Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAUL BORGES | ||
Descritores: | RECURSO PENAL INFRACÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO INFRAÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO MORTE PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECLAMAÇÃO DUPLA CONFORME REVISTA EXCEPCIONAL REVISTA EXCECIONAL NULIDADE COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA OMISSÃO DE PRONÚNCIA CULPA DO LESADO QUESTÃO NOVA DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANOS REFLEXOS DANO MORTE LEGITIMIDADE ACTIVA LEGITIMIDADE ATIVA LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO | ||
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Data do Acordão: | 03/09/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO. DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS. | ||
Doutrina: | -Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, II volume, Indemnização dos Danos Corporais, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Edições Almedina, SA, Fevereiro, 2007; -Delfim Maya de Lucena, Danos não patrimoniais, com o subtítulo Danos não patrimoniais - O Dano da morte, Interpretação do artigo 496.º do Código Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, p. 9, 66 e 72. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), 400.º, N.º 1.ALÍNEA E) E 425.º, N.º 4. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 7.º, N.º 1. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 495.º, N.º 3 E 496.º, N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 25-01-2012, PROCESSO N.º 360/06.0PTSTB.E1.S1; - DE 14-02-2013, PROCESSO N.º 6374/05.0TDLSB.L1.S1; - DE 24-09-2013, PROCESSO N.º 294/07.0TBETZ.E2.S1, IN CJSTJ 2013, TOMO III, P. 55; - DE 12-11-2014, PROCESSO N.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; - DE 26-11-2014, PROCESSO N.º 957/96.4JAFAR.E3.S1; - DE 30-04-2015, PROCESSO N.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1, IN CJSTJ 2015, TOMO I, P. 190/2 E SUMÁRIOS ABRIL 2015, P. 51; - DE 14-10-2016, PROCESSO N.º 160/12.8GAPNI.C1.S1; - DE 17-12-2016, PROCESSO N.º 366/13.2TNLSB.L1.S1; - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 17 DE MARÇO DE 1971, PROCESSO N.º 33.142; - ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2009, DE 18 DE FEVEREIRO DE 2009, PROCESSO N.º 1957/08, DA 3.ª SECÇÃO, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 55, DE 19-03-2009; - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 13/2016, DE 7 DE JULHO DE 2016, PROCESSO N.º 2314/0TAMTS-D.P1-A.S1, DA 5.ª SECÇÃO, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 193, DE 7-10-2016 E CJSTJ 2016, TOMO II, P. 12 A 20. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 442/2012, DE 26 DE SETEMBRO, PROCESSO N.º 618/11, DA 3.ª SECÇÃO, IN DR, 2.ª SÉRIE, N.º 222, DE 16-11-2012. | ||
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Sumário : | I - O regime resultante da actual redacção da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos proferidos em recurso pelas relações que apliquem (ou confirmem) pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos de prisão. No caso foi confirmada a pena não privativa de liberdade aplicada na 1.ª instância, sendo a confirmação integral, ou seja, estamos perante uma dupla conforme total. II - A natureza da pena cominada, a que no caso se alia a identidade de decisão nas duas instâncias, impede a recorribilidade da decisão, pelo que, ficam de fora do âmbito de apreciação do presente recurso qualquer questão relativa ao crime de infracção de regras de construção proposta pelos recorrentes, bem como a alegada nulidade por composição do tribunal (estivesse em causa tão só a perspectiva criminal). III - É entendimento maioritário do STJ que se aplicam subsidiariamente as normas do processo civil aos recursos sobre os pedidos cíveis interpostos em processo criminal. Tendo em conta o disposto no art. 5.º, n.º 1 e a norma transitória prevista no art. 7.º, n.º 1, da Lei 41/2013, de 26-06, numa interpretação a contrario, conclui-se que o regime de (in)admissibilidade dos recursos previstos no CPC aplica-se aos processos pendentes em 01-09-2013 e desde que as acções tenham sido instauradas após 01-01-2008. IV - É o caso dos presentes autos, na medida em que a acção cível (enxertada) foi instaurada depois de 01-01-2008 (concretamente em 16-06-2009) e o acórdão da relação de que se recorre foi proferido depois de 01-09-2013 (mais exactamente em 02-06-2015). Pelo que se aplica o regime da dupla conforme vertido no art. 671.º, n.º 3, do CPC, na redacção introduzida pela Lei 41/2013, de 26-06. V - Decisão recorrida é o acórdão da relação e não a sentença da 1.ª instância; a revista excepcional pressupõe uma dupla conforme e esta só se alcança com o acórdão recorrido. O recorrente X pretende sindicar a decisão de 1.ª instância, em termos que não fez aquando do anterior recurso, sede adequada e pertinente para o efeito. Não pode ser objecto de revista excepcional matéria que não foi colocada à apreciação do tribunal da relação. VI - O tema da culpa do lesado, tema agora trazido a debate pelo recorrente X, não foi presente ao tribunal de recurso, não havendo pronúncia sobre tal ponto e muito menos, obviamente, dupla conforme. Trata-se, pois, de questão nova, sendo que os recursos se destinam a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas. VII – A preclusão do conhecimento pelo STJ de questões não suscitadas perante a relação, apenas sofre as restrições advindas da natureza da questão levantada quando a sua apreciação deva ou possa fazer-se ex officio. Se no recurso ordinário, a questão nova não é de conhecer, estejamos no domínio do processo penal ou civil, naturalmente não pode ser fundamento para revista excepcional, pois só agora a questão foi invocada. VIII – A nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, nos termos do art. 425.º, n.º 4, do CPP, preenche-se com a falta de pronúncia sobre questão que devia ser apreciada. No caso o tribunal da relação pronunciou-se relativamente à única perspectiva trazida a debate pelo recorrente – a pretendida falência do substrato fáctico – pelo que não houve omissão de pronúncia, não se verificando nulidade. IX - Diferente é a posição dos recorrentes A e H, os quais invocam a relevância jurídica e relevância social. Nesta vertente colocam a questão da ilegitimidade activa dos demandantes defendendo ser caso de litisconsórcio necessário activo, cuja violação conduz a absolvição da instância. X - Em princípio, titular do direito a indemnização é apenas o sujeito directa ou imediatamente lesado pelos danos resultantes da violação, o titular dos bens imediatamente afectados pelo facto danoso. O terceiro, que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado com a violação do direito do lesado directo está, em princípio, forma do círculo dos titulares do direito à indemnização. XI – Excepcionalmente, a indemnização, no que se reporta aos danos patrimoniais, pode caber também (no caso de lesão corporal), ou apenas (no caso de morte) a terceiros, e no que tange a danos não patrimoniais, no caso de morte da vítima, apenas a terceiros, sendo os arts. 495.º, n.º 3 e 496.º, n.º 2, do CC, justamente esses casos excepcionais. Como decorre do art. 496.º, do CC, a indemnização pelo dano morte é concedida conjuntamente e de forma sucessiva aos grupos de familiares ali indicados. Há quem extraia da norma uma situação de litisconsórcio necessário activo, identificando outros uma regra de direito material que não impede uma actuação ut singuli. XII – O direito a indemnização pelo dano morte é um direito originário, não havendo que proceder a habilitação de herdeiros. A ausência da lide de um outro filho do falecido, pai dos demandantes, não determina ilegitimidade por infracção das regras do litisconsórcio necessário, que se não aplicam no caso. | ||
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Decisão Texto Integral: |
No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, com o n.º 582/05.0TASTR, do então 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..., foram submetidos a julgamento os arguidos: - AA, casado, ..., nascido a …, em ... - ... e residente na Rua …, n.º …, …, em ... - Lisboa; - BB, casado, nascido a …, em ... - Rio Maior e residente na Rua …o, n.º …, na ... - ....
O Ministério Público, em 18-05-2009, após determinar o arquivamento dos autos quanto à sociedade arguida “CCª Lda.”, entendendo ser de aplicar o regime concretamente mais favorável à arguida, por os factos terem ocorrido na vigência da anterior redacção do Código Penal – 30 de Maio de 2005 – sendo que pela Lei n.º 59/2007, de 4-09, com a nova redacção do artigo 11.º, n.º 2, do Código Penal, foi consagrada a responsabilidade criminal das pessoas colectivas, deduziu acusação, de fls. 308 a 314 do 2.º volume, imputando-lhes a prática, a cada um, de um crime de infracção de regras de construção, p. e p., à data dos factos, nos artigos 277.º, n.º 2, por referência ao n.º 1, alínea a) e 285.º, ambos do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro.
DD, EE, ambos residentes na Rua …, n.º …, FF, solteiro, maior, residente na rua …, n.º …, e GG, solteiro, maior, residente na Rua …, n.º …, todos na ..., ..., apresentaram em 16 de Junho de 2009 requerimento, por fax, fazendo fls. 337 a 346, e original de fls. 351 a 360 do 2.º volume, onde deduziram pedido de indemnização civil, ao abrigo do disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, contra: AA, BB, CC, Lda., sociedade por quotas, com sede em ..., ..., e HH - Companhia de Seguros S.A., com sede na Rua …, n.º …, Lisboa. Os demandantes, filhos do sinistrado II, que faleceu no estado de solteiro, pediram a condenação destes a pagarem-lhes, solidariamente, a quantia total de 121.660,00 euros, a título de danos morais e patrimoniais, acrescida dos respectivos juros legais, desde a notificação até integral pagamento. Aquele total abrangia três parcelas, sendo duas respeitantes a danos não patrimoniais e a última a danos patrimoniais, na vertente de danos emergentes, a saber: Dano perda do direito à vida - quantia não inferior a 60.000,00 €; Dano não patrimonial próprio de cada um dos filhos, dano desgosto, em quantia não inferior a 15.000,00 €, para cada um, no montante global de 60.000,00 €; e, E dano patrimonial emergente a indemnizar o prejuízo de roupas, que ficaram inutilizadas, no valor total de 160,00 €. *** O arguido/demandado AA deduziu contestação à acusação e ao pedido de indemnização civil, de fls. 465 a 475, para além do mais, invocando a ilegitimidade dos demandantes nos artigos 46 a 54, por preterição do litisconsórcio necessário, levando à sua absolvição da instância. A demandada CC, Lda. deduziu contestação ao pedido de indemnização civil, de fls. 494 a 504, do 2.º volume, para além do mais, invocando a ilegitimidade dos demandantes, igualmente, em registo simultâneo com o anterior, nos artigos 46 a 54, por preterição do litisconsórcio necessário, devendo levar à sua absolvição da instância. O arguido BB deduziu contestação à acusação de fls. 525 a 535. O mesmo BB, agora na qualidade de demandado deduziu, de forma autónoma, contestação ao pedido de indemnização civil, de fls. 538 a 535, dizendo nos artigos 32 a 39, falecer legitimidade processual aos demandantes, por faltar como demandante um outro filho do finado, autor no âmbito de acção laboral, convocando igualmente o artigo 2091.º do Código Civil, por o pedido dizer respeito a direitos relativos a herança, violando o litisconsórcio necessário, expressamente previsto nos artigos 28.º, n.º 1 e 29.º do CPC, pedindo a absolvição da instância, nos termos do artigo 288.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Contestou ainda o pedido, a demandada HH - Companhia de Seguros S.A., de fls. 553 a 555, afirmando ter-se conciliado com JJ, único filho do falecido a reunir as condições de beneficiário legal no âmbito da legislação infortunística laboral, pedindo a sua absolvição do pedido. *** Os demandantes vieram apresentar resposta à excepção de ilegitimidade, de fls. 584 a 587, pedindo seja declarada a sua improcedência. Por não estar prevista resposta à contestação não foi a mesma recebida conforme despacho ditado para a acta de julgamento de 21-9-2010, conforme fls. 630-1. *** Realizado o julgamento, que teve lugar ao longo de catorze sessões e após adiamentos da leitura de sentença de 7 para 15 e para 22 de Setembro, por sentença de 27 de Novembro de 2011, constante de fls. 968 a 990, do 4.º volume, depositada no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 993, foi decidido: 1) - Condenar cada um dos arguidos AA e BB, pela prática, em autoria material, de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 285.º, todos do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de dezoito meses de prisão; 2) - Suspender a execução das penas de prisão pelo período de dezoito meses, nos termos do artigo 50.º do Cód. Penal; 3) - Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido por DD, FF, EE, e GG, contra, AA, BB, CC, Lda., e HH - Companhia de Seguros S.A., e, em consequência: A) Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade dos Demandantes na acção de indemnização deduzida nestes autos pelos Demandados Arguidos e CC, Lda.; B) Absolver do pedido a Demandada HH - Companhia de Seguros S.A.; C) Condenar solidariamente os Demandados AA, BB, CC, Lda., a pagarem a cada um dos autores DD, FF, EE, e GG a quantia de 10.000 euros, e em conjunto a estes a quantia de 60.000 euros, quantias acrescidas de juros de mora à taxa de 4 % ao ano desde a data da presente sentença até integral pagamento; D) Condenar solidariamente os Demandados AA, BB, CC, Lda., a pagarem aos demandantes a quantia em que importar o ressarcimento dos danos emergentes consistentes no valor das peças do vestuário botas calças e camisa da vitima que ficaram destruídas em consequência da derrocada da parede que o vitimou, que vier a liquidar-se em momento ulterior. *** Inconformados com o assim decidido recorreram os arguidos AA, conforme fls. 1006 a 1102 do 4.º volume, a demandada CC. Lda., de fls. 1007 a 1198 do 5.º volume e BB, por fax de fls. 1204 a 1258 e original de fls. 1265 a 1319 do 5.º volume. Os demandantes responderam aos recursos interpostos de fls. 1328 a 1386 e o Ministério Público na Comarca de ... respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos, conforme fls. 1387 a 1455 do 5.º volume. Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 1457 do 6.º volume, o qual foi notificado apenas à demandada seguradora, que havia sido absolvida, sendo os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Évora em 9-05-2012, sendo distribuídos ao Desembargador Proença da Costa, como consta do selo de distribuição aposto na capa do 6.º volume. Por os sujeitos processuais não terem sido notificados da admissão dos recursos, por despacho do Desembargador relator de 12-06-2012, a fls. 1471 do 7.º volume, foi ordenada a remessa dos autos à 1.ª instância, para a notificação em falta. Suprida a lacuna na comarca, de fls. 1473 a 1477, o processo voltou ao Tribunal da Relação de Évora. *** Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 30 de Outubro de 2012, constante de fls. 1522 a 1574, do 7.º volume, foi deliberado: 1 - Julgar improcedente a questão prévia suscitada, considerando-se interposto, em tempo, o recurso trazido pelo arguido/recorrente BB; 2 - Julgar improcedentes as nulidades suscitadas pelo arguido/recorrente AA; 3 - Anular a sentença recorrida para que o Tribunal recorrido reformule a decisão sobre a matéria de facto, completando-a com a indicação das provas que lhe permitiram dar como provados e não provados os factos e o seu exame crítico.
*** Recebido o processo na Comarca, em obediência ao acórdão da Relação, veio a ser proferida a sentença de 21 de Março de 2013, constante de fls. 1598 a 1622 do 7.º volume e depositada no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 1626, que decidiu: A) - Condenar cada um dos Arguidos AA, e BB pela prática em autoria material de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2, e 285.º, todos do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de dezoito meses de prisão; B) - Condenar os Arguidos individualmente em taxa de justiça de duas U. C. e no pagamento das Custas do processo, e bem assim como a pagar 1% da taxa de justiça fixada nos, termos do art.º 13 n.º 3 do D.L. n.º 423/91, de 30/10. Atendendo a que os arguidos estão socialmente inseridos ao tempo decorrido desde a prática dos crimes, fica ao tribunal a convicção de que a mera censura dos factos e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar os Arguidos da prática de futuros crimes, mormente desta natureza, e satisfazer as necessidades de prevenção e reprovação criminais, pelo que decide-se suspender a execução das penas de prisão em que os Arguidos acabam de ser condenados pelo período de dezoito meses, nos termos do artigo 50.º, do Código Penal. 2. Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido por DD, FF, EE, e GG, contra, AA, BB, CC, Lda., e HH - Companhia de Seguros S.A., e, em consequência: A) Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade dos Demandantes na acção de indemnização deduzida nestes autos pelos Demandados Arguidos e CC, Lda.; B) Absolver do pedido a Demandada HH - Companhia de Seguros S.A.; C) Condenar solidariamente os Demandados AA, BB, CC, Lda., a pagarem a cada um dos autores DD, FF, EE e GG a quantia de 10.000 euros, e em conjunto a estes a quantia de 60.000 euros, quantias acrescidas de juros de mora à taxa de 4 % ao ano desde a data da presente sentença até integral pagamento; D) Condenar solidariamente os Demandados AA, BB, CC, Lda., a pagarem aos demandantes a quantia em que importar o ressarcimento dos danos emergentes consistentes no valor das peças do vestuário botas calças e camisa da vitima que ficaram destruídas em consequência da derrocada da parede que o vitimou, que vier a liquidar-se em momento ulterior; E) Condenar os Demandantes e Demandados, no pagamento das custas do pedido de indemnização na proporção do decaimento.
*** A demandada civil CC. Lda., inconformada com o decidido, interpôs recurso, conforme fls. 1631 a 1728 do 8.º volume. Igualmente inconformado, o arguido BB interpôs recurso de fls. 1838 a 1914 do 8.º volume. Também inconformado o arguido AA interpôs recurso, conforme fls. 1730 a 1833 do 8.º volume, em termos muito similares ao da sociedade demandada. *** Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 1916 do 8.º volume. *** Respondeu a Magistrada do Ministério Público na Comarca de ... ao recurso interposto pelos arguidos AA e BB, conforme consta de fls. 1923 a 1990 do 9.º volume, não apresentando resposta ao recurso da demandada por se reportar apenas a matéria cível, como explicita na peça de fls. 1991.
Os demandantes civis DD, FF, EE e GG vieram responder aos recursos interpostos pelos arguidos/demandados civis, como consta de fls. 1992 a 2048 do 9.º volume, pedindo a manutenção da sentença recorrida.
Os autos foram remetidos em 19-08-2013 ao Tribunal da Relação de Évora para distribuição, ut fls. 2053 do 9.º volume, dando entrada em 22 seguinte, conforme carimbo aposto na capa do 9.º volume. *** Como consta do selo aposto no canto inferior direito da capa do 9.º volume, sob o registo n.º 105703 - 582/05.0TASTR.E2., os autos foram distribuídos em 6-09-2013 ao Desembargador Proença da Costa. Com a mesma data de 6-09-2013 foi elaborado o termo de apresentação e exame de fls. 2054 do 10.º volume. *** A Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer, como consta de fls. 2056 a 2062 do 10.º volume. *** O Exmo. Desembargador Proença da Costa, por despacho de 15-10-2013, a fls. 2063, ordenou o cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP. *** Sobre conclusão de 11-11-2013, o Desembargador relator juntou em 26 de Novembro de 2013, o despacho de fls. 2076/7, começando por afirmar que entrados os autos no Tribunal foi elaborado termo de apresentação a exame a fls. 2054 “sem que tenha tido lugar a sua distribuição, vindo a ser conclusos ao anterior relator”. Entende não poder ser aplicada a nova solução dada pela Lei n.º 20/2013, de 21-02, qua alterou o artigo 379.º, n.º 3, do CPP, ao caso concreto, não só por a anulação ter ocorrido no âmbito da lei anterior – 30-10-2012 – como a nova decisão prolatada o ter sido no tempo de vigência da nova lei, concluindo que os autos deviam ser distribuídos, tendo ordenado a baixa do processo e sua remessa à distribuição. *** Redistribuído o processo, em 29-11-2013, conforme fls. 2078/9 e selo da 3.ª capa do 10.º volume, ao Desembargador Martinho Cardoso, este em despacho de 10-12-2013, fazendo fls. 2081/4, defendendo que a data que interessa para a aplicação do n.º 3 do artigo 379.º do CPP é a de 6-09-2013, declara-se incompetente para conhecer dos novos recursos interpostos pelos arguidos no processo, considerando competente para o fazer o anterior relator. Transitado o despacho, o Desembargador Martinho Cardoso proferiu em 28-01-2014 o despacho de fls. 2089, ordenado que os autos voltem ao Desembargador Proença da Costa, após lhe serem distribuídos de novo.
Após remessa em 31-01-2014 - fls. 2090 - seguiu-se redistribuição em 3-02-2014 ao Desembargador Proença da Costa - cfr. selo da 2.ª capa do 10.º volume Sobre conclusão de 6-02-2014, seguiu-se despacho de 18-02-2014, a fls. 2092/3, a ordenar “a remessa dos autos ao Sr. Juiz titular do Processo, em resultado da distribuição que teve lugar no seguimento do despacho de 26 de Novembro de 2013”.
Seguiu-se remessa para nova redistribuição, conforme fls. 2094, realizada no mesmo dia 21-02-2014, conforme selo em baixo à direita da 1.ª capa do 10.º volume, sendo relator o Desembargador Martinho Cardoso. Na sequência de despacho “Ao M.º P.º”, de 25-02-2014, a fls. 2095, segue-se em 18-03-2014, requerimento da Exma. Procuradora-Geral Adjunta a introduzir conflito negativo de competência - fls. 2098 a 2103. *** Por decisão do Exmo. Presidente da Relação de Évora de 6 de Junho de 2014, constante de fls. 2127 a 2132, foi resolvida “a divergência no sentido de o processo ser distribuído ao mesmo relator o Exmo. Juiz Desembargador Senhor Dr. José Felisberto C. Proença da Costa”, tendo o despacho transitado em julgado em 4 de Julho de 2014, conforme certidão de fls. 2126. *** Sobre conclusão de 1-09-2014, o Relator em 23 de Setembro de 2014 elabora o despacho de fls. 2134 a 2139 (10.º volume), começando por afirmar entender não poder ter lugar a instauração de qualquer conflito, primeira razão para que se não possa obedecer ao despacho, e a outra razão prende - se com a aplicação da lei processual no tempo, que não seria a lei vigente à data em que o processo está para ser distribuído, invocando o AUJ n.º 4/2009, de 18-02-2009 e o AUJ n.º 5/2013, de 17-01-2013 e o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/2009, de 26-05-2009, concluindo que, “Divergindo a decisão em apreço da jurisprudência fixada obrigatória para os tribunais judiciais, não há que acatar a predita decisão, atento o que se diz no art.º 445.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen. E a impor reacção por parte do M.P., como bem decorre do que se dispõe no art.º 446.º do mesmo compêndio adjectivo, mormente, seu n.º 2”.
Este despacho foi notificado por via postal registada emitida em 24-09-2014 aos mandatários dos arguidos/demandados e demandada, como consta de fls. 2141 e 2142 e ao Ministério Público por termo nos autos de 25-09-2014, a fls. 2143. *** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Évora em 18-11-2014 apresentou o requerimento de fls. 2146/7, dirigido ao Desembargador relator, onde dá nota de que tendo o despacho do Presidente da Relação transitado em 4-07-2014, os autos apenas em 25-09-2014 lhe foram presentes, nesse dia terminando o prazo para eventualmente accionar os meios facultados no artigo 446.º, n.º 2, do CPP, relativamente a tal despacho. E isto tendo já em consideração o prazo consignado no artigo 107.º, n.º 5, do CPP referido ao artigo 139.º, n.º 5 do CPC, correspondendo ao artigo 145.º, n.º 5 do anterior Código e considerando válida a doutrina constante do AFJ n.º 5/2012, publicado no Diário da República n.º 98, de 21-05-2012 (acréscimo de 3 dias úteis sem pagamento de multa ou emissão de declaração a manifestar a intenção de praticar o acto no prazo). Finaliza, adiantando dúvidas não poderem restar de que o despacho de fls. 2134 a 2139 [de 23-09-2014] ter igualmente transitado em julgado, sendo insusceptível de recurso. *** Seguiu-se nova redistribuição em 18-11-2014 ao relator primitivo, conforme fls. 2148/9 e selo à esquerda em baixo da capa do 10.º volume.
*** Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2 de Junho de 2015, constante de fls. 2153 a 2213, foi deliberado negar provimento aos recursos trazidos pelos recorrentes BB, AA e CC, Ldª., e, em consequência, confirmar, in tottum, a sentença recorrida. *** O arguido e demandado civil AA e a demandada civil CC Lda. deduziram reclamação para a conferência, nos termos do artigo 123.º do CPP, quanto ao vício de irregularidade de não interposição de recurso obrigatório para o Supremo Tribunal de Justiça, por parte do M. P. junto da Relação, tendo em atenção a violação invocada da uniformização da jurisprudência fixada com carácter de obrigatoriedade (feita no despacho de 23-09-2014), e só por via daquele recurso e na procedência do mesmo, sendo possível aplicar e restabelecer a validade da jurisprudência fixada, pedindo a anulação do acórdão proferido em 2-06-2015, indo os autos com vista ao Ministério Público para ser dado cumprimento ao disposto no artigo 446.º, n.º 2, do CPP, com referência à decisão proferida pelo Exmo. Desembargador Presidente da Relação de Évora de 6-06-2014 e ao despacho de 23-09-2014 do Exmo. Desembargador Proença da Costa, tudo conforme fls. 2220 a 2223, e original de fls. 2224 a 2227 (10.º volume). *** A fls. 2229, em 24-06-2015, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, reiterando o já afirmado, esclareceu que os autos lhe foram presentes no dia em que terminava o prazo para, eventualmente, accionar os meios facultados no artigo 446.º, n.º 2, do CPP, tendo já em consideração o prazo consignado no artigo 107.º, n.º 5, do CPP, pelo que nada tinha a requerer. *** Apreciando a predita reclamação, na decisão do Desembargador relator de 14-07-2015, fazendo fls. 2231 a 2236-A do 10.º volume, começa este por afirmar não caber reclamação para a conferência, mas antes despacho do relator, dizendo depois: “Por não ter sido exercitado, em tempo, o direito ao recurso, consolidou-se na ordem jurídica - com a formação de caso julgado formal - a decisão do Sr. Presidente deste Tribunal, nada mais restando ao aqui relator que passar a conhecer do processo, dando andamento aos seus regulares termos, de onde se destaca o lavrar de pertinente Acórdão, como ocorreu a 2 de Junho de 2015”. E após afirmar que os impetrantes estão a violar o princípio da lealdade processual e o princípio da boa-fé processual, invocando o acórdão do TC n.º 429/95, citado no acórdão de 29-04-2009, no processo n.º 77/00.9GAMUR.S1-3.ª, indefere a pretensão deduzida pelo arguido e demandado civil AA e pela demandada CC Lda. ***
O arguido e demandado civil AA e a demandada civil CC Lda., “não se conformando com a parte do douto Acórdão proferido em 02/06/2015, relativamente à indemnização civil”, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a sua admissão como de Revista Excepcional, apresentando a motivação de fls. 2242 a 2276, e em original de fls. 2277 a 2311, do 11.º volume, que remataram com as seguintes conclusões: 1ª No então, 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ... foram intentados os presentes autos de processo comum (Tribunal Singular) com o n.º 582/05.OTASTR, onde são arguidos, AA e BB, também demandados civilmente, assim como a sociedade CC, Lda. 2ª Nestes autos foi proferida douta sentença através da qual foram os arguidos, AA e BB, pela prática em autoria material de um crime de infracção de regras de contratação, aprovado pelo resultado, que visto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 277 n.º 1 alínea a) e n.º 2 e 285, todos do Código Penal vigente à data da prática dos factos em meses de prisão, suspendendo-se a execução da pena de prisão pelo período de dezoito meses. 3ª Julgar parcialmente procedente, por provado o pedido de indemnização deduzido por DD, FF, EE e GG, contra AA, BB, CC, Lda. E HH - Companhia de Seguros, S.A. 4ª Condenar solidariamente os Demandados, AA, BB, CC, Lda., a pagarem a cada um dos Autores atrás referidos, a quantia de 10.000 euros e em conjunto a estes a quantia de 60.000 euros, quantias acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a data da presente sentença até integral pagamento. 5ª Todos estes sujeitos processuais interpuseram recurso desta sentença, pelo que os autos subiram ao Tribunal da Relação de Évora, onde foi proferido douto acórdão relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Senhor Doutor José Proença da Costa, que decidiu anular a sentença recorrida, a fim de o Tribunal recorrido reformular a decisão nos termos consignados no mencionado acórdão. 6ª Proferida nova decisão na l.ª instância, foram interpostos recursos da mesma para o Tribunal da Relação de Évora, onde os autos foram distribuídos ao mesmo Distinto Relator, que decidiu remeter os autos à distribuição, por inaplicabilidade do artigo 379 n.º 3 do C.P.P., com a versão derivada da Lei 20/2013, de 21/02. 7ª Os aludidos autos foram, então, distribuídos, ao Exmo. Juiz Desembargador, Senhor Doutor João Martinho de Sousa Cardoso, que se declarou incompetente para conhecer dos novos recursos interpostos, por inaplicabilidade daquela disposição legal, ordenando que os autos voltassem ao Exmo. Juiz Desembargador Senhor Doutor José Pereira da Costa, que os remeteu ao Exmo. Juiz Desembargador Senhor Doutor José Martinho de Sousa Cardoso, que os enviou ao Ministério Público, que veio a requerer a resolução da divergência entre os dois Distintos Juízes Desembargadores, através do Exmo. Juiz Desembargador, Presidente do Tribunal da Relação de Évora. 8ª Em 06/06/2014, foi proferida douta decisão pelo Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Évora, defendendo a aplicação aos presentes autos do artigo 379 n.º 3, na redacção introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro, resolvendo a divergência no sentido de o processo ser distribuído ao mesmo relator, o Exmo. Juiz Desembargador Senhor Doutor José Felisberto C. Proença da Costa. 9ª Em 23/09/2014, este último Exmo. Juiz Desembargador, veio a proferir douto despacho, invocando o caso julgado formal, tendo em conta o despacho de fls. 2089, onde se constata o caso julgado de fls. 2080 a 2084, faltando um dos pressupostos para que pudesse ter lugar o predito conflito de jurisdição de competência. 10ª Defendendo este último Distinto Desembargador, ainda, a inaplicabilidade do artigo 379 n.º 3, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro, invocando também em favor da sua tese, o Acórdão uniformizador da jurisprudência n.º 5/2013, de 17 de Janeiro Diário da República, l.ª Série - n.º 33 de 15 de Fevereiro de 2013, onde esse entendimento no domínio do processo contra-ordenacional, foi alargado o seu âmbito a todas as situações em que esteja em causa a aplicação das normas recursais, jurisprudência essa, seguida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/2009, de 26 de Março. 11ª Concluindo-se nesse douto despacho de 23/09/2014, atrás mencionado: "Divergindo a decisão em apreço da jurisprudência fixada nesses Arestos, jurisprudência para os Tribunais Judiciais, não há que acatar a predita decisão, atento o que se diz no art 445 n.º 2 do Cód. Proc. Pen.. E a impor a reacção por parte do M.P., como bem decorre do que se dispõe no art. 446 do mesmo compêndio adjectivo, mormente, seu n.º 2." 12ª O douto Acórdão recorrido datado de 02/06/2015, notificado, recentemente, aos Recorrentes, foi subscrito pelo Exmo. Juiz Desembargador da Relação, Senhor Doutor José Proença da Costa, sendo certo que não se mostra resolvido o diferendo existente entre este Distinto Magistrado e o Exmo. Juiz Desembargador, Presidente do Tribunal da Relação de Évora, não tendo os Recorrentes sido notificados de qualquer decisão nesse sentido. 13ª E daí que os ora Recorrentes, tivessem, oportunamente, deduzido Reclamação para a Conferência, nos termos do artigo 123 com vista ao artigo 446 n.º 2 (parte final) do C.P.P., requerendo a anulação do dito Acórdão de 02/06/2015 e os autos irem com vista ao M.P., junto da Relação de Évora, para que seja dado cumprimento ao disposto no artigo 446 n.º 2 (parte final), fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 14ª Semelhante situação, que ainda hoje se mantém, adensa as dúvidas de quem deverá ser o legítimo Desembargador Relator, porquanto tal divergência apenas poderá ser decidida pela intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, mediante recurso obrigatório a interpor pelo M.P. junto do Tribunal da Relação. 15ª O que afecta, decisivamente, o douto Acórdão proferido em 02/06/2015 pelo Tribunal da Relação de Évora, na medida em que se mostram preenchidos os requisitos da nulidade insanável prevista no artigo 119 alínea a) com referência ao artigo 419 n.º 1 ambos do C.P.P., tendo em conta que o Exmo. Juiz Desembargador, Senhor Doutor José Proença da Costa, não acatando a decisão do Exmo. Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Évora, impôs o recurso obrigatório da Digníssima Magistrada do M.P. junto deste Tribunal da Relação, por força do art. 446 n.º 2 (parte final) do C.P.P. a quem os presentes autos deverão ir com vista para tal efeito. 16ª Daí que a Conferência, salvo o devido respeito, fosse composta ao arrepio do art. 419 n.º 1 do C.P.P., por um Distinto Juiz Desembargador Relator, que se auto-excluiu de tais funções, de onde resultou a sua falta de legitimidade de poder jurisdicional para relatar e subscrever o douto Acórdão de 02/06/2015, o que constitui uma nulidade insanável, arguida a todo o tempo e de conhecimento oficioso (art. 119 n.º 1 e art. 419 n.º 1 do C.P.P.). 17ª No tocante ao recurso ora interposto nos termos do artigo 432 n.º 1 alínea b) com referência ao artigo 400 n.º 2 e 3, ambos do C.P.C., e artigos 672 n.º 1 alíneas a) e b) e 674 n.º 1 alíneas a) e b), ambos do C.P.C., aplicáveis por força do artigo 4.º do C.P.P., e por não se conformarem com a decisão condenatória proferida, na parte da indemnização civil, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que confirmou por unanimidade o julgado em 1.ª Instância, sendo que tal capacidade é impeditiva da Revista normal ou Revista regra. 18ª De onde flui que os Recorrentes tiveram de lançar mão da Revista Excepcional, invocando o disposto na alínea a) relevância jurídica e na alínea b) relevância social, do n.º 1 do art. 721 do anterior C.P.C., cumprindo desta forma, o ónus previsto no actual 672 do C.P.C. 19ª Reportada a duas questões - a questão da qualificação judicial de herdeiro do Autor da herança, vítima mortal do acidente de trabalho e prova documental de tal qualificação e obrigatoriedade de a pedido de indemnização civil ser intentada por todos os herdeiros do falecido, devidamente habilitados em tal qualificação, verificando-se, logo à partida, a falta de um dos filhos, do conhecimento do Tribunal, o que deveria ter originado a absolvição da instância dos Demandados. 20ª O que apesar de ter sido requerido em ambas as contestações dos Recorrentes, não foi aceite pelo Tribunal, que absolveu os Demandantes de tal excepção de ilegitimidade, o que foi confirmado pela 2.ª Instância. 21ª Intimamente ligada a esta situação processual, surge a aplicação do artigo 496 n.º 2 do Cód. Civil, quanto aos danos não patrimoniais, mantendo-se divergentes interpretações, sendo que tais danos não patrimoniais deverão ser entendidos como sujeitos às regras da sucessão, o que está intimamente ligado ao litisconsórcio necessário activo (art. 35 do C.P.C.) e as regras previstas no artigo 2091 n.º 1 e 2166 do C. Civil, com referência aos vários grupos de beneficiários aí hierarquizados. 22ª Nas contestações dos ora Recorrentes em 1ª Instância, juntaram certidão do processo n.º 410/05.TTSTR, do Tribunal do Trabalho de ..., intentada por KK, companheira da vítima, por si e em representação de seu filho, maior, doente mental, JJ, contra HH - Companhia de Seguros, S.A. e CC, Lda. 23ª Neste processo houve transacção homologada por douta sentença, realizada em 20/05/2009, onde foi reconhecido que “em virtude de não haver indícios de o acidente ter ocorrido por violação de regra de segurança, dizendo-se também na transacção que a Ré, CC, Lda. aceitou a caracterização do acidente como acidente de trabalho, não aceitando pagar qualquer quantia a título de indemnização, porque se encontravam cumpridas todas as condições de trabalho e segurança da vítima. 24ª Ora, não obstante, o Tribunal de Trabalho de ..., ser o materialmente competente para dirimir os conflitos resultantes dos acidentes de trabalho (artigo 85 n.º 1 alínea c) com referência aos artigos 17 n.º 1 e 18 n.º 2 da L.O:F.T.J.), o certo é que nem a sentença da l.ª Instância, nem o Acórdão da 2ª Instância, objecto deste recurso, levaram isso em consideração, relativamente à sentença do Tribunal do Trabalho, junta a este processo e já há muito transitada em julgado, com o que os Recorrentes não concordam por se mostrarem violados os artigos 17 n.º 1, 18 n.º 2, artigo 85 alínea c), todos da L.O.F.T.J., artigo 101, actual 96 do C.P.C. 25ª Os Recorrente explanaram os factos e deduziram razões relativamente a estas duas questões no âmbito das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672 do C.P.C., em virtude de se verificarem os correspondentes requisitos, requerendo a admissão da Revista Excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo em conta a grande complexidade em razão da existência de conceitos susceptíveis de várias interpretações interessando a sua clarificação para uma melhor aplicação do direito simultaneamente a sua repercussão social. 26ª Se os danos não patrimoniais sofridos pelos beneficiários, aqui filhos da vítima, autor da herança, poderão ser computados no próprio sofrimento de tais beneficiários, já o próprio sofrimento do morto, danos morais por ele sofridos antes do decesso, os inerentes à própria perda da vida, mesmo que tenha sido súbita e os patrimoniais ocorridos antes da morte, estão sujeitos à sua transmissão por via sucessória, e daí a necessidade de habilitação dos respectivos herdeiros, devendo estar todos em juízo. 27ª Daí que se mostrem violados os artigos 119 alínea a) (2ª parte), com referência ao artigo 419 n.º 1, ambos do C.P.P., artigos 2091 n.º 1 e 2166 do Código Civil, 85 do Código do Notariado, artigos 35 e 278 n.º 1 alínea d) e 96 do C.P.C., erro na aplicação do art. 496 n.º 2 do Código Civil, violação dos artigos 17 n.º 1, 18 n.º 2 e 85 alínea c) da L.O.F.T.J.
Terminam pedindo seja proferido acórdão através do qual: 1) Seja declarada a nulidade insanável do Acórdão de 02/06/2015 do Tribunal da Relação de Évora, com base no artigo 119 alínea a) (2.ª parte) com referência ao artigo 419 n.º 1, ambos do C.P.P., em razão da violação da composição da Conferência, devendo os presentes autos baixar ao Tribunal da Relação de Évora, a fim de irem com vista à Digníssima Magistrada do M. P. junto desse Tribunal da Relação, para cumprimento do disposto no artigo 446 n.º 2 (parte final) do C.P.P. 2) De todo e qualquer modo, ser proferido douto Acórdão que admita o presente recurso de Revista Excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, declarar-se a nulidade do Acórdão recorrido, que confirmou integralmente a sentença da l.ª Instância, absolvendo-se totalmente os ora Recorrentes dos pedidos de indemnização civil em que foram condenados. ***
O arguido demandado BB interpôs recurso, invocando revista excepcional, apresentando a motivação de fls. 2314 a 2334, que remata com as seguintes conclusões: A) FORAM VIOLADAS AS REGRAS LEGAIS RELATIVAS AO MODO DE DETERMINAR A COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL B) A OCORRÊNCIA A QUE SE VEM DE FAZER MENÇÃO É UMA SITUAÇÃO COMINADA COMO NULIDADE PROCESSUAL EM FACE DO ESTATUÍDO NA ALÍNEA A) DO ART. 119.° DO CPP. C) POR CONSEQUÊNCIA DEVE O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO SER JULGADO NULO CONFORME IMPÔE O ARTIGO 119.º DO CPP, COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGALMENTE PREVISTAS Sem conceder, caso assim não se entenda, D) NO RECURSO INTERPOSTO POR BB APRESENTOU ESTE, ENTRE VÁRIAS OUTRAS, A SEGUINTE CONCLUSÃO: DEVE IGUALMENTE O ARGUIDO SER ABSOLVIDO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL. E) SUCEDE QUE O ACÓRDÃO RECORRIDO NAO SE PRONUNCIOU SOBRE ESTA MATÉRIA, SUSCITADA NO RECURSO INTERPOSTO POR BB, A DA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL. F) O ACÓRDÃO RECORRIDO ESTÁ FERIDO DA NULIDADE PREVISTA NA ALÍNEA C) DO ART. 379º DO C.P.P. PORQUANTO OMITIU PRONÚNCIA SOBRE UMA QUESTÃO DE QUE TINHA DE CONHECER Sem prescindir, e na eventualidade de esse preclaro tribunal adoptar entendimento diverso do supra vertido G) CASO ESSE INSIGNE TRIBUNAL VENHA A DECIDIR QUE A ARGUIÇÃO DAS NULIDADES SUPRA SUSCITADAS NÃO DEVE PROCEDER - HIPÓTESE QUE ORA SE ADMITE POR MERA NECESSIDADE DE EXPOSIÇÃO DE RACIOCÍNIO - FORÇOSO SERÁ CONCLUIR QUE ESTÁ VEDADO O RECURSO PARA ESSE SUPREMO TRIBUNAL NO QUE TANGE À MATÉRIA CRIMINAL E BEM ASSIM QUE NO QUE CONCERNE À MATÉRIA CÍVEL EM VIRTUDE DE SE VERIFICAR DUPLA CONFORME, MOTIVO PELO QUAL NÃO É POSSÍVEL RECORRER DE REVISTA (CFR. ART. 671.º N.º 3 DO C.P.C.). H) OCORRE QUE, A CONDENAÇÃO DOS DEMANDADOS CÍVEIS NOS MOLDES EM QUE FORAM CONDENADOS PELO TRIBUNAL DE 1ª, INSTÂNCIA, OS QUAIS FORAM POSTERIORMENTE SUFRAGADOS PELO ACÓRDÃO ORA SOB CENSURA, IMPÕE, PELA NECESSIDADE DE ASSEGURAR UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO E BEM ASSIM PORQUE ESTÃO EM CAUSA INTERESSES DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL, DESIGNADAMENTE POR SER POSTA EM CAUSA A EFICÁCIA DO DIREITO E A SUA CREDIBILIDADE, e isto na exacta medida em que pese embora o Tribunal de 1ª Instância tenha dado como provado que o trabalhador que faleceu se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização dos Arguidos AA e BB e que tal trabalhador não cumpriu integralmente as ordens que lhe rinha dado o encarregado o Arguido BB, uma vez que não terminou a abertura do roço na extensão de 2,50m, como o dito encarregado lhe determinou (comportamento que como é consabido envolve a violação do dever, legalmente consagrado, de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho) decidiu atribuir uma indemnização aos Demandantes Cíveis (filhos do falecido trabalhador) como se os únicos responsáveis pelo lamentável acidente que viria a envolver o decesso de tal trabalhador fossem os Arguidos AA (gerente da sociedade CC, Lda. que era a entidade patronal do trabalhador) e BB (encarregado de obra que também trabalhava por conta da aludida sociedade: CC, Lda.), QUE SE INTERPONHA, AO ABRIGO DO ESTATUÍDO NO ART. 672º DO C.P.C. RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL, CUJA ADMISSÃO SE REQUER I) DO PONTO 15 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS RESULTA QUE O TRABALHADOR II, PAI DOS DEMANDADOS CÍVEIS, NÃO CUMPRIU AS ORDENS QUE LHE FORAM DADAS PELO ENCARREGADO DA OBRA, O ARGUIDO BB: “O aludido trabalhador II não cumpriu integralmente as ordens que lhe tinha dado o encarregado o Arguido BB, uma vez que não terminou a abertura do roço na extensão de 2,50 m, como o dito encarregado lhe determinou.” J) O ARTIGO 570.º DO C.C. - SOB A EPÍGRAFE CULPA DO LESADO - ESTATUI: «1. QUANDO UM FACTO CULPOSO DO LESADO TIVER CONCORRIDO PARA A PRODUÇÃO OU AGRAVAMENTO DOS DANOS, CABE AO TRIBUNAL DETERMINAR, COM BASE NA GRAVIDADE DAS CULPAS DE AMBAS AS PARTES E NAS CONSEQUÊNCIAS QUE DELAS RESULTARAM, SE A INDEMNIZAÇÃO DEVE SER TOTALMENTE CONCEDIDA, REDUZIDA OU MESMO EXCLUÍDA. K) A VERDADE, PORÉM, É QUE, SE ATENTARMOS NA EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS DE DIREITO QUE FUNDAMENTAM A DECISÃO DO TRIBUNAL, CONCRETAMENTE NA PARTE CONCERNENTE AO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL VERIFICAMOS QUE O TRIBUNAL NÃO ATENDEU AO ESTATUÍDO NO ART. 570.º DO C. CIVIL. L) EM FACE DO QUE PRECEDE VERIFICA-SE QUE FOI PELO TRIBUNAL FEITA UMA INCORRECTA APLICAÇÃO DO DIREITO M) A INCORRECTA APLICAÇÃO DO DIREITO NUMA MATÉRIA TÃO SENSÍVEL QUANTO É A DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR NUMA SITUAÇÃO EM QUE O TRABALHADOR DESOBEDECEU A UMA ORDEM, LEGAL E LEGÍTIMA, DA SUA ENTIDADE PATRONAL E CONTRIBUIU, POR ESSE MOTIVO, PARA A PRODUÇÃO DO DANO QUE ESTÁ NA ORIGEM DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR É DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL, DESIGNADAMENTE POR SER POSTA EM CAUSA A EFICÁCIA E CREDIBILIDADE DO DIREITO, IN CASU, NO QUE TANGE AOS DEVERES DO TRABALHADOR. N) IMPÕE-SE, DESTE MODO, QUE SEJA POR ESSE EXCELSO TRIBUNAL APRECIADA TAL MATÉRIA POR FORMA A SER GARANTIDA UMA CORRECTA APLICAÇÃO DO DIREITO, O QUE PERMITIRÁ AINDA ORIENTAR AS INSTÂNCIAS INFERIORES E EVITAR DECISÕES DIVERGENTES SOBRE A QUESTÃO EM ENFOQUE. TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DESSE INSIGNE TRIBUNAL, DEVE o Acórdão recorrido pelo Tribunal de Relação ser declarado nulo, por violação do estatuído na alínea a) do artigo 119.º do CPP; Sem conceder, DEVE o Acórdão ora sob censura ser declarado nulo por estar ferido de nulidade prevista na alínea c) do art. 379.º do C.P.P. porquanto omitiu pronúncia sobre uma questão de que tinha de conhecer; DEVE, dada a necessidade de assegurar uma melhor aplicação do direito e bem assim porque estão em causa interesses de particular relevância social, designadamente por ser posta em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, ser admitido o recurso de revista excepcional; DEVE, na sequência da apreciação do Recurso de Revista Excepcional ser, por força da correcta aplicação do artigo 570.º do C. Civil e tomando em consideração os factos dados como provados decidido ser reduzida, senão mesmo excluída, a indemnização a conceder aos Demandados Cíveis. Desta forma, garantirão Vossas Excelências, como sempre, a realização de JUSTIÇA!
*** Por despacho de 6-10-2015, de fls. 2239 e verso (volume 11.º), não foram admitidos os recursos, remetendo para o teor de fls. 2235 e 2236 [despacho de 14-07-2015] e fls. 2211, afirmando não ter sido interposto recurso quanto à legitimidade dos demandantes civis. E que no atinente ao pedido de indemnização civil e tendo em conta as conclusões formuladas não há lugar à interposição de recurso, sempre sem olvidar, na não admissão dos recursos o teor do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP. *** Deduzida reclamação nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal pelo arguido e demandado civil AA e demandada civil CC Lda., por despacho de fls. 2526 a 2533 do 11.º volume, datado de 10-12-2015, foi deferida a reclamação, entendendo-se dever o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso. (Cfr. processado de fls. 2357 a 2533). O demandado BB deduziu igualmente reclamação, nos mesmos termos, conforme consta de 2537 a 2690 do 12.º volume, sendo proferido despacho de fls. 2684 a 2690, na mesma data do anterior, a deferir a reclamação, igualmente se entendendo dever o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso. *** No seguimento do decidido nas duas reclamações foram admitidos os recursos por despacho de fls. 2697. *** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Évora apresentou resposta ao recurso dos demandados AA e CC, Lda., de fls. 2702 a 2707, dizendo não cumprir tomar posição quanto à questão de natureza cível em debate, carecendo de interesse em agir. Refere a fls. 2706 ser este o “único recurso admitido”, o que se deve a lapso manifesto, não tendo apresentado resposta ao recurso interposto pelo demandado BB. *** A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer de fls. 2714 a 2718, no sentido de serem de rejeitar ambos os recursos. *** Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os recorrentes AA e CC, Lda. apresentaram resposta de fls. 2723 a 2728, defendendo não ser de rejeitar o recurso, tendo o recorrente BB apresentado a resposta de fls. 2730 a 2732, reiterando o exposto no âmbito do recurso por si interposto. *** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com o julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal. *** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. *** Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. Nas conclusões o recorrente «resume as razões do pedido», ou seja, as conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 502 a 535, maxime, pág. 525 e CJSTJ 1998, tomo 1, págs. 238 a 243). ***
Questões propostas a reapreciação e decisão
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.
As questões suscitadas pelos recorrentes são:
Recorrentes AA e CC Lda.
Questão I – Nulidade por violação das regras da composição do tribunal – Conclusões 1.ª a 16.ª e 27.ª; Questão II – Revista excepcional – Conclusões 17.ª, 18.ª, 19.ª, 25.ª e 27.ª; Questão II – Ilegitimidade dos demandantes - Preterição de litisconsórcio necessário activo – Conclusões 19.ª a 27.ª.
Recorrente BB
Questão I – Nulidade por violação das regras da composição do tribunal – Conclusões A), B) e C); Questão II – Nulidade por omissão de pronúncia – Conclusões D), E) e F); Questão III – Revista excepcional – Conclusões G) e H); Questão IV – Culpa do lesado – Redução ou exclusão da indemnização – Artigo 570.º do Código Civil – Conclusões I) a N).
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Apreciando. Fundamentação de facto.
Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado. Ademais no concreto caso, o Tribunal da Relação certificou o acerto da posição assumida na nova sentença na decorrência do suprimento determinado pela anterior anulação no que respeita a este segmento.
Factos provados
1. Em 30 de Maio de 2005, o arguido AA era sócio-gerente e legal representante da sociedade "CC, Lda.", a qual tinha como objecto social a indústria de construção civil, obras públicas, venda de materiais de construção, compra e venda de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim. 2. Desde o seu início até hoje, o ora Arguido e Demandado Civil, AA, tem sido sempre o sócio gerente e legal representante da referida sociedade. 3. Por seu turno, o arguido BB era encarregado de obra e prestava serviços há cerca de 23 anos, consecutivamente, sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade "CC, Lda.", representada pelo arguido AA, cabendo-lhe a supervisão dos trabalhadores pertencentes ao quadro desta e distribuição de tarefas a estes. 4. No ano de 2005, a Câmara Municipal de ..., adjudicou, à sociedade "CC, Lda.", a empreitada de requalificação da obra relativa ao edifício "…", sito na travessa da …/…, na freguesia de … ..., nesta comarca, da qual era proprietária. 5. A Câmara Municipal de ... entregou, igualmente à sociedade "CC, Lda.", a coordenação da segurança em obra, não obstante a existência de um plano de segurança e saúde na fase de projecto elaborado pela Câmara Municipal de ..., cuja copia esta junta a folhas 49 a 52, documento cujo teor aqui se da por reproduzido. 6. O arguido AA, enquanto sócio-gerente da sociedade "CC, Lda.", não elaborou nem diligenciou pela aprovação de um plano de segurança que contemplasse mecanismos de estabilização e, designadamente, o escoramento da totalidade das paredes do referido edifício. 7. O arguido AA, enquanto representante legal da dita sociedade, e o arguido BB, enquanto encarregado da obra, tinham conhecimento que a obra que fora adjudicada pela Câmara Municipal de ... tinha por objecto a reconstrução de um edifício antigo, construído com paredes irregulares feitas de pedra de dimensões variáveis argamassada com cal, em estado de deterioração e que estava diariamente exposto a vibrações produzidas pela passagem, a cerca de 10 metros de distância, de composições ferroviárias que circulavam na linha de Lisboa porto com cadência de mínima de 12 em 12 minutos. 8. Os arguidos AA e BB orientaram os trabalhos de execução da referida obra sem um plano de segurança que tenha sido elaborado na fase de execução da obra adoptando o plano supra referido em 4., para a obra. 9. No dia 30 de Maio de 2005, pelas 16h00, o trabalhador II, sob as ordens, direcção e fiscalização dos arguidos AA e BB, e no exercício das funções de servente da sociedade "CC, Lda.", procedia, com o auxílio de um martelo eléctrico, à abertura de um roço na parede do fundo do 1.º andar, do edifício em remodelação, em formato de "V" invertido na parte superior. 10. Independentemente da profundidade do roço, no caso de ser partida ou removida da parede uma pedra de maiores dimensões, o que implicava a quebra da base de sustentação da parede, tal podia determinar a derrocada da mesma, como veio a verificar-se. 11. O Arguido BB, na aludida qualidade de encarregado, no referido dia 30/05/2005, pelas 8 horas, no dito local de trabalho da ... atrás mencionada, ordenou ao trabalhador II que procedesse a abertura do referido roço, a começar no canto Sul do lado da Travessa, roço esse com 0,25 m de profundidade e 0,40 m de altura, até 2,50 m do referido canto Sul, parar de seguida, e ir buscar as madeiras para a cofragem e o ferro das armaduras para a viga, para posterior enchimento do roço. 12. Cerca das 9 h e 30 m desse mesmo dia 30/05/2005, os Srs. Arquitecto LL e Eng.º MM, fiscais da dona da obra, Câmara Municipal de ..., compareceram no sítio da ..., onde o trabalhador II se encontrava a proceder ao roço na dita parede de empena, 13. Tal roço tinha cerca de 0,40 metros de altura e 0,25 metros de profundidade, numa parede constituída essencialmente por pedra argamassada com cal, com cerca de 0,70 metros de espessura, sendo que o aludido II já tinha procedido a uma abertura de cerca de 5 metros. 14. A Câmara Municipal de ... que concordou em substituir a viga metálica a introduzir no roço a abrir na parede da empena inicialmente prevista, por viga de betão armado. 15. O aludido trabalhador II não cumpriu integralmente as ordens que lhe tinha dado o encarregado o Arguido BB, uma vez que não terminou a abertura do roço na extensão de 2,50 m, como o dito encarregado lhe determinou 16. O segundo lanço do roço a abrir, dos quatro lanços que se previa executar, deveria processar-se a partir do canto Norte para Sul da mencionada parede de empena, isto é, do lado oposto, avançando-se, desta forma, por etapas, curtas e alternadas, de um lado e do outro, a fim de preservar a estabilidade da parede até ao encontro, na zona do pilar centrado na parede da empena. 17. Na execução de tal tarefa, II apoiou-se em cima de uma plataforma, (prancha metálica), situada a 1,50 metros da laje, que estava instalada numa "mesa", também metálica, com 1,90 metros de altura. 18. A parede supra referida em 8., tinha cerca de 11,60 metros de comprimento, medidos do exterior cerca de 10 metros medidos do interior, 6 metros de altura no vértice e 4 metros nos pontos extremos, sendo que a distância da parte superior da parede, a partir do roço, e até ao vértice era de 2,50 metros de altura. 19. Existia uma rede aérea de tubos metálicos de 0,05 metros de diâmetro não resistentes a força das paredes em caso de desmoronamento, apoiados nas paredes laterais que se encontravam no centro da construção, no sentido longitudinal destinado a funcionar como protecção das paredes, que chegava à parede do fundo do 1.º andar, onde II executava a sua tarefa. 20. Pelo exterior do edifício estava colocado um cabo de aço, que cintava as paredes sem oferecer resistência a força das paredes em caso de desmoronamento. 21. No momento em que o aludido II executava a sua tarefa de abertura do roço descrito supra em 9., de que estava incumbido pelos arguidos AA e BB, a parte superior da parede a partir daquele roço, ruiu, caindo-lhe em cima, soterrando-o a cerca de 3 metros da base da parede derrocada e a cerca de 4,30 metros da parede do lado direito. 22. Em virtude da descrita derrocada, II ficou esmagado sob o peso do entulho que o soterrou na totalidade, provocando-lhe lesões traumáticas, craneo-encefálicas, vertebro-medulares, torácicas, abdominais e dos membros, que foram causa directa e necessária da sua morte. 23. Os arguidos AA e BB não providenciaram pela utilização de equipamentos de protecção das paredes do edifício "..." que evitassem que estas pudessem ruir, o qual se encontrava em estado de degradação, no desempenho das actividades diárias pelos trabalhadores ao seu serviço e, concretamente, por II, pondo em risco a segurança, a integridade física e a vida deste, o que poderia ser evitado ser a referida parede estivesse amparada por estrutura eficaz de contenção da mesma, o que não sucedia. 24. Os arguidos AA e BB não providenciaram pela segurança da obra e dos seus trabalhadores na realização dos trabalhos de construção civil desenvolvidos pela sociedade "CC, Lda.", procedendo, na concepção dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, nomeadamente, o risco de soterramento, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de protecção. 25. Com a conduta supra descrita, os arguidos AA e BB sujeitaram os trabalhadores ao risco de desmoronamento e consequente soterramento, no decurso dos trabalhos de requalificação do edifício "...", o que efectivamente sucedeu. 26. Ao procederem da forma supra descrita, os arguidos AA e BB revelaram falta de cuidado que o dever geral de previdência aconselha, cuidado esse que eram capazes de adoptar e que deviam ter adoptado para evitar a ocorrência de acidentes e, desse modo, a criação de perigo para a vida e integridade física dos seus trabalhadores e, no caso, de II, que de igual modo podiam e deviam prever, dando-lhe assim causa e às lesões que daí resultaram e, em consequência, determinaram a morte daquele. 27. Os arguidos AA e BB estavam cientes que a sua conduta lhes era proibida e punida por lei e tinham capacidade para se determinar de acordo com as prescrições legais. 28. Os trabalhos de abertura dos roços nas paredes da dita casa foram executados ao nível de rés-do-chão, do pavimento do 1°. Andar e não se verificou qualquer acidente. 29. O IDICT (Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho), deslocou-se ao local onde ocorreu o acidente a fim de fiscalizar as condições da obra, encontrando as seguintes situações irregulares: 1) Andaime exterior desprovido de guarda corpos e rodapé; 2) Escada móvel em alumínio a ser utilizada como escada de serviço não temporário, conforme documento junto a folhas 536, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 30. A Sociedade "CC Lda.", constituída há cerca de 28 anos, sempre com o mesmo sócio gerente, isto é, o ora Arguido, AA, ... Civil de profissão, tem construído inúmeras obras públicas e privadas, algumas delas de grande envergadura, nas quais nunca houve qualquer acidente mortal com excepção daquele a que se reportam os presentes autos. 31. Chegou mesmo o ora Arguido, AA, a ser responsável pela construção de uma cave de um imóvel urbano sito junto do Metro, no entroncamento das Avenidas …. e … com a … na cidade de Lisboa, imóvel esse com cinco pisos acima do solo, sem que houvesse qualquer acidente em termos pessoais e de derrocada de qualquer parte do prédio. 32. Procedeu a Sociedade "CC.,Lda,", a recuperações de pavilhões de vários quartéis militares em diversas unidades do País, designadamente, as situadas em ..., ..., …, …, …, …, ..., .., recuperações essas com características idênticas ao urbano a que respeitam os presentes autos, sem que tivesse havido acidentes pessoais ou derrocada de qualquer parede. 33. O Arguido, AA é sócio gerente da Sociedade "CC.,Lda," auferindo um rendimento mensal de cerca de 2500 euros, é casado, sendo sua esposa reformada e vive em casa própria. 34. O certificado de registo criminal do Arguido AA junto a folhas 618 documento cujo teor se da por reproduzido não insere qualquer condenação sua. 35. O Arguido, BB é encarregado da Sociedade "CC.,Lda," auferindo um rendimento mensal de cerca de 630 euros, é casado, não auferindo sua esposa qualquer quantia monetária e vive em casa de família. 36. O certificado de registo criminal do Arguido AA junto a folhas 619 documento cujo teor se da por reproduzido não insere qualquer condenação sua. 37. O sinistrado apercebeu-se da derrocada, pois foi ouvido a gritar. 38. O corpo foi retirado pelos Bombeiros Municipais de ..., já cadáver. 39. O sinistrado apercebeu-se de que a parede na qual trabalhava começou a ruir, realizando a iminência da sua morte, tentou salvar-se de ficar soterrado sob os escombros da parede saltando da plataforma para o chão, ensaiando assim evitar o seu esmagamento. 40. Entre o momento em que se apercebeu da iminência da sua morte e o momento em que esta se verificou decorreram alguns segundos, durante os quais a vítima sofreu, angústia, medo e pavor. 41. O sinistrado II quando faleceu tinha 57 anos de idade, era uma pessoa alegre, saudável. 42. O sinistrado II era pai dos Demandantes, de quem muito gostava, e enquanto viveu, foi pai e avô exemplar, com uma enorme dedicação à família. 43. Os Demandantes filhos da vítima ficaram muitíssimo abalados com o decesso do pai. 44. A vítima e os lesados constituíam uma família unida e feliz, e os Demandantes tinham no seu pai um companheiro e amigo, com quem podiam contar. 45. Ainda em consequência directa e necessária da derrocada da parede e seu soterramento, II, ficou com as roupas que utilizava totalmente destruídas, valendo as botas as calças e a camisa quantia não concretamente apurada. 46. No dia 20/05/2008, KK, titular do Bilhete de Identidade n.º. …, emitido em 19/04/2000 pelo Arquivo de Identificação de ..., por si e em representação de seu filho, JJ maior, doente mental, titular do Bilhete de Identidade n°. ..., emitido em 13/05/2005, pelo Arquivo de Identificação de ..., instaurou no Tribunal do Trabalho de ..., acção declarativa com processo especial na forma ordinária emergente de acidente de trabalho, contra - HH-Companhia de Seguros, SA., com sede na Rua …, n.º, …, … Lisboa e CC, Lda., com sede em …, … ..., e que correu seus termos sob o n.º 410/05.7TTSTR - Secção Única 47. Encontra-se junta certidão de tal acção a folhas que aqui se da por integralmente por reproduzida para os devidos e legais efeitos., que contém a douta Sentença, transitada, homologatória da transacção neles efectuada pelas partes). 48. Na petição inicial constante do dito processo, referiu-se no seu artigo 14, que II vivia com a Autora de KK em união de facto há mais de 35 anos, na residência de ambos, sita na Rua..., n.º …, ..., na cidade de .... 49. Acrescentando-se no artigo 15 da petição inicial: "E como o filho de ambos, JJ, maior, incapacitado para o trabalho por ser doente mental," (doe. 2) juntando-se, agora, a respectiva certidão do seu nascimento, ocorrido em 29/04/1974. 50. O artigo 20 da referida petição inicial tem o seguinte teor: "Por outro lado, a entidade patronal, aqui segunda Ré, aceitou a caracterização do acidente como acidente de trabalho, mas também não aceita pagar qualquer quantia a título de indemnização, uma vez que transferiu o vencimento e responsabilidade para a Companhia de Seguros, e porque se encontravam cumpridas todas as condições de trabalho e de segurança da vítima.". 51. Como se alcança da acta da audiência de julgamento designada para o dia 25/05/2009, pelas 9 h e 30 m - na cidade de ... e Tribunal do Trabalho, foi declarada aberta a audiência de julgamento pelo M.mo. Juiz. Encontravam-se presentes: “A beneficiária, KK, acompanhada do seu Mandatário Sr. Dr. NN. A mandatária da ré entidade seguradora, SR. DR. OO. A ré entidade patronal, representada pelo Sr. AA, acompanhado do seu mandatário Sr. Dr. PP.” 52. Mais consta da aludida acta: “Reiniciada a audiência de julgamento, pelos mandatários das partes foi dito que, em virtude de não haver indícios de o acidente ter ocorrido por violação de regra de segurança, e bem assim a autora reconhecer que ao tempo do acidente já não vivia em comunhão de facto com o sinistrado, as partes estabelecem as seguintes prestações reparatórias: A ré Companhia de Seguros HH S.A. pagará ao autor JJ: - Pensão anual e vitalícia, vencida desde 31 de Maio de 2005, no montante inicial de € 1.302,16 (mil trezentos e dois euros e dezasseis cêntimos) (€ 6.510,80 x - Subsídio por morte, no montante de € 4.496,40 (quatro mil quatrocentos e noventa e seis euros e quarenta cêntimos); - As custas em dívida são suportadas, na proporção de metade, pela autora e pela ré seguradora, renunciando todas as partes às custas de parte e à procuradoria na parte disponível; Seguidamente, o Sr. Juiz proferiu o seguinte. DESPACHO O acordo respeita as regras jurídicas de fonte legal, convencional e regulamentar, pelo que o declaro válido. Custas, conforme o acordado. Valor da acção: € 16.597,35 Notifique e registe, sendo a ré seguradora notificada para, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado, demonstrar o pagamento das quantias vencidas a que se obrigou. Do antecedente despacho foram todos os presentes notificados do que disseram ficar cientes.” 53. À data do acidente supra referido a sociedade comercial "CC, Lda." havia transferido para a Seguradora HH - Companhia de Seguros S.A., a responsabilidade infortunística decorrente de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores, mediante contrato de seguro do ramo "Acidentes de Trabalho" titulado pela apólice n.º … – cuja copia esta junta a folhas 556 a 564 dos autos documento cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido.
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Apreciando. Fundamentação de direito
Recorribilidade
Antes de avançarmos, convirá analisar o que está efectivamente em causa nestes recursos, afastando alguns equívocos. Os arguidos/demandados AA e BB nos recursos por si interpostos foram claros ao delimitarem o objecto do recurso, no que ele tem de cindível, à luz do disposto no artigo 403.º do Código de Processo Penal, que no n.º 1 estabelece ser admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas. O n.º 2, alíneas a) e b) do indicado preceito, esclarece que para tais efeitos é autónoma a parte da decisão que se referir a matéria penal e a matéria civil. Como é bem de ver, a possibilidade de limitação do recurso pressupõe a recorribilidade, não havendo lugar a opção de limitação quando a decisão é irrecorrível, pelo menos numa das suas componentes. Ressalta dos recursos interpostos que tanto um como outro dos arguidos condenados na parte penal, não pretendeu recorrer desta parte. Di-lo, muito claramente, o arguido AA desde logo na introdução a fls. 2277, não se conformando com a parte do douto Acórdão proferido em 2-06-2015, relativamente à indemnização civil, o que é evidenciado na conclusão 17.ª, quando afirma “por não se conformar com a decisão condenatória, na parte da indemnização civil”. O arguido BB na conclusão G) coloca a questão de irrecorribilidade no que tange à matéria criminal, como consequência da improcedência das nulidades suscitadas, mas verdade seja dita, estivéssemos perante caso de recorribilidade e obtivesse o recorrente ganho de causa quanto às arguidas nulidades, o recurso da matéria penal estaria inexoravelmente destinado a naufragar pela singela razão de que não há propriamente um recurso neste segmento, pois nem um argumento foi alinhavado na composição da expressão de um juízo de dissentimento com a qualificação jurídica e espécie e medida da pena. Por outras palavras: fosse caso de recorribilidade e a pretensão claudicaria na barreira intransponível da manifesta improcedência a conduzir em linha recta à rejeição do recurso. Por outro lado, no que toca a recorribilidade da parte cível, os demandados, agora incluída a sociedade, que apresenta recurso conjunto com AA, manifestam de forma clara a sua posição quanto a entenderem que se verifica dupla conforme e daí que lancem mão da revista excepcional. Dizem-no novamente os recorrentes AA e CC Lda. ao pedirem a admissão como revista excepcional, a fls. 2277 (11.º volume), e de forma esclarecedora, a fls. 2301, no ponto 20, ao apontarem os requisitos do recurso da revista excepcional “Deparamo-nos com uma situação de dupla conformidade, na confirmação, por unanimidade, pela Relação, do Julgado em Primeira Instância, sendo que tal conformidade é impeditiva da revista normal (ou revista regra). De onde flui que os recorrentes tiveram de lançar mão da Revista Excepcional, invocando o disposto na alínea a) (relevância jurídica) e na alínea b) (relevância social) do n.º 1 do artigo 721-A do anterior CPC, cumprindo, desta forma, o ónus do artigo 672.º n.º 1 do CPC”. Di-lo de forma hialina o recorrente BB ao referir na conclusão G) estar vedado o recurso no que concerne a matéria cível em virtude de se verificar dupla conforme, motivo pelo qual não é possível recorrer de revista - artigo 671.º, n.º 3, do CPC – cfr. fls. 2330-1. Traçado este quadro recursório, na sequência da não admissão dos recursos, nos dois despachos proferidos em sede de reclamação, nos termos do artigo 405.º do CPP, no plano civil foi dito ser o acórdão da Relação recorrível e depois no ponto 3, §§ 2 e 3, de fls. 2533, na reclamação de AA e sociedade CC Lda., e no ponto 3, §§ 2 e 3, a fls. 2689/2690, no que respeita à reclamação apresentada pelo recorrente BB, aporta-se a recorribilidade da parte penal, em ambos os casos se dizendo que: “Certo, porém, que considerada a pena aplicada tudo aponta para o recurso não ser de admitir quanto à parte penal nos termos das alíneas e) e f), do n.º 1 do artigo 400.º do CPP. Contudo, como os autos irão ser distribuídos ao Mm.º Conselheiro Relator para conhecer do recurso quanto à indemnização arbitrada, haverá em sede de despacho liminar ocasião para aquele Ilustre Magistrado se pronunciar inequivocamente sobre o conhecimento do recursão da parte penal”.
Et pour cause,
Começando pela parte penal.
Esta incursão apenas é justificada em razão do que foi dito em sede das reclamações deduzidas contra a não admissão dos recursos. Reiterando-se que a parte penal não foi impugnada, pronunciemo-nos, pois, de modo inequívoco sobre a irrecorribilidade da condenação penal. Por sentença proferida por juiz singular no âmbito de processo comum com intervenção de tribunal singular, datada de 21-03-2013, foram os arguidos AA e BB condenados pela prática, em autoria material, de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2, e 285.º, todos do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de dezoito meses de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período. O acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2 de Junho de 2015, ora decisão recorrida, confirmou a sentença de ... in totum.
Face a esta espécie de pena e sua dimensão, acrescida da confirmação total pelo Tribunal da Relação, que dizer sobre a recorribilidade?
O artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21-02, entrada em vigor em 24 de Março de 2013 (artigo 4.º, n.º 1), que introduziu a 20.ª alteração do CPP, e alterou as alíneas d) e e), estabelece: (Decisões que não admitem recurso) 1 – Não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; (mantida a versão anterior) b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; (mantida a versão anterior) c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo; (mantida a versão anterior) d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; (mantida a versão anterior) g) Nos demais casos previstos na lei. (mantida a versão anterior).
Como recentemente afirmou o STJ, a pena substitutiva de prisão é pena não privativa de liberdade. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016, de 7 de Julho de 2016, proferido no processo n.º 2314/0TAMTS-D.P1-A.S1, da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 193, de 7-10-2016 (e CJSTJ 2016, tomo II, págs. 12 a 20), foi fixada a seguinte jurisprudência: «A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa de liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de setembro».
Tendo-se em conta a concreta condenação, o regime resultante da actual redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal tornou inadmissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que apliquem (ou confirmem) pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos de prisão. No caso presente foi confirmada a pena não privativa de liberdade aplicada na primeira instância, sendo a confirmação integral, completa, ou seja, estamos perante uma dupla conforme total. A natureza da pena cominada, a que no caso se alia a identidade de decisão nas duas instâncias, impede a recorribilidade. Resulta do exposto que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora é irrecorrível na parte em que confirma as penas aplicadas aos arguidos AA e BB, ficando fora do âmbito de apreciação do presente recurso qualquer questão relativa a tal crime proposta pelos recorrentes, como a alegada nulidade por composição do tribunal (estivesse em causa tão só a perspectiva criminal). Sendo a decisão insusceptível de recurso neste segmento, sempre se imporia, se disso fosse caso, a rejeição do recurso.
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Passando à dupla conforme na parte cível.
Nos dois despachos que decidiram as reclamações foi entendido que a dupla conforme não é impeditiva do recurso.
Revista excepcional
Os recorrentes lançam mão da revista excepcional, em consequência de em seu entender se verificar dupla conforme impeditiva de revista normal. Assim, nas conclusões 17.ª a 25.ª e 27.ª no recurso interposto em conjunto pelos demandados AA e a sociedade CC Lda. e nas conclusões G) e H), no recurso interposto pelo demandado BB.
Tendo por base o objecto dos recursos interpostos pelos demandados, importa averiguar se o acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, admite (ou não) recurso para o Supremo Tribunal da Justiça, no que respeita à acção cível enxertada. Para o efeito, importa decidir qual a lei processual civil que deve ser aplicada ao caso (dentro das leis potencialmente aplicáveis), mormente se este Tribunal deve lançar mão do disposto no artigo 721.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ou se, ao invés, deve ter aplicação ao caso o regime do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (doravante designado por NCPC), maxime, o artigo 671.º, n.º 3, e seguidamente, analisar o acórdão recorrido no tocante ao pedido cível e confrontá-lo com o texto da sentença de ... (em particular, averiguando se ocorre coincidência decisória, unanimidade por parte dos Exmos. Juízes Desembargadores e eventual identidade essencial da fundamentação).
Vejamos.
Após o início do presente processo (30 de Maio de 2005), da dedução do pedido de indemnização (16 de Junho de 2009) e da decisão condenatória (21-03-2013) e antes do acórdão confirmatório (2-06-2015), ocorreu alteração legislativa (entrada em vigor em 1 de Setembro de 2013), no que respeita à admissibilidade do recurso da parte cível da sentença penal, em casos de dupla conforme, princípio processual que, no domínio do processo civil, foi implementado a partir de 1 de Janeiro de 2008. A doutrina geral aceite no direito civil é a de que a nova lei só dispõe para o futuro – artigo 12.º do Código Civil – não se aplicando aos factos pretéritos.
Vejamos a evolução legislativa concernente à própria recorribilidade neste segmento específico do pedido de indemnização civil deduzido no processo criminal.
“Dantes, a respeito da admissibilidade do recurso restrito a matéria cível, estabelecia o artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, então na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto: «Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada».
O acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ), cognominado na Imprensa Nacional/Casa da Moeda [pese embora a revogação do artigo 2.º do Código Civil – Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral – pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, complementado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, diplomas que introduziram a reforma do processo civil em 1995/1996], como «Assento» n.º 1/2002, de 14 de Março de 2002, proferido no processo n.º 255-A/98, da 5.ª Secção, publicado in Diário da República, I Série - A, n.º 117, de 21 de Maio de 2002, fixou jurisprudência no sentido seguinte: «No regime do Código de Processo Penal vigente - n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto - não cabe recurso ordinário da decisão final do tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».
No sentido de que a norma do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal não se apresentava desprovida de razoabilidade e justificação e não se mostrava ofensiva do princípio da igualdade, não sendo de julgar inconstitucional, pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 320/2001, de 04-07-2001, proferido no processo n.º 641/00, in Diário da República - II Série, n.º 258, de 07-11-2001; n.º 94/2001, de 13-03-2001, proferido no processo n.º 589/00, da 3.ª Secção, in Diário da República - II Série, n.º 96, de 24-04-2001; e n.º 100/2002, de 27-02-2002, no processo n.º 557/2001, da 1.ª Secção, in Diário da República - II Série, n.º 79, de 04-04-2002.
Referenciando o citado AUJ (na nomenclatura oficial “Assento”) n.º 1/2002 e correlativa bondade de solução, pronunciou-se o acórdão n.º 338/2005, de 22 de Junho de 2005, proferido no processo n.º 596/2002, da 2.ª Secção, publicado in Diário da República - II Série, n.º 145, de 29-07-2005, que decidiu: «Não julgar inconstitucional o artigo 432.º, alínea b), conjugado com o artigo 400.º, n.º s 1, alínea e) e 2, do CPP, interpretado no sentido de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão do Tribunal da Relação relativa à indemnização civil, proferida em 2.ª instância, se for irrecorrível a correspondente decisão penal». No mesmo sentido, o acórdão n.º 575/2006, de 18 de Outubro de 2006, da 2.ª Secção, com sumário publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 66.º, pág. 825, onde consta: “Não julga inconstitucional o artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação relativa a indemnização civil, proferida em segunda instância, se for irrecorrível a correspondente decisão penal”.
Entretanto, a consagração da dupla conforme.
No Verão de 2007, à distância de escassos cinco dias, em 24 e 29 de Agosto, foram publicados dois diplomas - o Decreto-Lei n.º 303/2007 e a Lei n.º 48/2007 - que vieram alterar, senão de forma profunda, pelo menos de modo muito relevante, o panorama dos recursos, no que respeita aos recursos cíveis, no primeiro caso, e aos recursos em acções cíveis enxertadas em processo penal, no segundo, sendo patente que o legislador terá querido aproximar os respectivos regimes recursórios. Mas, se tivermos em conta as significativas alterações da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sobretudo, no específico campo do processo penal, teremos uma nova panorâmica global, emergente da consagração da figura da dupla conforme, quer no plano penal, quer no cível, e aqui, independentemente da área de adjectivação do pedido de indemnização baseado na responsabilidade aquiliana, delitual ou extracontratual – cível ou penal.
A 15.ª alteração do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29-08, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República n.º 216, de 09 de Novembro), entrada em vigor no imediato dia 15 de Setembro seguinte (artigo 7.º), procedeu, no que ora interessa, à alteração do artigo 400.º do CPP. A Lei n.º 48/2007, para além da modificação introduzida na alínea f) do n.º 1 - dupla conforme - manteve a redacção do n.º 2 do artigo 400.º e introduziu o n.º 3, que estabelece: «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil».
A partir daqui, alterou-se o paradigma do sistema recursório, a nível da recorribilidade autónoma da decisão cível, independentemente da sorte (no caso, cristalização) da decisão no segmento penal, o que deixava antever óbvias dificuldades de concatenação entre o caso julgado criminal, porque já não admissível o recurso neste vector (como diz o preceito legal “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal”), mas apenas da matéria cível, e a decisão nesta sede.
O citado n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, introduzido em 2007, constitui absoluta inovação legislativa, que veio contrariar, não só a jurisprudência fixada pelo “Assento” n.º 1/2002, de 14 de Março de 2002, como as aludidas posições concordantes do Tribunal Constitucional, maxime, a do acórdão n.º 338/2005, de 22 de Junho de 2005, assumida mais de três anos depois da fixação da jurisprudência e mais tarde a do acórdão n.º 575/2006, de 18 de Outubro de 2006. Face ao regime anterior, havia lugar a apenas um grau de recurso, dizendo o Tribunal da Relação a solução final, divergindo assim os graus de recurso, no plano da responsabilidade civil, consoante houvesse ou não adesão ao processo penal.
Ora, foi justamente a equiparação de tratamento nas duas formas de adjectivação do pedido de indemnização por ilícito civil emergente de responsabilidade aquiliana, que esteve na base da inovação introduzida em 2007. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 1007/8 «A bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal, como se afirma na motivação da proposta de lei n.º 109/X, o legislador introduz uma quebra ao princípio da adesão». Na 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, o Autor repete esta consideração, na nota 17, pág. 1049, sendo aditado o seguinte: “(concorda, Simas Santos, 2008, b:363)”.
A preocupação com o respeito pelo princípio da igualdade já vinha da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que explicitou: “Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artigo 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas. Prescreve-se ainda que quando a Relação, em recurso, não conhecer a final do objecto do processo, não cabe recurso para o Supremo. Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal.”
Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 400.º, no Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, Almedina, 16.ª edição, 2007, dizia, a págs. 841: “3. A norma do n.º 2 foi decalcada em disposição semelhante prevista para ser introduzida no CPC pela Comissão que, aquando do funcionamento da CRCPP, estava a preparar a revisão daquele diploma. A disposição representa limitação do direito de recorrer relativamente ao regime do art. 626.º, n.º 6, do CPP de 1929, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro; perante esse regime podia haver lugar a recurso sempre que o montante do pedido excedesse a alçada do tribunal recorrido.”. “4. O n.º 3, introduzido pela Lei n.º 48/2007, veio contrariar a jurisprudência fixada pelo STJ. Haja ou não lugar a recurso da matéria penal, pode haver lugar a recurso da parte relativa à indemnização civil, se o puder haver perante a lei civil, e conforme se estabelece no n.º 2. (Realce nosso).
Entretanto, já antes, no plano do processo civil e na senda da dupla conforme.
A Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro (Diário da República, I Série, n.º 24, de 02-02-2007), autorizara o Governo a alterar o regime dos recursos em processo civil e o regime dos conflitos de competência, e definindo o sentido e extensão da autorização, para além do aumento das alçadas, consignado na alínea c), preconizava na alínea g) a “Consagração da inadmissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Na sequência de tal Lei surgiu o Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (publicado no Diário da República - I.ª Série, n.º 163, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 99/2007, in Diário da República - I Série, n.º 204, de 23-10) em vigor - artigo 12.º, n.º 1 - a partir de 1 de Janeiro de 2008, o qual procedeu, para além do mais, à revisão da arquitectura do sistema de recursos no processo civil. A reforma, como dava conta o preâmbulo do diploma legal, foi norteada por três objectivos fundamentais: simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência. Subsumiam-se dentro desse desígnio de racionalização do acesso ao STJ, para além da revisão do valor da alçada da Relação para € 30.000,00, a introdução da regra da «dupla conforme», pela qual se consagra a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância. O diploma alterou vários preceitos, revogou alguns e aditou outros, procedendo, a final, à republicação do Capítulo VI do Subtítulo I do Título II do Livro III do Código de Processo Civil, ou seja, todo o capítulo dos recursos.
Estabelecia o artigo 678.º do CPC/2007 (Decisões que admitem recurso): 1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
E o artigo 721.º (Decisões que comportam revista): 3 - Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.
O artigo seguinte é o aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto Artigo 721.º-A Revista excepcional 1 – Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 2 – O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição: a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social; c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição. 3 – A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis. 4 – A decisão referida no número anterior é definitiva”.
Seguiu-se a Reforma de 2013. 4-……………………………………………………………………………………….
Artigo 672.º Revista excecional 1 – Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 2 – O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição: a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social; c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição. 3 – A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis. 4 – A decisão referida no número anterior, sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso. 5 – Se entender que, apesar de não se verificarem os pressupostos da revista excecional, nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais, a formação prevista no n.º 3 determina que esta seja apresentada ao relator, para que proceda ao respetivo exame preliminar.
Prosseguindo. i) Respeitando a acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, os respectivos recursos seguem o regime anterior ao DL 303/2007, de 24-08 ii) Sendo proferidas em processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2008, os recursos seguem o regime aprovado pelo DL 303/2007, de 24-08 b) Decisões proferidas a partir de 1 de Setembro de 2013 (a partir da entrada em vigor do NCPC): i) Reportando-se a processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2008, seguem o regime introduzido pelo DL 303/2007, de 24-08 com as inovações agora introduzidas no NCPC, excepcionando-se apenas a norma do art. 671º, nº3 (correspondente ao art. 721.º, n.º 3 do anterior CPC), que restringe a revista em situações de dupla conforme. Daqui decorre designadamente que é abandonada em definitivo a distinção entre apelação e agravo ou entre revista e agravo em 2.ª instancia e que a recorribilidade imediata está limitada aos casos previstos na lei; ii) Tratando-se de decisões proferidas no âmbito de processos instaurados já a partir de 1 de Janeiro de 2008, seguem integralmente o regime agora previsto no NCPC, nos termos do art. 5.º n.º 1 da Lei Preambular.”.
Neste sentido, pode ver-se o acórdão de 30-04-2015, proferido no âmbito da revista n.º 1583/08.2TCSNT.L1.S1, da 2.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt., que afirma: “(…) Atendendo a que a acção foi proposta após 1-1-2008 (A acção foi intentada em 29-12-2008), com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil - doravante, NCPC - aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, em 01-09-2013, decorre dos seus arts 5.º e 7.º, n.º 1 (este, a contrario), que sendo a decisão proferida no domínio do mesmo, aplica-se-lhe o novo regime recursivo.” Daqui se retira que, quanto aos recursos de decisões proferidas a partir do dia 1 de Setembro de 2013, em processos cíveis instaurados após 1 de Janeiro 2008, aplica-se o regime previsto nos artigos 671.º e seguintes do CPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho. É o caso dos presentes autos, na medida em que a acção cível (enxertada) foi instaurada depois de 01-01-2008 (concretamente, em 16 de Junho de 2009) e o acórdão de que se recorre (acórdão do Tribunal da Relação de Évora) foi proferido depois de 01-09-2013 (mais exactamente, em 2 de Junho de 2015). Por todo o exposto, aplica-se aos presentes autos o regime da dupla conforme vertido no artigo 671.º, n.º 3, do novo Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.
Como vimos, sob a epígrafe “Decisões que comportam revista”, preceitua o disposto no artigo 671.º do NCPC: “3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”. Coloca-se então a questão de saber se podemos estar face a uma situação de eventual irrecorribilidade, por verificação de dupla conforme. Como decorre deste dispositivo – artigo 671.º, n.º 3, do NCPC – a dupla conforme, em processo civil, está dependente do preenchimento de três requisitos cumulativos: coincidência decisória, unanimidade na votação por parte dos juízes do tribunal de recurso e fundamentação idêntica ou mesmo que divergente, que não seja essencialmente diferente. Ao contrário do que sucedia com o disposto no artigo 721.º, n.º 3, do anterior CPC (na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24-08), segundo o regime actualmente vigente, a ocorrência de divergências substanciais entre a fundamentação das duas decisões impede a constituição da denominada dupla conforme.
Vejamos o requisito da unanimidade da votação.
Quanto ao requisito da unanimidade na votação por parte dos juízes do tribunal de recurso, nenhuma questão se coloca, na medida em que, ao analisarmos o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, ora recorrido, verifica-se que o mesmo foi assinado pelos dois Exmo.s Juízes Desembargadores, sem qualquer voto de vencido.
Importa agora apreciar o requisito da coincidência decisória.
No caso presente estamos perante uma coincidência decisória, na sua plenitude, verificando-se uma dupla conforme plena ou irrestrita, pois que a Relação confirmou totalmente a decisão da 1.ª instância.
Como refere Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 261: «(…) “E confirmar” só tem um sentido: confirmar uma decisão recorrida é não introduzir, na injunção final, qualquer alteração ao que decidir a 1.ª instância». No caso foi mantida a matéria de facto dada por provada e não provada concernente ao pedido cível, bem como a decisão quanto aos pedidos, sendo negado provimento aos recursos e mantida a sentença de ... in totum, sendo a confirmação pela Relação do primeiro julgado unânime e irrestrita - o conhecimento e decisão dos pedidos foi perfeitamente coincidente (sobreponível), tendo por base fundamentação idêntica. Verificada a sobreposição integral do julgado não pode lançar-se mão da revista-regra, podendo fazer-se apelo à revista excepcional.
Concretizando.
O recorrente BB motiva a revista excepcional, considerando mostrar-se necessária uma correcta aplicação do direito, invocando no fundo culpa do lesado e o disposto no artigo 570.º do Código Civil, de forma a ser decidida a redução, senão mesmo a exclusão da indemnização, porém, reportando-se, não ao acórdão recorrido, mas à sentença de ..., como claramente, aliás, consta da motivação do recurso a fls. 2637, último parágrafo, e § 1.º de fls. 2638 (12.º volume), que se reproduzem: “Querendo-se com isto significar que no momento em que se debruçou sobre o pedido de indemnização cível deduzido pelos Demandantes Cíveis deveria, forçosamente, o Tribunal de 1.ª instância ter feito referência ao artigo 570.º C. Civil e nos termos deste comando legal ter decidido se em face da conduta do trabalhador a indemnização deveria ser totalmente concedida, se deveria ser reduzida ou se deveria ser excluída. A verdade, porém, é que, se atentarmos na exposição dos motivos de direito que fundamentam a decisão do Tribunal, concretamente na parte concernente ao pedido de indemnização cível verificamos que o Tribunal não atendeu ao estatuído no art. 570.º do C. Civil”. (Sublinhado nosso). Na sequência entende que foi pelo tribunal feita uma incorrecta aplicação do direito. A referência ao tribunal de 1.ª instância surge na conclusão H) e na conclusão K) foi vertido, por inteiro, o que consta do segundo parágrafo acabado de citar, o que pelo texto e contexto só pode referir-se à sentença de .... Decisão recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação de Évora e não a sentença de ...; a revista excepcional pressupõe uma dupla conforme e esta só se alcança com o acórdão recorrido; no fundo pretende o recorrente sindicar a decisão de primeira instância, em termos que não fez aquando do anterior recurso, sede adequada e pertinente para o efeito. Por outro lado, não pode ser objecto de revista excepcional matéria que não foi colocada à apreciação do Tribunal da Relação. Compulsada a motivação do recurso interposto da nova sentença para o Tribunal da Relação de Évora, composta por 76 folhas, de fls. 1838 a 1914 (8.º volume), visou o recorrente a sua absolvição, impugnando matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3 e 4, do CPP, defendendo a fls. 1840 que “a prova produzida em audiência de julgamento impunha a prolação de uma decisão absolutória” e defendendo dever ser absolvido, a fls. 1906. Nas conclusões apresentadas, de fls. 1907 a 1913, o recorrente limita-se a esgrimir com errada valoração de prova nas conclusões I a X, considerando como incorrectamente dados por provados e não provados vários factos, afirmando o que deveria na sua perspectiva ter sido dado por provado, afirmando na conclusão XI que deve ser absolvido do crime pelo qual foi condenado na 1.ª instância e na conclusão XII defendendo que deve ser absolvido do pedido de indemnização cível, embora a final na dedução do pedido refira apenas a absolvição total do arguido pelo crime pelo qual foi condenado. Significa isto que ao longo de todo o recurso, incluídas as conclusões, não se enxerga qualquer referência à culpa da vítima justificativa do apelo ao artigo 570.º do Código Civil, uma vez que a única ideia era a da absolvição. Daqui decorre que o tema agora trazido a debate não foi presente ao tribunal de recurso, não havendo pronúncia sobre tal ponto e muito menos, obviamente, dupla conforme. Na realidade do que se trata é que estamos perante a formulação de uma questão nova. A única questão objecto do presente recurso é relativa a culpa do lesado. No caso presente estamos a apreciar um recurso sobre uma decisão relativa a um pedido de indemnização civil, enxertado no processo-crime, nos termos do artigo 71.º do CPP (princípio de adesão). Decorre do artigo 129.º do Código Penal que os pressupostos materiais do direito à indemnização de perdas e danos emergentes de crime são regulados pela lei civil. Contudo, dado que se trata de uma acção cível enxertada no processo crime, a ritologia processual, o regime especial processual a que a lei submete a sua tramitação é fornecido pelas regras do processo penal em que se incorpora, só se aplicando supletivamente o CPC nos casos omissos. Face à questão suscitada pelo recorrente, importa chamar à colação o conceito de recurso ordinário e o seu objecto e objectivo. Os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido. O tribunal de recurso aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal – o tribunal de recurso reaprecia o concretamente já decidido, não profere decisões novas. Assim sendo, não é lícito invocar no recurso questões que não tenham sido suscitadas nem resolvidas na decisão de que se recorre. Destinam-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas. A preclusão do conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça de questões não suscitadas perante a Relação, apenas sofre as restrições advindas da natureza da questão levantada quando a sua apreciação deva ou possa fazer-se ex officio (v.g., nulidade de actos jurídicos; questões de inconstitucionalidade normativa; caducidade em matéria de direitos indisponíveis). Os recursos ordinários não servem para conhecer de novo da causa, mas antes para controlo da decisão recorrida. Neste sentido veja-se Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, págs. 140 e 175, e Recursos em Processo civil - Reforma de 2007, págs. 51, 81 e 131 (“[em] Portugal, os recursos ordinários são recursos de revisão ou de reponderação da decisão recorrida. […] A jurisprudência tem repetido uniformemente e desde o início da vigência do CPC de 1939 que os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova”). Do mesmo modo se pronuncia Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 395, com citação de numerosa jurisprudência (“[no] direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”). E ainda Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, pág. 98 (“[…] a apelação não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em primeira instância […]”; “[…] os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas”). No mesmo sentido Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime (DL 303/2007, de 24-08), Almedina, 2008, pág. 23: (“[os] recursos ordinários destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objectivo que se reflecte na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas. Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita a questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de suscitar ou de apreciar questões de conhecimento oficioso (…)”. É entendimento constante do STJ, sobre a natureza e função processual do recurso, de que este não pode ter como objecto a decisão de questões novas, constituindo apenas um remédio processual que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objecto de decisão do tribunal de que se recorre. Em fórmula impressiva: no recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham já sido objecto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que um interessado pretende ver reapreciadas. Nessa medida é entendimento unânime que o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer de questões suscitadas pela primeira vez no processo, por via da revista interposta, a não ser que sejam questões de conhecimento oficioso – assim, acórdão de 27-05-2014, proferido na revista n.º 33/06.3TMSNT.L1.S1-1.ª Secção (sumário acessível em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, Cível – Ano de 2014). Nesse sentido, pode ver-se o acórdão de 13-02-2014, proferido na revista n.º 2806/08.3TJVNF.P1.S1-7.ª Secção “O STJ, no âmbito do recurso de revista, só conhece de direito e de questões que lhe tenham sido suscitadas no tribunal da Relação, estando-lhe vedado o conhecimento de questões novas que não havia sido arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença”.( Sumário acessível em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, Cível – Ano de 2014). No mesmo sentido, o acórdão de 07-05-2014, proferido na revista n.º 244/07.4TCLRS.l1.S1-7.ª Secção (Sumário acessível em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, Cível – Ano de 2014) “O STJ, enquanto tribunal de recurso, aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido, e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal”. Em sentido coincidente ainda, o acórdão de 07-10-2014, proferido na revista n.º 56/04.7TCGMR.G1.S1-6.ª Secção, onde se afirma: “Por norma, não pode na alegação de recurso invocar-se questões ou meios de defesa novos, que não tenham oportunamente sido deduzidos – art. 627.º, n.º 1, do NCPC (2013) –; os recursos ordinários são recursos de revisão ou reponderação, tendo por objecto, fundamentalmente, a decisão impugnada ou recorrida, não visando os recursos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Ressalvam-se, porém, as questões novas que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso da (i)legitimidade das partes – cf. arts. 577.º, al. e), e 578.º do NCPC (2013) –, no caso ainda não decidida com trânsito em julgado, por não ter sido concretamente apreciada – cf. art. 595.º, n.º 3, do mesmo código” (Sumário acessível em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, Cível – Ano de 2014). Ainda neste sentido, o acórdão ainda do STJ de 23-10-2014, proferido na revista n.º 5567/06.7TVLSB.L2.S1-7.ª Secção (acessível em www.dgsi.pt.): “Sendo os recursos meios processuais de impugnação de decisões anteriores, os mesmos apenas incidem sobre questões anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem ser confrontado com questões não colocadas no tribunal a quo. Invocando o autor – no recurso de revista – factos novos, não pode o STJ deles conhecer por força do disposto no art. 682.º, n.º 1, do NCPC (2013). Mais recentemente, podem ver-se os acórdãos de 8-01-2015, revista n.º 991/10.3TBESP.P1.S1-7.ª (porém, de conhecimento oficioso), de 29-01-2015, revista n.º 381/03.4TBMMV.C2.S1-7.ª, de 18-02-2015, revista n.º 1695/04.1TBVIS-C.C2.S1-6.ª, de 19-02-2015, revista n.º 2951/10.5TBMTJ.L1.S1-2.ª, de 26-05-2015, revista n.º 266/1997.L1.S1-1.ª, de 8-10-2015, revista n.º 559/11.7T2STC.E2.S1-6.ª, de 17-11-2015, revista n.º 366/12.0TBMDL.P1.S1-1.ª, de 21-04-2016, revista n.º 1278/10.7TBPTM.E1.S1-2.ª, de 5-05-2016, revista n.º 215/05.5TBRMR.E1.S1-2.ª, de 16-06-2016, revista n.º 3483/13.5TBOER.L1.S1-2.ª, de 14-07-2016, incidente n.º 215/05.5TBRMR.E1.S1-2.ª e de 29-11-2016, revista n.º 5073/07.2TVLSB.L1.S1-6.ª.
Do mesmo modo a questão é encarada no domínio do recurso penal.
Extrai-se do acórdão de 12-11-2014, por nós relatado no processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1, o seguinte passo: “Como afirma a jurisprudência consolidada, os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais, e não meios de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas no tribunal recorrido. Constitui jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. O Tribunal Superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – neste sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 27-07-1965, BMJ n.º 149, pág. 297; de 26-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 362; de 12-07-1989, BMJ n.º 389, pág. 510; de 09-03-1994, processo n.º 43.402; de 02-12-1998, BMJ n.º 482, pág. 150; de 01-03-2000, processo n.º 43/00, SASTJ, n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, processo n.º 160/00; de 06-06-2001, processo n.º 1874/02-5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, processo n.º 1293/01-5.ª; de 26-09-2001, processo n.º 1287/01-3.ª; de 16-01-2002, processo n.º 3649/01-3.ª; de 22-10-2003, processo n.º 2446/03-3.ª, SASTJ, n.º 74, pág. 147; de 30-10-2003, processo n.º 3281/03-5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, processo n.º 2316/06-3.ª; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07-3.ª; de 10-10-2007, processo n.º 3634/07-3.ª, por nós relatado; de 17-10-2007, processo n.º 3878/07-3.ª; de 13-12-2007, processo n.º 4283/07; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/08-3.ª; de 04-12-2008, processo n.º 2507/08; de 11-02-2009, processo n.º 4132/08-3.ª; de 25-02-2009, processo n.º 101/09-3.ª; de 25-03-2009, processo n.º 308/09-3.ª; de 07-05-2009, processo n.º 352/02.8TAETR.C1.S1-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, estando em causa apenas responsabilidade civil em acidente de viação; de 03-12-2009, processo n.º 748/03.8TAGDM.P1.S1-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 326/04.4IDBRG.S1-5.ª; de 10-03-2010, processo n.º 343/09.8PBMTS.P1-A.S1-3.ª (Constituindo o recurso o mecanismo processual que permite a reapreciação (revisão), em outra instância (duplo grau de jurisdição), de decisões expressas sobre matérias e questões já decididas no Tribunal de que se recorre, nele não podem ser suscitadas questões novas que não tenham sido objecto de decisão pelo Tribunal a quo); de 25-03-2010, proferido no processo especial n.º 76/10.2YRLSB.S1 (Mandado de Detenção Europeu), onde se consigna que o tribunal superior não pode conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre; de 06-05-2010, processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª; de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª; de 30-06-2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª (Se a medida da pena conjunta, enquanto consequência de um concurso de crimes, nem sequer foi equacionada pelo arguido, constitui questão estranha ao objecto do recurso, e dela não pode o STJ conhecer, considerando o disposto nos artigos 400.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e f) e 410.º, n.º 1, do CPP); de 10-11-2010, processo n.º 3891/03.0TDPRT.S1-3.ª; de 17-11-2010, processo n.º 18/09.8JAAVR.C1.S1-3.ª; de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1-3.ª; de 24-05-2011, processo n.º 6/09.4TRGMR-A.S1-3.ª (Constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a sindicação da mesma, por via do reexame da matéria nele apreciada e não a reapreciação da matéria nela não conhecida, razão pela qual está vedado ao tribunal de recurso pronunciar-se sobre questão que, muito embora tenha sido decidida no processo, não tenha sido objecto de conhecimento na decisão recorrida); de 21-03-2012, processo n.º 130/10.0JAFAR.E1.S1-3.ª (A função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas, ainda não suscitadas no decurso do processo); de 19-12-2012, processo n.º 1140/09.6JACBR.C1.S1-3.ª; de 2-12-2013, processo n.º 237/12.0GDSTB.E1.S1-5.ª; de 18-12-2013, processo n.º 137/08.8SWLSB.L1.S1-5.ª”. Em caso de enxerto cível o acórdão de 14-02-2013, proferido no processo n.º 6374/05.0TDLSB.L1.S1 - 5.ª Secção, pronunciou-se nestes termos: “O STJ não conhece de questão nova, não suscitada ao tribunal ora recorrido, respeitante ao montante indemnizatório decorrente da perda do direito à vida, porquanto os recursos, enquanto remédios jurídicos destinados a corrigir erros in judicando ou in procedendo nas decisões recorridas, não visam apreciar questões que não tenham sido submetidas pelo recorrente ao tribunal de que recorre”. E do acórdão de 25-06-2014, proferido no processo n.º 472/12.0JABRG.G1.S1 - 3.ª Secção, extrai-se: “Como os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, não podem ser colocadas ao tribunal superior questões novas, que não foram suscitadas perante o tribunal a quo. Assim, no recurso interposto de acórdão da Relação para o STJ, este não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matérias não alegadas pelo recorrente no tribunal recorrido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso ou os vícios e erros de julgamento que o próprio Tribunal da Relação cometeu”. Em caso de enxerto cível, pronunciámo-nos no acórdão de 16-12-2015, processo n.º 641/11.0JACBR.C1.S1, em que estava em causa a apreciação de pedido civil de indemnização, com base em crime de incêndio, ocorrendo dupla conforme. Ainda sobre o ponto e mais recentemente, podem ver-se os acórdãos de 26-11-2014, proferido no processo n.º 12/11.9GHLSB.E1.S1-3.ª, de 11-12-2014, processo n.º 33/06.3JAPTM.E2.S1-5.ª, de 17-12-2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª, de 9-04-2015, processo n.º 353/13.0PAPNI.L1.S1-3.ª, de 15-04-2015, processo n.º 213/05.9TCLSB.L1.S1-5.ª (ressalvando a reapreciação oficiosa de qualificação jurídico-penal), de 18-02-2016, processo – MDE - n.º 207/15.6YRCB.S1-3.ª; de 25-05-2016, processo n.º 171/12.3JBLSB.L1.S1-3.ª6YRCB.S1-3.ª (não pode o tribunal superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao tribunal de que se recorre).
Se no recurso ordinário a questão nova não é de conhecer, estejamos no domínio do processo penal ou civil, naturalmente não pode ser fundamento para revista excepcional, pois só agora a questão foi invocada. Para mais, visando a decisão de primeira instância e não o acórdão recorrido.
Sem embargo.
A questão da nulidade relacionada com a composição do tribunal vertida nas conclusões A), B) e C) teria o mesmo desfecho da questão colocada pelos demais recorrentes, os quais, aliás, reclamaram do acórdão recorrido, o que não fez o recorrente BB. Ademais, sempre se diga que a invocada omissão de pronúncia nas conclusões D), E) e F) do presente recurso não se verifica, pois o recorrente no recurso interposto para a Relação limita-se na conclusão XII – fls. 1912 do 8.º volume – a pedir a absolvição do pedido de indemnização civil, sem nada substanciar em ordem a fundamentar tal pedido, reportando-o apenas en passant, acrescendo que mesmo na dedução do pedido final apenas refere absolvição do crime, a fls. 1913, nestes precisos termos: “com a absolvição total do arguido pelo crime pelo qual foi condenado”. Como já referido, toda a estrutura da impugnação visou exclusivamente a fundamentação da matéria de facto, invocando o recorrente erro de julgamento – conclusões I a X, a fls. 1907 a 1912, – convocando o princípio in dubio pro reo na conclusão XIII, visando o depoimento de um perito, ou seja, a valoração da prova. Não procedendo o recurso, consolidada ficou a matéria de facto estruturante dos elementos do crime e concomitantemente substanciadora da causa de pedir do enxertado pedido de indemnização. O vício da omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixa em absoluto de apreciar e de decidir uma questão que seja suscitada pelos sujeitos processuais ou que não possa deixar de ser oficiosamente tratada. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, nos termos do artigo 425.º, n.º 4, do CPP, preenche-se com a falta de pronúncia sobre questão que devia ser apreciada. No caso presente o Tribunal da Relação pronunciou-se relativamente à única perspectiva trazida a debate pelo recorrente – a pretendida falência do substracto fáctico – pelo que não houve omissão de pronúncia, não se verificando nulidade. No que concerne à questão da culpa do lesado presente nas conclusões I) a N), por constituir questão nova, remete-se para o que ficou dito sobre o ponto, certo sendo que tal questão sempre estaria fora da esfera de cognição deste Supremo Tribunal, quer a mesma se colocasse em sede de recurso ordinário, quer de revista excepcional.
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Diferente é a posição dos recorrentes AA e CC, Lda., os quais invocam a relevância jurídica e relevância social. Nesta vertente colocam a questão da ilegitimidade activa dos demandantes, defendendo ser caso de litisconsórcio necessário activo, cuja violação conduz a absolvição da instância – conclusões 19.ª, 20.ª, 21.ª e 26.ª. Relacionada com o tema aludem a uma acção que correu termos no Tribunal do Trabalho de ... em que foi feita transacção com um outro filho do falecido II caracterizando o acidente como de trabalho – conclusões 22.ª e 23.ª.
A questão da legitimidade activa é efectivamente controvertida, como se verá, sobretudo na doutrina, verificando-se alguns desvios na jurisprudência, pelo que se conhecerá do recurso relativamente a esta matéria respeitante a indemnização por danos não patrimoniais emergentes da morte da vítima, pai dos demandantes, merecendo provimento o que se contém nas conclusões 17.ª, 18.ª, 19.ª, 25.ª e 27.ª, não abrangendo a indemnização por danos patrimoniais, cuja quantificação foi relegada para execução de sentença (pedido quantificado em 160,00 €). A este respeito é de realçar a efectiva relevância em sede de aplicação do direito, sendo plausível que a questão desta oposição de julgados seja resolvida na sede própria. Como se verá, as clivagens e desencontros existentes poderão/deverão alcançar-se através de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ), estando em causa uma questão meramente civilística. A pretendida “melhor aplicação do direito” aludida na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do NCPC, face à controvérsia doutrinal, e não tanto jurisprudencial, poderá ser alcançada pelo mecanismo da uniformização de jurisprudência, adiantando-se que, pelo que pudemos averiguar, curiosamente, sobre este aspecto, no Supremo Tribunal de Justiça, as Secções Criminais têm sido chamadas com mais assiduidade à apreciação do tema da titularidade do direito a indemnização pelo dano morte e, no plano adjectivo, a questão da legitimidade activa.
A uniformização caberá às Secções Cíveis, de acordo com a solução apontada no acórdão de 14-07-2010, proferido no processo n.º 203/99.9TBVRL.P1.S1-A, da 3.ª Secção, em caso de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, estando em causa um acórdão proferido num processo penal, mas tanto o acórdão recorrido como o acórdão invocado como acórdão fundamento (proferido por uma secção cível do STJ num recurso em processo civil), incidem e decidem exclusivamente sobre questão de natureza (matéria) civil, sobre questões exclusivas do pedido de reparação civil deduzido em processo penal. Aí se refere: “A atribuição da competência em razão da matéria segundo a especialização constitui o critério de repartição de competência do Pleno das várias secções para uniformizar jurisprudência. A repartição faz-se, deste modo, seguindo critérios materiais e não processuais ou da natureza do processo - que todavia, só excepcionalmente não coincidirão. No caso em apreço, a matéria que está em causa no objecto do recurso é de natureza exclusivamente civil. O objecto das decisões não constitui numa «causa» (no sentido de questão, determinação, controvérsia, objecto e matéria, e não no sentido adjectivo e formal de tipo ou espécie de processo) de natureza criminal. A fixação de jurisprudência «segundo a (….) especialidade» cabe, assim, às secções cíveis pelo Pleno. A circunstância de o acórdão recorrido ter sido proferido num processo penal, por força do princípio da adesão, não altera nem a natureza da «causa» nem a matéria sobre que versa. A espécie do processo em que foi proferido o acórdão recorrido não é, para este efeito, relevante”. No mesmo sentido, pelo relator do anterior, o despacho proferido em 10-1-2014, no processo n.º 696/03.1PAVCD.P1.S1-A (conflito negativo de competência), estando em causa oposição entre acórdão da 5.ª Secção Criminal e acórdão proferido em processo de revista excepcional (processo de apreciação preliminar sumária), o qual decidiu que só se verifica dupla conforme, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 721.º do CPC, quando o Tribunal da Relação confirma, integral e irrestritamente, a decisão de 1.ª instância. Naqueloutro, da Secção Criminal, sendo o acórdão exclusivamente referido à questão cível suscitada no pedido de indemnização civil deduzido no processo penal, decidira-se ocorrer dupla conforme, não só quando é confirmada a decisão, como nos casos em que é mais favorável à demandante.
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Passando à apreciação das questões colocadas pelos recorrentes demandados AA e CC Lda.
Questão I – Nulidade por violação das regras da composição do tribunal
Os recorrentes AA e CC Lda. sintetizaram esta pretensão nas conclusões 1.ª a 16.ª e 27.ª (início), pedindo a declaração de nulidade insanável do acórdão de 02-06-2015 do Tribunal da Relação de Évora, com base no artigo 119.º, alínea a) (2.ª parte), com referência ao artigo 419.º, n.º 1, ambos do C.P.P., em razão da violação da composição da conferência, devendo os autos baixar àquele Tribunal, a fim de irem com vista ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação, para cumprimento do disposto no artigo 446.º, n.º 2, do CPP. Como se aludiu acima, os demandados AA e CC Lda., na sequência da notificação do acórdão de 2-06-2015, deduziram reclamação para a conferência, nos termos do artigo 123.º do CPP, quanto ao vício de irregularidade de não interposição de recurso, aliás, obrigatório, para o STJ, por parte do M. P. junto da Relação, tendo em atenção a violação invocada pelo despacho de 23-09-2014, da uniformização da jurisprudência fixada com carácter de obrigatoriedade, defendendo que só por via de tal recurso e na procedência do mesmo, ser possível aplicar e restabelecer a validade da jurisprudência fixada, pedindo a anulação do acórdão proferido em 2-06-2015, indo os autos com vista ao Ministério Público para ser dado cumprimento ao disposto no artigo 446.º, n.º 2, do CPP, com referência à decisão do Presidente da Relação de Évora de 6-06-2014 e ao despacho do Desembargador relator de 23-09-2014, tudo conforme fls. 2220 a 2223 e original de fls. 2224 a 2227 (10.º volume). Na sequência, em 24-06-2015, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, a fls. 2229, reiterando o já afirmado (em 18-11-2014, a fls. 2146/7), esclareceu que os autos lhe foram presentes no dia em que terminava o prazo para, eventualmente, accionar os meios facultados no artigo 446.º, n.º 2, do CPP, tendo já em consideração o prazo consignado no artigo 107.º, n.º 5, do CPP, pelo que nada tinha a requerer. Tudo começou com a atribuição de competência para conhecer do recurso da nova sentença que supriu a nulidade verificada antes pela Relação, estando em causa a norma do artigo 379.º, n.º 3, do CPP. Aberto o conflito, veio o dissídio a ser resolvido por decisão do Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 6-06-2014, de fls. 2127 a 2132, transitada em julgado em 4-07-2014, conforme certidão de 2126. O Relator em 23-09-2014 elabora o despacho de fls. 2134 a 2139 (10.º volume), começando por afirmar entender não poder ter lugar a instauração de qualquer conflito, primeira razão para que se não possa obedecer ao despacho, e a outra razão prende - se com a aplicação da lei processual no tempo, que não seria a lei vigente à data em que o processo está para ser distribuído, invocando o AUJ n.º 4/2009, de 18-02-2009 e o AUJ n.º 5/2013, de 17-01-2013 e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/2009, de 26-05-2009, concluindo que, “Divergindo a decisão em apreço da jurisprudência fixada obrigatória para os tribunais judiciais, não há que acatar a predita decisão, atento o que se diz no art.º 445.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen. E a impor reacção por parte do M.P., como bem decorre do que se dispõe no art.º 446.º do mesmo compêndio adjectivo, mormente, seu n.º 2”. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em requerimento de 18-11-2014, a fls. 2146/7, considerou estar esgotado o prazo para interposição do recurso extraordinário previsto no artigo 446.º do CPP, mais dizendo que o despacho de 23-09-2014 transitou em julgado, sendo insusceptível de recurso. Seguiu-se nova redistribuição em 18-11-2014 ao relator primitivo, o qual veio a elaborar o acórdão ora recorrido.
Analisando.
O despacho de 23 de Setembro de 2014, onde se afirma não haver que acatar a decisão que resolveu a divergência entre os dois Desembargadores, assenta em dois equívocos.
1.º equívoco
A falta de distribuição
O Exmo. Desembargador relator, após uma primeira intervenção em que ordenou o cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, no despacho de fls. 2076/7, proferido em 26-11-2013, começou por afirmar que “Entrados os autos neste Tribunal foi elaborado termo de apresentação a exame – ver fls. 2054 dos autos – sem que tenha tido lugar a sua distribuição, vindo a ser conclusos ao anterior relator”. Como consta do selo/etiqueta aposto/a no canto inferior direito da capa do 9.º volume, sob o registo n.º 105703 - 582/05.0TASTR.E2., os autos foram distribuídos em 6-09-2013 ao Desembargador Proença da Costa. Com a mesma data de 6-09-2013 foi elaborado o termo de apresentação e exame de fls. 2054 do 10.º volume. Nos casos em que por força do disposto no artigo 379.º, n.º 3, do CPP, após anulação, os autos retornam ao primitivo relator não há distribuição, mas antes atribuição, sem remessa a distribuição e sem aposição de selo/etiqueta, não contando para a estatística dos processos distribuídos. Como o procedimento não foi este, o processo foi mesmo distribuído, cabendo por coincidência ao mesmo relator. Nada que não possa acontecer.
O equívoco da jurisprudência obrigatória
No despacho de 23-09-2014, o Exmo. Desembargador relator alega que a decisão do Presidente da Relação violara jurisprudência obrigatória, pelo que não havia que acatar tal decisão, atento o que se diz no art.º 445.º, n.º 3, do CPP, impondo-se reacção por parte do M.P., como decorre do que se dispõe no art.º 446.º do CPP. Em primeiro lugar, há que dizer que a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, desde finais do século passado, não é obrigatória. Estabelecia o artigo 446.º do Código de Processo Penal, na redacção originária do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1988, sob a epígrafe “Recursos de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória”: 1 – O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência obrigatória, sendo o recurso sempre admissível. 2 – Ao recurso referido no número anterior são correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.
Com a revisão de 1998 (Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), passou a estabelecer: 1 – O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso sempre admissível. 2 – Ao recurso referido no número anterior são correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo. 3 – O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.
Tal como aconteceu com o n.º 1, no n.º 3, foi substituída a originária designação de jurisprudência obrigatória por jurisprudência fixada.
A norma do artigo 446.º do Código de Processo Penal conexiona-se directa e sequencialmente com o antecedente artigo 445.º do CPP, igualmente inserto no Título II, dedicado aos recursos extraordinários, ora no Capítulo I, prevendo o recurso para fixação de jurisprudência. O preceito em causa tem como fundamento a necessidade de fazer acatar a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão uniformizador, que ao tempo dos “Assentos”, era obrigatória para os tribunais judiciais, como decorria então do disposto no artigo 445.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, antes da revogação do artigo 2.º do Código Civil pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (corporizando com o Decreto-Lei n.º 180/96, de 25-09, a Reforma do Processo Civil de 1995/1996). Antes, de acordo com o n.º 1 do artigo 445.º do CPP, a decisão uniformizadora de jurisprudência, para além de aplicável ao próprio processo em que o recurso fora interposto, sem prejuízo do disposto no artigo 443.º, n.º 3, constituía jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais. Actualmente o artigo 445.º do CPP, sob a epígrafe “Eficácia da decisão”, estabelece: 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 443.º, a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos do n.º 2 do artigo 441.º 2 - O Supremo Tribunal de Justiça, conforme os casos, revê a decisão recorrida ou reenvia o processo. 3 - A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.
A redacção do n.º 1 e do n.º 3, sendo que este n.º 3 não tinha correspondente na versão originária, foi introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999. As alterações introduzidas no n.º 1 e o aditamento do n.º 3 visaram aproximar o regime dos recursos para uniformização de jurisprudência em processo civil – então constante dos artigos 732.º-A e 732.º-B do CPC – e em processo penal, e sobretudo acatar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que quebrara a força vinculativa genérica dos assentos. Aliás, o relatório preambular do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, que introduziu alterações no CPC, referia-se à quebra pela jurisprudência constitucional da força vinculativa genérica dos assentos e a imposição do princípio da sua ampla revisibilidade. Após a publicação deste Decreto-Lei, mas ainda antes da sua entrada em vigor (inicialmente marcada para 1 de Março de 1996, de acordo com o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, a vigência do diploma foi objecto de adiamentos, pela Lei n.º 6/96, de 29-02, que diferiu o início de vigência para 15 de Setembro, e finalmente, pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25-09, que deu nova redacção àquele artigo 16.º, marcando a entrada em vigor para 1 de Janeiro de 1997) o Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 743/96, de 28 de Maio de 1996, proferido no processo n.º 240/94, da 1.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 165, de 18-07-1996 e BMJ n.º 457, pág. 98, decidiu: «Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 2.º do Código Civil, na parte aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115.º, n.º 5, da Constituição». Já anteriormente o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 810/93, de 7 de Dezembro de 1993, processo n.º 474/88 da 1.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 51, de 2-03-1994 e BMJ n.º 432, pág. 85 e RLJ Ano 127.º, págs. 35 e 63, julgara inconstitucional a norma do artigo 2.º do Código Civil na parte em que atribuía aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115.º da Constituição. (Depois de o n.º 1 definir como actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais, o n.º 2 dispõe: “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”). A doutrina assim definida foi perfilhada nos acórdãos n.º 407/94 e 410/94, passando a ser orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional. Na esteira do acórdão n.º 810/93, o Decreto-Lei n.º 329-A/95 – artigo 4.º, n.º 2 – pôs termo à existência do instituto dos assentos e revogou o artigo 2.º do Código Civil.
Na antecâmara da revisão de 1998, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII, Diário da Assembleia da República, II Série - A, n.º 27, de 28-01-1998, no n.º 16, respeitante a alterações em matéria de recursos, constava: h) Altera-se o regime do recurso para uniformização da jurisprudência, valorizando as ideias de independência dos tribunais e de igualdade dos cidadãos perante a lei e evitando os riscos de rigidez jurisprudencial. Concluindo: não sendo a invocada jurisprudência obrigatória a decisão do Presidente da Relação de Évora não violou jurisprudência obrigatória.
Vejamos do acerto ou não da invocação dos dois acórdãos de fixação de jurisprudência constante do despacho de 23-09-2014. Os dois acórdãos versam sobre aspectos muito diferentes, que têm como denominador comum o facto de num e noutro caso estar em causa alteração legislativa, aplicação da lei no tempo. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2009, de 18 de Fevereiro de 2009, proferido no processo n.º 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19-03-2009, teve por objecto a lei reguladora da admissibilidade dos recursos, definindo-a como a que vigora no momento em que é proferida a decisão da primeira instância. A uniformização de jurisprudência teve lugar em caso de dupla conforme, mas em que a decisão da 1.ª instância foi proferida antes de 15 de Setembro de 2007, no domínio do anterior regime processual, sendo fixada nos termos seguintes: «Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância anterior àquela data». Este acórdão fixou jurisprudência no sentido de que em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância, solução que tem sido seguida sem discrepâncias, sendo ponto assente na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, afirmado de forma reiterada, uniforme e sedimentada, que a aferição da recorribilidade se faz com referência à lei vigente à data da decisão da primeira instância, pois só então nasce, concretiza, o direito ao recurso. Especificamente em causa estava a radical modificação dos pressupostos de recorribilidade para o STJ, de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância – os casos chamados de «dupla conforme» – previstos no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), em conjugação com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP. No AUJ n.º 4/2009 estava em causa a sucessão de leis, questão de aplicação de direito intertemporal, problemática que estava igualmente em equação no caso do AUJ n.º 5/2013, de 17 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 165/10.3TTFAR.E1-A.S1, desta 3.ª Secção, Diário da República, 1.ª série, n.º 33, de 15-02-2013, de que fomos relator, em que estava em discussão em matéria de contra-ordenação laboral a forma de contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa (contínua ou interpolada). E daí que se tenha defendido que “ Nada impede que se faça uma transposição deste entendimento sufragado no domínio do processo penal para o processo contra-ordenacional, acrescendo que o que vale para a conformação dos contornos da admissibilidade do recurso, vale do mesmo modo para a contagem do respectivo prazo.” Daí que a solução tenha passado por adoptar o critério da data da decisão que aplique a coima como determinante do regime aplicável, sendo fixada jurisprudência neste sentido: «Instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 17/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelo número 1 do seu artigo 6.º, correndo o prazo de forma contínua, não se suspendendo por isso aos sábados, domingos e feriados».
As questões abordadas pelos dois acórdãos nada têm a ver com o que estava em causa na interpretação do artigo 379.º, n.º 3, do CPP, sendo a única afinidade a alteração legislativa, com a inovação do n.º 3 introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21de Fevereiro, entrada em vigor em 23-03-2013. Em causa nesta situação não estava nem admissibilidade de recurso, nem definição do modo de contagem de prazo para impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa. Nestas duas situações a oposição de julgados situava-se em sede de matéria de recursos e de impugnação judicial, ali na perspectiva da respectiva admissibilidade em caso de dupla conforme, aqui na óptica de contagem de prazo, contínuo ou interpolado. Muito diversamente, no caso em apreço estava em causa a atribuição de competência para apreciação de recurso interposto de nova sentença que substituiu a anterior que fora anulada. Certo sendo que o recurso era admissível e mostrava-se tempestivo. Requisito substancial de admissibilidade do recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada é a oposição entre a decisão recorrida e o acórdão de fixação de jurisprudência. As situações de facto são completamente distintas, como distintos são os quadros normativos em equação. Significa isto que tivesse sido interposto o recurso extraordinário e o mesmo claudicaria. Ademais sempre se dirá que o recurso extraordinário em causa sendo obrigatório para o Ministério Público pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis, como claramente resulta do n.º 2 do artigo 446.º do CPP, sendo que os arguidos e demandados nada fizeram. A defesa da posição de violação de jurisprudência fixada foi feita apenas pelo Desembargador relator no despacho de 23-09-2014. A decisão recorrida em tal quadro seria a decisão do Presidente da Relação transitada em julgado em 4-07-2014. Como de acordo com o n.º 1 do artigo 446.º do CPP o recurso deve ser interposto “no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida”, tal prazo já se mostrava praticamente exaurido, aquando da prolação do despacho, correspondendo a equívoco o constante do último parágrafo ao indicar o caminho do recurso obrigatório por parte do Ministério Público, bem como a data indicada como termo do prazo pelo Ministério Público - dia 25-09-2016 -, a fls. 2146 e 2229. O prazo de 30 dias esgotou-se no dia 19 de Setembro de 2014, que foi sexta-feira (artigo 138.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 104.º, n.º 1, do CPP). Dias 20 e 21 foram sábado e domingo. Os três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, a que alude o artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 107.º, n.º 5, do CPP, foram 22, 23 e 24 de Setembro de 2014. O despacho em causa foi proferido na véspera do termo do prazo de interposição do recurso extraordinário. O processo foi movimentado em 24 e o Ministério Público foi notificado em 25, conforme fls. 2143, ou seja, com o prazo esgotado. Ademais, anota-se que o despacho de 23-09-2014 foi notificado por via postal registada emitida em 24-09-2014 aos mandatários dos arguidos/demandados e demandada, como consta de fls. 2141 e 2142 A reacção dos recorrentes verificou-se apenas já depois do acórdão de 2-06-2015, com a dedução de reclamação em 12 de Junho. Os recorrentes nada fizeram antes, como foi evidenciado no despacho de 14-07-2015, de fls. 2231 a 2236-A, em que o Desembargador relator apreciando a reclamação afirma que “os impetrantes estão a violar o princípio da lealdade processual e o princípio da boa-fé processual”, invocando o acórdão do TC n.º 429/95, citado no acórdão de 29-04-2009, no processo n.º 77/00.9GAMUR.S1-3.ª, terminando a indeferir a pretensão deduzida pelo arguido e demandado civil AA e pela demandada CC Lda. Concluindo. O julgamento do recurso foi feito em conferência com a composição que resultou da decisão de 6-06-2014 do Presidente da Relação de Évora, que resolveu a divergência, transitada em julgado em 4 de Julho de 2014, sem violação de qualquer jurisprudência fixada, de resto em consonância com o disposto no artigo 379.º, n.º 3, do CPP, não se verificando a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do colectivo, sendo da afastar a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea a), do CPP. Improcedem, pois, as conclusões 1.ª a 16.ª e 27.ª (início).
Questão II – Ilegitimidade dos demandantes - Preterição de litisconsórcio necessário activo?
Em causa nas conclusões 19.ª a 27.ª, a questão da indemnização por danos não patrimoniais – Dano próprio do falecido e Dano morte – na perspectiva da legitimidade dos demandantes, havendo que saber se há lugar a litisconsórcio necessário activo. Os demandantes formularam a pretensão indemnizatória convocando dano moral da vítima (reclamando a quantia de € 1500,00), dano de perda do direito à vida (a computar em não menos de € 60.000,00) e dano moral dos filhos (a computar em quantia não inferior a € 60.000,00 ou seja, € 15.000.00 para cada um dos quatro demandantes), para além de dano patrimonial, no valor total de € 160,00.
Os recorrentes colocam em crise a legitimidade dos demandantes quanto aos danos não patrimoniais, enfatizando a questão da necessidade da qualificação judicial de herdeiro do autor da herança e a questão da aplicação do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, devendo ser entendidos como sujeitos às regras da sucessão, o que está ligado à figura processual do litisconsórcio necessário activo, distinguindo na conclusão 26.ª de forma a esclarecer que sujeitos a transmissão por via sucessória estão os danos morais sofridos pela vítima antes do decesso e os inerentes à própria perda de vida, já não abrangendo os sofridos directamente por eles que poderão ser computados no próprio sofrimento de tais beneficiários, como titulares do direito próprio do dano desgosto. Em suma, em causa está a legitimidade para peticionar a indemnização resultante da supressão da vida do Pai dos demandantes e o dano patrimonial traduzido nos sofrimentos padecidos antes da morte, o sofrimento entre o facto danoso e a morte.
Apreciando.
Os recorrentes invocam a ilegitimidade dos demandantes, por falta de habilitação judicial como herdeiros, o que pressupõe que se esteja perante um caso de sucessão e por preterição de litisconsórcio necessário activo, que conduz a absolvição da instância. Para tanto, alegam a existência de um outro filho do falecido, que não está na acção, não tendo havido habilitação de herdeiros. Controversa é a questão da legitimidade para obter a compensação devida pelo dano moral próprio do Pai, consubstanciado no sofrimento havido antes da morte e dano não patrimonial pela perda do direito à vida do Pai dos demandantes, estando em causa, para além do mais, a questão da reparabilidade do dano não patrimonial, traduzido na supressão da vida, o dano morte.
Sobre os danos não patrimoniais versa o artigo 496.º do Código Civil.
O Código Civil de 1966 introduziu uma cláusula geral de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no artigo 496.º, consagrando essa possibilidade de ressarcimento com alcance geral. Integrado na Subsecção I “Responsabilidade por factos ilícitos”, da Secção V “Responsabilidade civil”, do Capítulo II “Fontes das obrigações”, do Título I “Das Obrigações em geral” e Livro II “Direito das obrigações”, versando sobre os danos não patrimoniais, estabelecia o artigo 496.º do Código Civil, na versão originária em vigor desde 1 de Junho de 1967 e intocada até Agosto de 2010: 1 – Na fixação da indemnização deve atender-se sãos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 – Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 – O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.
Tal preceito “sucedeu” ao artigo 56.º do Código da Estrada de 1954, que regia a propósito de responsabilidade civil dos condutores e proprietários de veículos e animais, o qual no n.º 1, última regra, estabelecia: “No caso de morte do lesado em virtude do acidente, o direito de exigir indemnização transmite-se às pessoas referidas no artigo 16.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1946, e pela ordem aí indicada: primeiro, e em conjunto, ao cônjuge e aos filhos, sem distinção de idades quanto a estes, ou só aos filhos, se o cônjuge já não existir; depois às pessoas mencionadas na alínea e) do mesmo artigo”.
O artigo 496.º do Código Civil sofreu alteração com a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (a qual procedeu à primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, 53.ª alteração ao Código Civil e 11.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, que aprova o Estatuto das Pensões de Sobrevivência).
Com tal diploma, no que tange ao Código Civil - artigo 3.º - foram alterados os artigos 496.º, 2019.º e 2020.º, abarcando, pois, as vertentes de indemnização por danos não patrimoniais e direito a alimentos. No que respeita ao artigo 496.º, mantendo-se intocado o n.º 1, e procedendo a pequenos retoques nos n.ºs 2 e 3, que passou para n.º 4, o aludido diploma inovou no n.º 3, ao prever a inclusão da situação de união de facto.
Passou a estabelecer o artigo 496.º do Código Civil: 1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 – Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado (…) de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. (apenas supressão de “judicialmente”) 3 – Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela ou aos filhos ou outros descendentes. 4 – O montante da indemnização é (dantes, será) fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores. (anterior n.º 3).
O legislador não fornece uma definição de danos não patrimoniais, mas indica os requisitos de ressarcibilidade deste tipo de dano, regula a legitimidade no caso de morte e os específicos critérios de avaliação do dano.
Como refere Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, II volume, Indemnização dos Danos Corporais, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Edições Almedina, SA, Fevereiro, 2007, pronunciando-se sobre a indemnização do dano-morte e dos danos morais dos familiares: “Pondo de lado a velha polémica acerca da ressarcibilidade autónoma do dano-morte, mais concretamente, sobre a legitimação para a atribuição de uma indemnização correspondente à perda da vida, extrai-se do art. 496 o reconhecimento de que, em casos de morte, é reconhecido às categorias de familiares aí referidos, e pela ordem indicada, direito de indemnização envolvendo duas parcelas autónomas: - A indemnização pela perda da vida, como bem absoluto que, apesar de irrecuperável, deve ser compensado; - E a indemnização pelos danos morais que a morte de alguém é susceptível de provocar naqueles familiares”. Em nota de rodapé acrescenta: “Sem prejuízo ainda do direito de indemnização por danos morais suportados em vida pelo falecido (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil-Parte Geral, tomo III, pág. 139”. Afirma, de seguida: “Em qualquer dos casos não se encontram na lei positiva parâmetros objectivos para a sua quantificação, tendo o legislador remetido para os tribunais essa tarefa, com recurso às regras da equidade”.
**** Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, a regra geral é a de que a indemnização cabe apenas ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado pela violação de disposição legal destinada a protegê-lo - artigo 483.º do Código Civil. Em princípio, titular do direito a indemnização é apenas o sujeito directa ou imediatamente lesado pelos danos resultantes da violação, o titular dos bens imediatamente afectados pelo facto danoso. O terceiro, que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado com a violação do direito do lesado directo, está, em princípio, fora do círculo dos titulares do direito à indemnização. Excepcionalmente, a indemnização, no que se reporta aos danos patrimoniais, pode caber também (no caso de lesão corporal), ou apenas (no caso de morte) a terceiros, e no que tange a danos não patrimoniais, no caso de morte da vítima, apenas a terceiros, sendo o artigo 495.º, sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, n.º 3, regulando a “indemnização do dano da perda de alimentos”, para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, e o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, justamente, esses casos excepcionais. Como decorre do artigo 496.º a indemnização pelo dano morte é concedida conjuntamente e de forma sucessiva aos grupos de familiares ali indicados Há quem extraia da norma uma situação de litisconsórcio necessário activo, identificando outros uma regra de direito material que não impede uma actuação ut singuli.
Dano da perda da vida
Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime, após o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1971, processo n.º 33.142, tirado em reunião conjunta das então três Secções deste Supremo Tribunal, nos termos do n.º 3 do artigo 728.º do Código de Processo Civil, com 14 votos, incluindo 5 vencidos, constituindo o que o Professor João de Castro Mendes apelidava de “precedente persuasivo”, publicado no BMJ n.º 205, págs. 150 a 164, comentado na Revista dos Tribunais, Ano 90 (1972), n.º 1872, págs. 274 a 279 e na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105.º (1972-1973), n.º 3469, págs. 53 a 63, aqui seguida, a págs. 63/4, de anotação concordante com a solução, por parte de Vaz Serra, “não obstante os cinco votos de vencido”, que, em caso de morte, do artigo 496.º, n.º s 2 e 3, do Código Civil, resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: - O dano pela perda do direito à vida; - O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; - O dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não, e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer. Passou assim a ser reconhecido na jurisprudência que o dano não patrimonial da perda da vida, em sentido estrito, isto é, a própria perda da vida em si mesma considerada, é autonomamente indemnizável (independentemente dos outros danos não patrimoniais que a vítima tenha padecido). No acórdão de 17 de Março de 1971 aceitou-se que a perda do direito à vida (na espécie, por morte ocorrida em acidente de viação), é, em si mesma, passível de reparação pecuniária e que o direito a essa reparação se integra no património da vítima e que por morte desta mantém-se e transmite-se aos seus herdeiros. Aí se pondera que “Não é a morte, em si, como resultado, que gera a obrigação; é, na fórmula do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, a acção ou omissão que virá ater como consequência a morte, através de todo o processo que a ela conduz, desde que essa acção ou omissão seja reconhecida como ilícita”. Contra, maxime, o acórdão de 12 de Fevereiro de 1969, proferido no processo n.º 32.873, publicado no BMJ n.º 184, pág. 156, cujo relator apôs um dos cinco votos de vencido naquele acórdão de 1971, de acordo com o qual o artigo 496.º não fundamenta o direito à indemnização no facto da supressão da vida, mas no sofrimento sofrido pelos titulares do direito à indemnização. O acórdão perfilhou a tese de que, em face do artigo 496.º, a «supressão do bem da vida» não conta como um dano cuja reparação se transmita aos herdeiros. O acórdão foi igualmente publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103.º (1970-1971), n.º 3416, págs. 166 a 171, seguido de comentário desfavorável de Vaz Serra, a págs. 172 a 176. Ponto comum nos dois acórdãos é que, por força da conjugação do artigo 495.º, n.º 3 e do artigo 496.º, n.ºs 2 e 3, ambos aceitam, que, no caso de lesão ou agressão mortal, o agente é obrigado a indemnizar não só o dano patrimonial sofrido pelas pessoas com direito a exigir alimentos ao lesado ou por aquelas a quem este, de facto, os prestava em cumprimento de uma obrigação natural, mas também os danos não patrimoniais que tenham sofrido quer a própria vítima da lesão ou agressão, quer o seu cônjuge ou parentes mais próximos. A diferença está em que o acórdão de 1971 entende que a perda da vida, em si mesma considerada, constitui um dano cuja reparação confere aos herdeiros, por transmissão mortis causa, um direito a indemnização. Abordando as teses em confronto, Antunes Varela considerava que nenhuma das argumentações se mostrava convincente e nenhuma das soluções propostas se podia considerar inteiramente exacta (Das obrigações em geral, Almedina, volume I, 10.ª edição, 2000, pág.610). Conquanto o acórdão de 17 de Março de 1971 não fosse um Assento, veio provocar uma relativa uniformização das decisões sobre esta matéria. E assim, no mesmo sentido, pronunciaram-se os acórdãos de 7-03-1972, processo n.º 63.876, BMJ n.º 215, pág. 218; de 9-05-1972, processo n.º 63.896, BMJ n.º 217, pág. 86; de 22-12-1972, BMJ n.º 222, pág. 392 (pronunciando-se em caso de morte imediata não prevista no acórdão de 17-03-1971); de 16-03-1973, processo n.º 64.462, BMJ n.º 225, pág. 216 e anotado favoravelmente por Vaz Serra na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 107.º, págs. 137 a 143 (Este acórdão subscreve a tese de que a lesão do direito à vida obriga o responsável a indemnizar os danos a ela inerentes, integrando-se a reparação no património da vítima e transmitindo-se com a morte desta imediata ou não); de 16-01-1974, processo n.º 34090, in BMJ n.º 233, pág. 55 (neste caso versando crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 59.º, alínea b), 2.ª, do Código da Estrada de 1954); de 23-01-1974, processo n.º 34.092, BMJ n.º 233, pág. 82 (como no anterior); de 16-04-1974, BMJ n.º 236, pág. 138; de 07-03-1975, BMJ n.º 245, pág. 486; de 15-12-1976, BMJ n.º 262, pág. 150 (onde se afirma: “A lesão do direito à vida é indemnizável, mesmo quando a morte seja imediata. Embora o direito à vida se extinga com a morte, não sendo transmissível como direito de personalidade que é, isso não impede que se transmita a indemnização pela ilícita supressão da vida”); de 17-05-1978, processo n.º 67045, in BMJ n.º 277, pág. 253 (citando os acórdãos de 23-01-1 974 e de 15-12-1976, afirma que a perda do direito à vida por morte ocorrida em acidente de viação, é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, transmitindo-se essa reparação aos sucessores da vítima), de 08-02-1979, processo n.º 67545, BMJ n.º 284, pág. 160 (citando o acórdão de 7-03-1975, afirma: a supressão da vida em acidente de viação constitui dano susceptível de reparação patrimonial) e de 15-01-1980, BMJ n.º 293, pág. 285. Com uma diferença quanto aos destinatários/beneficiários da compensação, pronunciou-se o acórdão de 13 de Novembro de 1974, publicado no BMJ n.º 241, pág. 204, em que se afirma que a perda do direito à vida é passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação gerada pela acção ou omissão de que a morte resultou e que o direito a essa reparação transmite-se, com a morte da vítima, não aos seus herdeiros em geral, mas às pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil. Este acórdão foi publicado e anotado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109.º, Maio de 1976, n.º 3562, págs. 36 a 45, por Adriano Vaz Serra, que diz concordar com a primeira proposição, concordante com a do acórdão de 17-3-1971, e no mais termina, afirmando (após mudança expressa na Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 107.º, pág. 143) que “o problema da transmissão do crédito de indemnização deve ser resolvido segundo a regra geral do artigo 2024.º do Código Civil, isto é, no sentido de tal crédito se transmitir aos herdeiros da vítima”. De igual forma se pronunciou o acórdão de 7-03-1975, proferido no processo n.º 65507, no BMJ n.º 245, pág. 486.
A questão da titularidade activa do direito a indemnização do dano de perda de vida Aquisição por transmissão mortis causa Aquisição originária – direito próprio
A este propósito destacam-se duas posições, defendendo uma a titularidade encabeçada na pessoa da vítima transmitida por via sucessória [aqui se distinguindo entre quem defenda que a transmissão sucessória opera para os herdeiros da vítima, entendendo outros que a transmissão do direito se faz para as pessoas mencionadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil] e outra, a configuração de um direito originário, nascido ex novo, na esfera jurídica das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, através, pois, de uma aquisição directa e originária.
Vejamos as posições da doutrina.
Defendendo a transmissão mortis causa para os herdeiros, desde logo Adriano Vaz Serra nas anotações supra referidas na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103.º (págs. 172/6), Ano 105.º (págs. 63/4) e Ano 109.º (págs. 36/45) e já antes na mesma Revista, Ano 98.º, págs. 74 e 84, em anotação ao acórdão de 17-07-1964, e em Requisitos da responsabilidade civil, BMJ n.º 92, págs. 37 a 136, nota 79, na pág. 87 [Cfr. ainda BMJ n.º 83, pág. 106 e n.º 101, pág. 138]. Na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105.º, pág. 63, começa por afirmar parecer-lhe exacta a observação, feita no acórdão, de que o direito à vida se extingue com a morte e de que, como direito da personalidade, não é transmissível, mas é transmissível o direito de indemnização do dano de supressão da vida. A págs. 64, refere: “O direito de indemnização dos danos não patrimoniais causados à vítima transmite-se, por morte desta, aos seus sucessores, que são os indicados no n.º 2 do artigo 496.º, os quais têm, assim, direito de indemnização desses danos (direito a eles transmitido) e direito de indemnização dos seus próprios danos”. (Sublinhado nosso). Acrescentava: “O que pode ser duvidoso é se, também no caso de morte imediata, instantânea, da vítima, esta adquire direito de indemnização e se, portanto, há um direito de indemnização dela que se transmita aos seus sucessores. Mas, na hipótese do acórdão, não foi esse o caso, conforme nele se refere”. [No que toca à definição dos beneficiários, houve uma alteração quanto às pessoas chamadas a suceder ao direito de indemnização referente à perda do direito à vida, o que, como se referiu, aconteceu com a anotação na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 107.º, pág. 140, pronunciando-se agora o Professor no sentido de essas pessoas serem os herdeiros, em geral, da vítima (art. 2024.º do Código Civil), e não apenas as indicadas no n.º 2 do artigo 496.º. Dessa alteração dá conta o acórdão de 13-11-1974, o que é “confirmado” pelo mesmo Professor na acima aludida anotação a este acórdão, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109.º, págs. 44-5].
A Revista dos Tribunais, Ano 90 (1972), n.º 1872, págs. 274 a 279, em anotação ao acórdão de 17-3-1971, expressou concordância com a posição de Vaz Serra, maxime, a págs. 279, concluindo igualmente que, no caso de morte instantânea, a sucessão dos herdeiros da vítima do acidente de viação não foi aceita pelo novo Código.
Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões-Noções fundamentais, 4.ª edição, Coimbra Editora, Lda. 1980, ao abordar a “Transmissibilidade do direito de indemnização”, a págs. 75-6 [pág. 75 na edição de 1978], defende que, tais direitos de indemnização cabem primeiramente ao de cujus e depois transmitem-se sucessoriamente para os seus herdeiros legais ou testamentários. Isto porque, não obstante tratarem-se de direitos que surgem no momento da morte, eles nascem no último momento de existência da personalidade jurídica, verificando-se assim as condições necessárias para que se constitua a favor do lesado o direito à indemnização, podendo, por isso, ser adquirido por quem falece, ingressando na sua esfera jurídica. Defende o Autor que mesmo na hipótese extrema de morte imediata a vítima chega a adquirir direito a indemnização por danos não patrimoniais, direito que se transmite aos seus herdeiros.
António Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1.ª edição, 1980, Reimpressão, 1986, 2.º volume, a págs. 291/2, pondera: “Em rigor, a morte duma pessoa pode causar desgosto a um número indeterminado de pessoas. O Código sentiu, então, a necessidade de delimitar, precisamente, quem sofreu danos, para efeitos de direito, sob pena de se perder qualquer indemnização útil, esvaída num sem fim de prejudicados. A tal delimitação procede o n.º 2 do artigo 496.º, que refere, em conjunto, o cônjuge não separado, os filhos e outros descendentes e, na falta deles, os pais e outros descentes [sic, em vez de ascendentes] surgindo, finalmente, os irmãos ou sobrinhos que os representem”. (…) A págs. 292/3, refere: “Nos termos gerais do fenómeno sucessório, as indemnizações a que tais danos dêem lugar transmitem-se aos sucessores do morto que podem coincidir ou não, com as pessoas referidas no n.º 2 do artigo 496.º. Quando haja coincidência, essas pessoas acumularão indemnizações: directamente, pelos danos por elas sofridos e a título de sucessão, pelos danos suportados pelo morto”. A págs. 293/4, face à questão de saber se, entre os danos sentidos pelo morto que se transmitem aos sucessores, na óptica da indemnização, se compreende a própria morte, conclui que a morte duma pessoa é, para esta, um dano que pode dar lugar a imputação. O destino da indemnização é, depois, questão de Direito das Sucessões. E acrescenta, de seguida: “A solução encontrada para o dano-morte, no último aspecto focado, é a que nos parece mais adequada, face aos problemas em causa, para além da sua justeza técnica. Efectivamente, o artigo 496.º, n.º 2, visa, apenas, delimitar os beneficiários iure proprio, de determinadas indemnizações por morte de pessoa próxima. É, contudo, um mapa rígido, que escapa, inclusive, à própria vontade do morto, o qual, por testamento, por exemplo, poderá querer indicar o beneficiário da indemnização pela sua morte. A consagração de uma indemnização ao próprio morto permite reforçar o dispositivo do artigo 496.º, n.º 2, tornando-o mais maleável e permitindo à vítima, nos esquemas do Direito das Sucessões, beneficiar quem entender”. O Autor repete estes pontos de vista em Tratado de Direito Civil, VIII, Direito das Obrigações, Almedina, 2014 (Reimpressão da 1.ª edição do Tomo III da Parte II de 2010), seguindo, a págs. 518 a 521, o texto com pequenas alterações de escrita, mas mantendo a referência a “e outros descendentes” a seguir a pais, em vez de “e outros ascendentes” – págs. 292 e 519 – pese embora a “Advertência” de fls. 5. Em suma, o Autor segue a orientação da transmissão da indemnização pelo dano da supressão do direito à vida do próprio lesado que segue, depois, por via hereditária, como clarifica a págs. 523, referindo depois pressões sobre os julgadores (cfr. pág. 524), o que constitui afirmação, com o devido respeito, descabida, porquanto estas indemnizações não são equacionadas apenas em acidentes de viação, mas igualmente em crimes dolosos, sem intervenção de seguradoras, como por exemplo, nos acórdãos de 16-12-2010, no processo n.º 231/09.8JAFAR.E1.S1, de 25-11-2015, no processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1 e de 18-02-2016, processo n.º 118/08.1GAND.P1.S2.
Dario Martins de Almeida (citado no acórdão de 17-03-1971), Manual de Acidentes de Viação, Livraria Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 1980 (a 1.ª edição data de Setembro de 1968, como se vê de fls. 7 e 16), toma posição, a págs. 165/6, no sentido de que em caso de morte da vítima, têm direito a indemnização, por dano não patrimonial, resultante da lesão do direito à vida (e pelo dano não patrimonial sofrido pela própria vítima, quando caso disso), os sucessores jure hereditario (artigos 496.º, n.º 3 e 2014.º e 2025.º). Esta posição vai sendo repetida, como na pág. 168, onde se refere que para além da dor moral porventura sofrida pela própria vítima há o “dano não patrimonial emergente da lesão do seu direito à vida”. “A compensação pecuniária por estes danos não patrimoniais reveste-se de natureza patrimonial e transfere-se aos herdeiros da vítima”. E na pág. 170: “E se, à perda do direito à vida, se substitui automaticamente o direito à indemnização, nada impede que os herdeiros da vítima lhe sucedam nesse direito. Isto concilia-se com o princípio subjacente aos artigos 68.º, n.º 1, 70.º e 71.º, n.º 1 do Código Civil”. A págs. 174/5 refere que o direito à reparação entra logo na esfera jurídica da vítima, constituindo elemento do seu património hereditário, ainda que se trate de morte instantânea ou imediata, e segundo a ordem natural das coisas, nada impede que venha a transmitir-se aos seus herdeiros mortis causa, consoante as regras gerais da sucessão (artigo 2024.º do C. Civil). Sobre a lesão do direito à vida, toma posição a págs. 170. Reconhecendo que o direito à vida é um direito pessoal inerente à personalidade, e como tal, obviamente, não transmissível, avança para a perspectiva de que coisa diferente é a violação ou lesão desse direito e a indemnização que venha a corresponder-lhe, a qual se reveste de natureza patrimonial, afastando a visão naturalística ou materialista da personalidade e do tempo more geometrico, numa escala de mais ou menos minutos ou segundos após a morte, defendendo que a aquisição do direito é automática. Seguindo-se à própria violação do direito, acabando por coincidir com ela, tal como a correspondente obrigação de indemnização está logo envolvida na consumação do facto danoso que é a perda daquele direito.
Manuel de Oliveira Matos no Código da Estrada Anotado, 3.ª edição actualizada e ampliada, Livraria Almedina-Coimbra, 1979, págs. 371 a 375, versou o tema, ao comentar o artigo 496.º do Código Civil, maxime, na rubrica “Danos morais por morte. Legitimidade”, citando a págs. 373, do acórdão de 17-03-1971 a seguinte passagem: “Embora o direito à vida se extinga com a morte, não sendo transmissível como direito de personalidade que é, isso não impede que se transmita a indemnização pela ilícita supressão da vida”. E acrescenta, na pág. 373, penúltimo parágrafo, o seguinte trecho: “No entanto, Antunes Varela (Obrigações, 2. ª ed., I, pág. 148) entende que a perda do direito à vida não é passível de reparação pecuniária”, o que é repudiado pelo Autor citado, considerando uma imputação infundada, na pág. 614, nota 2, em Das Obrigações em geral, 2000.
Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição revista e actualizada, Almedina, Abril de 2008, em nota de rodapé, na pág. 602, afirma propender para a solução dada pelo acórdão de 17-03-1971, em contraponto com a constante do acórdão de 12-02-1969, ou seja, ser a perda da vida em si mesma passível de reparação pecuniária, como dano não patrimonial autónomo (o chamado dano da morte), transmitindo-se o respectivo direito de indemnização aos sucessores da vítima.
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 14.ª edição 2017, Almedina págs. 332 a 335 (na 8.ª edição, págs. 342/3), aderindo à tese da indemnizabilidade do dano morte, afirma: “A perda da vida constitui assim claramente um dano autónomo, cujo direito à indemnização se transmite aos herdeiros da vítima, com fundamento no art. 2014.º, e de acordo com as classes de sucessíveis referidas no art. 2133.º. Esta posição parece, aliás, hoje indiscutível, em face do que dispõe o art. 3.º, n.º 2, do D.L. 291/2007, de 21 de Agosto, para efeitos do qual “a morte integra o conceito de dano corporal”, referindo ainda o art. 2.º a) da Portaria 377/2008, de 26 de Maio, a violação do direito à vida entre os danos indemnizáveis em caso de morte, para além dos danos morais dela decorrentes”. E mais à frente – págs. 334/5 – “o dano-morte em sentido próprio gera um direito à indemnização que se transmite aos herdeiros da vítima. O art. 496.º, n.ºs 2 e 3, refere-se, por isso, a uma outra situação: aos danos não patrimoniais sofridos por outras pessoas, em consequência da morte da vítima”. No mesmo sentido Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, 2.ª edição, Lisboa, 2001, págs. 71 e segs.
Considerando aquisição de direito próprio.
Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 3.ª edição, 1980, aborda o tema de págs. 503 a 511 [na 10.ª edição, Almedina, 2000, págs. 608 a 613], retirando da leitura do artigo 496.º, quer isoladamente considerada, quer analisada à luz dos respectivos trabalhos preparatórios duas conclusões importantíssimas, como explicita a págs. 507/8 [613]: “A primeira é que nenhum direito de indemnização se atribui, por via sucessória, aos herdeiros da vítima, como sucessores mortis causa pelos danos morais correspondentes à perda da vida, quando a morte da pessoa atingida tenha sido consequência imediata da lesão. A segunda é que, no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2 do artigo 496.”. E mais à frente, na pág. 511 [págs. 616/7], refere: “Nos danos transmissíveis por via hereditária poderão ser incluídas as despesas feitas com o tratamento do agredido, bem como as dores físicas ou morais que a agressão lhe tenha causado; mas não o dano específico da perda da vida, desde que se não confundam os planos distintos em que actuam, no domínio da responsabilidade, o direito criminal e o direito civil. O facto de se atribuir como direito próprio às pessoas discriminadas no n.º 2 do artigo 496.º a faculdade de exigir a reparação por um dano relativo a um bem pertencente a outra pessoa nada tem de anómalo. Basta referir o que ocorre com a titularidade da indemnização pelos danos relativos a direitos de personalidade, tendo já falecido o titular destes (cfr. o art. 71.º). T ambém neste caso o direito à indemnização é conferido a pessoas diferentes do titular dos bens da personalidade atingidos; e é atribuído por direito próprio, visto se tratar de ofensas póstumas”. Deste Autor pode ver-se a anotação ao acórdão do STJ de 25-5-1985, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 123.º (1990-1991), n.ºs 3795-6-7-8, págs. 189 a 192, 251 a 256 e 278 a 281 (perda de feto).
Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Lda., 1987, pág. 500, referem no ponto 4, que o direito cabe não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares, por direito próprio e nos termos e segundo a ordem do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil.
No mesmo sentido José de Oliveira Ascensão, Direito das Sucessões, 1967, pág. 29 e 5.ª edição, 2000, págs. 243 e ss..
Pereira Coelho, Direito das Sucessões, II, Coimbra, 1974, abordando o “dano da privação da vida”, pág. 65, dizia: “o direito de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima não se transmite iure hereditario às pessoas mencionadas no art. 496, n.º 2, mas pertence-lhes iure proprio como lhes pertence iure proprio o direito de indemnização dos danos não patrimoniais que a morte da vítima pessoalmente lhes causou. É este o modo como hoje nos inclinamos a ler a lei”. Da mesma forma na edição de 1992, (Composição e impressão João Abrantes, Taveiro, Coimbra), pág. 174, e enunciando interesse prático dessa interpretação na pág. 176 (se os familiares referidos no art.º 496.º n.º 2 adquirem iure proprio o direito de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, a respectiva indemnização não fará parte da herança e, portanto, não será responsável pelos encargos hereditários segundo o princípio geral do art. 2071.º), e mais à frente, a pág. 180, afirma: “O direito de indemnização do dano da privação da vida não chegou a existir, efectivamente, no património da vítima e esta não o transmite à sua morte; a lei, porém, atribui esse direito iure proprio aos familiares mencionados no art. 496.º, n.º 2, permitindo, no art. 496.º, n.º 3, 2.ª parte, que no pedido de indemnização formulado por esses familiares sejam atendidos os danos não patrimoniais sofridos pela vítima – em que se compreende o “dano da morte” –, ao lado dos danos por eles próprios pessoalmente sofridos”.
Rabindranath Capelo de Sousa, em Lições de Direito das Sucessões, I, Coimbra Editora, Limitada, 1978/1980, págs. 276 a 288 [págs. 298 a 304 na 3.ª edição], versando a aquisição do direito de indemnização pelo dano da morte do «de cujus», traça a ideia de que o artigo 496.º, na sua versão definitiva, teve a intenção de afastar a natureza hereditária do direito à reparação pela perda da vida da vítima da lesão, e que a indemnização dos danos não patrimoniais por morte da vítima é de qualificar como um direito próprio e originário, que nasce na titularidade dos familiares designados por lei naquele n.º 2 do artigo 496.º (preceito integrado em capítulo de responsabilidade civil e não em direito sucessório), sendo o direito de indemnização atribuído directamente a tais pessoas, especialmente ligadas à vida do falecido, não respondendo pelos encargos da herança.
Nuno Espinosa Gomes da Silva, Direito das sucessões, Lisboa, 1978, pág. 82, afirmando embora não ter o assunto suficientemente amadurecido, de maneira a pronunciar-se com um mínimo de convicção, adianta: “Assim, o n.º 2 do artigo teria a finalidade de marcar que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe (é a própria expressão da lei) ao cônjuge e parentes, iure proprio, não se verificando qualquer transmissão hereditária”.
Delfim Maya de Lucena, Danos não patrimoniais, com o subtítulo Danos não patrimoniais - O Dano da morte, Interpretação do artigo 496.º do Código Civil, em escrito de 14 de Novembro de 1980, com o qual o Autor se apresentou a concurso para Assistente Estagiário da Faculdade de Direito de Lisboa, conforme Nota Prévia de pág. 9 e pág. 72, publicado pela Livraria Almedina-Coimbra, 1985, ponto 7.3, pág. 66, inclina-se “a considerar que o direito à indemnização pelo «dano morte» é atribuído, ex-novo, às pessoas (familiares da vítima), mencionadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil”, expondo de seguida as várias razões que alicerçam esta posição. E mais à frente, indicando o sistema que julga estar consagrado no artigo 496.º do Código Civil, a págs. 69/70, afirma: “No n.º 2, ao afirmar-se que o direito à indemnização «por morte da vítima» cabe, em conjunto, a determinados familiares, está-se a declarar a indemnizabilidade autónoma do «dano-morte», pois só quanto a este é lógico afastar o normal regime sucessório e indicar um conjunto de pessoas com direito à indemnização, dado que, não sendo já possível atribuí-lo ao morto, não seria viável a sua transmissão «mortis causa» e, à míngua de titular, não podendo o direito ser accionado, frustrar-se-ia a intenção da lei de não deixar impune, de um ponto de vista patrimonial, a enorme lesão causada pelo autor da conduta ilícita, violadora do mais sagrado dos direitos: o direito à vida”.
Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, na obra colectiva Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Limitada, 2007, págs. 495 a 559, versando a legitimidade para pedir a compensação dos danos não patrimoniais por morte da vítima, expende a págs. 523/4: “De acordo com uma jurisprudência consolidada, os titulares do direito de indemnização em caso de morte da vítima (imediata) têm direito a obter compensação pelo sofrimento que padeceram, pelo sofrimento causado à vítima antes de morrer e pelo próprio dano da perda de vida. A escolha dos titulares atendeu não à ordem de sucessão, mas aos vínculos de afeição que se supõe existirem entre familiares. Fala-se a este propósito de uma presunção dos afectos, correspondendo a seriação dos titulares a uma “ordem decrescente de proximidade comunitária e afectiva”, na fórmula bene trovata de Capelo de Sousa”.
Interpretação da expressão «em conjunto» do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil
Em causa está a questão de saber se tal expressão tem um significado adjectivo, exigindo a figura do litisconsórcio necessário activo, ou não, isto é, se o preceito impossibilita a demandante de deduzir pedido de indemnização por danos não patrimoniais baseado no dano morte, isoladamente, desacompanhada do marido da mãe, ou ainda, independentemente da solução a dar ao problema, se não se estará face a caso de declaração de titularidade única quanto a tal direito por parte da demandante, por impossibilidade de exercício do direito por parte do arguido demandado. Seguiremos de perto o acórdão de 16-12-2010, no processo n.º 231/09.8JAFAR.E1.S1, proferido em caso de uxoricídio, em que a demandante era filha da falecida e do autor do homicídio qualificado. Em anotação ao acórdão de 14 de Julho de 1965, publicado no BMJ n.º 149, pág. 185, estando então em apreciação a norma do artigo 56.º, n.º 1, parte 3, último período, do Código da Estrada de 1954, o Professor Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 99.º, pág. 56, dizia: «Quando a lei diz que o direito de indemnização pertence, «em conjunto», ao cônjuge e aos filhos, não quer dizer que a indemnização seja uma só, mas apenas que tanto o cônjuge como os filhos têm direito a indemnização, sem que aquele exclua estes ou estes excluam aquele». De acordo com o acórdão de 12 de Outubro de 1966, processo n.º 32 182, in BMJ n.º 160, pág. 182, versando caso de homicídio, p. e p. pelo artigo 59.º, última parte, do Código da Estrada de 1954, “A transmissão conjunta ao cônjuge e aos filhos do direito à indemnização estabelecida na parte final do n.º 1 do artigo 56.º do Código da Estrada (de 1954), significa que o cônjuge e os filhos têm igual direito a ser indemnizados, ao passo que as demais pessoas aí referidas têm um direito sucessivo, mas, no caso de economias separadas, cada um deve ser indemnizado de harmonia com os danos materiais e morais efectivamente sofridos. Interpretando a expressão em conjunto, constante então do último período do n.º 1 do citado artigo 56.º do Código da Estrada, após afirmar que o fim e o espírito do preceito não era que a indemnização devesse ser dividida em partes iguais pela viúva e pelos filhos, explicitava tal acórdão: “O que se pretende dizer é que o cônjuge e os filhos têm igual direito a ser indemnizados, ao passo que as demais pessoas que podem receber indemnização têm um direito sucessivo, em que as primeiras preterem as seguintes, e assim sucessivamente. Bem se compreende a regra que pretende colocar no mesmo grau o cônjuge e os filhos. Mas isso não implica que, no caso de economias separadas, as indemnizações não sejam divididas de acordo com os danos ou prejuízos efectivos. O que a lei pretende dizer é apenas que o pedido do cônjuge sobrevivo não afasta o direito dos filhos, e, inversamente, o pedido feito por estes não prejudica o do cônjuge. Isto, e mais nada!”. E concluía: “Por isso, se só a viúva sofreu, averiguadamente, prejuízos ou danos materiais e o filho, por viver em economia separada, só teve de suportar os danos morais resultantes da morte do pai, é manifesto que as indemnizações não podem ser iguais”. No dizer do acórdão de 12 de Fevereiro de 1971, proferido no processo n.º 63.321, publicado no BMJ n.º 204, pág. 149, e Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105.º, págs. 37 a 42, versando caso de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, em acção com processo especial ao abrigo do artigo 68.º do Código da Estrada de 1954, “A locução «em conjunto» significa apenas que o cônjuge sobrevivo e os filhos participam simultaneamente na titularidade do direito, ao passo que as demais pessoas que podem receber a indemnização têm um direito sucessivo em que as primeiras preterem as segundas, e assim sucessivamente. Isto é, o cônjuge e os filhos têm igual direito a ser ressarcidos, enquanto os mais têm um direito sucessivo”. E citando o acórdão de 12-10-1966, acrescenta “Mas, em certos casos, o quantum indemnizatório é dividido de acordo com os danos efectivos”. O Professor Adriano Vaz Serra, comentando a solução deste acórdão na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105.º, n.º 3468, págs. 42/8, disse estar certo o afirmado. E adiantou então, na pág. 43: “O artigo 496.º, n.º 2, quando reconhece direito de indemnização, por danos não patrimoniais, ao cônjuge e aos descendentes, em conjunto, quer naturalmente dizer que, havendo cônjuge e descendentes, todos têm direito de indemnização, não sendo, portanto, o direito daquele excluído pelo destes, e vice-versa. Assim, desde que ao cônjuge e aos descendentes tenham sido causados danos não patrimoniais, e estes, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1), o responsável é obrigado a reparar tais danos, tanto os causados ao cônjuge como os causados aos descendentes. O dano de cada um dos titulares do direito à indemnização deve ser apreciado independentemente do dos outros, não podendo, por isso, considerar-se aceitável que só no caso de economias separadas cada um deva ser indemnizado de harmonia com os danos não patrimoniais efectivamente sofridos”. Manuel de Oliveira Matos no Código da Estrada Anotado, 3.ª edição actualizada e ampliada, Livraria Almedina-Coimbra, 1979, pág. 373, refere: “A expressão «em conjunto», tal como na legislação anterior, não estabelece qualquer forma de parcelamento da indemnização, significando apenas que o cônjuge sobrevivo e os filhos participam simultaneamente na titularidade do direito, «ou têm igual direito a ser indemnizados, ao passo que as demais pessoas que podem receber a indemnização têm um direito sucessivo em que as primeiras preterem as segundas, e assim sucessivamente» (STJ, 12-10-66, BMJ, 160-188; 12-7-77, BMJ 269-123). Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Lda., 1987, pág. 501 referem: “7. O facto de a lei afirmar (no n.º 2) que a indemnização cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da vítima não significa que o tribunal não deva discriminar a parte que concretamente cabe a cada um dos beneficiários, de acordo com os danos por eles sofridos. Terem direito à indemnização em conjunto significa apenas que os descendentes não são chamados só na falta do cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2.º e 3.º grupos indicados no n.º 2, para as quais vigora o princípio do chamamento sucessivo”.
A Jurisprudência tem entendido, seguindo a orientação de Antunes Varela, expressa em Das Obrigações em geral, volume I, 6.ª edição, pág. 585 (e 9.ª edição, 1998, págs. 630 a 639) e na RLJ, Ano 123.º, pág. 191, e de Capelo de Sousa, em Lições de Direito das Sucessões, volume I, 3.ª edição, págs. 298 a 304, e a ideia de que o artigo 496.º, na sua versão definitiva, teve a intenção de afastar a natureza hereditária do direito à reparação pela perda da vida da vítima da lesão, que a indemnização dos danos não patrimoniais por morte da vítima é de qualificar como um direito próprio e originário, que nasce na titularidade dos familiares designados por lei naquele n.º 2 do artigo 496.º.
Segundo o acórdão de 24-04-1997, recurso n.º 156/97, Secção Criminal, in CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 186, em caso de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal; o direito a indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima com a perda da sua vida não se transmite por via sucessória, mas por direito próprio, como titulares originários do direito a indemnização, citando Antunes Varela na RLJ, Ano 123.º, pág. 191 e R. Capelo de Sousa em Lições de Direito das Sucessões, vol. I, pág. 287, em suma afirma a natureza originária e não por via sucessória do direito à indemnização pelo dano morte da vítima.
A tese da aquisição iure proprio é acolhida, i. a., nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07-10-2003, revista n.º 2692/03 da 6.ª Secção; de 21-01-2003, revista n.º 3671/02, da 1.ª Secção; de 16-06-2005, revista n.º 1612/05, da 7.ª Secção; de 24-05-2007, revista n.º 1359/07, da 7.ª Secção; de 29-01-2008, revista n.º 07B4397, da 2.ª Secção (Trata-se de um caso especial de indemnização, nos termos do artigo 496.º, n.º 2, do C. Civil, atribuindo-se a determinadas pessoas um direito próprio a serem reparadas e abstraindo-se de quaisquer regras sucessórias, revestindo aquela norma natureza excecional); de 5-02-2009, processo n.º 4093/08, da 2.ª Secção (O dano da própria morte, pela supressão do direito à vida – art. 496º, nº 2 -, cuja indemnização cabe, jure proprio, originário, e não por via sucessória, aos familiares referidos no nº 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada (cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. I, 6ª ed., pag. 583 e Pires de Lima e Antunes Varela, C.C.Anotado, vol. I, pag. 500); de 17-12-2009, revista n.º 77/06.5TBAND.C1.S1, da 1.ª Secção (o direito à indemnização por supressão do direito à vida deve ser entendido como um direito próprio dos familiares do falecido e não como um direito da vítima que se transmite por via sucessória); de 22-06-2010, revista n.º 3013/05.2TBFAF.G1.S1, da 1.ª Secção (o direito à indemnização por morte da vítima consagrado no n.º 2 do artigo 496.º do CC cabe originariamente às pessoas nele indicadas, por direito próprio; desaparecido, pela produção do dano-morte, o sujeito do direito de personalidade violado, a quem pelos princípios gerais da responsabilidade civil caberia o direito à indemnização, a lei elege como titulares originários desta certos terceiros em atenção às suas relações familiares com a vítima, deferindo esse direito a indemnização «em termos hierarquizados, a grupos de pessoas, em conjunto, mas não simultânea ou indistintamente a todas as pessoas nelas indicada»); de 18-09-2012, revista n.º 973/09.8TBVIS.C1.S1, da 6.ª Secção (defende que “o problema da reparação, em caso de morte, é tratado como um caso especial de indemnização, nos arts. 495.º e 496.º, n.º 2, do CC, respectivamente, para os danos patrimoniais e não patrimoniais, atribuindo-se a determinadas pessoas um direito próprio de serem indemnizadas e abstraindo-se de quaisquer regras sucessórias). Extrai-se do acórdão de 30-04-2015, revista n.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1, CJSTJ 2015, tomo 1, págs. 190/2 e Sumários Abril 2015, pág. 51, apud Código Civil Anotado, de Abílio Neto, Janeiro de 2016, 19.ª edição reelaborada, Ediforum, pág. 545: “No caso de morte da vítima a titularidade do direito à indemnização por dano não patrimonial pela perda da vida é atribuída ex lege aos familiares referidos no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, afastando a lei a aplicabilidade do regime sucessório que decorreria de se considerar que o direito à indemnização pelo dano moral se integrou com a morte na esfera jurídica do de cujus.” Afastando-se da posição do acórdão de 24-09-2013, da 1.ª Secção, que considera que o direito de indemnização por danos não patrimoniais radica na esfera jurídica da vítima, seguindo a lição de Antunes Varela e a posição do acórdão de 18-09-2012, da 6.ª Secção, que igualmente cita, refere no ponto 15: “A lei, no artigo 496.º/2 do Código Civil, no que respeita ao dano morte ou dano de perda de vida, atribuindo-o aos familiares, exclui-o do regime sucessório, pois, não fora tal atribuição ex lege, sempre seria de contar que a morte origina um dano – porventura o maior que cada um de nós pode sofrer – que é o da extinção da própria vida”. E no ponto 16, adianta: “Resultando da essência das coisas que o ressarcimento do dano morte será necessariamente atribuído a terceiros, o que para a lei importou foi determinar quem da indemnização pode beneficiar e quem não pode. Daí o critério fixado no artigo 496.º/2 do Código Civil que, no que toca a esse dano, delimita os titulares”. O acórdão considerou que a indemnização pelos danos morais devia ser atribuída na totalidade à autora, progenitora do jovem de 19 anos, incluindo a parcela respeitante à perda do direito à vida, nada atribuindo ao pai, que abandonou o filho e foi inibido de exercer o poder paternal. No acórdão de 14-10-2016, proferido no processo n.º 160/12.8GAPNI.C1.S1, da 3.ª Secção, estava em causa a interpretação do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, nomeadamente quanto a saber se o direito indemnizatório previsto neste artigo, decorrente da perda do direito à vida e dos danos não patrimoniais sofridos em consequência de tal perda, deve ser entendido como direta e originariamente adquirido pelas pessoas indicadas naquele n.º 2. No caso estava em apreciação pedido de indemnização por parte dos pais por perda da vida do filho e por dano desgosto, havendo cônjuge sobreviva. Demarcando-se da jurisprudência maioritária, acompanhando a posição de Galvão Telles (se um direito surge no momento da morte, no primeiro momento da inexistência de personalidade também nasce no último momento de existência dessa personalidade, podendo portanto ser adquirido por quem falece) e a tese de Diogo Leite de Campos, (na medida em que defende a construção de uma teoria de aquisição do direito post mortem como ainda uma manifestação da personalidade jurídica do de cujus), convocando Einstein na Teoria da Gravidade Geral e a fixação pelo investigador da Universidade de Stanford, Francis Everitt, do menor dos intervalos de tempo no miliarcosegundo (correspondente ao tempo que se demora para percorrer uma distância equivalente à espessura de um cabelo), entende que o direito a tal indemnização nasce na esfera jurídica da própria vítima no preciso momento em que é praticado o acto ou verificada a omissão que tem como resultado a morte, venha esta a ocorrer imediatamente ou em momento cronologicamente anterior posterior, afastando-se da posição de Arala Chaves no acórdão de 17-03-1971 (considerando, em voto de vencido, “inadmissível” a tese consagrada por maioria no acórdão no sentido de “reconhecer o nascimento do direito com o facto jurídico de que deriva, para o pretenso titular, a incapacidade para o adquirir”). Conclui na linha da jurisprudência que fez vencimento no acórdão de 17 de Março de 1971, que produzindo-se o dano na esfera jurídica da vítima (na esfera inata e intransmissível do seu direito à vida), o direito à indemnização pela supressão do direito à vida enquanto dano não patrimonial autónomo radica originariamente na esfera jurídica dessa mesma vítima. No caso, a vítima havia incumprido a obrigação de segurar imposta pela sua qualidade de proprietário do veículo causador do acidente, não beneficiando da normal garantia assegurada pelo Fundo de Garantia Automóvel (FGA), e daí que os pais não pudessem exigir do FGA qualquer indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais sofridos na esfera jurídica da vítima, indemnização a que teriam direito por eventual direito por transmissão mortis causa, podendo ter direito a indemnização pelos danos próprios sofridos enquanto terceiros, pessoalmente sofridos com a morte do filho (dano por ricochete), sendo afastada a possibilidade de reclamarem indemnização pelos danos sofridos na esfera jurídica do vítima, como é o caso da indemnização pelo dano não patrimonial autónomo supressão da vida. No acórdão de 23 de Março de 1995, recurso n.º 44.009, Secção Criminal, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230, na ausência de cônjuge sobrevivo, descendentes e ascendentes do falecido, estavam presentes irmão e sobrinhos por direito de representação, defende claramente a tese da concepção da indemnização como direito próprio, originário, directamente atribuído ao cônjuge e aos parentes mais próximos, à margem do fenómeno sucessório da herança da vítima. No mesmo sentido, e do mesmo relator, o acórdão de 15 de Abril de 1997, Revista n.º 208/97 - 1.ª Secção, BMJ n.º 466, pág. 450 e CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 42, em acção proposta contra o Estado por acidente nas águas da praia de ..., que vitimou o filho do demandante, intervindo mais tarde a Mãe. “Por morte da vítima o direito à indemnização por danos não patrimoniais não envolve um problema de legitimidade ou de litisconsórcio necessário e assim é de deferir o requerido incidente de intervenção principal espontânea. No acórdão discute-se se a expressão “em conjunto” tem um sentido adjectivo (exigindo a figura do litisconsórcio necessário activo) ou não. Começa por reportar o acórdão de 12-2-1971, BMJ n.º 204, pág. 149, anotado favoravelmente por Vaz Serra na RLJ 105/42-8, onde se pode ler: «Peticionar a indemnização pelo dano da morte pode ser feita por qualquer um dos titulares do direito. (Pág. 43, 2.ª coluna, in fine). Questão diversa desta (que tem natureza processual) é a da sua valoração (esta sim de natureza substantiva) e esta depende de prova. A expressão “em conjunto” tem o sentido de afastar as regras sucessórias e estabelecer norma específica, dizendo que se procede a uma atribuição e a uma repartição conjunta. Não há litisconsórcio necessário nem conveniente (C.P.Civil/28). “A esta mesma conclusão se deve chegar se se adoptar a tese de Vaz Serra (que considerava que o art. 496.º n.º 2 C. Civil afastou a regra do art. 2024 C. Civil)”. O que o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil diz, e pela doutrina e jurisprudência é atendido, é que há chamados sucessivos, preterindo o cônjuge sobrevivo e os filhos os outros parentes. A interpretação da expressão em conjunto não pode ser a de que a mesma quis ter um significado adjectivo, processual (…) mas apenas um substantivo e esse vem indicado no n.º 7 da anotação ao artigo 496.º do Código civil Anotado, de A. Varela e P. Lima I, pág. 501. O dano de cada um dos titulares do direito à indemnização deve ser apreciado independentemente do dos outros. Há direito a ser atribuída indemnização. Importa estimá-la, valorá-la, mas isso nada tem que ver com a interpretação da expressão “em conjunto” nem com a figura do litisconsórcio necessário (p. 44, 2.ª coluna). No mesmo sentido, e ainda do mesmo relator, partindo igualmente da tese do direito próprio e originário à indemnização por parte das pessoas indicadas no preceito, pronunciaram-se os acórdãos de 11-11-1997, proferido no processo n.º 716/97, e de 16-05-2000, na revista n.º 392/00 – a expressão «em conjunto» do artigo 496.º, n.º 2, do CC, não tem significado adjectivo, processual - não há litisconsórcio necessário nem conveniente.
O acórdão de 14 de Outubro de 1997, recurso n.º 225 – 2.ª Secção, in CJSTJ 1997, tomo 3, págs. 61-65, versando acidente de viação mortal, na sequência de colisão não culposa de veículos, afastando no caso o direito a indemnização do consorte marital, quanto a alimentos, na vertente que ora importa (necessidade ou não de habilitação), afirma: «Não obstante se não encontrarem na acção todas as pessoas com direito a indemnização a que alude o artigo 496.º, n.º 2, do CC, tal não obsta a que o Tribunal fixe, desde logo, a quota indemnizatória dos presentes». «É que, apesar da lei, no artigo 496.º, n.º 2, usar a expressão “em conjunto”, tal não quer dizer que “o tribunal não deva descriminar a parte que concretamente cabe a cada um dos beneficiários, de acordo com os danos sofridos”, já que “terem direito à indemnização em conjunto” significa que os descendentes não são chamados só na falta do cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2.º e 3.º grupos indicados no mesmo n.º 2 para os quais vigora o princípio do chamamento sucessivo (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 1, 4.ª edição, 1987, pág. 501)». E no acórdão de 16 de Março de 1999, processo n.º 22/99, da 2.ª Secção, in BMJ n.º 485, pág. 386, versando caso em que estava em discussão saber se o neto do sinistrado falecido tem legitimidade ad causam para peticionar indemnização por danos não patrimoniais, tendo o avô deixado cônjuge e filhos, a quem competiria a exercitação prioritária desse direito, afirma-se: “O direito à indemnização caberá em conjunto, não ao cônjuge, aos filhos «e» outros descendentes, mas sim ao cônjuge e aos filhos e também (ou) a outros descendentes que eventualmente hajam sucedido a algum desses filhos pré - falecidos por direito de representação”. O acórdão de 16 de Janeiro de 2002, proferido no processo n.º 3011/01, da 3.ª Secção, in CJSTJ 2002, tomo 1, págs. 165/6, em caso de homicídio qualificado, apreciando a legitimidade da demandante, neta da vítima, relativamente ao segmento da indemnização pelos danos não patrimoniais produzidos à vítima antes de ocorrer a morte desta, que foi negada na 1.ª instância, com fundamento na preterição de litisconsórcio necessário/legal activo, resultante de ter deduzido o pedido desacompanhada do outro sucessor da vítima, irmão da demandante, começa por afirmar: “Segundo a doutrina e a jurisprudência hoje dominantes, toda a indemnização por danos morais prevista no artigo 496.º, n.º 2, do CC, cabe, não aos herdeiros da vítima, por via sucessória, mas, por direito próprio, em conjunto, aos familiares aí indicados. E cabe-lhes em conjunto, na expressão desse preceito. Também conforme entendimento uniforme, que perfilhamos, essa expressão não significa a exigência legal de um litisconsórcio necessário activo para o peticionamento da indemnização por aqueles danos. Tem apenas o sentido de que, relativamente à primeira linha de beneficiários - cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e filhos e outros descendentes - todos são chamados conjuntamente, sem aplicação do princípio do chamamento sucessivo, a vigorar só relativamente aos beneficiários do 2.º e 3.º grupos. Não havendo um limite legal do quantitativo indemnizatório global e sendo possível a individualizada determinação da indemnização a que tem direito cada um dos beneficiários (com recurso à disposição do n.º 3 do art. 496.º do CC), a decisão que conheça só da parte da indemnização que cabe à beneficiária peticionante produzirá o seu efeito útil normal, porque regulará definitivamente a situação entre peticionante e peticionada, verificando-se, pois, uma situação de litisconsórcio voluntário”, concluindo pela não verificação da declarada ilegitimidade da peticionante, não sendo caso de absolvição da instância, mas antes de conhecer do pedido.
O acórdão de 17 de Dezembro de 2016, proferido no processo n.º 366/13.2TNLSB.L1.S1, da 2.ª Secção, dizendo prevalecer na jurisprudência deste Supremo Tribunal a tese que nega o litisconsórcio necessário activo (Acs. de 15-04-97 na CJSTJ tomo II, pág. 42, de 23-3-95, na CJSTJ, tomo I, pág. 230 e de 16-01-2002), afirma: “O preceituado no n.º 2 do art. 496.º do CC não representa uma situação de litisconsórcio necessário activo, antes constitui uma norma que atribui a indemnização, de forma escalonada, a um conjunto de interessados, de acordo com o grau de parentesco considerado relevante. Abstraindo da natureza jurídica da indemnização pela perda da vida, como direito próprio da vítima que se transmite para os familiares identificados ou como direito que se constitui directamente na esfera dos familiares em consequência da morte, o legislador assumiu naquele preceito, de forma autónoma e fora do quadro do direito sucessório, uma determinada regra atributiva e distributiva da indemnização. Ora, tal não colide com a possibilidade de ser reclamada por cada um dos sujeitos a quota-parte da indemnização que lhe caiba, matéria que se integra no mérito da pretensão e que não colide com a legitimidade activa. (…) Com esta clarificação, para além de não estarmos perante uma situação de preterição de litisconsórcio necessário activo, o facto de o A. peticionar a indemnização pelo direito à vida do seu pai sem estar acompanhado da mulher da vítima e mãe do A. não se reconduz a uma situação de ilegitimidade processual, antes a uma questão de mérito que será decidida oportunamente consoante as regras do art. 496.º do CC”
Noutra perspectiva, segundo o acórdão de 9-05-1996, recurso cível n.º 88.357, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 58, e BMJ n.º 457, pág. 275, versando caso de morte em acidente de viação, refere-se a direito próprio, na titularidade das pessoas indicadas no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil e que não é uma questão de legitimidade processual saber quem são os titulares do direito de receber a indemnização por danos não patrimoniais, por morte da vítima.
Em sentido adverso, pronunciando-se diferentemente destas posições, no sentido do litisconsórcio necessário, podem ver-se dois acórdãos das Secções Criminais: Acórdão de 23-10-1997, processo n.º 715/96, da 3. ª Secção, cujo sumário é: «O art. 496.º, n.º 2, do CC, ao referir que o direito a indemnização é atribuído, em conjunto, a determinadas categorias de pessoas, tem desde sempre sido interpretado no sentido de que esse “em conjunto”, corresponde a uma exigência de um litisconsórcio necessário, por ser isso o que o art.º 28, do CPC, determina. Tal expressão utilizada pela lei, não quer assim referir-se à existência de uma obrigação conjunta, mas sim a uma situação em que os direitos dos diversos interessados têm de ser exercidos “em conjunto”, isto é, por todos simultaneamente, o que é a característica das obrigações solidárias». No mesmo registo, o acórdão de 05-02-2009, proferido no processo n.º 3181/08, da 5.ª Secção, em caso de transporte de passageiro na caixa de carga de veículo de mercadorias, onde se afirma que «Conforme é jurisprudência pacífica, a expressão «em conjunto» do n.º 2 do artigo 496.º do CC significa que os herdeiros participam simultaneamente na titularidade do direito, pelo que devem propor a acção em litisconsórcio necessário activo».
No acórdão de 16-12-2010, no processo n.º 231/09.8JAFAR.E1.S1, por nós relatado em caso de uxoricídio, em que a demandante era filha da falecida e do autor do homicídio qualificado, estava em causa a legitimidade da demandante, concluindo-se: “Propendemos para a solução de que no caso presente não há lugar a necessidade de acompanhamento inicial, ou subsequente, por via de intervenção de terceiro espontânea, ou provocada sucessiva, de outros titulares do direito à indemnização, não sendo, pois caso de litisconsórcio necessário, tendo, pois, a demandante plena legitimidade para, sozinha, demandar o arguido pelo pedido de indemnização em causa”. E acrescentando-se: “Não obstante, e para além desta solução, há que atender à específica configuração do caso presente, que conduz ao afastamento de uma situação de contitularidade, radicando o exercício do direito à pretendida indemnização unicamente na pessoa da demandante, com exclusão do demandado, mesmo fora dos quadros da consideração da solução de declaração de indignidade sucessória, muito embora com ela directamente conectada. É que no caso coincidem na mesma pessoa o autor da lesão e o cônjuge sobrevivo ou herdeiro, a pessoa a que alude o n.º 2 do artigo 496.º ou o titular do direito sucessório e o obrigado à indemnização, sendo o credor simultaneamente devedor, o causador do evento que conduziu à abertura da sucessão; no fundo, estaríamos perante um personagem que sendo autor do facto lesivo de que emerge a obrigação de indemnizar e por isso constituindo-se devedor, seria em simultâneo credor da indemnização nascida de acto ilícito próprio. No recurso não é posta em crise a autoria do uxoricídio; o recorrente apenas pugna por desqualificação do homicídio e redução de pena. Conclui-se que a demandante tem legitimidade para deduzir o pedido de indemnização por danos não patrimoniais em causa – por dano morte -, agindo de per si, desacompanhada do marido da mãe, julgando-se improcedente o recurso e sendo de confirmar o acórdão recorrido”. Foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido demandado, no que tange à parte cível, segmento respeitante à legitimidade da demandante para por si só demandar o arguido por indemnização por danos não patrimoniais, na vertente de indemnização por dano morte.
De todo o exposto, conclui-se ser o direito a indemnização pelo dano morte um direito originário, não havendo que proceder a habilitação de herdeiros. A ausência da lide de um outro filho do falecido, Pai dos demandantes, não determina ilegitimidade por infracção das regras do litisconsórcio necessário, que se não aplicam no caso.
Decisão
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em: I – Rejeitar o recurso interposto pelo recorrente BB; II – Julgar improcedente o recurso interposto pelos recorrentes AA e CC. Ldª., confirmando-se inteiramente o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes, nos termos do artigo 523.º do CPP. O recorrente BB pagará, nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP, a importância de 3 UC. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Lisboa, 9 de Março de 2017
Raul Borges (Relator) Gabriel Catarino
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