Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
237/14.5T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ÍNDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
DIREITO TRIBUTÁRIO - IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO SINGULAR.
Doutrina:
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª edição, 2014, Almedina, 123.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL [CC]: - ARTIGOS 342.º, N.º1, 1152.º, 1153.º, 1154.º A 1156.º.
CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO SINGULAR (CIRS): - ARTIGOS 3.º, 29.º, 101.º, 115.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 49.408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 [LCT]: - ARTIGO 1.º.
Legislação Estrangeira:
DECRETO N.º 41/06, DE 17 DE JUNHO (APROVADO PELO CONSELHO DE MINISTRO ANGOLANO), NO DECRETO EXECUTIVO N.º 124/06, DE 11 DE SETEMBRO (APROVADO PELO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS ANGOLANO), NO DESPACHO N.º 192/02, DE 9 DE AGOSTO (APROVADO PELO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS ANGOLANO) E EM DIVERSAS CIRCULARES.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12.01.2012, DA 4.ª SECÇÃO, PROCESSO N.º 2158/07.9TTLSBB.L1S1.
-DE 31.01.2012, DA 4.ª SECÇÃO, PROCESSO N.º 121/04.0TTSNT.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 15.12.2015, DA 4.ª SECÇÃO, PROCESSO N.º 1156/04.9TTCBR.C2.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1. Estando em causa a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, desde março de 2002 até setembro de 2013, e não resultando da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os respetivos termos, o regime jurídico aplicável é o decorrente do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969 [LCT], pelo que não lhe são aplicáveis quer a presunção estabelecida no artigo 12º, do Código do Trabalho de 2003, na sua versão originária ou na subsequente, dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de março, quer a presunção estipulada no artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2009.


2. O que distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço é o seu objeto e a subordinação jurídica.


3. A distinção entre estes dois tipos de contrato na vida real, por vezes, é extremamente difícil, dado que em ambos existe uma alienação do trabalho e ambos visam sempre um resultado, pelo que, nessas situações, deve-se socorrer do método indiciário ou de aproximação tipológica.


4. Compete ao trabalhador o ónus de alegação e da prova da existência de um contrato de trabalho, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, por ser facto constitutivo do direito por si alegado e invocado.


5. Nada obsta a que um contrato, celebrado por um “Inspetor Pré-Embarque” com uma empresa para o efeito contratada pelo importador, no qual o Inspetor se obriga, durante a vigência do contrato, a não prestar serviços ou trabalho subordinado a qualquer outra entidade singular ou coletiva, pública ou privada, que impeça a normal execução do contrato, que, para exercer a sua atividade, tem que se deslocar, em viatura própria, aos locais indicados pela empresa contratada, depois de esta ter combinado o agendamento do dia e hora da realização da inspeção com o importador, que usa os instrumentos de trabalho por ela fornecidos e aufere remuneração variável, em função das inspeções efetuadas, bem como o pagamento das deslocações superiores a 150/Km, contra a emissão de um recibo, modelo 6, artigo 115º do CIRS, e que cumpre as normas e os regulamentos de Angola respeitantes às importações em causa, seja qualificado como um contrato de prestação de serviço desde que os índices que o prognosticam sejam mais relevantes do que aqueles que sugerem que o seja como contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

 

            Em 24 de setembro de 2014, o autor AA, com o benefício do Apoio Judiciário, propôs na Comarca do Porto – Matosinhos – Instância Central – 3ª Secção do Trabalho – J3, a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – S................., Unipessoal, Lda.”, pedindo, a final, que fosse declarado que o contrato que celebrou com a Ré era um contrato individual de trabalho, que fosse declarada ilícita a sua cessação promovida pela Ré, e que esta fosse condenada a pagar-‑lhe a quantia global de € 81.103,62, relativa a créditos, diferenças salariais e indemnização por despedimento ilícito.

Alegou, em síntese, que celebrara, em março de 2002, um contrato denominado de prestação de serviço com a antecessora da Ré, “CC, Sucursal de Portugal”, para desempenhar as funções próprias de Inspetor, sob as ordens e fiscalização desta, das funções próprias de Inspetor Pré-Embarque, e mediante retribuição que variava conforme o número de inspeções realizadas.

            Mais articulou que tal exercício de funções se manteve com a Ré e se prolongou até setembro de 2013 e que dos termos do contrato e do concreto modo de execução das suas funções, resulta que o contrato celebrado e existente entre ambos se carateriza como um verdadeiro contrato de trabalho e não como um contrato de prestação de serviço.

Também alegou que, durante a sua vigência, a Ré não lhe pagou as quantias, constantes da petição inicial, relativas a subsídio de férias e de Natal e que fê-lo cessar sem precedência de procedimento disciplinar e sem justa causa.

A Ré contestou, impugnando a factualidade alegada, e invocou que o Autor exerceu as funções de Inspetor como profissional independente porque nunca teve sobre ele quaisquer poderes de direção ou de fiscalização.

Realizou-se audiência preliminar na qual se verificou a regularidade da instância e se procedeu à fixação da matéria fáctica assente e da matéria controvertida, fixando-se o valor da ação em € 81.103,62.

          

            Procedeu-se à audiência de julgamento e à leitura da matéria de facto provada e não provada e da respetiva motivação.

Em 26 de agosto de 2015, foi proferida sentença, na qual se julgou a ação improcedente, por não provada, e, consequentemente se absolveu a ré “BB – S................., Unipessoal” dos pedidos formulados pelo Autor.

Para o efeito, concluiu-se, como fundamento para a decisão tomada, que o Autor não era trabalhador subordinado da ré, na medida em que não se tinha provado que, no desempenho da atividade de Inspetor, estava o autor submetido a ordens e a instruções da Ré.

II

            Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação.

                                                

Por acórdão de 14 de março concedeu-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida, que foi substituída pela seguinte decisão:

           

            Declara que:

1) O contrato que vinculou as partes foi um contrato de trabalho;

2) O despedimento do Autor foi ilícito.

                       

                        Condena a Ré a pagar ao Autor:

3) A indemnização de antiguidade de € 6.539,06 (seis mil e quinhentos e trinta e nove euros e seis cêntimos);

4) As retribuições vencidas desde 24.8.2014 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, calculadas à razão de € 1.188,92 (mil cento e oitenta e oito euros e noventa e dois cêntimos) e a apurar em liquidação do presente acórdão após dedução de eventuais subsídios de desemprego auferidos;

5) Os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal devidos pelo trabalho prestado no ano da cessação do contrato, no valor de € 3.566,76 (três mil e quinhentos e sessenta e seis euros e setenta e seis cêntimos);

6) O valor de €18.225,50 (dezoito mil e duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) a título de subsídios de Natal não pagos;

7) Juros de mora à taxa legal em cada momento em vigor e até integral pagamento, e contados desde a data do presente acórdão no que toca à indemnização por despedimento, desde a data da liquidação das retribuições intercalares, desde a data do despedimento relativamente aos proporcionais de férias, de subsídio de férias e de Natal, e desde a data de vencimento de cada subsídio de Natal em cada um dos anos em que o mesmo não foi pago (2003 a 2012 inclusive), com o limite da soma de juros moratórios calculados à razão de €1.822,55 (mil oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) em cada um desses anos. 


Inconformada com esta decisão ficou, agora, a Ré que dela interpôs o presente revista para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que se revogue o acórdão recorrido, que se reconheça que o contrato que celebrado com o Autor era um contrato de prestação de serviço, com todas as consequências legais daí advindas.

            No recurso a Ré formulou as seguintes conclusões:

1. “Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Apelante, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por acórdão que declara que o contrato que vinculou as partes foi um contrato de trabalho, e em consequência ilícito o despedimento do Autor, e que condena a Ré a pagar-lhe determinadas quantias devidas em função da cessação do contrato.

2. Considerou, o Tribunal da Relação do Porto, no seu douto acórdão para fundamentar a sua decisão que:
              
a. "A transmissão de ordens e instruções de execução de funções de autoria alheia ao empregador, mas essencial à prossecução da sua atividade lucrativa mediante tal execução de funções e o cumprimento dessas ordens e instruções, não autoriza que se considere que inexiste subordinação jurídica".
b"O estabelecimento de uma cláusula de exclusividade, impedindo o alegado prestador de serviços de desenvolver qualquer outra atividade remunerada, por conta própria ou alheia, mesmo que não em concorrência, conjugado com o facto do exercício de funções ocupar o prestador a tempo inteiro, constitui um indício muito relevante para a qualificação, na medida em que exclui qualquer outra possibilidade da força de trabalho beneficiar da proteção laboral, do mesmo passo que revela uma dependência económica absoluta do alegado prestador que se torna num elemento particularmente relevante da qualificação jurídica,"

3. Ora, não poderá o Recorrente concordar com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto face à matéria de facto considerada como provada e aos elementos probatórios juntos ao processo, nem pode aceitar a interpretação dada por aquele douto Tribunal às normas aplicáveis a este caso concreto, para mais quando existiu já um Acórdão de um Tribunal da Relação que versou sobre um contrato celebrado entre a ora R. e uma outra sua inspetora, que também exercia a atividade de inspeção de pré-embarque nos precisos moldes que o ora A., que se pronunciou sobre esta matéria num sentido precisamente oposto (Tribunal da Relação de Coimbra – 6ª Secção - Apelação 422/11.1T4AVR.C1, junto como documento 19 da Contestação).
4. Tribunal da Relação de Coimbra, sobre uma situação semelhante, coloca em causa o princípio da confiança no sistema judicial e mostra-se de particular relevância a uniformização da interpretação dada às normas aplicáveis a este caso concreto.

5. Conforme consta da matéria de facto dada como provada:

5. Em Março de 2002 foi o A. admitido ao serviço da sociedade "CC", pessoa coletivo n.º 000000000, para exercer funções de Inspetor de Pré-Embarque (...):

"11. No desempenho das funções de inspetor, o A. fazia inspeções de pré-embarque em empresas exportadoras (...)".

"22. O relatório de inspeção, que era o único documento preenchido pelo A. e que constitua o produto da sua atividade, era preenchido de acordo com o que era constatado visualmente pelo A. e de acordo com o imposto pela Legislação Angolana".

6. Saliente-se que a documentação junta ao processo designadamente o Decreto-Lei nºs 41/06, de 17 de Junho, o Decreto Executivo n.º 124/06, de 11 de Setembro e o Despacho 192/02, de 9 de Agosto, assim como as várias circulares que foram juntas aos autos, como documentos 03 a 13 da Contestação, regulam a atividade de Inspeção de pré-embarque.

7. Ora inevitavelmente, ao assumir o A. a realização de inspeções de pré-embarque, tinha de conhecer e aplicar a legislação relativa à atividade por ele exercida, sendo certo que "esta realidade fortemente regulamentada por parte das autoridades administrativas dos países importadores, mormente o Estado Angolano, na prática, traduz-se na sujeição do Autor, no desempenho da sua atividade, a procedimentos e regras fixadas pelo Estado Angolano e não instruções diretas emitidas pela R".

8. Por outro lado, saliente-se que o já referido Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1ª do Tribunal da Relação de Coimbra, 6.ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013) foi inequívoco no sentido de considerar o contrato celebrado entre as partes como sendo um verdadeiro contrato de prestação de serviços, conforme doc. 19 da Contestação, salientando que "no âmbito do concreto desempenho da atividade de inspeção, a autora estava sujeita a procedimentos e regras fixadas pelo Estado de Angola (...) não estando sujeita nesse âmbito a instruções diretas da segunda Ré, como seria normal acontecer se estivesse em causa uma relação de trabalho subordinada."

9. Quanto à cláusula de exclusividade, referida no ponto 6 da matéria dada como provada, cumpre-nos salientar que, conforme resulta do suporte da convicção do Tribunal de 1ª Instância que "a testemunha DD (...) referiu que a Ré tinha inspetores que exerciam outras atividades e que apenas tinham de comunicar quando tinham disponibilidade para trabalhar”.
10. .Não podemos também de deixar de chamar à colação o entendimento do já referido Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1ª - do Tribunal da Relação de Coimbra, 6ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013), que sobre a supramencionada cláusula de exclusividade referida no ponto 6 da matéria dada como provada salientou o seguinte: "no contrato também foram acordadas obrigações de exclusividade e de sigilo a que a autora ficava obrigada, bem assim como cláusulas penais para o caso da violação da primeira delas - cláusulas 6ª e 7ª.
Da estipulação contratual dessas obrigações resulta, a nosso ver, que as partes estavam cientes de que a relação que se constituía era realmente de prestação de serviços, razão pela qual entenderam estabelecer aquelas obrigações a que, de outro modo e estando em causa uma relação dessa natureza, a autora poderia não estar vinculada".

11. Mais refere o douto Tribunal da Relação de Coimbra que "caso se pretendesse constituir uma verdadeira relação de trabalho subordinado, não faria muito sentido a estipulação contratual autónoma daquelas obrigações, pois que as mesmas já emergiam do dever de lealdade a que os trabalhadores estão obrigados''.

12. .Ainda de acordo com o douto Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1ª do Tribunal da Relação de Coimbra, 6ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013), "por outro lado, analisada essa cláusula de exclusividade, verifica-se que a mesma não é absoluta, no sentido de impedir a autora de prestar a terceiros uma qualquer atividade profissional: o que a autora estava impedida era de prestar a terceiros atividades incompatíveis com a normal execução do contrato em questão, designadamente em concorrência com a primeira ré; logo, a autora podia prestar a terceiros ou exercer por conta próprias as atividades profissionais cujo desempenho não redundasse em perturbações parra a normal execução do contrato celebrado entre a autora e a primeira ré, especialmente atividades que fossem concorrentes com as dessa ré".

13. Logo, a existência e estipulação de uma cláusula de exclusividade é por si um forte indício que estamos perante um contrato de prestação de serviços e não perante um contrato de trabalho.

14. Conforme resulta da fundamentação de facto da douta sentença do Tribunal de 1ª Instância "o Autor não tinha horário de trabalho nem dia pré definido para realizar a atividade a que se obrigou para com a Ré, pois na verdade realizava inspeções, de acordo com as solicitações dos exportadores, que lhe eram comunicadas pela Ré, quando o autor recebia pedidos de inspeção". e "... podia aceitar ou não estes pedidos de inspeção embora não pudesse delegar noutro colega a realização da inspeção".

15. Por outro lado, constam dos autos os registos das inspeções realizados pelo A., designadamente no documento 15 da Contestação - documento este cuja autenticidade não foi colocada em causa pelo A. - sendo que da análise dos referidos registos constatamos de forma inequívoca que nem todos os dias o A. realizava inspeções.

16. Por essa razão, foi dado como não provado que "o A. fazia inspeções de segunda a sexta­-‑feira, diariamente, e esporadicamente, fê-los aos Sábados" (artigo 12.º da Base Instrutória).

17. Dos factos dados como provados também não resulta que a R. exercesse sobre o A. qualquer controlo de assiduidade e/ou de pontualidade, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado.

18. Como também não decorre dos factos provados que o A. estivesse sujeito a qualquer obrigação de justificar as situações de não prestação de atividades de inspeção que lhe fossem solicitadas pela R.

19. Nem tão pouco que o A. estava obrigado a aceitar os pedidos de inspeções que lhe eram solicitados pela R., mas sim que o A. nem todos os dias realizava inspeções (doc. 15º junto com a contestação) e que podia livremente aceitar ou recusar-se a realizar as inspeções que lhe eram solicitadas (fundamentação de facto, o Tribunal de lª Instância que "o autor podia aceitar ou não estes pedidos de inspeção embora não pudesse delegar noutro colega a realização da inspeção").
20. Saliente-se ainda quanto aos factos 14 (“a hora e o local da inspeção eram combinadas entre o exportador/importador e a R., sendo o A. alheio a tal"), 16 ("o horário da realização das inspeções variava, bem como variava a sua duração e a deslocação, dependendo esta do local onde era realizado)" e 17 ("houve dias em que o A. realizou mais que um inspeção em locais diferentes um do outro"), estes têm de ser interpretados dentro do contexto da douta decisão de primeira instância, pois como resulta da fundamentação de facto da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, "o autor não tinha horário de trabalho nem dia pré definido para realizar a atividade a que se obrigou para com a Ré, pois na verdade realizava as inspeções, de acordo com as solicitações dos exportadores, que lhe eram comunicadas pela Ré, quando o autor recebia os pedidos de inspeção."

21. Mais refere o Tribunal de 1ª Instância que "o autor exercia as suas funções no local onde estava a mercadoria a inspecionar, sendo o mesmo determinado pelo cliente da Ré, o exportador. Assim, a Ré não determinava o local da prestação da atividade por parte do autor e dificilmente podia controlar a sua assiduidade ou a pontualidade, como acontece numa relação de trabalho subordinado".

22. .Por outro lado, não podemos também deixar, quanto a esta matéria de salientar o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra (processo nºs 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1ª do Tribunal da Relação de Coimbra, 6.ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013), que consta dos autos como Doc. 19 junto com a Contestação, que refere, e bem, que "a autora recebia pedidos de inspeção, que não ordens de realização de inspeções, o que não é típico de uma relação de trabalho subordinado em que a atividade prestada pelo trabalhador o é por determinação do empregador' e que "A autora não tinha horário de trabalho certo, nem sequer dia certo para a prestação da atividade a que se obrigou; a mesma realizava inspeções de 2ª a 6ª, nos dias em que as rés lhas distribuíam, em horário irregular, de acordo com as solicitações dos exportadores; ou seja, os dias e horários de prestação das atividades inspetivas a realizar pela autora dependiam, no essencial, das solicitações feitas pelos exportadores, que não de indicações das rés veiculadas a esse respeito, sendo esse regime temporal de prestação de atividade profissional é pouco compatível com uma relação de trabalho subordinado.

23. Ainda de acordo como aquele acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra "os factos provados também não evidenciam que as rés exercessem sobre a autora qualquer controlo de assiduidade e/ou de pontualidade, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado. Também não decorre dos factos provados que a autora estivesse sujeita a qualquer obrigação de justificar as situações de não prestação de atividades de inspeção que lhe fossem solicitadas pelas rés. (...) o local onde a autora prestava a sua atividade não era nas instalações da ré; os locais onde a autora prestava essa atividade eram determinados pelas instruções dos exportadores a mercadoria a inspecionar. Assim, o local da prestação da atividade por parte da autora não era determinado pelas rés, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado, mas por terceiros".

24. Por outro lado, quanto aos factos vertidos nos números 19 a 22, cumpre referir que o fornecimento de instrumentos de trabalho por parte da R. ao A. - sendo certo que nem todos os instrumentos de trabalho eram fornecidos pela R., como era o caso da viatura (facto 26 da matéria dada como provada), não aponta para a existência de uma relação de subordinação do A. em relação à R., na medida em que a utilização desses meios e instrumentos da R. revela-se perfeitamente compatível com a existência de uma relação de mera prestação de serviços.

25. Conforme refere, e bem, o Tribunal de 1ª Instância na fundamentação da sua douta sentença, "a remuneração praticada - retribuição por cada inspeção realizada - que variava exclusivamente em função do número de inspeções realizadas mensalmente e não em função da disponibilidade e do tempo de trabalho é compatível com a remuneração típica da prestação de serviços".

26. Conforme resulta claramente do facto 29 da matéria dada como provada, o A. recebia de acordo com o número de inspeções realizadas, pelo que a forma de remuneração praticada em relação ao A., caracterizada pela remuneração em função da atividade efetivamente prestada (remuneração por cada inspeção realizada), não é típica de um contrato de trabalho subordinado, em que a remuneração é em função da disponibilidade ou do tempo de trabalho.
27. Por outro lado, o A. nunca recebeu da R. ao longo de todos os anos em que se manteve a relação contratual entre as partes, retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal (ponto 30 dos factos provados).

28. Acresce ainda que o A. aceitou qualificar como sendo de prestação de serviços a relação que intercedeu entre ele e a R.: o A. outorgou um contrato de prestação de serviços (ponto 10 dos factos provados) e coletou-se profissionalmente como profissional liberal, tendo nessa qualidade dado quitação das remunerações que lhe foram pagas pela R. através da emissão dos vulgarmente designados "recibos-verdes" (ponto 30 dos factos provados).

29. O ponto 38 dos factos provados refere que "a formação era dada através de workshops, encontros de inspetores, sessões de esclarecimentos e ainda muitas vezes era dada por meio de documentos internos organizados e produzidos pela R. e destinados aos inspetores”.

30. Sendo que resultou não provado o ponto 22 da Base Instrutória que referia que "o A era obrigado a comparecer às reuniões agendadas pela R., com os demais inspetores, nas suas instalações, em dia, hora e local por ela designados".

31. Por outro lado, e no que respeita à avaliação realizada pela R. aos seus inspetores, saliente--se o entendimento, correto, dado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, (6.ª Secção - Apelação 422/11.1T4AVR.C1), nos termos do qual "as avaliações semestrais e desempenho a que a autora era sujeita não podem ser invocadas, a nosso ver, no sentido de que a relação aqui em apreciação era de trabalho subordinado”.

32. Mais refere o já identificado Tribunal da Relação de Coimbra - processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1ª do Tribunal da Relação de Coimbra, 6ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013, (que "em primeiro lugar, porque mesmo no âmbito de puras relações de prestação de serviços é perfeitamente possível ao beneficiário da prestação avaliar o desempenho do prestador da mesma, quanto mais não seja para efeitos de ponderação de ulteriores contratações ou da continuidade da relação contratual acordada. Em segundo lugar porque não se tratavam de avaliações unilateralmente decididas pelas rés, antes resultavam de obrigações a que tinham e dar cumprimento no âmbito da atividade a que se dedicava".

33. .Pelo que nada impede uma avaliação num puro contrato de prestação de serviços.

34. Efetivamente do alegado pelo douto Tribunal da Relação do Porto, da matéria dada como provada e dos elementos probatórios juntos ao processo, conjugados com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, resulta claramente que a relação existente entre o A. e a R. foi sim um verdadeiro contrato de prestação de serviços trabalho, já que:

a. No âmbito do concreto desempenho da atividade de inspeção, o A. estava sujeito a procedimentos e regras fixadas pelo Estado de Angola não estando sujeito nesse âmbito a instruções diretas da R., como seria normal acontecer se estivesse em causa uma relação de trabalho subordinado (factos 5, 11 e 22 da matéria dada como provada e documentos 03 a 13 juntos com a Contestação);
b. Da estipulação de uma cláusula de exclusividade resulta, a nosso ver, que as partes estavam cientes de que a relação que se constituía era realmente de prestação de serviços, razão pela qual entenderam estabelecer aquelas obrigações a que, de outro modo e estando em causa uma relação dessa natureza, o A. poderia não estar vinculado. Caso se pretendesse constituir uma verdadeira relação de trabalho subordinado, não faria muito sentido a referida estipulação contratual, pois que a mesma já emergia do dever de lealdade a que os trabalhadores estão obrigados.
c. "O autor não tinha horário de trabalho nem dia pré definido para realizar a atividade a que se obrigou para com a Ré, pois na verdade realizava as inspeções, de acordo com as solicitações dos exportadores, que lhe eram comunicadas pela Ré, quando o autor recebia os pedidos de inspeção” (fundamentação de facto da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância).
d. O A. nem todos os dias realizava inspeções (doc. 15 junto com a contestação) e que podia livremente aceitar ou se recusar a realizar as inspeções que lhe eram solicitadas (fundamentação de facto, o Tribunal de 1ª instância que "o autor podia aceitar ou não estes pedidos de inspeção embora não pudesse delegar noutro colega a realização da inspeção");
e. Nem todos os instrumentos de trabalho eram fornecidos pela R., como era o caso da viatura (facto 26 da matéria dada como provada)
f. Não existia qualquer dependência económica, nem ordens ou instruções da parte da R. em relação ao A.;
O local das inspeções era definido pelos exportadores e não pela R. (ponto 14 da matéria dada como provada e fundamentação da sentença do Tribunal de 1ª Instância, segundo o qual "o autor exercia as suas funções no local onde estava a mercadoria a inspecionar, sendo o mesmo determinado pelo cliente da Ré, o exportador. Assim, a Ré não determinava o local da prestação da atividade por parte do autor e dificilmente podia controlar a sua assiduidade ou a pontualidade, como acontece numa relação de trabalho subordinado"). O A. recebia de acordo com o número de inspeções realizadas (facto 29 da matéria dada como provada).
O A. nunca recebeu da R. ao longo de todos os anos em que se manteve a relação contratual entre as partes, retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal (ponto 30 dos factos provados).
O A. aceitou qualificar como sendo de prestação de serviços a relação que intercedeu entre ele e a R.: o A. outorgou um contrato de prestação de serviços (ponto 15 dos factos provados) e coletou-se profissionalmente como profissional liberal, tendo nessa qualidade dado quitação das remunerações que lhe foram pagas pela R. através da emissão dos vulgarmente designados "recibos-verdes" (ponto 30 dos factos provados). A formação não tinha qualquer caracter obrigatório (não provado o ponto 22 que referia que "o A. era obrigado a comparecer às reuniões agendadas pela R., com os demais inspetores, nas suas instalações, em dia, hora e local por ela designados").
A avaliação do desempenho do prestador é perfeitamente possível no âmbito de puras relações de prestação de serviços (Vide Acórdão da Relação de Coimbra, processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação -1.1 do Tribunal da Relação de Coimbra, 6ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013, que consta dos autos como Doe. 19 junto com a Contestação).

35. Por outro lado, acrescem outros indícios que apontam para a existência de um verdadeiro contrato de prestação de serviços:

a. Dos factos dados como provados não resulta que a R. exercesse sobre o A. qualquer controlo de assiduidade e/ou de pontualidade, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado.
b. Como também não decorre dos factos provados que o A. estivesse sujeito a qualquer obrigação de justificar as situações de não prestação de atividades de inspeção que lhe fossem solicitadas pela R..
c. Resultou não provado que "O A. tinha que estar sempre disponível pois muitas vezes era-lhe solicitada a inspeção poucas horas antes de a mesma se realizar?" (facto 16 da base instrutória).
d. Resultou não provado que "As férias eram marcadas de comum acordo entre o A. e a R., tendo sempre em conta, os períodos de menor afluência do serviço?" (facto 10 da base instrutória).
e. Não resulta da matéria dada como provada que o A. estivesse sujeito a horário de trabalho.
f. Resultou não provado que "O A. tinha de seguir obrigatoriamente todas as instruções da R., que controlava toda a sua atividade?" (facto 26 da base instrutória).
g. Resultou não provado que "Se no decorrer de uma inspeção surgisse algum problema com qualquer documento e/ou mercadoria, o inspetor tinha de entrar em contacto com o seu coordenador, não tendo autonomia para decidir, sendo que o A. só poderia abandonar o local da inspeção com autorização da R. caso a mesma fosse interrompida por qualquer motivo?” (facto 27 da Base Instrutória).
h. Resultou não provado que "o A. utilizava as instalações da R., onde se deslocava diariamente se deslocava e entregava o resultado do seu trabalho?" (facto 27 da base instrutória).
i. Nunca o A. ter auferido prestação de forma periódica e regular (tal estaria sempre dependente do volume de inspeções a realizar - facto 29 e 30 da matéria dada como provada).
j. Sempre ter exercido a atividade de inspeção de pré-embarque sem, obediência a ordens da R., embora a seu prévio pedido.
k. Dos factos dados como provados não resulta que a R. exercesse sobre o A. qualquer controlo de assiduidade e/ou de pontualidade, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado.
l. Como também não decorre dos factos provados que o A. estivesse sujeito a qualquer obrigação de justificar as situações de não prestação de atividades de inspeção que lhe fossem solicitadas pela R.
m. Não resulta da matéria dada como provada que o A. estivesse sujeito a horário de trabalho.
n.  Nunca o A. ter auferido prestação de forma periódica e regular (tal estaria sempre dependente do volume de inspeções a realizar - facto 29 e 30 da matéria dada como provada).
o. Sempre ter exercido a atividade de inspeção de pré-embarque sem obediência a ordens da R., embora a seu prévio pedido.
p. O A não ter estado sujeito ao regime disciplinar da R., nunca existir qualquer poder disciplinar sobre o A. e estar coletado nas finanças como trabalhador independente e dar quitação das importâncias pagas pela R., através de "recibos verdes", sem que haja notícia de qualquer protesto ou reclamação por parte do A.

36. Pelo que entende o Recorrente que o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 659.n.º 3, do C.P.C., ao não ter valorado, ou tendo interpretado erradamente a matéria de facto dado como provada, e bem assim as normas legais aplicáveis ao caso concreto, bem como os elementos probatórios constantes do presente processo, designadamente, os documentos 3 a 13, 15 e 19, juntos com a Contestação, proferindo deste modo uma decisão que colide com um outro Acórdão de um Tribunal da Relação (processo n.º 422/11.1T4AVR.C1, que correu termos na Apelação – 1ª do Tribunal da Relação de Coimbra, 6ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013), o qual versou sobre um contrato celebrado entre a ora R. e uma outra sua inspetora que também exercia a atividade de inspeção de pré-embarque nos precisos moldes que o ora A., que se pronunciou sobre esta matéria num sentido precisamente oposto (processo n.º 422/11.1T4AVR.Cl, que correu termos na Apelação – 1ª do Tribunal da Relação de Coimbra, 6ª Secção, transitado em julgado a 30/01/2013, junto como documento 19 da Contestação).

37. Nestes termos, face ao exposto deveria o contrato celebrado entre o A. e a R. qualificado como um contrato de prestação de serviços, e em consequência ser a R. absolvida do pedido, com as consequências legais.


                Concluiu pedindo que o presente recurso seja provido e, consequentemente, que se revogue o acórdão recorrido e que seja repristinada a sentença da 1ª instância e ela absolvida do pedido.



            O Autor respondeu, mas as suas contra-alegações foram mandadas desentranhar por terem sido consideradas extemporâneas.



Neste Supremo Tribunal, a Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu douto parecer no sentido de ser negada a revista, o qual, notificado às partes, não mereceu qualquer resposta.

III

            3. Os presentes autos foram instaurados em 24 de setembro de 2014 e o acórdão recorrido foi proferido em 14 de março 2016.

            Nessa medida, é aqui aplicável:


§ O Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;
§ O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril), 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro), que o republicou e pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

            No caso, existe uma única questão a resolver:

· O contrato celebrado entre o Autor, em março de 2002, com a antecessora da Ré, “CC, Sucursal de Portugal”, e que, depois, se transmitiu para esta, é um contrato individual de trabalho ou um contrato de prestação de serviço?

           Cumpre, pois, julgar o objeto do recurso.


IV


O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
 

1) A R. dedica-se às atividades de inspeção, teste, controlo, verificação de quantidade, qualidade, conformidade e preço de matérias-primas, mercadorias, produtos acabados, equipamentos, stocks e cadeias de fornecimentos. Atividades de consultoria, auditoria e formação a projetos de promoção do comércio, a organizações governamentais, projetos financiados e sector aeronáutico e aeroespacial. Atividades e ainda de classificação, controlo e peritagem de aeronaves. A sociedade pode proceder a estudos e investigações e aceitar mandados de peritagem relacionados com a sua atividade.

2) Uma das atividades desenvolvidas pela R. diz respeito à verificação do código aduaneiro de mercadorias que são enviadas por exportadores portugueses para Angola, para que depois o Governo Angolano aplique as taxas aduaneiras a serem cobradas quanto a esses produtos.

3) Para o efeito, existe todo um procedimento e um conjunto de normas que têm de ser cumpridas, as quais se encontram consagradas no Decreto n.º 41/06, de 17 de Junho (aprovado pelo Conselho de Ministro Angolano), no Decreto Executivo n.º 124/06, de 11 de Setembro (aprovado pelo Ministério das Finanças Angolano), no Despacho n.º 192/02, de 9 de Agosto (aprovado pelo Ministério das Finanças Angolano), em diversas Circulares (normas cujo teor de algumas se juntam como documentos 3 a 13 e que se dão por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), assim como as normas definidas na IFIA guidelines.

4) A R. exerce esta atividade, por ser considerada pelo Governo Angolano como uma entidade de inspeção devidamente licenciada.

5) Em Março de 2002 foi o A. admitido ao serviço da sociedade “CC”, pessoa coletivo n.º 000000000, para exercer funções de Inspetor de Pré-Embarque, mediante as condições constantes no acordo escrito.

6) Estabeleceram as partes na cláusula sexta do acordo referido em B) sob a epigrafe Exclusividade que “[d]urante o período de vigência do presente contrato, o segundo outorgante obriga-se a não prestar serviços ou trabalho subordinado a qualquer outra entidade singular ou coletiva, publica ou privada que impeça a normal execução do presente contrato e, especialmente, a desenvolver qualquer atividade, por conta própria ou alheia, em concorrência com a primeira outorgante.”

7) No decurso do ano de 2004, a supra citada “CC” transmitiu toda a atividade que consistia na inspeção, teste, controlo, verificação de quantidade, qualidade, conformidade e preços das matérias-primas, mercadorias, produtos acabados, equipamentos, stocks e cadeias de fornecimentos para a Ré.

8) A única sócia da R. é a “CC , BV”, que constituiu esta sociedade em Maio de 2004.

9) A sociedade “CC, Sucursal de Portugal” foi extinta em 2013.

10) Em junho de 2004, aquando da criação da R., o A. começou a prestar serviço àquela, mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços com as mesmas condições que o contrato celebrado com a CC.

11) O A. desempenhava a sua atividade no território de Portugal Continental.

12) No desempenho das funções de inspetor, o A. realizava inspeções de pré-embarque em empresas exportadoras e nos locais indicados pela Ré.

13) A ré agendava o respetivo dia e hora de realização da inspeção, e no dia anterior ou no próprio dia contactava o autor ou qualquer outro inspetor, com a indicação de se deslocar à sede onde receberia indicações sobre o serviço a executar.

14) A hora e o local da inspeção eram combinadas entre o exportador/importador e a R., sendo o A. alheio a tal.

15) Após essa comunicação, o Autor deslocava-se ao local da inspeção e procedia à inspeção da mercadoria tirava as fotografias que entendia por convenientes e elaborava o relatório da inspeção.

16) O horário da realização das inspeções variava, bem como variava a sua duração e a deslocação, dependendo esta do local onde era realizado.

17) Houve dias em que o A. realizou mais que uma inspeção, e em locais diferentes um do outro.

18) A R. entregava ao A. a documentação necessária que englobava o formulário/relatório da inspeção, factura pro forma e packing list/ lista de embalagem entre outros.

19) A R. fornecia material de trabalho ao Autor, tal como máquinas fotográficas, para captação de imagem de mercadoria e selos para fechar e selar os contentores e fita-cola litografada para fechar as embalagens abertas na inspeção.

20) Cada máquina fotográfica, após cada inspeção, era entregue pelo A. à R, para revelação, e os selos eram aplicados nos contentores.

21) Findos os procedimentos da inspeção o Autor entregava o relatório e as fotografias à Ré, nas instalações da Ré.

22) O relatório da inspeção, que era o único documento preenchido pelo A. e que constituía o produto da sua atividade, era preenchido de acordo com o que era constatado visualmente pelo A. e de acordo com o imposto pela Legislação Angolana.

23) Os inspetores deviam deixar no local de inspeção cópia do relatório de inspeção carimbado e assinado.

24) Quando a R. destinava determinada inspeção ao A., só ele a podia fazer, não lhe sendo permitido delegar essa função noutro inspetor seu colega de trabalho.

25) O Autor quando terminou o seu contrato devolveu à Ré a máquina fotográfica, os selos e o restante material que tinha em seu poder e que não tinha utilizado.

26) As deslocações efetuadas pelo A. no exercício da sua atividade eram feitas em € 0,40 quilómetro).

27) Até 150 quilómetros percorridos, ida e volta, com chegada à sede da R. esta nada pagava.

28) Por cada inspeção o A. começou por receber € 100,00, passando a € 110,00, e posteriormente voltou a receber € 100,00 e 90,00 a partir da segunda inspeção.

29) Este valor era pago pela R. contra emissão de um recibo modelo 6, artigo 115º CIRS, vulgarmente denominado “recibo verde” e ao respetivo valor era deduzida uma retenção de 20% para IRS e acrescia o valor do IVA à taxa de em vigor para cada período especifico.

30) Durante os anos de junho 2002 a Setembro 2013, A. por força das inspeções realizadas recebeu as seguintes retribuições.

- Em 10 meses de 2002, o montante de € 12.436,96.

- Em 12 meses de 2003, o montante de € 20.778,00.

- Em 12 meses de 2004, o montante de € 15.400,25.

- Em 12 meses de 2005, o montante de € 25.440,65.

- Em 12 meses de 2006, o montante de € 34.477,60.

- Em 12 meses de 2007, o montante de € 24.915,95.

- Em 12 meses de 2008, o montante de € 25.771,10.

- Em 12 meses de 2009, o montante de € 23.038,40.

- Em 12 meses de 2010, o montante de € 17.448,00.

- Em 12 meses de 2011, o montante de € 19.502,00.

- Em 12 meses de 2012, o montante de € 19.188,00.

- Em 9 meses de 2013, o montante de € 9.470,00.

31) Mensalmente e em dia determinado pela R., o A. apresentava o recibo do total a receber, que englobava as inspeções feitas e os quilómetros a pagar.

32) Este valor era pago pela R. segundo calendário elaborado pela mesma.

33) A atividade exercida pelo A. para a R. era a sua única e exclusiva atividade profissional e ocupava-o a tempo inteiro.

34) Os rendimentos auferidos pelo A., eram exclusivamente os provenientes desta sua atividade prestada para com a R.

35) A Ré fixava o valor de cada inspeção e o valor de cada quilómetro percorrido.

36) Todos os inspetores, incluindo o A., recebiam regularmente formação dada pela R..

37) A formação era dada através de workshops, encontros de inspetores, sessões de esclarecimento e ainda muitas vezes era dada por meio de documentos internos organizados e produzidos pela R e destinados aos inspetores.

38) A R. dava ao autor formação respeitante ao modo de realização das inspeções, preenchimento de formulários, captação de fotografias, selagem dos contentores.

39) Para manter a acreditação e a certificação referidas anteriormente, a R. é sujeita a auditorias externas com vista à verificação do cumprimento dos requisitos dos diferentes referenciais.

40) Nos termos das supramencionadas normas, nomeadamente no ponto 7 da norma ISO 9001:2008 e no ponto 14 da norma portuguesa ISO/IEC 17020:1998, a R. está obrigada a avaliar e reavaliar os seus fornecedores e os seus prestadores de serviços e deve manter os registos dos resultados da avaliação, sendo estes as únicas entidades sujeitas a mencionada avaliação.

41) Por vezes o coordenador ou chefe e delegação compareciam no local das inspeções sem pré-aviso.

42) Sendo que a única forma de avaliar os seus prestadores de serviços era assistindo a uma inspeção e proceder à verificação do relatório de inspeção entregue.

43) A partir de julho de 2013 começou a diminuir o trabalho para o A., sendo que em final de Setembro a R. entregou o modelo RP 5064 DGSS a fim de o A. se candidatar à concessão do subsídio de desemprego.

44) No referido modelo, a R. comunicou ao mesmo que o termo do seu contrato seria em 30.09.2013, o que fez constar no impresso entregue.

45) Em Setembro de 2013, face à inexistência de solicitações por parte da R. para o A. realizar inspeções, este pediu à R. para proceder ao preenchimento do modelo RP 5064 de modo a que o A. pudesse beneficiar do subsídio de desemprego.


V

           

            A questão suscitada nesta revista consiste em qualificar o contrato celebrado entre o autor e a antecessora da Ré [e que depois passou para esta], como contrato individual de trabalho ou como contrato de prestação de serviço.

           

            O contrato em causa foi celebrado no início de março de 2002 e vigorou até 30 de setembro de 2013.

Ora, não resultando da matéria de facto provada que as partes [Autor, Ré e sua antecessora] o tivessem alterado, é aqui aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969 [LCT].

Assim sendo, não lhe são aplicáveis quer a presunção estabelecida no artigo 12º, do Código do Trabalho de 2003 [CT/2003], na sua redação original e na sua redação subsequente, dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, quer a presunção contida no artigo 12º do Código do Trabalho de 2009 [CT/2009].


            O Código Civil [CC] no artigo 1152º dá a definição/noção legal de contrato de trabalho e no artigo seguinte [1153º] refere que ele está sujeito a legislação especial.

            Contrato de trabalho é, na definição dada pelo CC, aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.


Por sua vez, o CC, também, define contrato de serviço, indica-nos quais as são as suas modalidades e diz-nos qual o seu regime [artigos 1154º a 1156º]

            Contrato de prestação de serviço é, pois, aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Parte dessa legislação especial, referida no artigo 1154º, do CC, que existia ao tempo da celebração do contrato estava contida na LCT.

Assim, é ao abrigo do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969 [LCT] que se deve, em exclusivo, qualificar a relação jurídica estabelecida entre as partes.

Aliás, é o que decorre do artigo 8º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, retificada pela Declaração de Retificação n.º 15/2003, publicada no DR, 1-A, de 2003.10.28, que aprovou o Código do Trabalho de 2003.

Referindo-se à aplicação do CT/2003 no tempo, o sobredito artigo 8º, n.º 1, estabelecia que o CT/2003 era aplicável aos contratos do trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.


  Ora, a LCT também nos dá a noção de contrato de trabalho, no seu artigo 1º, sendo que mais não é do que a transposição textual da definição constante do Código Civil.

           

            A noção legal de contrato de trabalho, existente no CC e na LCT, é composta por 4 elementos.

Com efeito, ela abarca o objeto, da parte do trabalhador [prestação da sua atividade intelectual ou manual], a alienação que o trabalhador faz da sua atividade a favor de outrem [prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa], a subordinação jurídica do trabalhador [o trabalhador presta a sua atividade sob a autoridade e direção da pessoa a quem alienou a sua atividade] e a retribuição [a contrapartida da pessoa que recebe a atividade do trabalhador].

O que realmente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço é o objeto e a subordinação jurídica.

       

Quanto ao objeto:


- No contrato de trabalho, o seu objeto, da parte do trabalhador, consiste na prestação da sua atividade intelectual ou manual, que se traduz numa prestação de facto, através da qual o trabalhador põe a sua força do trabalho à disposição da sua entidade empregadora;
- No contrato de prestação de serviço, o seu objeto consiste no resultado da atividade de uma pessoa, ou seja o que interessa não é a atividade em si, mas apenas o resultado dela advindo.

Quanto à subordinação jurídica:


- No contrato de trabalho, o trabalhador ao celebrar um contrato fica sob as ordens, direção, fiscalização e poder disciplinar do empregador enquanto no contrato de prestação de serviço o credor não tem poderes especiais de autoridade.
- A subordinação jurídica não é estanque ou estática, mas sim flexível de modo a abarcar determinadas situações da vida real no mundo do trabalho [os CT’s falam em contratos ou situações equiparados – artigo 13º, do CT/2003 e 10º do CT/2009].
- No contrato de trabalho existe dependência e subordinação ao passo que no contrato de prestação de serviço existe independência e autonomia.

A este propósito, o acórdão de 15 de dezembro de 2015, desta 4ª Secção e Supremo Tribunal de Justiça [Processo n.º 1156/04.9TTCBR.C2.S1 – www.dgsi.pt/], refere que [o] que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço reside no seu objeto: ao passo que neste último o que está em causa é o resultado da sua atividade, naquele primeiro o que avulta é atividade em si mesma.

“Se, em termos teóricos, a distinção é nítida, já na prática a destrinça entre as duas figuras contratuais reveste-se, por vezes, de grande dificuldade, dado que em ambas existe uma alienação do trabalho e ambas visam sempre um resultado, uma vez que todo o trabalho conduz a um resultado e este também não existe sem aquele.

A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, há de, pois, assentar em dois elementos essenciais: no objeto e no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica no primeiro e autonomia no segundo).”

            Para o contrato ser de trabalho é necessário verificar-se um mínimo de sujeição do trabalhador a determinadas condições de execução do trabalho e a certas normas disciplinadoras, umas e outras definidas pela entidade patronal.

Não havendo subordinação jurídica inexiste contrato de trabalho.

Acresce que pode haver subordinação jurídica sem haver dependência/subordinação económica e que pode, também, haver subordinação/dependência económica sem haver subordinação jurídica.

Diz António Monteiro Fernandes[2] que “[a] subordinação jurídica […] não se cofunde com a dependência económica”.

 Na verdade, pode não existir subordinação económica no trabalho subordinado [“um médico pode ser empregado no serviço de saúde de uma empresa, mas auferir o essencial do seu rendimento no consultório”] e pode haver subordinação económica sem haver subordinação jurídica [“um alfaiate que, em sua casa, faz exclusivamente casacos e calças para um estabelecimento de pronto-a-vestir”].

Do exposto resulta que a subordinação jurídica consiste no poder que a entidade empregadora tem de, algum modo orientar, dirigir e fiscalizar a atividade em si mesma, de outra pessoa, assim submetida à sua autoridade.

            Não havendo prova direta da subordinação jurídica esta terá que se deduzir através de vários índices tais como:


· Vinculação do trabalhador a um horário de trabalho; existência de local de trabalho, nas instalações do empregador ou em local por ele designado: existência de controlo externo do modo de prestação da atividade laboral; pertença dos instrumentos de trabalho ao empregador; obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa; retribuição certa, à hora, dia, semana ou mês; exclusividade da atividade laboral em benefício de uma só entidade; regime fiscal e de segurança social; pagamento dos subsídios de férias e de Natal, etc.

A necessidade de se socorrer do método indiciário ou de fatores tipo, com base numa “grelha” de tópicos ou índices de qualificação [apesar de o seu elenco não ser rígido e de nenhum deles assumir relevância decisiva], verifica-se quando a distinção entre os dois tipos contratuais, contrato individual de trabalho ou contrato de prestação de serviço, assume, em certas situações da vida real, grande complexidade, como, por exemplo, quando exista simultaneamente subordinação e autonomia e as suas atividades tanto possam ser exercidas e efetuadas sob o regime do contrato de trabalho como também sob o regime de contrato de prestação de serviço.

Como se diz no acórdão de 2012.01.31, da 4ª Secção, deste Supremo Tribunal [processo n.º 121/04.0TTSNT.L1.S1 – www.dgsi.pt/], nestes casos, “[é] comum o recurso ao chamado método indiciário ou de aproximação tipológica, constituindo indícios de subordinação a vinculação a um horário de trabalho, a execução da prestação em local pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e a observância dos regimes fiscais e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem”.

Todavia, na operação de apreciação e qualificação dos factos-índice é essencial averiguar qual a vontade das partes revelada quando procederam à definição dos termos do contrato.

Por último, compete ao autor/trabalhador o ónus de alegação e de prova da facticidade conducente à demonstração da existência de um contrato de trabalho, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do CC, por ser constitutiva do direito por ele alegado, ou seja incumbe ao trabalhador o ónus de alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque constitutivos do direito que vem exercitar.

~~~No caso concreto – Método indiciário:

Na 1ª instância decidiu-se absolver a Ré do pedido por se ter entendido que o contrato em causa não era de trabalho, mas sim de prestação de serviço.

            No acórdão recorrido condenou-se a Ré no pedido por se ter decidido que tal contrato era um contrato individual de trabalho.


No caso em apreço, não se tendo feito prova direta da subordinação jurídica há que se socorrer, ou seja deve-se utilizar o método tipológico ou indiciário.

Resulta da matéria de facto provada que uma das atividades da ré consistia na verificação do código aduaneiro de mercadorias que eram enviadas pelos exportadores portugueses para Angola, para que depois o Governo Angolano aplicasse as taxas aduaneiras a serem cobradas quanto a esses produtos.

A “Inspeção Pré-Embarque” de mercadorias, contratada por um determinado Governo a uma terceira parte independente, engloba atividades relativas à verificação da qualidade, quantidade, preço (incluindo taxas cambiais e termos financeiros) e classificação aduaneira dos bens a serem exportados para o território do governo contratante.

O Autor foi admitido, em março de 2002, ao serviço da sociedade “CC” para exercer funções de “Inspetor de Pré-Embarque [IPE] ”.

Esta, por sua vez, transmitiu, no decurso do ano de 2004, toda a sua atividade que consistia na inspeção, teste, controlo, verificação de quantidade, qualidade, conformidade e preços das matérias-primas, mercadorias, produtos acabados, equipamento e cadeias de fornecimentos, à sociedade Ré “................. – S................., Unipessoal. Lda.” que foi constituída em maio desse mesmo ano.

Em junho de 2004, o Autor foi prestar serviço para a Ré “.................”, mediante a celebração de um contrato denominado de “Prestação de Serviço”, que continha as mesmas condições do contrato que ele tinha celebrado em 2002 com a “CC”.


- 1) Inexistência de local de trabalho2) inexistência de horário de trabalho
- 3) Inexistência de dias pré-definidos para o Autor executar a sua atividade:

O Autor não tinha local e nem horário de trabalho certos, ou seja não existiam local, horário e nem dias pré-definidos para o Autor executar a sua atividade.

 

Com efeito, é o que resulta da matéria de facto provada, nomeadamente, nos seus pontos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º e 17º.

 Provou-se que o Autor desempenhava a sua atividade no território de Portugal Continental, realizando inspeções de pré-embarque em empresas exportadoras e nos locais indicados pela Ré e provou-se, também, que o horário da realização das inspeções variava, bem como variava a sua duração e a deslocação.

Ora, quem agendava o dia e a hora da realização das inspeções era a Ré após ajuste/combinação com o exportador/importador, sendo o Autor completamente alheio a essa marcação, e, ajustados, a Ré, no dia anterior ao agendado ou até no próprio dia, contactava o autor, ou qualquer outro Inspetor, para se deslocar à sua sede a fim de lhe indicar o lugar da inspeção a efetuar e do serviço a executar.

Dado conhecimento, ao Autor, do concreto serviço a executar deslocava-se ele para o local, na sua própria viatura, onde procedia à inspeção da mercadoria, tirava as fotografias que entendesse por necessárias e fazia o respetivo relatório.
O relatório da inspeção, que era o único documento preenchido pelo Autor e que constituía o produto da sua atividade, era preenchido de acordo com o que por ele era constatado visualmente de acordo com o imposto pela Legislação Angolana, sendo que os inspetores deviam deixar no local de inspeção cópia do relatório de inspeção carimbado e assinado.

Ficou, também, assente que houve dias em que o Autor realizou mais que uma inspeção e em locais diferentes, um do outro, e que, quando a Ré destinava determinada inspeção ao Autor, só ele a podia fazer, não lhe sendo permitido delegar essa função noutro inspetor seu colega de trabalho.

Quanto ao local, dia e horário do trabalho ficou, pois, provado que se verificava uma dependência, pode-se dizer total, das inspeções que surgiam para se realizar.

Verifica-se, pois, que, quanto ao local, dia e horário de trabalho, a Ré limitava-se a dar-‑lhe conhecimento dos mesmos somente quando lhe fosse atribuída alguma inspeção e depois de ter acertado o agendamento das inspeções a efetuar com o exportador/importador [o local, dia e horário da inspeção a executar podia ser em qualquer parte do Continente, em qualquer dia da semana e a qualquer hora do dia].

- 4) Propriedade dos instrumentos de trabalho:

Ficou assente que era a Ré quem entregava ao Autor a documentação necessária à realização da inspeção, a qual englobava o formulário/relatório da inspeção, a fatura “pro forma” e a “packing list/lista de embalagem”, entre outro, e que era quem fornecia o material de trabalho ao Autor, tal como máquinas fotográficas, para captação de imagem de mercadoria, selos para fechar e selar os contentores e fita-cola litografada para fechar as embalagens abertas na inspeção.
            Acresce que cada máquina fotográfica, após cada inspeção, era entregue pelo Autor à Ré, para revelação, que os selos eram aplicados nos contentores e que o Autor quando terminou o seu contrato devolveu à Ré a máquina fotográfica, os selos e o restante material que tinha em seu poder e que não tinha utilizado.
Ficou, igualmente, provado que o Autor efetuava as deslocações, no exercício da sua atividade, na sua própria viatura.
Se percorresse um número de quilómetros superior ao previsto, a Ré pagava-lhe o excesso desses quilómetros em razão de um valor por cada quilómetro a mais percorrido (€ 0,40 quilómetro).
            Até 150 quilómetros percorridos, ida e volta, com chegada à sede da Ré esta nada pagava.
            Resulta, assim, da matéria factual provada [nºs 19º, 20º, 25º, 26º e 27º, 28º], que os instrumentos de trabalho eram fornecidos pela Ré à exceção do meio de transporte usado pelo Autor para se deslocar ao local da inspeção dado que o tinha que fazer na sua própria viatura.
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- Retribuição:
O Autor não tinha uma retribuição certa.
Provou-se que, na relação estabelecida com a Ré, a remuneração do Autor, fixada em função das inspeções que executava, era, sem qualquer componente fixa e apurada pelo próprio autor, que emitia recibos verdes, como quitação.
Estava, deste modo, a remuneração dependente do número de inspeções uma vez que a Ré lhe pagava por inspeção.
Acresce que, mensalmente e em dia determinado pela Ré, o Autor apresentava o recibo do total a receber, que englobava as inspeções feitas e os quilómetros a pagar, e a Ré pagava-lhe esse valor segundo calendário elaborado pela mesma.
Era, também, a Ré quem fixava o valor de cada inspeção e o valor de cada quilómetro percorrido, sendo que, por cada inspeção, o Autor começou por receber € 100,00, passando a € 110,00, e posteriormente voltou a receber € 100,00 e € 90,00 a partir da segunda inspeção.
O seu pagamento era feito contra emissão de um recibo modelo 6, artigo 115º CIRS, vulgarmente denominado “recibo verde” e, ao valor global a receber, era deduzida uma retenção de 20% para IRS e acrescia o valor do IVA à taxa de em vigor para cada período específico.

- Férias e subsídios de férias e de Natal:

O Autor não provou que, ao longo de todos os anos de vigência do contrato, alguma vez gozara férias ou que lhe foram pagos quer o subsídio de férias quer o subsídio de Natal.

- Regime fiscal e da Segurança Fiscal:

Também não provou o Autor que fazia descontos para a Segurança Social.

Quanto à retenção de 20% para IRS e quanto ao pagamento do IVA foram feitos a título de trabalhador autónomo e independente e não como trabalhador subordinado e dependente – artigos 115º, 101º, 29º e 3º, todos do CIRS.

- Exclusividade:

Estabeleceram as partes, na cláusula sexta do acordo referido no n.º 5, dos factos provados, sob a epigrafe Exclusividade, que “[d]urante o período de vigência do presente contrato, o segundo outorgante obriga-se a não prestar serviços ou trabalho subordinado a qualquer outra entidade singular ou coletiva, publica ou privada que impeça a normal execução do presente contrato e, especialmente, a desenvolver qualquer atividade, por conta própria ou alheia, em concorrência com a primeira outorgante.”

Ora, de acordo com o estabelecido nessa cláusula, o Autor obrigou-se a exercer a sua atividade de “IPE” quase em regime de exclusividade para a Ré e a não concorrer com ela em atividade que desenvolvesse ou viesse a desenvolver quer por conta própria quer por conta alheia.

Contudo, tal restrição apenas o obrigava a não prestar serviço ou trabalho subordinado que impedisse a normal execução do contrato que celebrara com a Ré.

Podia, pois, o Autor exercer outra atividade desde que não colidisse com as funções que exercia ao serviço da Ré.

            Também se provou que a atividade exercida pelo Autor para a Ré era a sua única atividade profissional e que o ocupava a tempo inteiro apesar de não estar impedido e inibido de exercer qualquer outra atividade desde que não se relacionasse com a atividade que prestava à Ré.

            Conclui-se, pois, que a exclusividade a que se sujeitou o Autor não era para toda e qualquer atividade mas apenas para aquela que obstasse e obstruísse a normal execução do contrato que celebrara com a ré.

- Subordinação jurídica:

Provou-se que a partir de julho de 2013 começou a diminuir o trabalho para o Autor e que este, por isso, pediu à Ré que preenchesse o modelo RP 5064 DGSS, de modo a que pudesse beneficiar do subsídio de desemprego.

            No referido modelo, a Ré comunicou ao Autor que o termo do seu contrato seria em 30.09.2013, o que fez constar no impresso que lhe entregou.

Ora, o Modelo RP 5064-DGSS é o modelo oficial da “Declaração de situação de Desemprego” dos trabalhadores independentes mas economicamente dependentes.

Acresce que para a verificação do código aduaneiro das mercadorias que os exportadores portugueses queriam enviar para Angola, existia um procedimento e um conjunto de normas que tinham de ser cumpridas assim como também o deviam ser as normas definidas na IFIA guidelines [as quais se encontram consagradas no Decreto n.º 41/06, de 17 de Junho (aprovado pelo Conselho de Ministro Angolano), no Decreto Executivo n.º 124/06, de 11 de Setembro (aprovado pelo Ministério das Finanças Angolano), no Despacho n.º 192/02, de 9 de Agosto (aprovado pelo Ministério das Finanças Angolano) e em diversas Circulares].

A Ré exercia a atividade mencionada por ser considerada pelo Governo de Angola uma entidade devidamente licenciada.

Ora, para manter a acreditação e a certificação referidas era sujeita a auditorias externas com vista à verificação do cumprimento dos requisitos dos diferentes referenciais.

O que efetivamente a Ré cumpriu pois todos os inspetores, incluindo o Autor, recebiam regularmente formação dada por ela, através de workshops, encontros e sessões de esclarecimento ou, ainda, por meio de documentos internos por ela organizados e produzidos e que se destinavam aos inspetores.

A formação dizia respeito ao preenchimento de formulários, captação de fotografias, selagem dos contentores.

Igualmente se provou que, nomeadamente, nos termos do ponto 7, da norma ISO 9001:2008, e do ponto 14 da norma portuguesa ISO/IEC 17020:1998, a Ré estava obrigada a avaliar e reavaliar os seus fornecedores e os seus prestadores de serviços e devia manter os registos dos resultados da avaliação.

            Com vista à avaliação dos seus prestadores de serviços, por vezes o coordenador ou o chefe de delegação compareciam no local das inspeções sem pré-aviso pois a única forma de os avaliar era assistindo a uma inspeção e proceder à verificação do relatório de inspeção entregue, sendo que a sobredita avaliação visava a verificação do cumprimento das ordens e diretivas do exportador/importador, nomeadamente, o conjunto das normas angolanas que tinham de ser observadas.

Por fim, a entrega ao Autor do Modelo RP 5064-DGSS, por ele pedido, apenas pode provar a sua dependência económica porque respeita aos trabalhadores independentes mas economicamente dependentes [os rendimentos auferidos pelo Autor eram exclusivamente os provenientes desta sua atividade prestada para com a Ré].

Ora, estamos perante uma atividade eminentemente técnica [atividade relativa à verificação da qualidade, quantidade, preço (incluindo taxas cambiais e termos financeiros) e classificação aduaneira dos bens a serem exportados].

Em caso com algo semelhante com este, decidiu o acórdão de 12.01.2012, da 4ª Secção deste Supremo Tribunal [processo n.º 2158/07.9TTLSBB.L1S1] que não obstava, para que um contrato seja tido como de prestação de serviço, que a “atividade, de “perito auto”, do trabalhador fosse exercida em regime exclusividade e que para a executar este tivesse de visitar oficinas de automóveis nos locais indicados pela empregadora, a elas tendo de se deslocar durante o seu período normal de funcionamento e que para a execução das suas tarefas utilizasse instrumentos de trabalho fornecidos pela mesma empregadora e desta recebesse orientações sobre a execução do trabalho e o pagamento das despesas com as deslocações, uma vez que os índices insinuativos do contrato de trabalho menos relevam que os que prognosticam a existência de um contrato de trabalho autónomo”.        

Da análise feita aos vários índices deve concluir-se, como se conclui, que o Autor não logrou provar, como lhe competia, de que a relação contratual que vigorou entre ele e a ré revestia a natureza de contrato de trabalho.

            Procede, deste modo a revista.

VI

Pelo exposto delibera-se conceder a revista e, em consequência, revoga-‑se o acórdão recorrido para subsistir a sentença da 1ª instância, com a absolvição da Ré do pedido.

Custas pelo Autor/recorrido nas Instâncias e neste Supremo Tribunal de Justiça.

                                          




Lisboa, 12 de Janeiro de 2017




Ferreira Pinto (Relator)


Chambel Mourisco


Pinto Hespanhol


___________________

    1. [1] - N.º 010/2016 (FP) CM/PH
    2. [2] - Direito do Trabalho, 17ª edição, 2014, Almedina, página 123.