Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
74/17.5JACBR.C1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: RECLAMAÇÃO
NULIDADE
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 11/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I - É manifesta a falta de fundamento da reclamação apresentada pelo arguido a qual traduz, tão só e unicamente a sua discordância relativamente ao decidido quanto à inadmissibilidade do recurso que interpusera do acórdão do Tribunal da Relação, por irrecorribilidade, com fundamento legal expressamente previsto no artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP.

II - Tal questão encontra-se profundamente examinada no acórdão reclamado, convocando-se abundante jurisprudência deste Supremo Tribunal, e, no que se reporta à conformidade constitucional da solução, convoca-se igualmente, em apoio, a jurisprudência do Tribunal Constitucional.

III - Do tratamento efectuado, concorde o reclamante ou não, este Supremo Tribunal, no âmbito do presente recurso, expressou, de forma clara e assertiva, o entendimento de que a solução da inadmissibilidade parcial do recurso, pois relativa às penas parcelares em que o reclamante fora condenado, tem fundamento legal – artigo 400.º, n.º 1, alíneas e)e f), do CPP – não infringindo estas normas quaisquer princípios ou disposições da Constituição da República.

IV - Portanto, não assiste qualquer razão ao reclamante na alegada «contradição «ao invocar normas legais sem a devida previsão» ou na invocada omissão de pronúncia.

V - Igualmente não lhe assiste qualquer razão na invocação do princípio da protecção da confiança e demais princípios da actividade administrativa, cumprindo lembrar, a este propósito, que a questão da inadmissibilidade do recurso, nos termos das disposições legais citadas, foi representada pelo próprio reclamante aquando da apresentação do recurso do acórdão da Relação, como bem resulta das conclusões D e E.

VI - Por outro lado, na resposta ao recurso que o reclamante interpôs do acórdão da Relação, o Ministério Público suscitou desde logo a questão da inadmissibilidade do mesmo relativamente às penas parcelares em que foi condenado. Tal questão foi ainda suscitada pelo Ministério Público no STJ, devendo sublinhar-se, que, na sequência do cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido, agora reclamante se pronunciou, insistindo no «conhecimento pleno/integral por a douta decisão recorrida ser toda ela recorrível»

VII - Também quanto à alegada «indevida condenação em custas» carece o reclamante de razão, pois a rectificação ou correcção operada no acórdão reclamado quanto ao apelido do reclamante indicado no acórdão da Relação, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.os 1, alínea b), e 2, do CPP, não se integra manifestamente no âmbito ou objecto do recurso interposto.

VIII - Como se sabe, os recursos constituem um meio de reacção de um sujeito processual com legitimidade que se considere prejudicado por alguma decisão judicial, que julgue injusta ou ilegal. Situação distinta é a que se reporta à correcção da sentença, prevenida no artigo 380.º do CPP, no caso, a correcção da decisão por erro ou lapso cuja eliminação não importe modificação essencial, correcção que pode (e deve) ser oficiosamente efectuada pelo tribunal, ou a requerimento do interessado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Por acórdão de 14 de Outubro de 2020, foi deliberado, além do mais:


 «1. Rectificar, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.os 1, alínea b), e 2, do CPP:

a) Os erros cometidos com indicação do apelido «AA» e «BB» constantedo acórdão recorrido, passando a figurar aí o apelido «CC»;

[…]

2. Rejeitar, por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP, o recurso interposto pelos arguidos DD, EE e FF;

3. Rejeitar, por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP, o recurso interposto pelos arguidos:

a) GG quanto à matéria decisória respeitante aos crimes de tráfico de estupefacientes agravado, de associação criminosa, de branqueamento de capitais e de extorsão simples na forma tentada e respectivas penas;

b) HH quanto à matéria decisória respeitante aos crimes de tráfico de associação criminosa, de branqueamento de capitais e de extorsão simples na forma tentada e respectivas penas;

c) II quanto à matéria decisória respeitante ao crime de branqueamento de capitais;


4. Rejeitar os recursos interpostos pelos arguidos GG, HH e II quanto à reapreciação da matéria de facto, no âmbito dos vícios contemplados no artigo 410.º do CPP, por inadmissibilidade, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, do CPP.

5. Julgar improcedente a nulidade da omissão de pronúncia invocada pelo arguido GG;

6. Negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos GG, HH e II quanto às demais questões suscitadas relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes agravado e respectivas penas parcelares aplicadas e às penas conjuntas fixadas.

Custas por cada um dos recorrentes, com 5 UC de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.»

Vem agora o arguido GG, «sem prejuízo de eventual apresentação futura de recurso para o Tribunal Constitucional, tendo em vista desde já salvaguardar qualquer eventual entendimento limitativo de recurso ordinário pleno, suscitar nulidade do douto acórdão proferido, em razão dos vícios de omissão de pronúncia, contradição insanável, ausência de fundamentação por referência ao concreto caso decidindo e indevida condenação em custas

Alegando[1]

«Se é certo que a douta decisão se mostra robustamente fundamentada com diversa e douta jurisprudência, salvo o devido respeito, falta depois uma cabal problematização das especificidades do caso concreto, que é sempre diferente das generalizações.

Veja-se que se mostra impossibilitada a cognoscibilidade recursória com invocação do teor das alíneas e) e f) do art. 400º CPP, as quais têm o seguinte teor.

“e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;”

Temos assim que não se verificou a convocação de uma única alínea, mas sim, a fazer fé no dispositivo, de duas delas.

Ora, o problema está no facto de verdadeiramente nenhuma delas ser aplicável in casu.

De facto, a alegada dupla conforme inexiste em absoluta e dupla conforme in mellius não tem expressão nem assento legislativo, não tendo chancela de lei.

E conforme se julga notório, a decisão quando transitar transita em bloco, não podendo ser analisada sobre o prisma de uma manta de retalhos, com apreciações casuísticas e ponderações sobre admissibilidade recursória face às várias partes que a compõem.

Na verdade, a lei apenas distingue a parte penal da cível, sendo apenas essa que verdadeiramente tem autonomia.

Ou seja não está em causa nem um acórdão proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos nem um acórdão condenatório proferido, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

E salvo o devido respeito sempre a analogia não pode ser invocada quando se trata in malam partem, ou seja, in casu, traduzir-se-á num prejuízo manifesto para o recorrente.

Importa assim que com rigor, o Tribunal exponha qual a norma legal ao abrigo da qual o recurso não é admissível e se pode invocar um critério não expressamente plasmada na lei, em violação do princípio da legalidade, a exigir lex certa, praevia, scripta et stricta! O que se não mostra feito pois convocam-se duas normas inaplicáveis in casu!

E nem da conjugação das mesmas se retira fundamento para a não cognoscibilidade… Ademais, tem-se por válido e juridicamente conforme bem como assertiva a seguinte jurisprudência, consultável in http://www.dgsi.pt:

Ac. STJ de 7-10-2009: I. Duas alterações sobressaem, no domínio da reforma introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, em matéria de recursos: a da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, que veio estabelecer como parâmetro de referência de recorribilidade dos acórdãos das Relações para o STJ a pena concreta (8 anos de prisão) e não a moldura abstracta, como era anteriormente; e a das als. c) e d) do art. 432.º, que vieram restringir o recurso directo para o STJ aos acórdãos proferidos pelo tribunal do júri e pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, quando anteriormente todas as decisões do júri subiam directamente para o STJ, assim como as decisões do tribunal colectivo que visassem exclusivamente o reexame da matéria de direito.

II. Sempre que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, é admissível recurso directo para o STJ. E não só é admissível, como é obrigatório o recurso per saltum, por força do n.º 2 do art. 432.º do CPP.

III. Nas situações em que a pena superior a 5 anos de prisão é a pena do concurso, sendo as penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos, englobando o objecto do recurso não só a pena única como também as penas parcelares, três soluções podem ser adiantadas: a da competência do STJ para apreciar a totalidade do recurso; a da competência do STJ para a apreciação da pena do concurso, ficando prejudicado o conhecimento da restante matéria do recurso (penas parcelares); e a da competência das Relações para o conhecimento da globalidade do recurso.

IV. É de afastar liminarmente a segunda hipótese, por comportar uma redução intolerável do direito ao recurso, na medida em que o tribunal que assumir competência para conhecer o recurso terá que o fazer sem restrições.

V. Por outro lado, a atribuição de competência às Relações para conhecimento da globalidade do recurso mostra-se excessivamente restritiva da disposição desse direito, ao fazer precludir a possibilidade da sua interposição pelo recorrente, para o STJ, por força da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, dos acórdãos das Relações que aplicassem (confirmando) penas (conjuntas) entre 5 e 8 anos de prisão, resultado que entra em conflito com o regime regra dos pressupostos de recurso para o STJ, que está definido no art. 432.º do CPP, cuja al. c) do n.º 1 estabelece como patamar de recorribilidade, quando o recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, a pena concreta superior a 5 anos de prisão.

VI. O «alargamento» da competência do STJ à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77.º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente.

VII. Sendo certo que o STJ só deve ser convocado para as causas de maior relevância, não deve ignorar-se (o intérprete também não deve fazê-lo) que o STJ tem um importante papel regulador e orientador ? e garantista ? da jurisprudência, um papel de «referência» para os tribunais judiciais, que não se compadece com uma excessiva parcimónia da sua intervenção processual; havendo dúvidas, quando se tratar de recurso exclusivamente de direito, essas dúvidas deverão ser resolvidas no sentido da sua própria competência.

VIII. Interpreta-se, pois, a al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas.”

Ac. STJ de 27-01-2010, sumário retirado da CJ (STJ), 2010, T1, pág.198: I. Se entre a decisão da 1ª instância e o decido pelo Relação há divergência na matéria de facto apurada com relevo para a medida da pena, falha o pressuposto da dupla conforme reclamado pelo artº 400º, nº1, al.f) do CPP.”

Nesse primeiro acórdão, mostra-se a seguinte fundamentação:

II. FUNDAMENTAÇÃO

Questão prévia: competência do Tribunal

Suscita o MP a questão da incompetência deste Tribunal, invocando jurisprudência nesse sentido. A questão não é isenta de dúvidas, existindo jurisprudência contraditória (2), mas optamos pela competência, pelas razões que se seguem.

A reforma introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29-8, guiada, em matéria de recursos, por um “desígnio de celeridade”, veio restringir por diversas vias a admissibilidade de recurso para o STJ e estabelecer uma diferente linha de demarcação de competências entre as Relações e este Tribunal.

Duas alterações sobressaem neste domínio: a da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP, que veio estabelecer como parâmetro de referência de recorribilidade dos acórdãos das Relações para o STJ a pena concreta (8 anos de prisão) e não a moldura abstracta, como era anteriormente; e a das als. c) e d) do art. 432º, que vieram restringir o recurso directo para o STJ aos acórdãos proferidos pelo tribunal de júri e pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, quando anteriormente todas as decisões do júri subiam directamente para o STJ, assim como as decisões do tribunal colectivo que visassem exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Assim, sempre que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, é admissível recurso directo para o STJ. E não só é admissível como é obrigatório o recurso per saltum, por força do nº 2 do art. 432º do CPP.

As dúvidas surgem, porém, quando, como é o caso dos autos, a pena superior a 5 anos de prisão é a pena do concurso, sendo as penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos, englobando o objecto do recurso não só a pena única como também as penas parcelares.

Três soluções podem ser adiantadas: a da competência do STJ para apreciar a totalidade do recurso; a da competência do STJ para a apreciação da pena do concurso, ficando prejudicado o conhecimento da restante matéria do recurso (penas parcelares); e a da competência das Relações para o conhecimento da globalidade do recurso.

A segunda hipótese é de afastar liminarmente, porque se traduziria numa redução intolerável do direito ao recurso. O tribunal que assumir competência para conhecer o recurso terá que o fazer sem restrições.

Mas a terceira solução também se mostra excessivamente restritiva do direito ao recurso.

Com efeito, a aceitar-se essa orientação, ficaria precludida a possibilidade de recurso para o STJ, por força da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP, dos acórdãos das Relações que aplicassem (confirmando) penas (conjuntas) entre 5 e 8 anos de prisão.

Um resultado que entra em conflito com o regime-regra dos pressupostos de recurso para o STJ, que está definido no art. 432º do CPP, cuja al. c) do nº 1 estabelece como patamar de recorribilidade, quando o recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, a pena concreta superior a 5 anos de prisão.

Esse “conflito” não pode deixar de ser resolvido a favor desta última norma que é, insiste-se, a que define o regime de recurso para o STJ.

O “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente.

Sendo certo que o STJ só deve ser convocado para as causas de maior relevância, não deve ignorar-se (o intérprete também não deve fazê-lo) que o STJ tem um importante papel regulador e orientador (e garantista) da jurisprudência, um papel de “referência” para os tribunais judiciais, que não se compadece com uma excessiva parcimónia da sua intervenção processual.

Sendo o STJ o tribunal vocacionado, por excelência, para “dizer o direito”, havendo dúvidas quanto à sua competência, quando se tratar de recurso exclusivamente de direito, essas dúvidas deverão ser resolvidas no sentido da sua competência. Interpreta-se, pois, a al. c) do nº 1 do art. 432º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas.

Assim se cumprirá o “desígnio” do legislador (celeridade), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais.

Decide-se, pois, a questão prévia considerando que este STJ tem competência para apreciar a totalidade do recurso interposto.” (…)

Ora, verdadeiramente e in casu inexiste qualquer confirmação pela Relação que ademais até alterou a matéria de facto bem como a subsunção jurídica e as penas.

Pelo que validamente confiava o recorrente na plena recorribilidade bem como cognoscibilidade integral o recurso, pois julga inaplicáveis in casu tais limites de recorribilidade, padecendo a douta decisão proferida de contradição ao invocar normas legais sem a devida previsão.

E mais reforçado ficou quando não foi previamente alertado nem lhe foi comunicada qualquer possibilidade de não cognoscibilidade.

Ou seja, não só pelo teor das decisões relativas às reclamações bem como pelo teor da lei sempre o recorrente confiou na recorribilidade plena e cognoscibilidade total do recurso, pelo que a decisão ora proferida se mostra violadora dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança, da transparência decisória, da materialidade, da imparcialidade, da boa-fé, do contraditório, da culpa, da legalidade, da universalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da adequação.

De facto, ao serem rejeitados os recursos, por inadmissibilidade legal, no que às penas inferiores a oito anos concerne, mostrou-se violada quer a confiança quer a segurança jurídica assente nas prévias e doutas decisões proferidas pelo mesmo Tribunal no que concerne às reclamações da sua não admissão, face aos reclamantes EE, FF e DD.

E com tal materialização escrita de tais decisões não deixou igualmente o recorrente de ganhar confiança acrescida e redobrada na cognoscibilidade decisória.

E assim sendo, numa interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, não poderá ser prejudicado por tal facto.

O princípio da boa-fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correcta, leal e sem reservas, o que se mostra extensível à administração da justiça!

Trata-se de um princípio programático de comportamento que se materializa através da observância de três outros princípios: I) da protecção da confiança; II) da materialidade e III) da transparência decisória.

O princípio da protecção da confiança remeter-nos-á assim para a tutela da estabilidade dos actos da Justiça, como condição indispensável à segurança dos cidadãos e à permanência e estabilidade da ordem jurídica.

O princípio da materialidade exige que a actividade judicial seja orientada para a tutela substancial das situações jurídicas, em vez de ser direccionada para as formalidades.

O princípio da transparência convoca o direito e o dever de informação, de fundamentação e de participação dos cidadãos, maxime, dos arguidos.

Mostra-se consagrada tal responsabilidade na Constituição da República Portuguesa, art. 266º n.º 2, a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei, devendo actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da protecção da confiança e segurança, igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

Na sua dimensão jurídico-normativa, o princípio da protecção da confiança constitui um dos invólucros jurídicos que o ordenamento jurídico e seu edifício não deixarão de dispensar aos valores da estabilidade, da segurança e da confiabilidade.

Estão em causa valores que, merecedores de um reconhecimento indubitável e de uma protecção acrescida, são erigidos à categoria de bens jurídicos fundamentais, constituindo-se em cânones orientadores que devem enformar todos os actos dos poderes públicos, principalmente os que encerrarem conteúdo decisório.

Tem-se por notório, o que se alega nos termos e para efeitos do art. 412º do Código de Processo Civil, que é quase intuitiva a ideia de que qualquer sujeito cria expectativas e orienta as suas opções de vida de acordo com notícias e informações oficiais, antecipando riscos baseados em tais situações que prevê (e ganhando acréscimo de confiança na sua materialização escrita, como ocorreu com o teor da lei bem como as doutas decisões subsequentes às reclamações apresentadas!) manterem-se, e planificando a vivência com base em tais factos.

De um ponto de vista subjectivo, a ideia fundamental a reter é a de que não devem ser permitidas alterações jurídicas com as quais, razoavelmente, os arguidos/reclusos não podem contar e que introduziriam na respectiva esfera jurídica desequilíbrios desproporcionais, justificando-se por isso que seja reconhecida ao poder judicial uma dimensão conservadora tendente a impedir a perturbação que a acção estadual imprevista poderia introduzir.

Já numa perspectiva de Direito Público, e na sua configuração clássica, o princípio da protecção da confiança (Vertrauensschutz) vincula e limita os vários poderes Estaduais, exigindo de cada um deles cuidados suplementares no momento de levarem à prática as diferentes tarefas que se lhes mostrem confiadas.

Todavia, deve-se reconhecer que não é de qualquer confiança que se está a tratar, nem da salvaguarda de qualquer tipo de expectativas ou de simples desejos baseados em interesses pessoais mas sim a convicção legítima de que as coisas se passarão de determinado modo e cuja violação se pode considerar atentatória da mais elementar ideia de justiça: a protecção da confiança legítima (Schutzes berechtigten Vertrauens).

Aquilo que se defende é a íntima ligação entre o princípio da protecção da confiança e o inseparável princípio da segurança jurídica, ao nível da salvaguarda e tutela das expectativas, defesa da estabilidade subjectiva, preservação das esferas jurídicas bem como da solidez objectiva e estabilidade jurídico-decisória.

E dúvidas inexistirão que tal preterição da segurança jurídica e protecção da confiança terá como consequência mais gravosa a desintegração do interesse público, que não poderá nunca significar o resultado da soma algébrica de todos os interesses individuais mas deverá consistir um plus em relação a este resultado!

Não poderá assim a administração da justiça tornar-se errática e insegura, deixando transparecer tal insegurança para a esfera jurídica dos administrados sob pena de não se conseguir rever num Interesse público que lhe sirva de referência e que, indubitavelmente, deve estar constitucionalmente ancorado.

Neste domínio, é aos Tribunais que está, por via constitucional, tradicionalmente assacada a tarefa de administração da justiça e resolução de conflitos (reserva da função jurisdicional). Juridicamente, o princípio da protecção da confiança reflecte a preocupação dispensada pelo ordenamento aos valores da estabilidade, da segurança e da confiabilidade, valores esses que o arguido igualmente professa pelo que não deixa a douta decisão recorrida de ser desajustada e violadora dos mesmos.

O princípio da protecção da confiança, intrinsecamente ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito na sua essência plena, traduz o dever-poder que possuem os três poderes públicos de cuidar da estabilidade decorrente de uma relação matizada de confiança mútua, no plano institucional.

Tal princípio terá sempre de ser visto, sob pena de “miopia jurídica”, na sempre lúcida expressão de um professor da Faculdade de Direito de Coimbra, como um componente essencial para a promoção da previsibilidade do Direito, bem como da certeza de que direitos alcançados e prescritos em leis não podem ser desrespeitados.

Destarte, o princípio da confiança tem o intento de proteger prioritariamente as expectativas legítimas que nascem do cidadão, o qual confiou na postura e no vínculo criado através da prática de factos ilícitos antes/previamente ao trânsito em julgado de uma decisão.

Não se poderá esquecer que tais princípios, uma vez cristalizados na Constituição da República Portuguesa (ou seja, dotados de assento constitucional!) constituirão trave mestra de todo o sistema normativo e judicial e ser-lhe-ão tão essenciais quanto o próprio oxigénio para a humanidade.

Originário do Direito romano, o princípio da confiança mantém analogia com a proteção da confiança depositada pelos destinatários do ordenamento jurídico, andando de braço dado com a boa-fé, impondo nas relações jurídicas a certeza e veracidade nos actos decisórios. Mostra-se assim verificada a existência de uma situação justificada de confiança a ser protegida, não deixando qualquer cidadão médio, colocado no lugar do arguido, de criar a expectativa pelo mesma gerada: conhecimento e cognoscibilidade plena do recurso!

Da mesma forma que é essencial a moralização da justiça uma vez que a situação de confiança depositada pelo arguido foi decisiva para a prática do acto jurídico levado a cabo, ou seja, a apresentação recursória com o âmbito e objecto delimitados.

Existe verdadeiramente um benefício prático e efectivo para o arguido, reclamante da proteção da confiança, uma vez que com o recurso apresentado se visa obstar um prejuízo sério, decorrente da imediata execução de uma pena de prisão que se julga ser injusta, desproporcionada e assente num processo eivado de nulidades e violações das suas mais elementares garantias de defesa, no qual até teve lugar ao recurso a prova proibida e inversão decisória de Juízes que antes haviam participado em julgamento anterior… Não poderá assim a confiança depositada pelo arguido, assente na segurança jurídica, deixar de merecer tutela jurídica, não podendo o Direito globalmente considerado ficar absolutamente indiferente à eventual frustração dessa confiança, devendo serem tidos em consideração e douta análise a efectivar por V/ Exa. os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança.

Sob pena de preterição da noção de Estado de Direito ter-se-á de admitir que se vive sob a legitimação do princípio da confiança, exigindo-se do poder público a boa-fé nas relações com os particulares e o respeito pela confiança que os indivíduos depositam na estabilidade e continuidade do ordenamento jurídico.

Bem andará o Tribunal quando tutele tal expectativa já criada, derivada da Lei, e adequada ponderação das diversidades da situação, sem conversão dos critérios de justiça substantiva em instrumentos de plasticidade jurídica inadequados ao caso.

Razão pela qual, no presente requerimento se convocam aqueles que se reputam os melhores argumentos jurídicos em oposição à douta decisão recorrida, no sentido da plena cognoscibilidade recursória.

Julga assim, mutatis mutandis face ao Acórdão n.º 107/2012 TC, inconstitucional, por violação do artigo 32º n.º 1 CRP a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera inadmissível o recurso pleno, a contender com crimes e penas parcelares, de decisão que condena o arguido em pena de prisão única superior a oito anos de prisão.

Todavia, não se esquece que o recorrente havia ele próprio suscitado expressamente tal questão, invocando inconstitucionalidade que fez constar na conclusão E do recurso e que não teve apreciação autónoma, padecendo assim o douto acórdão do vício de omissão de pronúncia expressa (pese embora se subtenda, pela convocação de jurisprudência do Tribunal Constitucional que tal questão foi aflorada, ainda que implicitamente).

O teor de tal conclusão é o seguinte:

“Tem por inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 400º f) CPP quando interpretado no sentido de “[E]m processo-crime no qual venha a ser parcialmente confirmada a decisão de primeira instância por parte do Tribunal da Relação, aplicando a cada um dos crimes pena não superior a 8 anos e em concurso pena superior, apenas será recorrível a decisão relativa à medida da pena única, não obstante a demais matéria de Direito se mostrar essencial para a boa decisão da causa e contender com matéria interpretativa”.

Tratando-se de questão que contende com a recorribilidade plena não se poderão invocar os mesmos argumentos que foram invocados para não conhecer das demais questões!

A douta decisão proferida na Relação mostra-se una, uma vez que a lei apenas cinde a parte penal da parte cível pelo que sendo a medida da pena fixada superior a 8 anos, entende-se que toda a decisão penal será recorrível dado não se mostrar legítimo um qualquer pena shopping a cargo dos Tribunais da Relação (condicionando a recorribilidade das suas próprias decisões pela fixação de penas parcelares não superiores a 8 anos, como sucedeu in casu!).

Assim sendo, todas as questões de Direito se mostrarão recorríveis e deverão ser apreciadas pelo Tribunal superior, uma vez que a pena fixada em cúmulo se mostra directamente relacionada com as mesmas e não sendo a douta decisão irrecorrível isso abrirá as portas à sua análise integral, descartada unicamente a reapreciação da prova gravada e a incluir a decisão de primeira instância na parte em que para a mesma se remete ou se dá por bem julgada.

De facto, não se poderá defender que as Relações tenham o poder de, querendo, definir a recorribilidade das suas próprias decisões, fazendo, como in casu a atenuação da pena parcelar do crime mais grave para medida não superior a 8 anos.

Ou seja, veja-se que tal aparente benesse constituiria para o recorrente, na visão defendida na douta decisão acabada de proferir, a preterição do seu mais elementar direito: o direito ao recurso!

E sendo matéria que aparentemente, a julgar pelo teor de outras decisões proferidas pelo STJ e das decisões das doutas reclamações apresentadas se não mostra deveras pacífica, é provável que possa haver recurso extraordinário.

Importará sempre explicitar e aquilatar da conformidade do doutamente decidido com tais normas e garantias do recorrente pois mostra-se a solução encontrada e doutamente alvo de decisão contrária à metódica de restrição de direitos fundamentais!

E nada mais requer o arguido que, ab imo pectore, em observância dos princípios da adequação formal, cooperação, boa-fé e recíproca correcção, ver julgado o recurso na sua substância e plenitude!

E adopta o arguido postura de crença e confiança no poder judicial e no Tribunal, verdadeiro e efectivo órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimindo a violação da legalidade em observância da Lei fundamental, não deixando de aguardar pelo provimento da presente alegação de nulidade! Afinal, stare decisis… Constata-se que se pode andar à roda, reinventar soluções e ultrapassar argumentos não válidos antes usados mas a verdade é que o vício e pecado original sempre não deixarão de inquinar todo o processado!

E o mais triste de tudo é vir o arguido/recorrente a padecer em nome de tais desconformidades, a reclamar a sua expurgação, pois não teve um processo justo desde o início, conforme se mostra deveras invocado e exposto…

No tocante à condenação em custas, salvo o devido respeito, julga-se que não deveria o recorrente ter sido condenado uma vez que não foi integralmente vencido, pois no tocante à correcção de erros materiais teve provimento e viu o recurso ser procedente, razão pela qual se julga inexistir o preenchimento integral o art. 513º CPP.


Sic, contando sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas.,

atento o supra exposto, entende o recorrente que em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos que presidem a um Direito penal que se queira materialmente justo e processualmente conforme, não poderá deixar de ser dado provimento à presente arguição de nulidade do douto acórdão.

V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, na medida em que, citando Jean de la Bruyere e Pierre Marivaux, o dever dos juízes é fazer justiça e a sua profissão a de a deferir, sendo natural desejar que se faça justiça na medida em que a maior de todas as almas não ficaria insensível ao prazer de ser conhecida como tal. Todavia, nunca esquecendo que, acompanhando Joseph Joubert A justiça é liberdade em acção!»


Presente à conferência, cumpre apreciar e decidir.

Apreciação

No que releva para a decisão da reclamação, há que transcrever, no que respeita ao arguido GG, ora reclamante, o que consta do acórdão sob reclamação.

Ali se dá a devida nota de o Ministério Público ter suscitado a «questão prévia da inadmissibilidade dos recursos interpostos pelos arguidos EE, FF e DD pela verificação da dupla conforme – artigo 400.º, n.º 1, alínea b), do CPP.»

bem como a «inadmissibilidade dos recursos interpostos pelos arguidos II, GG e HH relativamente às penas aplicadas pelo Tribunal recorrido confirmativas das fixadas na 1.ª instância não superiores a 8 anos de prisão – verificação, quanto a elas, da dupla conforme – artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.»

Questão prévia que, por obstar ao conhecimento, total ou parcial, dos recursos interpostos, dela se conheceu na medida em que, procedendo, prejudica ficaria o conhecimento do mérito dos recursos.

Pois que – afirma-se no mesmo acórdão – «admissibilidade do recurso é questão prévia ao conhecimento do mesmo, por dele só se poder conhecer após o tribunal superior considerar válida admissão no tribunal recorrido. Sendo o recuso inadmissível, tudo se passa como se não tivesse siso admitido, apesar da decisão do tribunal recorrido, por esta não vincular o tribunal superior – artigo 414.º, n.º 3, do CPP.»

No desenvolvimento do exame de tal questão prévia, lê-se no acórdão agora reclamado:


«3.1. Questão prévia quanto à amplitude do recurso.

3.1.1. Rejeição total, por inadmissibilidade legal, dos recursos interpostos pelos arguidos EE, FF e DD

Suscita-se aqui, como já dito, a questão prévia relativa à inadmissibilidade dos recursos quanto às penas parcelares e únicas aplicadas aos arguidos EE, FF e DD e questões relativas aos correspondentes crimes, inferiores a 8 anos de prisão, em conformidade com o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, relativamente às quais se formou caso julgado material.

Na síntese efectuada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu proficiente parecer:

Como resulta do cotejo do acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de …-J…-/ Tribunal Judicial da comarca de … em 18.03.2019, com o acórdão impugnado, no atinente aos arguidos que, por ora, importa considerar, temos que:

· arguido / reclamante, DD, viu pelo acórdão recorrido, prolatado em 16.10.2019, pelo Tribunal da Relação de …, serem confirmados os factos, a sua qualificação jurídico-penal e as penas, aplicadas á comissão em co-autoria material e em concurso real dos crimes de tráfico agravado e associação criminosa, sendo que em relação ao crime de extorsão, na forma tentada, foi reduzida a pena parcelar de quatro anos para 1 ano e 6 meses de prisão, conquanto, como vimos de consignar, se entender que os factos provados deveriam ser integrados no tipo legal base ou fundamental do crime. Subsequentemente, a pena única foi reduzida de 9 anos e 4 meses para sete (07) anos de prisão;

· O arguido / reclamante, EE, mutatis mutandis, viu confirmados os factos e sua integração jurídico-penal, sendo mantido o quantum das penas em relação aos crimes de tráfico qualificado e associação criminosa, e reduzida a pena singular aplicada pelo crime de extorsão na forma tentada, para 1 anos e 6 meses (3 anos e 6 meses, em 1ª instância), justamente, pelo motivo que vimos de expender. Subsequentemente, a pena única foi reduzida de 9, para sete (07) anos de prisão;

· O arguido / reclamante, FF, por seu turno, viu confirmados os factos, qualificação jurídico-penal dos mesmos e bem assim as penas que vinham aplicadas quanto aos crimes de tráfico qualificado e associação criminosa, sendo que a pena singular respeitante ao crime de extorsão na forma tentada foi reduzida de 3 anos e 6 meses, para um (01) anos e seis (06) meses de prisão, conquanto, se entendeu que os factos provados deveriam ser integrados no tipo legal base ou fundamental do crime. Subsequentemente, a pena única foi reduzida de 9, para sete (07) anos de e seis (06) meses de prisão.


3.1.2. Rejeição parcial, por inadmissibilidade legal dos recursos interpostos pelos arguidos II, GG e HH

Por seu lado,

O arguido II foi condenado em 1.ª instância, como co-autor material, reincidente, e em concurso real pela prática de:

- um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos art.ºs 21º e 24º al. h) do Dec. Lei nº 15/93 de 22/01, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de branqueamento p. e p. pelo art.º 368ºA, nºs 1 e 2 ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 9 (nove) anos e 10 (dez) meses de prisão.

O Tribunal da Relação, no acórdão sob recurso, concedeu parcial provimento ao recurso, deliberando declarar «perdida a favor do Estado a quantia de 2.900 Euros, condenando solidariamente os arguidos JJ, KK e LL, no seu pagamento

No mais mantém-se a decisão recorrida.»


O arguido GG foi condenado em1.ª instância como co-autor material e em concurso real pela prática de:

- um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos art.ºs 21º e 24º al. h) do Dec. Lei nº 15/93 de 22/01, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de associação criminosa p. e p. pelo art.º 299º, nºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de branqueamento p. e p. pelo art.º 368ºA, nºs 1, 2 e 6 ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- um crime de extorsão na forma tentada (relativamente ao arguido MM) , p. e p. pelos art.ºs 223º, nºs 1 e 3 al. a) ex vi art. 204º, n.º 2 al. g) e 22º e 23º do C.Penal, pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- Na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 13 (treze) anos de prisão.

No acórdão recorrido, foi deliberado conceder parcial provimento ao recurso, condenando-se este arguido como co-autor material e em concurso real pela prática de:

- pela prática um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos art.ºs 21º e 24º al. h) do Dec. Lei nº 15/93 de 22/01, na pena de 8 (oito) anos de prisão;

- um crime de associação criminosa p. e p. pelo art.º 299º, nºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de branqueamento p. e p. pelo art.º 368º-A, nºs 1, 2 ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.

- um crime de extorsão simples na forma tentada (relativamente ao arguido MM), p. e p. pelos art.ºs 223º, nºs 1 e 22º e 23º do C.Penal, pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico, foi fixada a pena única de 10 (dez) anos de prisão.

Mantendo-se no mais e a decisão recorrida.

[…]        

3.2. Dupla conforme

3.2.1. Revisitando considerações que se teceram nos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 21-06-2017 (Proc. n.º 585/15.7PALGS.E1.S1 – 3.ª Secção)[2], de 27-09-2017 (Proc. n.º 52/14.6TACBT.G1.S1 – 3.ª Secção)[3], de 07-02-2018, proferido no processo n.º 66/12.0PAETZ.E2.S2 – 3.ª Secção[4], de 02-05-2018 (Proc. n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1 – 3.ª Secção)[5] e de 21-11-2018, proferido no processo n.º 179/15.7JAPDL.L1.S1 – 3.ª Secção, relatados pelo agora relator, as penas parcelares aplicadas ao recorrente são todas elas inferiores a 8 anos de prisão.

Sucede ainda que a maioria das penas parcelares são inferiores a 5 anos de prisão.

O artigo 432.º do CPP, versando sobre o «Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», estabelece no seu n.º 1, alínea b), que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça «De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º».

O artigo 400.º do CPP, regendo sobre as «Decisões que não admitem recurso», na redacção actual, conferida pela Lei n.º 20/2013, dispõe no seu n.º 1, alíneas e) e f), que não admitem recurso as decisões:

«e) De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

No caso presente, verifica-se que as penas parcelares aplicadas no acórdão da 1.ª instância aos arguidos EE, FF e DD pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa e lastro fáctico-jurídico em que elas assentam, todas inferiores a 8 anos de prisão, foram integralmente confirmadas no acórdão da Relação de que se recorre – dupla conforme –, pelo que o acórdão do Tribunal da Relação é insusceptível de recurso em conformidade com o disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), a contrario, e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP quanto às questões que lhes respeitam.

Também é insusceptível de recurso o mesmo acórdão quanto à pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada a cada um dos mesmos arguidos, respeitante ao crime de extorsão na forma tentada em resultado da redução operada no acórdão recorrido (redução de 3 anos e 6 meses, para um (01) anos e seis (06) meses de prisão) na sequência do desagravamento daquele ilícito.

A irrecorribilidade quanto a esta pena de 1 ano e 6 meses de prisão funda-se no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP – dupla conforme por confirmação in mellius, encontrando fundamento igualmente na alínea e) do mesmo preceito – pena inferior a 5anos de prisão.

Por fim, também quanto à pena única fixada a cada um destes arguidos – 7 anos de prisão para os arguidos EE e DD e 7 anos e 6 meses para o arguido FF – este acórdão da Relação é insusceptível de recurso em conformidade com o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, por aquela pena não ser superior a 8 anos e resultar de confirmação operada no acórdão recorrido  - dupla conforme in mellius.


Por seu lado:

O arguido JJ viu confirmada no acórdão recorrido a pena de 4 anos e 3 meses de prisão fixada na 1.ª instância pela prática de um crime de branqueamento p. e p. pelo art.º 368ºA, nºs 1 e 2 ambos do Código Penal.

O arguido GG viu confirmada no acórdão recorrido a pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de associação criminosa.

E obteve a redução:

- Da pena de 8 anos e 6 meses imposta na primeira instância pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos art.ºs 21º e 24º al. h) do Dec. Lei nº 15/93, fixando-se no acórdão recorrido a pena de 8 (oito) anos de prisão;

- Da pena de 4 anos e 6 meses de prisão imposta na 1.ª instância pela prática de um crime de branqueamento p. e p. pelo art.º 368º-A, nºs 1, 2 e 6 ambos do Código Penal, fixando-se no acórdão recorrido a pena de 3 anos de prisão.

- Da pena de 4 anos de prisão aplicada na 1.ª instância pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 223º, nºs 1 e 3 al. a) ex vi art. 204º, n.º 2 al. g) e 22º e 23º do C.Penal, pena de 4 (quatro) anos de prisão, fixando-se no acórdão recorrido a pena de 1 ano e 6 meses pelo crime de extorsão simples na forma, p. e p. pelos art.ºs 223º, nºs 1 e 22º e 23º do C.Penal, pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

O arguido HH viu ser negado provimento ao recurso que interpusera, tendo a relação confirmado, pois, a decisão proferida em 1.ª instância.

Essa confirmação abrange:

A pena 3 anos de prisão pela prática do crime de associação criminosa;

A pena de 2 anos de prisão pela prática do crime de extorsão simples na forma tentada;

A pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de branqueamento de capitais.


Todas as questões relativas à matéria decisória quanto a estas penas – todas não superiores a 8 anos – não podem ser objecto de reexame no âmbito deste recurso por inadmissibilidade do mesmo conforme disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, sendo que, algumas delas – as de medida não superior a 5 anos – , são igualmente insusceptíveis de recurso, como já se disse, com fundamento na alínea e) do mesmo preceito.


3.2.2. A dupla conforme – artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP

O instituto da «dupla conforme», enquanto fundamento de irrecorribilidade, radica, como se sabe, na constatação de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito.

Cumprindo dizer que esta solução da irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1.ª instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República.

O direito ao recurso foi expressamente incluído pela Lei Constitucional n.º 1/97 como uma das garantias de defesa em processo criminal. Assim, como notam J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, explicita-se que «em matéria penal, o direito de defesa pressupões a existência de um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas. Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto»[6] .

Por via de regra, o direito ao recurso não exige o seu exercício em mais de um grau, e é decidido por um tribunal superior àquele de que se recorre, constituindo jurisprudência firme e reiterado do Tribunal Constitucional não considerar inconstitucional a circunstância de haver dupla conforme depois de ter havido redução da pena num acórdão da relação, nos termos do art. 400.° n.º 1, alínea f), do CPP e, por isso, não poder haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em terceiro grau de jurisdição em matéria penal - Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 2/06, de 13.1.2001, n.º 20/2007, de 17.01.2007, e n.º 645/2009 de 15.12.2009.

A este propósito, pode ler-se no acórdão n.º 64/2006 do Tribunal Constitucional[7]:

«Como repetidamente o Tribunal tem afirmado, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal. Não se pode, portanto, tratar a questão de constitucionalidade agora em causa na perspectiva de procurar justificação para uma limitação introduzida pelo direito ordinário a um direito de recurso constitucionalmente tutelado.

A norma que constitui o objecto do presente recurso, e que define, nos termos expostos, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, releva, assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador.

Como se afirmou no acórdão n.º 640/2004, não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada.

A norma em apreciação não viola, pois, qualquer direito constitucional ao recurso ou qualquer regra de proporcionalidade.»

Decidindo-se:

«[…] Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1ª Instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite».


Também no acórdão n.º 645/2009 o Tribunal Constitucional decidiu:

«[…] Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.»

Na mesma linha, o acórdão n.º 659/2011 decidiu:

«Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirma a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão [sublinhado agora]».

Este último acórdão merece especial destaque no caso sub judice em que se suscitam também questões de nulidade do acórdão do Tribunal da Relação – acórdão recorrido.

Aí considerou o Tribunal Constitucional que:

«Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1." instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. (…) Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379º nº 2, e 414°, n.º 4, do Código de Processo Penal).

Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.° n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objecto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objecto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.

O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objecto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controlo, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.

Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos.

Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objecto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32. °, nº 1, da Constituição».

A decisão sumária n.º 114/2014, (proferida no âmbito do processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1 desta 3.ª Secção), transpondo as razões expostas no acórdão n.º 659/2011, decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação ao qual seja imputada uma nulidade».

O Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 290/2014, indeferiu a reclamação para a conferência então deduzida, tendo-se considerado que:   

«Ainda na vigência de redacção anterior à reforma de 2007, o Acórdão n.º 390/2004 (que se encontra disponível in www.tribunalconstitucional.pt.), teve oportunidade de, a propósito da alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, decidir no seguinte sentido:

“Sendo assim, não decorre forçosamente da garantia constitucional de um duplo grau de jurisdição que haja de ser sempre admissível o recurso para o tribunal superior nos casos em que o tribunal de recurso se pronuncie, pela primeira vez, sobre questões que influam na decisão da causa (ressalvando-se o recurso de constitucionalidade para o órgão jurisdicional específico não enquadrado na hierarquia dos tribunais) ou nos de, ao proferir a decisão, incorrer na violação de lei processual ou procedimental que seja sancionada com o estigma da nulidade.

Nada impõe que se leve a autonomização da questão da nulidade da decisão em relação à questão de fundo tão longe que seja constitucionalmente exigível a existência de um 2º grau de jurisdição especificamente para esta questão, considerando o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal por via de recurso, a possibilidade de arguir as nulidades perante o órgão que proferiu a decisão, quando aquele recurso não existir, e, como no presente caso, a existência de duas decisões concordantes em sentido condenatório (o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

É claro que o legislador poderia, na sua discricionariedade legislativa, admitir esse recurso, mesmo nas hipóteses em que o fundamento deste resida na arguição de nulidades processuais, assim ampliando o âmbito material do direito de recurso, mas a sua inadmissibilidade não será constitucionalmente intolerável.

Nesta perspectiva, poder-se-á dizer que, em caso de recurso relativo a decisão condenatória, seja com fundamento em nulidades processuais, seja com fundamento em erros de julgamento atinentes ao fundo da causa, o seu objecto apelante de um terceiro grau de jurisdição será sempre o acórdão condenatório em si próprio. É certo que, quando o fundamento do recurso se consubstancie em uma causa de nulidade do acórdão condenatório, não poderá afirmar-se ter sido exercida a garantia do duplo grau de jurisdição por uma forma definitiva. Mas uma tal situação apenas demanda, numa perspectiva de garantia constitucional do acesso aos tribunais que o recorrente convoca (art.º 20º da CRP), que esse mesmo grau de jurisdição se possa (deva) pronunciar de modo formalmente válido sobre o objecto do recurso. Nesta perspectiva ganha todo o sentido a possibilidade de o tribunal recorrido poder suprir as nulidades e de o tribunal ad quem apenas conhecer delas quando, sendo admissível o recurso, aquele o não tenha feito ou não as haja atendido (art.º 379º, n.º 2, e 414º, n.º 4, do CPP; cf., no domínio do processo civil, o art.º 668º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Deste modo, a apreciação de nulidades de acórdão condenatório não postula a necessidade de existência de mais um grau de recurso. A reclamação perante o órgão jurisdicional que exerce o segundo grau de jurisdição configura-se, assim, como um instrumento jurídico adequado de garantir o acesso aos tribunais, na sua dimensão de direito a obter uma decisão formalmente válida, que é a dimensão que o recorrente aqui questiona.

Aliás, admitindo-se a constitucionalidade das normas que prevêem a existência apenas de um duplo grau de jurisdição, mesmo quando está em causa a “bondade” do julgamento efectuado, maiores razões existem para não se terem por desconformes com a Lei Fundamental aquelas disposições que limitam o recurso ao mesmo segundo grau de jurisdição em caso de existência de nulidades da decisão, que advêm essencialmente da violação de regras processuais ou procedimentais, quando está aí garantido o direito de reclamação para apreciação dessas nulidades para o órgão jurisdicional que exerceu o último grau de jurisdição”».

Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 25-02-2015, proferido no processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1 – 3.ª Secção, onde se referencia vasta jurisprudência sobre este tópico, «o regime resultante da actual redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão».

O princípio da dupla conforme, impeditivo de um terceiro grau de jurisdição e segundo grau de recurso, que não pode ser encarado como excepção ao princípio do direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, «é assegurado – afirma-se no mesmo acórdão – através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais».    

Nesta conformidade, como justamente se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-04-2012, proferido no Processo n.º 3989/07.5TDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção, «estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam».

No mesmo sentido, referência também para o acórdão de 13-01-2016, proferido no processo n.º 174/11.5GDGDM.L1.S1 – 3.ª Secção, que o ora relator subscreveu como adjunto, em que, perante o pedido de reapreciação de prova alegadamente proibida, deixou expresso ser «jurisprudência pacífica que «[n]ão é possível ao STJ conhecer da medida das penas parcelares aplicadas quando se está perante penas de prisão inferiores a 8 anos e foram confirmadas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, (…)», atendendo a que, «com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos»[[8]].

Mais precisamente, afirma-se que «[i]números acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça fixaram já entendimento consistente, aliás decorrente da lei, de que não é admissível recurso de acórdãos proferidos pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos», pois, «[d]e acordo com a disposição mencionada [artigo 400.º. n.º 1, alínea f), do CPP], nos casos de julgamento por vários crimes em concurso em que, em 1ª instância, por algum ou alguns ou só em cúmulo jurídico haja sido imposta pena superior a 8 anos e por outros a pena aplicada não seja superior a essa medida, sendo a condenação confirmada pela Relação, o recurso da decisão desta para o STJ só é admissível no que se refere aos crimes pelos quais foi aplicada pena superior a 8 anos de prisão e à operação de determinação da pena única. Isto é, havendo uma decisão do tribunal da relação que mantém integralmente a decisão da 1ª instância que aplicou penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão – a chamada dupla conforme – o recurso para o STJ só é admissível quanto à medida da pena única caso esta exceda 8 anos de prisão»[[9]].

Como se dá nota no mesmo acórdão, «[a] jurisprudência assinalada vale, também, para as situações, como a alegada pelo [aí] recorrente, em que são arguidas proibições de prova, decorrente de valoração de prova produzida em eventual violação do direito ao silêncio do recorrente. De facto, «estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a atividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou cm julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respetiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam» [[10]].

Por isso, apesar de o Supremo Tribunal de Justiça reiteradamente afirmar que «o eventual uso de um método proibido de prova é uma questão de direito de que deve tomar conhecimento, ainda que em última análise se reporte à fixação da matéria de facto, já que podem estar em causa direitos, liberdades e garantias essenciais para o cidadão» [[11]], logo condiciona essa apreciação à recorribilidade «da decisão final do processo onde se verificou a situação. Se a decisão final for irrecorrível, o respetivo trânsito em julgado só permite avaliar essa questão nos estritos pressupostos e limites do recurso extraordinário de revisão, isto é, se o uso do método proibido de prova for descoberto posteriormente» [[12]]». 

Como também se decidiu no já citado acórdão de 02-05-2018 (Proc. n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1 – 3.ª Secção):

I - Sendo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, e tendo sido integralmente confirmadas no acórdão da Relação de que se recorre, verifica-se a existência de dupla conforme, pelo que as mesmas são insusceptíveis de recurso em conformidade com o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f), a contrario e art. 432.º, n.º 1, al, b), ambos do CPP.

II - Abrangidos pelo caso julgado firmado e inerente irrecorribilidade, estão igualmente as questões que se prendem com a decisão de perdimento a favor do Estado dos valores e dos veículos automóveis referidos. Abrangido pela irrecorribilidade, igualmente fica prejudicado o conhecimento das alegadas nulidade das escutas telefónicas, da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por erro notório na apreciação da prova ou por omissão de pronúncia e da alegada violação do princípio in dubio pro reo.

III - A restrição assinalada quanto à impossibilidade de o STJ conhecer da medida das penas parcelares aplicadas quando se está perante penas de prisão inferiores a 8 anos e foram confirmadas em recurso pelo tribunal da relação vale igualmente para as situações em que são arguidos vícios como os alegados pelo recorrente, consubstanciados no erro de julgamento da matéria de facto provada, relativos à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou ao erro notório na apreciação da prova, previstos no art. 410.º, n.º 2, als. a) e c), do CPP.» (do sumário).


3.2.3. A dupla conforme in mellius

Convocando considerações tecidas no acórdão de 30-03-2016, proferido no processo n.º 1223/14.0JAPRT.P1 – 3.ª Secção[13], nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do CPP, é inadmissível o recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, sendo que a redução da pena não retira ao acórdão da Relação o atributo de confirmativo da condenação.

Na verdade, não vemos razão para inverter o sentido da jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal (antes da revisão de 2007) no sentido de que a redução da pena, traduzindo-se numa reformatio in mellius, não abre a porta à recorribilidade.

Como se decidiu no acórdão de 19-10-2006 (Proc. n.º 2824.06 – 5.ª Secção), a propósito da alínea f) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, verificando-se casos de confirmação da condenação, mas com melhoria da situação do arguido - dupla conforme in mellius -, quanto à parte que lhe for favorável, não tem o arguido, enquanto recorrente, interesse em agir; quanto à parte em que a Relação confirmar a decisão da 1.ª instância, a lei (art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP), não faz distinção, o que permite afirmar que, de modo em tudo idêntico ao que sucede no caso de dupla conforme absoluta, não lhe é reconhecido direito ao recurso.

Este Supremo Tribunal tem elaborado abundante jurisprudência sobre o que deve ser entendido por «confirmação» da decisão recorrida, sendo dominante o entendimento, como se dá conta no acórdão de 26-02-2014, proferido no processo n.º 851/08.8TAVCT.G1.S1 – 3.ª Secção, de que:

«[a] confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto [[14]].

A confirmação da condenação admite, assim, a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado. Por identidade ou maioria de razão abrange qualquer benefício em sede de penas acessórias, efeitos das penas ou quanto à perda de instrumentos, produtos ou vantagens do crime.

É a chamada confirmação “in mellius”.

A não se entender assim, estaria a atribuir-se ao condenado que beneficiou da redução da pena ou de outro benefício o direito de recorrer, recusando esse direito àquele que viu a decisão inteiramente confirmada, solução claramente contraditória e injusta.»

Como também se lê no acórdão deste Supremo Tribunal de 27-04-2011 (Proc. n.º 712/00.9JFSLB.L1.S1 – 3.ª Secção),

«Há que ter como abrangida na expressão legal "confirmem decisão de primeira instância", constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância. (v. Ac. deste Supremo de 29-03-2007 Proc. n.º 662/07 - 5.ª Secção).

Como se decidiu no Ac. deste Supremo e, Secção, de 11-07-2007, in Proc. n.º 2427/07, se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão.

Ao instituto da “dupla conforme”, como excepção ao princípio do direito ao recurso – constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP –, subjaz a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito. v. Acórdão deste Supremo e desta Secção de 16-09-2008, Proc. n.º 2383/08).

Como resulta do Acórdão deste Supremo e desta Secção, de 4-02-2009 in Proc. n.º 4134/08, é maioritária a posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.»

Ainda neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-06-2014 (Proc. n.º 2/12.4GALLE.E1.S1 – 3.ª Secção)[15].

Como é sublinhado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-07-2007 (Proc. n.º 2427/07 – 3.ª Secção), citado no acórdão, já mencionado, de 27-04-2011, «se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão».

A este propósito, já no acórdão deste Supremo Tribunal de 21-10-2009, proferido no processo n.º 306/07.8GEVFX.L1.S1 – 3.ª Secção, se considerava (do sumário):

«X - E tem que dizer-se que a decisão favorável ao arguido na Relação, até ao limite de 8 anos, é confirmativa da precedente da 1.ª instância; no excedente, parcialmente eliminado, de 1 ano, não o é, perdendo legitimidade e interesse em agir o arguido para o impugnar, condições de legitimidade para recorrer ao abrigo do art. 401.º, n.º 2, do CPP.

XI - Na verdade, se o arguido tivesse sido condenado em 8 anos de prisão nas duas instâncias é inegável que não subsistia qualquer dúvida sobre a inadmissibilidade legal do recurso; era plena a confirmação; se o arguido vê realizado o seu interesse em parte, na medida em que obteve parcial tutela do seu direito, em mais latitude não lho concedendo o Tribunal da Relação, situando a pena de condenação no limiar da irrecorribilidade, então falece legitimidade para ver reexaminado o processo por outro tribunal superior, atenta a confirmação que ainda se realiza, in mellius, embora parcial, mantendo-se, como se mantém, inalterado o objecto do processo, em termos de factos e sua qualificação jurídico-penal.»

Deve, pois, na esteira da posição jurisprudencial maioritária deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo decisivo o  argumento de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena, mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.

Por outro lado, como tem sido entendido também maioritariamente, a confirmação não pressupõe a coincidência ou identidade absoluta entre as duas decisões, mas apenas a sua identidade essencial. Por isso que, citando-se o acórdão de 18-05-2016, proferido no processo n.º 653/14.2TDLSB.E1.S1 – 3.ª Secção, «no caso de condenação, se verifica, em nosso entender, confirmação (in mellius), quando o tribunal da relação, sem alterar a decisão sobre a matéria de facto, desagrava a responsabilidade do arguido, absolvendo-o de um dos crimes por que ia condenado ou reduz uma das penas parcelares e, consequentemente, a pena conjunta».

Ou seja, acompanhando o mesmo acórdão, se o tribunal da Relação, sem alteração essencial da matéria de facto absolveu o arguido de um dos crimes por que ia condenado; - reduziu uma das penas parcelares por que ia condenado; confirmou a outra e, consequentemente, reduziu a pena conjunta, está verificado o requisito da dupla conforme, no caso, confirmação in mellius.


Como igualmente se considera no acórdão de 08-03-2012, proferido no processo n.º 625/06.0PELSB.L2.S1   - 3.ª Secção (do sumário):

«I - De acordo com o disposto na al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não admitem recurso os acórdãos da Relação que confirmem a decisão da 1.ª instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão.

II - A verificação de “dupla conforme”, ou seja, a confirmação pelo tribunal superior (Relação) da decisão da 1.ª instância é sem dúvida uma “presunção” de “boa decisão", sendo compreensível que o legislador, numa tal situação, “dispense” novo recurso.

III - Mas a confirmação não pode confundir-se com coincidência ou identidade absoluta entre as duas decisões. “Confirmação” significa uma identidade essencial, mas não necessariamente total, entre as duas decisões. Assim, desde logo, não é necessário, quanto a decisões absolutórias, que elas coincidam nos seus fundamentos, sendo bastante que ambas sejam de teor absolutório.

IV - No caso de decisão condenatória, o legislador foi mais comedido a acolher a “presunção de boa decisão” em que assenta a dupla conforme, pois a sua receção plena poderia constituir um excessivo sacrifício dos direitos de defesa. Assim, a dupla conforme funciona apenas para as condenações em pena (concreta) não superior a 8 anos de prisão. Mas também aqui não é exigível a identidade completa das decisões para se afirmar a dupla conforme.

V - Desde logo, também não é necessária a identidade da fundamentação da condenação, ou seja, a mesma e precisa decisão pode ser fundamentada em termos diferentes. Também não deixará de haver confirmação quando o tribunal superior desagrave, quer por absolvição de algum dos crimes imputados ao recorrente, quer por desqualificação do crime imputado (com ou sem modificação da matéria de facto), quer ainda por redução de alguma pena parcelar ou da pena única, a situação do condenado. Em qualquer destes casos, melhorando a posição do condenado, é confirmada a condenação na parte subsistente.

VI - Em síntese, a confirmação in mellius, ou seja, a que confirma, melhorando, a situação penal do condenado é relevante para os efeitos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.»


Convoque-se ainda, no mesmo sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de  26/2/2014 (Proc. 851/08.8TAVCT.G1.S1 – 3.ª Secção), igualmente citado no acórdão de 28-11-2018, onde se referencia, sobre este tema, vasta jurisprudência deste Supremo Tribunal, em cujo sumário se pode ler:

«[…]

III - Como é jurisprudência uniforme do STJ, a confirmação [al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP] não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto.

IV - A confirmação da condenação admite, assim, a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado. Por identidade ou maioria de razão abrange qualquer benefício em sede de penas acessórias, efeitos das penas ou quanto à perda de instrumentos, produtos ou vantagens do crime. É a chamada confirmação in mellius.

V - Quanto à qualificação jurídica, há que precisar que a identidade de qualificação abrange não só a manutenção da mesma pelo tribunal superior, como também a desagravação da imputação penal, por meio da desqualificação do tipo agravado para o tipo simples do mesmo crime. Já não haverá confirmação se for imputado ao condenado um tipo de crime diferente.

VI - Por último, a identidade de facto não é ofendida quando a alteração é juridicamente irrelevante, ou tem apenas como consequência a desagravação da qualificação dos factos, assim beneficiando o condenado. Se a alteração conduzir à imputação de crime diferente, ainda que não seja mais grave, é evidente que, nessa hipótese, já não há confirmação.

VII - No caso dos autos, a Relação manteve a condenação do arguido pelos mesmos crimes, mantendo a matéria de facto, e confirmando inteiramente as penas. A única modificação refere‑se à revogação da declaração de perda de valores a favor do Estado, alteração essa que beneficiou o arguido. Estamos, pois, perante uma confirmação in mellius do acórdão da 1.ª instância, não excedendo nenhuma das penas 8 anos de prisão. Sendo assim, o recurso para o STJ não é admissível, por força da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.»


Tem-se entendido, pois, que não deixará de haver confirmação quando o tribunal superior desagrave a situação do condenado, quer por absolvição de algum dos crimes imputados ao recorrente, quer por desqualificação do crime imputado (com ou sem modificação da matéria de facto), quer ainda por redução de alguma pena parcelar ou somente da pena única. Em qualquer destes casos, há uma confirmação (para melhor, do ponto de vista do arguido) da decisão condenatória[16].

Com efeito, como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-01-2018, proferido no processo n.º 239/11.3TALRS.L1 – 3.ª Secção, a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões, pressupondo apenas a identidade essencial entre elas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido no quadro da mesma qualificação jurídica e tomando como base a mesma matéria de facto. Há confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, o que se traduz na chamada confirmação in mellius. No que respeita à qualificação jurídica, precisa-se que a identidade de qualificação abrange não só a sua manutenção pelo tribunal superior, mas também a desqualificação do tipo agravado para o tipo fundamental do mesmo crime, não havendo confirmação se for imputado ao condenado um tipo de crime diferente. Por sua vez, como lembra o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a identidade de facto não é ofendida quando a alteração é juridicamente irrelevante ou tem apenas como consequência a desagravação da qualificação dos factos, assim beneficiando o condenado. Se a modificação dos factos conduzir à imputação de crime diferente, ainda que não seja mais grave, não há confirmação (assim, por todos, os acórdãos de 20.6.2014, no proc. 851/08.8TAVCT.G1.S1, e de 10.7.2013, no proc. 52/06.0JASTB.L1.S2, relator Cons. Maia Costa, in www.dgsi.pt)».

E, perante situação de concurso de crimes e correspondentes penas parcelares e única, situação aqui presente, julga-se pertinente convocar o acórdão de 26-06-2014, proferido no processo n.º 160/11.5JAPRT.C1.S1 - 5.ª Secção, em cujo sumário se pode ler[17]:

«I - Nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, não há recurso para o STJ sempre que o acórdão da Relação confirme o acórdão de 1.ª instância proferido no âmbito do mesmo processo e sempre que a pena aplicada na Relação não exceda os 8 anos de prisão.

II - Para saber da admissibilidade (ou não) do recurso deverá analisar-se individualmente as penas parcelares, fazendo uma clara separação entre o momento da determinação da pena em relação a cada crime, e o momento da determinação da sanção em relação ao concurso. Esta separação é permitida pela lei no âmbito do regime do conhecimento superveniente do concurso já depois do trânsito em julgado (parcial) das penas parcelares (cf. art. 78.º n.º 2 do CP e art. 472.º do CPP) - o nosso CP permite-nos perceber que a determinação da pena do concurso de crimes constitui um ponto a decidir distinto e autónomo dos outros. Também o momento de determinação da culpabilidade é distinto do momento de determinação da sanção - em sede de sentença o CPP assim o distinguiu (veja-se os arts. 368.º e 369.º do CPP); e também se admite que haja caso julgado parcial relativamente a cada uma das penas que estejam fixadas na sentença - cf. art. 403.º, n.º 2, al. f), onde se admite a possibilidade de limitação do recurso a uma parte da decisão, considerando como sendo “autónoma, nomeadamente, a parte da decisão que se referir: (...) f) dentro da questão da determinação da sanção, a cada uma das penas ou medidas de segurança”. É assim admissível que se considere haver caso julgado relativamente aos crimes e penas parcelares correspondentes, independentemente do caso julgado relativo à determinação da pena em sede de concurso de crimes (sublinhado agora).

III - Toda a decisão referente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, incluindo questões conexas como a violação do princípio in dubio pro reo, invalidade das provas, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violação do n.º 2 do art. 30.º do CP, qualificação jurídica dos factos, consumpção entre os crimes em concurso, violação do princípio da proibição da dupla valoração, reincidência e medida das penas parcelares, já conhecidas pela Relação, não são susceptíveis de recurso para o STJ, por força dos arts. 400.º, n.º 1, als. c) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.»


Perante o exposto, reafirmando-se entendimento sedimentado no Supremo Tribunal de Justiça, está subtraída ao conhecimento deste Tribunal, nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP, toda a matéria decisória referente aos crimes por cuja prática foram os arguidos recorrentes condenados, e respectivas penas aplicadas, não superiores a 8 anos, sendo que se verifica, quanto a qualquer delas, uma situação de «dupla conforme» condenatória.

Irrecorrível o acórdão da Relação na parte em que confirma as penas aplicadas por tais crimes e na parte em que as reduz ficarão de fora do recurso interposto quaisquer questões a eles relativas.

Abrangido pela irrecorribilidade, igualmente fica prejudicado o conhecimento das alegadas nulidades decorrentes dos vícios enunciados no artigo 410.º, n.º 2, e do artigo 379.º, n.º 1, do CPP, da violação do princípio in dubio pro reo e das demais questões suscitadas relativamente aos crimes por cuja prática foram os recorrentes condenados e respectivas penas singulares. Na síntese feita no acórdão deste Supremo Tribunal de 19-06-2019, proferido no processo n.º 881/16.6JAPRT-A.P1.S1, «[das] questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal».

Como também se decidiu no acórdão de 25-06-2015, proferido no processo n.º 814/12.9JACBR.S1 - 5.ª Secção[18]:

«Tem sido jurisprudência constante deste STJ, de que se comunga, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do art. 379.° do CPP».

Abrangida pela irrecorribilidade encontra-se igualmente a questão suscitada pelo recorrente GG relativa à condenação a favor do Estado da quantia de 14.502,14 euros e a sua condenação solidária no seu pagamento.

Trata-se de questão que foi apreciada no acórdão sob recurso onde se reconhece a correcção da decisão da 1.ª instância «se se partir do princípio de que estão provados os crimes de associação criminosa e de branqueamento de capitais», princípio ou pressuposto esse que se mostra efectivamente verificado. Sendo que, importa recordar, que toda a matéria decisória referente a tais crimes, por cuja prática foi o arguido GG condenado é insusceptível de recurso atenta a dimensão das respectivas penas fixadas.

Como foi dito, a admissibilidade ou não de determinado recurso é questão prévia ao conhecimento do mesmo já que só pode conhecer-se de qualquer recurso depois de ser admitido no tribunal a quo e o tribunal ad quem considerar que essa admissão é válida.

Na verdade, como se dá conta no acórdão deste Supremo Tribunal de 27-04-2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 – 3.ª Secção, «sendo o recurso inadmissível, tudo se passa como se não tivesse sido admitido, apesar de ter sido admitido na 1.ª instância e nessa medida, se o acórdão se prefigura irrecorrível na parte criminal, óbvio é, que das questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá o STJ conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal».

3.2.4. Regressando ao caso vertente, constata-se que o Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso que os arguidos, ora recorrentes, interpuseram da decisão do Tribunal Colectivo (1.ª instância), confirmou, nuns casos integralmente, noutros in mellius.


Assim:

O arguido DD, viu pelo acórdão recorrido serem confirmados os factos, a sua qualificação jurídico-penal e as penas de 6 anos e 6 meses de prisão e de 2 anos e 6 meses de prisão aplicadas pela prática em co-autoria material e em concurso real dos crimes de tráfico agravado e associação criminosa, respectivamente, sendo que em relação ao crime de extorsão, na forma tentada, foi reduzida a pena parcelar de quatro anos para 1 ano e 6 meses de prisão, conquanto, como vimos de consignar, se entender que os factos provados deveriam ser integrados no tipo legal base ou fundamental do crime.

A pena única foi reduzida de 9 anos e 4 meses para 7 anos de prisão.

O arguido EE, viu confirmados os factos e sua integração jurídico-penal, sendo mantido o quantum das penas em relação aos crimes de tráfico qualificado (6 anos de prisão) e associação criminosa (2 anos e 6 meses de prisão), e reduzida a pena singular aplicada pelo crime de extorsão na forma tentada, para 1 ano e 6 meses de prisão.

A pena única foi reduzida de 9, para 7 anos de prisão;

O arguido FF, por seu turno, viu confirmados os factos, qualificação jurídico-penal dos mesmos e bem assim as penas que vinham aplicadas quanto aos crimes de tráfico qualificado (6 anos de prisão) e de de associação criminosa (2 anos e 6 meses de prisão), sendo que a pena singular respeitante ao crime de extorsão na forma tentada foi reduzida de 3 anos e 6 meses, para 1 ano e 6 meses de prisão, conquanto, se entendeu que os factos provados deveriam ser integrados no tipo legal base ou fundamental do crime.

Em cúmulo jurídico, foi fixada a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.


Como se vê, a decisão da Relação, agora em recurso, manteve e reduziu as penas aplicadas em 1.ª instância, aplicando penas, parcelares e de cúmulo, inferiores a oito anos de prisão, pelo que houve confirmação integral e relativamente a um dos crimes confirmação in mellius.

Por conseguinte, não são admissíveis os recursos de tal decisão interpostos pelos arguidos indicados, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP, pelo devem ser rejeitados, procedendo a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.


Por seu lado:

O arguido GG viu pelo acórdão recorrido serem confirmados os factos, a sua qualificação jurídico-penal e com redução da pena pela prática do crime de tráfico de estupefacientes para 8 anos de prisão, da pena pela prática do crime de branqueamento de capitais para 3 anos de prisão e da pena pela prática do crime de extorsão na forma tentada para 1 ano e 6 meses de prisão. (confirmação in mellius).

Em cúmulo jurídico, foi aplicada a pena única de 10 anos de prisão.

O arguido II, viu confirmados os factos e sua integração jurídico-penal, sendo mantido o quantum das penas em relação aos crimes de tráfico de estupefacientes (8 anos e 6 meses de prisão) e de branqueamento de capitais (4 anos e 3 meses de prisão).

Em cúmulo jurídico, foi confirmada a pena única de 9 anos e 10 meses de prisão.

O arguido HH, viu integralmente confirmados os factos, qualificação jurídico-penal dos mesmos e bem assim as penas que vinham aplicadas quanto aos crimes de tráfico de estupefacientes (8 anos e 6 meses de prisão), de associação criminosa (3 anos de prisão), de branqueamento de capitais (4 anos de prisão) e de extorsão simples na forma tentada (2 anos de prisão).

Em cúmulo jurídico, foi fixada a pena única de 10 anos de prisão.


Como se vê, a decisão da Relação, agora em recurso, manteve e reduziu as penas aplicadas em 1.ª instância, aplicando penas parcelares não superiores a oito anos de prisão, pelo que houve confirmação integral e confirmação in mellius.

Por conseguinte, não são admissíveis os recursos desse segmento da decisão recorrida interpostos pelos arguidos GG, JJ e HH, que vêm de se referir, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP, pelo também são rejeitados, procedendo a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.


3.2.5. Em resultado da rejeição do recurso na parte referida, a sua apreciação é confinada, apenas:

- À pena única aplicada, em cúmulo jurídico, aplicada ao arguido-recorrente GG, porque só esta é superior a 8 anos de prisão;

[…]


3.3. Recurso do arguido GG

Como já se disse, a única questão a examinar reporta-se à medida da pena única de prisão aplicada, atenta a inadmissibilidade legal do recurso quanto à restante matéria decisória.»

Da transcrição efectuada do acórdão reclamado, é manifesta a falta de fundamento da reclamação apresentada pelo arguido.

A reclamação traduz, tão só e unicamente, a discordância do arguido relativamente ao decidido quanto à inadmissibilidade do recurso que interpusera do acórdão do Tribunal da Relação, por irrecorribilidade, com fundamento legal expressamente previsto no artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP.

Tal questão encontra-se, como se pode ver, profundamente examinada no acórdão reclamado, convocando-se abundante jurisprudência deste Supremo Tribunal, e, no que se reporta à conformidade constitucional da solução, convoca-se igualmente, em apoio, a jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Do tratamento efectuado, concorde o reclamante ou não, este Supremo Tribunal, no âmbito do presente recurso, expressou, de forma clara e assertiva, o entendimento de que a solução da inadmissibilidade parcial do recurso, pois relativa às penas parcelares em que o reclamante fora condenado, tem fundamento legal – artigo 400.º, n.º 1, alíneas e)e f), do CPP – não infringindo estas normas quaisquer princípios ou disposições da Constituição da República.

Portanto, não assiste qualquer razão ao reclamante na alegada «contradição «ao invocar normas legais sem a devida previsão» ou na invocada omissão de pronúncia.

Igualmente não lhe assiste qualquer razão na invocação do princípio da protecção da confiança e demais princípios da actividade administrativa.

Cumprindo lembrar, a este propósito, que a questão da inadmissibilidade do recurso, nos termos das disposições legais citadas, foi representada pelo próprio reclamante aquando da apresentação do recurso do acórdão da Relação, como bem resulta das conclusões D e E cuja transcrição se justifica. Lê-se, pois, aí:

«D. Entende o recorrente que a douta decisão proferida se mostra una, uma vez que a lei apenas cinde a parte penal da parte cível pelo que sendo a medida da pena fixada superior a 8 anos, entende-se que toda a decisão penal será recorrível dado não se mostrar legítimo um qualquer pena shopping a cargo dos Tribunais da Relação (condicionando a recorribilidade das suas próprias decisões pela fixação de penas parcelares não superiores a 8 anos, como sucedeu in casu!) e em consequência todas as questões de Direito se mostrarão recorríveis e deverão ser apreciadas pelo Tribunal superior, uma vez que a pena fixada em cúmulo se mostra directamente relacionada com as mesmas e não sendo a douta decisão irrecorrível isso abrirá as portas à sua análise integral, descartada unicamente a reapreciação da prova gravada e a incluir a decisão de primeira instância na parte em que para a mesma se remete ou se dá por bem julgada;

E. Tem-se por inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 400º f) CPP quando interpretado no sentido de “[E]m processo-crime no qual venha a ser parcialmente confirmada a decisão de primeira instância por parte do Tribunal da Relação, aplicando a cada um dos crimes pena não superior a 8 anos e em concurso pena superior, apenas será recorrível a decisão relativa à medida da pena única, não obstante a demais matéria de Direito se mostrar essencial para a boa decisão da causa e contender com matéria interpretativa”;»


Por outro lado, na resposta ao recurso que o reclamante interpôs do acórdão da Relação, o Ministério Público suscitou desde logo a questão da inadmissibilidade do mesmo relativamente às penas parcelares em que foi condenado, como se pode ver do trecho que agora se reproduz:

«a) Recursos interpostos por II, HH e GG


«CONCLUSÕES.

1 - Apesar deste Tribunal da Relação ter aceite os presentes recursos instaurados para o Supremo Tribunal de Justiça, pelos arguidos JJ, HH e GG e por esta decisão não vincular o Tribunal Superior, entendendo de modo diferente, não estamos de acordo que os recursos instaurados sejam admissíveis em toda a sua dimensão.

2 - Considerando as penas aplicadas aos arguidos, sendo certo que nenhuma das penas parcelares aplicadas ao arguido GG é superior a 8 anos de prisão e algumas das penas parcelares são inferiores a 5 anos de prisão e ainda que existem diversas penas parcelares em que os restantes recorrentes forma condenados, inferiores a 5 anos de prisão, não deverão ser admitidos os recursos nas respectivas dimensões.

3 - Todas as penas foram aplicadas na 1ª instância e confirmadas, quer quanto à sua qualificação jurídica, quer quanto à sua medida, pelo tribunal da Relação, sendo que se considera, segundo entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores que a redução de penas é uma confirmação in mellius.

4 - Com base em tais pressupostos e de acordo com o disposto nos artigos 432º, n.º 1, al. b) do CPP, na sua conjugação com a previsão do art.º 400º, n.º 1 al. e) e f), do mesmo diploma legal, não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal, quanto às questões suscitadas relativamente aos indicados crimes, por destes resultarem condenações parcelares em penas não superiores a 5 anos de prisão. (Neste sentido acórdão do STJ de 27-4.2011, processo n.º 3/07.4GBCBR.C1.S1, em www.dgsi.pt ).

5 - Todas as questões suscitadas nos recursos, sejam nulidades de acórdão, nulidades processuais, erros de julgamento, erros nas subsunções legais ou na determinação de medidas concretas das penas, da interpretação conjugada das apontadas normas resulta que as mesmas só podem ser equacionados, se existir o pressuposto legal prévio de admissibilidade da sujeição à apreciação do tribunal de recurso, neste caso pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. art.º 434º do CPP).

6 - Pressuposto que nestes casos não se verifica de todo, desde logo quanto às condenações em penas parcelares que sejam não superiores a 5 anos de prisão.

7 - Mas também não é admissível recurso, de acordo com as disposições legais conjugadas dos artigos 432º, n.º 1, al b) e 400º, n.º 1, al. e) e al. f) do CPP, para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a condenação é confirmatória da proferida na 1ª instância, sendo certo que a pena aplicada ao recorrente GG pela prática do crime de tráfico não é superior a 8 anos de prisão.

8 - Acresce dizer neste âmbito e a este propósito que, nos autos se mostra já garantida a apreciação do caso em duplo grau de recurso, tendo a propósito de questões como esta, em que se discutiu eventual inconstitucionalidade da norma do art.º 400º, n.º 1 al. f) do CPP – redacção legal que se manteve inalterada na revisão da lei de 2013 –, na medida em que impedia o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido decidido em acórdão do Tribunal Constitucional, com o n.º 385/2011, de 27-7-2011, publicado no D.R, I série, de 3-10-2011 no sentido de:

“Não julgar inconstitucional a norma do art.º 400º, n.º 1 al. f) do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão em pena não superior a 8 anos de prisão, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1ª instância não havia apreciado.” (sublinhado nosso).

9 - Deverá então, atento o disposto nos artigos 414º, n.º 2 e 3, 417º, 6, al. a) e b), na sua conjugação com os arts. 432º, n.º 1, al. b) e 400º, n.º 1, al. e) e f), 414º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al b) todos do CPP, recusar-se a admissão dos recursos dos arguidos quando pretendem discutir questões relativas à suas condenações pelos crimes de branqueamento de capitais, de associação criminosa e de extorsão na forma tentada identificados e ainda do crime de tráfico de estupefacientes agravado cometido pelo arguido GG, por serem legalmente irrecorríveis.

10 - Na linha do mesmo entendimento, apenas deverão ser admitidos recursos relativamente a questões suscitadas pelos recorrentes com referência aos crimes punidos com pena de prisão superiores a 8 anos de prisão, no âmbito da legal previsão do art.º 432º, n.º 1, al. b), na sua conjugação com o art.º 400º, n.º 1 al. f) e 434º todos do CPP.

11 - Incluem-se nesta previsão legal os recursos do:

a) - JJ, desde que respeitem ao crime de tráfico de estupefacientes agravado (8 anos e 6 meses de prisão), bem assim relativas à medida da pena única (9 anos e 10 meses) resultante do cúmulo jurídico;

b) - HH desde que respeitem ao crime de tráfico de estupefacientes agravado (8 anos e 6 meses de prisão), bem assim relativas à medida da pena única (10 anos) resultante do cúmulo jurídico e

c) - GG desde que respeite à formação da pena única (10 anos) resultante do cúmulo jurídico.»

Também neste Supremo Tribunal, o Ministério Público suscitou a mesma questão da inadmissibilidade parcial do recurso do agora reclamante, como bem resulta do trecho que se transcreve:

«B.2. GG:

O arguido mostra-se condenado nos termos do acórdão em análise, nas seguintes penas:

1 - Oito anos de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, reduzindo a pena de 8 anos e 6 meses de prisão que lhe havia sido aplicada na 1ª instância;

- Quatro anos e seis meses de prisão, pelo crime de associação criminosa, mantendo a pena de 4 anos e 6 meses de prisão que lhe havia sido aplicada na 1ª instância;

- Um ano e seis meses de prisão pelo crime de extorsão na forma tentada, reduzindo a pena de 4 anos de prisão que lhe havia sido aplicada na 1ª instância;

- Três anos de prisão pelo crime de branqueamento de capitais, reduzindo a pena de 4 anos e 6 meses que lhe havia sido aplicada na 1ª instância. Acresce que, em relação ao crime de associação criminosa, verifica-se dupla conforme perfeita. No atinente aos demais crimes (tráfico de estupefacientes agravado e de extorsão na forma tentada) estamos perante dupla conforme, in mellius.

Neste conspecto, como mais uma vez assinala o MP na 2ª instância na sua resposta (2ª) ao contrário do que vem feito, o recurso só é admissível em relação à pena única, fixada em dez (10) anos de prisão, o que implica, necessariamente, que as várias questões suscitadas pertinentes aos mesmos não podem ipso facto ser objecto de análise.»

Cumprindo sublinhar, que, na sequência do cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido, agora reclamante se pronunciou, insistindo no «conhecimento plen/integral por a douta decisão recorrida ser toda ela recorrível» (destacado e sublinhado no original).

Perante o exposto, reafirma-se a absoluta falta de fundamento do reclamante quanto aos pretensos vícios da «omissão de pronúncia, contradição insanável, ausência de fundamentação por referência ao concreto caso decidido»

Nenhuma razão lhe assistindo, como já se disse relativamente às sucessivas intervenções processuais do reclamante quanto à pretensa violação do princípio da confiança e demais princípios da actividade administrativa.

Quanto à alegada «indevida condenação em custas»:

Diz o reclamante que não deveria ter sido condenado em custas «uma vez que não foi integralmente vencido, pois no tocante à correcção de erros materiais teve provimento e viu o recurso ser procedente».

No acórdão reclamado, foi deliberado:

«Rectificar, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.os 1, alínea b), e 2, do CPP:

a) Os erros cometidos com indicação do apelido «AA» e «BB» constante o acórdão recorrido, passando a figurar aí o apelido «CC»;»


Também neste ponto carece em absoluto de razão o reclamante.

A rectificação ou correcção operada não se integra manifestamente no âmbito ou objecto do recurso interposto. Como se sabe, os recurso constituem um meio de reacção de um sujeito processual com legitimidade que se considere prejudicado por alguma decisão judicial, que julgue injusta ou ilegal.

Situação distinta é a que se reporta à correcção da sentença, prevenida no artigo 380.º do CPP, no caso, a correcção da decisão por erro ou lapso cuja eliminação não importe modificação essencial, correcção que pode (e deve) ser oficiosamente efectuada pelo tribunal, ou a requerimento do interessado.

Ora, no caso da rectificação operada no acórdão reclamado quanto ao apelido do reclamante indicado no acórdão da Relação, é evidente que não se verificou vencimento ou decaimento de alguém, designadamente do agora reclamante.

Pelo que improcede igualmente nesta parte a reclamação apresentada.


Em face do exposto, acordam os Juízes na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação apresentada pelo arguido-recorrente GG.

Custas pelo reclamante, com 3UC de taxa de justiça.


Texto processado e revisto pelo relator que assina digitalmente.

Tem voto de conformidade da Ex.ma Conselheira Adjunta Conceição Gomes


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 11 de Novembro de 2020


Manuel Augusto de Matos (Relator)

______

[1] Os trechos destacados e sublinhados constam do original.
[2] Acessível, como os demais que se citarem sem outra menção, nas Bases Jurídico-Documentais em www.dgsi.pt.
[3] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, 2017.
[4] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, 2018.
[5] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, 2018.
[6] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 516.
[7] Disponível, como os demais acórdãos do Tribunal Constitucional que se citarem, em www.tribunalconstitucional.pt
[8] Acórdãos de 4 de fevereiro de 2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S129, e de março de 2012, processo n.º 18/10.5GBTNV.C1.S1. No mesmo sentido, entre outros acórdãos neles citados, os de 8 de janeiro de 2014, processo n.º 104/07.9JBLSB.C1.S1, de 6 de fevereiro de 2014, processo n.º 417/11.5BBLLE.E1.S1, e de 27 de maio de 2015, processo n.º 352/13.2PBOER.S1.
[9] Acórdão de 14 de maio de 2015, proferido no processo n.º 8/13.6GAPSR.E1.S1. No mesmo sentido, entre outros, o acórdão de 29 de abril de 2015, processo n.º 181/13.3GATVD.S1.
[10] Acórdão de 11 de abril de 2012, processo n.º 3989/07.5TDLSB.L1.S1. No mesmo sentido, os recentes acórdãos de 29 de janeiro de 2015, processos n.os 14359/09.0TDPRT.C1.S1 e 91/14.7YFLSB.S1, e de 3 de junho de 2015, processo n.º 293/09.8PALGS.E3.S1.
[11] Entre outros, os acórdãos de 6 de maio de 2010, processo n.º 156/00.2IDBRG.S1, de 19 de setembro de 2012, processo n.º 16/09.1GBBRG.G3.S1, de 11 de julho de 2013, processo n.º 631/06.5TAEPS.G1.S1, e de 2 de outubro de 2014, processo n.º 87/12.3SGLSB.L1.S1.
[12] Citado acórdão de 6 de maio de 2010, processo n.º 156/00.2IDBRG.S1.
[13] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais – 2016.
[14] Cita-se o acórdão do STJ, do mesmo relator (Cons. Maia Costa), de 10.7.2013, proferido no proc. nº 52/06.0JASTB.L1.S2 – 3.ª Secção.
[15] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais - 2014.
[16] V. acórdão do STJ de 09-03-2017, proferido no processo n.º 2148/13.2JAPRT.P2.S1 - 5.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2017.
[17] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais - 2014.
[18] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – 2015.