Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1805/12.5PCCBR.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: FALSIFICAÇÃO
FURTO QUALIFICADO
ROUBO AGRAVADO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
RECURSO DE MATÉRIA DE DIREITO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA DE PRISÃO
PENA ÚNICA
PENA PARCELAR
DESISTÊNCIA DA QUEIXA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CRIMES DE PERIGO
CRIMES DE DANO
CONCURSO APARENTE
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
ARREPENDIMENTO
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
CULPA
TENTATIVA
DESISTÊNCIA
CRIME CONTINUADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CONFISSÃO
IMAGEM GLOBAL DOS FACTOS
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 02/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO - CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE / CRIMES DE FALSIFICAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 283-292; Direito Penal, I, 2ª ed., pp. 732, 738-739, 1000.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 414.º, N.ºS 3 E 8, 432, N.º1, AL. C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 24.º, N.º1, 1.ª PARTE, E N.º2, 30.º, N.º2, 50.º, N.º1, 70.º, 71.º, 72.º, N.º1, 204.º, N.º2, AL. F), 207.º, AL. A), 210.º, N.º1, 217.º, N.ºS 1 E 4, 256.º, N.ºS 1, ALS. A), C) E E).
REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES (RJAM): - ARTIGO 86.º, N.º1, ALS. C), D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
-DE 30.5.2005, P.º N.º 803/05.
Sumário :
I  -   O art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, atribui ao STJ a competência para o conhecimento dos recursos, incidindo exclusivamente sobre matéria de direito, de decisões do tribunal coletivo que apliquem penas superiores a 5 anos de prisão, não sendo admissível recurso prévio para a Relação, por força do n.º 3 do mesmo artigo, que apenas ressalva a hipótese prevista no n.º 8 do art. 414.º do CPP, ou seja, a de a impugnação das penas inferiores versar matéria de facto. Sendo, pois, o STJ o (único) competente para apreciar a pena conjunta, cabe-lhe igualmente competência para conhecer das penas parcelares, pois não se verifica a hipótese do citado n.º 8 do art. 414.º.

II -  No caso dos autos, a conduta da arguida era subsumível aos crimes de falsificação (art. 256.º, n.ºs 1, als. a), c) e e), do CP) e de burla (art. 217.º, n.º 1, do CP). Contudo, o pai da arguida não quis procedimento criminal contra ela pelo crime de burla, sendo o processo arquivado quanto a esse crime, nos termos dos arts. 217.º, n.º 4, e 207.º, al. a), do CP, mas prosseguindo pelo crime de falsificação, pelo qual a recorrente foi condenada.

III - A questão da relação entre estes dois tipos criminais tem suscitado polémica na doutrina e na jurisprudência. Contudo, recentemente, foi fixada jurisprudência pelo STJ (aliás reafirmando jurisprudência já anteriormente estabelecida) no sentido da existência de concurso efetivo entre os dois crimes. Trata-se do AUJ n.º 10/2013, de 05-06-2013, publicado no DR, I, de 10-07-2013.

IV - E, sendo efetivo o concurso de crimes, e não aparente, como pretende a recorrente, a extinção do procedimento criminal quanto a um deles (a burla) não implica a extinção quanto ao restante. Assim, subsiste o crime de falsificação imputado à arguida.

V -  Na verdade, o critério fundamental de distinção entre unidade e pluralidade de crimes é o da identidade do bem jurídico protegido, havendo pluralidade de crimes quando existe pluralidade de bens violados. Considera-se pacificamente na doutrina que existe concurso aparente entre os crimes de perigo abstrato e os crimes correspondentes de dano. Ponto é que o crime de dano absorva na totalidade a proteção do bem jurídico tutelado pelo crime de perigo; por outras palavras, quando a punição do crime de dano esgote a proteção concedida pelo crime de perigo abstrato.

VI - O âmbito de proteção do crime de detenção de arma proibida é muito amplo, visando abranger uma pluralidade de bens jurídicos, desde a vida e a integridade física à propriedade e a bens jurídicos sociais e de ordem pública. A punição do roubo cometido com arma não esgota portanto a proteção visada com a punição da detenção da mesma arma. Não há, portanto, concurso aparente entre os dois tipos de crimes, antes concurso efetivo entre o roubo agravado pelo uso da arma e a detenção da arma.

VII - O arrependimento, ainda que muito sincero, é muito pouco para justificar a atenuação especial da pena, que só se deve ocorrer quando existam circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude, a culpa ou a necessidade da pena (art. 72.º, n.º 1, do CP). Na situação em apreço, nenhuma circunstância atenua, pelo menos acentuadamente, a gravidade da conduta apurada, que se revela, ao invés, extremamente grave. Nem em termos gerais a pena admite qualquer redução, sob pena de lesão irreparável dos interesses da prevenção geral.

VIII - Prevê o art. 24.º, n.º 1, 1.ª parte, do CP, a desistência da tentativa inacabada (abandono da prossecução do crime), sendo então a tentativa não punível. Necessário é, porém, para o preenchimento da previsão legal, não só que o agente deixe de prosseguir a ação e que a consumação não sobrevenha (situação objetiva), como ainda a convicção do agente de que a interrupção da execução não levará à consumação do crime (situação subjectiva).

IX - A desistência tem que ser voluntária, sendo essa a razão de ser do seu valor em termos de impunibilidade da conduta. Voluntariedade que significa que o agente renuncia à conduta, apesar de poder previsivelmente prossegui-la com êxito até à consumação. Se a desistência resultar de circunstâncias diferentes, como a constatação da dificuldade ou impossibilidade de consumação do crime, já não estamos no plano da desistência, nem consequentemente da impunidade da tentativa.

X -  Nos termos do art. 30.º, n.º 2, do CP, são elementos do crime continuado: a realização plúrima de condutas violadoras do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das mesmas; a existência de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

XI - No caso em apreço, é manifesto que não sucedem os pressupostos do crime continuado, nomeadamente a menor exigibilidade. Na verdade, nenhum fator de ordem externa estimulou a arguida para a prática criminosa, pelo menos em termos de diminuição da culpa. A arguida pode ter-se deixado influenciar pelas notícias que davam conta do êxito de “assaltantes” solitários de bancos e estabelecimentos comerciais e daí partir para a “pesquisa” na internet de informações sobre o modus operandi. Mas esse comportamento não é suscetível de ser valorado positivamente pelo direito, antes pelo contrário. Essa atitude não revela uma diminuição da culpa, antes uma inclinação criminosa mais forte, uma culpa mais intensa. Na realidade, não há uma solicitação exterior, há, sim, uma atitude interior que rapidamente parte para a preparação, com pesquisa de informação “especializada”, de um projeto criminoso a partir da audição ocasional de informações avulsas e destinadas a um público generalizado (espetadores de televisão).

XII - Também as alegadas dificuldades financeiras se mostram completamente irrelevantes em termos de mitigação da culpa, não só porque tais dificuldades acumuladas mostram provavelmente alguma incapacidade de gestão da vida profissional e pessoal, não constituindo portanto fatores completamente “exteriores” à responsabilidade da arguida, mas sobretudo porque o direito não pode aceitar como desculpa para a prática de crimes de ilicitude tão intensa a alegação de dificuldades financeiras por parte de quem não se encontra sequer numa situação de indigência ou de carência absoluta de meios para sobreviver (a arguida vive com os pais, tem a sua ajuda e a da restante família). Tinha pois o dever de agir de outra forma, que não recorrendo à prática criminosa.

XIII - A arguida foi condenada nas seguintes penas:

       - pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 12 meses de prisão;

       - pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

       - pela prática de dois crimes de roubo agravado, na pena de 4 anos de prisão, por cada um dos crimes;

       - pela prática de um crime de roubo agravado, na forma tentada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

       - pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 2 anos de prisão;

       e, em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

XIV - É inquestionável a gravidade objetiva dos crimes praticados pela arguida. De realçar a escalada rápida que caracterizou a sua atividade criminosa (da falsificação aos sucessivos roubos, passando pelo furto qualificado), uma atividade criminosa que só foi interrompida com a detenção da arguida, sendo previsível que continuaria se se repetissem os “êxitos” anteriores.

XV - A arguida revelou uma personalidade deformada, facilmente captável pela sugestão da obtenção de dinheiro “fácil” para manter um certo nível de vida a que se habituara, ainda que tivesse que recorrer a meios ilícitos, mesmo que arriscados. Mostrou também um grande engenho no planeamento dos diversos crimes, preparados com cuidado e reflexão. Agiu com invulgar sangue-frio e audácia perversa na execução dos crimes de roubo, atuando sozinha, sem apoio de outrem.

XVI - Não tendo embora antecedentes criminais, a arguida revelou uma personalidade que não recua perante a prática criminosa se tal se mostrar necessário à satisfação dos seus objetivos. A favor da arguida apenas se provou a confissão, pouco relevante, e o arrependimento, que foi considerado sincero pelo tribunal recorrido. Contudo, na ponderação global de factos e personalidade, de pouca relevância se reveste essa atenuante.

XVII - As exigências preventivas são muito elevadas, quer as de ordem geral, no que se refere aos crimes de roubo, de furto, e de detenção de arma proibida, pela proliferação, danosidade e censura social deste tipo de condutas, quer as de natureza especial, tendo em conta a personalidade deformada que a arguida revelou. Qualquer redução da pena constituiria uma lesão evidente e intolerável dos interesses preventivos, pelo que são adequadas quer as penas parcelares quer a pena conjunta aplicadas.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


            I. Relatório


            AA, com os sinais dos autos, foi condenada na Vara Mista de Coimbra, por acórdão de 27.9.2013, nas seguintes penas, como autora:

- de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, a), c) e e), e 3, do Código Penal (CP), na pena de 12 meses de prisão;

- de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, nºs 1, a) e e), e 2, e), em conjugação com o art. 202º, f), ii), ambos do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

- de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, b), e 204º, nº 2, f), do CP, na pena de 4 anos de  prisão, por cada um;

- de um crime roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 23º, 210º, nºs 1 e 2, b), e 204º, nº 2, f), do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de   prisão;

- de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c) e d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (RJAM), aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23-2, na pena de 2 anos de prisão.

Em cúmulo, foi a arguida condenada na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

Dessa decisão recorreu a arguida para este Supremo Tribunal, concluindo:


1. A recorrente foi condenada na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, o que implica o recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, quando está em causa o recurso exclusivo à matéria de direito, como é o caso.

2. No entanto, cada uma das penas parcelares aplicadas à recorrente é inferior a 5 anos de prisão, de cuja apreciação a recorrente não prescinde.

3. Apesar disso, entende a recorrente que, resultando a pena única das penas parcelares aplicadas, é o Supremo Tribunal de Justiça competente para apreciar estas últimas.

4. Caso o Supremo Tribunal de Justiça se declare incompetente para apreciar cada uma das penas parcelares aplicadas, e cada crime praticado, individualmente, a recorrente requer a remessa dos autos para o Tribunal da Relação de Coimbra, sob pena de violação do direito ao recurso, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

5. A recorrente não concorda com a medida da pena única de prisão (dentro da moldura penal de 4 a 17 anos de prisão) que lhe foi aplicada, pois ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas que visam determinar a medida concreta da pena, em geral (artigo 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal) e nos casos de cúmulo (artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal), ao entender que à recorrente só pode ser aplicada uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão, efectiva na sua execução, não tendo tido em conta os factos que relevam a favor da recorrente (a recorrente é primária, agiu motivada por problemas familiares e sociais graves, mostrou arrependimento sincero, pediu desculpas a todos os intervenientes, colaborou com a descoberta da verdade, permitindo buscas na sua residência e confessando os crimes, as consequências da sua conduta não foram graves, nem o foi o grau de ilicitude e o dolo com que a recorrente actuou, o relatório social é favorável à recorrente) e que, como supra explicado, permitiriam a aplicação de uma pena inferior a 5 anos de prisão, mantendo-se intactas as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial.

6. Sendo que, ao não optar por uma pena de suspensão da execução da pena de prisão, o Tribunal a quo desvirtuou, por completo, a ideia de ressocialização, indo em sentido contrário ao previsto no artigo 40.º, n.º 1 e 2, artigo 50.º, n.º 1 e 2 e artigo 70.º do Código Penal, cujas normas devem ser interpretadas no sentido de a pena de prisão efectiva ser sempre a última pena a aplicar, e apenas quando já não é, em absoluto, possível evitar a prática de novos crimes, o que não acontece no caso dos autos, em que ainda é possível fazer um juízo de prognose em favor da recorrente, permitindo-se concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as necessidades da punição.

7. Assim, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo enferma de erro notório na determinação da medida concreta da pena e viola os princípios básicos de determinação da pena única e da suspensão da execução da pena de prisão, em violação dos artigos 77º, n.º 1, 40º, n.º 1 e 2, 70.º, 71º, n.º 1 e 2 e 50º, n.º 1 e 2 do Código Penal.

8. A recorrente não concorda com algumas condenações e com as penas parcelares que lhe foram aplicadas.

9. A recorrente foi condenada pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, crime previsto e punido pelo art. 256.º, n.º 1, al. a), c) e e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão.

10. Resulta da matéria dada como provada nos autos que a recorrente não teve qualquer intenção de causar prejuízo a outrem, de obter benefício ilegítimo, ou de praticar qualquer crime, mas apenas entregou o cheque como mera garantia, sem apor qualquer data.

11. Ora, se o cheque apresentado pela recorrente não tem o valor de meio de pagamento, porque entregue a BB como mera garantia, sendo a própria BB que preencheu o campo destinado à data, não pode a arguida ser condenada pelo crime de falsificação de documento, como também o não poderia ser pelo crime de emissão de cheque sem provisão.

12. Mas, mesmo que a recorrente tivesse pretendido burlar o seu pai, o que não se concede, o crime de falsificação de documento estará numa relação de dependência/mero concurso aparente com o eventual crime de burla (tendo havido desistência quanto a estes factos), devendo, por essa razão, ter sido, também ele, arquivado.

13. Não pode pois proceder a argumentação do Tribunal a quo no sentido que a recorrente agiu com dolo, dolo esse que não resulta provado nos autos, tendo o Tribunal a quo interpretado erradamente o artigo 13.º, 14.º, n.º 1, 2 e 3 e artigo 256.º, n.º 1, al. a), c) e e) e n.º 3, todos do Código Penal, devendo, antes, estas normas ser interpretadas no sentido de, tendo a recorrente entregue um mero cheque garantia, que não datou, não poder dar-se como provado o dolo que é exigível para este tipo de crimes, devendo a recorrente ser absolvida.

14. Acresce que, o Tribunal a quo ao condenar a recorrente pelo crime de falsificação de documento interpretou erradamente os artigos 21.º (este por omissão) e 30.º, n.º 1 do Código Penal, uma vez que puniu um mero acto preparatório de um outro crime, não tendo tido esse facto em consideração, crime pelo qual houve desistência de queixa, havendo concurso meramente aparente relativamente às condutas em causa (e não concurso real como pretende o Tribunal a quo), devendo a recorrente ser absolvida, neste concreto.

15. Ao ter decidido de outra forma, o Tribunal a quo violou os artigos 256.º, n.º 1, al. a), c) e e) e n.º 3 do Código Penal, bem como os artigos 13.º, 14.º, n.º 1 e 2 e 3, 21.º e 30.º, n.º 1, também do Código Penal. Sem prescindir,

16. “As exigências de prevenção geral e especial são os factores determinantes na escolha da pena, embora, neste contexto, prevaleça a ponderação da prevenção especial de socialização, primeiro, porque o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração.” – Cfr. Acórdão n.º 06P2938, do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 25/10/2006, in www.dgsi.pt.

17. O Tribunal a quo aplicou uma pena de prisão pelo facto de a recorrente ter forjado a assinatura do seu próprio pai, pese embora este tenha desistido do procedimento criminal contra recorrente e resulte do relatório social que a recorrente, que vive em casa dos pais desde Outubro de 2012, tem todo o apoio familiar e está bem inserida. O Tribunal não teve, ainda, em conta o valor diminuto do cheque, o facto de a recorrente ser primária e o facto de a recorrente ter demonstrado arrependimento sincero, tendo mesmo pedido desculpas publicamente.

18. Em nada obsta, à aplicação de uma pena de multa, o facto de existirem, no concurso, crimes que apenas admitem pena de prisão.

19. De facto, pese embora a pena de multa, neste concreto crime, realize de forma adequada as finalidades da punição, sendo adequada às finalidades de prevenção geral e permita a ressocialização do agente, o Tribunal a quo optou por aplicar uma pena de prisão, em violação do artigo 40.º, n.º 1 e 2, artigo 70.º e artigo 77.º, n.º 3, todos do Código Penal, quando estas normas deveriam ser interpretadas no sentido de que, a aplicação de uma pena de prisão efectiva é a última das penas a ter em consideração, devendo o Tribunal ter em conta os factos que relevam a favor da recorrente e que ainda permitem a aplicação de uma pena de multa. Sem prescindir,

20. Sempre cumprirá dizer que a pena de prisão aplicada (12 meses) é manifestamente excessiva, atenta a ausência de especiais razões de prevenção geral e especial supra demonstrada, bem como a ausência de condenações anteriores, a que acresce o valor diminuto do cheque. Acresce que a recorrente demonstrou arrependimento, sendo o grau de ilicitude diminuto, sem consequências graves.

21. Demonstrado ficou, ainda, que a recorrente agiu perante uma situação económica difícil, não tendo agido com dolo de especial intensidade, pois a recorrente pretendeu, apenas, entregar um cheque garantia, e efectuar o pagamento da dívida sem fazer uso do referido cheque.

22. Perante este circunstancialismo, a pena de prisão a aplicar deveria ter-se ficado pelo mínimo da moldura penal (6 meses de prisão).

23. Além disso, não foi dada a oportunidade à recorrente de proceder à substituição da pena de prisão aplicada, dever que incumbe ao Tribunal ponderar.

24. Não tendo decidido neste sentido, o Tribunal a quo violou os artigos 40.º, n.º 1 e 2, 43.º, n.º 1 e artigo 71.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, por não ter analisado convenientemente a conduta da recorrente, que denota um grau de culpa e ilicitude diminutos, e por ter aplicado uma pena que não é adequada, nem resulta dos critérios explanados no artigo 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, não tendo procedido, sequer à sua substituição.

25. A recorrente foi condenada, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea a) e e) e n.º 2, alínea e), em conjugação com artigos 202.º, alínea f) ii), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

26. A recorrente apenas agiu desta forma motivada por um forte impulso exterior (graves problemas financeiros e risco de perda da guarda do filho), o que não lhe permitiu ver as coisas com a clareza devida; a recorrente estava desesperada e só essa situação justifica os actos perpetrados pela mesma, furtando bens da residência do avô do namorado e violando relações de confiança para-familiares; a recorrente tem apoio psiquiátrico para a ajudar a ultrapassar as suas dificuldades. 

27. Tendo consciência de que se tratou de um caminho errado, o certo é que foi o único que a recorrente encontrou, naquela altura, que a ajudasse a sair do sufoco financeiro em que se encontrava. Por outro lado, criou-se a ilusão, na mente da recorrente, que a obtenção de algum dinheiro ajudaria na manutenção da guarda do seu filho menor, podendo fazer face ao poder económico do pai da criança, sendo certo que, hoje, a recorrente sabe que a sua actuação teve, sobretudo, o efeito contrário.

28. Além disso, a recorrente permitiu que fossem devolvidos todos os documentos subtraídos do cofre, ao informar, voluntariamente, a Polícia Judiciária do local onde se encontravam, bem como ao permitir que se fizessem buscas nas suas residências.

29. É certo que as jóias não foram encontradas, mas a recorrente, tendo sido condenada no pedido cível formulado pelo ofendido, irá compensar o lesado pelos danos causados, o que apenas conseguirá fazer se puder trabalhar.

30. A recorrente demonstrou arrependimento sincero, pediu desculpa e confessou os factos integralmente e sem reservas.

31. O Tribunal a quo não procedeu a atenuação especial da pena, embora a recorrente tenha mostrado arrependimento sincero. A recorrente apenas não pagou os danos que causou porque está em prisão domiciliária, só lhe sendo possível trabalhar a partir de casa, sendo certo que, até ao momento, ainda não conseguiu arranjar trabalho nessas condições especiais.

32. Pelos motivos expostos, resulta claro para a recorrente que a pena parcelar aplicada deveria situar-se perto do mínimo legal, devendo ter-se em conta a atenuação especial da pena que se impõe, pois, de facto, tal pena ainda seria capaz de satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, ao mesmo tempo que teria em conta os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, bem como às condições pessoais do agente e à sua situação económica.

33. E tal pena ainda permitiria a suspensão da sua execução.

34. Por não ter actuado desta forma, o Tribunal a quo violou os artigos 40.º, n.º 1 e 2, artigo 50.º, nº 1, artigo 71.º, n.º 1 e 2, e artigo 72.º, n.º 1 e 2, al c) e 73.º, todos do Código Penal, pois tais normas deveriam ter sido aplicadas no sentido da aplicação de uma pena que permita, ainda, a ressocialização do agente, tendo em conta o seu grau de culpa e de ilicitude, valorando os sentimentos demonstrados pela recorrente, a sua condição económica, a conduta anterior e posterior ao crime, o que não aconteceu.

35. A recorrente foi condenada pela prática em autoria material e em concurso real de infracções, de dois crimes de roubo agravado, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, com referência ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março de numa pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão para cada um dos crimes.

36. A agravação do crime de roubo resulta da alínea f) do art. 204.º, n.º 2 do Código Penal: “Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta.”

37. O crime de roubo e o crime de detenção de arma ilegal visam proteger os mesmos bens: o perigo de lesão de outrem e as consequências para a segurança e tranquilidade públicas.

38. Assim, tendo a recorrente sido condenada pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, e sendo este um ilícito autónomo, não pode tal circunstância ser usada para a agravação do ilícito criminal de roubo, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.

39. Pelo que, a recorrente deveria ter sido condenada pelo crime de roubo simples, tendo havido erro na determinação da norma aplicável (a recorrente deveria ter sido punida pelo artigo 210.º, n.º 1 e não pelo artigo 210.º, n.º 2, al. b), do Código Penal.

40. Ao proceder desta forma, o Tribunal a quo violou o artigo 29º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 210.º, n.º 1 e 2 do Código Penal. Sem prescindir,

41. A recorrente não concorda com a medida de pena que lhe foi aplicada pelos dois crimes de roubo agravado, na forma consumada.

42. Efectivamente, apesar da gravidade dos crimes praticados (que já é tida em conta, por si só, na moldura penal do mesmo – mínimo de 3 anos), a recorrente tem a seu favor uma série de circunstancialismos que não foram devidamente tidos em conta pelo douto Tribunal a quo.

43. De facto, a recorrente, pese embora se tenha feito acompanhar de uma arma, não ofendeu a integridade física de qualquer das ofendidas, mesmo quando estas lhe disseram, simplesmente, que apenas tinham montantes reduzidos de dinheiro. Tal facto prova que a intenção da recorrente nunca foi a de magoar ninguém, visando apenas a obtenção de dinheiro; a esta situação há que acrescentar a estrutura frágil da recorrente, que a indumentária escolhida não disfarçou, e a sua voz doce e baixa, o que permitiu, de certa forma, acalmar as ofendidas; a recorrente retirou valores reduzidos das duas lojas de ouro em causa, pelo que o impacto económico é mínimo; a recorrente confessou os factos, integralmente e sem reservas; a recorrente mostrou, ainda, arrependimento sincero ao pedir desculpa às ofendidas, em público, por iniciativa própria, tendo explicado, perante o Tribunal, que apenas agiu desta forma, porque motivada por problemas económicos e familiares graves, como já demonstrados supra e que resultam dos factos provados.

44. Perante estas circunstâncias, crê a recorrente que, sendo a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, a pena parcelar (4 anos) que lhe foi aplicada por cada um dos crimes de roubo agravado, é excessiva.

45. De facto, a recorrente não actuou com dolo intenso, não sendo o grau de ilicitude dos factos muito elevado, quer pelo modo de execução dos crimes (a recorrente, embora se fizesse acompanhar de uma arma não a usou, isto é, não disparou, nem a usou como objecto contundente, embora pudesse tê-lo feito - entendeu não o fazer; a recorrente agiu motivada por graves problemas económicos e familiares), quer pelas consequências que advieram da prática dos seus actos (valor diminuto do dinheiro subtraído, recuperação dos telemóveis).

46. A culpa da recorrente situa-se, assim, no mínimo legal da moldura penal do crime em questão, não podendo, pois, a pena ultrapassar a culpa do agente.

47. Como vimos, não são grandes as exigências de prevenção geral e especial da recorrente, sendo certo que a mera censura do facto ainda é capaz de, por um lado, repor a confiança da sociedade na norma violada e, por outro, impedir que a recorrente pratique mais crimes.

48. Pelo que, à recorrente deveria ter sido aplicada uma pena parcelar, por cada um dos crimes de roubo, perto do mínimo da moldura em causa, devendo, ainda, proceder-se à atenuação especial da pena. E tal pena ainda permitiria a suspensão da sua execução.

49. Por não ter actuado desta forma, o Tribunal a quo violou os artigos 40.º, n.º 1 e 2, n.º 1, 50.º, nº 1, artigo 71.º, n.º 1 e 2, e artigo 72.º, n.º 1 e 2, al c) e 73.º, todos do Código Penal, pois tais normas deveriam ter sido aplicadas no sentido da aplicação de uma pena que permita, ainda, a ressocialização do agente, que não seja estigmatizante, como o é a pena de prisão efectiva, tendo em conta o seu grau de culpa e de ilicitude, valorando os sentimentos demonstrados pela recorrente, a sua condição económica, a conduta anterior e posterior ao crime, o que não aconteceu.

50. A recorrente foi condenada pela prática de um crime roubo agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 23.º, 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, com referência ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março numa pena parcelar de 2 (dois) e 6 (seis) meses de prisão.

51. No entanto, entende a recorrente que tal tentativa não devia ser punida, uma vez que, embora estivesse na posse de uma arma, desistiu dos seus intentos criminosos, não tendo sido violenta, tendo abandonado as instalações da CCAM, sendo certo que com a sua actuação, a recorrente desistiu da prossecução do crime, impedindo a sua consumação.

52. Devia, pois, a recorrente ter sido absolvida da prática do crime de roubo agravado, na forma tentada, contra a CCAM.

53. Por não ter decidido desta forma, o Tribunal a quo violou o artigo 24.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, por omissão quanto à aplicação desta norma, havendo erro na determinação da norma aplicada (o Tribunal a quo deveria ter aplicado o artigo 24.º, n.º 1 e 2, do Código Penal e não o artigo 23.º do mesmo Código). Sem prescindir,

54. A agravação do crime de roubo resulta da alínea f) do art. 204.º, n.º 2 do Código Penal: “Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta.”

55. A recorrente foi condenada pela prática de um crime de detenção de arma proibida, valendo aqui as mesmas razões que a expostas nas conclusões 36 a 40.

56. Pelo que, a recorrente deveria ter sido condenada pelo crime de roubo simples, na forma tentada (artigo 210.º, n.º 1 e 23.º do Código Penal), aplicando-se-lhe uma pena parcelar perto do mínimo legal (1 mês de prisão) e não pelo crime de roubo agravado na forma tentada (artigo 210.º, n.º 2 e artigo 23.º do Código Penal), tendo havido erro na determinação da norma aplicável.

57. Pena esta que permitiria a sua substituição, mantendo intocáveis as exigências de prevenção especial e geral.

58. Ao não proceder desta forma, o Tribunal a quo violou o artigo 29º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 210.º, n.º 1 e 2 e artigo 43.º, n.º 1 e 50.º, n.º 1 do Código Penal. Sem prescindir,

59. Entende a recorrente que a pena parcelar aplicada pelo crime de roubo agravado, na forma tentada, é excessiva, uma vez que resulta dos autos que a recorrente abandonou as instalações, voluntariamente, não tendo usado de qualquer força para conseguir alcançar os seus objectivos.

60. Apesar das circunstâncias que fizeram a recorrente praticar crimes (graves problemas económicos e a luta pela guarda do seu filho, que a fizeram descompensar – estando já a ser tratada, como resulta dos autos), a recorrente optou por deixar as instalações sem subtrair nenhum valor, sem ofender a integridade física das senhoras, sem sequer as ameaçar, e, sobretudo, sem usar da arma que tinha em sua posse.

61. O que demonstra que a recorrente conseguiu distinguir o certo do errado, o lícito do ilícito, mostrando que ainda foi capaz de impor limites a si própria e que ainda é capaz de agir de acordo com o direito; a recorrente pediu desculpa às três senhoras que estavam nas instalações da CCAM, mostrando arrependimento sincero, o que também não foi tido em conta pelo Tribunal a quo.

62. Perante este circunstancialismo, uma pena de prisão perto do limite mínimo, especialmente atenuada, portanto, sempre inferior a um ano, é a única que ainda se mostra compatível com a ilicitude do facto e a culpa do agente, sem colocar em causa as exigências de prevenção especial e geral. 

63. Tal pena ainda admitiria a sua substituição, o que não foi ponderado pelo Tribunal a quo.

64. Por não ter actuado desta forma, o Tribunal a quo violou os artigos 40.º, n.º 1 e 2, 43.º, n.º 1, 50.º, nº 1, artigo 71.º, n.º 1 e 2, e artigo 72.º, n.º 1 e 2, al c) e 73.º, todos do Código Penal, pois tais normas deveriam ter sido aplicadas no sentido da aplicação de uma pena que permita, ainda, a ressocialização do agente, tendo em conta o seu grau de culpa e de ilicitude, valorando os sentimentos demonstrados pela recorrente, a sua condição económica, a conduta anterior e posterior ao crime, o que não aconteceu.

65. Entende a recorrente que, quanto aos crimes de roubo, quer na forma consumada, quer tentada (se se entender que, neste concreto, não houve desistência da tentativa), quer se trate de roubo agravado, quer se trate de roubo simples, deveria ter sido condenada por um único crime continuado.

66. De facto, encontram-se preenchidos todos os requisitos para que isso aconteça: realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; execução por forma essencialmente homogénea; que essa execução seja levada a cabo no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente; que os bens em causa não sejam eminentemente pessoais.

67. Dúvidas não existem de que a recorrente teve apenas uma motivação criminosa, tendo decidido, em Junho ou Julho de 2012, mediante uma notícia que viu na TV e posterior pesquisa na Internet sobre o modus operandi de uma outra pessoa que terá praticado uma série de roubos, que iria proceder da mesma forma, de modo a solucionar os seus problemas financeiros.

68. Acresce que a recorrente sofreu a influência de uma situação exterior, que diminuiu consideravelmente a sua culpa. Por um lado, o facto de ter visto as imagens na televisão, relativas a assaltos à mão armada, muitos deles com sucesso, por uma pessoa que passava por dificuldades financeiras semelhantes às suas e, por outro lado, o facto de deter uma arma de fogo, que trouxe da residência do avô do seu namorado.

69. De facto, num momento de graves problemas financeiros e familiares, a recorrente, desesperada, vê imagens na televisão, de alguém com quem se identifica, e surge a ideia de proceder como essa pessoa. A recorrente não procurou essas imagens, apenas fez buscas na Internet, depois de ter visto uma notícia na televisão. Para copiar a actuação, a recorrente necessita de uma arma, que até tem na sua posse, embora tal arma não tenha sido o objectivo do furto na residência de Celorico da Beira, pois a recorrente visava o ouro e as jóias que estavam dentro do cofre e não a arma e os documentos que também lá se encontravam.

70. Reunidos os factores necessários, a recorrente decide actuar. E, tendo obtido sucesso, a recorrente continuou a sua actividade criminosa, não lhe sendo exigível que procedesse de outra forma.

71. Acresce que a actuação da recorrente se desenvolveu em cerca de um mês, o que corrobora a ideia de que a motivação foi unitária, e dependente de circunstâncias exteriores que diminuem a sua culpa.

72. O crime de roubo só se efectiva com a apropriação, ou com a tentativa de apropriação, sendo esse o seu elemento essencial, pelo que os valores que se visam atingir são, eminentemente, patrimoniais. Mesmo do ponto de vista sistemático, o crime de roubo está inserido nos crimes contra o património.

73. Sendo assim, no que se refere aos crimes de roubo, quer sejam simples, quer agravados, perpetrados nas duas lojas de ouro e na CCAM, a actuação da recorrente deveria ter sido punida como crime continuado.

74. O Tribunal a quo incorreu em erro na determinação da norma aplicável, devendo ter aplicado o artigo 30.º, n.º2, e por consequência, o artigo 79.º, n.º 1 e não o artigo 30.º, n.º 1, todos do Código Penal.

75. Por não ter decidido dessa forma, o Tribunal a quo violou os artigos 30.º, n.º1, 2 e 3 e artigo 79.º, n.º1, todos do Código Penal.

76. A recorrente foi condenada pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, previsto e punido, pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro numa pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão.

77. A recorrente não pode concordar com esta pena.

78. Resulta dos autos que não foi possível dar como provado que a recorrente sabia que a arma estava municiada, pelo que, sendo assim, não podemos dizer que a ilicitude do facto é de grau elevado, nem pode ter-se em conta o facto de a arma estar municiada para agravar a pena aplicada.

79. Acresce que o Tribunal aumentou a pena aplicada pelo facto de a arma ter sido usado em criminalidade violenta, o que leva, novamente, a que o mesmo facto seja duplamente, valorado: a recorrente foi condenada pelos crimes de roubo por fazer uso de uma arma (o uso da arma preenche o elemento do tipo – violência – quer se trate de roubo simples ou agravado). E, agora, está a ser condenada pelo crime de detenção de arma proibida por perpetrar, através dela, actividade violenta, o que viola o princípio ne bis in idem, previsto no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

80. Mas, mesmo que assim não se entenda, sempre será de dizer que, uma pena de multa, embora próxima do seu patamar máximo, seria, ainda, suficiente para prevenir a prática de futuros crimes, bem como seria suficiente para repor a norma violada, sem colocar em causa as exigências de geral e de prevenção especial.

81. De facto, pese embora a gravidade ínsita no facto de a recorrente deter uma arma para a qual não tem licença, o certo é que, em grande período de tempo, a recorrente não prestou atenção à mesma; a recorrente nunca teve qualquer ligação com armas de fogo, não mostrando qualquer apetência pelas mesmas; a recorrente não ofendeu a integridade física de qualquer dos envolvidos nos seus assaltos, não tendo disparado a arma, nem a tendo usado como objecto contundente.

82. Perante a conduta da recorrente, seria ainda possível optar por uma pena de multa, porque adequada às finalidades da punição, em nada obstando a essa escolha que haja crimes, no concurso, que apenas admitem pena de prisão.

83. De facto, pese embora a pena de multa, neste concreto crime, realize de forma adequada as finalidades da punição, sendo adequada às finalidades de prevenção geral e permita a ressocialização do agente, o Tribunal a quo optou por aplicar uma pena de prisão, em violação do artigo 40.º, n.º 1 e 2, artigo 70.º e artigo 77.º, n.º 3, todos do Código Penal e do artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, quando estas normas deveriam ser interpretadas no sentido de que, a aplicação de uma pena de prisão efectiva é a última das penas a ter em consideração, devendo o Tribunal ter em conta os factos que relevam a favor da recorrente e que ainda permitem a aplicação de uma pena de multa.  Sem prescindir,

84. Sempre cumprirá dizer que a pena de prisão aplicada (2 anos de prisão) é manifestamente excessiva, atenta a ausência de especiais razões de prevenção geral e especial supra demonstrada, bem como a ausência de condenações anteriores; a recorrente demonstrou arrependimento, sendo o grau de ilicitude e de culpa diminutos, não tendo tido a sua conduta consequências graves; a recorrente agiu perante uma situação económica difícil, à qual acresceram problemas familiares que a recorrente entendia serem inultrapassáveis, não tendo agido com dolo de especial intensidade; a recorrente não magoou ninguém, pediu desculpa a todos os intervenientes, mostrando arrependimento sincero.

85. A recorrente não pode ver aumentar a pena parcelar aplicada pelo facto de ter usado a arma na prática de crimes violentos, uma vez que a recorrente já foi punida pelo crime de roubo agravado (embora entenda que deve ser punida pelo crime de roubo simples), cujo elemento “violência” já consta do tipo, seja a recorrente punida pelo n.º 1, seja pelo n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal. 

86. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo violou o princípio ne bis in idem, previsto no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

87. Perante este circunstancialismo, a pena de prisão a aplicar deveria ter-se ficado pelo mínimo da moldura penal (1 ano de prisão).

88. Além disso, não foi dada a oportunidade à recorrente de proceder à substituição da pena de prisão aplicada, dever que incumbe ao Tribunal ponderar.

89. Não tendo decidido neste sentido, o Tribunal a quo violou os artigos 40.º, n.º 1 e 2, 43.º, n.º 1 e artigo 71.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, por não ter analisado convenientemente a conduta da recorrente, que denota um grau de culpa e ilicitude diminutos, e por ter aplicado uma pena que não é adequada, nem resulta dos critérios explanados no artigo 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, não tendo procedido, sequer à sua substituição.

90. Acresce que o Tribunal a quo violou o artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o interpretou no sentido de que o mesmo facto pode ser valorado duas vezes, isto é, o uso de arma serviu para preencher o crime de roubo (quer seja simples, quer seja agravado) e serviu para aplicar uma pena dura quanto ao crime de detenção de arma proibida.

91. Perante o exposto, e perante a análise de cada crime em concreto, não restam dúvidas à recorrente que uma pena única de prisão, inferior a 5 anos, suspensa na sua execução, ainda é capaz de salvaguardar as necessidades da punição, nomeadamente as de prevenção geral e especial, ao mesmo tempo que terá em conta o grau de culpa do agente, a ilicitude do facto e as suas consequências, sendo ainda possível fazer um juízo de prognose, favorável à recorrente, no sentido de que esta não voltará a praticar crimes.

Respondeu o Ministério Público, dizendo em conclusão:


1 - A factualidade assente como provada - e que a recorrente não questionou - preenche todos os elementos, objectivos e subjectivo, constitutivos do crime falsificação de documento.

2 - Os tipos legais do crime de detenção de arma proibida e de roubo agravado são autónomos e tutelam bens jurídicos diferentes, não se verificando entre eles uma relação de especialidade, subsidiariedade ou consumpção do âmbito de protecção das normas jurídicas violadas.

3 - Pelo que existe um concurso real e efectivo entre o tipo legal de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, 2, b), por referência ao 204º, nº 2, f), Código Penal, e o tipo legal de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1,c) e d), da Lei n.º 5/06, de 23 de Fevereiro.

4 - Por outro lado, o crime de detenção de arma proibida consuma-se quer em momento ainda anterior à prática de qualquer dos crimes de roubo e persiste para além destes.

5 - Com a sua conduta, a arguida realizou, por três vezes, uma das quais na forma tentada o crime de roubo qualificado. Essa realização plúrima desse tipo legal não pode constituir um crime na forma continuada, porquanto se não apurou que a reiteração adviesse de solicitação de uma mesma situação que, sendo exterior à arguida, tivesse a virtualidade de a arrastar para o delito e porque o crime de roubo tutela bens jurídicos relativos à pessoa - eminentemente pessoais.

6 - A arguida não abandonou voluntária e espontaneamente a execução de um dos crimes de roubo. Esse crime só não se consumou por motivos alheios à sua vontade relacionados com a reacção das pessoas que estavam no local e que conseguiram fugir para o exterior das instalações da CCAM gritando por socorro.

7 - Tendo presente as finalidades da punição, a culpa da arguida e as exigências de prevenção, sem haver deixado de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor e contra aquela, o Tribunal determinou, com bondade, quer as penas parcelares concretamente aplicar, quer, decorrente do cúmulo jurídico operado, a respectiva  pena única.

8 - Pena única essa que, desde logo pela sua medida, não poderia ser declarada suspensa na execução, mas que, ainda que assim legalmente inviável, nunca essa suspensão poderia ter lugar, por a tal se oporem intensíssimas exigências de prevenção criminal.

9 - O douto acórdão recorrido fez correcta interpretação dos preceitos legais que havia a aplicar, não se mostrando ofendido qualquer normativo, apontado na motivação do recorrente, ou outra qualquer disposição legal e, designadamente, alguma das mencionadas na presente resposta.


Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:


I Mostram os autos que:

1. Por acórdão da 1.ª secção da Vara Mista de Coimbra, a recorrente foi condenada em penas parcelares inferiores a cinco anos de prisão, sendo-lhe imposta a pena única de seis anos e seis meses de prisão.

2. Inconformada, interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, impugnando, para além das operações de determinação da medida da pena única, nomeadamente as relativas à medida de cada pena parcelar, pugnado a final pela imposição de uma pena única não superior a cinco anos de prisão, substituída pela pena não privativa de liberdade prevista no artigo 50.º, n.º 1, do CP.

II 1. Concordamos com os fundamentos invocados na douta decisão sumária, de 15 de Abril de 2011, segundo a qual «a competência do Supremo Tribunal de Justiça é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior(es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão», que, com a devida vénia, se transcrevem:

«Se é pelo objecto do recurso que se pode afirmar um dos pressupostos da competência do Supremo (a questão ou questões postas serem exclusivamente de direito), deverá ser também pelo objecto do recurso que se deve verificar o pressuposto referente à pena de prisão concretamente aplicada.

Por isso, no caso de ser aplicada mais do que uma pena de prisão, verificando‑se, relativamente a um a delas (ou mais do que uma), o pressuposto de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, a competência do Supremo só deve ser afirmada se o recurso tiver por objecto, justamente, questões de direito relativas aos crimes por que essa ou essas penas (de medida concreta superior a 5 anos) foram aplicadas. Daí que, se na decisão final do tribunal do júri ou colectivo forem aplicadas penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos e penas de prisão superiores a 5 anos mas o objecto do recurso se referir ― ou, também, se referir ― a questões de direito relativas aos crimes por que foram aplicadas as penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos, a competência para conhecer do recurso caiba à relação.

Outra interpretação não só não salvaguarda o propósito do legislador, presente na “revisão” de 2007, de restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal como implicará que se aceite a recorribilidade directa para o Supremo mesmo nos casos em que a matéria de direito objecto de recurso não se prenda com a pena aplicada em medida superior a 5 anos.»

2. Tendo presente que na motivação do recurso, para além da impugnação da medida da pena única, se suscitam questões de direito relativas também aos crimes por que se mostra condenada, todos eles punidos com penas de prisão não superiores a cinco anos, consideramos que a competência para conhecer do presente recurso cabe ao Tribunal da Relação.

Pelo que os autos devem ser, oportunamente, remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra.

3. Caso assim não seja entendido, parece‑nos que a factualidade provada respeitante à ausência de antecedentes criminais, ao claro arrependimento demonstrado, às provadas circunstâncias pessoais da arguida, de que se destaca a sua fragilidade no conturbado período que antecedeu a prática dos factos, e ainda ao seu comportamento posterior ao cometimento dos crimes — tudo a revelar uma clara diminuição da necessidade da pena — justifica que, na determinação da medida das penas parcelares, se faça aplicação da atenuação especial prevista no artigo 72.º do Código Penal, com natural implicação a final na determinação da medida da pena única, que não deverá ser superior a cinco anos de prisão, substituída pela pena não privativa de liberdade prevista no artigo 50.º, n.º 1, do CP.


Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), a arguida nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II. Fundamentação

Questão prévia


Entende a sra. Procuradora-Geral Adjunta que é a Relação o tribunal competente para a apreciação deste recurso, uma vez que são impugnadas, além da pena única, as penas parcelares, nenhuma delas superior a 5 anos de prisão.

Porém, não tem razão. Na verdade, o art. 432º, nº 1, c), do CPP atribui ao Supremo Tribunal de Justiça a competência para o conhecimento dos recursos, incidindo exclusivamente sobre matéria de direito, de decisões do tribunal coletivo que apliquem penas superiores a 5 anos de prisão, não sendo admissível recurso prévio para a Relação, por força do nº 3 do mesmo artigo, que apenas ressalva a hipótese prevista no nº 8 do art. 414º do CPP, ou seja, a de a impugnação das penas inferiores versar matéria de facto.

Sendo, pois, este Supremo Tribunal o (único) competente para apreciar a pena conjunta, cabe-lhe igualmente competência para conhecer das penas parcelares, pois não se verifica a hipótese do citado nº 8 do art. 414º.

Improcede, portanto, a questão prévia, pelo que importa apreciar a impugnação constante do recurso.


Matéria do recurso


Coloca a requerente as seguintes questões:


Quanto ao crime de falsificação:

- não é punível a conduta, por se encontrar em concurso aparente com o eventual crime de burla, relativamente ao qual houve perdão;

- não é adequada a pena de prisão, devendo antes ser aplicada uma pena de multa;

- em qualquer caso, é excessiva a medida da pena de prisão, que não deveria ultrapassar 6 meses de prisão.


Quanto ao crime de furto qualificado:

- é excessiva a pena fixada, devendo ser aplicada a atenuação especial da pena, situando-se a pena perto do mínimo legal, suspendendo-se a execução da mesma.


Quanto aos crimes de roubo consumados:

- violação do princípio non bis in idem, ao ser condenada simultaneamente pelo crime de roubo agravado pelo porte de arma e pelo crime de detenção de arma ilegal;

- em consequência, os crimes de roubo devem ser punidos como crimes simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do CP;

- é excessiva a pena aplicada a cada um dos crimes, devendo ser aplicada a atenuação especial da pena;

- deve ser suspensa a execução das penas.


Quanto ao crime de roubo tentado:

- houve desistência do prosseguimento da execução do crime, de forma que a tentativa não é punível;

- violação do princípio no bis in idem, nos termos já referidos para os crimes de roubo consumado;

- a haver tentativa, é de roubo simples;

- é excessiva a pena aplicada, devendo a pena ser fixada próximo do mínimo legal;

- deve a pena ser suspensa.


Quanto a todos os crimes de roubo

- constituem um único crime, na forma continuada.

Quanto ao crime de detenção de arma proibida

- deve ser escolhida a pena de multa, em detrimento da pena de prisão;

- a pena não deverá, em qualquer caso, exceder 1 ano de prisão;

- essa pena deverá ser substituída, em termos a ponderar pelo tribunal.


Quanto à pena conjunta:

- a pena conjunta deverá ser inferior a 5 anos de prisão;

- deve ser suspensa na sua execução.


Para apreciação das questões propostas, há que conhecer a matéria de facto, que é a seguinte:


I. No final do ano de 2010 a arguida AA encontrava-se numa situação de desemprego, tendo decidiu criar o seu próprio emprego, beneficiando para o efeito de apoios do Instituto de Emprego e Formação Profissional.

Na concretização do seu objectivo a arguida tomou a resolução de abrir uma loja de vestuário no Centro Comercial G…, em Coimbra.

Para beneficiar dos apoios estatais supra referidos a arguida teve necessidade de apresentar um projecto de criação de próprio emprego no Centro de Emprego, tendo para o efeito contratado os serviços da empresa “E… T…”, onde contactou com BB.

Em data não concretamente apurada, mas próxima do final do ano de 2010/início do ano de 2011, a arguida AA necessitava de entregar um cheque como garantia do pagamento do projecto que BB lhe havia realizado, o qual orçava em € 1.996,50.

A arguida não tinha cheques disponíveis e o pai tinha-lhe recusado auxílio. Perante isto e face à necessidade de entregar um cheque a BB, a arguida tomou a decisão de retirar da casa do seu pai o cheque n.º xxxxxxxx, referente à conta com o n.º xxxxxxxx, da Caixa de Crédito Agrícola, titulada por CC.

Antes de entregar o cheque a BB, a arguida desenhou no impresso do cheque e no local destinado à assinatura do titular da conta, o nome do seu pai, tendo o cuidado de o fazer com a máxima semelhança possível relativamente à assinatura de CC.

Para além disso, a arguida preencheu os demais campos do impresso de cheque, com excepção da data de emissão, o que fez com a sua própria caligrafia. Depois, a arguida encontrou-se com BB e entregou-lhe o cheque preenchido nos termos referidos, dando-lhe ainda a conhecer que o cheque pertencia a uma conta do seu pai.

Decorrido o prazo para pagamento da dívida da arguida para com a “E... T...” a mesma não a liquidou, tendo adiado esse pagamento por diversas vezes.

Face a este comportamento da arguida, BB decidiu apresentar o cheque n.º xxxxxxxx a pagamento, sendo que antes de o fazer preencheu o campo destinado à data, onde colocou a data de “2012.08.03”.

Apresentado a pagamento, em 7 de Agosto de 2012, o montante titulado pelo cheque foi creditado na conta n.º xxxxxxxxx, do Montepio Geral, titulada pela “E... T...”.

A arguida AA sabia que não tinha autorização, nem poderes, para assinar aquele cheque, que estava associado a uma conta para a qual não tinha poderes de movimentação e, não obstante esse conhecimento, não se coibiu de o assinar, como se fosse o titular.

A arguida quando preencheu o cheque sabia que estavam a criar um documento falso, o qual sabia ser transmissível por endosso e, ainda assim, decidiu utilizá-lo como de um documento genuíno se tratasse, tendo-o entregue a BB, que, convencida que estava da autenticidade do cheque, o depositou para crédito na conta da sociedade “E... T...”.

O banco, ao receber aquele documento convenceu-se da sua autenticidade, tendo debitado a  quantia por ele titulada da conta de CC, creditando-a na conta da “E... T...”, com o que determinou um prejuízo patrimonial, no seu valor, para CC.

Mais sabia a arguida que com esta sua actuação colocavam em causa a fé pública que caracteriza este tipo de documentos.

Contudo, nem essa consciência a demoveu de o preencher e utilizar conforme descrito.

II.  Em 14 de Novembro de 2011, a arguida AA, abriu a loja de roupa no Centro Comercial G..., em Coimbra.

 Inicialmente, a arguida conseguiu equilibrar as contas relativas à gerência do estabelecimento, contudo, alguns meses depois da abertura da loja ao público, a arguida começou a acumular dívidas.

Para além disso, em Novembro de 2011, o ex-marido da arguida, decidiu que queria ficar com a guarda do filho de ambos, o qual tinha, à data, 7 anos de idade, contrariando o acordo que até aí vigorava entre eles, e por força do qual repartiam a guarda da criança.

Esta situação veio transtornar ainda mais a arguida, que já se debatia com graves dificuldades económicas. Em datas não concretamente apuradas dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2012, a arguida AA, deslocou-se na companhia de DD, seu namorado à data, à residência do avô deste, o ofendido EE, a qual se situava na Q… F…. do L…, na Estrada Nacional n.º xxx, junto à localidade do Minhocal, em Celorico da Beira.

Nessas visitas que fez à residência de EE, a arguida teve conhecimento da existência e localização de um cofre na cave da casa, tendo-lhe ainda sido transmitido que no seu interior, entre outros objectos, existiam peças de joalharia e um revólver.

Face a estes conhecimentos e devido aos problemas financeiros com que se deparava, a arguida AA tomou a resolução de se apropriar dos objectos que estavam no interior do cofre da casa do avô do seu namorado, os quais tinha intenção de vender, obtendo por esta via quantias monetárias para seu proveito próprio.

Para concretização do seu desígnio, em dia não concretamente apurado do primeiro trimestre de 2012, mas posterior às visitas que fez à casa de EE, a arguida retirou da casa de DD a chave da residência de EE, o que fez sem que o mesmo se apercebesse.

Depois, a arguida AA, contactou com FF, o qual era responsável por uma loja de chaves sita no Centro Comercial D… V…, em Coimbra, questionando-o sobre a possibilidade de abrir um cofre, serviço que necessitava que fosse feito com urgência. Para dar maior credibilidade ao seu plano, a arguida, que se identificou com o nome de S…, informou FF que tinha um cofre de familiares, cujo código de abertura se havia perdido, pelo que pretendia abri-lo, manifestando-se disposta a pagar € 900,00 por esse serviço.

Face à postura e aspecto da arguida, FF acreditou no que a mesma lhe transmitiu e, perante a urgência referida, aceitou realizar o serviço.

 Assim, ainda nesse mesmo dia FF e o colega de trabalho GG, deslocaram-se, juntamente com a arguida AA, à localidade de Celorico da Beira, fazendo a viagem na viatura automóvel Renault Clio, de cor cinzenta, propriedade de FF.

FF seguiu as indicações da arguida e, pelas 22H00 desse dia, chegaram junto da casa de EE, sita na Quinta F… do L….

A arguida dirigiu-se ao portão de acesso à residência, que abriu com recurso à chave que antes havia retirado a DD, tendo depois aberto a porta do compartimento onde estava localizado o cofre, indicando a FF e GG onde o mesmo se encontrava.

FF e GG, com recurso a uma rebarbadora, procederam ao seccionamento e corte de parte do cofre, conseguindo abrir a porta do mesmo, após o que saíram daquele espaço deixando no seu interior a arguida.

A arguida AA procedeu então à retirada dos objectos que se encontravam no interior do cofre, nomeadamente: os seguintes objectos em ouro:

• um anel de homem, em ouro com um rubi incrustado;

• um anel de homem, em ouro, com as iniciais "AL" ou "ASL" gravadas;

• um anel de homem, em ouro, com o escudo da bandeira portuguesa gravado;

• um anel de homem, em ouro, com a fotografia de uma irmã;

• uma corrente de ouro com uma medalha pequena, "mordida";

• dois pares de abotoaduras em ouro, uma quadrada e outra redonda;

• dois alfinetes de gravata em ouro, um com uma pedra vermelha (rubi?) incrustada num molde em forma de flor e outro com uma pedra branca/translúcida;

• uns brincos de ouro com pedras brancas/translúcidas - em um dos brincos faltava uma das pedras;

• um par de argolas de tamanho médio, em ouro trabalhado;

• uns brincos de ouro trabalhado, em formato de "bolinha", tamanho médio, modelo de Viana do Castelo;

• uns brincos de ouro, em formato de flor, de mola;

• uns brincos de ouro, com um pingente terminando em círculo, pintado de azul em toda a volta;

• uma gargantilha em ouro com "bolinhas" separadas por "varetas";

• uma gargantilha em ouro com duas voltas grossas presas nas laterais;

• um fio de ouro comprido (mais ou menos 90 centímetros) e uma medalha grande com a imagem de Nossa Senhora de mãos postas gravada;

• dois anéis em ouro, iguais, com uma pedra grande azul no centro e uma volta em ouro de cada lado, segurando a pedra - comprados no Brasil;

• duas alianças grossas de ouro;

• uma aliança de ouro que abria e tinha gravado o nome "A…." seguido da data 18-11-50;

• um alfinete de ouro em forma de laço, com uma pedra roxa no centro;

e os seguintes objectos e documentos:

• uma carteira de homem, supostamente em pele castanha da marca "Weber", sem quaisquer documentos no seu interior;

• uma pasta de cor castanha, em cartolina, com os dizeres “documentos referentes aos herdeiros, propriedades do espólio do tio J… e D. M…”, contendo diversos papéis e documentos no seu interior;

• uma pasta de cor preta, em plástico, contendo escrituras no seu interior;

• uma pasta de cor azul, em cartolina, sem nada no seu interior;

• uma pasta de cor azul, em plástico, com os dizeres, construções R… de C…, contendo no seu interior um contrato promessa de compra e venda, entre outros documentos;

• uma pasta de cor vermelha, em plástico, da marca continente, contendo diversos documentos no seu interior;

• uma grelha rotativa, devidamente acondicionada em material plástico;

• uma pasta tipo porta documentos, de cor preta, com a inscrição BPM P… de M…, com diversos documentos no seu interior;

• uma pasta de cor vermelha, em plástico, contendo algumas escrituras no seu interior;

• uma pasta de cor verde, em cartolina, com diversos documentos no seu interior;

• um saco de plástico, com asas, de cor vermelha, contendo alguns documentos no seu interior;

• um estojo da barba, de cor preta, contendo diversos utensílios para a barba;

• uma carteira de homem de cor preta e supostamente em pele, da marca "Gold Man", com um papel no seu interior;

• um estojo, tipo porta canetas, preto da marca "Mont Blanc", contendo no seu interior três canetas, uma da marca" Mont Blanc" e duas da marca "Parker".

Para além disso a arguida retirou ainda do cofre um revólver da marca Taurus, de calibre .22, com o n.º de série 37287, o qual se encontrava carregado com uma munição de calibre .22 e guarda num coldre de pele, que a arguida também trouxe consigo.

A arguida acondicionou os objectos acabados de descrever num saco e trouxe-os consigo para Coimbra.

No dia seguinte a arguida deslocou-se à loja 307 do Centro Comercial G..., onde HH tem o seu estabelecimento de compra e venda de ouro e prata, levando com ela as peças de joalharia que tinha trazido do cofre da casa de EE.

Ali chegada a arguida AA exibiu a HH as ditas peças, informando-o de que as pretendia vender, tendo ainda referido que as mesmas lhe pertenciam bem como à irmã, sendo que as tinham recebido de uma herança de família.

HH, que conhecia AA por terem o estabelecimento comercial no mesmo espaço, não desconfiou da proveniência das mesmas, antes dando credibilidade ao que lhe era dito pela arguida quanto à origem daquelas jóias, pelo que decidiu adquirir todas as peças, que avaliou e pesou individualmente. A arguida recebeu de HH, pelas peças de joalharia, o valor global de € 5.800,00.

HH emitiu, por esta transacção, as declarações de venda n.º 26, 27 e 28, tendo pedido à arguida para colocar uma data anterior à da data da venda, nomeadamente do ano de 2011, ao que ela não se opôs.

Com o dinheiro obtido com a venda das peças a arguida fez o pagamento do valor acordado pelo serviço prestado por FF, canalizando o restante para satisfação de necessidades suas.

Quanto aos demais objectos que a arguida trouxe da casa de EE, entre eles a arma de fogo, a arguida guardou-os na sua residência, na altura sita na Avenida E… de M… nesta cidade, escondidos dentro de um saco que colocou no guarda-fatos.

Depois a arguida voltou a colocar as chaves da residência de EE na casa do seu, então, namorado DD.

A arguida AA actuou da forma descrita com o intuito, concretizado, de se apropriar dos bens e valores que encontrasse no cofre da residência do ofendido EE, fazendo-o sempre sem o consentimento e contra a vontade deste.

Na concretização dos seus intentos a arguida estava ciente de que não podia entrar na residência do ofendido com recurso a uma chave que havia retirado às escondidas a DD, assim como tinha conhecimento que os objectos a que pretendia e a que acedeu se encontravam num cofre que estava fechado, dispondo de um sistema de segurança que foi necessário violar.

Sabia ainda a arguida que os objectos que retirou do cofre e trouxe consigo tinham um valor de, pelo menos, € 7.000,00, e que não lhe pertenciam, sendo também do seu conhecimento que actuava sem autorização e contra a vontade do proprietário.

Contudo e apesar deste conhecimento, a arguida não se absteve de adoptar a conduta acabada de descrever.

Os documentos e objectos supra enumerados, com excepção das peças de joalharia e da arma, foram, posteriormente recuperados pela Polícia Judiciária e entregues a EE.

III. No decurso do mês de Junho ou Julho de 2012, a arguida AA, continuava a ter dificuldades financeiras, pelo que, juntamente com o seu filho, foi habitar num quarto de um apartamento de II, sito na Travessa dos C… da G… G…, n.º xx, x .º B, em Coimbra.

A arguida levou com ela para este apartamento o saco que tinha guardado e no qual se encontravam o revólver e os objectos e documentos que antes tinha retirado da residência de EE. Em Agosto de 2012, a arguida AA mantinha a sua loja de roupa aberta ao público, apesar de continuar a acumular dívidas dessa actividade. Contudo, viu na televisão notícias relativas a uma série de assaltos a bancos realizados por um profissional do ciclismo, que, na concretização dos seus roubos utilizava como disfarce, uma sweat com capuz e uns óculos de sol, recorrendo ao uso de uma arma de fogo.

Face a estas notícias, a arguida AA equacionou como possível solução para os seus problemas financeiros o recurso a um expediente idêntico, pelo que realizou inúmeras pesquisas na internet sobre o modo de actuação deste tipo de assaltantes.

Em Setembro de 2012, perante o somatório das dívidas contraídas para com os credores, a arguida AA teve de encerrar definitivamente a sua loja de roupa. Sendo a sua situação financeira muito difícil a arguida decidiu então colocar em prática os conhecimentos que adquirira com as suas pesquisas na internet.

 A arguida AA decidiu assaltar uma loja de ouro, tendo visitado a loja de compra de ouro e prata “V…, Portugal, SA”, existente no piso 2 do Centro Comercial D… V…, em Coimbra, concluindo que seria fácil de assaltar este estabelecimento.

Para a concretização do assalto e como forma de disfarçar a sua identidade, a arguida decidiu utilizar uma peruca de senhora, que encontrou no apartamento onde habitava, a qual pertencia a II, bem como uns óculos de sol e uma camisa de homem.

Assim, no dia 7 de Setembro de 2012, pouco antes das 16H15, a arguida AA vestiu uma camisa de homem e umas calças de ganga, calçou umas socas brancas e colocou a peruca acima referida e uns óculos de sol, tendo saído assim disfarçada da casa onde residia, dirigindo-se, apeada, para o Centro Comercial D... V....

A arguida levava na mão um saco azul, no interior do qual transportou o revólver da marca “Taurus”, que havia retirado da casa de EE.

A arguida entrou no Centro Comercial D... V... e dirigiu-se ao 2.º Piso, aproximando-se da loja de compra de ouro e prata “V…, Portugal SA”.

Quando eram 16H15 e depois de alguns instantes, em que a arguida verificou se estava alguém no interior da loja e se alguém se aproximava da mesma, a arguida entrou no seu interior, onde se encontrava a funcionária JJ, sozinha, sentada na secretária de atendimento a clientes.

A arguida AA, dirigiu-se à secretária e colocou o saco azul sobre a mesma, abrindo-o e retirando do seu interior o revólver Taurus, que tinha no interior uma munição, revólver que apontou, de imediato, à funcionária JJ. Simultaneamente a arguida, com um tom de voz agressivo e sério, disse “Isto é um assalto. Quero tudo, dinheiro e telemóveis”.

Perante esta actuação JJ ficou apavorada e receosa pela sua vida, entregando, de imediato, o telemóvel da marca ALCATEL, modelo OT 213, contendo o cartão Optimus com o n.º xxxxxxx, e o telefone amovível da loja, da marca SAGEM, à arguida, que os colocou dentro do saco azul.

De seguida, JJ entrou num anexo da loja, onde estava um armário no interior do qual estava o cofre, no que foi seguida, de perto, pela arguida, que continuava a apontar-lhe o revólver e a dizer “quero o dinheiro todo”.

JJ abriu o armário e inseriu o código no cofre, que se abriu.

Acto contínuo, JJ retirou desse cofre o dinheiro que lá se encontrava, que totalizava € 1.122,30 em notas e moedas emitidas pelo Banco Central Europeu, e entregou-o à arguida AA.

A arguida, já com o dinheiro na mão, fez sinal a JJ para que lhe entregasse o conteúdo de um maço de envelopes que estavam no interior do cofre, tendo a ofendida exibido o seu interior vazio à arguida, que logo abandonou a loja, guardando o dinheiro e o revólver no saco, dirigindo-se depois para a sua residência.

No caminho de volta a casa, a arguida AA, colocou o telemóvel e o telefone que retirou da loja num caixote do lixo, situado nas imediações no estádio de futebol de Coimbra, tendo os mesmos sido recuperados pouco tempo depois por elementos da PSP.

Já em casa, a arguida AA, guardou no saco azul a peruca, os óculos de sol e a camisa de homem que havia utilizado como disfarce, bem como a arma de fogo Taurus, colocando-o novamente no guarda-fatos do seu quarto.

Com a quantia obtida, que ascendeu aos € 1.122,30, a arguida saldou algumas das suas dívidas para com credores.

Os dois aparelhos retirados da loja, telemóvel e telefone, encontravam-se em bom estado de conservação e teriam um valor não inferior a € 125,00, tendo sido já entregues a JJ, enquanto legal representante da “V…, Portugal SA”.

A arguida agiu de forma livre, consciente, com o propósito conseguido de intimidar a funcionária da loja JJ, levando-a a crer que, caso resistisse, estaria disposta a disparar o revólver que empunhava, para lhe retirar qualquer capacidade de resistência e provocar-lhe ferimentos e até a morte.

A arguida agiu desta forma, com o propósito alcançado, de lhe retirar o telemóvel e telefone bem como todo o dinheiro que esta detinha no estabelecimento, o qual queria integrar no seu património, o que fazia contra a vontade e sem autorização da “V… Portugal, SA”, seu legítimo dono.

A arguida estava ainda ciente de que aquela quantia que lhe foi entregue e de que se apoderou, bem como o telemóvel e telefone, dos quais também se apoderou, não lhe pertencia, não sendo permitida a conduta que adoptava.

IV. Na primeira quinzena do mês de Julho de 2012, a arguida esteve na loja de compra e venda de ouro denominada “O…”, sita no n.º 170, da Rua S… de C…, em Coimbra, propriedade de LL, onde foi atendida por MM.

A arguida apercebeu-se que a referida loja ficava num prédio resguardado.

Assim, face ao sucesso obtido com o assalto à loja “V..., Portugal SA”, a arguida tomou a decisão de realizar novo assalto, desta vez à loja “O…”.

 Na concretização deste plano, no dia 18 de Setembro de 2012, ao início da tarde, a arguida AA, saiu de casa, levando consigo o saco azul que continha no seu interior o revólver da marca Taurus, a peruca, os óculos de sol e a camisa de homem.

A arguida apanhou um autocarro seguindo até à paragem existente junto ao Palácio da Justiça, em Coimbra, dirigindo-se depois, apeada, até ao n.º xxx da Rua S… de C…, prédio onde está localizada a loja de ouro “O…”.

A arguida entrou no prédio e antes de chegar ao primeiro andar, retirou do saco a camisa de homem, que vestiu por cima de um macacão que estava a usar, tendo depois colocou a peruca e os óculos de sol que também levava no saco.

Pelas 16h30 a arguida acedeu ao primeiro andar do prédio e retirou o revólver Taurus do saco, o qual tinha no seu interior uma munição, empunhando-o e entrando desta forma na loja “O…”, onde se encontrava a funcionária NN, sozinha, sentada a uma secretária. Simultaneamente a arguida dizia, com um tom de voz agressivo e sério, “Isto é um assalto. Dá-me o dinheiro. Eu quero dinheiro”.

Perante esta actuação da arguida, NN ficou com receio e temor pela sua vida, pedido para que a arguida não lhe fizesse mal, isto ao mesmo tempo que retirava o dinheiro que se encontrava num cofre que estava junto de si e o colocava na gaveta existente no vidro que separa a zona dos clientes da zona dos funcionários da loja, gaveta essa que se destina a passar objectos e dinheiro de um lado para o outro.

Ao ver a quantia que NN ali colocou a arguida vociferou “Quero mais. Quero mais”, mantendo sempre a arma de fogo apontada à ofendida.

Face a isto, NN retirou o dinheiro que estava numa caixa, dentro do cofre que existia naquela divisão, e colocou-a na gaveta, passando esse dinheiro à arguida, enquanto lhe dizia que não tinha mais dinheiro.

A arguida colocou o dinheiro entregue pela funcionária no saco azul.

Depois, a arguida viu que ali se encontrava um outro cofre e ordenou à funcionária que lhe abrisse a porta de acesso ao lado reservado da loja.

NN com receio da arma de fogo que lhe estava apontada, abriu a porta de acesso ao interior da loja, tendo a arguida entrado naquele espaço, dirigindo-se para o cofre.

NN disse então à arguida que o patrão já tinha levado todo o ouro, tendo a arguida saído daquela loja, fechando a porta e guardando o revólver no saco azul que trazia consigo.

Junto do rés-do-chão do prédio, a arguida AA tirou a peruca, os óculos de sol e a camisa de homem, que guardou no interior do mesmo saco azul.

Seguidamente, a arguida apanhou um autocarro para casa, junto ao Palácio da Justiça.

Já em casa a arguida retirou o dinheiro do saco e guardou-o, com os demais objectos, no guarda-fatos do seu quarto.

Com a quantia obtida, que ascendeu a € 825,00, a arguida saldou mais algumas das suas dívidas para com credores e adquiriu livros escolares para o seu filho.

A arguida agiu de forma livre e consciente, com o propósito conseguido de intimidar a funcionária da loja NN, levando-a a crer que, caso resistisse, estaria disposta a disparar o revólver que empunhavam, para lhe retirar qualquer capacidade de resistência e provocar-lhe ferimentos e até a morte.

A arguida agiu desta forma, com o propósito alcançado, de lhe retirar todo o dinheiro e peças em ouro que esta detinha no estabelecimento, os quais queria integrar no seu património, o que fazia contra a vontade e sem autorização da “O…”, seu legítimo dono.

A arguida estava ainda ciente de que aquela quantia que lhe foi entregue e de que se apoderou não lhe pertencia, não sendo permitida a conduta que adoptava.

Não obstante este conhecimento a arguida procedeu conforme descrito.

V. Perante o sucesso de mais esta investida, a arguida decidiu voltar a fazer um assalto para dessa forma obter mais meios financeiros.

A arguida que já conhecia as instalações da Caixa de Crédito Agrícola, na Rua João Machado, em Coimbra, decidiu então averiguar quais as condições de segurança de tal estabelecimento.

Para tal, no dia 2 de Outubro de 2012, pelas 15H30 e pelas 18H00, deslocou-se às imediações daquela instituição bancária, por forma a perceber qual o número de funcionários que ali se encontrava e os dispositivos de segurança existentes.

A arguida verificou que pelas 18H00 estariam ali menos pessoas, tendo tomado a resolução de ali se deslocar no dia seguinte.

Assim, no dia 3 de Outubro de 2012, a arguida AA, pegou no saco azul que tinha guardado onde colocou um outro saco com uma muda de roupa sua.

Depois, veio com o seu então namorado DD até junto da Câmara Municipal de Coimbra, onde ele a deixou apeada, após o que seguiu em direcção à Rua João Machado, onde se localiza a dependência da Caixa de Crédito Agrícola, levando com ela o saco azul.

Já na Rua João Machado, a arguida entrou no prédio situado no n.º xx, o qual fica em frente à Caixa de Crédito Agrícola, descendo um vão de escadas, até uma zona mais restrita.

Ali, a arguida colocou a peruca e os óculos de sol, tendo aí deixado, dissimulado, um saco com roupa sua, para depois vestir após o assalto, tendo levado com ela o saco azul, no interior do qual tinha o revólver Taurus, com uma munição, um par de luvas de látex e um gorro rudimentar, feito a partir de uns collants de senhora.

Assim disfarçada e quando eram cerca de 18H00, a arguida atravessou a rua e dirigiu-se para as instalações da Caixa de Crédito Agrícola, que ficam no n.º xx, da referida artéria.

A arguida AA dirigiu-se a uma caixa ATM exclusiva para clientes da Caixa de Crédito Agrícola, que fica no exterior à dependência bancária, tendo constatado que no interior da dependência estava uma funcionária que já conhecia.

A arguida AA simulou que a dita caixa ATM tinha engolido o seu cartão, procurando assim ajuda junto da funcionária bancária, tendo para o efeito batido, insistentemente, na porta de entrada do banco.

Face à insistência da arguida e uma vez que a mesma se apresentava com um aspecto cuidado, a funcionária do banco OO, acabou por abrir a porta, de modo a ajudar a suposta cliente. Ao abrir a porta OO apercebeu-se que conhecia a arguida, permitindo-lhe a entrada naquele espaço.

A arguida disse então que tinha o cartão preso na máquina ATM, tendo a funcionária OO pedido uma identificação à arguida para poder resgatar o cartão.

Acto contínuo, a arguida AA retirou o revólver Taurus do saco azul e apontou-o na direcção do peito de OO, isto ao mesmo tempo que lhe dizia, com um tom de voz sério e intimidatório “Isto é um assalto, quero o dinheiro todo.”

Face a este comportamento da arguida, a ofendida OO recuou um pouco, tendo a arguida avançado mais para o interior daquele espaço.

Depois a arguida viu as funcionárias PP e QQ sentadas no interior daquele espaço, tendo-lhes apontado o revólver e dito, de forma séria e agressiva, “Quero os telemóveis e a carteira”.

Nesse entretanto, a mando da arguida, OO correu para as traseiras da caixa ATM 24 – mas daí para a porta que dá acesso ao primeiro andar da Caixa de Crédito Agrícola, tendo-se fechado num gabinete do primeiro andar.

OO, através do visionamento das imagens do sistema interno de videovigilância da Caixa de Crédito Agrícola, verificou que a arguida AA estava a subir ao primeiro andar da dependência bancária, com a arma de fogo em punho, tendo depois voltado a descer as mesmas escadas.

Enquanto isso, PP e QQ fugiram para o exterior do banco, gritando por socorro.

Quando se apercebeu disso, a arguida arrumou a arma de fogo no saco azul e saiu das instalações Caixa de Crédito Agrícola, indo para a Rua João Machado, que atravessou em direcção ao n.º xx.

Contudo, PP e QQ gritaram para as pessoas que estavam na rua “apanhem que é ladrão” apontando a arguida, pelo que quando a mesma estava a atravessar a rua foi apanhada por RR e SS.

Depois a arguida foi conduzida sob detenção, ao rés-do-chão do prédio onde está localizado o Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, onde foi entregue a agentes de investigação criminal da G.N.R., que se encontravam, na altura, no T.I.C., sendo que pelas 18H20 foi entregue aos Agentes da PSP.

No momento da detenção foi apreendido à arguida AA, o saco de cor azul, que continha no seu interior o revólver da marca “Taurus”, de calibre .22, e com o n.º de série 37287, carregado com uma munição de calibre .22, uma peruca, uns óculos de sol, um cartão de débito emitido pelo B.E.S., parte de uns collants de senhora de cor preta, e um par de luvas de látex.

No dia 4 de Outubro de 2012, a arguida consentiu que fosse realizada uma acção de busca à residência onde morava, na Travessa dos C… da G… G…, xx, x.º B, em Coimbra, onde foram apreendidas as seguintes peças de vestuário e objectos: uma camisa de homem de cor azul; umas calças de ganga azul; um macacão; umas socas brancas e um coldre castanho.

Antes de ir à sua residência a arguida indicou aos Inspectores da Policia Judiciária onde tinha deixado o saco com as chaves de casa, tendo se deslocado à Rua J… M…, n.º xx, onde estava um saco com roupa e um par de sapatos da arguida, o telemóvel, uns óculos de sol, um cartão e as chaves da arguida, os quais foram apreendidos.

A arguida não levou qualquer bem ou valor da dependência da Caixa Agrícola de Coimbra, muito embora, no seu interior existissem quantias de dinheiro guardadas de valor superior a 100 unidades de conta, bem como equipamentos de valor não concretamente apurado, mas superior a essas mesmas 100 unidades de conta.

A arguida também não ficou com o telemóvel e a carteira da ofendida PP, bens que tinham um valor não concretamente apurado, nem com o telemóvel e a carteira da ofendida QQ.

A arguida ao actuar da forma descrita quis entrar na agência bancária da Caixa de Crédito Agrícola, quando a mesma se encontrava encerrada ao público, o que fez com a intenção de se apoderar dos valores monetários que ali se encontravam, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que a eles não tinha direito, para além de que actuava contra a vontade dos seus donos.

Para concretizar os seus intentos a arguida utilizou uma arma, que se encontrava devidamente municiada e em perfeitas condições de funcionamento, arma essa que apontou à funcionária do banco OO, bem como a PP e a QQ, agindo de tal modo que as levou a acreditar que as suas vidas corriam perigo caso não acatassem os desejos da arguida. A arguida utilizou de forma consciente e deliberada aquela arma, que sabia funcionar como meio suplementar de intimidação, o que lhe permitiria mais facilmente concretizar os seus objectivos.

A arguida só não concretizou os seus propósitos porque as pessoas que se encontravam no local, de forma pronta a impediram e detiveram.

VI. A arguida AA retirou da casa de EE e deteve na sua posse até ao dia 4 de Outubro de 2012, utilizando-o nas circunstâncias acima descritas, o revólver da marca “Taurus”, de calibre .22 Long Rifle (equivalente a 5,6mm no sistema métrico), com o n.º de série 37287, carregado com uma munição de calibre 22 Long Rifle (equivalente a 5,6mm no sistema métrico), de marca CBC (ambos de origem brasileira).

Este revólver mede 185mm e tem acção dupla, podendo funcionar em acção simples ou acção dupla, um sistema de percussão lateral e indirecta, alimentado por um tambor basculante, com 6 câmaras, com extracção manual e simultânea, dotado de uma ranhura de mira e ponto de mira fixo, com rampa serrilhada.

O revólver acabado de descrever, que a arguida deteve consigo durante vários meses e que utilizou nos assaltos acima descritos, só pode ser detido por pessoas que sejam titulares de licença de uso e porte de arma de classe C.

Porém, a arguida não é titular de licença de uso e porte de arma de fogo de qualquer categoria.

A arguida bem sabia que não era titular de licença e uso de porte de arma, assim como sabia que a detenção daquele revólver carecia de tal licença, pelo que tinha perfeito conhecimento que não lhe era permitido deter e usar aquela arma.

Não obstante esse conhecimento a arguida não se coibiu de a deter e utilizar nos termos supra descritos.

A arguida agiu sempre de forma livre, consciente e deliberada, com pleno conhecimento de que as condutas por si adoptadas eram proibidas e punidas por lei.

b) Do pedido cível:

O demandante tem 85 anos e é pai de TT, sendo que aquele passa com a sua mulher, UU, parte do ano no Brasil e outra em Portugal - sendo respectivamente avô e mãe de DD, actualmente com 31 anos de  idade, o qual manteve uma relação de namoro com a arguida, antes e depois da prática dos actos  referidos em  II), e sem ter conhecimento desses actos.

O demandante, sua filha e neto referidos têm a mesma residência em Coimbra, designadamente na Rua da P… da C…, nº xxx, e aquele possui ainda a casa de habitação mencionada em II) na localidade de M..., Celorico da Beira.

A arguida e DD iniciaram uma relação de namoro a partir de 2009, tendo a relação terminado na sequência da detenção da arguida.

Iniciado o namoro, passaram a conviver de forma regular com a proximidade própria de um casal de namorados, frequentando os mesmos lugares e apresentando-se como tal quer a familiares quer a amigos, sendo facto de todos conhecido.

Não obstante não partilharem a mesma casa, a partir do início do namoro, frequentavam, sem restrições a casa de cada um, situação que se foi normalizando à medida que o tempo passava e a relação perdurava.

DD tinha a confiança normal que cada membro de um casal tem no respectivo namorado ou namorada, pelo que a arguida se movia livremente no interior da casa do primeiro quando aquele aí a levava e tinha livre acesso a todos os seus pertences - incluindo todo o tipo de objectos  pessoais.

DD transmitira à arguida o conteúdo do cofre e que os seus avós - entre os quais  EE - se achavam  no Brasil e só regressariam algures no Verão.

O demandante adquirira por compra, herança, e doação os referidos objectos peças de joalharia e após aquisição sempre as tem usado e guardado na sua residência em Celorico da Beira, nomeadamente no cofre violado pela arguida.

A arguida vendeu os objectos de joalharia a valor de aquisição para fundição.

Tratava-se de objectos antigos, com mais de 30 anos.

O valor real da peças era superior aquele efectivamente pago pela testemunha HH à arguida - sendo seguramente não inferior a € 7000,00 o seu valor de mercado - tanto mais que aquele foi o valor dado para fundição.

Pretendendo a arguida liquidez o mais rapidamente possível, é natural que tenha acedido vender por preço muito inferior ao real.

Todos os bens encerravam inestimável valor afectivo para o demandante, pois trata-se de objectos que simbolizam momentos muito importantes quer da vida dos antepassados, da sua mulher, quer da sua própria vida.

A situação provocou desgaste emocional na pessoa do demandante, com impacto na sua saúde - sendo motivo de consternação e sofrimento que dificilmente qualquer compensação económica pode atenuar.

Tudo o que o casal do demandante e esposa pôde conquistar e adquirir ao longo da vida foi resultado exclusivo do seu trabalho árduo no Brasil para onde emigraram no início de vida, sem nada e onde puderam construir a sua vida de forma exemplar - o que era do conhecimento da arguida.

A arguida pôde comprovar em primeira mão o desgosto e tristeza do demandante durante todo o período após o crime.

Ao saber da identidade do autor dos factos, ficou em choque, psicologicamente arrasado, num estado de grande sofrimento, tendo passado várias noites sem dormir e apresentando sinais de trauma psicológico com o sucedido.

c) Da contestação cível e crime

A arguida sofre de depressão reactiva.

Está arrependida, envergonhada pela actuação.

A arguida pretendeu apenas levar consigo o dinheiro que se encontraria no banco, preocupa-se em seguir a funcionária do banco, não dando atenção a QQ e PP, o que lhes permitiu abandonar as instalações, não chegando a fazer qualquer movimento no sentido da entrega de carteiras e telemóveis.

d) Das circunstâncias pessoais e familiares da arguida:

A arguida AA efectuou o seu processo de crescimento integrada no contexto familiar de origem, constituído pelos progenitores e uma irmã mais nova, o qual parece ter tido lugar num ambiente intra-familiar normativo, com valorização de práticas educativas consistentes e com proximidade afectiva.

O pai, trabalhava como motorista nos SMTUC, em Coimbra e a mãe como empregada doméstica em casas particulares, tendo também sido empresária, na área da restauração. O agregado era ainda apoiado, pelos avós paternos da arguida, detentores de uma padaria, o que permitia beneficiar de uma situação económica mais confortável.

Iniciou a escolaridade em idade normal, revelando-se uma aluna regular e sem problemas disciplinares, havendo no entanto referência a algumas reprovações. Após a conclusão do 9.º ano de escolaridade frequentou o curso de formação profissional de animadora sócio-cultural, com equivalência ao 12.º ano, no ITAP (Instituto Técnico Artístico e Profissional de Coimbra), tendo obtido bom desempenho.

Na adolescência participou em actividades desportivas e culturais (natação, musica, karaté e hipismo), sendo o seu círculo de amigos constituído por jovens da sua idade e classe social, que frequentaram os mesmos estabelecimentos de ensino e da área de residência. Não lhe são conhecidos, para além do tabagismo, outros hábitos aditivos, assim como a adopção, no passado, de comportamentos desajustados ou ilícitos.

Durante a frequência do referido estabelecimento de ensino (ITAP), a arguida conhece e inicia uma relação afectiva com o também formando, VV. Já após ter terminado o curso, na sequência de divergências como os progenitores, aquela abandona o agregado familiar de origem e passa a viver em união de facto com o namorado. Deste relacionamento, de cerca de 11 anos, o casal teve um filho, actualmente com 7 anos de idade.

 Após o nascimento da criança a relação do casal agravou-se acabando por dar origem à separação. Apesar desta ocorrência e do menor ter ficado na altura, por comum acordo, aos cuidados da mãe, as questões relacionadas com a sua educação potenciaram, até ao presente, a existência de conflitos entre ambos.

Em 2010, encetou uma nova relação afectiva, a qual terá surgido na sequência do convívio entre amigos em comum de ambos. Após a sua detenção no âmbito dos presentes autos o então companheiro decidiu terminar o relacionamento. Em termos profissionais, AA, exerceu funções de animadora sócio-cultural na associação Integrar e posteriormente em infantários, creches e na escola primária de C..., em Coimbra.

Posteriormente, e durante vários anos, viria a trabalhar, por conta de outrem, em lojas de vestuário.

Em 2010, não obstante a opinião contrária dos familiares e outras pessoas da sua confiança, decide estabelecer-se por conta própria, na mesma área de actividade, tendo-se candidatado junto do Centro de Emprego a um projecto para a criação do próprio emprego o qual viria a concretizar-se com a abertura de uma loja de vestuário no centro comercial “G…-S…”.

A arguida encontra-se desde 04 de Outubro de 2012 sujeita à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, cujos termos vem cumprindo positivamente sem registos de anomalias ou violações, realçando-se a preocupação que tem revelado na observação das obrigações a que está sujeita.

A sua execução tem vindo a decorrer na residência dos pais, local onde a arguida voltou a residir desde o início do presente processo judicial. O relacionamento entre os coabitantes (pai e mãe) é considerado estável e coeso, com sentimentos de entreajuda, situação extensível a outros familiares (irmã, tios e primos), que a visitam regularmente e apoiam. Recebe ainda a visita de alguns amigos, antigas clientes e ex-patrão.

AA conta com a permanência, embora de forma descontínua, do seu filho naquele espaço habitacional, o que juntamente com o apoio psíquico que tem vindo a receber contribui para um maior equilíbrio emocional.

No meio residencial onde tem vindo a cumprir a medida de coacção e decorreu o seu processo de socialização, não há indicadores de rejeição à sua presença, sendo detentora de um bom relacionamento com os vizinhos, onde é descrita como uma pessoa meiga e respeitadora, sem que lhe sejam conhecidos outros contactos com o sistema da justiça ou comportamentos desajustados.

Também no local onde se estabeleceu como empresária em nome individual (centro comercial G…-S…, em Coimbra), a globalidade das fontes contactadas, caracterizaram a arguida como uma pessoa educada, bastante sociável e generosa. Destaca-se o gosto por uma imagem cuidada, a exibição de indicadores de bom nível de vida (frequência de salões de beleza destinados a um estatuto social alto, aquisição de vestuário e calçado dispendiosos) e uma sociabilidade intensa.

O período que antecedeu a prática dos factos pelos quais se encontra acusada é marcado por uma fase de grande instabilidade emocional, originada pelas dificuldades económicas referentes às dividas que foi acumulando com o funcionamento do seu estabelecimento comercial, e pelo facto do seu ex-companheiro pretender retirar-lhe a guarda do filho de ambos.

A existência destas dificuldades, em particular o não querer reconhecer/aceitar o insucesso do seu negócio, a incapacidade em prosseguir com o nível de vida que se havia habituado a manter, e a sua renitência/orgulho face a um eventual pedido de ajuda, terão sido os factores que fomentaram a prática pela arguida dos factos constantes nos presentes autos.

Economicamente, encontrando-se profissionalmente inactiva, é apoiada pelos progenitores, sendo que a satisfação das necessidades básicas se encontram devidamente asseguradas.

Na reestruturação do seu projecto de vida, AA apesar das dificuldades, mercê da indefinição da sua actual situação jurídica, verbaliza como prioridade, trabalhar na área da sua formação (animadora sócio-cultural), onde refere possuir uma oferta concreta de trabalho e continuar a residir naquele meio sócio-residencial com o seu agregado familiar de origem.

O presente processo é vivenciado por AA de forma ansiosa, receando as consequências que possam advir do mesmo.

O presente processo teve implicações na sua vida pessoal, nomeadamente ao nível económico e em particular no campo social, uma vez que a imagem positiva que sempre possuiu se encontra agora algo debilitada.

O processo de desenvolvimento de AA parece ter decorrido num contexto familiar equilibrado, do ponto de vista afectivo e material, pautado pela interiorização de regras e normas socialmente aceites.

Evidencia competências sociais e comportamento assertivo o que lhe tem permitido beneficiar de uma boa imagem a nível familiar e social, independentemente da sua actual situação jurídica. A capacidade autocrítica, o apoio da família, a sua intenção em permanecer junto dos pais no meio comunitário onde se processou o seu desenvolvimento, a afectividade que demonstra em relação ao filho e a perspectiva de reintegração profissional na área da sua formação assumem-se como factores relevantes tendo em vista a sua reinserção social.

Em função do exposto, no juízo dos Srs. Técnicos de Reinserção social, não parecem existir preocupações de natureza de prevenção especial; no entanto, “a este nível poderão eventualmente ser tidas em conta algumas características do seu funcionamento individual, que em determinados contextos, poderão proporcionar comportamentos menos ponderados”.

Apresentou em audiência um pedido de desculpas a todos os ofendidos.

Sofre de depressão reactiva, sendo seguida em consulta externa de Psiquiatria no HSCid desde 19-2-2013.

e) Dos antecedentes criminais e vinculação processual

A arguida é primária.

A arguida encontra-se desde 04 de Outubro de 2012 sujeita à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, cujos termos vem cumprindo positivamente sem registos de anomalias ou violações, realçando-se a preocupação que tem revelado na observação das obrigações a que está sujeita.


Passemos então à apreciação das questões colocadas pela recorrente.


Crime de falsificação


Entende a recorrente que a falsificação do cheque que lhe é imputada não é punível, porque serviu de instrumento para a prática de um crime de burla, relativamente ao qual houve desistência de queixa do ofendido (seu pai), pelo que, havendo concurso aparente entre os crimes de falsificação e de burla, deve ser absolvida do crime de falsificação.

Provou-se (nº I da matéria de facto) que a recorrente se apropriou de um cheque em branco pertencente a seu pai e que o assinou, imitando a assinatura do titular, entregando-o depois como garantia de uma dívida a terceiro, que, por a dívida não ter sido liquidada, o apresentou a pagamento, sendo efetivamente pago pelo banco, em prejuízo do titular da conta, o pai da arguida.

A conduta da arguida era subsumível aos crimes de falsificação (art. 256º, nºs 1, a), c) e e), do CP) e de burla (art. 217º, nº 1, do CP). Contudo, o pai da arguida não quis procedimento criminal contra ela pelo crime de burla, sendo o processo arquivado quanto a esse crime, nos termos dos arts. 217º, nº 4, e 207º, a), do CP, mas prosseguindo pelo crime de falsificação, pelo qual a recorrente foi condenada.

Pretende ela que, existindo concurso aparente entre aqueles crimes, quando a falsificação funciona como crime-meio da execução da burla, deve considerar-se também extinta a responsabilidade criminal pelo crime de falsificação.

A questão da relação entre estes dois tipos criminais tem suscitado polémica na doutrina e na jurisprudência. Contudo, recentemente, foi fixada jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça (aliás reafirmando jurisprudência já anteriormente estabelecida) no sentido da existência de concurso efetivo entre os dois crimes. Trata-se do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 10/2013, de 5.6.2013, publicado no DR, I, de 10.7.2013, que tem a seguinte redação:

A alteração introduzida pela Lei nº 59/2007 no tipo legal de crime de falsificação previsto no art. 256º do Código Penal, estabelecendo um elemento subjetivo especial, não afeta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de fevereiro de 1992 e 8/2000, de 4 de maio de 2000, e nomeadamente a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do art. 256º, nº 1, a), e do art. 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes.

Tratando-se de jurisprudência muito recente, não há qualquer motivo para a reconsiderar.

E, sendo efetivo o concurso de crimes, e não aparente, como pretende a recorrente, a extinção do procedimento criminal quanto a um deles (a burla) não implica a extinção quanto ao restante. Assim, subsiste o crime de falsificação imputado à arguida.

Mas considera ela, subsidiariamente, que a pena a aplicar deveria ser a de multa, e não a de prisão. Efetivamente o crime de falsificação é punido em alternativa com prisão ou multa, e deve dar-se preferência à pena de multa, desde que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º do CP).

Porém, no caso, as finalidades da punição, sobretudo em termos de prevenção geral e especial, não ficariam salvaguardadas com a aplicação de uma pena de multa. Por um lado, a falsificação de cheques, que são um meio de pagamento, constitui uma conduta grave, pela perturbação que causa no comércio jurídico. Por outro lado, a conduta da arguida revela uma atitude de evidente indiferença pelos valores tutelados pelo direito, atitude essa que viria a acentuar-se no seu percurso subsequente.

Por fim, quanto à medida da pena de prisão, tendo esta sido fixada em 1 ano, sendo a moldura de 1 mês a 3 anos, a medida considera-se adequada.

Quanto à suspensão da pena, trata-se de questão que só pode ser analisada em sede de pena conjunta.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.


Crime de furto qualificado


Não contestando os factos, defende a recorrente que a pena fixada é excessiva, devendo beneficiar de atenuação especial.

Os factos referentes a este crime (nº II da matéria de facto) revelam, porém, uma ilicitude muito acentuada, e uma notável capacidade de organização e preparação do crime, a par de uma progressiva indiferença pelos valores jurídicos e até pelos mais elementares valores éticos: a idealização do plano para “assaltar” a residência do avô do namorado, a preparação metódica do crime, com a apropriação subreptícia da chave, a “contratação” dos técnicos que iriam arrombar o cofre, iludindo-os quanto ao caráter ilícito da atuação, a apropriação de objetos cujo valor ascendeu a cerca de € 7.000,00, e de uma arma de fogo, que se revelaria útil para os propósitos futuros da arguida.

Para além da violação da confiança estabelecida com o namorado, impressiona o rigor da preparação e da execução do crime, incluindo o recurso a técnicos habilmente enganados pela arguida para obter o arrombamento do cofre.

Sustenta a arguida o pedido de atenuação especial da pena no arrependimento sincero demonstrado em julgamento. É evidente que, por muito sincero que seja esse arrependimento, é muito pouco para justificar a atenuação especial da pena, que só se justifica quando existam circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude, a culpa ou a necessidade da pena (art. 72º, nº 1, do CP).

Na realidade, nenhuma circunstância atenua, pelo menos acentuadamente, a gravidade da conduta apurada, que se revela, ao invés, extremamente grave. Nem em termos gerais a pena admite qualquer redução, sob pena de lesão irreparável dos interesses da prevenção geral.

Improcede também nesta parte o recurso.


Crimes de roubo consumados


Considera a recorrente que foi violado o princípio non bis in idem, ao ser condenada por crime de roubo agravado pelo porte de arma e simultaneamente pelo crime de detenção de arma proibida, daí concluindo que os crimes de roubo devem ser desagravados para o tipo simples previsto no nº 1 do art. 210º do CP.

A arguida foi efetivamente condenada por dois crimes de roubo agravados pela circunstância prevista na al. f) do nº 2 do art. 204º do CP: trazer, no momento do crime, arma aparente ou oculta. E foi ainda condenada por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c) e d), do (RJAM).

Haverá concurso aparente entre os dois tipos legais: roubo agravado e detenção da arma? A resposta é negativa. O concurso entre eles é efetivo.

Na realidade, o critério fundamental de distinção entre unidade e pluralidade de crimes é o da identidade do bem jurídico protegido, havendo portanto pluralidade de crimes quando existe pluralidade de bens violados.

Considera-se pacificamente na doutrina que existe concurso aparente entre os crimes de perigo abstrato e os crimes correspondentes de dano. Ponto é que o crime de dano absorva na totalidade a proteção do bem jurídico tutelado pelo crime de perigo; por outras palavras, quando a punição do crime de dano esgote a proteção concedida pelo crime de perigo abstrato[1].

Ora, o âmbito de proteção do crime de detenção de arma proibida é muito amplo, visando abranger uma pluralidade de bens jurídicos, desde a vida e a integridade física à propriedade e a bens jurídicos sociais e de ordem pública. A punição do roubo cometido com arma não esgota portanto a proteção visada com a punição da detenção da mesma arma.

Não há portanto concurso aparente entre os dois tipos de crimes, antes concurso efetivo entre o roubo agravado pelo uso da arma e a detenção da arma, não havendo lugar à desagravação dos crimes de roubo.

Quanto à medida das penas, para as quais a arguida pede a atenuação especial, dir-se-á que as condutas apuradas são particularmente graves (ver ponto III da matéria de facto). Não houve, é certo, violência física, mas tal tornou-se desnecessário, dada a eficácia intimidativa do comportamento da arguida sobre as pessoas, empunhando a arma e ameaçando com o seu uso. O que importa realçar é, mais uma vez, a capacidade demonstrada pela arguida para engendrar meticulosamente um plano criminoso, chegando a pesquisar na internet as informações adequadas à prática dos crimes, e sobretudo a sua capacidade de execução, revelando uma invulgar ousadia, determinação, sangue-frio e autodomínio, ao atuar sozinha, executando com rigor o plano preparado.

Nenhuma circunstância atenuativa se provou, para além do arrependimento, que, como atrás se disse, é insuficiente para servir de fundamento à atenuação da pena, ou mesmo sequer para a reduzir, em termos gerais.

As condutas apuradas, pelas suas características, impõem fortíssimas exigências de prevenção geral, e também de prevenção especial, dada a capacidade revelada pela arguida de preparação e execução de crimes de roubo, com eficácia e determinação.

Nenhuma censura merece pois a decisão recorrida também nesta parte.


Crime de roubo tentado


Relativamente ao crime de roubo tentado, defende a recorrente que a conduta não é punível, nos termos do art. 24º do CP, por ter havido desistência da intenção criminosa.

Os factos correspondentes estão expostos no nº V da matéria de facto. Em resumo, a arguida dirigiu-se a um estabelecimento de crédito e, à semelhança do que fizera nos anteriores casos de roubo atrás tratados, ameaçou a funcionária e intimou-a a entregar-lhe o dinheiro disponível; apercebendo-se da presença de outras funcionárias, ameaçou-as igualmente com a arma. Contudo, a arguida não conseguiu impedir que essas outras funcionárias fugissem para o exterior e pedissem socorro. Ao aperceber-se disso, a arguida saiu das instalações, sem que se tivesse apoderado de qualquer quantia, e procurou afastar-se imediatamente do local, mas foi detida por populares, alertados pelas mesmas funcionárias.

Estabelece o art. 24º do CP:

1. A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime.

2. Quando a consumação ou a verificação do resultado forem impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.

Prevê este artigo, no nº 1, 1ª parte, a desistência da tentativa inacabada (abandono da prossecução do crime), sendo então a tentativa não punível. Necessário é, porém, para o preenchimento da previsão legal, não só que o agente deixe de prosseguir a ação e que a consumação não sobrevenha (situação objetiva), como ainda a convicção do agente de que a interrupção da execução não levará à consumação do crime (situação subjetiva)[2].

A desistência tem que ser voluntária, sendo essa a razão de ser do seu valor em termos de impunibilidade da conduta[3]. Voluntariedade que significa que o agente renuncia à conduta, apesar de poder previsivelmente prossegui-la com êxito até à consumação. Se a desistência resultar de circunstâncias diferentes, como a constatação da dificuldade ou impossibilidade de consumação do crime, já não estamos no plano da desistência, nem consequentemente da impunidade da tentativa.

Regressando aos factos, constata-se de imediato que a arguida não prosseguiu a conduta, não porque abandonasse o seu propósito, não porque se desinteressasse da apropriação de valores, apesar de poder conseguir esse objetivo, mas sim e exclusivamente porque tal objetivo se tornou manifestamente impossível, quando a arguida se apercebeu de que já havia sido pedido socorro para o exterior. A arguida não “desistiu” voluntariamente, mas sim para evitar ser detida, para fugir, o que aliás fez tarde de mais…

Sendo assim, a sua conduta constitui manifestamente uma tentativa de roubo agravado, pela detenção e exibição da arma, valendo aqui as considerações anteriores quanto à existência de concurso efetivo entre o crime de roubo e o de detenção de arma proibida.

Quanto à pena, são completamente inconsistentes as razões invocadas para a atenuação especial, valendo também aqui os considerandos expostos quanto aos crimes de roubo consumado.


Unificação dos crimes de roubo numa continuação criminosa


Defende de seguida a arguida que os crimes de roubo, consumados e tentado, integram um único crime, sob a forma continuada. Argumenta que se verifica a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime, num curto espaço de tempo (um mês), sendo a execução homogénea, e levada a cabo por solicitação de uma mesma situação exterior, não sendo os bens em causa eminentemente pessoais.

Essa solicitação resultaria de ter visto notícias na televisão relatando assaltos à mão armada com sucesso por parte de pessoas com dificuldades financeiras, o que a levou a fazer pesquisas na internet sobre o modus operandi de tais ações, e ainda do facto de ter uma arma em sua casa, que trouxe da casa do avô do namorado, conforme se referiu atrás. Foi esse conjunto de factos, “exteriores”, no entender da recorrente, conjugados com as dificuldades financeiras, que a motivaram para a prática de roubos, cujo sucesso inicial a estimulou a continuar, “não lhe sendo exigível que procedesse de outra forma” [sic].

É com alguma incredulidade que se lê esta última afirmação, como aliás as anteriores, mas já lá iremos.

Nos termos do nº 2 do art. 30º do CP, “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”

São, pois, elementos do crime continuado: a realização plúrima de condutas violadoras do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das mesmas; a existência de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

É este último requisito o núcleo do crime continuado (a menor exigibilidade) a razão de ser do tratamento privilegiado que recebe em termos punitivos. Insistindo: é a forte mitigação da culpa que fundamenta a unificação criminosa e consequentemente a fixação de uma única pena para uma pluralidade de condutas ilícitas.

No caso dos autos, é manifesto que não sucedem os pressupostos do crime continuado, nomeadamente a menor exigibilidade. Na verdade, nenhum fator de ordem externa estimulou a arguida para a prática criminosa, pelo menos em termos de diminuição da culpa. A arguida pode ter-se deixado influenciar pelas notícias que davam conta do êxito de “assaltantes” solitários de bancos e estabelecimentos comerciais e daí partir para a “pesquisa” na internet de informações sobre o modus operandi. Mas esse comportamento não é suscetível de ser valorado positivamente pelo direito, antes pelo contrário. Essa atitude não revela uma diminuição da culpa, antes uma inclinação criminosa mais forte, uma culpa mais intensa.

Na realidade, não há uma solicitação exterior, há, sim, uma atitude interior que rapidamente parte para a preparação, com pesquisa de informação “especializada”, de um projeto criminoso a partir da audição ocasional de informações avulsas e destinadas a um público generalizado (espetadores de televisão).

Valorar positivamente tal atitude, ou seja, considerar tal atitude como uma situação de diminuição da culpa, seria evidentemente inverter a lógica da punição, premiando com uma atenuação da pena quem se mostra mais sensível na receção de estímulos perversos, e se revela especialmente hábil na idealização de projetos criminosos.

Também as alegadas dificuldades financeiras se mostram completamente irrelevantes em termos de mitigação da culpa, não só porque tais dificuldades acumuladas mostram provavelmente alguma incapacidade de gestão da vida profissional e pessoal, não constituindo portanto fatores completamente “exteriores” à responsabilidade da arguida, mas sobretudo porque o direito não pode aceitar como desculpa para a prática de crimes de ilicitude tão intensa a alegação de dificuldades financeiras por parte de quem não se encontra sequer numa situação de indigência ou de carência absoluta de meios para sobreviver (a arguida vive com os pais, tem a sua ajuda e a da restante família). Tinha pois o dever de agir de outra forma, que não recorrendo à prática criminosa.

Excluída está, pois, rotundamente qualquer possibilidade de subsunção dos factos à figura do crime continuado, relativamente aos crimes de roubo.


            Crime de detenção de arma proibida


Pretende a arguida que seja escolhida a pena de multa, em detrimento da pena de prisão, a qual, a manter-se, não deverá, em seu entender, ser superior a 1 ano de prisão.

           O crime em referência é efetivamente punido em alternativa com prisão ou multa, tendo o tribunal recorrido optado pela de prisão.

           Recorda-se que a lei manda aplicar preferencialmente a pena de multa, em tais casos, mas apenas se satisfizer os fins das penas.

Contudo, no caso dos autos, a escolha da pena de multa não satisfaria os interesses preventivos, quer gerais, quer especiais.

        Por um lado, em termos de prevenção geral, a disseminação das armas constitui atualmente um dos grandes problemas e perigos da sociedade de hoje, sendo fonte incontestável do incremento da criminalidade violenta.

          Quanto à prevenção especial, é notório que a detenção da arma, de que se apoderou ilicitamente em casa do avô do namorado, serviu à arguida, logo que congeminou o projeto de prática do primeiro roubo, como instrumento essencial para a sua execução.

É pois evidente que os fins preventivos das penas sairiam irreparavelmente lesados com a escolha da pena de multa, que se seria claramente insuficiente para os salvaguardar.

            Improcede também esta questão.


            Pena conjunta


Estabelece o art. 77º, nº 1, do CP que o concurso é punido com uma pena única, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. E o nº 2 acrescenta que a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares (não podendo ultrapassar 25 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares.

Como é unânime, consagra este preceito um sistema de pena conjunta, que respeita a autonomia das penas parcelares, partindo delas para a fixação de uma moldura penal, construída através do cúmulo jurídico daquelas, no quadro da qual será fixada a pena única.[4]

A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71º do CP); e ainda a um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua interrelação. Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação indagará se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de caráter fortuito, não imputável a essa personalidade.

A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios rígidos, com fórmulas matemáticas ou abstratas de fixação da sua medida. Como em qualquer outra pena, é a justiça do caso que se procura, e ela só é atingível com a criteriosa ponderação de todas as circunstâncias que os factos revelam, sendo estes, no caso do concurso, avaliados globalmente e em relação com a personalidade do agente, insiste-se.

            Analisemos então o caso dos autos.

É inquestionável a gravidade objetiva dos crimes praticados pela arguida. De realçar a escalada rápida que caracterizou a sua atividade criminosa (da falsificação aos sucessivos roubos, passando pelo furto qualificado), uma atividade criminosa que só foi interrompida com a detenção da arguida, sendo previsível que continuaria se se repetissem os “êxitos” anteriores.

A arguida revelou uma personalidade deformada, facilmente captável pela sugestão da obtenção de dinheiro “fácil” para manter um certo nível de vida a que se habituara, ainda que tivesse que recorrer a meios ilícitos, mesmo que arriscados. Não mostrou sequer sensibilidade aos valores familiares, já que falsificou a assinatura e lesou financeiramente o próprio pai, e “assaltou” a casa do avô do namorado.

Mostrou também um grande engenho no planeamento dos diversos crimes, preparados com cuidado e reflexão.

Agiu com invulgar sangue-frio e audácia perversa na execução dos crimes de roubo, atuando sozinha, sem apoio de outrem.

Não tendo embora antecedentes criminais, a arguida revelou uma personalidade que não recua perante a prática criminosa se tal se mostrar necessário à satisfação dos seus objetivos.

A favor da arguida apenas se provou a confissão, pouco relevante, e o arrependimento, que foi considerado sincero pelo tribunal recorrido.

Contudo, na ponderação global de factos e personalidade, de pouca relevância se reveste essa atenuante.

As exigências preventivas são muito elevadas, quer as de ordem geral, no que se refere aos crimes de roubo, de furto, e de detenção de arma proibida, pela proliferação, danosidade e censura social deste tipo de condutas, quer as de natureza especial, tendo em conta a personalidade deformada que a arguida revelou.

Qualquer redução da pena conjunta constituiria uma lesão evidente e intolerável dos interesses preventivos.

Tendo em conta a medida da pena conjunta, esta não é suscetível de suspensão, por força do art. 50º, nº 1, do CP.

            Improcede, pois, inteiramente o recurso interposto.

            III. Decisão


            Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.

            Vai a recorrente condenada em 5 UC de taxa de justiça.

           

Lisboa, 6 de fevereiro de 2014

Maia Costa (relator) **

Pires da Graça


[1] Sobre esta matéria, ver Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 2ª ed., p. 1000.
Na jurisprudência, ver, a título de exemplo, os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça:
de 27.5.2010, proc. nº 474/09.4PSLSB.L1.S1 (Cons. Henriques Gaspar); de 30.6.2010, proc. nº 99/09.4GGSNT.S1 (Cons. Armindo Monteiro); e de 10.11.2010, proc. nº 145/10.9JAPRT.P1.S1 (Cons. Raul Borges).
[2] Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 738-739.
[3] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 732.
[4] Sobre esta matéria, por todos, Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 283-292.