Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
Descritores: | SEGURO OBRIGATÓRIO TRANSPORTE GRATUITO CÔNJUGE LESÕES CORPORAIS INDEMNIZAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Data do Acordão: | 05/27/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL - MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO. DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL. | ||
Doutrina: | - Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro- Estudos, 2009, p. 205. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º, 496.º, N.º1, 504.º, 563.º, 564.º, 566.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 609.º, N.º2 E 358.º E SEGS.. DEC.- LEI N.º 522/85, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 7.º, N.º2. | ||
Legislação Comunitária: | DIRECTIVA Nº 90/232/CEE, DE 14-5-1990. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 5-5-1992, COL. JUR. XVII, 3º, 100. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: -DE 30-3-2006, PROC. 1982/2006, WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: -DE 27-10-92, COL. JUR. XVII, 4º, 262. -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 11-2-99, BOL. 484-352; DE 17-11-05, COL. AC. S.T.J., XIII; 3º, 127; DE 1-7-10, COL. AC. S.T.J., XVIII, 2º, 75. -DE 11-2-2003, PROC. 03A2664, WWW.DGSI.PT ; DE 14-1-2010, PROC. 1331/03.3TBVCT.C1.S1, WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | 1 – O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel cobre a obrigação de indemnizar por “lesões corporais” dos passageiros transportados gratuitamente, ainda que parentes do condutor. 2 – A expressão “lesões materiais”, constante do art. 7º, nº2, do dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, contrapõe-se a “lesões corporais”, sendo as primeiras as que atingem as coisas e as segundas as que afectam as pessoas. 3 – Das “lesões corporais” tanto podem emergir danos patrimoniais como não patrimoniais, estando todos cobertos pela garantia do seguro obrigatório. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA e BB, intentaram acção declarativa contra a ré “CC, SA”, invocando que sofreram um acidente quando circulavam num veículo, cuja responsabilidade se encontrava transferida para a ré. A AA invoca perda de rendimento pela sua situação de baixa e posterior aposentação compulsiva. Mais alegam danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreram na sequência do despiste da viatura Pedem que a ré seja condenada a pagar: - À autora AA, a quantia global líquida de 259.004,87 euros, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal até efectivo e integral pagamento, e ainda na indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 202 a 213 da petição inicial, vier a ser fixada em ampliação do pedido ou vier a ser liquidada em incidente posterior; - À autora BB, a quantia global líquida de 2.000,00 euros, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal até efectivo pagamento.
Contestou a ré, por excepção, invocando a prescrição do direito que as autoras pretendem exercer e, por impugnação, quer no que respeita à ocorrência do sinistro quer no que respeita aos danos alegados.
Replicaram as autoras. * O processo prosseguiu seus trâmites e, realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que condenou a ré CC, SA” a pagar: - à autora AA a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ela sofridos, acrescida dos respectivos juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da sentença e até integral pagamento; - à autora BB da quantia de € 600,00 (seiscentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da sentença e até integral pagamento; A ré “CC, SA”, foi absolvida do demais peticionado. * Apelou a autora AA, mas sem êxito, pois a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 28-10-2013, negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida.
* Continuando inconformada, a autora AA pediu revista excepcional, invocando oposição do Acórdão recorrido com o Acórdão da Relação de Coimbra de 5-5-1992, transitado em julgado, cuja certidão constitui documento de fls 694 e segs, revista excepcional essa que foi admitida por Acórdão de 25-2-2014 da formação de apreciação preliminar. A recorrente resumidamente conclui: 1 – Nos termos do art. 7, nº2, al. d), do dec-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, em vigor à data do sinistro, excluem-se da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados, além do mais, ao cônjuge do condutor do veículo. 2 – Ou seja, a exclusão legal cinge-se aos danos decorrentes de lesões materiais, em contraposição aos danos corporais. 3 – Do cotejo das várias disposições legais do dec-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro e do preceituado na Directiva Automóvel 84/5/CEE, conclui-se que o legislador visou privilegiar os danos corporais, relegando para segundo plano os danos materiais, ou seja, os danos em coisas. 4 – Assim, a exclusão legal cinge-se, no caso dos autos, apenas aos danos decorrentes de lesões materiais causadas ao cônjuge do condutor, a sinistrada AA, por contraposição com os danos decorrentes de lesões corporais, estes abrangidos e não excluídos do seguro. 5 – Os familiares do condutor não podem ser prejudicados por terem essa qualidade, pois o que a lei quis foi proteger os passageiros transportados, no que respeita às lesões corporais e todos os daí decorrentes, apenas excluindo as lesões materiais, ou seja, as lesões nas coisas (por exemplo, no veículo, nos bens transportados, na roupa). 6 – Por consequência, a ré está obrigada a ressarcir a autora AA não só pelos danos não patrimoniais sofridos, mas também pelos danos decorrentes das lesões físicas infligidas e decorrentes da incapacidade que a mesma autora sofreu em resultado do acidente. 7 – Deste modo, revogando o Acórdão recorrido, deve ser julgado procedente o pedido quanto a todos os danos patrimoniais advindos, sejam eles sob a forma de danos emergentes ou lucros cessantes – o dano patrimonial futuro - derivado da incapacidade total e definitiva que a mesma autora padece para exercer a sua profissão, considerando os factos dados como provados. 8 – Por outro lado, a compensação de 30.000 euros atribuída pelos danos não patrimoniais mostra-se desadequada, devendo ser elevada para 50.000 euros, face à natureza e gravidade destes danos. * Não houve contra-alegações. *
Corridos os vistos, cumpre decidir.
* A Relação considerou provados os factos seguintes:
1. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº..., o proprietário do veículo com a matricula ...BL, DD, transferiu a responsabilidade por danos causados a terceiros decorrentes da circulação daquele veículo para a ora Ré, na altura e antes da fusão com a CC, denominada para CC, encontrando-se tal seguro válido e eficaz no momento do acidente (al. A) dos factos assentes). 2. A Estrada Nacional nº 108, no local do sinistro em causa nestes autos, configura um troço de recta (resposta ao item 1º da BI). 3. A sua faixa de rodagem tem uma largura de aproximadamente 06,00 metros (resposta ao item 2º da BI). 4. O seu piso era, como é, pavimentado a asfalto (resposta ao item 3º da BI); 5. No dia 25.12.2004, o tempo estava de chuva (resposta ao item 4º da BI). 6. O pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 108 encontrava-se molhado, mas sem covas (resposta ao item 8º da BI). 7. Atento o sentido de trânsito Entre-os-Rios/Porto, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 108 apresentava uma berma (resposta ao item 9º da BI). 8. A ladear essa berma, apresentava ainda, à data da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, uma regueira com uma profundidade não concretamente apurada mas nunca inferior a 50 cm (resposta ao item 10º da BI). 9. Pelas suas duas margens, a Estrada Nacional nº. 108 era, como é, marginada por casas de habitação, no local do sinistro e antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos seus dois sentidos de marcha (resposta ao item 11º da BI). 10. No dia 25 de Dezembro de 2004, pelas 18,20 horas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...BL transitava pela Estrada Nacional nº. 108 (resposta ao item15º da BI). 11. Desenvolvia a sua marcha, no sentido Entre os Rios – Porto (resposta ao item 16ºda BI). 12. E, inicialmente, pela metade direita da faixa de rodagem da referida via, tendo em conta o seu sentido de marcha (resposta ao item 17º da BI). 13. DD imprimia ao ligeiro de passageiros de matrícula ...BL uma velocidade não concretamente apurada mas seguramente superior a 50 km/h (resposta ao item19º da BI). 14. Em consequência do descrito em 13º e do piso estar molhado, o condutor do BL, perdeu o controle do ligeiro de passageiros de matrícula ...BL, saiu da sua faixa de rodagem para o lado direito, tendo em conta o seu sentido de marcha – Entre os Rios – Porto, para fora da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 108, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha (resposta ao item 20º da BI). 2 A referência ao ano de 2009 neste item da BI é manifestamente um lapso de escrita, pois deveria constar o ano de 2004, lapso que assim se corrige. 15. Penetrando na própria berma que ladeia a Estrada Nacional nº. 108, pela sua margem direita, tendo em conta o sentido Entre os Rios – Porto....(resposta ao item 21º da BI). 16. … entrando com as rodas direitas na regueira que se situava desse lado, e assim seguindo cerca de 15 metros (resposta ao item 22º da BI). 17. Até que embateu contra uma passagem em cimento implantada na regueira e que interrompia essa regueira sendo que a água passava a ser conduzida por um cano (resposta ao item 23º da BI); 18. O embate ocorreu entre a parte frontal do ligeiro de passageiros de matrícula ...BL e essa passagem em cimento (resposta ao item 24º da BI). 19. A autora AA seguia, como passageira, sentada no banco da frente do BL, ao lado direito do respectivo condutor (resposta ao item 25º da BI). 20. A autora BB seguia no banco de trás, imediatamente atrás do banco onde seguia a autora AA (resposta ao item 26º da BI). 21. Ambas as autoras levavam, apertado e justo ao seu corpo, o cinto de segurança (resposta ao item 27º da BI). 22. A autora AA, no momento da ocorrência do acidente e nos instantes que se seguiram sofreu um enorme susto, e dada a sua incapacidade de lhe escapar e da violência do embate, receou pela própria vida (resposta ao item 28º da BI). 23. Após o embate já descrito, a autora AA ficou impossibilitada de sair do carro, uma vez que ficou com o pé direito preso e a viatura estava tombada sob o seu lado direito na regueira (resposta ao item 29º da BI). 24. A autora AA viveu momentos de pânico e de terror por se ver encarcerada e impossibilitada de sair da viatura (resposta ao item 30º da BI). 25. A autora AA nunca perdeu a consciência do mal que lhe estava a acontecer, e apenas gritava com a angústia, a dor e o desespero de quem se encontrava absolutamente imobilizada e encarcerada dentro da sua viatura (resposta ao item 31º da BI). 26. Só com a vinda dos Bombeiros que, munidos do respectivo material de desencarceramento, procederam à retirada da demandante e a autora conseguiu sair pela porta do condutor, por, em consequência do sinistro, o veículo ter ficado numa situação de perda total, sendo posteriormente abatido (resposta ao item 32º da BI). 27. A autora sofreu psicologicamente naqueles momentos, aquando da saída do seu veículo (resposta ao item 33º da BI). 28. A autora (AA) sente hoje alguma perturbação quando recorda esses momentos (resposta aos itens 34º e 35º da BI). 29. A autora AA foi assistida no local pelo INEM, que procedeu à imobilização da perna direita e foi transportada através de um plano duro (resposta ao item 36º da BI). 30. Como consequência directa e necessária do referido embate resultaram lesões corporais várias para a ora autora, o que fez com que fosse transportada em ambulância para o Hospital de Santo António na cidade do Porto (resposta ao item 37º da BI). 31. Foi assistida no serviço de urgência desta Unidade Hospitalar, onde lhe foram prestados os primeiros socorros (resposta ao item 42º da BI). 32. A autora AA apresentava traumatismo do tornozelo e pé direitos com dor e deformidade em inversão do pé e o estudo complementar revelou luxação sub-astragalina à direita e fractura do colo do quinto metatarsiano (resposta ao item 43º da BI). 33. Apresentava ainda uma ferida cutânea do bordo lateral do pé direito (resposta ao item 44º da BI). 34. Foram-lhe ministradas várias injecções, foi sujeita a lavagem cirúrgica às feridas e às escoriações sofridas, assim como lhe foram ministrados curativos vários (resposta ao item 45º da BI). 35. Foi sujeita a Rxs e a exames radiológicos (resposta ao item 46º da BI). 36. Foi-lhe ainda realizada redução da luxação e imobilização com tala gessada posterior (resposta ao item 47º da BI). 37. A autora AA apenas obteve alta clínica no dia 26 de Dezembro de 2004, após ter estado internada no serviço de ortopedia, para observações, pois apresentava um forte hematoma no pé e perna direita (resposta ao item 48º da BI). 38. A autora AA foi medicada com analgésicos e anti-inflamatórios (resposta ao item 49º da BI); 39. A autora, por indicação médica, manteve-se acamada e retida no leito, face designadamente às fortes dores nas zonas traumatizadas, por um período de algumas semanas (resposta ao item 50º da BI). 40. Era no leito que se alimentava, e onde fazia as suas necessidades fisiológicas, sempre com o auxilio de uma aparadeira (resposta ao item 51º da BI) 41. A Autora tinha dificuldades em dormir, devido às dores que sentia 42. Não podia fazer qualquer tipo de pressão no pé direito, só conseguindo locomover-se com o auxilio de terceiros e numa cadeira de rodas (resposta ao item 53º da BI). 43. Apenas se levantando da cama para se deslocar a consultas e tratamentos médicos (resposta ao item 58º da BI). 44. Em consequência daquelas lesões a autora ficou numa situação de impossibilidade de exercer a sua actividade profissional, comunicando este facto ao Hospital de Santo António, onde trabalhava como enfermeira, no sentido de obter as necessárias e legais subvenções (resposta ao item 59º da BI). 45. Em 3 de Janeiro de 2005, a autora deslocou-se ao Hospital de Santo António, no Porto, a fim de ser vista em Consulta Externa, que havia sido previamente marcada, tendo-lhe sido mudada a talha gessada, pois a comichão e as dores eram imensas (resposta ao item 60º da BI). 46. Foi-lhe prescrito que não efectuasse qualquer tipo de esforço e que se mantivesse em repouso total (resposta ao item 61º da BI). 47. Com tal situação, a autora não aguentava as cefaleias e as tonturas, tendo-lhe sido recomendado os seguintes cuidados terapêuticos: 1. Analgesia – através de medicação adequada – analgésicos e anti-inflamatórios; 2. Elevação membro inferior direito se a dor permitir e não for impossibilitante. 3. Marcha com apoio de canadianas (resposta ao item 63º da BI). 47. Como se encontrava totalmente imobilizada e devido às dores não se podia locomover, a demandante teve de ser acompanhado por uma terceira pessoa durante os dois meses seguintes ao acidente (resposta ao item 64º da 48. Pois como a autora tinha gesso do pé ao joelho, nada podia fazer (resposta ao item 65º da BI). requerente, uma vez que as filhas estudavam e o marido trabalhava (resposta ao item 66º da BI) nos dias 17 e 18 de Janeiro de 2005, tendo sido sujeita a exames radiológicos (resposta ao item 67º da BI). 51. Como as dores não passavam e a incomodidade era grande por via da tala gessada, a autor teve que recorrer, em 28 de Janeiro de 2005, aos serviços de urgência do Hospital de Santo António (resposta ao item 68º da BI); 52. Tendo-lhe sido mudada a tala gessada e prescrita a continuação do uso de anti-inflamatórios e analgésicos (resposta ao item 70º da BI). 53. Em 14 de Fevereiro de 2005, a autora deslocou-se ao Hospital de Santo António e retirou a tala gessada, tendo-lhe sido apostas várias ligaduras no pé direito (resposta ao item 71º da BI). 54. Por virtude das lesões que foi vítima em consequência do acidente de viação, a autora (AA) sofreu diminuição significativa da massa muscular e da falta de mobilidade geral (resposta ao item 73º da BI). 55. A autora AA sofria dores intensas quando pretendia movimentar a perna direita, tendo dificuldade em assentar o pé direito no chão dadas as fortes dores sentidas (resposta ao item 74º da BI). 56. A demandante sentia fortes dores ao ponto de lhe impedir o sono durante a noite (resposta ao item 75º da BI). 57. Não surtindo o efeito desejado a ingestão da medicação que lhe foi ministrada – analgésicos e anti-inflamatórios (resposta ao item 76º da BI). 58. Encontrando-se, por via das lesões que lhe foram infligidas por força do sinistro aqui descrito, com a mobilidade do membro inferior direito muito limitada, sendo aconselhado à autora que permanecesse em repouso e que não fizesse muito esforço (resposta ao item 77º da BI). 59. Só se levantando da cama com muito esforço e sempre com ajuda de terceiros (resposta ao item 78º da BI). 60. Em 24 de Fevereiro, 21 de Março e 14 de Abril de 2005, a autora deslocou-se ao Hospital de Santo António, para ser vista por ortopedia e fisiatria, tendo-lhe sido observada e prescrito o inicio imediato de tratamentos de fisioterapia na EE – ..., Lda.(resposta ao item 79º da BI). 61. Em 29 de Abril de 2005, a autora teve que recorrer ao serviço de urgência do Hospital Geral de Santo António, na cidade do Porto, uma vez que sentia muitas dores devido a inflamação gástrica consequente da ingestão de analgésicos e anti-inflamatórios (resposta ao item 80º da BI). 62. A autora efectuou a primeira consulta de Fisiatria na EE – ..., Lda, em 27 de Maio de 2005 – com a Dra. FF -, iniciando de imediato tratamento de fisioterapia (resposta ao item 81º da BI). 63. A autora AA realizou inicialmente 20 sessões de fisioterapia (resposta ao item 82º da BI). 64. A autora AA deslocou-se à Consulta Externa, no Hospital de Santo António, nos dias 20 de Junho, 11 de Julho, 12 e 13 de Setembro de 2005 ( nesta ultima consulta a autora efectuou exames radiológicos à zona lesionada ), ao nível de ortopedia e fisiatria, tendo-lhe sido prescrita a continuidade dos tratamentos de fisioterapia (resposta ao item 83º da BI). 65. Após estas sessões e reavaliada a situação clínica da autora em 26 de Julho de 2005, pela Dra. FF, tendo-lhe sido prescrito que continuasse os tratamentos de fisioterapia na EE, tendo-lhe sido prescrita mais 20 sessões (resposta ao item 84º da BI). 66. Apesar da autora ter tentado regressar à sua actividade profissional em Setembro de 2005, por indicação clínica do Dr. GG, logo se verificou que face às fortes limitações da autora – não podia sequer por o pé no chão –esta não podia reiniciar funções (resposta ao item 85º da BI). 67. Tendo sido verificada essa mesma situação por junta médica realizada nesse mês de Setembro de 2005, dia 27, após consulta externa do dia 12 desse mês e ano, mantendo-se em situação de baixa médica e continuando os tratamentos de fisioterapia (resposta ao item 86ºda BI). 68. Em Outubro de 2005, a autora foi sujeita a estudo radiológico dos tornozelos (face e perfil) e calcâneos (perfil e axial), tendo-se evidenciado o seguinte: a) Relativa osteopenia no tornozelo e tarso direitos. b) Mantém-se regular amplitude da interlinha articular dos tornozelos, bem como da região do tarso. c) Presença de ligeiro ossículo e trígono à direita com leve esclerose associada da apófise posterior do astrágalo. d) Esboço de esporão plantar dos calcâneos, apercebendo-se incipiente calcificação da zona de inserção do tendão de Aquiles com maior expressão à direita (resposta ao item 87º da BI). 69. Nessa mesma data, a autora efectuou um TAC DO TORNOZELO DIREITO, obtendo-se as seguintes conclusões: 1. INFORMAÇÃO CLÍNICA: "Subluxação subastragalina" 2. TÉCNICA: Obteve-se aquisição helicoidal volumétrica (técnica multicorte de lmmde espessura para o tornozelo direito) com posteriores reconstruções segundo planos transversal, coronal e sagital. 3. RELATÓRIO: Observa-se um discreto derrame na articulação subastragalina, apercebendo-se na sua vertente póstero-interna um pequeno elemento lamelar, de densidade óssea, que sugere a possibilidade de traduzir um pequeno fragmento resultante de lesão osteo-condral já que se verifica um discreto entalhe no contorno superior da superfície articular do calcâneo. Verifica-se também relativa densificação na região do seio do tarso çom um outro diminuto elemento milimétrico de densidade cálcica nesta topografia. Discreto derrame da articulação tibio-társica, notando-se espessamento dos ligamentos perónio-astragalino anterior e calcâneo-peronial a depor por antecedentes de entorse. Discreta irregularidade da apófise posterior do astrágalo, com leve esclerose e pequeno ossículo do trígono adjacente. Sinais de osteopenia difusa. Os tendões visualizados mantêm regular espessura e densidade, sem, evidência de líquido nas respectivas bainhas. Nota-se calcificação adjacente à vertente inferior do tendão do tibial posterior, junto da sua inserção (resposta ao item 88º da BI). 70. Vista em consulta de fisiatria, em 27 de Outubro de 2005, pela Dra. FF, foi prescrito à autora que continuasse os tratamentos de fisioterapia na EE, tendo-lhe sido prescrita mais 31 sessões, que a autora realizou na EE (resposta ao item 89º da BI). 71. A autora deslocou-se à Consulta Externa, no Hospital de Santo António, no dia 14 de Novembro de 2005, tendo-lhe sido prescrita a continuidade dos tratamentos de fisioterapia (resposta ao item 90º da BI). 72. Após estas sessões e reavaliada a situação clínica da autora em 4 de Janeiro de 2006, pela Dra. FF, foi recomendado à autora que continuasse os tratamentos de fisioterapia na EE, tendo-lhe sido prescrita mais 28 sessões (resposta ao item 91º da BI). 73. Em 27 de Janeiro de 2006, foram prescritas à autora mais 17 sessões de fisioterapia, ainda realizadas na EE (resposta ao item 92º da BI). 74. Cada sessão de fisioterapia durava cerca de 1,30 horas e era particularmente dolorosa para a autora (resposta ao item 93º da BI); 75. Como não dispunha de força para efectuar movimentos, a demandante foi sempre transportada de viatura própria, muitas vezes conduzida por terceiros a quem a autora solicitava o favor (resposta ao item 94º da BI). 76. Não raras vezes, a autora era transportada com recurso a cadeira de rodas (resposta ao item 95º da BI). 77. O tratamento fisiátrico ministrado à autora era composto por calores húmidos, ultra-sons, massagens, turbilhão de água, exercícios de flexão e torção (resposta ao item 96º da BI). 78. A autora deslocou-se, ainda, ao Hospital de Santo António, na cidade do Porto, nos dias 20 de Fevereiro e 27 de Março de 2006, para consulta de fisiatria e ortopedia (resposta ao item 97º da BI). 79. Em 11 de Setembro de 2006, a autora, devido às fortes dores que sentia, efectuou exames radiológicos (resposta ao item 98º da BI). 80. A autora manteve-se sempre de baixa médica, até que, por indicação dos clínicos que a assistiam, o Hospital de Santo António, por indicação da Caixa Geral de Aposentações, marcou junta médica para avaliação clínica da autora para 30 de Janeiro de 2007 (resposta ao item 99º da BI). 81. Realizado exame médico referido, o Hospital de Santo António, por carta datada de 7 de Fevereiro de 2007, informou a autora de que por parecer da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, a mesma foi considerada incapaz para o exercício das suas funções profissionais, a actividade de enfermagem (resposta ao item 100º da BI). 82. A autora tem marcha claudicante e dor quando caminha, não o fazendo por vezes sem o apoio de canadianas (resposta aos itens 101º e 107º da BI). 83. Não consegue exercer a sua actividade profissional, nem qualquer actividade doméstica (resposta ao item 102º da BI). 84. Precisa de ajuda de terceiros para fazer alguns actos da vida diária, como sejam calçar-se e tomar banho (resposta ao item 103º da BI). 85. A autora ainda tem de realizar novos exames radiológicos e a tratamentos médicos e medicamentosos, praticamente constantes (resposta ao item 104º da BI) 86. A autora nasceu a 14.02.1949 (documento nº 52 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido). 87. A autora sofreu dores muito intensas, localizadas ao nível da perna direita, sobretudo ao nível da região tíbio-társica, que ainda se mantêm (resposta ao item 106º da BI). 88. A autora não consegue caminhar mais apressadamente ou correr (resposta ao item 106º-A da BI). 89. Quando tenta subir e descer escadas, quanto tenta levantar objectos pesados, quando tenta flectir o membro inferior direito e nas mudanças de tempo, sente dores (resposta ao item 107º- A da BI). 90. Sofreu os incómodos e as dores, por vezes com grande intensidade, referentes aos tratamentos médicos e medicamentosos a que foi sujeita (resposta ao item 108º da BI). 91. Sofreu, sofre e continuará a sofrer, os malefícios inerentes a medicamentos vários que se viu na necessidade de ingerir, nomeadamente os analgésicos e os anti-inflamatórios (resposta ao item 109º da BI). 92. Ainda como sequelas das lesões sofridas, a autora apresenta: a) - Sintomatologia do foro neurológico, caracterizada por irritabilidade fácil, cefaleias, humor depressivo, sentimentos de segregação e discriminação social, síndroma pós-comocional; b) - fenómenos dolorosos; c) - necessidade de tratamento continuado; d) - alteração ao nível da marcha; e) - diminuição de autonomia própria; f) - dificuldade no desempenho de todas as tarefas; g) - vida social e afectiva comprometida; h) - não sente os fenómenos de atracção; i) - vida profissional definitivamente comprometida, pois sofre de uma limitação absoluta e definitiva; j) - vergonha. K) - Diminuição acentuada da força muscular; l) - Sensação de cansaço no membro inferior direito; m) - Dores frequentes quanto caminha, sobe escadas e tenta correr, o que já não consegue; n) - Um coxear permanente (resposta ao item 110º da BI). 93. Antes do acidente, a autora era uma pessoa sã, escorreita, saudável, robusta, dinâmica, com grande alegria de viver e nunca havia sofrido qualquer acidente ou enfermidade (resposta ao item 111º da BI). 94. As lesões e sequelas descritas determinaram-lhe dor quantificável em grau 5, numa escala de 1 a 7 (resposta ao item 112º da BI). 95. E ficou a sofrer de uma incapacidade profissional absoluta e definitiva para a profissão que vinha exercendo (resposta ao item 113º da BI). 96. Pelo facto de estar impossibilitada de exercer a sua profissão, a autora viu diminuída a sua auto-estima e sofreu desgaste psicológico (resposta ao item 114º da BI). 97. Nas horas vagas da autora, até à data do acidente, desempenhava todas as tarefas domésticas, na sua casa de habitação, onde vivia com as filhas e com o marido, nomeadamente a de confeccionar e servir refeições a todas as pessoas que compõem o seu agregado familiar, lavar, arrumar a loiça, lavar e passar a ferro, dobrar e arrumar toda a roupa, limpar o pó aos móveis da sua residência, a esfregar e a lavar o soalho (resposta ao item 116º da BI). 98. A autora tornou-se numa pessoa mais irritadiça e transformou-se numa pessoa triste, introvertida, com tendências para o isolamento (resposta aos itens 117º, 118º, 136º a 139º e 142º da BI). 99. Não se conforma com o facto de ter de estar em casa, interrompendo assim a sua actividade profissional, que tanto gostava e lhe dava prazer (resposta ao item 119º da BI). 100. A autora, à data do acidente dos autos, trabalhava no Hospital de Santo António na cidade do Porto, com a categoria profissional de Enfermeira Graduada, auferindo remuneração Base de € 1.577,34; e adicional, composta por subsidio de trabalho nocturno e trabalho aos sábados, domingos e feriados e, ainda, mudanças de turno, no valor mensal de cerca de € 365,14, a que acrescia o valor do subsidio de alimentação de € 74 (resposta ao item 120º da BI).
101. A autora esteve numa situação de Incapacidade Temporária Absoluta, desde o dia do sinistro: 25 de Dezembro de 2004 até Março de 2007, data em que lhe começa a ser atribuída o subsídio de invalidez (resposta ao item 121º da BI).
102. Durante o período referido, a autora recebeu do Hospital Geral de Santo António o montante global de 52.961,43 euros (resposta ao item 122º da BI).
103. Se a autora estivesse no activo, auferindo todos os rendimentos provenientes da sua actividade profissional, receberia os seguintes montantes: Ano de 2005: Remuneração Base: € 1.612,05 x 14 (considerando o subsidio de férias e de natal ); Remuneração Adicional: € 365,14 x 12 meses – valor esse calculado tendo em consideração a média obtida nos dois últimos anos de serviço; Total: € 26.950,38; Ano de 2006: Remuneração Base: € 1.636,23 x 14 (considerando o subsidio de férias e de natal ); Remuneração Adicional: € 365,14 x 12 meses – valor esse calculado tendo em consideração a média obtida nos dois últimos anos de serviço; Total: € 27.288,06; Ano de 2007 – apenas Janeiro, Fevereiro e Março: Remuneração Base: € 1.660,78 x 3; Remuneração Adicional: € 365,14 x 3 meses – valor esse calculado tendo em consideração a média obtida nos dois últimos anos de serviço; Total: € 6.077,30; TOTAL dos anos de 2005, 2006 e 2007: € 60.581,19 (resposta ao item 123º da BI).
104. A partir de Abril de 2007, a autora passou a receber um subsídio de invalidez no montante mensal de 1.274,94 euros (resposta ao item 124º da BI).
105. De Abril a Novembro de 2007, a autora recebeu 43.684,56 euros (resposta ao item 125º da BI).
106. Se a autora estivesse no activo, auferiria os seguintes valores: Ano de 2007 – De Março a Dezembro: Remuneração Base: € 1.660,78 x 11; Remuneração Adicional: € 365,14 x 9 meses – valor esse calculado tendo em consideração a média obtida nos dois últimos anos de serviço; Total: € 21.554,84; Ano de 2008: Remuneração Base: € 1.695,66 x 14; Remuneração Adicional: € 365,14 x 9 meses – valor esse calculado tendo em consideração a média obtida nos dois últimos anos de serviço; Total: € 27.025,50; Ano de 2009 – de Janeiro a Novembro; Remuneração Base: € 1.744,83 x 13; Remuneração Adicional: € 365,14 x 11meses – valor esse calculado tendo em consideração a média obtida nos dois últimos anos de serviço; Total: € 26.699,33; TOTAL dos anos de 2007, 2008 e 2009 : € 75.279,67 (resposta ao item 126º da BI).
107. Se a Autora estivesse no activo, reformar-se-ia em Janeiro de 2015, tendo em conta que iria atingir o limite da idade de reforma, sem penalizações por ser esse o limite temporal de reforma (resposta ao item 127º da BI).
108. Assim, considerando um aumento de 2% como crescimento das pensões de invalidez e de 2% de aumento da massa salarial, temos que: Perdas de vencimento em 2010: Vencimento anual de 2010: € 29.383,77; Aposentação anual em 2010: € 18.643,11 Diferença da aposentação para o vencimento: € 10.740,66 (resposta ao item 128º da BI).
109. A partir da ocorrência do acidente dos presentes autos, a autora jamais pode exercer, nem poderá no futuro, a sua actividade profissional (resposta ao item 128º -A da BI).
110. Porquanto o exercício de tal profissão obriga a um permanente esforço quer nos membros inferiores quer nos membros inferiores quer na própria zona abdominal (resposta ao item 129º-A da BI).
111. A autora, por vezes, fica com a perna inchada o que não lhe permite calçar (resposta ao item 130º-A da BI).
112. A autora necessita de acompanhamento fisiátrico e ortopédico ao longo de toda a sua vida (resposta ao item 133º da BI).
113. A autora necessita de calçado especial (ortopédico) (resposta ao item 134º da BI).
114. A autora sente desgosto com as limitações de que ficou a padecer.
115. A autora suportou as deslocações para a fisioterapia – 109 - para a Clínica EE, para as Consultas Externas no Hospital de Santo António na cidade do Porto e ainda para a realização de exames médicos (resposta ao item 143º da BI).
116. As deslocações foram feitas em automóvel (resposta ao item 144º da BI).
117. A autora tem sentido algumas dores e atrofia nos movimentos que pretende efectuar e que envolvam o membro inferior direito (resposta ao item 145º da BI).
118. A autora, em consequência das lesões sobrevindas ao acidente, ainda terá de realizar tratamentos médicos e fisiátricos, com as inerentes deslocações (resposta ao item 147 da BI).
119. Com o calçado ortopédico, a autora gasta em média mais 50 euros do que gastaria se adquirisse calçado não ortopédico, necessitando de pelo menos 2 pares por ano (resposta ao item 148º da BI).
120. Na altura do sinistro, a autora BB encontrava-se dentro da viatura sinistrada, no banco imediatamente atrás do banco onde seguia a demandante AA (resposta ao item 149º da BI). 121. Em consequência do acidente, a autora BB sofreu um traumatismo na região cervical mas não foi assistida no hospital, por se ter recusado em virtude de se encontrar preocupada com a autora AA (resposta ao item 150º da BI). 122. Algumas horas depois começou a sentir dores cervicais, o que a levou a consultar um massagista (resposta ao item 151º da BI). 123. Em consequência do acidente a autora BB ficou com um pequeno hematoma na testa, sofrendo um pequeno traumatismo craniano (resposta ao item 159º da BI). 124. A autora BB, no momento da ocorrência do acidente e nos instantes que se seguiram, sofreu um enorme susto (resposta ao item 160º da BI). 125. Após o embate já descrito, a autora BB viveu momentos de pânico (resposta ao item 161º da BI). 126. Teve que sair da viatura pela outra porta e com a ajuda de terceiros (resposta ao item 162º da BI). 127. A autora BB sente alguma perturbação quando recorda esses momentos (resposta ao item 164º da BI). 128 – A autora AA era cônjuge de DD, condutor do veículo ...BL, seguro na ré.
*
São duas as questões a decidir: 1 – Se a autora AA pode ser indemnizada, pela ré seguradora, pelos danos patrimoniais decorrentes das lesões corporais sofridas e, em caso afirmativo, proceder à fixação da respectiva indemnização. 2 – Se a compensação pelos danos não patrimoniais que lhe foi atribuída deve ser elevada de 30.000 para 50.000 euros.
* Vejamos :
1.
A indemnização pelos danos patrimoniais, provenientes de lesões corporais.
A autora AA era cônjuge de DD, condutor do veículo ...Bl, culpado pela produção do acidente, estando tal veículo seguro na ré. A AA era transportada gratuitamente no mencionado veículo, no momento do acidente, em consequência do qual sofreu lesões corporais, de que emergiram danos patrimoniais e não patrimoniais.
O art. 504 do C.C. (redacção do dec-lei nº 14/96, de 6 de Março, que é a vigente), na parte que agora interessa considerar, dispõe o seguinte : 1 – A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas. 2… 3- No caso de transporte gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada. 4 - …”
Nos termos do art. 7, nº1, do dec-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro (redacção do dec-lei 130/94, de 19 de Maio, aplicável ao presente acidente, face à data da sua ocorrência), excluem-se da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro.
Por força do art. 7º, nº2, do mesmo dec-lei nº 522/85, também se excluem da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados às seguintes pessoas: a) – Condutor do veículo e titular da apólice ; b) – Todos aqueles cuja responsabilidade é, nos temos do nº1, do art. 8º, garantida, nomeadamente, em consequência da compropriedade do veículo seguro; c) … d) Cônjuge, ascendentes, descendentes ou adoptados das pessoas referidas nas alíneas a) e b), assim como outros parentes ou afins até ao 3º grau das mesmas pessoas, mas, neste último caso, só quando com elas coabitem ou vivam a seu cargo; e) … f) …
Como se refere no preâmbulo dos citados dec-leis nºs 130/94 e 14/96, com as alterações legislativas efectuadas, procurou-se dar cumprimento à Directiva nº 90/232/CEE, de 14-5-1990, em cujo art. 1º se prescrevia que o seguro obrigatório de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos automóveis deve cobrir a responsabilidade por “danos pessoais” de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo condutor. Assim se procurou harmonizar a legislação nacional com aquela Directiva Comunitária. Daí que as normas nacionais sobre o seguro obrigatório automóvel devam ser interpretadas à luz das Directivas Comunitárias que o regulam, quando transportas para a ordem jurídica interna ou decorrido o prazo para a respectiva transposição (Ac. S.T.J. de 14-1-2010, Proc. 1331/03.3TBVCT.G,S1; Ac. S.T.J. de 16-1-07, Proc. 06A2892 e de 22-4-08, Proc. 088742, todos acessíveis em www.dgsi, pt). É o chamado princípio da interpretação conforme. Como escreve Moitinho de Almeida (Contrato de Seguro- Estudos, 2009, pág. 205) “o regime jurídico do seguro obrigatório automóvel encontra-se amplamente penetrado por disposições comunitárias sobre as quais o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias se tem debruçado e que se reflecte não apenas no domínio do seguro, como também nos direitos nacionais em matéria de responsabilidade civil”. Consequentemente, a interpretação feita pelas instâncias, no sentido de excluir do seguro a indemnização pelos danos decorrentes de lesões corporais, não é de acolher. Com efeito, respeitando a indemnização em discussão a danos resultantes de lesões corporais sofridas pela AA, está a mesma incluída na garantia do seguro, nos termos do art. 504, nºs 2 e 3 do C.C. e art. 7, nº2, al. d) do mencionado dec-lei nº 522/85, porquanto a exclusão aí contemplada abrange apenas as lesões materiais, isto é, aquelas que incidem sobre as coisas. A expressão lesões materiais contrapõe-se às lesões corporais, sendo as primeiras as que atingem as coisas e as segundas as que afectam as pessoas (Ac. S.T.J. de 11-2-2003, Proc. 03A2664, www.dgsi.pt ; Ac. S.T.J. de 14-1-2010, Proc. 1331/03.3TBVCT.C1.S1, www.dgsi.pt,; Ac. Rel. de Coimbra de 5-5-1992, Col. Jur. XVII, 3º, 100, Ac. Rel. do Porto de 27-10-92, Col. Jur. XVII, 4º, 262; Ac. Rel. Lisboa de 30-3-2006, Proc. 1982/2006, www.dgsi). Das lesões corporais tanto podem emergir danos patrimoniais como não patrimoniais, incluindo-se nos danos patrimoniais o dano futuro da perda de capacidade de ganho. Tanto basta para se poder concluir que assiste à autora AA o direito de ser indemnizada por todos os danos decorrentes das lesões corporais sofridas e que tal indemnização se encontra coberta pela garantia do seguro. * Importando agora considerar os danos patrimoniais suportados pela AA, há que referir que a sua quantificação obedece às regras previstas nos artigos 563, 564 e 566 do C.C. A autora AA, à data do acidente dos autos, trabalhava no Hospital de Santo António, na cidade do Porto, com a categoria profissional de Enfermeira Graduada, auferindo remuneração Base de € 1.577,34; e adicional, composta por subsidio de trabalho nocturno e trabalho aos sábados, domingos e feriados e, ainda, mudanças de turno, no valor mensal de cerca de € 365,14, a que acrescia o valor do subsidio de alimentação de € 74. A partir da ocorrência do acidente, a autora jamais pôde exercer, nem poderá no futuro, a sua actividade profissional. A autora esteve numa situação de incapacidade temporária absoluta desde o dia de sinistro, em 25 de Dezembro de 2004, até Março de 2007, data em que lhe começou a ser atribuído o subsídio de invalidez. A partir de Abril de 2007, passou a receber um subsídio de invalidez, no montante mensal de 1.274,94 euros.
Assim e desde logo, há que atender aos seguintes danos patrimoniais: - à diferença de rendimento, no período de Janeiro de 2005 a Março de 2007, entre aquilo que a autora AA recebeu do Hospital Geral de Santo António (52.961,43 euros) e aquilo que receberia se estivesse a trabalhar (60.581,19 euros), que é no montante de 7.619,76 euros; - à diferença de rendimento, no período de Março de 2007 a Novembro de 2009, entre aquilo que a mesma autora recebeu do Hospital Geral de Santo António (43.684,56 euros) e aquilo que receberia se estivesse no activo (75.279,67 euros), que é na importância de 31.595,11 euros;
Em consequência das lesões sofridas no acidente, a autora ficou a padecer de uma incapacidade profissional absoluta e definitiva para a profissão que vinha exercendo, ou seja, a actividade de enfermagem. Se a autora estivesse no activo, reformar-se-ia em Janeiro de 2015, data em que iria atingir o limite da idade para efeito de reforma, sem penalizações. A diferença da pensão de aposentação para o vencimento, no ano de 2010, foi de 10.740,66 euros.
Acresce que, em resultado das lesões sofridas, a recorrente também não pode continuar a desempenhar as tarefas domésticas, na sua casa de habitação, onde vivia com as filhas e o marido, nomeadamente a de confeccionar e servir as refeições às pessoas que compõem o seu agregado familiar, lavar e arrumar a loiça, lavar e passar a ferro, dobrar e arrumar a roupa, limpar o pó aos móveis da sua residência, esfregar e lavar o soalho (respostas aos pontos 102 e 116 da base instrutória). Todavia, não foi formulado qualquer pedido de indemnização por esse facto, como expressamente resulta do artigo 215 da petição inicial.
Em 14-2-2010, a autora perfez 61 anos, pois nasceu em 14-2-1949. Se não fosse a incapacidade absoluta para o exercício da sua profissão, previsivelmente, após o ano de 2010, ainda prolongaria o exercício da sua vida activa por mais quatro anos, arrecadando a diferença de rendimento do seu trabalho que auferiria se estivesse no activo, relativamente à pensão de reforma por invalidez, e beneficiando, depois de atingir a idade normal da reforma, do maior quantitativo da respectiva pensão, face ao valor da reforma antecipada por invalidez, até ao limite provável da esperança média de vida, caso se tivesse reformado apenas em 2015, sem qualquer penalização. Não sendo possível a quantificação exacta desses danos, impõe-se o seu cálculo com recurso à equidade, de modo a proporcionar à lesada, neste domínio, um rendimento equivalente ao perdido - art. 566, nº3, do C.C. É que o lesado não tem de provar perda de rendimentos laborais para o tribunal lhe atribuir indemnização por ter sofrido incapacidade para o trabalho. Apenas tem de alegar e provar que sofreu incapacidade total ou parcial para o trabalho, dano esse cujo valor deve ser apreciado equitativamente (Ac. S.T.J. de 11-2-99, Bol. 484-352; Ac. S.T.J. de 17-11-05, Col. Ac. S.T.J., XIII; 3º, 127, Ac. S.T.J. de 1-7-10, Col. Ac. S.T.J., XVIII, 2º, 75). Ora, ponderando a ocorrência da reforma antecipada, no ano de 2007, o valor do rendimento perdido no ano de 2010, correspondente à diferença entre a pensão de reforma e o vencimento no activo, e atendendo à conjuntura económica que o país atravessa, designadamente ao nível da redução de salários e pensões, julga-se conforme à equidade fixar em 60.000 euros a indemnização por este dano patrimonial futuro, reportado aos anos seguintes a 2010 e até ao fim da vida da autora.
No domínio dos danos patrimoniais, há que atentar ainda nas despesas que a autora AA efectuou, com deslocações, em automóvel, para realização de fisioterapia, e também à Clínica EE, às consultas externas no Hospital de Santo António, na cidade do Porto, e para realização de exames médicos. Face ao volume dessas deslocações, em prudente arbítrio, julga-se equitativo atribuir à autora a pedida indemnização de 500 euros.
Por via das lesões do acidente, a autora AA terá de usar calçado ortopédico durante toda a sua vida, gastando em média mais 50 euros do que gastaria se adquirisse calçado normal e necessitando, pelo menos, de dois pares por ano. Como a recorrente nasceu em 14-2-1949, estava perto de completar os 56 anos, quando o acidente ocorreu. Aceitando como razoável a idade de 78 anos, indicada na petição inicial, como limite provável da esperança média de vida da mulher portuguesa, tal significa que previsivelmente irá necessitar de calçado ortopédico, durante cerca de 22 anos, até atingir aquela idade de 78 anos. Computa-se, assim, em 2.200 euros a indemnização pela despesa acrescida com a aquisição de calçado ortopédico (22 anos x 100 euros).
Em face do exposto, o valor global da indemnização pelos danos patrimoniais, agora liquidados, ascende a 112.655,53 euros (7.619,76 + 31.595,11 + 10.740,66 + 60.000 + 500 + 2.200 euros) . * Em consequência das lesões sobrevindas do acidente, a autora AA ainda terá de realizar novos exames radiológicos, tratamentos médicos, medicamentosos e fisiátricos, com as inerentes deslocações (respostas aos pontos 104 e 147 da base instrutória). Como ainda não é possível quantificar as respectivas despesas, a indemnização por estes danos futuros fica relegada para posterior incidente de liquidação, nos termos dos arts. 609, nº2 e 358 e segs do novo C.P.C.
2.
Danos não patrimoniais:
A recorrente AA pretende a elevação dos danos não patrimoniais de 30.000 euros para 50.000 euros. Nos termos do art. 496, nº1, do C.C., na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Tendo em conta o disposto no art. 494 do C.C., importa considerar o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesado e do titular do direito à indemnização e as demais circunstâncias do caso. A compensação por danos não patrimoniais, a fixar equitativamente, deve tender a viabilizar um lenitivo ao lesado e ter um alcance significativo, observando uma ponderada e adequada proporção à gravidade do dano. No caso concreto, mostra-se provado que a autora sofreu as lesões atrás descritas, que deixaram graves sequelas, traduzidas, além do mais: - em redução da luxação e da fractura sofrida e imobilização com tala gessada posterior; - em ter de ficar acamada e retida no leito, por um período de algumas semanas; - em não poder fazer, então, qualquer tipo de pressão no pé direito, só conseguindo locomover-se com o auxílio de terceiros e numa cadeira de rodas; - em ficar actualmente, por vezes, com a perna direita inchada, o que lhe não permite calçar; - em dores intensas e frequentes, sobretudo quando tenta subir e descer escadas, levantar objectos pesados e flectir o membro inferior direito; - numa diminuição acentuada da força muscular e numa sensação de cansaço no membro inferior direito; - num coxear permanente, com marcha claudicante e dor quando caminha, tendo necessidade, por vezes, de auxílio de canadianas; - na impossibilidade de correr ou de caminhar mais apressadamente; - na diminuição de autonomia própria, necessitando da ajuda de terceiros para fazer alguns actos da vida diária, como sejam calçar-se e tomar banho; - no comprometimento da vida profissional, social e afectiva; - na perda de fruição dos prazeres da vida; - na perda de afirmação pessoal e auto-estima. Considerando a idade da autora, o longo lapso de tempo correspondente aos tratamentos e à prática dos actos médicos, a natureza, extensão e gravidade dos danos não patrimoniais sofridos, que os factos provados exuberantemente espelham, justifica-se a elevação da sua compensação para 40.000 euros. * Sobre a indemnização pelos danos patrimoniais incidem juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento. Sobre a indemnização pelos danos não patrimoniais acrescem juros de mora desde a data da sentença da 1ª instância, conforme já vem decidido pelas instâncias, sem qualquer impugnação. *
Sumariando:
1 – O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel cobre a obrigação de indemnizar por “lesões corporais” dos passageiros transportados gratuitamente, ainda que parentes do condutor. 2 – A expressão “lesões materiais”, constante do art. 7º, nº2, do dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, contrapõe-se a “lesões corporais”, sendo as primeiras as que atingem as coisas e as segundas as que afectam as pessoas. 3 – Das “lesões corporais” tanto podem emergir danos patrimoniais como não patrimoniais, estando todos cobertos pela garantia do seguro obrigatório.
*
Termos em que, concedendo parcialmente a revista, revogam o Acórdão recorrido, na parte impugnada, e, com ele, a sentença da 1ª instância, julgam a acção parcialmente procedente e condenam a ré Companhia de Seguros CC-…, S.A., a pagar à autora AA: 1- A indemnização global de 112.655, 53 euros, por danos patrimoniais já liquidados, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento. 2 – A indemnização que se vier a liquidar posteriormente em consequência dos danos a suportar pela mesma autora AA pelos novos exames radiológicos, tratamentos médicos, medicamentosos e fisiátricos que terá de realizar no futuro, com as inerentes deslocações. 3 – A indemnização de 40.000 euros por danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da sentença da 1ª instância. 4 – Absolvem a ré da restante parte do pedido. 5 – As custas, quer no Supremo, quer nas instâncias, quanto ao pedido formulado pela recorrente, serão pagas pela autora AA e pela ré seguradora, na proporção do vencido. * Lisboa, 27-5-2014
Azevedo Ramos (Relator) Nuno Cameira Sousa Leite |