensas na sua execução, não o fez, por boas razões político criminais e em respeito ao princípio da igualdade. Desde logo por razões de prevenção geral e especial. IV- Na realização de cúmulo jurídico impõe-se especial cuidado quando são consideradas penas de prisão suspensas na sua execução. Para o efeito de determinação da pena única do concurso só devem ser consideradas as penas de prisão suspensas que ainda não tenham sido declaradas extintas e não estejam prescritas. Se as penas foram declaradas extintas ou estão prescritas não entram no cúmulo jurídico. V- Se o período de suspensão de execução da pena de prisão – inicialmente fixado, ou em resultado de prorrogação ditada por decisão transitada em julgado – ainda não decorreu, não se verifica óbice a que a pena suspensa se englobe no cúmulo jurídico. VI- Relativamente às penas de prisão suspensas, em que decorreu o prazo de suspensão, não devem ser incluídas no cúmulo sem que antes se esclareça a situação jurídica, o que vale por dizer, sem que se averigue sobre a sua extinção, prorrogação do prazo de suspensão ou revogação. É que, decorrido o prazo da suspensão, as penas são declaradas extintas se não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. VII- As penas suspensas, quando cumpridas parcialmente e/ou em que foi satisfeita condição de suspensão, que não tenham sido revogadas – pois em caso de revogação determina-se o cumprimento da pena fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado –, mas que entrem em cúmulo jurídico de pena de «diferente natureza» no âmbito de conhecimento superveniente de crimes, podem dar origem a «desconto que parecer equitativo». | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 626/07.1PBCBR.S1
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
I 1. No Tribunal Judicial da Comarca …, após realização de audiência, o arguido AA, foi condenado em cúmulo das penas parcelares aplicadas neste processo 626/07…… e nos processos 95/07…, 190/07…. e 223/07…., na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
2. Inconformado recorre o arguido apresentando as seguintes conclusões (transcrição): -I. O acórdão recorrido condenou o recorrente, em cúmulo de penas aplicadas neste processo n.º 626/07…… e nos processos 95/07……, 190/07….. e 223/07……, na pena única de nove anos de prisão. Não pode o recorrente concordar com esta condenação. (Da impossibilidade de cúmulo jurídico de penas suspensas após o decurso do prazo, sem que tenha havido confirmação da prorrogação ou revogação). -II. As penas aplicadas, quer nestes autos (Proc. 626/07…..) quer também nos autos n.º 190/07…… e n.º 223/07….., são penas de prisão, todas suspensas na sua execução. -III. À data da prolação do acórdão recorrido (10.01.2020) há muito que o referido período da suspensão da execução das penas de prisão havia decorrido, tendo terminado, respetivamente, a 20.11.2013, 28.03.2015 e 28.3.2017. -IV O Tribunal que determinou a suspensão da prisão, declara a pena extinta se, decorrido o período da suspensão, não houver motivos para que a mesma seja revogada. - art. 57./1 CP. -V. Nada obsta à inclusão de penas de prisão efetiva e de penas de prisão suspensas na execução, em sede formação da pena única, em caso de conhecimento superveniente de crimes, porém, as penas suspensas na execução, depois de extintas pelo decurso do prazo não deverão integrar o cúmulo jurídico - VI Já as penas de prisão suspensas na execução cujo prazo se encontra decorrido, não podem ser integradas no cúmulo jurídico sem antes de ter a confirmação que foi ordenado o seu cumprimento (por revogação) ou a sua prorrogação, isto porque a pena suspensa deverá ser declarada extinta pelo decurso do prazo (cf. Art. 57.º/7 do CP) e logo, não poderá integrar a pena única. -VII. Tendo o acórdão recorrido omitido a situação em que se encontram as penas cujo prazo de suspensão já decorreu, está o mesmo ferido da nulidade, por violação do artigo 379.º, n.º 1, al. a), c) e n.º 2 do CPP. -VIII- Esta omissão do dever de pronúncia do tribunal a quo em ainda relevo, no caso sub judice, por razões de eventual prescrição da própria pena suspensa. -IX- O prazo de prescrição da pena suspensa é de 4 anos (art. 122/1/d). -X. O prazo de prescrição da pena suspensa conta-se desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta. -XI. A pena prescrita não deverá integrar o cúmulo jurídico. -XII. Também por não ter indagado acerca da prescrição das penas suspensas, o acórdão recorrido violou o art. 379.º/1/a), c) e n.º 2 do CPP, padecendo de nulidade. (II. Da prescrição da pena no âmbito do Processo n.º 97/07……) -XIII. O Acórdão recorrido, proferido em 10.01.2020, integra no cúmulo jurídico a pena (única) de 4 anos e seis meses de prisão, aplicada ao recorrente no âmbito do Proc. n.º 97/07……. -XIV. Esta condenação foi proferida em 18.06.2010 e transitou em julgado em 20.12.2010. -XV. As penas prescrevem no prazo de 10 anos, se forem iguais ou superior a dois anos de prisão - art. 122.º/1/c) do Código Penal. -XVI. O prazo de 10 anos completou-se a 20.12.2020 e, assim, à data da prolação do acórdão recorrido, a pena já estava prescrita e, como tal, terá de ser excluída do cúmulo jurídico. -XVII. O acórdão recorrido viola os artigos 122/1/c) do Código Penal e o princípio ne bis in idem consagrado no art. 29/5 da Constituição. (Do Erro da determinação da moldura penal abstrata aplicável ao concurso de crimes.) -XVIII. A moldura penal abstrata do concurso de crimes “tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. – art. 77.º/2 do CP. -XIX. A moldura penal abstrata fixada no acórdão recorrido não foi cumpre este dispositivo legal na fixação do limite máximo. - XX. Da soma das concretas penas parcelares resulta que a moldura penal abstrata deve ser fixada entre um limite máximo de 21 anos e 8 meses de prisão e um limite mínimo 4 anos de prisão (ao invés dos 23 anos e 8 meses constantes do acórdão recorrido). -XXI. A moldura penal do acórdão recorrido viola o artigo 77.º/2 do Código Penal. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso ser e, por via dele, ser revogado o acórdão recorrido, e em consequência ser reaberta a Audiência para realização de Cúmulo Jurídico. Fazendo-se, assim a habitual e necessária justiça. – O acórdão recorrido englobou no cúmulo jurídico operado duas penas suspensas na sua execução (sendo uma delas a dos presentes autos), cujo prazo de suspensão já havia decorrido, sem que tenha sido proferido despacho de prorrogação ou de revogação da suspensão, não se pronunciando sobre tais questões, pelo que se encontra ferido da nulidade prevista no art.379º, nº1, al. c), do CPP (omissão de pronúncia). - As penas abrangidas no cúmulo jurídico operado no acórdão recorrido não se encontram prescritas. – O limite máximo da moldura penal abstrata dos crimes em concurso foi incorretamente calculado no acórdão recorrido. Deve, pois, ser concedido parcial provimento ao recurso do arguido, anulando-se o acórdão recorrido e determinando-se a devolução do processo à 1ª instância para a reabertura da audiência com vista à realização do cúmulo jurídico, devendo o Tribunal proceder previamente às necessárias averiguações e pronunciar-se quanto às penas suspensas. No entanto, os Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros farão, como sempre, justiça 4. Neste tribunal o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, devendo ser declarada nula a decisão recorrida por violação do disposto no art 379.º/1/c, CPP, e determinada a remessa dos autos à 1ª instância para apuramento dos elementos necessários à prolação da decisão a que se referem os arts 57.º e 56.º, CP, e posterior pronúncia, no que respeita às penas aplicadas nos processos 626/07…… e 223/07….., reabrindo-se, depois a audiência para realização do cúmulo jurídico.
5. Realizada conferência, cumpre decidir.
II A Factos provados (transcrição):
1. Neste processo 626/07.1PBCBR: Data dos factos: 14.04.2007 Data da decisão: 07.11.2011 Transitada em julgado em 28.11.2011 O arguido foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa por um período de dois anos, sujeito a regime de prova nos termos dos artigos 50.º, n.º 2 e 53.º do Código Penal, pela pratica de um crime de furto qualificado, pp. pelos artigos 203.º, 204.º, n.º 1, alínea a) e 202.º, alínea b), todos do Código Penal. Nestes autos foi dado como provado, em síntese, que: a) No dia 14 de abril de 2007, concretizando plano delineado entre todos os arguidos, apropriaram-se do veículo pesado de mercadorias de matrícula …-…-TG, pertencente a S....., Lda., no valor de € 18.835,30, o qual se encontrava estacionado em ….. b) Mais tarde o veículo foi desmantelado e abandonado. c) Antes de se desfazerem do veículo, retiraram do seu interior e fizeram seus: documentos, um rádio, uma antena e um telemóvel …….
2. No processo 288/07……. [certidão de fls. 1370 e seg.] Data dos factos: 04.09.2007 Data da decisão: 04.07.2008 Transitada em julgado em 04.08.2008 O arguido foi condenado em cúmulo jurídico na pena única de 4 anos e 4 meses, suspensa na sua execução por 4 anos e 4 meses sujeito a regime de prova pela prática de: um crime de roubo agravado, pp. pelo artigo 210°, n.º 2, alínea b) Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; um crime de furto qualificado, pp. pelo artigo 204°, n.º 1, alíneas a) e b) Código Penal, na pena de 1 ano e 5 meses de prisão; um crime de detenção de arma proibida, pp. pelo artigo 86.°, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei 5/2006, na pena de 8 meses de prisão; Estas penas já foram declaradas prescritas.
3. No processo 95/07….. [certidão de fls. 1038 e seg.] Data dos factos: 11-13.06.2007 Data da decisão: 18.06.2010 Transitada em julgado em 20.12.2010 Na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de: um crime de furto qualificado, pp. pelo artigo 204°, n.º 2, alínea e) Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; um crime de dano, pp. pelo artigo 212.º, n.º 1 Código Penal, na pena de 6 meses de prisão; um crime de furto qualificado, pp. pelo artigo 204°, n.º 2, alínea a) Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; um crime de furto qualificado, pp. pelo artigo 204°, n.º 2, alínea e) Código Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão; Nestes autos foi dado como provado, em síntese, que: a) AA, BB, CC e outro individuo do sexo feminino decidiram assaltar a oficina de DD em …, ….., onde se dirigiram em 11 de Junho de 2007 e os três primeiros entraram depois de cortarem a rede de vedação, causando estragos no valor de € 100,00, forçaram a fechadura de entrada, causando estragos no valor de € 50,00, levando consigo chaves de quatro automóveis, um auto rádio no valor de € 150,00 e do interior da oficina diversos objetos no valor global aproximado de € 3.500,00. b) Ao abandonarem as instalações da oficina, cortaram a lona do lado esquerdo e forçaram a fechadura do reboque VI-….. da ….., causando estragos de € 250,00, e dele retiraram 103 câmaras de filmar, no valor de € 4.3359,07 e duas paletes contendo elétrodos e bobines de fio de valor não apurado. c) Ao saírem do local, tendo em vista empurrar o veículo em que se faziam transportar que tinha ficado com os rodados enterrados, deslocaram o trator …-…-TJ, propriedade de DD, e, com a frente do mesmo, empurraram o veículo em que se faziam transportar, causando estragos no trator que ascenderam a € 2.632,39. d) Na noite de 13 de junho de 2007, dirigiram-se à oficina de pneus da C........, Lda., onde os arguidos AA, BB e CC entraram, forçando com um pé de cabra a fechadura do portão de acesso, dali retirando e fazendo seus os seguintes bens: máquina pneumática, um macaco e vários outros objetos, designadamente, 217 pneus, tudo no valor global aproximado de € 1.6610,00. e) Fizeram seus os objetos referidos, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade dos respetivos donos, representando ainda que a sua conduta causaria necessariamente estragos no trator.
4. No processo 190/07……. [certidão de fls. 970 e seg.] Data dos factos: 27-28.06.2007 Data da decisão: 24.02.2011 Transitada em julgado relativamente a este arguido em 28.03.2011 O arguido foi condenado, pela prática de um crime de furto qualificado, pp. pelo artigo 204.°, n.º 1, alínea a) Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, sujeito a regime de prova; e ainda na obrigação de proceder ao pagamento à assistente “T........, S.A.”, no período da suspensão, a quantia de € 5.594,45, à razão de € 1.398,61 por cada ano; Nestes autos foi dado como provado, em síntese, que: a) Em data que não foi possível determinar, mas anterior ao mês de março de 2007, o arguido CC combinou com os restantes arguidos BB, AA e EE que, a partir daquela data, iriam unir esforços para assaltar diversos estaleiros de obras, oficinas, destilarias e outros locais onde se encontrassem veículos automóveis ou outros objetos de valor no distrito ….. b) Assim, a partir de data que não foi possível determinar, mas situada no mês de março de 2007, os arguidos passaram a dedicar-se exclusivamente à realização de diversos assaltos, não tendo a partir dessa data e, pelo menos até ao mês de setembro de 2007, qualquer outra profissão, atividade ou ocupação. c) Deste modo, era também da realização desses diversos assaltos que os arguidos, no período de tempo compreendido entre os meses de março e setembro de 2007, angariavam os proventos necessários para a sua subsistência. d) Na noite de 27 para 28 de junho de 2007, a hora que não foi possível apurar em concreto, mas situada entre as 19 horas e 30 minutos e as 7 horas e 45 minutos, os arguidos, na execução daquela decisão anteriormente tomada de assaltarem diversos estaleiros, dirigiram-se para a localidade ….., a fim de aí assaltarem um estaleiro de obras ali existente, pertença da assistente T......S.A.”. com sede na Zona Industrial ….., lote …., em …... e) Para o efeito, os arguidos partiram da cidade de …. em dois veículos automóveis, sendo que o arguido BB conduziu um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca “…..”, modelo ‘…..”, cujo número de matrícula não foi possível apurar, levando consigo, como passageiro, o arguido AA. f) A arguida EE conduziu um outro veículo de marca “….”, cujo modelo e número de matrícula não foi possível apurar, levando como passageiro o arguido CC. g) Deste modo, o arguido BB conduziu o referido veículo automóvel de marca ……”, modelo “...”, desde a cidade …. até à localidade …., concelho …., tendo estacionado o veículo. h) Para efetuar o trajeto referido no ponto anterior, o arguido BB conduziu o identificado veículo automóvel pela Estrada ….., pela Estrada …., pela Estrada …., e pela Estrada ……. i) Uma vez na localidade ….., os arguidos BB e AA entraram para o interior do dito veículo de marca ‘……, onde se encontravam os arguidos EE e CC, e, de seguida, os quatro arguidos dirigiram-se para o estaleiro da assistente, sito no parque eólico da Zona …… - ….. - ….., mantendo o propósito de o assaltar. j) Chegados ao referido estaleiro, a arguida EE posicionou-se em local donde podia avistar os terceiros que se aproximassem daquele estaleiro, por forma a poder avisar atempadamente os restantes arguidos para fugirem daquele local. k) Nessa altura, os arguidos CC, AA e BB dirigiram-se para o recinto que delimitava o referido estaleiro, o qual se encontrava vedado em toda a sua extensão através de uma rede e um portão. l) Após, os arguidos CC, AA e BB rebentaram a rede aludida no ponto anterior e dirigiram-se aos dois contentores que se encontravam no interior do dito recinto, e, fazendo uso de um pé de cabra que transportavam, partiram os cadeados e aloquetes das portas de entrada para os contentores. m) De seguida, os arguidos CC, AA e BB abriram aquelas portas e entraram naqueles contentores, tendo retirado do seu interior: a. um gerador a gasóleo vermelho, com valor de pelo menos € 777,50; b. uma motosserra com o valor de, pelo menos, € 123,00; c. duas bombas de água submersíveis, com o valor global de, pelo menos € 38,00; d. um binóculo, com o valor de, pelo menos, € 49,50; e. uma caixa de ferramenta completa e dois pés de cabra, com o valor global de, pelo menos, € 221,00; f. um vibrador de betão, com o valor de, pelo menos, € 225,00; g. 372 pinças de amarração cabear, com o valor global de € 9.913.80 h. 124 varetas para sinalização diurnas, com o valor global de € 2.480,00; i. varetas para pinça de suspensão em número que não foi possível determinar, com o valor de, pelo menos, € 450,00; n) Nessa ocasião, os arguidos CC, AA e BB vislumbraram, no interior do recinto daquele estaleiro, um veículo automóvel, de marca ……, modelo “…”, de cor …. e caixa aberta, com a matrícula …-…-ST, com o valor de cerca de € 8.000,00. o) Os arguidos CC, AA e BB colocaram então os objetos que haviam retirado dos mencionados contentores no interior do veículo aludido no ponto anterior, tendo, de seguida, por método que não foi possível apurar, conseguido colocar em funcionamento o motor do mesmo. p) Após, os quatro arguidos abandonaram aquele local, levando consigo para local que não foi possível determinar o veículo com a matrícula n° …-…-ST, bem como os objetos referidos que haviam retirado dos dois contentores existentes naquele estaleiro, assim fazendo seus aqueles objetos e veículo. q) Em virtude do rebentamento da rede que vedava o recinto do estaleiro e dos aloquetes que fechavam as portas de entrada para os contentores que ali se encontravam, sofreu a assistente um prejuízo equivalente ao seu conserto, de montante que não foi possível apurar em concreto, mas não inferior a € 100,00. r) Após terem abandonado o recinto do estaleiro, o arguido BB conduziu o veículo de marca …..”, modelo ‘…..”. com a matrícula …-…-ST, desse local, passando pela localidade ……, até à localidade …., tendo nesse percurso conduzido este veículo pela Estrada ….., pela Estrada ….., pela Estrada ….. e pela Estrada …... s) Os arguidos CC, BB, AA e EE quiseram fazer seus os supra mencionados objetos retirados dos ditos contentores e o referido veículo automóvel, apesar de saberem que os mesmos não lhes pertenciam e que, ao apoderarem-se deles, tal como ao entrarem no recinto daquele estaleiro e nos referidos contentores, e aí provocarem os descritos estragos, o faziam contra a vontade e no desconhecimento da legítima dona. t) Todos os arguidos agiram nas circunstâncias atrás descritas, livre, voluntária e conscientemente sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
5. No processo 223/07…… [certidão de fls. 1437 e seg.] Data dos factos: 18-19.03.2007; 11-12.09.2007; 14-15.06.2007 Data da decisão: 27.05.2011 Transitada em julgado em 28.09.2012 O arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, pp. pelo artigo 204.°, n.º 2, alínea e) Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, um crime de furto qualificado, pp. pelo artigo 204°, n.º 2, alínea e) Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova. Nestes autos foi dado como provado, em síntese, que: a) De 18 para 19 de março de 2007, na destilaria pertença de FF, onde entraram rebentando a fechadura de um portão, os arguidos apropriaram-se de colunas em cobre no valor de € 100.000,00, tubos no valor de € 2.400,00, cântaros no valor de € 1.800,00, crivos no valor de € 1.800,00, outros objetos no valor de € 280,00 e ainda de toda a documentação inerente à atividade da destilaria. b) De 11 para 12 de setembro de 2007, na mesma destilaria, onde entraram rebentando a fechadura de uma porta, apropriaram-se de refrigerantes e lentilhas em cobre de valor não inferior a € 80.000,00 e aparadores e tampas em cobre de valor não apurado, os quais carregaram no camião ….., pertença do mesmo ofendido, no valor de € 2.5000,00 que colocaram em funcionamento através de ligação direta, levando consigo todo o material e a dita viatura, esta última recuperada depois de ter sido abandonada. c) De 14 para 15 de junho de 2007, no estaleiro da Co......, Lda., onde entraram cortando a rede de vedação e fechadura de porta de armazém retiraram e levaram consigo prumos de alumínio, ferro e acrescentos de alumínio no valor total de € 1750,00, levando ainda uma viatura pertença de GG de valor não inferior a € 20.000,00, que tinha no seu interior objetos no valor de € 500,00.
6. No processo 51/07…… [certidão de fls. 732 e seg.] Data dos factos: 16.04.2007 Data da decisão: 01.07.2011 Transitada em julgado relativamente a o arguido em 01.08.2011 [cf. fls. 1626] O foi condenado pela prática de: - Um crime de resistência e coação sobre funcionário, pp. pelo artigo 347.º, n.º 1 Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; - Um crime de dano com violência, pp. pelo artigo 214.º, n.º 1, alínea b) Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; - Um crime de condução perigosa, pp. pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses e na sanção acessória de 1 ano de proibição de conduzir. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, e 1 ano de proibição de conduzir. Estas penas já foram declaradas prescritas.
7. No processo n.º 110/06……. [certidão de fls. 958 e seg.] Data dos factos: 03.02.2006 Data da decisão: 14.03.2008 Transitada em julgado relativamente ao arguido em 22.04.2008 O arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, pp. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. Esta pena já foi declarada prescrita.
8. Para além das condenações referidas anteriormente, o arguido também já foi condenado: a. No processo n.º 186/07……, por decisão de 17.06.2008, por factos acontecidos em 11.06.2007, que se traduziram na prática de um crime de detenção de arma proibida, numa pena de multa, já paga; b. No Processo n.º 2281/04…, por decisão de 01.02.2010, por factos de 20.08.2004, que se traduziram na prática de um crime de furto e outro de falsificação, em pena de multa já declarada extinta pelo pagamento.
9. O arguido AA foi …. e auferia dessa atividade profissional a quantia de 485,00€, a companheira trabalhava num …. e auferia € 450,00.
10. A sua companheira tem dois filhos que viviam com o casal, com 8 e 19 anos de idade.
11. O arguido AA tem o 9.º ano de escolaridade, abandonando o sistema de ensino aos 15 anos de idade, altura em que terá começado a acompanhar o pai executando trabalhos na área da …...
12. O arguido AA, à data dos factos vivia em ….., num quarto alugado, e privilegiava a associação a outros indivíduos com prática criminais.
13. Identifica este período de vida, de fevereiro de 2007 até à sua reclusão, em setembro do mesmo ano, como muito conturbado, surgindo identificado em vários processos judiciais.
14. No período em que esteve em prisão preventiva, contou de novo com o apoio dos pais e da família nuclear, que o visitavam e cujas orientações e apoio ao arguido voltou a valorar de forma positiva.
15. Após sair do estabelecimento prisional, iniciou relação de namoro com a companheira, juntamente com os dois filhos desta.
16. Exerceu, entre outras, atividades na área da ….. e das …….
17. Em novembro de 2010, trabalhou para uma empresa de trabalho temporário, e manteve atividade regular numa fábrica de ….., em …...
18. O arguido encontra-se ausente em parte incerta há vários anos.
B O Direito As questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes: a) Impossibilidade de realização de cúmulo jurídico de penas de prisão com penas suspensas após o decurso do prazo de suspensão, sem que tenha havido confirmação da prorrogação ou revogação da suspensão; b) Erro na determinação da moldura penal abstrata aplicável ao concurso de crimes; c) Prescrição.
1. O acórdão recorrido cumulou as penas aplicadas neste processo (626/07…..) e nos processos 95/07……, 190/07….. e 223/07….., fixando a pena única em nove anos de prisão. Sustenta o recorrente que as penas aplicadas, quer nestes autos quer nos autos n.º 190/07…… e n.º 223/07……, são penas de prisão, todas suspensas na sua execução. Que à data da prolação do acórdão recorrido (10.01.2020) o período da suspensão da execução das penas de prisão havia decorrido, tendo terminado, respetivamente, a 20.11.2013 (626/07…..), 28.03.2015 (190/07……) e 28.3.2017 (223/07…….). No seu entendimento as penas de prisão suspensas na execução cujo prazo se encontra decorrido, não podem ser integradas no cúmulo jurídico sem antes se obter confirmação que foi ordenado o seu cumprimento (por revogação) ou a sua prorrogação, isto porque a pena suspensa deverá ser declarada extinta pelo decurso do prazo (cf. Art. 57.º/7 do CP) e logo, não poderá integrar a pena única.
2. Da alegação do arguido, com uma clareza que nos apraz registar, há apenas que questionar a data do trânsito em julgado da primitiva condenação nos presentes autos (626/07…..), pois, segundo a decisão recorrida, verificou-se em 28.11.2011 e não 20.11.2011. A decisão recorrida é omissa quanto ao período de suspensão da pena única de 4 anos e seis meses de prisão aplicada no processo 223/07….., pelo que não podemos confirmar se o período de suspensão da pena teve o seu terminus em 28.3.2017.
3. As penas em causa estão em concurso, porque aplicadas a vários crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles (art. 77.º/1, CP). Não existe óbice legal à realização de cúmulo jurídico entre penas de prisão e penas suspensas, ou apenas entre penas suspensas, por conhecimento superveniente do concurso, como aliás o recorrente aceita e é jurisprudência maioritária a nível do STJ (ac. STJ 21.1.2012, disponível em www.dgsi.pt). O caso julgado relativo à formulação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja, se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, o caso julgado fica sem efeito e as penas parcelares adquirem toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura do concurso (acs. STJ 03.10.2007 e 28.11.2012, disponíveis em www.dgsi.pt, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 1993, § 430, André Lamas Leite, A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Vol. II, p. 608), procedimento que não viola as regras constitucionais (ac. TC 3/2006).
4. Podendo o legislador ter excluído do conhecimento superveniente do concurso de crimes as penas de prisão suspensas na sua execução, não o fez, e julgamos que por boas razões político criminais e em respeito ao princípio da igualdade. Desde logo por razões de prevenção geral e especial. Depois, não seria adequada e razoável solução (art. 9.º, CC) o arguido julgado e condenado no mesmo processo, por quatro crimes a que foi aplicada a pena de cinco anos por cada um deles, ter de cumprir uma pena de prisão, enquanto o arguido que levou a cabo condutas de idêntica gravidade, mas julgadas em processos separados, (poder) ser punido com quatro penas de prisão de cinco anos cada, suspensas na sua execução (Tiago Caiado Milheiro, Cúmulo jurídico superveniente, 2016, p. 118).
5. Colhe consenso no Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que na realização de cúmulo jurídico impõe-se especial cuidado quando são consideradas penas de prisão suspensas na sua execução (ac. STJ 14.01.2016). Para o efeito de determinação da pena única do concurso só devem ser consideradas as penas de prisão suspensas que ainda não tenham sido declaradas extintas e não estejam prescritas. Se as penas foram declaradas extintas ou estão prescritas não entram no cúmulo jurídico. O mesmo deve ocorrer em relação às penas suspensas cujo prazo de suspensão já decorreu e estão em condições para serem declaradas extintas (art. 57.º, CP).
6. Se o período de suspensão de execução da pena de prisão – inicialmente fixado, ou em resultado de prorrogação (art. 55.º/d, CP) ditada por decisão transitada em julgado – ainda não decorreu, não se verifica óbice a que a pena suspensa se englobe no cúmulo jurídico.
7. Relativamente às penas de prisão suspensas, em que decorreu o prazo de suspensão, o que acontece no caso com as penas suspensas aplicadas nos processos 626/07…, 190/07….. e 223/07……, não devem ser incluídas no cúmulo sem que antes se esclareça a situação jurídica, o que vale por dizer, sem que se averigue sobre a sua extinção, prorrogação do prazo de suspensão ou revogação. É que, decorrido o prazo da suspensão, as penas são declaradas extintas se não houver motivos que possam conduzir à sua revogação (art. 57.º/1, CP). É por via disto que se impõe averiguar. A inépcia processual dos tribunais que sucessivamente aplicaram as penas suspensas nos diversos processos não pode ser suportada pelo condenado. Da decisão recorrida não resulta que tal averiguação ocorreu. A mera circunstância de o arguido se encontrar ausente em parte incerta há vários anos, podendo constituir falta de cumprimento de condições de suspensão (art. 55.º, CP), até porque, v.g., a condenação no processo 190/07….. sujeitou o arguido regime de prova e a obrigação de pagamento de quantia à assistente, não é consabidamente causa de suspensão da prescrição. Se o arguido violou os seus deveres em tempo oportuno os tribunais deviam ter aplicado a lei.
8. Acresce que sendo o prazo de prescrição da pena suspensa de 4 anos (art. 122/1/d, CP), contados a partir da data em que se completou o período de suspensão, aparentemente, o decurso ou não do prazo de quatro após o decurso do prazo de suspensão não foi objeto de ponderação na decisão recorrida. É que as penas suspensas prescritas não devem ser incluídas no cúmulo.
9. A decisão cumulatória deve ser autossuficiente quanto a estes elementos, devendo quanto a eles pronunciar-se. No caso, como vimos, a decisão engloba na pena única do concurso de crimes, penas de prisão suspensas na sua execução, cujo prazo já se esgotou, sem que da decisão recorrida resulte que se averiguou se as mesmas tinham sido declaradas extintas ou se foi prorrogado o prazo de suspensão ou revogada a suspensão, pelo que se verifica a nulidade do art. 379.º/1/c, CPP (acs. STJ de 09.07.2014 e 14.01.2016), que importa sanar.
10. Relativamente às penas suspensas em que decorreu o prazo de suspensão e, aparentemente, também o prazo de prescrição importa que o tribunal se pronuncie quanto ao decurso da prescrição. Idêntico procedimento deve ser assumido quanto à pena de prisão no âmbito do Processo n.º 97/07…... Quanto a este processo deve esclarecer se transitando a decisão condenatória em 20.12.2010, decorreu o prazo de prescrição, se o condenado foi declarado contumaz, etc.
11. Do exposto resulta prejudicado o conhecimento da questão relativa ao erro na determinação da moldura penal abstrata aplicável ao concurso de crimes.
12. Finalmente, importa que na decisão se pondere a aplicação do art. 82.º, CP. Dispõe a norma: 1 - Se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida. 2 - Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.
13. As penas suspensas, quando cumpridas parcialmente e/ou em que foi satisfeita condição de suspensão, que não tenham sido revogadas – pois em caso de revogação determina-se o cumprimento da pena fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado (art. 56.º/2, CP) –, mas que entrem em cúmulo jurídico de pena de «diferente natureza» no âmbito de conhecimento superveniente de crimes, podem dar origem a «desconto que parecer equitativo» (art. 82.º, CP).
14. No caso, se vier a ser cumulada pena de prisão suspensa na sua execução em que o arguido tenha cumprido parcialmente o período de suspensão da execução da pena de prisão e/ou condição de suspensão, deve ser ponderado pelo tribunal se aquele cumprimento é relevante ou não; concluindo o tribunal pela relevância, deverá proceder ao «desconto equitativo». Não se afirma que deve proceder ao desconto, apenas que deve apreciar, a eventual relevância do cumprimento para eventual desconto. Não é o mesmo o arguido após a condenação ter-se ausentado ignorando ou subtraindo-se à condenação ou, diversamente, ter cumprido alguma das condições de suspensão, etc. É essa ponderação que a norma espera do tribunal.
15. Segundo Eduardo Correia (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, II volume, p. 1966, p. 166), o princípio fundamental da norma, é que «qualquer efeito já sofrido pelo delinquente deve ser considerado na sentença posterior não de forma automática, mas de forma equitativa». Preenchidos os requisitos legais as penas suspensas devem beneficiar desse desconto (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 1993, §§ 439 a 443, Nuno Brandão, Conhecimento superveniente do concurso e revogação de penas de substituição, RPCC, 15 (n.º 1), p. 132 (19), ac. STJ 14.01.2016).
16. Em conclusão o acórdão recorrido violou o art. 379.º/1/c/2, CPP, padecendo de nulidade o que implica a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para aí se obterem as informações em falta e se proferir nova decisão.
III Decisão: Acordam em julgar procedente o recurso do arguido AA, anula-se a decisão recorrida. Sem tributação.
Supremo Tribunal de Justiça, 02.06.2021.
António Gama (Relator)
João Guerra
|