Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | LUÍS ESPÍRITO SANTO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE BANCÁRIA INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA DEVER DE INFORMAÇÃO NEXO DE CAUSALIDADE ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA ILICITUDE PRESUNÇÃO DE CULPA DANO VALORES MOBILIÁRIOS OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR PRESSUPOSTOS RESPONSABILIDADE CONTRATUAL ÓNUS DA PROVA MATÉRIA DE FACTO MATÉRIA DE DIREITO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS MASSA INSOLVENTE | ||
| Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
| Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
| Sumário : | I - Resulta directamente da aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 3 de Novembro, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República nº 212/2022, Série I, de 3 de Novembro de 2022, que o nexo causal entre o facto e o dano não se encontra abrangido pela presunção do artigo 799º, nº 1, do Código Civil, não competindo, em consequência, ao intermediário financeiro provar, no caso de incumprimento dos seus deveres de informação, que o investidor teria tomado a mesma decisão que, sem essa informação clara e completa, tomou, sendo que a presunção prevista no artigo 304º-A, nº 2, do Código de Valores Mobiliários constitui apenas uma presunção de culpa e ilicitude. II – Não havendo ficado provado que o A., na sua qualidade de investidor e cliente do Banco Espírito Santo, S.A, uma vez ciente da informação que lhe deveria ter sido prestada (ou se o fosse), tomaria então a decisão de não investir, ao contrário do que efectivamente fez (no desconhecimento da informação que fora omitida), tal é por si só suficiente para se concluir pela ausência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, elemento imprescindível para a possibilidade de constituição da obrigação de indemnização por parte dos demandados. III – Para este efeito (prova do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano) não basta o apuramento das seguintes circunstâncias: as fracas habilitações literárias do investidor; o seu perfil conservador; a sua tendência para não investir em produtos de risco; o seu convencimento subjectivo de que estaria a investir num produto semelhante a um depósito a prazo com garantia do montante de capital investido e juros no prazo; a sua ignorância relativamente à natureza das acções preferenciais, embora tivesse claro conhecimento e perfeita consciência de que o produto em que concretamente investiu proporcionava-lhe um ganho sensivelmente superior ao de um simples depósito a prazo, o que aliás procurou directa e intencionalmente ao tentar (de forma legítima) a maior rentabilização possível das suas economias reunidas em resultado do seu trabalho desenvolvido como emigrante em França. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção). I - RELATÓRIO. AA instaurou a presente ação declarativa de verificação ulterior de créditos, nos termos do artigo 146º, nº 1, do CIRE, contra Massa insolvente de Banco Espírito Santo, SA, Credores da massa insolvente de Banco Espírito Santo, SA e Banco Espírito Santo, S.A. Alegou essencialmente: Foi cliente do Banco Espírito Santo, SA (doravante BES) há vários anos, com um perfil conservador. Em Janeiro de 2013 e Fevereiro de 2014, pretendendo renovar a aplicação das suas poupanças, foi-lhe proposto um produto semelhante a um depósito a prazo, tendo assinado os documentos que supunha destinarem-se à constituição de um depósito a prazo e entregue € 343.100,00 no total. Nunca assinou qualquer contrato de aplicação financeira ou contrato de intermediação financeira, nem lhe foi entregue qualquer documento. Os negócios de intermediação financeira celebrados em nome do A. pelo BES são nulos, nos termos do disposto no artigo 321º do CVM. Apenas em Agosto de 2014, quando pretendeu levantar o montante em causa, ficou a saber não ter constituído um depósito a prazo, por falta de liquidez dos títulos subscritos. Conclui que seja a presente ação julgada procedente por provada e, consequentemente, seja reconhecido o crédito do reclamante no montante de € 343.100,00 (trezentos e quarenta e três mil e cem euros). Citados os RR. a massa insolvente do Banco Espírito Santo, SA e Banco Espírito Santo, SA, em liquidação, apresentaram contestação pedindo sejam julgadas procedentes as exceções invocadas de extemporaneidade da acção, preterição de litisconsórcio necessário e de prescrição do direito de indemnização, caso assim não se entenda seja a açcão julgada improcedente por não provada. Para tanto alegaram, em síntese: O prazo para a reclamação de créditos nos presentes autos havia terminado quando a presente verificação ulterior de créditos foi apresentada em 19 de Dezembro de 2016. Tal aconteceu quando ainda decorria o prazo para reclamação de créditos nos termos do artigo 128º do CIRE, sendo, assim, extemporânea nos termos do disposto no artigo 146º nº1, 1ª parte do CIRE, devendo ter lugar a absolvição da instância. O crédito reclamado é um crédito indemnizatório baseado na violação pelo BES dos seus deveres enquanto intermediário financeiro, responsabilidade essa que tem de ter em consideração o disposto no artigo 6º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, pelo que, nos termos do art. 500º, nº 1, do Código Civil, para que o BES seja responsável enquanto comitente terá de ser previamente apurada a responsabilidade de algum dos seus representantes, agentes ou mandatários, como comissários. Não tendo sido demandada qualquer dessas pessoas há preterição de litisconsórcio necessário legal que impõe a absolvição da instância. Se o BES tivesse de se defender da responsabilidade de terceiro, nomeadamente após a medida de resolução, tal violaria o direito a uma tutela judicial efetiva e os princípios da igualdade de armas e do processo equitativo previstos nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa. O prazo de prescrição quanto ao direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, nos termos do artigo 498º, nº 1, do Código Civil. O A. teve conhecimento da situação do BES pelo menos em 3 de Agosto de 2014, data em que foi aplicada a medida de resolução. A regra do artigo 100º do CIRE apenas opera quanto ao BES e não quanto a qualquer dos seus comissários, pelo que, quanto a estes, e, consequentemente, quanto ao BES, o crédito ora reclamado prescreveu. No mais defenderam-se por impugnação, alegando que ainda que o Novo Banco ofereceu soluções comerciais aos titulares de acções como as detidas pelo A., pelo que qualquer valor a receber terá de ser deduzido daqueles e ainda que a conta através da qual foram efetuadas as operações não era titularidade apenas do A., pelo que a indemnização terá de ser correspondente a metade. Admitido o exercício do contraditório veio o A. responder às exceções, pedindo a respetiva improcedência, alegando, em síntese, que a verificação ulterior de créditos é uma forma de reclamação de créditos; estarem verificados todos os pressupostos da responsabilidade do R. BES nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 500º do Código Civil e que, no caso, é aplicável o prazo de prescrição ordinário, ainda não decorrido. Em virtude do falecimento do A., foram habilitados os respetivos herdeiros BB, CC, DD, EE e FF. Realizou-se audiência prévia e foi proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as excepções de preterição de litisconsórcio necessário legal e de inadmissibilidade da ação de verificação ulterior de créditos e relegado para final o conhecimento da exceção de prescrição. Realizou-se audiência de julgamento e foi proferida sentença, em 2 de Abril de 2024, na qual foi decidido: “Pelo exposto, vistos os factos provados à luz das disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência: a) Julgo reconhecido e verificado o crédito reclamado no valor global de € 267.710,60, a graduar como crédito comum; b) Absolvo os réus e demais credores do restante peticionado. c) Custas pelos autores e pelos réus na proporção do decaimento, fixando-se este em 20% e 80%, respectivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que beneficiam estes últimos. Registe e notifique.” O Banco Espírito Santo, SA (em liquidação) e respetiva massa insolvente apresentaram recurso de apelação, o qual veio a ser julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Janeiro de 2025, com a consequente absolvição dos RR. Vieram os AA. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: 1 - Ao abrigo dos artigos 671º, n.º 1, 647ºº, n.º 1 e 645º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, de ora em diante C.P.C., vem o presente recurso interposto do douta acórdão com a ref.ª ...70, que julgou a apelação procedente. 2 - Os fundamentos mentos do recurso de revista são de natureza substantiva, resultantes da violação do disposto no artigo 563º do Código Civil e arts. 7º, 304º, 304º-A, 312º, 312º-A, 312º-B, 312º-C, 312º-D, 312º-E, 312º-F, 312º-G, 314º, 314º- A, 314º- B, 314º- C, 314º- D e 323º do Código de Valores Mobiliários; 3 – No caso de responsabilidade civil por intermediação financeira, in casu para subscrição de ações preferenciais, o AUJ nº 8/2022 serve de orientação judiciária qualificada à subscrição factualmente ocorrida depois da entrada em vigor das alterações introduzidas ao CVM pelo DL 357-A/2007 de 31/10, acentuando-se a densificação do conteúdo do dever de informação devido ao investidor, na tomada de uma decisão livre, esclarecida e fundamentada, sobretudo no caso de um investidor “não qualificado” (facto 57 dos factos provados), sob pena de responsabilidade pelos danos causados nos termos do art. 304º-A, nº1 do CVM. 4 – O mesmo entendimento deverá ser seguido em relação aos segmentos de uniformização incidentes sobre o nexo de causalidade, uma vez que a legislação de 2007 introduzida no CVM não trouxe qualquer alteração neste pressuposto, continuando a ser aplicável a disposição central do art. 563º do Código Civil. 5 – Para o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto ilícito, assente na violação dos deveres de informação legalmente impostos, e o dano, resultante da perda inerente ao investimento feito no “valor mobiliário” ou “instrumento financeiro”, o AUJ 8/2022 veio estabelecer que, de acordo com o art. 563º do Código Civil, tem de resultar da demonstração vertida na matéria de facto: a) haver falta ou inexatidão imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir (factos provados nºs 51, 56, 58, 59. 60, 61, 63 e 68); b) a prestação da informação devida levaria a não tomar a decisão de investir (factos provados nºs 57, 58 e 60). 6- Foi cumprido o ónus da prova da violação do dever de informação pelo banco intermediário financeiro, nomeadamente tendo-se provado, in casu, que se trata de um investidor não qualificado, que adquiriu acções preferenciais, por conselho do banco onde era cliente, tendo-lhe sido garantido que as ações tinham capital e juros garantidos e que eram um produto semelhante a um depósito a prazo. 7 – Com efeito, foi o incumprimento da informação devida que vincula o intermediário financeiro que motivou em termos de causa e imputação o convencimento do cliente, aqui primitivo A., a colocar o seu dinheiro numa “aplicação” – “ações preferenciais” - que, o cliente desconhecia, em particular no seu conteúdo, quanto á espécie de instrumento financeiro em que investiu, e alcance quanto ao risco de perda do capital ou da frustração relevante do rendimento esperado. 8 – Pelo que tem de se ter como igualmente provado que se o autor/investidor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de um produto financeiro de risco e que o capital e juros não eram garantidos pelo banco, não o autorizaria, assim se demonstrando a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano. 9 – Assim, foi esse vício da informação casualmente adequado (de acordo com os segmentos 1, 3 e 4 do AUJ nº 8/2022) a produzir o desconhecimento e as convicções erróneas do cliente respeitantes ao “produto financeiro” – “ações preferenciais” – e, em abstrato, segundo o decurso normal das coisas e as regras da experiência comum, apropriado (por normal e típico) para produzir o efeito lesivo na subscrição deste tipo de “valores mobiliários/instrumentos financeiros”; 10 – Acresce que, resulta da argumentação do acórdão recorrido uma presunção natural ou judicial (arts. 607º, nº4, 663º, nº2 do CPC e 349º e 351º do CC) para a demonstração do seguinte facto: “(…) se o A. houvesse sido informado da existência do risco de perda de capital, não teria subscrito a compra de ação objecto dos autos (…). 11 - Encontrando-se demonstrado na matéria de facto o nexo causal entre o facto e o dano, nos termos da doutrina da causalidade adequada, fixada no art. 563.º do CC. 12 – Ao revogar a decisão proferida pelo Tribunal da 1.ª instância o Tribunal a quo violou os artigos 7º, 304º, 304º-A, 312º, 312º-A, 312º-B, 312º-C, 312º-D, 312º-E, 312º-F, 312º-G, 314º, 314º- A, 314º- B, 314º- C, 314º- D e 323º do Código de Valores Mobiliários; Termos em que deve a presente revista ser julgada procedente e, em consequência, revogado o douto Acórdão recorrido e julgado reconhecido e verificado o crédito reclamado no valor global de € 267.710,60, a graduar como crédito comum, condenando-se os RR. nos termos da decisão proferida na primeira instância, com as legais consequências. Contra-alegaram os RR. sustentando a inadmissibilidade do recurso de revista e em qualquer caso a sua improcedência. II – FACTOS PROVADOS. Encontra-se provados nos autos que: 1) Em 11 de Julho de 2014, o Banco de Portugal emitiu o seguinte comunicado: "Comunicado a propósito da situação financeira do Banco Espírito Santo, S.A. 11 jul. 2014 Em face do comportamento especialmente adverso no mercado de capitais nacional decorrente da incerteza latente sobre a situação financeira do Banco Espírito Santo, S.A. (BES), o Banco de Portugal esclarece que, tendo em conta a informação reportada pelo BES e pelo seu auditor externo (KPMG), o BES detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor. A este propósito, relembra-se que a situação do ramo não financeiro do GES foi detetada na sequência de uma auditoria transversal realizada por entidade independente por determinação do Banco de Portugal, no final de 2013, aos oito maiores grupos bancários portugueses. Recorda-se ainda que, na sequência das conclusões extraídas dessa auditoria, foram determinadas várias medidas destinadas a salvaguardar a posição financeira do BES relativamente aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES. Importa sublinhar que esta auditoria concluiu um ciclo de 4 ações transversais de inspeção desenvolvidas pelo Banco de Portugal desde 2011 e que permitiram uma revisão aprofundada das carteiras de crédito dos principais bancos portugueses. Não existem motivos que comprometam a segurança dos fundos confiados ao BES, pelo que os seus depositantes podem estar tranquilos. Lisboa, 11 de julho de 2014" 2) Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, às 20 horas, foi determinada a sujeição do Banco Espírito Santo, S.A., à medida de resolução prevista no artigo 145.º-G, n.º 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("Medida de Resolução"). 3) Nos termos da Medida de Resolução foi, ainda, determinada a constituição de um banco de transição - Novo Banco -, e a transferência para o mesmo da quase da totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco Espírito Santo, S.A., incluindo direitos de propriedade, bem como todos os trabalhadores e prestadores de serviços que, até então, se integravam naquele. 4) No que respeita ao Banco Espírito Santo, S.A., o Banco de Portugal deliberou que permaneceriam no mesmo "[Q]uaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais" (cfr. a alínea H) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 11 de Agosto de 2014, às 17 horas, destinada a clarificar e ajustar determinados aspetos das medidas aprovadas na supra referida Deliberação "Activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo objeto de transferência para o Novo Banco, SA"). 5) Com a subsequente clarificação de que "não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES." (cfr. a alínea A) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 29 de Dezembro de 2015, destinada a clarificar e ajustar determinados aspectos das medidas aprovadas na supra-referida Deliberação). 6) O Banco de Portugal nomeou, ainda, no dia 3 de Novembro de 2014, novos administradores do Banco Espírito Santo, S.A., com o objectivo de gerirem os activos que não foram transferidos para o Novo Banco, S.A.. 7) Paralelamente, no dia 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou ao Banco Espírito Santo, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva e providências, com efeitos a 3 de Agosto de 2014: a) Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu activo; b) Proibição de recepção de depósitos; c) Dispensa, pelo prazo de um ano (posteriormente prorrogado pelo período adicional de um ano, na sequência de Deliberação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2015, e com produção de efeitos a 3 de Agosto de 2015), da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal poderia autorizar as operações necessárias. 8) Na prática, tais medidas determinaram que, a partir de 3 de Agosto de 2014, o Banco Espírito Santo, S.A., tenha deixado de exercer qualquer actividade bancária, pois ficou impedido de efectuar qualquer uma das operações previstas no artigo 4.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, limitando-se o novo órgão de administração a prosseguir os objectivos delineados na Medida de Resolução e nas demais normais legais aplicáveis, designadamente nas que regulam a adopção dessa mesma medida. 9) De acordo com o Banco de Portugal, a Medida de Resolução foi desencadeada na sequência e devido à informação divulgada pelo Banco Espírito Santo, S.A., junto da CMVM, em 30 de Julho 2014 ("Comunicação BES de 30 de Julho de 2014"). 10) Na referida comunicação, o Banco Espírito Santo, S.A., divulgou prejuízos no montante global de € 3.577,3M com referência à actividade do primeiro semestre de 2014, resultantes, por sua vez, de encargos com imparidades e contingências no montante global de € 4.253,5M. 11) Assim, segundo o Banco de Portugal “As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BES, a nível individual e consolidado, colocando-o globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam atualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8% para o rácio total…”. 12) O que configurou “um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco Espírito Santo, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras…”. 13) Neste contexto, já por carta datada de 29 de Julho de 2014, o Banco de Portugal tinha solicitado ao Banco Espírito Santo, S.A., a sua recapitalização, tendo este último comunicado, no dia 31 de Julho de 2014, que não era possível concretizar tal solução. 14) O Banco Espírito Santo, S.A., encontrava-se numa “situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de junho até 31 de julho [de 2014], a posição de liquidez do Banco Espírito Santo, S.A., diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros", o que determinou que o Banco Espírito Santo, S.A., se tivesse visto "forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA - Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros", porquanto já não podia recorrer "a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos ativos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do BES às operações de política monetária". 15) No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu (i) suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, S.A., com efeitos a partir do dia 4 desse mês, e (ii) obrigar esta instituição bancária a reembolsar o crédito de aproximadamente € 10.000M ao Eurosistema. 16) De acordo com o Banco de Portugal, “a decisão do BCE de suspensão do Banco Espírito Santo, SA, como contraparte de operações de política monetária tornou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excecionalmente, com especial incidência nos últimos dias, à cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.”. 17) Ainda, segundo o Banco de Portugal, os factos supra expostos "colocaram o Banco Espírito Santo, S.A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, nos termos dos n.ºs 1 e 3, alínea c) do artigo 145.º - C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), pelo que, não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adotada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira." 18) Na sequência da aplicação da Medida de Resolução supramencionada, que esteve em vigor durante cerca de dois anos, em 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A., para o exercício da actividade bancária, a partir das 19 horas desse dia, o que implicou a dissolução e a entrada em liquidação do banco. 19) Esta decisão do Banco Central Europeu não foi objecto de impugnação para o Tribunal Geral, nos termos do artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 20) Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco Espírito Santo, S.A., tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 21 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 18588/16.2T8LSB-J1, da 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa. 21) No despacho de prosseguimento dos autos de liquidação judicial, o Tribunal Judicial nomeou, no âmbito dos presentes autos, e a pedido do Banco de Portugal, os Exmos. Srs. Drs. GG, HH e II para formar a Comissão Liquidatária do Banco Espírito Santo, S.A.. 22) O Banco Espírito Santo, S.A., adoptava o Modelo de Governo Societário Anglo-saxónico. 23) A função do órgão de fiscalização interna do Banco Espírito Santo, S.A., era atribuída à Comissão de Auditoria do Conselho de Administração e a fiscalização externa do Banco Espírito Santo, S.A., era exercida pelo AE/ROC a KPMG SROC, S.A., bem como pelas autoridades de supervisão a que estava sujeito no exercício da sua actividade, BdP, CMVM e ISP. (…) 25) Nos termos dos artigos 26.º e 27.º dos Estatutos do Banco Espírito Santo, S.A., a Comissão de Auditoria era composta por três administradores não executivos e independentes, designados em simultâneo com os outros membros da Comissão de Auditoria (eliminado). 26) O Regulamento da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., determinava no seu artigo 4.º, o seguinte: “1. A Comissão de Auditoria tem as competências previstas na Lei, enquanto órgão de fiscalização societário, e, ainda, quaisquer outras atribuições que por Lei especial lhe sejam fixadas, nomeadamente, e entre outras: a) Fiscalizar a administração da sociedade; b) Zelar pela observância (i) da lei e do contrato de sociedade do BES, (ii) do Código de Conduta em vigor no BES e no conjunto de sociedades por este participadas e incluídas no perímetro de supervisão em base consolidada a que o BES está sujeito (Grupo BES ou GBES) e (iii) das disposições regulamentares aplicáveis emitidas pelas entidades supervisoras das instituições financeiras e do mercado de valores mobiliários; c) Acompanhar o processo de preparação e de divulgação de informação financeira; d) Elaborar anualmente relatório sobre a sua ação fiscalizadora e dar parecer sobre o relatório, contas e propostas apresentados pelo Conselho de Administração; e) Apreciar a adequação e eficácia do sistema de controlo interno, bem como das funções de gestão de riscos, de auditoria interna e de “compliance”; f) Elaborar anualmente parecer para o Banco de Portugal (BdP), emitindo opinião detalhada sobre a adequação e a eficácia do sistema de controlo interno do BES, com excepção da parte desse sistema subjacente ao processo de preparação e divulgação da informação financeira (relato financeiro) do BES1; g) Propor à Assembleia Geral a designação do auditor externo/revisor oficial de contas; h) Acompanhar o processo de auditoria externa /revisão legal dos documentos de prestação de contas do BES e do GBES, bem como do processo de avaliação pelos auditores externos/revisores oficiais de contas da parte do sistema de controlo interno do BES subjacente ao relato financeiro; i) Zelar pela independência do auditor externo/revisor oficial de contas, designadamente, no tocante à prestação de serviços adicionais; j) Obter de qualquer administrador, quadro superior ou empregado do BES ou de qualquer outra sociedade do GBES, toda a informação que considere necessária para o desempenho das suas funções, estando aqueles autorizados e obrigados a prestar essas informações sem quaisquer limitações; k) Reunir com os auditores externos e/ou membros dos órgãos de fiscalização das sociedades do GBES, na medida em que o considere necessário para o exercício das suas funções. l) Solicitar ao Conselho de Administração a contratação dos peritos externos considerados necessários para coadjuvarem um ou vários dos seus membros no exercício das respetivas funções, devendo a contratação e a remuneração desses peritos ter em conta a importância dos assuntos aos mesmos cometidos e a situação económica da sociedade; m) Receber as comunicações de irregularidades apresentadas por acionistas, colaboradores da sociedade ou outros; n) Convocar a Assembleia Geral, quando o presidente da respetiva mesa o não faça, devendo fazê-lo; o) Cumprir as demais atribuições constantes da lei, do contrato de sociedade ou das disposições regulamentares aplicáveis.” 27) Nos termos do artigo 6.º do Regulamento da mesma Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., constituíam deveres e responsabilidades gerais dos seus membros, os seguintes: “1. Os membros da Comissão de Auditoria têm o dever de: a) Participar nas reuniões da Comissão; b) Participar nas reuniões do Conselho de Administração e estar presente nas Assembleias Gerais de acionistas; c) Participar nas reuniões da Comissão Executiva do Conselho de Administração onde se apreciem as contas do exercício e, também, de assistir a quaisquer outras para que sejam convocados pelo presidente daquela Comissão ou em que o presidente da Comissão de Auditoria considere conveniente solicitar a presença dos membros desta Comissão; d) Guardar segredo dos factos e informações de que tiverem conhecimento em razão das suas funções, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do presente artigo; e) Registar por escrito todas as verificações, fiscalizações, denúncias recebidas e diligências que tenham sido efetuadas e o resultado das mesmas; f) Participar em quaisquer outras atividades relacionadas com as suas responsabilidades e para que sejam solicitados especificamente pelo Conselho de Administração; g) Iniciar e supervisionar investigações especiais que a Comissão considere necessário efetuar; h) Aprovar eventuais alterações ao presente Regulamento, sempre que as mesmas se afigurem necessárias; i) Confirmar anualmente, em relatório a enviar ao Conselho de Administração, que as responsabilidades da Comissão constantes deste Regulamento foram efetivamente cumpridas. j) Apreciar anualmente o desempenho coletivo da Comissão, bem como o de cada um dos seus membros, por referência a este Regulamento, informando, por escrito, o Conselho de Administração das conclusões respetivas. 2. Para além de outras obrigações previstas nas disposições legais e regulamentares aplicáveis, compete aos membros da Comissão de Auditoria, no exercício do seu dever legal de vigilância, designadamente: a) Ao presidente da Comissão, participar ao Ministério Público os factos delituosos de que tenha tomado conhecimento e que constituam crimes públicos; b) A qualquer um dos membros da Comissão, sempre que se apercebam de factos ou situações de que resultem impedimentos ao desenvolvimento normal da atividade social do BES, comunicá-los imediatamente ao auditor externo/revisor oficial de contas, por carta registada.” 28) Por seu lado, o artigo 7.º do aludido Regulamento estatuía os deveres e responsabilidades relacionadas com a auditoria e supervisão externas do seguinte modo: “1 - As contas individuais do BES e as contas consolidadas do GBES devem ser objeto de exame anual de auditoria/revisão legal por auditores externos/revisores oficiais de contas, competindo a estes, também, emitir parecer anual a enviar para o Banco de Portugal (BdP) sobre a adequação e eficácia da parte do sistema de controlo interno subjacente ao processo de preparação e divulgação de informação financeira (relato financeiro) do BES. 2. Relativamente aos auditores externos/revisores oficiais de contas, compete à Comissão de Auditoria: a) Escolher os auditores externos/revisores oficiais de contas do GBES, promovendo e assumindo a realização do respetivo processo de seleção; b) Propor à Assembleia Geral de acionistas a sua designação por um período de tempo não superior a quatro anos, eventualmente renovável; c) Analisar a proposta de planeamento anual da auditoria das contas individuais do BES e consolidadas do GBES, bem como da avaliação da parte do sistema de controlo interno subjacente ao relato financeiro do BES; d) Apreciar e dar parecer sobre a razoabilidade da proposta anual de honorários apresentada pelo auditor externo relativa aos serviços de auditoria das contas e de apreciação da parte que lhes compete do controlo interno; e) Acompanhar e avaliar anualmente o seu desempenho profissional, designadamente, através da discussão prévia das minutas dos relatórios de auditoria das contas e do parecer sobre o sistema de controlo interno, bem como da realização regular de reuniões de informação sobre o desenvolvimento e conclusões provisórias ou definitivas dos trabalhos de auditoria ao longo do ano e, também, da coordenação do seu trabalho com o Departamento de Planeamento e Contabilidade (DPC) e o Departamento de Auditoria e Inspeção (DAI) do BES, com os auditores internos das Entidades do GBES que se situam fora do âmbito de ação do DAI e com outros revisores oficiais de contas que prestam serviços a algumas Entidades do GBES; f) Zelar pela independência pessoal e profissional dos respetivos membros, designadamente através da obtenção e discussão de declarações dos mesmos sobre as suas relações profissionais, tanto pessoais como institucionais, com o GBES, bem como estabelecendo e implementando um processo de aprovação prévia de outros serviços que se proponham prestar a qualquer Entidade do GBES para além dos de auditoria externa regular; g) Apresentar ao Conselho de Administração e à Assembleia Geral proposta devidamente fundamentada para a sua destituição antes do fim do prazo da sua designação, sempre que se verifique justa causa para o efeito. 3. Complementarmente, compete à Comissão de Auditoria assegurar-se de que toma conhecimento tempestivo de todos os pedidos de informação dos Reguladores Financeiros (BdP ou CMVM) e ações de análise ou investigação iniciadas pelos mesmos em qualquer sector de atividade do BES, em Portugal ou no estrangeiro, e de que recebe cópia não só dos relatórios daquelas Entidades, como das respetivas respostas e ou esclarecimentos às entidades de supervisão, fazendo posteriormente o seguimento das mesmas até resolução definitiva dos assuntos tratados.” 29) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., tinha ainda os deveres e responsabilidades relacionadas com as funções de gestão de riscos, compliance e de auditoria interna, definidos no artigo 8.º do Regulamento da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A.: “1- A Comissão de Auditoria tem como suportes fundamentais da sua ação de supervisão, para além da auditoria externa, os Relatórios e Informação solicitadas e prestadas às funções de – • Gestão de riscos, a cargo do Departamento de Risco Global (DRG), responsável por assegurar a aplicação efetiva do sistema de gestão de riscos; • “Compliance”, a cargo do Departamento de “Compliance” (DCom), a quem cabe controlar o cumprimento dos normativos legais, regulamentares ou outros aplicáveis ao BES; • Auditoria interna, a cargo do Departamento de Auditoria e Inspeção (DAI), que procede com carácter permanente a avaliações autónomas, periódicas e/ou extraordinárias do sistema de controlo interno.”. 30) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., devia, nos termos estabelecidos no artigo 5.º do seu Regulamento, reunir, pelo menos, uma vez em cada dois meses. 31) Contudo, a Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., reuniu formalmente, em média, mais de uma vez por mês, tendo-se reunido 13 vezes no ano de 2013 e 10 entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de Julho de 2014. 32) Os membros da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., não estavam inseridos em qualquer cadeia hierárquica. 33) Eram não executivos e eram independentes. 34) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., elaborou pareceres sobre o Sistema do Controlo Interno (SCI) do Banco Espírito Santo, S.A., e das suas Sucursais que foram remetidos ao Banco de Portugal, acompanhando Relatórios SCI, designadamente, os três relatórios datados de 21 de Junho de 2013 e os três relatórios datados de 30 de Junho de 2014. 35) O primitivo autor AA era, juntamente com BB, titular da conta de depósitos à ordem n.º ...09. 36) Esta conta bancária foi originalmente aberta no Banco Espírito Santo, S.A.; 37) Actualmente esta conta está domiciliada no NOVO BANCO, S.A.; 37) a) – Consta da ficha de abertura de conta bancária do primitivo autor: “A conta que acabamos de abrir neste Banco, constitui depósito colectivo em nome dos signatários da presente, que para todos os fins legais, se declaram e reconhecem depositantes solidários. Fica muito expressamente consignado que qualquer dos signatários poderá livremente movimentar e dispor desta conta, parcial ou totalmente, inclusive liquidando-a antecipadamente, se de depósito a prazo se tratar, sempre sem carecer de autorização ou intervenção, dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito contra recibo, cheque ou qualquer outro documento de quitação, passado por um só dos signatários. Qualquer outra conta de dinheiro ou títulos que. de futuro venhamos a abrir colectivamente em nossos nomes, fica sujeita às mesmas condições da presente, salvo qualquer disposição que porventura fique exarada aquando da abertura dessas contas. O Banco fica desde já autorizado a lançar a crédito desta conta colectiva todas as importâncias que, sob qualquer forma lhe sejam remetidas ou entregues, embora mencionem como beneficiário somente o nome de um dos signatários.” 38) Consta da ficha de abertura de conta bancária do primitivo autor que EE e CC eram procuradores; 39) O autor AA, em conjunto com a contitular da conta, celebrou, no dia 10 de Julho de 2008, um “Contrato De Registo E Depósito De Instrumentos Financeiros” com o Banco Espírito Santo, S.A., que regula o serviço de recepção, transmissão e execução de ordens (cfr. documento n.º 1, junto aos autos a fls. 64 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos); 40) O autor AA faleceu no dia ... de ... de 2017, em ..., França. 41) Quando faleceu, o autor tinha 79 anos de idade. 42) Este era casado com a autora BB sob o regime de comunhão geral de bens. 43) O autor AA recebia extractos com a epigrafe “carteira de Títulos”. 44) Estes extractos iam para a residência do autor em França, sita em Place.... 45) No dia 19 de Junho de 2013, o autor AA deu ordem de compra/subscrição de 3.642 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 50, emitidas pela sociedade “Poupança Plus”, com o Código ISIN ...69, pela importância total de € 182.100 (cfr. Doc. n.º 2, de fls. 70 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 46) Na mesma data do investimento foi, em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, entregue pelo aqui autor ao Banco Espírito Santo, S.A., uma ordem de venda das referidas 3.642 acções, cujo valor unitário ascendia a € 53,289111000, no montante total de € 194.068, para a data de 22 de Junho de 2015. 47) No dia 10 de Fevereiro de 2014, o autor AA deu ordem de compra/subscrição de 6.440 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 25, emitidas pela sociedade “Eg Premium 2”, pelo montante total de € 161.000 (cfr. Doc. n.º 3, de fls. 72 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 48) Na mesma data do investimento o referido autor entregou ao Banco Espírito Santo, S.A., em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, uma ordem de venda das referidas 6.440 acções, com o valor unitário de € 26,65885000, no montante total de € 171 683, para a data de 22 de Fevereiro de 2016. 49) As ordens de compra referidas em 45) e 47) foram assinadas pelo autor CC a pedido e sob as ordens do primitivo autor AA. 50) Igualmente, o autor CC assinou os documentos referentes às ordens de venda mencionados em 46) e 48) dos Factos Provados a pedido e sob as ordens do primitivo autor AA. 50) a) Dos documentos referidos em 45) e 47) não consta qualquer compromisso formal de compra ou de assegurar a venda, sendo a experiência de que as ações preferenciais encontravam sempre compradores interessados nas datas e preços constantes das ordens de venda; 50) b) Com a aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A., no dia 3 de Agosto de 2014, deixou de ser possível vender, por ausência de compradores interessados, as acções preferenciais emitidas pelas indicadas sociedades veículo pelos valores e nas datas indicadas nas ordens de venda; 51) Os documentos referidos em 45) a 48) não foram lidos nem explicados ao autor CC. 52) A “aplicação” das quantias de € 182.100 e de € 161.000, bem como de outras quantias anteriormente, em “produtos do Banco Espírito Santo, S.A.” foi tratada por telefone pelo autor AA com um Departamento desta instituição bancária que lidava com emigrantes. 53) Consta dos documentos de ordem de compra/subscrição e de venda de acções preferenciais (“Operações Sobre Instrumentos Financeiros” de fls. 70v e seguintes) o seguinte: a) “Instrumentos Financeiros Complexos – Falta de Perfil de Investidor: Declaro ter sido avisado de que a minha recusa em fornecer informação necessária à realização do teste de adequação impede a determinação do meu perfil de investidor.” b) “Declaro (…) que para todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-á disponibilizada, caso a solicite;” 54) Nos termos da cláusula 7.5 do Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros referido em 39) dos Factos Provados, “Para a prestação de serviços de mera execução de ordens, por iniciativa do Cliente, em relação a instrumentos financeiros não complexos, tais como acções admitidas à negociação em mercado regulamentado ou equivalente, obrigações que não incorporem derivados, instrumentos de mercado monetário, unidades de participação em organismos de investimento colectivo em valores mobiliários harmonizados, o BES não é obrigado a determinar a adequação dos instrumentos financeiros às circunstâncias pessoais do cliente”. 55) Consta do “Anexo I - Deveres de Informação a Investidores”, do referido “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros”, a definição dos vários produtos de investimento, estando para as acções preferenciais assinalado que “(...) Os riscos inerentes a estes instrumentos financeiros são associados ao risco de incumprimento por parte do emissor das acções preferenciais, nomeadamente no reembolso de capital e à imprevisibilidade da distribuição de dividendos”. 56) Aquando da assinatura das referidas ordens de compra foi transmitido pelo gerente da agência de ... do Banco Espírito Santo, S.A., JJ, aos (actuais) autores CC e EE, que os produtos subscritos em questão não tinham risco nenhum. 57) O autor AA tinha um perfil conservador. 58) Ele não investia em produtos de risco. 59) O autor AA achou que estava a investir o seu dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo com garantia do montante de capital investido e juros no prazo. 60) A preocupação do autor era a rentabilização do dinheiro que ganhou em França. 61) O autor não sabia o que eram acções preferenciais. 61) a) O A. AA investiu em valores mobiliários – séries comerciais de acções preferenciais – por diversas ocasiões antes dos factos referidos em 45) a 48) da matéria de facto provada. 61) b) Os investimentos referidos em 61) a) e 45) a 48) tiveram também em consideração a rendibilidade oferecida por aqueles produtos, superior à rendibilidade de depósitos a prazo. 62) O investimento em acções preferenciais foi registado na conta de valores mobiliários associado à conta co-titulada pelo autor AA. 63) Este confiava mais no Banco Espírito Santo, S.A., do que nos seus filhos. 64) O autor AA emigrou para França por volta do ano de 1966, onde fixou residência e trabalhava. 65) Desde dada não concretamente apurada o autor AA residia em Place..., em ..., em França. 66) Nos anos de 2013 e 2014, o autor AA residia nesta morada. 67) Em França, este autor foi operário fabril. 68) O autor AA possuía a 2.ª classe (correspondente ao actual 2.º ano do 1.º ciclo). 69) O autor AA regressou a Portugal no ano de 2017. 70) Entre o final de Julho e o princípio de Agosto de 2014, mas antes do dia 3 de Agosto, os autores pediram o resgaste das duas “contas” que o autor AA tinha no Banco Espírito Santo, S.A., na sequência da audição de notícias na comunicação social sobre a situação económica difícil desta instituição bancária. 71) Nessa altura foi transmitido ao autor AA de que, pese emboras as notícias que circulavam na comunicação social, podia estar à vontade, pois continuava tudo igual, estando o seu dinheiro seguro e sem qualquer risco. 72) O autor AA não conseguiu resgatar o dinheiro que tinha investido no Banco Espírito Santo, S.A nos termos referidos em 45) e 47). 73) O Novo Banco, S.A., por comunicado divulgado no dia 1 de Outubro de 2015 informou que “…apresentou uma solução comercial aos Clientes detentores de Ações Preferenciais dos Veículos Poupança Plus, Top Renda e EuroAforro 8 (“Veículos”)” à qual aderiram “80% dos Clientes (titulares de 77% do número de Ações Preferenciais emitidas pelos Veículos)” (cfr. doc. n.º 7 de fls. 55 e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 74) Posteriormente, por comunicado divulgado no dia 28 de Junho de 2016, o Novo Banco, S.A., informou que “…estava concluída a implementação da solução comercial apresentada pelo Novo Banco” que a mesma tinha merecido a adesão do “80,8% do total de Clientes elegíveis” e que “…os Clientes que não aderiram à solução comercial e que, por sua opção, não exerceram a opção de liquidação em espécie das Ações Preferenciais [...] poderão fazê-lo nos anos seguintes [...], sem solução comercial associada…” ( cfr. doc. n.º 8 de fls. 56, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais). 75) De acordo com o comunicado da CMVM de 6 de Novembro de 2019, a EG Premium lançou uma oferta, voluntária e particular, de aquisição das acções preferenciais, de 6 de Novembro de 2019 a 8 de Janeiro de 2020 (cfr. doc. n.º 11 – a fls. 50v -, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 76) Por notícias publicadas no “Jornal ...”, no dia 6 de Novembro de 2019 e no “Jornal ...”, no dia 7 de Novembro de 2019, o NOVO BANCO, S.A., iria apresentar uma proposta de acordo aos titulares de acções preferenciais emitidas pela sociedade EG Premium que permitiria recuperar 47% do capital investido (cfr. documentos n.ºs 12 e 13 – a fls. 51v e 52v a 54 – e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 77) O Novo Banco, S.A., apresentou aos autores duas propostas de acordo, em 2015 e 2017, relativamente à quantia de € 182.100 investida em ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus. 78) Os autores não aceitaram a solução comercial oferecida em 2015. 79) Em 9 de Outubro de 2017, o NOVO BANCO, S.A., reembolsou os herdeiros do autor AA com a quantia de € 75.389,40, relativamente às acções preferenciais “Poupança Plus 6”. 80) As obrigações emitidas pelo Banco Espírito Santo, S.A., e adquiridas pelas referidas sociedades-veículo foram transferidas, no âmbito da medida de resolução, para o Novo Banco que passou, assim, a ser o devedor dessas quantias: directamente perante as sociedades-veículo e indirectamente perante os investidores. 81) Os AA. são titulares de 3.220 ações EG Premium 2 (...16), registadas no Novo Banco, no dossier de títulos nº ...07, em nome de AA. Não se provou que: a) O autor AA nunca assinou qualquer contrato de aplicação financeira. b) Não foi entregue a este autor cópia deste documento. c) Não foi apresentado ou assinado qualquer documento de aquisição das acções. d) Os investimentos referidos em 61) a) da matéria de facto provada foram realizados pelo A. AA pelo menos desde 2008, como por exemplo: 1) De acordo com o extracto 2/2008, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ...28, no valor de € 150.181,64; 2) De acordo com o extrato 02/2009, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ...28, no valor de € 150.181,64; 3) De acordo com o extrato 02/2010, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN ...03, no valor de € 161.921,40; 4) De acordo com o extrato 02/2011, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN ...03, no valor de € 161.921,40; 5) De acordo com o extrato 03/2011, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN ...10, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN ...11, no valor de € 145.100; 6) De acordo com o extrato 03/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN ...10, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN ...11, no valor de € 145.100; 7) De acordo com o extrato 04/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN ...10, no valor de € 167.000; 8) De acordo com o extrato 01/2013, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN ...10, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN ...28, no valor de € 152.950; 9) De acordo com o extrato 03/2013, o autor era titular de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN ...28, no valor de € 152.950,00, (eliminado). e) O autor AA recebeu os avisos de lançamento das operações sobre valores mobiliários, dos quais consta expressamente o dossier de Títulos n.º ...07, associado à conta DO n.º ...09, e a referência a compra/venda de “Títulos”, identificados como sendo acções “Escriturais”. f) Os investimentos referidos em 61) a) da matéria de facto provada foram realizados pelo A. AA mediante a subscrição das seguintes ações preferenciais: 1) Aviso Nr.º ...79 de 28/01/2010: Venda de Títulos TR 4RE JUL.08-10 4, com o código ISIN ...28, no valor de € 161.947,13; 2) Aviso Nr.º ...43 de 28/01/2010: Compra de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN ...03, no valor de €161.921,40; 3) Aviso Nr.º ...78 de 29/04/2011: Venda de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN ...03, no valor de € 168.074,41; 4) Aviso Nr.º ...73 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN ...11, no valor de €145.100; 5) Aviso Nr.º ...34 de 24/08/2012: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN ...11, no valor de 152.920,89; 6) Aviso Nr.º ...35 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN ...10, no valor de € 167.000; 7) - Aviso Nr.º ...12 de 30/05/2013: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN ...10, no valor de € 182.124,62; 8) Aviso Nr.º ...93 de 26/10/2012: Compra de Títulos PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN ...28, no valor de € 152.950; 9) Aviso Nr.º ...94 de 17/02/2014: Venda de Títulos de PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN ...28, no valor de € 161.090,34; (…) g) O autor AA recebeu as declarações de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários, nomeadamente, a declaração fiscal relativa ao ano 2013, na qual consta, no “dossier de valores mobiliários”, sob “Acções” as operações de venda de valores mobiliários, “...11 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, no valor de €91.62,31, e de compra de valores mobiliários “...69 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, no valor de € 91.050. h) O produto das acções preferenciais consistia no seguinte: 1) Os investidores adquiriam acções preferenciais emitidas por determinadas sociedades-veículo: três sedeadas em New Jersey com as denominações "Euroaforro Investments Jersey Limited", ("Euroaforro"), "Poupança Plus Investments Jersey Limited" ("Poupança Plus") e "Top Renda Limited" ("Top Renda"), constituídas em 2001 e 2002, e uma com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, constituída em 2004, com a denominação "EG Premium"; 2) Em simultâneo com a aquisição das acções preferenciais os investidores davam uma ordem de venda com data futura (e.g. um ou dois anos) e por um preço superior ao da compra; 3) Na data futura constante da ordem de venda o Banco Espírito Santo, S.A., colocava os títulos no mercado, promovendo a sua aquisição por outros interessados; (…) 6) Nessa data o património das sociedades-veículo, excepto o da EG Premium e da EuroAforro 10, cuja composição se desconhece, era composto por obrigações sénior emitidas pelo BES e numerário. i) Na sequência da implementação da solução comercial disponibilizada pelo Novo Banco em 2017 – assente na recompra da totalidade das obrigações sénior do Novo Banco constantes destas carteiras - foram extintas as acções preferenciais emitidas por todas as Sociedades-Veículo, excepto a EG Premium e a EuroAforro 10, e, em consequência: 1) Os investidores que tivessem aderido à solução comercial de 2015 mantiveram todos os direitos emergentes da mesma e ficaram com a garantia que a solução oferecida permitia efectivamente a recuperação de 90% do valor investido inicialmente; 2) Os investidores que aderiram à solução comercial de 2017 receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, a qual em conjunto com os depósitos compensação previstos no acordo do Novo Banco, permitiu recuperar, imediatamente 60% e a, prazo, 75%, do valor investido inicialmente. 3) Os investidores, titulares de acções preferenciais daquelas sociedades que não aceitaram as soluções comerciais propostas pelo Novo Banco receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, cujo montante se desconhece e varia de caso para caso. 4) As soluções comerciais acima referidas foram oferecidas a todos os titulares de acções preferenciais, excepto as emitidas pelas sociedades EG Premium e Euroaforro 10. j) Os investidores que recusaram a oferta da EG Premium e, bem assim, os que investiram em EuroAforro 10, permanecem titulares das acções preferenciais emitidas por estas sociedades, cujo valor será o equivalente às quantias que tenham recebido (se algumas) e à respectiva proporção nos capitais próprios da sociedade emitente. (…) m) A decisão de investimento do autor foi tomada de modo livre e esclarecido, com a intenção, evidente, de aplicar as suas poupanças num produto que disponibilizava uma remuneração diferenciada. n) O autor quis um produto que proporcionasse uma rendibilidade acrescida e vantagens fiscais que não teria num simples depósito a prazo e com a plena consciência que estava a investir num produto que não era um depósito a prazo. o) O autor foi devidamente esclarecido e estava ciente de que (i) o contrato de intermediação financeira era de mera recepção e execução de ordens; (ii) que o banco não estava obrigado a determinar a adequação do investimento e que (iii) estava a adquirir acções preferenciais (não depósitos) e dos riscos e características inerentes a tais instrumentos financeiros. p) O autor AA foi cabalmente informado das características e dos riscos associados às acções preferenciais. q) O autor escolheu, de forma autónoma, os instrumentos financeiros em que investiu, limitando-se o Banco Espírito Santo, S.A., enquanto intermediário financeiro, a executar uma ordem por aqueles emitida. r) Nesta qualidade, o Banco Espírito Santo, S.A., não tinha o dever de explicar as características do produto (não obstante o ter feito) III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER. 1 – Admissibilidade do presente recurso de revista. 2 – Verificação, ou não, no caso concreto, do necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, susceptível de fundar a responsabilização da intermediária financeira. Passemos à sua análise: 1 – Admissibilidade do presente recurso de revista. Invocaram os recorridos que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça não é processualmente admissível. Segundo referem, nos termos dos artigos 674.º e 682.º, n.º 1, do CPC, e do artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, o Supremo Tribunal de Justiça é competente para conhecer, em sede de recurso, e com raras excepções, apenas de matéria de direito, sendo que o segmento da decisão recorrida em que incide o recurso é, somente, a não verificação do elemento naturalístico do requisito do nexo de causalidade, que constitui matéria de facto e que subjaz, necessariamente, ao elemento normativo deste requisito, comumente designado por causalidade adequada. Dito de outra forma, trata-se de não dar por verificada a existência de uma “conditio sine qua non”. Ora, no recurso interposto, os recorrentes alegam o seguinte: “A matéria de facto comprova que, se o investidor tivesse percebido (ou sequer intuído) que poderia estar a dar ordem de compra a um produto financeiro de risco e que o capital não era garantido pelo Banco Espírito Santo, S.A., não o autorizaria. Essas condições erroneamente pressupostas pelas informações prestadas foram conditio sine qua non para firmar o contrato”. Visando obter a revogação da decisão do Tribunal a quo acerca da questão, que é de facto, da verificação do aludido elemento naturalístico. O que, porém, extravasa o âmbito de competência do STJ, não se reconduzindo a nenhum dos fundamentos admitidos pelo legislador no artigo 674.º do CPC. Donde, não pode o STJ conhecer do objeto do recurso. Apreciando: É manifesto que não assiste qualquer razão aos recorridos quanto à questão que infundadamente suscitam. Antes de mais, cumpre salientar que a apreciação da matéria referente ao apuramento do nexo de causalidade que se estabelece (ou não) entre o facto ilícito e o dano enquadra-se no âmbito geral de apreciação dos pressupostos gerais da obrigação de indemnizar em sede de responsabilidade civil, pelo que nos encontramos de pleno no conhecimento pelo tribunal de matéria de direito e não limitados unicamente à apreciação de uma focalizada questão de facto. A determinação do nexo de causalidade no âmbito específico do apuramento da responsabilidade do intermediário financeiro perante os danos causados ao cliente investidor, pela falta da prestação da informação legalmente devida, não se reconduz desse modo, de forma redutora, a uma análise puramente naturalística, antes pressupõe uma prévia dilucidação quanto ao que constitui o seu enquadramento jurídico global. Tal operação intelectual integra assim, essencialmente, um carácter jus-normativo com a imprescindível avocação de juízos de índole jurídica, conforme aliás resulta inequivocamente do teor dos variados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se debruçaram sobre esta temática. Esta vertente concernente à tarefa de interpretação jurídica da configuração do nexo de causalidade em apreço e sua casuística aplicação à materialidade dada como assente em que cada um dos processos em que a temática se discute encontra-se, de resto, bem espelhada no acórdão uniformizador 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, quando no mesmo se afirma que: “O artigo 563.º do Código Civil prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento. Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado. 4.2. Presunção de culpa e causalidade na violação de deveres de informação pelo Intermediário Financeiro no Código dos Valores Mobiliários. Operando a aplicação das indicadas normas: - podemos dizer que ocorre um facto ilícito quando a prestação de informação é errónea, por omissão, no quadro de relação negocial bancária; - a culpa, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal; - nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa presume-se (artigo 304.º, n.º2, do CVM); presunção que também resulta do disposto no artigo 799.º, n.º1, do Código Civil. - o dano: o prejuízo resultante do investimento nas obrigações; - o nexo de causalidade: para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea). Isto significa que, mesmo que uma dada situação seja configurada como facto ilícito (por exemplo, a prestação, por omissão, de informação errónea, nomeadamente no que concerne à concreta identificação ou às características do produto e a natureza subordinada), essas circunstâncias poderiam não ser causais da subscrição efetuada e consequente dano. Ora, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão. Quer isto dizer que incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil. E isto é assim porque não encontramos no regime do CVM norma aplicável à violação do dever de informação de indemnizar que consagre uma solução distinta da consagrada no Código Civil em sede da respetiva matéria já indicada. No CVM apenas se estabelece uma presunção de culpa. E essa presunção de culpa não vem aí formulada em termos de se poder dela extrair uma ilação em termos de nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos. Como refere o Acórdão do STJ, de 17/03/2016, “o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ele colocou para fazer o investimento”. Deste modo, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido não se presume, devendo ser demonstrado através da matéria de facto - cf., neste sentido, Acórdãos do STJ, de 24/01/2019 (processo n.º 2406/16.4T8LRA.C1.S1, de 13/09/2018 (processo n.º 13809/16.4T8LSB.L1.S1) e de 6/11/2018 (processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1) – Ora, sendo factos constitutivos do seu direito, compete ao Autor demonstrar a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade (artigo 342.º, n.º1, do Código Civil), sendo que a culpa se presume, pelo que se pode concluir que a responsabilidade civil do intermediário financeiro pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos deveres legais ou contratuais bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido. O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais. Ao adotar-se a posição indicada não se desconhece a existência de defensores de orientação diversa, nomeadamente de que a prova da ilicitude seria suficiente para se poder dar por comprovada a causalidade, como que assumindo que existe uma causalidade presumida a partir da prova da ilicitude do dever de informação. Ainda assim, não é essa a solução que o legislador consagrou neste tema específico, sem prejuízo de poderem existir lugares paralelos no ordenamento jurídico onde a solução é normativamente acolhida e jurisprudencialmente aceite, como sucede na responsabilidade médica, v.g. para indicar apenas um exemplo”. Aliás, e como bem salienta Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, página 900, a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito. Na vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto gerador do dano, sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade integra-se no plano puramente factual, o qual é insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Considerado assente esse mesmo nexo naturalístico (relação causa-efeito) compete então ao Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência do nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do disposto no artigo 563.º do Código Civil, o que significa o desenvolvimento pela entidade jurisdicional de uma actividade de natureza eminentemente jurídica. Ou seja, para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano, importará averiguar outrossim, segundo as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É, portanto, necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada. Tudo isto traduz uma actividade marcadamente normativa que extrapola manifestamente a circunstância de a discussão de facto ficar encerrada, definitivamente e em regra, em 2ª instância. Pelo que assiste, naturalmente, ao Supremo Tribunal de Justiça competência para o conhecimento do objecto da presente revista, a qual é admissível. 2 – Verificação, ou não, no caso concreto, do necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, susceptível de fundar a responsabilização da intermediária financeira. A revista em apreço versa exclusivamente, em termos essenciais, sobre a concreta verificação, ou não, de nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo intermediário financeiro, face ao demonstrado incumprimento do seu dever de informação ao cliente e investidor, e os danos daí causalmente advenientes para a esfera jurídica deste último, cujo ressarcimento se traduz, no fundo, no pedido global formulado nos autos. Neste contexto, há que observar e seguir escrupulosamente a doutrina do acórdão uniformizador nº 8/2022, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Iª Série, de 3 de Novembro de 2022, que abrange indiscutivelmente esta mesma temática. Consta do seu segmento uniformizador: «1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em ‘produtos de risco’ — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o ‘reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco’), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM. 3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.» Conforme se enfatiza no acórdão recorrido, os factos em causa nos autos são posteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, ou DMIF I) e anteriores à entrada em vigor da Lei nº 35/2018, de 20 de julho (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva, a Diretiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, ou DMIF II). Releva para o tema que nos ocupa a seguinte materialidade: O autor AA emigrou para França por volta do ano de 1966, aí exercendo a profissão de operário fabril. Tinha como habilitações a 2.ª classe (correspondente ao actual 2.º ano do 1.º ciclo). Regressou a Portugal no ano de 2017. No dia 19 de Junho de 2013, o autor AA deu ordem de compra/subscrição de 3.642 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 50, emitidas pela sociedade “Poupança Plus”, com o Código ISIN ...69, pela importância total de € 182.100 (cfr. Doc. n.º 2, de fls. 70 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). Na mesma data do investimento foi, em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, entregue pelo aqui autor ao Banco Espírito Santo, S.A., uma ordem de venda das referidas 3.642 acções, cujo valor unitário ascendia a € 53,289111000, no montante total de € 194.068, para a data de 22 de Junho de 2015. No dia 10 de Fevereiro de 2014, o autor AA deu ordem de compra/subscrição de 6.440 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 25, emitidas pela sociedade “Eg Premium 2”, pelo montante total de € 161.000 (cfr. Doc. n.º 3, de fls. 72 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). Na mesma data do investimento o referido autor entregou ao Banco Espírito Santo, S.A., em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, uma ordem de venda das referidas 6.440 acções, com o valor unitário de € 26,65885000, no montante total de € 171 683, para a data de 22 de Fevereiro de 2016. As ordens de compra referidas foram assinadas pelo autor CC a pedido e sob as ordens do primitivo autor AA, que igualmente assinou os documentos referentes às ordens de venda mencionada a pedido e sob as ordens do primitivo autor AA. Dos documentos em causa não consta qualquer compromisso formal de compra ou de assegurar a venda, sendo a experiência de que as acções preferenciais encontravam sempre compradores interessados nas datas e preços constantes das ordens de venda. Recebia regularmente extractos com a epigrafe “carteira de Títulos”, os quais eram dirigidos para a sua residência em França (sita em Place...). Com a aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A., no dia 3 de Agosto de 2014, deixou de ser possível vender, por ausência de compradores interessados, as acções preferenciais emitidas pelas indicadas sociedades veículo pelos valores e nas datas indicadas nas ordens de venda. A “aplicação” das quantias de € 182.100 e de € 161.000, bem como de outras quantias anteriormente, em “produtos do Banco Espírito Santo, S.A.” foi tratada por telefone pelo autor AA com um Departamento desta instituição bancária que lidava com emigrantes. Consta dos documentos de ordem de compra/subscrição e de venda de acções preferenciais (“Operações Sobre Instrumentos Financeiros” de fls. 70v e seguintes) o seguinte: a) “Instrumentos Financeiros Complexos – Falta de Perfil de Investidor: Declaro ter sido avisado de que a minha recusa em fornecer informação necessária à realização do teste de adequação impede a determinação do meu perfil de investidor.” b) “Declaro (…) que para todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-á disponibilizada, caso a solicite;” Nos termos da cláusula 7.5 do Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros referido, “Para a prestação de serviços de mera execução de ordens, por iniciativa do Cliente, em relação a instrumentos financeiros não complexos, tais como acções admitidas à negociação em mercado regulamentado ou equivalente, obrigações que não incorporem derivados, instrumentos de mercado monetário, unidades de participação em organismos de investimento colectivo em valores mobiliários harmonizados, o BES não é obrigado a determinar a adequação dos instrumentos financeiros às circunstâncias pessoais do cliente”. Consta do “Anexo I - Deveres de Informação a Investidores”, do referido “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros”, a definição dos vários produtos de investimento, estando para as acções preferenciais assinalado que “(...) Os riscos inerentes a estes instrumentos financeiros são associados ao risco de incumprimento por parte do emissor das acções preferenciais, nomeadamente no reembolso de capital e à imprevisibilidade da distribuição de dividendos”. Aquando da assinatura das referidas ordens de compra foi transmitido pelo gerente da agência de ... do Banco Espírito Santo, S.A., JJ, aos (actuais) autores CC e EE, que os produtos subscritos em questão não tinham risco nenhum. O autor AA tinha um perfil conservador, não investindo em produtos de risco. O autor AA achou que estava a investir o seu dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo com garantia do montante de capital investido e juros no prazo. A sua preocupação era a rentabilização do dinheiro que ganhou em França, não sabendo o que eram acções preferenciais. O A. AA investiu em valores mobiliários – séries comerciais de acções preferenciais – por diversas ocasiões antes dos factos supra referidos. Os investimentos tiveram também em consideração a rendibilidade oferecida por aqueles produtos, superior à rendibilidade de depósitos a prazo. O investimento em acções preferenciais foi registado na conta de valores mobiliários associado à conta co-titulada pelo autor AA. Este confiava mais no Banco Espírito Santo, S.A., do que nos seus filhos. Entre o final de Julho e o princípio de Agosto de 2014, mas antes do dia 3 de Agosto, os autores pediram o resgaste das duas “contas” que o autor AA tinha no Banco Espírito Santo, S.A., na sequência da audição de notícias na comunicação social sobre a situação económica difícil desta instituição bancária. Nessa altura foi transmitido ao autor AA de que, pese emboras as notícias que circulavam na comunicação social, podia estar à vontade, pois continuava tudo igual, estando o seu dinheiro seguro e sem qualquer risco. O autor AA não conseguiu resgatar o dinheiro que tinha investido no Banco Espírito Santo, S.A. O Novo Banco, S.A., por comunicado divulgado no dia 1 de Outubro de 2015 informou que “…apresentou uma solução comercial aos Clientes detentores de Ações Preferenciais dos Veículos Poupança Plus, Top Renda e EuroAforro 8 (“Veículos”)” à qual aderiram “80% dos Clientes (titulares de 77% do número de Ações Preferenciais emitidas pelos Veículos)” (cfr. doc. n.º 7 de fls. 55 e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). Posteriormente, por comunicado divulgado no dia 28 de Junho de 2016, o Novo Banco, S.A., informou que “…estava concluída a implementação da solução comercial apresentada pelo Novo Banco” que a mesma tinha merecido a adesão do “80,8% do total de Clientes elegíveis” e que “…os Clientes que não aderiram à solução comercial e que, por sua opção, não exerceram a opção de liquidação em espécie das Ações Preferenciais [...] poderão fazê-lo nos anos seguintes [...], sem solução comercial associada…” ( cfr. doc. n.º 8 de fls. 56, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais). De acordo com o comunicado da CMVM de 6 de Novembro de 2019, a EG Premium lançou uma oferta, voluntária e particular, de aquisição das acções preferenciais, de 6 de Novembro de 2019 a 8 de Janeiro de 2020 (cfr. doc. n.º 11 – a fls. 50v -, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). Por notícias publicadas no “Jornal ...”, no dia 6 de Novembro de 2019 e no “Jornal ...”, no dia 7 de Novembro de 2019, o NOVO BANCO, S.A., iria apresentar uma proposta de acordo aos titulares de acções preferenciais emitidas pela sociedade EG Premium que permitiria recuperar 47% do capital investido (cfr. documentos n.ºs 12 e 13 – a fls. 51v e 52v a 54 – e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). O Novo Banco, S.A., apresentou aos autores duas propostas de acordo, em 2015 e 2017, relativamente à quantia de € 182.100 investida em ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus. Os autores não aceitaram a solução comercial oferecida em 2015. Em 9 de Outubro de 2017, o NOVO BANCO, S.A., reembolsou os herdeiros do autor AA com a quantia de € 75.389,40, relativamente às acções preferenciais “Poupança Plus 6”. As obrigações emitidas pelo Banco Espírito Santo, S.A., e adquiridas pelas referidas sociedades-veículo foram transferidas, no âmbito da medida de resolução, para o Novo Banco que passou, assim, a ser o devedor dessas quantias: directamente perante as sociedades-veículo e indirectamente perante os investidores. Os AA. são titulares de 3.220 ações EG Premium 2 (...16), registadas no Novo Banco, no dossier de títulos nº ...07, em nome de AA. Apreciando: Consta do acórdão recorrido a este propósito: “A sentença recorrida optou expressamente pela posição de que o nº 2 do artigo 304º-A, do Código dos Valores Mobiliários, contém igualmente uma presunção de causalidade com a consequente inversão do ónus da prova. Considerando não terem os RR. logrado ilidir tal presunção e que “os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco Espírito Santo, S.A.”, considerou assim verificado este requisito. O tribunal também referiu - embora noutro local – que “considerando a factualidade apurada, em particular o perfil de investidor do autor AA, somos levados a concluir que o Banco Espírito Santo, S.A., levou aquele a “investir” num produto que não correspondia ao que pretendia. Com efeito, o Banco Espírito Santo, S.A., não só omitiu informações relevantes e essenciais para o conhecimento do tipo de produto em causa, como levou o autor AA a crer que estava a subscrever dois depósitos a prazo. Além disso, a referida instituição bancária prestou uma informação falsa ao afirmar que as mencionadas acções preferenciais não tinham quaisquer riscos, o que levou a criar uma imagem deturpada da realidade, especialmente junto de quem não domina a linguagem financeira.” Ou seja, embora optando pela teoria da presunção da causalidade, o tribunal a quo não deixou de efetuar uma subsunção dos factos ao direito que considerou levar à conclusão pela existência de nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo A. e a violação dos deveres de informação cometida pela liquidanda. Os recorrentes alegaram que a conclusão do tribunal foi exclusivamente fundada na inversão do ónus da prova para efeitos do nexo de causalidade, defendendo que esta inversão não decorre de qualquer preceito legal, não te sido aceite pela jurisprudência nacional e contraria frontalmente jurisprudência uniformizada, sem apresentar qualquer argumento inovador. Começaremos por referir que, como já foi esclarecido em 5.2.1. deste acórdão, a posição assumida expressamente pelo tribunal recorrido não contraria a jurisprudência fixada pelo AUJ nº 8/2022, que foi fixada para uma versão do CVM diversa da aqui aplicável. O que não quer dizer, o que igualmente já se assumiu, que não deva ser seguida. Há também a referir que a teoria da presunção da causalidade tem ilustres seguidores na doutrina e havia já sido (minoritariamente, é certo) acolhida por alguma jurisprudência. Mas no essencial, e como já se fundamentou supra, também nós, na sequência da aplicação ao caso concreto da jurisprudência fixada pelo AUJ nº 8/2022, não por imperativo legal, mas por todos os argumentos serem aplicáveis à versão do CVM em causa nos autos, entendemos que o nº 2 do art. 304º-A do CVM não contém uma presunção do nexo de causalidade entre o dano e a ilicitude, o qual, como decidido no AUJ nº 8/2022, tem que ser demonstrado pelo lesado, ou seja, pelos aqui AA. e recorridos. Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade). Nos termos do artigo 563.º, do Código Civil «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação. Este preceito consagra o “critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual “tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado”. Recordando, nos pontos 3 e 4 do AUJ nº 8/2022 fixou-se jurisprudência no seguinte sentido: “3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” Para a prova do nexo de causalidade importa fique demonstrado “(…) para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada atuação (ação ou omissão) provocou o dano (…) cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da ação ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica. Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano.” No caso apurou-se que o primitivo A. subscreveu as ações preferenciais em causa sem consciência dos riscos, que não lhe foram adequadamente explicados, achando que estava a fazer um investimento semelhante a um depósito a prazo, com garantia do montante de capital e juros no prazo fixado (facto 59). O primitivo A. tinha 75 e 76 anos de idade, ao tempo dos investimentos, tinha um perfil conservador, não fazia investimentos de risco e tinha como única preocupação a rentabilização das poupanças de uma vida de trabalho em França – factos 40, 41, 57, 58, 60, 64 e 67. O A. tinha a 2ª classe, não sabia o que eram ações preferenciais e tinha uma elevada confiança no Banco – superior à confiança que tinha nos seus filhos – factos 68, 61 e 63. Como adverte acertadamente A. Barreto Menezes Cordeiro, no preenchimento em concreto das qualidades da informação, em litígios reais, o intérprete-aplicador deve evitar proceder a análises individuais de cada um dos factos dados como provados, sob pena de as conclusões não se adequarem ao conjunto da matéria de facto. No caso concreto, da conjugação do perfil conservador e motivações apuradas do A. (rentabilizar o produto de uma vida de trabalho) resulta claramente uma aversão ao risco. Não temos, porém, apurado – e conforme verificamos da petição inicial, não foi sequer alegado – que se tivesse sido concretamente informado de que a subscrição daqueles produtos tinha risco de perda de capital a não teria feito. Temos apurado que o A. estava convencido da inexistência de risco diverso do risco de um depósito a prazo (facto nº 59) – equivalente, no caso concreto a sem risco, dadas a confiança e a baixa literacia financeira do A. que permitem presumir que este entenderia esta informação de forma literal. Mas tanto não basta para preencher o elemento naturalístico do nexo de causalidade, a condição sine qua non da qual se poderá extrair, como base no globo da prova produzida, o elemento abstrato do referido nexo. Como se decidiu lapidarmente no Ac. STJ de 26/03/19 (Alexandre Reis – 2259/17), seguido por vários outros, entre os quais o A. STJ de de 20/06/2023 (Maria Clara Sottomayor – 15440/17): “É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano. É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias: «o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis» Como já se decidiu, na sequência da fixação de jurisprudência pelo AUJ nº 8/2022, o uso de presunções judiciais é possível com vista ao estabelecimento do nexo de causalidade, desde que não colidam com os nºs 3 e 4 do referido AUJ. O que significa que não podemos prescindir do nexo causal naturalístico, enquanto matéria de facto, e só apurado este poderemos usar presunções judiciais para apurar o segundo momento de causalidade, enquanto matéria de direito. Nestes exatos termos “Apesar de o AUJ n.º 8/2022 não ter aceitado a tese da presunção do comportamento conforme à informação, não quis dificultar ao investidor não qualificado o cumprimento do ónus da prova do nexo causal, nem afastar todo o lastro doutrinal e jurisprudencial produzido acerca do nexo de causalidade, pretendendo até facilitar o ónus da prova para não se inverter a lógica do instituto da responsabilidade civil”, o Ac. STJ de 04/07/2023 (Maria Clara Sottomayor – 3443/17), deduziu da prova de um facto e à luz de todas as circunstâncias apuradas o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Aqui chegados há que reconhecer que não se mostra apurado o nexo naturalístico que nos permitiria presumir o elemento abstrato, de acordo com a jurisprudência citada. Não se provou, aliás porque não foi sequer alegado, que se o A. houvesse sido informado da existência do risco de perca de capital, não teria subscrito a compra de ações objeto dos autos, o referido elemento naturalístico. Sobre esse elemento haveria ainda que fazer um juízo de adequação que deveria valorar devidamente o facto de a impossibilidade de recuperação integral do valor investido se ter ficado a dever à insolvência do intermediário financeiro (e não do emitente, o risco típico deste tipo de valores mobiliários). Em suma, não temos presente o nexo de causalidade, cujo ónus cabia ao A., razão pela qual o respetivo pedido terá de improceder”. Vejamos: Concorda-se inteiramente com as judiciosas considerações vertidas no acórdão recorrido. Na situação sub judice, não ficou provado que o A., na sua qualidade de investidor e cliente do Banco Espírito Santo, S.A, uma vez ciente da informação que lhe deveria ter sido prestada (ou se o fosse), tomaria então a decisão de não investir, ao contrário do que efectivamente fez (no desconhecimento dessa informação que fora indevidamente omitida). O que significa que não se provou que, sendo por hipótese fornecida a informação clara e completa acerca do produto financeiro em causa, o investidor recusaria determinantemente, nessas hipotéticas circunstâncias, aceitá-lo. Nem aliás na petição inicial é verdadeiramente alegada coisa alguma nesse mesmo sentido. Neste tocante e como se enfatizou supra, não dispõe o Supremo Tribunal de Justiça poderes para operar a modificação da decisão de facto, por ausência de fundamento legal para a sua sindicância, conforme expressamente resulta dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil. Ou seja, por ausência de adequada alegação e prova por parte do primitivo A., sobre quem recaía o correspondente ónus da prova, nos termos gerais do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, não consta dos autos a factualidade necessária e suficiente que habilitasse fundadamente a concluir, em concreto, que se ao investidor houvesse sido fornecida a informação e os esclarecimentos necessários o mesmo, consciente da natureza e dos exactos contornos do produto financeiro em causa, tomaria então a decisão de o rejeitar, nele não investindo (como fez). É evidente que neste particular não basta o simples apuramento das seguintes circunstâncias: as fracas habilitações literárias do investidor; o seu perfil conservador; a sua tendência para não investir em produtos de risco; o seu convencimento subjectivo de que estaria a investir num produto semelhante a um depósito a prazo com garantia do montante de capital investido e juros no prazo; a sua ignorância relativamente à natureza das acções preferenciais, embora tivesse claro conhecimento e perfeita consciência de que o produto em que concretamente investiu proporcionava-lhe um ganho sensivelmente superior ao de um simples depósito a prazo, o que aliás procurou, directa e intencionalmente, ao tentar (de forma legítima) a maior rentabilização possível das suas economias ganhas em resultado do seu trabalho desenvolvido como emigrante em França. É perfeitamente seguro e inegável que nenhuma dessa factualidade, ou o seu conjunto considerado globalmente, permite dar como efectivamente demonstrado que o primitivo A., conhecendo as reais características do produto financeiro adquirido, não tomaria então a decisão de proceder ao investimento em causa (ainda que o tivesse como provavelmente lucrativo e certamente muitíssimo mais rentável que os tradicionais e conservadores depósitos a prazo). Hipoteticamente, poderia tê-lo feito, ou não. Em termos reais e efetivos o certo é que essa mesma prova (a realizar pelo peticionante sobre quem recaía o respectivo ónus) não foi produzida. O que é por si só suficiente para se concluir pela ausência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, elemento imprescindível para a possibilidade de constituição da obrigação de indemnização por parte dos demandados. Ou seja, é inevitável a afirmação de que não se encontram reunidos in casu todos os elementos constitutivos da obrigação de indemnização em que os AA. estribavam a sua pretensão. É o que resulta, como se viu, directamente da aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 3 de Novembro, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República nº 212/2022, Série I, de 3 de Novembro de 2022, no qual não se considerou que o nexo causal entre o facto e o dano estivesse abrangido pela presunção do artigo 799º, nº 1, do Código Civil, não competindo, em consequência, ao intermediário financeiro provar, no caso de incumprimento dos seus deveres de informação, que o investidor teria tomada a mesma decisão que, sem essa informação clara e completa, tomou. (sublinhado nosso) O que significa que a presunção prevista no artigo 304º-A, nº 2, do Código de Valores Mobiliários constitui apenas, uma presunção de culpa e ilicitude, não abrangendo igualmente a presunção do nexo de causalidade, contrariamente ao pressuposto na sentença. (De resto, cumpre referir que na decisão de 1ª instância foi presumido o nexo de causalidade em apreço nos seguintes termos, o que foi aliás absolutamente determinante para a sorte da lide: “Tendo em conta que entre o comportamento do intermediário financeiro e os danos sofridos pelo investidor medeia um facto do seu foro interno, isto é, a sua vontade, facilmente nos apercebemos da especial dificuldade de prova nesta matéria. A aplicação das regras gerais de ónus da prova em matéria de nexo de causalidade poderia colocar em causa a eficácia da protecção ressarcitória do investidor pela violação das obrigações de informação e de adequação. Ao mesmo tempo, prejudicaria a eficácia preventiva que de alguma forma também está ligada à responsabilidade civil. Torna-se, por conseguinte, evidente o interesse de uma inversão do ónus de prova nesta matéria.» (“A Responsabilidade Civil de Intermediários Financeiros por Informação Deficitária ou Falta de Adequação dos Instrumentos Financeiros”, in O Novo Direito dos Valores Mobiliários – I Congresso Sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros, Colecção Governance Lab, Almedina, págs. 421-422). O modelo de lei visa acautelar a posição enfraquecida do cliente na demonstração da “culpa técnica” do intermediário financeiro ou de nexos de causalidade com complexas e sofisticadas rotinas operacionais, como “leis de mercado” habitualmente desconhecidas do leigo, à partida, de um investidor não qualificado, por sinal. No caso em apreço, os réus não lograram ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelo autor AA. Antes pelo contrário, os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco Espírito Santo, S.A.). Ora, não sendo, pelas razões expostas, de aceitar a presunção da verificação do nexo de causalidade, resta-nos a ausência de prova quanto ao seu efectivo estabelecimento, o que desfavorece o sujeito processual onerado com esse mesmo ónus. No sentido propugnado pelo presente acórdão e seguindo a orientação firmada pelo citado acórdão uniformizador de jurisprudência, a qual que deu azo à improcedência dos pedidos em acções judiciais absolutamente similares à presente, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2022 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 1559/18.1T8LSB.L2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2022 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 969/18.9T8SRT.E1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 1538/17.0T8LRA.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relatora Graça Trigo), proferido no processo nº 2843/18.0T8VIS.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo nº 90/18.2T8PVZ.P1.S2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2022 (relator Manuel Capelo), proferido no processo nº 3328/17.1T8STR.E2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 10438/16.6T8LSB.L1.S2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2022 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 14062/16.5T8LSB.L1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2022 (relator Tibério Silva), proferido no processo nº 3904/19.3T8LSB.L1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 2022 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo nº 29121/18.1T8LSB.L1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2023 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 761/16.5T8PVZ.P1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2023 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 12422/16.0T8LSB.L1-A.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2023 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 9755/17.2T8PRT.P1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2023 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 541/13.0TVPRT.P1.S2, todos publicados in www.dgsi.pt. Vide também, a este respeito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2024 (relator Ricardo Costa) proferido no processo nº 3512/16.0T8LRA.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se consignou: “Não é de decretar a responsabilidade peticionada ao banco-intermediário financeiro se, mesmo que a ilicitude resulte demonstrada por conformidade com os segmentos de uniformização 1 e 2 do AUJ n.º 8/2022, não se logrou demonstrar (com ónus de alegação e prova a recair sobre o alegado lesado, sem presunção de nexo de causalidade) um quadro suficiente de circunstâncias subjectivas e objectivas do processo factual que permita concluir, atendendo a um critério de previsibilidade-verosimilhança e probabilidade causal (art. 563.º do CC) na imputação do dano, que foi o incumprimento da informação devida que vincula o intermediário financeiro que motivou em termos de causa e imputação o convencimento do cliente a colocar o seu dinheiro numa “aplicação” («obrigações subordinadas») que - antes de tudo - o cliente desconhecia, em particular no seu conteúdo, quanto à espécie de instrumento financeiro em que investe, e alcance, quanto ao risco de perda do capital ou da frustração relevante do rendimento esperado; portanto, que foi esse vício da informação causalmente adequado (de acordo com os segmentos 1, 3 e 4 do AUJ n.º 8/2022) a produzir o desconhecimento e as convicções erróneas do cliente respeitantes a determinado “produto financeiro” e, em abstracto, segundo o decurso normal das coisas e as regras da experiência comum de vida, apropriado (por normal e típico) para produzir o efeito lesivo na subscrição deste tipo de “valores mobiliários”- instrumentos financeiros”. Revelando porventura uma abordagem que poderá não ser inteiramente coincidente quanto à abrangência e modo de demonstração do nexo de causalidade configurada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 3 de Novembro, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República nº 212/2022, Série I, de 3 de Novembro de 2022, vide: - os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2024, nos processos nºs 25984/16.3T8LSB.L1.S2, 6046/16.0T8VIS.C1-A.S2, 3192/16.3T8LRA.L1.S1 (relator Ricardo Costa), onde se consignou “Na mesma sede de apuramento, o AUJ n.º 8/2002 veio estabelecer, para o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto ilícito, assente na violação dos deveres de informação e esclarecimento legalmente impostos, e o dano, resultante da perda inerente ao investimento decidido no “valor mobiliário” ou “instrumento financeiro”, de acordo com o art. 563.º do CC, tem que resultar da demonstração vertida na matéria de facto, sob a égide de duas vertentes essenciais: (i) haver a falta ou inexactidão (ou outro vício análogo), imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir; (ii) a prestação da informação devida levaria a não tomar a decisão de investir (sem prejuízo de uma formulação positiva, que implica a demonstração de que a decisão de investir ulteriormente danosa, tida como consciente e responsável, foi tomada decisiva e essencialmente, com base, como sua condição e neste contexto atendendo a um critério de previsibilidade-verosimilhança e probabilidade, em informação que, sendo necessária e crítica, não foi prestada ou foi prestada de forma incompleta, falsa, inexacta ou obscura). É de decretar a responsabilidade peticionada ao banco-intermediário financeiro se se logrou demonstrar (com ónus de alegação e prova a recair sobre o alegado lesado, sem presunção de nexo de causalidade) um quadro suficiente de circunstâncias subjectivas e objectivas do processo factual que permita concluir, atendendo a um critério de previsibilidade-verosimilhança e probabilidade causal (art. 563.º do CC) na imputação do dano, que foi o incumprimento da informação devida que vincula o intermediário financeiro que motivou em termos de causa e imputação o convencimento do cliente a colocar o seu dinheiro numa “aplicação” («obrigações subordinadas») que - antes de tudo - o cliente desconhecia, em particular no seu conteúdo, quanto à espécie de instrumento financeiro em que investe, e alcance, quanto ao risco de perda do capital ou da frustração relevante do rendimento esperado; portanto, que foi esse vício da informação causalmente adequado (de acordo com os segmentos 1, 3 e 4 do AUJ n.º 8/2022) a produzir o desconhecimento e as convicções erróneas do cliente respeitantes a determinado “produto financeiro” e, em abstracto, segundo o decurso normal das coisas e as regras da experiência comum de vida, apropriado (por normal e típico) para produzir o efeito lesivo na subscrição deste tipo de “valores mobiliários”- instrumentos financeiros. Acrescentando-se no segundo e terceiro dos arestos indicados: “(…) ademais, resulta da argumentação do acórdão recorrido uma presunção natural ou judicial (arts. 607.º, n.º 4, 663.º, n.º 2, do CPC; 349.º e 351.º do CC) para a demonstração do seguinte facto: “caso os deveres de informação tivessem sido devidamente cumpridos os autores não teriam realizado tal aplicação de capital”. - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2022 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 3049/17.0T8STR.E1.S1, publicado in www.dgsi). No caso concreto, face à ausência absoluta de alegação e prova dos factos que permitiriam, em conformidade com a doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 3 de Novembro, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República nº 212/2022, Série I, de 3 de Novembro de 2022, apurar o mencionado nexo de causalidade relevante, não é de modo algum possível extrair a este propósito quaisquer outros factos novos (não alegados nem demonstrados) com base em ditas presunções naturais ou judiciais, conforme pretendem os recorrentes, faltando neste caso manifestamente o imprescindível facto base conhecido por via do qual se pudesse fundadamente extrair a ilação referente à demonstração de um facto desconhecido, nos termos gerais do artigo 349º do Código Civil. Em suma, em consonância com o que consta do elenco dos factos dados como provados e não provados, cumpre concluir que os A. não lograram produzir a necessária prova da verificação da existência de nexo de causalidade entre facto ilícito e culposo em que a Ré intermediária financeira incorreu e o dano sofrido pelo investidor (primitivo A.), o que conduz inexoravelmente ao fracasso da sua pretensão. Pelo que a revista será negada, com a confirmação do acórdão recorrido. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) negar provimento à revista, confirmando a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 25 de Março de 2025. Luís Espírito Santo (Relator) Rosário Gonçalves Anabela Luna de Carvalho V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |