Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20/22.4T8VVC-A.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA
Descritores: RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
CONVENÇÃO DE HAIA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
RECUSA
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar o pedido de imediato regresso ao Estado contratante ao abrigo dos arts. 8.º e 12.º da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, relativo a uma criança dele retirada ilicitamente pela progenitora e que se encontra actualmente em Portugal.

II - Nos termos do art. 3.º da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças e para os efeitos nela previstos, é ilícita a deslocação ou retenção da criança desde que ela, residindo habitualmente num Estado contratante, tenha sido deslocada para outro Estado em violação do direito de guarda ou custódia atribuído pela lei daquele Estado, desde que tal direito esteja efectivamente a ser exercido e a deslocação para outro Estado não tenha sido autorizada pelo respectivo titular.

III - O imediato regresso da criança ao Estado de onde foi ilicitamente retirada pode ser excepcionalmente recusado quando a execução dessa medida seja susceptível de criar risco grave de ocorrência de uma situação de violação intolerável do interesse da criança e se revelar, em concreto, mais prejudicial para a criança do que a manutenção da situação ilícita criada, não podendo, nesse caso, a ponderação dos fins gerais visados pela Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças sobrepor-se ao superior interesse da criança, a avaliar em concreto.

IV - Relativamente a uma criança com menos de três anos de idade, à data da retirada do país de residência habitual, que sempre viveu e esteve aos cuidados da mãe desde o seu nascimento e relativamente à qual o pai - actualmente separado da mãe - exerceu durante cerca de três meses, em alternância semanal, a respectiva guarda, deve ser recusado o regresso ao Estado de residência habitual da criança se, em concreto, o relacionamento afectivo e a proximidade estabelecidos entre a criança e a progenitora aconselharem a manutenção dessa situação até à definição, na sede própria, do regime de regulação das responsabilidades parentais.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, em nome do POVO PORTUGUÊS, os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


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RELATÓRIO

I – INTRODUÇÃO

1) Por apenso ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança AA, instaurado pelo Ministério Público em 4 de fevereiro de 2022 (processo 20/22.4T8VVC) no Juízo de Competência Genérica ..., em 9 de março de 2022, requereu BB contra CC, invocando o disposto nos artigos 8.º e seguintes da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de outubro de 1980, que fosse ordenasse o imediato regresso da criança a França.

Para tanto, alegou em síntese:

Que a criança AA nasceu em França em .../.../2019, sendo registada como filha do requerente e da requerida.

Que a criança AA sempre residiu em França, sendo certo que após o termo do relacionamento entre o requerente e a requerida, passou a vigorar, por acordo verbal, um regime de residência semanal alternada em relação ao exercício das responsabilidades parentais e à custódia da criança.

Mais alega que a requerida, sem consentimento nem conhecimento do requerente, trouxe a criança AA para Portugal em 22 de janeiro de 2022, onde a requerida passou a viver, continuando o requerente a residir em França.

2) Teve oportunamente lugar uma conferência entre os pais da criança na qual foi estabelecido, para vigorar na pendência do processo, um regime de contactos entre o requerente e a criança.

3) A requerida contestou o pedido formulado alegando, em síntese, o seguinte:

Que o meio processual adoptado pelo Requerente não é o legalmente estipulado na Convenção de Haia e no Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, uma vez que, ao ter recorrido aos Tribunais Portugueses, o requerente reconheceu que a residência habitual da criança corresponde a Portugal e não em França;

Que não se está em presença de uma deslocação ou retenção ilícita da criança AA porquanto não se verificou a violação do direito de guarda, já que as responsabilidades parentais relativas à criança não foram ainda reguladas;

Que sempre existiria fundamento para decidir a recusa de regresso da criança AA a França porquanto, dada a sua tenra idade, a separação da progenitora e guardiã com quem sempre viveu, lhe pode causar um dano psíquico intolerável, por implicar a supressão na sua vida quotidiana das suas figuras familiares de referência e sua principal ligação afetiva.

4) Teve oportunamente lugar a audiência de julgamento.

Foi, na sequência, proferida sentença que, depois de reconhecer a competência internacional dos Tribunais Portugueses e a existência de uma situação de deslocação ilícita da criança tutelada pela Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, decidiu “ordenar o imediato regresso a França da criança AA, nascida a .../.../2019, em França, filha de CC e de BB, atualmente a viver com a progenitora em (…) ..., devendo ser entregue ao cuidado do seu progenitor.”

5) Inconformada a requerida CC, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

Por acórdão proferido a 30 de junho de 2022 o Tribunal da Relação de Évora decidiu, por maioria e com declaração de voto discordante, manter integralmente a sentença de primeira instância impugnada.

É do seguinte teor o sumário do referido Acórdão:

“I – Não estando em causa a regulação das responsabilidades parentais, mas sim o pedido de regresso a França de uma criança deslocada para Portugal pela sua progenitora, os tribunais portugueses são os competentes para apreciar aquele pedido.

II – A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando se verifiquem dois pressupostos: primeiro, a violação de um direito de custódia atribuído pelo Direito do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; segundo, o exercício efetivo desse direito no momento da transferência ou da retenção (cfr. artigo 3º, 1º §, als. a) e b) da Convenção da Haia de 1980 e artigo 2º, nº 11, do Regulamento (CE) 2021/2003).

III – O regresso imediato da criança em situação de deslocação ou retenção ilícitas, preconizado pela Convenção, sofre, no entanto, desvios sempre que se mostrem verificadas as circunstâncias previstas nos seus artigos 12º, 13º e 20º. Apuradas estas, pode haver lugar a uma decisão de recusa de regresso da criança.

IV – Não se apurando nenhuma daquelas circunstâncias, nomeadamente a existência de uma situação de risco grave para o regresso a França da criança AA, local da sua residência habitual, não pode ser recusado o regresso.

V – Não deve confundir-se o presente procedimento com a regulação do exercício das responsabilidades parentais, em cuja sede se decidirá a qual (ou se a ambos) dos progenitores será confiada a guarda da criança”.

Por sua vez a declaração de voto discordante salienta a existência no caso de fundamento para recusa do regresso da criança a França e sua consequente entrega ao progenitor ali residente dado que tal representa a criação de uma situação intolerável de privação forçada do convívio e do acompanhamento da criança com a sua progenitora e irmã, sendo desconhecidas as condições em que actualmente vive em França o seu progenitor (artigo 13.º alínea b) da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças).


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II – A REVISTA


1) Sempre inconformada com a decisão proferida em segunda instância a requerida CC interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo apresentado nas respectivas alegações as seguintes CONLUSÕES:

“1ª. O Requerente/Pai, por apenso à regulação das responsabilidades parentais requeridas pela Requerida, ora Recorrente, requereu, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8º e seguintes da Convenção sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças, concluída em Haia em 25 de outubro de 1980 e aprovada pelo Decreto do Governo nº 33/83, de 11 de Maio, publicado no D.R., 1 série, nº 108, de 11/05/83, doravante intitulada Convenção de Haia de 1980, o regresso a França da criança AA”.

2ª. O pedido formulado pelo Requerente é apreciado pela Convenção de Haia, de 25 de outubro de 1980, e pelo Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e de Responsabilidade Parental.

3ª. Os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para análise da situação em apreço.

4ª. Assim, o Requerente, ao ter dado início ao presente procedimento em Portugal, no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Competência Genérica ..., o Requerente/Pai, violou, designadamente, o estipulado no identificado artigo 10º do Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho.

Sem prescindir,

5ª. O facto de o Requerente ter considerado o Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo de Competência Genérica ... – como o internacionalmente competente para apreciar acerca do regresso, ou não, da menor a França, e o mesmo ter sido reconhecido competente -, tal não pode deixar de significar que o Requerente considera e reconhece que, em prol dos princípios da proximidade, da ligação particular e do superior interesse da menor, são os Tribunais portugueses que, atenta a situação em concreto – residência habitual, integração familiar, melhores condições de vida e estabilidade –, os competentes para apreciar a questão.

6ª. Proximidade e ligação particular que, inclusivamente, a matéria dada como provada nestes autos veio comprovar – cfr. designadamente os pontos 15, 16,30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38 dos Factos Provados.

7ª. Assim, o Requerente/ Pai implicitamente reconheceu, apesar de não ter alegado, que se verifica uma das situações de excepção previstas no artigo 10º do Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho, na medida em que reconhece a residência habitual em Portugal, reconhece a proximidade e a integração da menor em Portugal e, consequentemente, o que a residência em Portugal representa no superior interesse da menor.

8ª. Caso contrário, o Requerente teria recorrido aos Tribunal do Estado membro de origem, ou seja, de França.

9ª. Veja-se, a propósito e neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.10.2017, in proc. 6484/16.8T8VIS.C1.

Posto isto,

10ª. Na tomada da decisão acerca do regresso ou não regresso imediato da menor a França, importa analisar, sucessivamente, primeiro, se estamos perante uma deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita e, na afirmativa, se no caso, se verificam alguma ou algumas das situações de excepção previstas, designadamente, no artigo 13º da Convenção de Haia.

11ª. Entende a Recorrente que não resultou provada a deslocação ou retenção ilícita da criança, porquanto não se provou, de forma isenta de dúvidas, a violação do direito de guarda.

12ª. Prova que, no caso, cabia ao Requerente/Pai fazer, mas, contudo, não fez.

13ª. O Requerente/Pai, para atestar o seu direito de guarda em relação à menor juntou aos autos cópia do Código Civil Francês, sem referência a qualquer artigo em concreto e

14ª. juntou aos autos um documento, aliás impugnado, onde consta que a menor frequentava uma creche – cfr. doc. a fls. – documento que, a ser porventura verdadeiro, nem sequer esclarece desde quando é que a menor frequentava a creche.

15ª. O Requerente não arrolou qualquer testemunha que consigo convivesse em França e, nessa medida, pudesse relatar ao Tribunal o que poderia ser a vivência da menor em França.

16ª. Atenta a falta de alegação e prova de factos, por parte do Requerente/Pai, para fundamentar a guarda pelo mesmo Requerente, o Tribunal recorrido para fundamentar a sua decisão, remeteu para a sentença proferida em 1ª instância onde se fez constar que “tendo o tribunal de perscrutar qual o regime legal, à luz do direito Francês, que rege o exercício das responsabilidades parentais” – cfr. Acórdão recorrido – e, com fundamento nesta “investigação” da lei francesa, veio concluir que “impõe-se assim concluir que o direito de custódia se encontrava atribuído, de pleno direito – à luz do direito francês – a ambos os progenitores da criança AA”.

17ª. Porém, esta conclusão, não alicerçada em factos, é manifestamente insuficiente para se poder concluir pelo direito de guarda do Requerente/Pai.

18ª. Na verdade, desconsideraram-se os docs. nºs 1 e 2 juntos às alegações iniciais da Requerida, os quais, todavia, não foram impugnados pelo Requerente.

19ª. Desses documentos resulta que, perante o Estado francês – quer junto da “Assurance Maladie” – que corresponde à nossa Segurança Social – quer a nível fiscal –, a menor AA apenas estava integrada no agregado familiar da Requerida, ora Recorrente, do qual o Requerente/Pai não fazia parte.

20ª. O que põe em causa/dúvida a conclusão, de que o direito de custódia se encontrava atribuído, de pleno direito – à luz do direito francês – a ambos os progenitores da criança AA”, extraída no Acórdão recorrido, da legislação francesa acerca das responsabilidades parentais e, por ele, explanada na sentença recorrida.

21ª. Pois, para além dos preceitos invocados pelo Mmo Juiz “a quo” na sentença recorrida, existem na legislação francesa outras disposições legais que, sem a regulação efectiva das responsabilidades parentais, podem reconhecer que a menor AA apenas integrava o agregado familiar da Requerida/Mãe.

22ª. Donde, e contrariamente ao entendido no Acórdão recorrido, não se pode concluir que o Requerente tinha o direito de guarda da menor.

23ª. Por outro lado, também não se pode concluir que o Requerente era titular de um direito de guarda na medida em que vigorava, por acordo entre os Progenitores, uma guarda alternada semanal.

24ª. Como resulta da prova produzida nos autos, os convívios alternados apenas ocorreram durante três meses e tal deveu-se a uma necessidade, transitória e extrema, da Requerida, ora Recorrente, decorrente do facto de os seus horários de trabalho não serem compatíveis com o horário da creche da menor AA.

25ª. Situação que obrigava a Requerida a ter de se socorrer de terceiros para ficarem com as suas filhas menores, no período compreendido entre as 5h15m e a hora de abertura da creche e da escola - facto 12 dos Factos Provados.

26ª. Situação que se estava a tornar insuportável, sobretudo por questões económicas, já que a Requerida tinha que pagar a esses terceiros – facto 12 e 13 dos Factos Provados.

27ª. O que obrigou a Requerida, ora Recorrente, a ter que solicitar o apoio do Requerente nos cuidados da menor.

28ª. Foi esta a razão porque, a partir de finais de outubro de 2021, o Requerente começou a ter a menor aos seus cuidados em semanas alternadas com a Requerida.

29ª. Porém, esta situação nunca foi objecto de regulação judicial, já que o Requerente sabia que se tratava de uma situação transitória e temporária, porquanto a Requerida não conseguia reunir condições para se manter a viver com os seus filhos em França.

30ª. Apesar de o Requerente negar, este sempre soube que a pretensão da Requerida, ora Recorrente, era regressar com os seus filhos a Portugal, já que, em França, não tinha condições socioeconómicas para conseguir assegurar o bem-estar das menores.

31ª. Contrariamente ao concluído no Acórdão recorrido, não se pode dizer que resultou provado que ambos os progenitores exerciam, em conjunto, as responsabilidades parentais da menor e que, nessa medida, a deslocação da menor para Portugal consubstanciou uma deslocação, retenção ilícita.

Sem prescindir,

32ª. Caso se considere que efectivamente se verifica uma deslocação ou retenção considerada ilícita, sempre entende a Requerida, ora Recorrente, que a mesma é justificada, porquanto a Requerida não tinha condições para continuar a viver em França.

33ª Mais, a decisão de regresso da menor AA a França sempre representa um risco grave para a saúde física e psíquica da mesma menor, pois colocá-la-á numa situação intolerável.

34ª. Antes de mais, era indispensável e essencial para que se pudesse determinar o regresso da menor a França que estivesse demonstrado nos autos - o que não ocorre - que o regresso da menor a França não consubstancia a colocação da menor numa situação de perigo, porquanto estariam garantidas as boas condições de vivência.

35ª. Esta omissão põe em causa o superior interesse da menor e, nessa medida, deve ser causa para impedir que se decrete o regresso da menor AA a França.

36ª. Resulta, pelo contrário, dos autos uma ausência total de conhecimento de quaisquer factos sobre a situação socioeconómica do Requerente/pai da menor.

37ª. Na verdade, desconhecem-se as condições familiares, sociais e económicas do Requerente.

38ª. Assim, a sentença de 1ª instância decretou o regresso da menor para França desconhecendo, por completo, as condições em que o Requerente reside em França bem como o que pode proporcionar à filha AA.

39ª. Isto quando estamos perante factos sobre as condições pessoais do Requerente relativamente às quais apenas o próprio poderia carrear para os autos – veja-se artigo 342º, nº 1, do Código Civil.

40ª. O Requerente, ao não ter aportado esses factos para os autos, procurou criar a falsa ilusão de que em França dispõe de condições económicas para proporcionar qualidade e condições de vida à menor AA.

41ª. O que, na verdade, os autos desconhecem em absoluto.

42ª. Pois, acerca da situação socioeconómica do Requerente/pai da menor, apenas resultou provado que o mesmo já sofreu dois AVCs, aufere uma pensão de Euros 700,00 e que tem em curso uma acção de incumprimento das responsabilidades parentais relativa ao não pagamento da pensão de alimentos relativamente a outra filha menor.

43ª. Isto quando, inversamente, dos presentes autos resultam abundantemente provadas as condições em que a menor reside em Portugal na companhia da Requerida e desta.

44ª. Por outro lado, e não com menos importância, o regresso da menor a França consubstanciaria uma separação da progenitora, o que será causa de enormes danos físicos e psicológicos, aliás, irreversíveis, na menor.

45ª. Resultou demonstrado, atenta a prova produzida, que a Mãe, ora Recorrente, é a principal referência afetiva, a figura primária da menor AA.

46ª. Sempre foi a Requerida a pessoa com quem a menor, desde o seu nascimento, tem mantido uma relação de maior proximidade, aquela que, no dia-a-dia, mesmo enquanto os pais viviam juntos, lhe prestava toda a atenção e os cuidados.

47ª. Atenta a idade da menor, a proximidade e afectividade em relação à Mãe, a separação desta irá prejudicar, necessária e substancialmente, o superior interesse da menor.

48ª. Essa separação, a ocorrer, irá, inevitavelmente, contra o bem-estar emocional e psicológico da menor AA, porquanto se verá irremediavelmente privada do contacto com a imagem de referência, a Mãe, a quem se encontra necessariamente vinculada, sem que se possa compreender a razão do súbito afastamento.

49ª. Veja-se a propósito o Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 08.09.2021 in proc. 6810/20.5T8ALM.L1.S1:

“(…) O preceito da al. b) do artigo 13º da Convenção de Haia – verificação de risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável – deve ser interpretado à luz da primazia atribuída ao superior interesse da criança nas decisões que lhe dizem respeito pelo artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança; nesta conformidade, nem todos os fundamentos de oposição ao regresso da criança devem ser interpretados restritivamente.

IV – Para uma criança com 16 meses de idade (à data do acórdão) ou 11 meses (à data da sentença), que privou permanentemente com a mãe, que assim se constituiu como figura afectiva de referência para a criança, a separação física operada pelo regresso a Espanha é de considerar uma violência, susceptível de afectar o equilíbrio psíquico da criança, constituindo uma situação intolerável.”

50ª. Na análise desta excepção de risco grave para a menor, centrada na separação do cuidador principal, há que fazer um esforço no sentido de nos centrarmos na defesa do superior interesse da menor e não na penalização do ato que a progenitora praticou.

51ª. As excepções devem sempre ser analisadas e ponderadas do ponto vista do superior interesse da menor, tendo em consideração a idade da menor, o seu enraizamento familiar, a relação afectiva e emocional, no caso, entre a menor e a sua Progenitora.

52ª. A Requerida, Recorrente, como resulta dos autos, não dispõe de condições para regressar a França, nada a obrigando, de resto, a ter de o fazer.

53ª. Assim, separar a menor – com menos de 3 anos - da Mãe e entregá-la aos cuidados do Pai, privando-a dos cuidados e dos contactos afectivos com a Mãe, necessariamente será causa de trauma e de sentimento de abandono e rejeição que, inevitavelmente, irão colidir com o superior interesse desta criança.

54ª. Isto quando a defesa do superior interesse da criança é a melhor forma de garantir o seu desenvolvimento pleno (físico e psicológico) harmonioso, com afeto e segurança

55ª. Acresce que a decisão do regresso da menor a França também acarretará a separação da menor do convívio e cuidados de todos os seus familiares próximos, quer do lado materno quer paterno.

56ª. Isto quando em França a menor apenas terá a companhia do Pai.

57ª. Donde, ao abrigo do princípio do superior interesse da menor, não restam dúvidas que a separação da menor da Progenitora é mais prejudicial para a criança do que a permanência com a mesma progenitora que a deslocou ou reteve ilicitamente.

58ª. O Tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação acerca do que significa e implica a separação da menor da Mãe.

59ª. As separações que a menor teve da Mãe foram temporárias e transitórias, e de forma alguma puseram em causa a relação de enorme afectividade, proximidade e referência que a menor AA tem com a progenitora.

60ª. A separação física operada pelo regresso a França só pode considerar-se uma violência, susceptível de afectar o equilíbrio psíquico dessa criança, constituindo uma situação intolerável.

61ª. “O que não se baseia numa mera suspeita ou numa convicção pessoal, mas antes nos conhecimentos da experiência do psiquismo humano que indicam que, só após essa idade de absoluta dependência, a criança poderá ter no seu pai uma figura primária de socialização, sem prejuízo da ligação à mãe – com independência de género no desempenho de tais funções”- Ac. STJ de 14.10.2021 proc. nº 6810/20.5T8ALM.L1.S1 Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO

62ª. Conforme consta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 13.01.2022, in 1528/20.1T8AVR-A.P1: “O limite do que “razoavelmente a criança deve suportar” conduz-nos ao princípio de que a criança não deve passar por situações de sofrimento, de dor e de perda.”

63ª. E, como consta do Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 13.01/2022, in proc 1528/20.1T8AVR: “(..) O grau de gravidade reporta-se ao risco, não ao dano que a criança possa vir a sofrer. O que é indispensável é que haja um risco real, efectivo, de verificação daqueles perigos, independentemente da dimensão destes, sendo certo que será situação intolerável toda aquela que razoavelmente não se possa esperar que a criança deva vivenciar (…)”

64ª. Face a todo o exposto, entende a Recorrente que resulta que não estamos perante uma deslocação ou a retenção de uma criança que possa ser considerada ilícita e, ainda que se pudesse considerar ilícita, sempre se terá que considerar que, em obediência ao princípio geral do superior interesse da menor, não estão, no caso, reunidos os pressupostos necessários que permitam o regresso da menor AA a França.

65ª. Aliás, estabelece o artigo 13.º, al. b) da Convenção de Haia de 1980 que pode constituir fundamento de uma decisão de retenção o facto de o regresso representar um risco grave para a saúde física ou psíquica da criança ou colocar a criança numa situação intolerável, o que se demonstrou nesta alegação.

66ª. Ao não se ter entendido de acordo com o referido nesta alegação e conclusões, violaram-se, designadamente, as disposições legais nelas citadas.

67ª. Pelo que deve, em consequência, ser proferida decisão que rejeite o regresso da menor AA para França, revogando-se, em conformidade, o Acórdão recorrido e substituindo-se o mesmo por Douto Acórdão que indefira totalmente o requerido pelo Requerente.”

2) O requerente apresentou resposta às alegações da requerida, remetendo para as anteriormente apresentadas e pugnando pela manutenção da decisão impugnada.


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3 – Admitido o recurso de revista e colhidos que foram os Vistos dos Senhores Juízes Conselheiros que intervêm como adjuntos no seu julgamento, cumpre apreciar e decidir, ao que nada obsta.

Atendendo às conclusões das alegações do recurso de revista as questões a decidir são as seguintes:

Em primeiro lugar a da competência internacional dos tribunais portugueses para ordenar a providência requerida – Conclusões 1ª a 9ª;

Em segundo lugar a da ilicitude da deslocação da criança AA para Portugal sem autorização do requerente – Conclusões 10ª a 31ª;

Por último a existência de fundamento à recusa do regresso da criança nos termos previstos no artigo 13.º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças – Conclusões 32.ª a 67ª.


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FUNDAMENTAÇÃO

I – OS FACTOS

A) Na sentença impugnada foram considerados provados os seguintes factos:

“1. AA nasceu a .../.../2019, em ..., ..., França, encontrando-se registada como filha de BB e CC.

2. O nascimento da criança foi registado, em 11-06-2019, no ... em ..., França.

3. Em 26-06-2019 foi requerido junto da Conservatória de Registo Civil ... a emissão do Cartão de Cidadão da criança, tendo sido indicada a morada “... ... ...; Distrito: ...; Concelho: ...; Freguesia: ...” e como nacionalidade “Portuguesa”.

4. Requerente e Requerida mantiveram um relacionamento amoroso, o qual se iniciou em fevereiro de 2013 e terminou, pelo menos, antes de junho de 2021.

5. O Requerente, em datas não concretamente apuradas, sofreu dois acidentes vasculares cerebrais (AVC), um deles enquanto a Requerida estava grávida da criança, beneficiando de uma pensão mensal no valor de € 700,00 e encontrando-se impossibilitado de desempenhar funções profissionais que impliquem intenso esforço físico.

6. No decurso do relacionamento, Requerente e Requerida abordaram a possibilidade de voltarem a residir em Portugal.

7. Após o términus do relacionamento, o Requerente passou a residir num anexo à residência na qual habitavam a Requerida, a criança AA, DD – 18 anos de idade – e EE – 11 anos de idade –, filhos da Requerida de um anterior relacionamento, tendo a requerida permanecido a residir com os seus filhos até à data em que regressou a Portugal.

8. A partir de maio de 2021, o Requerente deixou de residir no anexo. 

9. A criança AA, desde o seu nascimento e até ao final de abril de 2021, data em que terminou a licença de maternidade concedida à Requerida, esteve aos cuidados da mesma.

10. A Requerida, após o referido em 8., ficou com a responsabilidade de assegurar a rotina e bem-estar dos seus filhos, não beneficiando de qualquer suporte familiar em França para a auxiliar, uma vez que os seus pais, a irmã, o cunhado e sobrinhos residem em Portugal.

11. Durante o período em que viveu em ..., a Requerida trabalhava na cantina de uma escola, onde auferia um rendimento mensal de € 1.200,00, sendo que prestava funções de segunda a sexta-feira no horário compreendido entre as 6:00 e as 14:00 e, duas tardes por semana, tinha que trabalhar também entre as 18:00 e as 20:30.

12. A AA frequentava a creche em França, sendo que a admissão das crianças se iniciava pelas 8:00, razão pela qual a Requerida teve, por força do seu horário de trabalho referido em 11., de solicitar a pessoas amigas que ficassem com as suas filhas no período compreendido entre a 5:15 e a hora de abertura da creche da criança AA e da escola da menor EE, sendo que, por várias das vezes, teve que pagar a pessoas para que assumissem a mencionada tarefa.

13. A mãe e a irmã da Requerida, por várias vezes, de modo a auxiliar aquela, enviaram para França dinheiro, roupa e calçado para as crianças.

14. O Requerente, apesar de à data já se encontrarem separados, em 05-06-2021, prontificou-se a deslocar-se a Portugal para trazer a AA e a sua irmã EE, a fim de ambas passarem um período com as famílias materna e paterna.

15. A Requerida, enquanto residiu em França, falava e fazia videochamadas diárias para a sua mãe e irmã e deslocava-se, pelo menos uma vez no ano, a Portugal para passarem férias com a família portuguesa, tendo a criança AA desenvolvido uma relação de proximidade e afinidade com a família materna.

16. A AA e a irmã EE mantiveram-se em Portugal, aos cuidados da avó e tia maternas, até ao final de agosto de 2021, tendo posteriormente regressado a França.

17. A partir de outubro de 2021, o progenitor passou a residir com a nova companheira. 

18. Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de outubro de 2021, após o acordo verbal entre Requerente e Requerida, a AA passou a residir alternadamente – por períodos de uma semana – com cada progenitor.

19. O progenitor, em data não concretamente apurada, iniciou, junto das autoridades francesas, um processo de mediação familiar, com o escopo de regular as responsabilidades parentais da criança, tendo a progenitora faltado à sessão para a qual foi convocada.

20. Em 22-01-2022, a Requerida, acompanhada da AA e da sua irmã EE, deslocou-se para Portugal.

21. O Requerido não autorizou a deslocação da Requerida com a AA para Portugal.

22. A creche, em data não apurada, alertou o progenitor de que a criança faltou na semana em que esta se encontrava a residir com a progenitora.

23. Em 30-01-2022, o Requerente apresentou queixa perante as autoridades policiais franceses relativamente à deslocação da AA pela Requerida para Portugal.

24. Em 04-02-2022, o Ministério Público intentou uma ação relativa à regulação das responsabilidades parentais de AA contra CC – ora Requerida – e BB – ora Requerente –, a qual corre termos no Juízo de Competência Genérica ... sob o n.º de processo 20/22.4T8VVC.

25. No âmbito do processo referido em 24., a Requerida transmitiu ao Tribunal os contactos do Requerente.

26. A presente ação foi intentada no dia 09-03-2022.

27. Em 28-03-2022, a Requerida solicitou a alteração de morada de AA à Conservatória do Registo Civil, tendo indicado a seguinte morada: “..., ..., ... ...”.

28. Atualmente, a Requerida reside com as suas duas filhas em ..., na Rua ..., ... ....

29. Encontra-se a correr contra o Requerente, relativamente a uma outra filha menor de idade, fruto de anterior relacionamento e reside em ..., uma ação de incumprimento das responsabilidades parentais relativa ao não pagamento da pensão de alimentos, a qual corre os seus termos nos Tribunais de ....  

30. A família paterna da criança reside em Portugal, no ....

31. O Requerente, apesar de residir em França há vários anos, sempre teve o hábito de se deslocar a Portugal para visitar a família paterna.

32. A AA tem uma relação de assinalável proximidade com a sua irmã EE.

33. A criança fala português e francês, apresentando, atualmente, mais facilidade em expressar-se oralmente em português.

34. A AA começou a frequentar a creche em 01-04-2022 no ....

35. A criança EE, após ter regressado para Portugal, passou a frequentar a Escola Básica ..., em ....

36. As crianças AA e EE estão inscritas no Centro de Saúde ....

37. A Requerida está a trabalhar na residência sénior “...”, em ..., auferindo mensalmente a quantia de € 723,13, acrescida de subsídio de refeição.

38. Em Portugal, a Requerida, sempre que está a trabalhar, tem o apoio da sua mãe, da sua irmã, cunhado e sobrinhos, os quais asseguram os cuidados das crianças.

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B) Na sentença de primeira instância foram considerados não provados os seguintes factos:

a) O Requerente, quando se separou na Requerida, não podia trabalhar legalmente em França.

b) Por remissão para o facto provado n.º 5, o recebimento da pensão mencionada no identificado facto pressuponha a impossibilidade de o Requerente trabalhar.

c) A Requerida, por várias vezes, teve que fazer graves restrições – designadamente, deixar de comer para conseguir dar refeições às suas filhas e pagar as suas despesas.

d) O Requerente tem vários processos executivos em curso em Portugal.

e) Durante o período que a AA passava na companhia do Requerente, este contactava a Requerida para lhe entregar a criança porque esta se encontrava doente ou porque verbalizava querer estar com a Requerida e a irmã EE.

f) Por referência ao facto provado n.º 29, que o Requerente não tenha comparecido no Tribunal ... e que o mesmo tenha uma dívida resultante do não pagamento de pensão de alimentos, a qual ascende a, aproximadamente, € 20.000,00.  

g) Desde o seu nascimento, a AA sempre esteve aos cuidados e à guarda da sua Mãe.

h) Após a separação do casal, a Requerida sempre manifestou ao Requerente a sua intenção de regressar a Portugal e trazer consigo as suas duas filhas.

i) Em momento prévio à separação, o Requerente e a Requerida efetuaram diligências no sentido de providenciar por uma habitação no ... para que ambos pudessem regressar a Portugal e aí viverem.

j) Por referência ao facto provado n.º 19, que a falta da progenitora à sessão de mediação tenha sido motivada pelo envio de uma mensagem para o seu telemóvel da qual constava que a mediadora havia sido infetada com SARS CovII.

k) Por referência ao facto provado n.º 14, que a conduta do Requerente mencionada no identificado facto provado tenha sido motivada por saber das dificuldades económicas e logísticas da Requerida e da sua pretensão de voltar a residir em Portugal.

l) A Requerida, com a indicação da morada de ... no âmbito do processo identificado no facto provado n.º 24, pretendia que o Tribunal não lograsse notificar o progenitor.

m) A Requerida, porque suscitada a questão da incompetência territorial e internacional do Juízo de Competência Genérica ... no decurso da conferência de pais realizada no âmbito do processo mencionado no facto provado n.º 24, alterou a morada da criança para ..., concelho ..., onde na presente data se mantém.

n) A ligação da criança com Portugal e com os seus familiares cá residentes resume-se aos momentos em que veio de férias com os progenitores.

o) Ambos os progenitores têm residência fixa em França.

p) Por remissão para o facto provado n.º 18 e sem prejuízo do mesmo, a AA se tenha encontrado ao cuidado dos progenitores em residência alternada semanal desde abril de 2021.

q) O progenitor soube que a progenitora deslocara a criança para Portugal após ter sido alertado pela creche.

r) Por referência ao facto provado n.º 18 e sem prejuízo do mesmo, que a residência da criança com os progenitores não era alternada e regular.  

s) O Requerente, ao longo dos anos, escusava-se a comparticipar no pagamento das despesas e, desde a data da separação, nunca mais comparticipou com qualquer valor para as despesas da AA.

t) A Requerida, em França, não se podia socorrer de apoio dos familiares do Requerente porquanto os dois irmãos daquele que residem no mencionado país vivem a vários quilómetros de distância.

u) Por referência ao facto provado n.º 12, a AA só ingressou na creche em março de 2021.

v) A Requerida, após regressar a Portugal, comunicou ao Requerente onde se encontrava, tendo estabelecido com aquele contactos telefónicos e videochamadas e dando-lhe conhecimento da AA.”


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II – O DIREITO

1) Importa agora apreciar as questões colocadas nas alegações do recurso de revista apresentadas pela requerida e já atrás enunciadas, sendo certo que sobre as duas primeiras foram já emitidas duas decisões no mesmo sentido.


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2) A competência internacional dos Tribunais Portugueses

a) Quanto à questão da competência internacional dos Tribunais Portugueses para decretar a medida requerida pelo progenitor da criança AA – o imediato regresso da criança a França – deve dizer-se que, apesar da insistência na argumentação já por duas vezes usada pela recorrente, não lhe assiste razão quando defende que a medida deveria ter sido requerida perante os tribunais franceses.

Como ressaltado pelas instâncias o artigo 12.º da Convenção ao abrigo da qual a medida foi requerida, prevê no seu primeiro parágrafo que o processo em que se pede seja decretado o imediato regresso da criança ao Estado de onde foi deslocada possa correr perante a autoridade judicial onde a criança se encontrar ilicitamente retida ou para onde tiver sido ilicitamente deslocada.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de agilizar procedimentos em ordem a restaurar uma situação de facto violadora do superior interesse da criança como é a sua deslocação não autorizada, ou não consensual entre os respectivos progenitores, do local em que mantinha a sua residência habitual.

b) As autoridades judiciais ou administrativas do Estado contratante da Convenção onde a criança se encontre são aquelas que, no cotejo com a jurisdição do Estado de onde a criança foi deslocada, se encontram em melhores condições para avaliar as circunstâncias em que assenta a ilicitude do acto e a situação em que a criança se encontra, podendo assim decidir fundadamente, e executar com prontidão, o imediato regresso da criança ao país de origem, se tal medida se justificar.

O que, num procedimento que deve ser pautado pela máxima rapidez e efectividade, constitui fundamento bastante para que não sejam admissíveis obstáculos à actuação das autoridades judiciárias e/ou administrativas do Estado onde o procedimento for instaurado e para que a competência seja atribuída pela Convenção ao local onde a criança se encontra, critério que, de resto, constitui orientação legal decisivamente relevante no âmbito da jurisdição nacional em matéria de tutela das crianças.

c) Por outro lado, e como se escreve no acórdão recorrido, não está aqui em causa a aplicação do artigo 10.º do Regulamento CE 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003, “uma vez que este Regulamento versa sobre matéria matrimonial e de responsabilidade parental, ao invés da Convenção que tem como um dos seus objetivos assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente”.  

Nestes autos, como ali se disse, o que está em causa “é aferir se ocorreu uma deslocação ilícita da criança AA e não a regulação das responsabilidades parentais, pelo que não há a menor dúvida que os tribunais portugueses são os competentes para apreciar e decidir se a referida criança deve ou não regressar imediatamente a França.”

d) Termos em que, pela terceira vez no âmbito destes autos, se conclui serem os Tribunais Portugueses internacionalmente competentes para apreciar o pedido feito de imediato regresso da criança AA ao Estado onde tinha a sua residência, tal como requerido pelo seu progenitor.


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3) A ilicitude da deslocação da criança AA para Portugal

a) Também esta segunda questão foi decidida uniformemente em primeira e segunda instância, no sentido de ser ilícita a deslocação da criança AA para Portugal sem a autorização do requerente, à luz do artigo 3.º da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de outubro de 1980.

b) O preceito em causa faz depender a ilicitude da deslocação da criança de um Estado Contratante para outro de três circunstâncias:

- Residir habitualmente a criança num Estado Contratante;

- Ter sido a criança deslocada para outro Estado Contratante em violação do direito de guarda / custódia atribuído pela legislação do Estado de residência habitual da criança, seja esse direito resultado de atribuição de pleno direito, de decisão judicial ou de acordo vigente segundo a lei desse Estado;

- Estar esse direito de guarda / custódia a ser exercido de modo efectivo, individualmente ou não, no momento da deslocação.

Importa frisar que, nos termos do artigo 5.º alínea a) da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de outubro de 1980, o direito de custódia compreende, além do mais, e especialmente, o direito de decidir sobre o lugar de residência da criança.

c) Analisando objectivamente os factos provados descritos na sentença proferida em primeira instância, não pode deixar de se concordar sem reservas – tal como o fez o acórdão recorrido – com as conclusões deles extraídas e com o teor da decisão tomada a este respeito em primeira e em segunda instância, que de seguida se transcrevem para melhor esclarecimento.

Aqui chegados, pode concluir-se, de acordo com a matéria de facto provada, que a criança foi deslocada pela progenitora, em janeiro de 2022, de França para Portugal, bem assim como, desde outubro de 2021 e até aquela data, na sequência do verbalmente acordado entre os progenitores, a criança encontrava-se a residir, alternada e semanalmente, com cada um dos progenitores, o que configura o exercício efetivo do direito de guarda.

Neste sentido, impõe-se concluir que o direito de guarda apenas cessou por via da deslocação da criança operada pela progenitora, a qual não foi precedida de autorização do progenitor.

Como tal, a situação sub judice configura uma deslocação ilícita da criança para Portugal.

Ora, de acordo com a lei francesa, ambos os progenitores exerciam, em conjunto, as responsabilidades parentais da criança, cabendo a ambos a decisão sobre o local onde a criança deverá fixar a sua residência.

 

d) Assim sendo, e concluindo a apreciação desta segunda questão, bem andou o acórdão recorrido ao considerar que estamos em presença de uma deslocação ilícita de França para Portugal da criança AA levada a cabo pela ora recorrente, sua progenitora, sem autorização do requente, co-titular do direito de custódia da criança que à data exercia de modo efectivo, ainda que partilhado com a ora recorrente.


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4) Da recusa em determinar o regresso da criança AA a França

a) Nas suas alegações de recurso (conclusões 32.ª e seguintes) a ora recorrente pugna pela existência de fundamento bastante para que, não obstante a ilicitude da deslocação da criança AA de França para Portugal sem o consentimento do respectivo progenitor e co-titular do direito de custódia, seja recusado o imediato regresso da menor aquele país.

Invoca para tanto o estatuído no artigo 13.º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças cujo teor, na parte que releva, é o seguinte:

“Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:

(…)

b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.”

b) Como pode ler-se na página oficial na Internet da Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado ( www.hcch.net ) um dos objectivos da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de outubro de 1980 é o de tutelar o superior interesse da criança, como aliás decorre desde logo da primeira consideração introdutória, segundo a qual os Estados signatários estão firmemente “convictos de que os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua custódia”.

O imediato regresso da criança ao seu ambiente natural de vida, tal como previsto na Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, é uma medida baseada na presunção de que, salvo circunstâncias excepcionais “a deslocação ou retenção ilícitas de uma criança através de fronteiras internacionais não é do interesse superior da criança e que o regresso da criança ao Estado da residência habitual promoverá os seus interesses, por reivindicar o direito da criança a ter contacto com ambos os pais, apoiando a continuidade na vida da criança”.

c) Tais considerandos encontram, de resto, tradução na previsão do artigo 20.º da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças e estão em perfeita consonância com instrumentos internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, cujo artigo 3.º n.º 1 estipula que “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”

De onde resulta, em nosso entender, que a decisão sobre a existência de fundamento de recusa de determinação do regresso da criança ao Estado de onde foi retirada (as excepções a que alude o artigo 13.º da Convenção), sem deixar de atender, em abstracto, aos fins visados pela Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças [1], não pode também deixar de avaliar se, no caso concreto, o imediato regresso ao país onde a criança tinha residência se enquadra no âmbito da efectiva tutela do seus superior e relevante interesse.

d) O Professor Luís de Lima Pinheiro na sua comunicação “Deslocação e Retenção Internacional Ilícita de Crianças” proferida na Conferência “Direito da Família e Direito dos Menores: que direitos no século XXI?”, que teve lugar na Universidade Lusíada, em outu­bro de 2014 [2], esclarece a propósito o seguinte:

“O principal fundamento de oposição à decisão de regresso é o risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a danos de ordem física ou psicológica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável. Este preceito deve ser interpretado à luz da primazia atribuída ao superior interesse da criança nas deci­sões que lhe dizem respeito pelo artigo 3.° da Convenção sobre os Direitos da Criança.

A esta luz, o regresso deve, em princípio, ser ordenado se o titular do direito de custódia violado for apto a acolher a criança e estiver seriamente interessado no exercício da custódia. Isto, mesmo que tal implique uma separação relativamente ao outro progenitor, que causará normalmente alguma perturbação à criança. Mas o regresso já deve ser recusado caso essa separação seja claramente mais prejudicial à criança que a permanência com o progenitor que a deslocou ou reteve ilicitamente.

É bom de ver que os tribunais do Estado requerido devem evi­tar a tentação de privilegiar os seus nacionais que deslocam ou retêm ilicitamente os filhos por meio de uma interpretação lata, e muito menos extensiva, dos fundamentos de oposição ao regresso da criança. Mas, contrariamente ao entendimento adotado pelo relatório explicativo e pelos tribunais de alguns Estados Contratan­tes, nem todos os fundamentos de oposição ao regresso da criança devem ser interpretados restritivamente.

Neste ponto, parece que se impõe uma interpretação conforme à Convenção sobre os Direitos da Criança, segundo a qual o critério decisivo deve ser sempre o superior interesse da criança em causa.

Podemos encontrar alguns critérios para a determinação do superior interesse da criança nestes casos na jurisprudência do Tribu­nal Europeu relativa ao direito ao respeito da vida familiar consa­grado pelo artigo 8.º da Convenção Europeia, em parte relativa a deci­sões de regresso proferidas com base na Convenção da Haia de 1980.

Segundo esta jurisprudência, a criança tem dois interesses principais: manter os seus laços com a sua família, a menos que se prove que esses laços são indesejáveis, e ver assegurado o seu desenvolvimento num ambiente sadio. Os interesses da criança, numa perspetiva de desenvolvimento pessoal, dependem de uma multiplicidade de circunstâncias individuais, em especial a sua idade e grau de maturidade, a presença ou ausência dos seus pais, o ambiente em que vive e as suas experiências pessoais.”

e) A especial ponderação do superior interesse da criança tem sido também objecto de particular relevo em decisões dos Tribunais superiores como é o caso dos que, a título de exemplo, se indicam por ordem cronológica, os mais recentes, todos consultáveis em www.dgsi.pt:

-  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de setembro de 2021 na revista 6810/20.5T8ALM.L1.S1 (relator Juiz Conselheiro Vieira e Cunha), que recusou o regresso decidido pelas instâncias [3] de uma criança de 11 meses, deslocada ilicitamente pela mãe, a Espanha, ao abrigo da alínea b) do artigo 13.º da Convenção de Haia de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2022 na revista 687/16.2T8TMR-H.E1.S1 (relatora Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé), em cujo sumário se salienta que o superior interesse da criança se encontra entre os valores estruturantes da Convenção de Haia de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças;

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto na apelação 1528/20.1T8AVR-A.P1 (relatora Juíza Desembargadora Isoleta Almeida Costa) onde se salienta que a avaliação sobre a recusa do regresso ao Estado de onde a criança foi deslocada deve ser feita em concreto perante todas as circunstancias relativas à sua situação, nomeadamente a integração no ambiente familiar e com prevalência do seu superior interesse.

f) No caso presente a declaração de voto da Sr.ª Juíza Desembargadora adjunta Dr.ª Maria João Sousa e Faro salienta os seguintes aspectos extraídos dos factos provados:

- A criança AA completou apenas três anos no passado dia 19 de maio;

- Do requerente seu progenitor a quem a criança irá ser entregue apenas se sabe:

o Que sofreu dois acidentes vasculares cerebrais, que se encontra impossibilitado de exercer funções que impliquem intenso esforço físico;

o Que vive desde Outubro de 2021 com um nova companheira;

o Que, relativamente a uma outra sua filha menor corre contra si acção de incumprimento de responsabilidades parentais pelo não pagamento de pensões.

- O regresso da progenitora da criança a Portugal era, aparentemente, inevitável tendo em conta as suas difíceis condições de vida e de trabalho em França;

 - A criança AA evidencia uma intensa ligação afectiva à mãe e à sua família materna que será inexoravelmente quebrada com o afastamento e com o seu regresso a França;

- A criança AA desenvolveu uma relação de proximidade e afinidade com a família materna, tendo uma relação de assinalável proximidade com a sua irmã EE de 11 anos de idade;

- A criança AA apenas residiu com o pai (sem a mãe), em semanas alternadas, durante três meses, entre Outubro de 2021 e janeiro de 2022);

- A criança AA esteve sempre, desde o seu nascimento e até ao final de abril de 2021 (então com quase dois anos), aos cuidados da mãe;

- A criança AA fala português e francês, apresentando, atualmente, mais facilidade em expressar-se oralmente em português e começou a frequentar a creche em abril de 2022, no ...;

- Em Portugal, sempre que a mãe está a trabalhar os seus cuidados, assim como os de sua irmã, são assegurados pelos seus tios e primos.

Para concluir que, no caso, “tudo aconselharia e o interesse da criança AA exigiria que tal entrega fosse recusada à luz do disposto na alínea b) do artigo 13º da Convenção da Haia de 1980.”

g) Conforme resulta da norma atrás transcrita os tribunais do Estado para onde foi ilicitamente deslocada a criança pode recusar o seu imediato regresso desde que se comprove que existe um risco grave de a criança ficar sujeita, no seu regresso, a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer forma, numa situação intolerável.

No caso presente o que está em causa são as consequências – inevitavelmente perniciosas e irreversíveis – para o desenvolvimento da personalidade da criança AA resultantes da sua separação forçada por um período indeterminado da sua progenitora e da família materna mais próxima com quem, em toda a sua ainda curta existência tem vivido.

A criança AA viveu os dois primeiros anos da sua vida sempre ao cuidado da mãe com quem, como é natural criou laços de afectividade e de referência social e familiar que são absolutamente essenciais ao desenvolvimento da sua personalidade e à percepção da sua pessoa como parte integrante de uma família de que também fizeram parte o seu progenitor e os irmãos uterinos, em especial, a irmã EE.

A estabilidade da estrutura familiar de que a criança AA fazia parte alterou-se profundamente com a separação dos seus progenitores, ocorrida quando ela tinha cerca de dois anos de idade, sendo naturalmente menor desde então a presença do pai no dia a dia da criança, ainda que, em semanas alternadas entre outubro de 2021 e janeiro de 2022, ele tenha continuado a prestar-lhe assistência e a assegurar a prestação dos cuidados necessários.

Já o relacionamento que a criança AA manteve desde o seu nascimento com a sua progenitora e sua família mais próxima se tem revelado mais permanente e dele têm resultado o estabelecimento de laços de proximidade e afectividade extremamente positivos para o desenvolvimento da personalidade da criança que, recorde-se, completou em maio passado apenas três anos de vida.

h) Na sentença de primeira instância ficou anotada a relevância – a densidade – da argumentação aduzida pela ora recorrente no que toca aos efeitos da separação da criança AA relativamente à sua figura de referência.

No entanto, o seu peso relativo no contexto da ponderação da decisão foi afastado pelo facto de as excepções no âmbito da Convenção de Haia de 1980 deverem “ser interpretadas em sentido restritivo de modo a salvaguardar os fins da Convenção, bem assim como a não permitir que, na presente ação, se discuta a matéria que constitui o objeto da ação de regulação das responsabilidades parentais ou premiar o progenitor infrator”, dando enfase ao ensinamento de Rui Moura Ramos segundo o qual no procedimento de regresso da criança se visar “apenas sancionar o carácter ilícito da deslocação (ou da retenção) da criança, evitando que a passagem do tempo venha consolidar as situações constituídas em violação dos direitos dos progenitores …”.[4]

i) Tal entendimento foi subscrito por maioria no Acórdão recorrido.

Na medida em que ele representa a negação ou pelo menos a desconsideração da relevância do superior interesse da criança na interpretação da Convenção de Haia de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças e na aplicação das normas nela contidas, não pode nesta sede ser acolhido.

j) Impor o regresso de uma criança de três anos a França e entregá-la aos exclusivos cuidados do pai num quadro em que se afigura – inequivocamente face aos factos apurados – que ela mantêm com a mãe e com uma irmã, com ela residentes em Portugal, um relacionamento de proximidade e afectividade mais intenso e propício a um mais salutar desenvolvimento da sua personalidade, seria uma medida claramente mais prejudicial à criança do que a sua permanência em Portugal com a progenitora responsável pela sua deslocação desde o Estado em que ela nasceu e mantinha residência.

Acompanhando a declaração de voto exarada no acórdão recorrido, não pode deixar de se considerar que a determinação do regresso da criança AA a França e a sua entrega ao pai criaria para ela um grave risco de vivência de uma situação – para ela certamente difícil de compreender – de injustificada privação por período indefinido e sem alternância, de contacto de proximidade e acompanhamento permanente pela sua progenitora de que sempre tem beneficiado na sua curta existência.

Sujeitar a criança a uma tal privação de contactos directos com a mãe – único progenitor com quem, à luz dos factos apurados, a criança mantém um bom relacionamento efectivo, sendo desconhecidas as características do seu relacionamento com o pai – é objectivamente gerar um grave risco de potenciar uma situação substancialmente intolerável e violadora do seu superior interesse nesta fase inicial da sua vida.

Tanto basta para que, contrariamente ao decidido pelas instâncias, se tenha por justificado, ao abrigo do artigo 13.º alínea b) da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, a recusa do requerido imediato regresso a França da criança AA.

k) O acórdão recorrido deve, em conformidade, ser revogado na parte em que ordena o imediato regresso da criança a França.

As custas da revista são da responsabilidade do requerente do procedimento e da requerida na proporção de 1/3 para o primeiro e de 2/3 ara a segunda, por ser essa a proporção do respectivo decaimento.

  


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DECISÃO

Termos em que decidem:

- Julgar parcialmente procedente a revista;

- Revogar o acórdão recorrido na parte em que ordenou o regresso da criança AA a França;

- Recusar ordenar tal regresso ao abrigo do disposto no artigo 13.º alínea b) da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças;

- Confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento das restantes questões que dele foram objecto.

- Condenar o recorrido e a recorrente nas custas da revista na proporção de 1/3 (um terço) e de 2/3 (dois terços), respectivamente.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 13 de setembro de 2022

Manuel José Aguiar Pereira (relator)

Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor

António Pedro de Lima Gonçalves

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[1] E de ter presente que não está em causa a definição de um qualquer regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos em que a deslocação ilícita transfronteiriça da criança seja leva a cabo por um dos progenitores.
[2] Cujo texto está acessível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2014/ano-74-vol-iiiiv-jul-dez-2014/doutrina/
[3] Com uma declaração de voto discordante em segunda instância.
[4] RUI MOURA RAMOS, “O rapto de crianças no plano internacional: alguns aspectos”, Institvto Ivridico, Vulnerabilidade & Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2017, págs. 24 e 25