Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | FURTO QUALIFICADO RECETAÇÃO FALSIFICAÇÃO PENA PARCELAR DUPLA CONFORME MATÉRIA DE FACTO IN DUBIO PRO REO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PENA ÚNICA MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 02/17/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO QUANTO À PENA ÚNICA E REJEITADO QUANTO AOS DEMAIS SEGMENTOS DO RECURSO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: |
§1. – RELATÓRIO. §1(a). - No Tribunal da Comarca ..., foi submetido a julgamento, o arguido, AA, vindo a ser condenado, pela comprovação da materialidade constante da acusação e pela prática dos seguintes crimes (sic): - “Cinco crimes de furto qualificado, p. e p, pelos 203.°, nº 1 e 204.°, nº 1 al. a h), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão por cada um; - Quinze crimes de receptação, p. e p. pelo art.° 231.°, nº 1 e 4, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um; - Quatro crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.° 256.°, nº 1 al. a) e 3, do Código Penal, na pena de 1 ano e 9 meses prisão por cada um; e - Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.° 86.°, nº 1 al. a d), da Lei nº 5/2006, de 23-2, na pena de 9 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, pena única de 13 anos e 9 meses de prisão.” Do julgado alçaram recurso para o Tribunal da Relação ...., que, por acórdão, datado de 4 de Fevereiro de 2020, decidiu (sic): “negar provimento ao recurso e manter, na íntegra, a decisão recorrida.” Mantendo a dissensão com o veredicto prolatado, pede revista deste Supremo tribunal de Justiça, para alteração/modificação, e/ou revogação do acórdão em sindicância, por (i) violação dos princípios da presunção da inocência (acolhido no n.º 2 do Artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, n.º 2 do Artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e n.º 1 do Artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e o Principio do In Dubio Pro Reo; (ii) a inconstitucionalidade do artigo 127º do Código de Processo Penal, “na dimensão normativa com que foi aplicada no Arresto Recorrido, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento”; (iii) e ainda por excessividade das penas parcelares e da pena única (“Treze anos e Nove meses de prisão, como Pena Única, revela um excessivo sancionamento da axiologia da sua conduta, razão pela qual peticiona outra mais benévola sem no entanto ter pretensão dos Vos indicar qual. Certo é que, do mesmo modo, reivindica, por questão de Justiça, uma reapreciação das Penas Parcelares de cada um dos Crimes pelos quais foi condenado por manifestamente excessivas em face de toda a Prova produzida em Julgamento.”) Para as pretensões que formula, produziu fundamentação que dessume nas conclusões que a seguir quedam extractadas. §1,(b). – QUADRO CONCLUSIVO. “1. O presente Recurso tem por Objecto a Matéria de Direito do Aresto Condenatório proferido nos presentes Autos e a Medida da Pena (Parcelares e Única) aplicada ao Recorrente. 2. Relativamente à Matéria de Direito impugna o Recorrente o teor do Acórdão Recorrido pela violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente às suas Condenações pelos Crimes de Furto Qualificado, Falsificação de Documento, Receptação e Detenção de Arma Proibida. 3. O Douto Acórdão Recorrido, através do Julgamento da matéria que lhe foi dada a apreciar, deu por provados factos que, ainda que não totalmente incompatíveis entre si, se apresentam manifestamente inconciliáveis quer com a Prova produzida em Audiência de Julgamento, quer com a que se encontra junta aos Autos. 4. Na verdade, o que globalmente se teve como Provado está em manifesta desconformidade com o que realmente se provou e não provou em Audiência de Julgamento, desde logo, porque as conclusões vertidas no Acórdão Recorrido são, em parte, claramente ilógicas e inaceitáveis. 5. A prova junta aos Autos e produzida em Audiência de Julgamento jamais permitirá fundar um juízo condenatório do Recorrente pela totalidade dos Crimes em que foi condenado. Bem ao contrário disso, o grosso da prova caminha em sentido diametralmente oposto, na direcção de que, o Recorrente, não praticou esses Ilícitos. Certo é que, lançando mão de um raciocínio lógico, constata-se que da Prova produzida em Julgamento e junta aos Autos, resulta claro que a fundamentação do Acórdão recorrido justifica, precisamente, uma decisão globalmente contrária àquela que foi proferida contra o Recorrente. 6. Acresce que o Tribunal da Relação..... deu por provados, elencando desse modo nos lá mencionados itens da factualidade provada, matéria sem qualquer fundamento ou suporte probatório que o ateste. 7. A verdade é que subsumindo essas factualidades nas dimensões protectoras dos Princípios da Presunção da Inocência e do In Dubio Pro Reo constata-se que o Tribunal da Relação .... violou, de forma crassa, estes Princípios. 8. Aliás da própria fundamentação do Acórdão Recorrido retira-se uma manifesta insuficiência da Prova para a Decisão a que o Tribunal da Relação .... logrou chegar quanto aos Ilícitos cuja prática vinha imputada ao Recorrente, o que faz com que esta não assente sequer nos factos provados, e seja antes, consequência de uma construção lógico-dedutiva totalmente desfasada da realidade e contrária à factualidade, verdadeiramente, apurada. Motivo pelo qual, em entendimento do Recorrente, o Tribunal da Relação .... decidiu tendo por base factos que para além de não provados, alguns deles nem sequer foram alegados, o que, por si só, prejudica o próprio silogismo judiciário. 9. A bem de ver, decorre de toda a Prova junta aos Autos e produzida em Julgamento junto do Tribunal de 1.ª Instância que o Recorrente não praticou os crimes em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto à globalidade dos factos pelos quais foi condenado em 1.ª Instância e quanto à culpa deste, o que fez com que, neste particular, o Tribunal da Relação ..... tivesse, também, violado o Principio da Presunção da Inocência, porque, da Prova produzida em Julgamento, decorre que a absolvição do Recorrente, quanto aos factos que ele coloca em crise, teria sido a única atitude justa e legitima a adoptar, violando em consequência o N.º 2 do Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. 10. Efectivamente, o Tribunal da Relação ..... condenou o Recorrente pela prática dos Crimes de Furto Qualificado, Falsificação de Documento, Receptação e Detenção de Arma Proibida por, entender, estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos de cada um destes Tipos criminais, contudo inexiste Prova suficiente, para além da dúvida razoável, de que o Recorrente praticou qualquer um destes Ilícitos pelas razões que aduziu. 11. Por conseguinte, a condenação do Recorrente pela prática destes Crimes viola, entre outros que V/Ex.ªs Doutamente suprirão, o Principio da Presunção da Inocência - acolhido no N.º 2 do Artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, N.º 2 do Artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e N.º 1 do Artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia - e o Principio do In Dubio Pro Reo. 12. Além do mais, decorre do Acórdão Recorrido que o Venerando Tribunal da Relação ......, na apreciação da Prova que lhe foi submetida julgar e apreciar, lançou mão do Principio da Livre Apreciação da Prova plasmado no Artigo 127.º do Código de Processo Penal. 13. Contudo, é inconstitucional a norma do Artigo 127.º do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada no Arresto Recorrido, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, violando, consequentemente, o Venerando Tribunal da Relação ...., com a Decisão que proferiu o Princípio da Normalidade na utilização da Prova Indirecta. 14. Na verdade, apenas é constitucionalmente conforme à Constituição da República Portuguesa, a dimensão normativa do Artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual as presunções devem ser graves, precisas e concordantes, permitindo que perante os factos conhecidos (ou um facto preciso), se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras de experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros, no valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção e na medida desse valor está o rigor da presunção. 15. Contudo, o Aresto Recorrido afirmando fixados, por presunção natural, factos que nem estão indiciados por quaisquer factos base, nem decorrem, por raciocínio lógico, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência, importa uma dimensão materialmente inconstitucional do Artigo 127.º do Código de Processo Penal, sobretudo, como nestes Autos quando interpretado no sentido de que a Livre Convicção do Julgador é suficiente para - sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência - adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes”. 16. Por conseguinte, é Inconstitucional a norma inserta no Artigo 127.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido pelo Venerando Tribunal da Relação .... por afronta directa ao que se encontra Constitucionalmente consagrado no Texto e Princípios da Constituição da República Portuguesa. 17. No que respeita à Medida da Pena, impõe-se afirmar, ainda que a prova produzida em julgamento, pelas razões expostas, não permita consubstanciar o juízo de condenação formulado pelo Tribunal da Relação ...., ainda assim, e por mera cautela de patrocínio, pronunciamo-nos pela aplicação de uma pena mais reduzida ao Recorrente. 18. Relativamente à Pena, parcelares e única, que lhe foi aplicada pelo Tribunal da Relação ......, entende o Recorrente que Treze anos e Nove meses de prisão, como Pena Única, revela um excessivo sancionamento da axiologia da sua conduta, razão pela qual peticiona outra mais benévola sem no entanto ter pretensão dos Vos indicar qual. Certo é que, do mesmo modo, reivindica, por questão de Justiça, uma reapreciação das Penas Parcelares de cada um dos Crimes pelos quais foi condenado por manifestamente excessivas em face de toda a Prova produzida em Julgamento e entranhada nos Autos. 19. A Pena infligida ao Recorrente (treze anos e nove meses de prisão) é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de Justiça que o caso de per si reclama, atentos quer a ausência de violência, quer o modo e incipiência em que os mesmos foram praticados. Sobretudo se se estabelecer uma comparação e analogia com outros Autos, similares e idênticos em que existem bens jurídicos como a vida e a integridade física afectados, em que as Penas aplicadas não raras vezes senão suspensas na sua execução, são manifestamente inferiores àquela que lhe foi aplicada. 20. Sabem V/Ex.ªs melhor do que o Recorrente que o Direito não é matemática nem ciência exacta, é certo, porém a Justiça impõe e a Sociedade reclama que casos idênticos, senão iguais, sejam censurados em sede de Culpa e Medida da Pena em quantuns senão iguais pelo menos aproximados. O que bem vistas as coisas não ocorreu no Acórdão Recorrido, para mais quando são conhecidos outros Autos em que as Penas, parcelares e únicas, aplicadas em iguais circunstâncias por valores superiores roubados em que os bens vida e integridade física são colocados em perigo foram inferiores às que foram aplicadas ao Recorrente pelo Tribunal da Relação de ....... 21. É pois este o ponto em que assenta a pretensão do Recorrente, a ter de ser condenado por esses Ilícitos, se será necessário para a tutela da Prevenção Geral, aplicar Penas Parcelares e Pena Única tão elevadas às suas condutas, quando em outros Autos de iguais circunstâncias - por maiores valores furtados, maior número de crimes e em que os bens vida e integridade física são afectados ou colocados em risco - foram e são aplicadas Penas, Parcelares e Única, inferiores àquela que lhe foi aplicada? 22. Deste modo acredita-se que, se tiver de ser condenado pela prática dos Ilícitos que coloca em crise no Acórdão Recorrido, outra Pena - Parcelares e Única - em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida, como V/Ex.ªs melhor Julgarão, a sua grande vencedora! 23. Razão pela qual o Recorrente - não sendo por V/Ex.ªs absolvido dos Crimes pelos quais foi condenado no Tribunal de 1.ª Instância e confirmado pelo Venerando Tribunal da Relação ...... - discorda da dosimetria das Penas Parcelares dos Crimes de Furto Qualificado, Falsificação de Documento, Receptação e Detenção de Arma Ilegal e da Pena Única que lhe foi aplicada, e pugna por outras mais adequadas aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente, uma Pena não muito afastada do limite mínimo de cada um desses Ilícitos e uma Pena Única perto dos Sete anos de Prisão. (…) deve o presente Recurso do Recorrente AA obter Provimento e, em consequência, ser Revista a Decisão de Direito que sobre a mesma recaiu, conhecendo-se todas as questões suscitadas, no mesmo, com as legais consequências daí advenientes. Ou, caso assim não se entenda, se considere por Alterada a Medida das Penas Parcelares e da Pena Única aplicadas ao Recorrente pelo Tribunal da Relação ......, atenuando-se o quantum das mesmas para valores mais comedidos, designadamente das Penas parcelares não muito afastadas dos limites mínimos de cada um dos Ilícitos e um Pena Única não muito afastada dos sete anos de prisão. Mas sempre, conhecendo-se e declarando-se a Inconstitucionalidade que suscita.” §1.(c). – RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. “1. O recorrente veio repisar tudo aquilo que já constava no recurso interposto do Acórdão de primeira instância, expurgado agora da impugnação da matéria de facto (que o Tribunal ora recorrido, e bem, não conheceu); 2. O Tribunal ora recorrido não tratou de qualquer impugnação da matéria de facto provada e no texto da decisão da 1ª instância, ou da conjugação deste com as regras da experiência comum, não encontrou qualquer vício, mormente, aqueles a que se reporta o art.° 410º do Código de Processo Penal (C.P.P.); 3. Toda a alegação do recorrente relativa à pretensa violação do princípio de inocência até trânsito em julgado da decisão final e do princípio in dubio pro reo deve ser contrariada, tendo o Tribunal recorrido apreciado com profundidade a alegada violação daqueles princípios (vide fls. 80 a 83), apreciação essa que acompanhamos, doutrinária e jurisprudencialmente, e se mostra válida para o presente recurso; 4. O Tribunal da Relação, enquanto Tribunal de Recurso, não procedeu a um novo julgamento da matéria de facto nem se debruçou, no contexto que lhe foi possível, sobre a prova produzida, pelo que não lançou mão do art° 127° do C.P.P., assentindo na correcta, e exaustiva, fundamentação utilizada pelo Tribunal de 1ª Instância, sufragado aquela fundamentação, nomeadamente, na parte em que valorou a prova produzida e o raciocínio lógico que presidiu à valoração daquela prova e à respectiva convicção; 5. Quanto à dosimetria das penas parcelares e pena única aplicada, o Tribunal recorrido fundamentou, devidamente, a decisão tomada, anuindo à dosimetria encontrada na 1a Instância explicando o porquê da sua concordância com aquela e não encontramos qualquer razão que invalide aquela apreciação, entendendo que a as penas parcelares e a pena única se mostram adequadas, proporcionais e necessárias tendo em vista a satisfação das necessidades de prevenção geral e especial e de ressocialização do recorrente Termos em que, negando-se provimento ao recurso, e mantendo-se o Acórdão recorrido (…)” §1.(d). – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. “1- O arguido e ora recorrente AA, entre outros, foi submetido a julgamento no Juízo Central Criminal ......, do Tribunal Judicial da Comarca ......, vindo a ser condenado, por acórdão proferido a 13/12/2018, pela prática de: - 5 crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. h), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, por cada um; - 15 crimes de receptação, p. e p. nos termos do art. 231º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por cada um;- 4 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. a) e nº 3, do Código Penal, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, por cada um; - e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.°, nº 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 9 meses de prisão. Em cúmulo jurídico destas penas foi o arguido condenado na pena única de 13 anos e 9 meses de prisão. O arguido não se conformou com aquela decisão condenatória e da mesma interpôs recurso para o Tribunal da Relação ....., insurgindo-se contra a decisão sobre a matéria de facto, à qual imputou erro de julgamento e violação dos princípios da livre apreciação da prova, previsto no art. 127, do CPP e in dubio pro reo e de presunção de inocência. Impugnou também a decisão relativa à determinação da medida das penas parcelares e única. Aquele Tribunal da Relação, porém, por acórdão de 4/02/2020, negou provimento ao recurso e manteve integralmente a decisão recorrida. Ainda inconformado, recorre agora para este Supremo Tribunal. 2- O recorrente reedita perante este Supremo Tribunal as questões e a argumentação que colocou perante o Tribunal da Relação ...., desde logo no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, insistindo que não foi produzida prova que permita concluir no sentido de que cometeu os crimes pelos quais foi condenado e que os factos dados como provados não preenchem os elementos objectivos e subjectivos daqueles crimes. Conclui que é manifesta a insuficiência da prova para a decisão de condenação, e que a esta decisão subjaz a violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo. Suscita também a inconstitucionalidade da decisão recorrida alegando que aquela decisão, tal como a da 1ª Instância, interpretou o art. 127º do CPP, no sentido de que “a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento”, violando o Tribunal da Relação “o princípio da normalidade na utilização da prova indirecta” e que essa interpretação é inconstitucional. Insurge-se, depois, contra o segmento da decisão relativo à determinação da medida das penas parcelares e única, considerando que as penas fixadas são desproporcionais e desadequadas perante as necessidades de justiça e pede a atenuação das penas parcelares para valores próximos do limite mínimo da moldura penal abstracta de cada um dos ilícitos e a fixação da pena única “não muito afastada dos 7 anos de prisão”. 3 - O Magistrado do Ministério Público no Tribunal recorrido respondeu à motivação do recurso, pronunciando-se no sentido da manutenção da decisão recorrida. 4 - O recorrente tem legitimidade e o recurso é tempestivo pelo que não se suscitam, a nosso ver, quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso do arguido. No entanto, o seu âmbito terá de ser reduzido face ao disposto no art. 400º, nº 1, al. f) e 432º, nº 1, al. b), ambos do CPP. E deve ser julgado em conferência, nos termos do disposto no art. 419º, n.º 3, do CPP. Do mérito 5 - Acompanhamos o entendimento e a argumentação constante da resposta ao recurso apresentada pelo Magistrado do Mº Pº no Tribunal da Relação ......, através da qual deixa evidente a falta de razão das pretensões do recorrente. Com efeito, o recorrente reedita perante este Supremo Tribunal questões que suscitou no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, que as analisou com rigor e explicitou e fundamentou as ilações que retirou. Assim, a decisão recorrida manteve na integra a matéria de facto assente na decisão da 1ª Instância e concluiu que aquela decisão não padece de qualquer vício dos previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, mas também que a mesma não viola os princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reo, ou da presunção de inocência e não contém qualquer ofensa ao disposto no art. 32 da CRP. Explicitando que o Tribunal de 1ª Instância não violou aqueles princípios e que fez uma apreciação critica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência e não se viu confrontado com qualquer situação, qualquer dúvida, que impusesse a aplicação do princípio in dubio pro reo. Da análise da decisão recorrida também não resulta que o Tribunal recorrido tenha violado os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo e, por força deste, o da presunção de inocência. A aplicação do princípio in dubio pro reo pressupõe um estado de dúvida, uma dúvida que tem de ser insanável, por inultrapassável e a sua violação só pode ser aferida quando da decisão impugnada resulte, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida (o "non liquet”), decidiu contra o arguido, o que não ocorre no caso. 6 - Acresce que a apreciação da violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, se reconduz a uma questão de facto, por isso subtraída aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, como decorre do disposto no art. 434º, do CPP, que estatui: “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”, sem prejuízo de se conhecer oficiosamente de qualquer um dos vícios da sentença, previstos no nº 2, do art. 410º, do CPP, caso se verifiquem. Ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso sobre matéria de direito conhece oficiosamente dos vícios da sentença que se verifiquem, mas o recurso que incida sobre tais vícios, porque se reconduz à impugnação da matéria de facto, extravasa os seus poderes de cognição. E, como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 16-05-2007 - In CJ (STJ), T2, pág.182-: “III. A violação do princípio in dubio pro reo, só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido. IV. Posto que, saber se o Tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, a mesma exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto Tribunal de revista e, do exame dos acórdãos impugnados decorre que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto.” 7 - E também não se verifica a interpretação contrária à Constituição do art. 127º do CPP, como preconiza o recorrente, desde logo porque a decisão recorrida não interpretou aquela norma no sentido que o recorrente considera, não tendo qualquer sustentabilidade a argumentação que desenvolve. Desta forma e tendo o recorrente suscitado todas essas questões perante o Tribunal da Relação, que, como se disse atrás, as analisou e ponderou com rigor, concluindo, não se verificarem quaisquer vícios da decisão nem a violação de qualquer princípio que enforma o processo penal, nomeadamente, não haver qualquer dúvida quanto aos factos impugnados, antes a certeza da sua verificação, essa decisão sobre a matéria de facto é definitiva. 8 - Por outro lado, a decisão recorrida também analisou com rigor a decisão da 1ª Instância relativa à determinação da medida das penas aplicadas a cada dos crimes e considerou que a mesma fez uma acertada ponderação de todos os factores a ter em conta, designadamente o grau de culpa manifestado, a ilicitude dos factos e as exigências de prevenção geral e especial e por isso manteve essa decisão integralmente. Uma vez que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos de prisão e se formou dupla conforme relativamente a todas elas, a sua análise está subtraída aos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, por força do disposto nos arts 400, nº 1, al. f) e 432, nº 1, al. b), ambos do CPP, podendo apenas conhecer deste segmento do recurso na parte relativa à medida da pena única. No entanto, tendo em conta a globalidade dos factos e a personalidade do agente, afigura-se-nos que a pena única fixada é adequada, proporcional à gravidade global dos factos e à perigosidade do agente e respeita os parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos arts 40, 71 e 77, do Código Penal, não havendo qualquer fundamento para que seja reduzida. Em conformidade com o exposto, emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido AA.” §1.(e). – QUESTÕES A DEBATER PARA APRECIAÇÃO DOS PEDIDOS. Para a cognoscibilidade da pretensão recursiva, alinham-se s sequentes questões: - Irrecorribilidade do acórdão em escrutínio no concernente à: (i). – violação dos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo; e (ii). – determinação/individualização das penas parcelares; e pronúncia quanto à, (iii). – Determinação da pena global (única). §1.(f). – Rejeição Parcial do recurso, por irrecorribilidade dos segmentos recursivos concernentes com a violação dos princípios da presunção da inocência e do in dúbio pro reo. O Supremo Tribunal de Justiça insere-se na orgânica do sistema judiciário como um tribunal de revista. – cfr. artigos 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto: “Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito.”; e artigo 434º do Código de Processo Penal: “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito”. Ainda que anuncie e conclame pelo recurso de matéria de direito – cfr. conclusões 1 e 2 – o recorrente infirma o expresso propósito nas conclusões sequentes, ao expressar a discordância do julgamento da matéria de facto a que o tribunal – de primeira (1ª) instância e, por adesão de fundamentos e razões, o tribunal recorrido – se alcandorou. Assento do afirmado demonstram-no as conclusões sequentes – de 3 a 16 – em que se assevera que o tribunal recorrido “eu por provados factos que, ainda que não totalmente incompatíveis entre si, se apresentam manifestamente inconciliáveis quer com a Prova produzida em Audiência de Julgamento, quer com a que se encontra junta aos Autos”; “o que globalmente se teve como Provado está em manifesta desconformidade com o que realmente se provou e não provou em Audiência de Julgamento, desde logo, porque as conclusões vertidas no Acórdão Recorrido são, em parte, claramente ilógicas e inaceitáveis”; “a prova junta aos Autos e produzida em Audiência de Julgamento jamais permitirá fundar um juízo condenatório do Recorrente pela totalidade dos Crimes em que foi condenado. Bem ao contrário disso, o grosso da prova caminha em sentido diametralmente oposto, na direcção de que, o Recorrente, não praticou esses Ilícitos. Certo é que, lançando mão de um raciocínio lógico, constata-se que da Prova produzida em Julgamento e junta aos Autos, resulta claro que a fundamentação do Acórdão recorrido justifica, precisamente, uma decisão globalmente contrária àquela que foi proferida contra o Recorrente”; o tribunal da Relação ...... violou os princípios da “presunção da Inocência e do In Dubio Pro Reo”; “retira-se [da fundamentação do acórdão] uma manifesta insuficiência da Prova para a Decisão a que o Tribunal da Relação ...... logrou chegar quanto aos Ilícitos cuja prática vinha imputada ao Recorrente, o que faz com que esta não assente sequer nos factos provados, e seja antes, consequência de uma construção lógico-dedutiva totalmente desfasada da realidade e contrária à factualidade, verdadeiramente, apurada. Motivo pelo qual, em entendimento do Recorrente, o Tribunal da Relação ...... decidiu tendo por base factos que para além de não provados, alguns deles nem sequer foram alegados, o que, por si só, prejudica o próprio silogismo judiciário”; “ decorre de toda a Prova junta aos Autos e produzida em Julgamento junto do Tribunal de 1.ª Instância que o Recorrente não praticou os crimes em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto à globalidade dos factos pelos quais foi condenado em 1.ª Instância e quanto à culpa deste, o que fez com que, neste particular, o Tribunal da Relação ...... tivesse, também, violado o Principio da Presunção da Inocência, porque, da Prova produzida em Julgamento, decorre que a absolvição do Recorrente, quanto aos factos que ele coloca em crise, teria sido a única atitude justa e legitima a adoptar, violando em consequência o N.º 2 do Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa”, para nas conclusões sequentes -10 a 16 – perorar quanto ao melhor sentido e interpretação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo. Manifesta, ao longo das preditas conclusões, uma intenção/pretensão de nova reapreciação da decisão de facto, sob o manto de uma pretensa violação de princípios rectores e orientadores da actividade probatória assumida e desenvolvida pelos tribunais competentes para o julgamento de facto. A (alegada) violação de princípios concernentes com a actividade probatória – maxime do princípio in dubio pro reo – não colhe especificação, tendo-se o recorrente limitado a proclamar proposições e enunciados generalizadores e abstractos de como se deve entender o melhor sentido e alcance do princípio. Não se adentra o recorrente em indicar em que concreta situação o tribunal recorrido deveria, na actividade probatória desenvolvida e apurada, ter introduzido elementos de dúvida (probatória) que exigissem a intervenção do princípio. E, por colmo, ficou por explicitar em que ponto da motivação da decisão de facto o tribunal suscitou, por hesitação ou aposição aporética, que determinado facto poderia ter obtido um julgamento diverso daquele que obteve. A questão da sindicância da decisão de facto obteve, de forma diserta e munificente, adequado tratamento no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, de que, pela clareza e lúcida exposição, nos permitimos respigar o troço sequente (sic): “Porém, o Supremo Tribunal de Justiça, quanto a impugnação de matéria de facto, apenas exerce um controlo de legalidade – não de valoração - das provas, sindicando se houve lugar a provas proibidas ou preterição do direito de defesa, por omissão de provas permitidas, apresentadas e não produzidas, que acarretariam nulidade da decisão da Relação que conheceu de recurso em matéria de facto. O vício constante da alínea c) do nº 2 do artº 410º do CPP, erro notório na apreciação da prova, tem de resultar, necessariamente, quando exista, exclusivamente “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.”, concretizando-se em situações contrárias à lógica ou às regras da experiência comum, constitutivas de erro patente ou evidente, detectável por qualquer leitor, que, ao ler a decisão, entenda o texto da mesma, compreenda o que ela diz. As questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se assim, em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410º, CPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito - artº 434º do CPP., já supra citado. Também a violação do princípio in dubio pro reo, diz respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Por outro lado, a violação do principio «in dubio pro reo», na vertente que consubstancia matéria de direito, significa que: “Em caso de dúvida sobre o significado das normas, deve, com efeito, o intérprete socorrer-se de todos os elementos que permitam a averiguação da verdadeira vontade do legislador. Mal se compreende, depois disso, que se continue em face de duas interpretações contrárias de valor igual» - Eduardo Correia, Direito Criminal I, com a colaboração de Figueiredo Dias, Livraria Almedina, Coimbra 1971, pág. 150 e segs, nota 34. (…) Mas se “a decisão da matéria de facto está em desconformidade com a prova produzida”, deve ter-se em atenção que: O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso, e às provas que impõem decisão diversa, e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em Audiência. Aliás, percorrido o acórdão, não se vislumbra qualquer referência a um depoimento ou declaração reportado a uma efectiva passagem da gravação. Note-se que no recurso para a Relação se impugnava matéria de facto nos termos do artº 412º nº s 3 e 4, do CPP, e para se ficar convencido de que a vinculação temática foi observada, observando a transparência, seria de expressar as passagens concretas que foram ouvidas e analisadas. Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía. Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas. Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230) Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova- (Ac. do STJ de 17-05-2007, Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção). Com efeito, por força do artº 205º nº 1 da Constituição da República: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.” E, determina o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse determinada forma os diversos meios de prova apresentados em Audiência -v. Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 - 5.ª Secção. O exame crítico das provas, é a ponderação de forma crítica e congruente que traduz os motivos de facto que justificam que os factos probandos resultaram provados ou não provados. Somente os factos enumerados – provados e não provados - implicam a exposição da motivação de facto e de direito, e balizam o objecto do processo, constituído em Audiência, pela acusação ou despacho de pronúncia se o houver, pela contestação ou defesa e pelos factos que o tribunal considerar relevantes para a discussão e decisão da causa. (v.art. 340º do CPP). Isto significa, por outro lado, que devem ser submetidos ao crivo do contraditório, em Audiência, todos os factos relevantes, necessários a definir uma decisão de direito segura para um juízo absolutório ou condenatório, sem prejuízo do juízo de dúvida pro reo se de toda a factualidade relevante, não for possível chegar a um juízo seguro de absolvição ou de condenação e que tal dúvida persista sem ser possível supri-la. Na verdade, determina o artº 355.º do CPP, sobre proibição de valoração de provas: “1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em Audiência. 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou .......ção em Audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.” O exame crítico das provas imposto pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. (v. já remotamente o Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209) Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (v. vg. Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.) Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão. Como decidiu este Supremo e Secção, no Ac. de 3-10-07, proc. 07P1779, a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. (…) Como a motivação da decisão não é um acto de fé, nem um puro exercício de íntima convicção, ela tem que ser exposta com absoluto respeito pelas regras e princípios legais de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica, tem que indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado ou não provado. O tribunal tem que indicar os factos que se provam, os que não se provam e a forma como alcançou essa conclusão, explicando porque deu relevo a umas provas e o negou a outras. Ao fim e ao cabo a fundamentação é uma questão de transparência.” A integração das noções de exame crítico e de fundamentação de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos. Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artº 374º nº 2 do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação, ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido (Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, nº 65, 60) Na verdade, como se elucida no Ac. deste Supremo, de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5ª Secção, se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias. Mas se a Relação altera a decisão em matéria de facto, encontra-se vinculada aos termos do recurso em matéria de facto, sobre pontos determinados e precisos, de harmonia com o disposto no artigo 412º nº3 do CPP.: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas Aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 312/2012, in DR, II série, de 7-1-2013).”Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 410º, nº1, 412º, nº3, e 428º, conjugados com os artigos 339º, nº4, 368º, nº2, e 374º, nº2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação de que não pode ser objecto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objecto de prova produzida na 1.ª instância, que o recorrente sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida.” Sendo certo que, conforme artº 431º do CPP, referente à modificabilidade da decisão recorrida: “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3 do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova. Em síntese e, parafraseando o Acórdão deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção. O facto de a Relação conhecer de facto não significa que tenha de proceder a um novo julgamento em matéria de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1.ª instância. No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º). Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, e outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo. Um novo julgamento – total, ou parcial - do objecto do processo implicará sempre o reenvio, quando houver vícios nos termos do artº 410º nº 2 do CPP, que não seja possível suprir Ainda que em caso de renovação da prova o tribunal da relação possa modificar a matéria de facto, pois que “Quando deve conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo”- nº 1 do artº 430º do CPP -, a renovação da prova deve obedecer ao disposto no nº 2 deste mesmo preceito, que determina: - “A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância pode ser renovada” (negrito nosso) Como referia Maia Gonçalves, Código de Processo Penal – Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição, 2009, p.1012): “De salientar que a renovação da prova é um reexame da matéria de facto pelas relações e não corresponde a um total segundo julgamento como se não tivesse havido um julgamento anterior. Este reexame visa antes a correcção de eventuais erros da 1ª instância. Por isso se impõe que o(s) recorrentes(s) especifiquem os pontos de facto que entendem incorrectamente julgados e indiquem as provas que em relação a cada facto conduzam a um veredito diferente.” Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se, que, como se referiu, que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. O processo penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal. A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto. No nosso sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.” [no mesmo sentido, e do mesmo Relator, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Junho de 2015, em que, a posto se escreveu “Como se sabe, no sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. São admissíveis as provas que não forem admitidas por lei.- artº 125º do CPP. E, o citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova. Por outro lado, Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório - Acórdão deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção. Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía. Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas. Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230) Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova - ( Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção). Com efeito, por força do artº 205º nº 1 da Constituição da República: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. (…) Se a discordância for apenas quanto à forma, como o tribunal valorou a prova e decidiu a matéria de facto, traduz impugnação de matéria de facto apurada, que se integra em objecto de recurso em matéria de facto, e que o recorrente exerceu no recurso interposto para a Relação, e por isso não pode vir repristinar, ainda que em crítica ao acórdão recorrido – o da Relação – por extravasar os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410ºCPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito - artº 434º do CPP. A violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto é um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Como se sintetiza no Acórdão deste Supremo, de 28-06-2007, Proc. n.º 1409/07 - 5.ª Secção: «Na aplicação da regra processual da “livre apreciação da prova” (art. 127.º do CPP), não haverá que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»] não conduzir, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, “à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto” (cf. Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997).”] A regra/princípio do in dubio pro reo está inextricavelmente abrochado ao princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência, só que enquanto este decorre de uma vinculação essencial e atinada com a natureza própria do agir e ser fundamental, o primeiro incorpora valores da ordenação ordinária, vale dizer do proceder e agir da valoração e juízo conviccional de um órgão de administração de justiça. A distinção surge patenteada e dilucidada na sentença nº 95/2012, de 23 de Fevereiro, do Tribunal Supremo (espanhol), quando afirma (sic): “Como vimos afirmando o direito à presunção de inocência configura-se enquanto regra de juízo e desde a perspectiva constitucional, como o direito a não ser condenado sem provas de acusação válidas, o que implica que exista uma mínima actividade probatória, realizada com as garantias necessárias, referida a todos os elementos essenciais do delito e que da mesma se possa inferir razoavelmente os factos e a participação do acusado neles. De modo que, como declara a STC. 189/98 de 28.9 “só caberá constatar uma vulneração do direito à presunção de inocência quando não haja provas de cargo válidas, quer dizer, quando os órgãos judiciais hajam valorado uma actividade probatória lesiva de outros direitos fundamentais ou carente de garantias, ou quando não se motive o resultado da dita valoração, ou finalmente, quando por ilógico ou insuficiente não seja razoável o iter discursivo que conduz da prova ao facto provado". Constitui também doutrina consolidada deste Tribunal que não lhe corresponde revisar a valoração das provas através das quais o órgão judicial alcança a sua íntima convicção, substituindo-se de tal forma aos Juízes e Tribunais ordinários na função exclusiva que lhes atribui o art. 117.3 CE. mas sim unicamente controlar a razoabilidade do discurso que une a actividade probatória e o relato fáctico que dela resulta. De modo que só podemos considerar insuficiente a conclusão probatória a que hajam chegado os órgãos judiciais desde as exigências do direito à presunção de inocência se, à vista da motivação judicial da valoração do conjunto da prova, cabe apreciar de um modo indubitado, desde uma perspectiva objectiva e externa, que a versão judicial dos factos é mais improvável que provável. Em tais casos, ainda que partindo das limitações já assinaladas ao cânone de «enjuiciamiento» deste Tribunal e da posição privilegiada de que goza o órgão judicial para a valoração das provas, não caberá estimar como razoável, de que o órgão judicial actuou com uma convicção suficiente, mais para além de toda a dúvida razoável, de que a convicção em si (SSTC. 145/2003 de 6.6, 300/2005 de 2.1, 70/2007 de 16.4). Neste âmbito para além dos supostos de inferências ilógicas e inconsequentes, a STC. 204/2007, de 24.9, considerou, ainda assim, insuficiente as inferências não concludente, incapazes também de convencer objectivamente da razoabilidade da plena convicção judicial. Definitivamente como temos explicitado em múltiplas resoluções desta Sala, por todas sentenças 753/2007 de 2.10, 672/2007 de 19.7, quando se alega infracção deste direito à presunção de inocência, a função desta Sala não pode consistir em realizar uma nova valoração das provas praticadas em presença do Tribunal de instância, porque só a este corresponde essa função valorativa, mas pode este Tribunal verificar que, efectivamente, o Tribunal "a quo" contou com suficiente prova de sinal acusatório sobre a comissão do facto e a participação nele do acusado, para ditar uma decisão (veredicto) de condenação, assegurando-se também de que essa prova foi obtida sem violar direitos ou liberdades fundamentais e em correctas condições de oralidade, publicidade, imediação e contradição e comprovando também que na preceptiva motivação da sentença se expressou pelo julgador o processo do seu raciocínio, ao menos nos seus aspectos fundamentais, que o hajam levado a decidir o veredicto sem infringir neles critérios da lógica da experiencia (STS. 1125/2001 de 12.7). Assim pois, o tribunal de cassação deve comprovar que o tribunal dispôs da precisa actividade probatória para a afirmação fáctica contida na sentença, o que supõe constatar que existiu porque se realiza com observância da legalidade na sua obtenção e se pratica no juízo oral sob a vigência dos princípios de imediação, oralidade, contradição efectiva e publicidade, e que o razoamento da convicção obedece a critérios lógicos e razoáveis que permitam a sua consideração de prova de cargo. Mas não acaba aqui a função «casacional» nas impugnações referidas á vulneração do direito fundamental à presunção de inocência, pois a ausência no nosso ordenamento de uma segunda instância revisora da condenação imposta na instância obriga o tribunal de cassação a realizar uma função valorativa da actividade probatória, actividade que desencadeia (desenvolve) nos aspectos não comprometidos com a imediação de que carece, mas que se estende aos aspectos referidos à racionalidade da inferência realizada e à suficiência da actividade probatória. Quer dizer, o controle «casacional» da presunção de inocência estender-se-á à constatação da existência de uma actividade probatória sobre todos e cada um dos elementos do tipo penal, com exame da denominada disciplina de garantia da prova, e do processo de formação da prova, pela sua obtenção de acordo com os princípios de imediação, oralidade, contradição efectiva e publicidade. Para além disso, o processo racional, expresso na sentença, através do que da prova praticada resulta a acreditação de um facto e a participação no mesmo de uma pessoa a quem se imputa a comissão de um facto delitivo (STS. 209/2004 de 4.3). Esta estrutura racional do discurso valorativo pode ser revista na cassação, censurando aquelas fundamentações que resultem ilógicas, irracionais, absurdas ou, em definitivo arbitrárias (art. 9.1 CE), ou que sejam contraditórias com os princípios constitucionais, por exemplo, com as regras valorativas derivadas do princípio de presunção de inocência ou do princípio "nemo tenetur" (STS. 1030/2006 de 25.10). Em definitivo o controle que compete ao Tribunal Supremo relativamente à verificação da prova de cargo suficiente para acreditar a efectiva concorrência de todos e cada um dos elementos do delito de que se trate não consiste en questionar "a específica função judicial de qualificação e subsunção dos factos provados nas normas jurídicas aplicáveis, mas sim em verificar que a actividade probatória foi levada a cabo (“se ha practicado”) com as garantias necessárias para a adequada valoração", em comprovar "que o órgão de «enjuiciamiento» expõe as razões que o tenham conduzido a constatar o relato de factos provados a partir da actividade probatória praticada"; e em "supervisionar externamente a razoabilidade do discurso que une a actividade probatória e o relato fáctico resultante". Doutrina esta que tem sido acolhida na STC. 123/2006 de 24.4, que recorda que o direito à presunção de inocência, art. 24.2 CE. “configura-se, em tanto que tanto que regra de juízo e desde a perspectiva constitucional, como o direito a não ser condenado sem provas de cargo válidas, o que implica que exista uma mínima actividade probatória, realizada com as garantias necessárias, referida a todos os elementos essenciais do delito e que da mesma seja possível inferir razoavelmente os factos e a participação do acusado neles. Em qualquer caso é doutrina consolidada deste Tribunal que não lhe corresponde revisar a valoração das provas através das quais o órgão judicial alcança a sua intima convicção, substituindo dessa forma os Juízes e Tribunais ordinários na função exclusiva que lhes atribui o art. 117.3 CE., mas sim unicamente controlar a razoabilidade do discurso que une a actividade probatória e o relato fáctico que dela resulta. De modo que só podemos considerar insuficiente a conclusão probatória a que hajam chegado os órgãos judiciais desde as exigências do direito à presunção de inocência si, à vista da motivação judicial da valoração do conjunto da prova, cabe apreciar de um modo indubitado, desde uma perspectiva objectiva e externa, que aa versão judicial dos factos é mais improvável que provável. Em tais casos, ainda partindo das limitações já assinaladas ao cânone de «enjuiciamiento» deste Tribunal e da posição privilegiada de que goza o órgão judicial para a valoração das provas, não caberá estimar como razoável, se o órgão judicial actuou com uma convicção suficiente, mais além de toda a dúvida razoável, ou se a convicção em si (STC. 300/2005 de 2.1, FJ. 5). Consequentemente deve outorgar-se um amplo conteúdo à presunção de inocência, como regra de juízo, o que permite um controle do processo inferencial seguido pelos Juízes ordinários: O princípio "in dubio pro reo", pressupondo a prévia existência da presunção de inocência, desenvolve-se no campo da estrita valoração das provas, quer dizer da apreciação da eficácia demonstrativa pelo Tribunal de instância a quem compete a sua valoração a consciência para formar a sua convicção sobre a verdade dos factos (art. 741 LECr.). Reitera a jurisprudência que o principio informador do sistema probatório que se acunha sob a fórmula do "in dubio pro reo" é uma máxima dirigida ao órgão decisor para que tempere a valoração da prova a critérios favoráveis ao acusado quando o seu conteúdo arroje alguma dúvida sobre a sua virtualidade inculpatória; pressupõe, portanto, a existência de actividade probatória válida como sinal incriminador, mas cuja consistência oferece resquícios que podem ser decididos de forma favorável à pessoa do acusado. O princípio in dubio pro reo, diferencia-se da presunção de inocência o qual se dirige ao Julgador como norma de interpretação para estabelecer que naqueles casos em que apesar de se haver realizado uma actividade probatória normal, tais provas deixassem dúvida no ânimo do Julgador, se incline a favor da tese que beneficie o acusado (STS 45/97, de 16.1). Desde a perspectiva constitucional a diferença entre presunção de inocência e a regra in dubio pro reo resulta necessária na medida em que a presunção de inocência foi configurada pelo art. 24.2 como garantia processual do imputado e direito fundamental do cidadão protegido pela via de amparo, o que não ocorre com a regra in dubio pro reo, condição ou exigência "subjectiva" do convencimento do órgão judicial na valoração da prova inculpatória existente e aportada para o processo. Este princípio só entra em jogo, quando efectivamente, praticada a prova, esta não desvirtuou a presunção de inocência, pertence às facultades valorativas do julgador de instância, não constitui preceito constitucional e a sua excepcional invocação «casacional» só é admissível quando resulta vulnerado o seu aspecto normativo, quer dizer "na medida em que esteja acreditado que o tribunal tenha condenado apesar da dúvida". (STS 70/98 de 26.1, 699/2000 de 12.4). Ainda que durante algum tempo esta Sala haja mantido que o princípio in dubio pro reo não era um direito alegável ao considerar que não tinha «engarce» com nenhum direito fundamental e que na realidade se tratava de um princípio interpretativo e que portanto não tinha acesso à «casación». Sem embargo, na actualidade tal posição encontra-se abandonada, hoje em dia a jurisprudência reconhece que o princípio in dubio pro reo forma parte do direito à presunção de inocência e é atendível na «casación». Ainda assim, só se justifica naqueles casos nos quais o tribunal haja planteado ou reconhecido a existência de dúvidas na valoração da prova sobre os factos e as tenha resolvido contra o acusado (STS 999/2007, de 12-7; 677/2006, de 22-6; 836/2004, de 5-7; 479/2003; 1125/2001; de 12-7). É verdade que em ocasiões o tribunal de instância não planeta assim a questão, por isso é preciso um exame mais pormenorizado para averiguar se, com efeito, se infringiu o dito princípio. Por exemplo, se toda a prova é constituída por uma só testemunha e este tem dúvida sobre a autoria do acusado, infringir-se-ia o dito princípio se o tribunal, apesar de isso, isto é, das dúvidas da testemunha tivesse condenado, pois é claro que das diversas possibilidades optou pela mais prejudicial para o acusado. La STS 666/2010 de 14-7, explica como el principio "in dubio pro reo" nos assinala qual deveria ser a decisão nos supostos de dúvida, mas não pode determinar a aparição de dúvidas donde não as haja, existindo prova de cargo suficiente e válida se o tribunal sentenciador expressa a sua convicção sem dúvida razoável alguma, o referido princípio carece de aplicação (STS 709/97, de 21-5; 1667/2002, de 16-10; 1060/2003, de 25-6). Nesse sentido a STS 999/2007, de 26-11, com cita da STS 939/98, de 13-7, recordava que o principio in dubio pro reo não tem acesso à «casación» por supor uma valoração da prova que está vedada às partes, com arrimo ao estabelecido no art. 741 LECr., mas esta doutrina quebra quando é a própria Sala sentenciadora a que nos seus razoamentos nos mostra umas dúvidas evidentes. Nestes casos é preciso examinar em «casación» a existência e aplicação de tal princípio favorável ao reo. Por tanto, o principio in dubio pro reo pode ser invocado para fundamentar a «casación» quando resulte vulnerado no seu aspecto normativo, quer dizer, na medida em que esteja acreditado que o tribunal condenou apesar da dúvida. Pelo contrario, não cabe invocá-lo para exigir ao tribunal que duvide, nem pode pedir aos juízes que não duvidem. A dúvida do tribunal, como tal, não é revisável em «casación», dado que princípio in dubio pro reo não estabelece em quais supostos os juízes têm o dever de duvidar, mas sim como se deve proceder em caso de dúvida (STS 1186/95, de 1-12; 1037/95, de 27-12)". (A tradução é da nossa autoria). [cfr. ex abundante, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Setembro de 2016, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral. “Invoca, ainda, o recorrente a sua discordância em relação á forma como foi abordada a questão da aplicação do princípio “in dubio pro reo”. (…) Conforme refere Figueiredo Dias a sindicância do respeito pelo princípio em causa configura uma questão de direito pois que se trata de um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão de direito que cabe, como tal, na cognição do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações ainda que estas conheçam apenas de direito. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova:- mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmo), conforma ele um daqueles princípios que devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma "questão de direito" para efeito do recurso de revista. Pronunciando-se sobre questão em apreço este Supremo Tribunal tem assumido, genericamente, o entendimento de que tal principio se encontra, intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (artº 127º, do C.P.Penal) do qual constitui faceta e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal, ou tarifada, ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum. De tal pressuposto emerge a conclusão de que o aludido princípio "in dubio pro reo” se situa em sede estranha ao domínio cognitivo do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista (ainda que alargada) por a sua eventual violação não envolver questão de direito (antes sendo um princípio de prova que rege em geral ou seja quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário), o que conduz a esta outra asserção de que o Supremo Tribunal de Justiça tão só está dotado do poder de censurar o não uso do falado princípio se, da decisão recorrida, resultar que o tribunal "a quo' chegou a um estado de dúvida patentemente insuperável e que perante ele, e mesmo assim, optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido. Este Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando a hipótese referida resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (Ac. de 23/01/2003, proc. n. 4627/02-5). Aliás, importa referir que, no caso vertente, pretende o recorrente que o desconhecimento sobre as circunstâncias concretas que o levaram a empunhar o instrumento do crime, ou seja, a ignorância sobre o ambiente factual de relacionamento com a vítima, sua esposa, no antecedente da prática do crime necessariamente que tem de ser valorado num sentido que lhe é favorável e que é a versão por si apresentada. O recorrente confunde o estado de dúvida sobre os factos com a não-aceitação pura e simples da versão que apresenta pois que a decisão recorrida afasta decididamente a invocação do arguido em relação à dinâmica factual por si invocada para além daquela que consta da decisão de primeira instância. E, não tendo ficado em estado de dúvida, não cabe a invocação do princípio in dubio pro reo.” [Disponível em www.dgsi.pt. A doutrina proclamada na sentença, cujo troço trasvazamos supra e na demais jurisprudência citada e desenvolvida, autoriza o entendimento do que deve ser a sindicância do Supremo Tribunal de Justiça à vulneração do princípio posto em causa pelo recorrente. No dizer do Professor Lebre de Freitas, em parecer referido na nota 5, datado de 10 de Outubro de 2014 – pensamos que inédito – que ao Supremo Tribunal de Justiça se basta “(…) com a verificação de que o tribunal da relação violou regras legais de procedimento probatório que lhe cabia ter observado.” A conjugação de tudo o que fica dito permite concluir/rematar com a asserção de que situando-se a regra/princípio do in dubio pro reo no plano da valoração/apreciação da prova, não compete a este tribunal, salvo se se verificar uma vulneração/violação extrema e flagrante da regra que prescreve a decisão de um juízo de exculpação do arguido quando se verifique uma situação de non liquet probatório – vale dizer para além de qualquer dúvida razoável («beyond a reasonable doubt»). Não cabe, pois, no âmbito do recurso de revista a cognoscibilidade de questões – inclusive por alegada violação de princípios enformadores da actividade probatória, máxime de presunção de inocência e in dubio pro reo – que se destinem a convocar uma reapreciação da decisão de facto a que as instâncias se alcandoraram, O recurso será, neste eito de raciocínio, rejeitado quanto a estes segmentos recursivos. O sentido decisional que fica consagrado induz a assumpção de uma posição negativa relativamente à alegada inconstitucionalidade do artigo 127º do Código de Processo Penal, na dimensão discorrida ou apresentada pelo recorrente, ou qualquer outra, porquanto o tribunal recorrido não fez aplicação da norma na reapreciação da decisão de facto que operou. §1.(g). – Rejeição do segmento recursivo na parte concernente à determinação concreta das penas parcelares. Conclama o recorrente pela alteração das penas parcelares impostas por cada um dos crimes de furto, receptação, falsificação de documentos e detenção de arma probida. A lei ordinária, com respaldo na lei fundamental, regula o direito ao recurso, permitindo um duplo grau de jurisdição corrector e asseverante do direito que qualquer imputado pela prática de um ilícito penalmente punível, e por ele condenado, tem de ver o seu caso apreciado e revisto por um tribunal de rango superior aquele que procedeu à análise do caso em primeira instância. Deste princípio basilar e incontrastável retira a lei consequências quando o caso obteve reapreciação por uma segunda instância (de recurso). A lei adrede (Código de Processo Penal), consagrou o instituto da dupla conforme, tendo ficado consignado no artigo 400º a sequente redacção, na parte interessante: “1- Não é admissível recurso: (….)e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos”. Com o comando contido na alínea f) do citado preceito o legislador de 2007 consagrou a figura da dupla conforme, isto é, a confirmação por um tribunal, sem discrepância de fundamentos essenciais, de facto e de direito, da decisão proferida em 1ª Instância. Prevaleceu-se o legislador, na sua opção jusnormativa, do facto de os intervenientes processuais manterem intactos o direito ao recurso, pelo direito que exerceram de apresentarem as razões da sua discordância perante um tribunal de rango superior – na acepção jusconstitucional do irremível direito ao recurso – e de evitar um prolongamento do procedimento por uma escalada de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o caso já havia obtido uma confirmação, itera-se sem discrepâncias de dois órgãos jurisdicionais, de um parelho e concordante veredicto jurídico. A criação da figura da dupla conforme, ou seja da confirmação (concordante e similar, na sua essencialidade) de uma decisão de um tribunal inferior por uma decisão de um tribunal de rango superior, concita consequências no plano do direito ao recurso, quando verificada a situação de conformidade, a saber o da não admissibilidade do recurso que o prejudicado pretenda interpor da decisão confirmatória da primeva decisão. Vale por dizer que a constituição/formação de uma situação de dupla conformidade ilaqueia o eventual prejudicado pelas decisões concordantes de ver reapreciado seu caso por um outro tribunal. [Para um desenvolvimento doutrinário da figura da dupla conforme vejam-se, na jurisprudência, os acórdãos deste Supremo Tribunal Justiça, relatados pelo Conselheiro Abrantes Geraldes de 20 de Novembro de 2014 (in www-dgsi.pt) As razões processual/estruturais que ditaram a opção do legislador, foram conspicuamente dissecadas pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, no acórdão de 20 de Novembro de 2014, 19 de Fevereiro de 2015 (in www.dgsi.pt,), ao asseverar que (sic): “Com a reforma do regime dos recursos de 2007, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça determinou a consagração de uma restrição assente na dupla conforme: confirmação, sem voto de vencido e ainda que com fundamento diverso, da decisão da 1ª instância. Esta medida foi objecto de largo debate entre os defensores da manutenção do sistema anterior que não previa este impedimento ao terceiro grau de jurisdição e aqueles que sublinhavam a necessidade de reduzir a quantidade de recursos, como forma de racionalizar o uso dos meios processuais e de valorizar a intervenção do Supremo, proporcionando reais condições para a criação de correntes jurisprudenciais estáveis. Se, em abstracto, a multiplicidade de graus de jurisdição constitui elemento potenciador de maior segurança jurídica, também é certo que os meios disponíveis para a tarefa de Administração da Justiça são limitados e que a necessidade de alcançar uma decisão definitiva em tempo razoável não é compatível com o esgotamento da multiplicidade de recursos. Foi consagrada no âmbito daquela revisão do regime de recursos cíveis a regra da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº 1 art. 721º-A do anterior CPC. O regime entretanto foi modificado. Inicialmente a aludida medida restritiva era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões: a dupla conforme verificava-se sempre que a Relação confirmasse, sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da primeira instância. Já com o NCPC o regime restritivo deixa de se aplicar quando a Relação empregue para a confirmação da decisão da 1ª instância “fundamentação essencialmente diferente” (art. 671º, nº 3). Efectivamente, em tais circunstâncias, embora o resultado final seja idêntico, o facto de as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão que se mostre verdadeiramente decisiva para o atingir é revelador de uma cisão que deve permitir, nos termos gerais, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, sem necessidade de invocar alguma das situações típicas da revista excepcional. Intervenção, aliás, justificada pela missão que é especialmente atribuída ao Supremo no campo da identificação, interpretação e aplicação do regime jurídico ajustado aos casos. O quotidiano forense é susceptível de nos revelar diversas situações que impedem a verificação de uma situação de dupla conforme com aquele motivo. Assim ocorre designadamente: - Quando, depois de a 1ª instância assumir uma determinada qualificação contratual, a Relação adopte uma outra distinta ou envolva a decisão num enquadramento jurídico substancialmente diverso; - Quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo a decisão confirmada ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou de normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato; - Quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou; - Ou ainda, nos casos em que a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção. Em cada uma destas situações que nos limitámos a exemplificar, posto que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso seguido acaba por infirmar as razões que levaram o legislador de 2007 a restringir o acesso ao terceiro grau de jurisdição, justificando que, nos termos gerais, a parte vencida suscite a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça como órgão jurisdicional que tem a primazia na aplicação do direito. 4. Todavia, a atenuação do condicionalismo legal de que depende a verificação de uma situação de dupla conforme não pode ser interpretada como um regresso ao modelo recursório anterior à reforma de 2007, fazendo depender o recurso de revista unicamente do valor do processo ou da sucumbência em conexão com a alçada da Relação. O relevo atribuído à fundamentação jurídica para evitar a formação de uma situação de dupla conformidade decisória não pode servir de pretexto para, na prática, restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, na medida em que evita o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permitem. Assim, a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação implica que prevaleça o seu núcleo fundamental, ou seja, os aspectos que verdadeiramente se mostram decisivos para a obtenção do resultado, levando a desconsiderar, para este efeito, as divergências marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo acontece nas situações em que a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado pela 1ª instância ou que não tenha sido admitido e que sirva para reforçar o mesmo resultado. Se, como é natural, a sistematização das decisões ou a variedade dos argumentos jurídicos empregues numa e noutra das decisões é susceptível de conduzir a resultados formalmente diversos ou não inteiramente coincidentes, releva unicamente para o caso a essencialidade da fundamentação que, seguindo trilhos diversos, sustente uma e outra das decisões. Para o efeito importa não devem confundir-se questões jurídicas com argumentos jurídicos, sendo relevante que os resultados tenham sido motivados por respostas diversas à mesma questão de direito essencial para ambos os resultados.” No mesmo sentido o acórdão do mesmo Exmo. Conselheiro de 28 de Abril de 2014, em que expendeu que (sic): “No horizonte desta modificação legal estiveram situações em que, por exemplo, a confirmação da decisão da 1ª instância se processa a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que a uma determinada qualificação contratual se sucede uma outra distinta, com um diverso enquadramento jurídico. Outrossim quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo confirmada pela Relação, mas ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou das normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato. Ou quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou. Ou, ainda, quando a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção. Na realidade, em cada um destes exemplos, ainda que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso acaba por revelar duas decisões substancialmente diversas, não se justificando a ablação de terceiro grau de jurisdição em situações em que o mesmo resultado seja alcançado no final de um percurso jurídico substancialmente diverso. A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não revelam um enquadramento jurídico alternativo. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido. A restrição ao conceito de dupla conformidade que decorre agora do art. 671º, nº 3, do NCPC, com atribuição de relevo à fundamentação jurídica, não pode servir de pretexto para, na prática, se restaurar de forma irrestrita o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, por evitar o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permite. Não podem para o efeito exponenciar-se as objecções dirigidas àquela opção legislativa, nem superar, por via de meros juízos valorativos, o pressuposto negativo representado pela dupla conforme, agora circunscrita aos casos em que a fundamentação jurídica seja essencialmente idêntica. Em suma, a admissão, fora das regras da revista excepcional, do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso. Já se for substancialmente idêntica a resposta que as instâncias deram à questão ou questões jurídicas que, em concreto, se revelem em concreto essenciais para o resultado, a situação contém-se nos limites da dupla conforme, dependendo a admissibilidade da revista da demonstração de algum dos fundamentos previstos no art. 672º, nº 1, do NCPC.” Em sentido que se nos figura similar, os arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2015, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, em que se doutrinou que (sic): “No que respeita à existência ou não de fundamentação essencialmente diferente entre a sentença apelada e o acórdão recorrido, adere-se inteiramente à argumentação expendida no despacho que considerou procedente a questão prévia da recorribilidade – sendo manifesto, aliás, que na sua argumentação os reclamantes confundem os conceitos de fundamentação diferente e de fundamentação essencialmente diferente, como instrumento para, no âmbito da figura da dupla conforme, delimitar as possibilidades de acesso ao STJ, perante decisões inteiramente sobreponíveis, nos respectivos segmentos decisórios: não basta, para quebrar o limite à recorribilidade decorrente da regra da dupla conforme, identificar uma qualquer alteração ou nuance na fundamentação jurídica acolhida no acórdão recorrido, sendo indispensável que se trate de uma alteração ou modificação qualificada da base jurídica da decisão, resultante do apelo a um diferente enquadramento normativo do pleito: não cabem, pois, seguramente no referido conceito de fundamentação essencialmente diferente os casos em que – movendo-se inquestionavelmente a Relação, no que respeita à efectiva ratio decidendi do acórdão proferido, no campo dos mesmos institutos ou figuras jurídicas – se limita a aditar um mero reforço argumentativo no que toca à idêntica solução jurídica do pleito que alcançou. Por outro lado, não é exacto que possa inferir-se do direito fundamental de acesso à justiça, plasmado no art. 20º da Constituição, um amplo direito de acesso a um terceiro grau de jurisdição a exercitar pelo STJ, sem que ao legislador e à jurisprudência seja legítimo delimitar ou filtrar, em termos proporcionais e adequados, os litígios em que deva intervir em via de recurso ainda o STJ: na verdade, o acesso à justiça e a tutela judicial efectiva bastam-se com a obtenção de uma decisão jurisdicional, em tempo útil, sobre os litígios de direito privado, sendo certo que no caso a sentença proferida foi objecto de reapreciação pela 2ª instância, que manteve inteiramente o sentido decisório questionado pelo recorrente; ora, não está seguramente compreendido naqueles princípios fundamentais um direito de aceder ao STJ sempre que a parte vislumbre alguma nuance ou alteração menor na fundamentação jurídica seguida pelas instâncias. “(…) O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo pacificamente serem dois os pressupostos de irrecorribilidade fixados naquela alínea f) por um lado, que o acórdão da relação confirme a decisão da 1ª instância; por outro, que a pena aplicada na relação não seja superior a 8 anos de prisão. No nosso caso, o acórdão recorrido confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, na parte relativa ao Recorrente. É a chamada dupla conforme. Quanto ao segundo pressuposto, também constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos crimes (relativamente às questões suscitadas a propósito dos crimes) punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou à pena conjunta superior a essa medida. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, na esteira da interpretação praticamente consensual que fazia deste mesmo preceito na versão anterior à Reforma de 2007, vem entendendo, também agora de forma pacífica, que, no caso de um concurso de crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da relação que confirme decisão da 1ª instância apenas é admissível relativamente ao(s) crime(s) punidos com prisão superior a 8 anos e/ou relativamente às questões sobre os pressupostos do próprio concurso e da formação da pena conjunta, quando esta também ultrapasse aquele limite (cfr., entre outros, os Acs. 11.02.09, P° 113/09-3º; de 04.03.09, P° 160/09-3ª; de 25.03.09, P° 486/09-3ª; de 16.04.09, P° 491/09-5ª; de 29.04.09, P° 39l/09-3ª; de 07.05.09, P° 108/09-5ª; de 27.05.09, P° 384/07GDVFR.S1-3ª, de 12.11 2009, P° n° 200/06.0JAPTM-3ª, de 23.06.10, P° n° l/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª de 09.06.2011 P° n° 4095/07.8TPPRT.P1.S1- 5ª, de 26.04.2012, P° n°438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª, de 12.09.2012, P° n° 269/08.2TABNV.L1.S1-3ª e de 29.05.2013, P° n°344/11.6JALRA.El)”. (…) Ac. do STJ, de 11/6/2016, Pº 54/12.7SVLSB.L1.S1-3ª.” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2018, proferido no processo nº 3343/15.5JAPRT.G1.S1). [Vide ainda os arestos citados no mencionado acórdão, de que respigam os sequentes: - Ac. STJ de 9/10/2013, Proc. 955/10.7TASTS.P1.S1, Rel. Oliveira Mendes: “I - Como o STJ vem entendendo de forma pacífica, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, quer estejam em causa penas parcelares (ou singulares) quer penas conjuntas (ou únicas resultantes de cúmulo). II - É irrecorrível para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que, confirmando a decisão condenatória de 1.ª instância, manteve as penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas elas não superiores a 8 anos de prisão, se não é impugnada a pena conjunta cominada que ultrapassa esse patamar.”; - Ac. STJ de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raúl Borges: “I - Com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, tendo-se alterado o paradigma de “pena aplicável” para “pena aplicada”, pelo que, o regime resultante da actual redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este STJ, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos. II - O STJ e o TC têm-se pronunciado no sentido de entender que de tal restrição do recurso não decorre violação do direito de recurso por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, na medida em que, a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. III - No caso concreto, dado que as penas aplicadas aos recorrentes pelos vários crimes por que foram condenados foram todas inferiores a 8 anos de prisão, acontecendo que a confirmação pelo tribunal da Relação é total, integral, completa, absoluta, mantendo-se nos seus exactos termos a factualidade assente, a respectiva qualificação jurídico-criminal e as penas aplicadas, quer as parcelares, quer as únicas, são de rejeitar os recursos apresentados por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo unicamente objecto de reapreciação a medida das penas únicas aplicadas aos arguidos X e Y, porque superiores a 8 anos de prisão.”: - Ac. STJ de 18/2/2016, Proc. 68/11.4JBLSB.L1.S1, Rel. Armindo Monteiro: “I - Não cabe recurso da condenação pela Relação quanto às penas parcelares. Todas sem excederem 5 anos de prisão, transitando em julgado a espécie e medida da pena aplicadas, pelo que o poder cognitivo do STJ objectivar-se-á, apenas e no que respeita à pena única, nos termos do art. 77.º, do CP, de todos os arguidos recorrentes impugnada por excessiva.”; - Ac. STJ de 23/11/2016, Proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1, Rel. Sousa Fonte: “XI - Também no caso de aplicação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º a decisão da relação proferida em recurso que haja recaído sobre um concurso de crimes, só admite recurso para o STJ quanto às penas parcelares e única, não confirmadas, superiores a 5 anos de prisão. O mesmo é dizer que relativamente aos crimes parcelares, e a todas as questões com eles conexas que, inovatoriamente ou por agravação das cominadas pela 1.ª instância, o tribunal da relação puna com prisão até 5 anos, não são susceptíveis de apreciação pelo STJ.)”: Tendo como horizonte este quadro jurisprudencial estendido, haver-se-á de concordar que a questão que o recorrente pretende ver reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, já mereceu reapreciação, em tribunal de recurso, sendo que a fundamentação não se revela essencialmente diferente nem ocorreu qualquer modificabilidade ou alteração da qualificação jurídico-penal ou factual. As penas impostas por cada um dos crimes apenados situam-se todas em quantitativo inferior a 5 (cinco) anos, pelo que a norma inscrita na alínea e) do artigo 400º do Código de Processo Penal ilaqueia a possibilidade de nova sindicância do juízo determinador da escolha e aferição da medida dessas penas. A pretensão formulada pelo arguido é legalmente inadmissível pelo que deve ser rejeitada – cfr. artigo 420º do Código de Processo Penal. Do feixe de temas propostos pelo arguido/recorrente para questões a apreciar no recurso interposto sobrará a questão da determinação/individualização da pena global, ou conjunta. §2.- FUNDAMENTAÇÃO. §2.(a). – DE FACTO. A decisão de facto que vem comprovada e adquirida das instâncias mostra-se isenta de contradições, insuficiências ou erros (notórios) que a invalidem, ou dessorem, para a decisão a proferir nesta sede. Assim, tem-se por adquirida para a decisão a proferir a sequente factualidade. “Factos provados: “Em data não concretamente apurada, mas pelo menos desde início de Abril de 2016, o arguido AA delineou um plano que consistia em subtrair ou ficar na posse de veículos automóveis alheios, proceder ao respectivo desmantelamento, adulterar os seus elementos de identificação, como números de quadro e número de motor e, posteriormente alienar partes ou componentes a terceiros, - Os veículos eram levados para um armazém sito na Quinta ........., no ............ ou para os armazéns n° …. (Bloco ..) e nºs ….., do Parque .................., sito em ....................., todos utilizados por AA, - Na execução do aludido plano o arguido AA pelo menos após Março de 2017 tinha a colaboração dos arguidos BB e CC. - Ao BB incumbia subtrair os veículos "encomendados" por AA, que posteriormente lhe entregava, em troca de contrapartida monetária não apurada. - Por sua vez, ao arguido CC incumbia, nomeadamente, desmontar os veículos, retirando as respectivas chapas de matrícula, rasurando ou riscando os números de quadro que deles constassem. - Findo o desmantelamento, o arguido AA vendia os componentes de tal veículo, em conjunto ou em separado, a indivíduos que contactava ou que o contactavam para o efeito, 1-NUIPC659/14....... - Em data não concretamente apurada, mas posterior a ../12/2014, o arguido AA, de modo não apurado entrou na posse do tacografo digital da marca ........... do veículo de marca ....., modelo ...., de matrícula ..-BT-.., veículo este no valor de €10.000,00 pertencente a sociedade OPCENTRO. - Tal tacógrafo foi posteriormente colocado no veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-CV-... 2 - NUIPC 24/16........ - Em data não concretamente apurada mas situada após 3 de Abril de 2016, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-FA-.., no valor de pelo menos € 14.000,00 pertencente à empresa CATIMOZ. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veiculo e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns, - Aí e durante os dias subsequentes o arguido AA procedeu ao desmantelamento do referido veículo, tendo inclusive rasurado o número de quadro gravado na mencionada carroçaria de ....... ......., assim impedindo a sua identificação. - Posteriormente colocou a cabine no veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-CV-... - E vendeu os restantes componentes, com excepção do motor, da barra estabilizadora e do tacógrafo, por valor não concretamente apurado. 3 - 122/16........ - Em data não concretamente apurada mas situada após 3 de Junho de 2016, o arguido AA, de modo e em circunstâncias não apuradas ficou na posse das matrículas ..-..-HV do veículo de marca ........, modelo ........ 4 - 247/16........ - Em data não concretamente apurada mas situada após 6 de Junho de 2016, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-NG, no valor de €5.000,00 pertencente a DD. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Ai e durante os dias subsequentes procedeu ao desmantelamento do referido veículo, - Posteriormente procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção da caixa de carga com Top Case - Hard Top, com vidros de cores azul e cinzento que se encontravam naquele local. 5 - 774/16....... - Em data não concretamente apurada mas situada após o dia 18 de Setembro de 2016, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-..-XL, no valor de €25.000,00 pertencente a FSF Espaços Verdes. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Aí e durante os dias subsequentes o arguido AA procedeu ao desmantelamento do referido veículo, tendo inclusive rasurado o número de quadro gravado na mencionada carroçaria de ..........., assim impedindo a sua identificação. - Posteriormente colocou a cabine, o motor, a caixa de velocidades e a caixa de carga no veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-..-XM. - E vendeu os restantes componentes por valor não concretamente apurado. 6 - 343/16........ - Em data não concretamente apurada mas situada após o dia 24 de Setembro de 2016, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ........, modelo .... (.......), de matrícula ..-FO-.., no valor de pelo menos € 9.000,00 pertencente a sociedade Frutas Birut, Lda. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e veículo e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Aí e durante os dias subsequentes retirou as matrículas e procedeu ao desmantelamento do referido veículo. - Posteriormente, procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção da caixa de carga de mercadorias que foi encontrada naquele local. 7 - 94/17......... - Em data não concretamente apurada mas situada após o dia 20 de Fevereiro de 2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ........, modelo ......., de matricuia ..-91-.., no valor de €9.000,00 pertencente à sociedade Construções Folhanense Unipessoal, Lda. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Aí e durante os dias subsequentes procedeu ao desmantelamento do referido veículo. - Posteriormente, procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção da cabine de cor branca e dos documentos do veículo que foram encontrados naquele local. 8 - 3/17......... - Em data não concretamente apurada mas situada após o dia 26 de Fevereiro de 2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-US, no valor de peio menos € 7.000,00 pertencente à sociedade Xisto Azul - Comercialização de Produtos para Agricultura, Lda, - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Aí e durante os dias subsequentes procedeu ao desmantelamento do referido veículo. - Posteriormente, procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção da caixa de mercadorias em ferro de cor cinzenta e onze botijas de ar comprimido que foram encontrados naquele local. 9 - 44/17............ - Em data não concretamente apurada mas situada após o dia 7 de Março de 2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-NV-.., no valor de pelo menos € 15.000,00 pertencente à sociedade Gastâmega, Lda. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e providenciou pelo seu transporte para um dos armazéns. - Aí e durante os dias subsequentes o arguido CC procedeu ao desmantelamento do referido veículo, tendo inclusive rasurado o número de quadro gravado na mencionada carroçaria de ....... ......., assim impedindo a sua identificação. - Posteriormente, colocou o motor, a caixa de velocidades e a cabine no veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-CV-... - Após AA procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção da caixa de mercadorias em ferro, de um pára-choques frontal, um suporte de faróis traseiros, um extintor, cinco garrafas de gás e duas caixas de papelão contendo vários acessórios de gás que foram encontrados naquele local. 10 - NUIPC 237/17............... - No dia 21 de Março de 2017, pessoa não concretamente apurada, apoderou-se e fez seu o veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-IV, no valor de pelo menos €4.800,00 pertencente a EE e que se encontrava devidamente parqueado no parque atrás da estação da CP, sito na Estrada ........., ......... - Em data não concretamente apurada mas posterior a ../03/2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse do mesmo veículo, que fez seu. - Posteriormente, o arguido CC, conforme instruções de AA, retirou a matrícula do suporte traseiro e desmontou o mencionado veículo. - Após, AA procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção da caixa de carga de mercadorias, do pára-choques frontal, cinco jantes de 16' e do banco do condutor que foram encontrados no interior do armazém n° .. do Bloco.. do Parque................ 11 - 144/17......... - Em data não concretamente apurada mas situada após o mês de Março de 2017, o arguido AA, de modo e quantia não apuradas entrou na posse de uma chapa de matrícula RF-..-.. correspondente ao veículo de marca ........, modelo ....... ........, pertencente a Nuno Casquinha, Unipessoal Lda. 12 - 38/17......... - No dia 24.03.2017, o arguido BB, por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-..-ML, no valor de € 5.000 pertencente à Lopes Azevedo & Filhos, Lda. e que se encontrava devidamente parqueado na Rua ..................... - Seguidamente, o arguido BB fez seu tal veículo e, sempre acompanhado por AA que circulava à sua frente a fim de averiguar a existência de autoridades policiais, transportou para o armazém 3 sito em ........, ................, entregando-o a este e recebendo BB em contrapartida quantia não apurada. - Aí, e durante os dias subsequentes, o arguido CC desmontou o mencionado veículo e cortou. - Posteriormente, o arguido AA vendeu o motor e a caixa de velocidade a indivíduos não identificados por valor não apurado. 13 - 62/17......... - Na execução de plano e em conjugação de esforços e intentos, em dia não apurado mas entre o dia 31.03.2017 e o dia 01.04.2017, o arguido BB, por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-QQ, no valor de €20.000,00 pertencente à ANCRA e que se encontrava devidamente parqueado no Mercado Municipal ............. - Seguidamente, o arguido BB fez seu tal veículo e, sempre acompanhado por AA que circulava à sua frente a fim de averiguar a existência de autoridades policiais, transportou para o armazém n° .., Bloco .., do Parque Empresarial ............, sito em ................., entregando-o e recebendo em contrapartida uma quantia monetária não apurada. - Aí, e durante os dias subsequentes, o arguido CC desmontou o mencionado veiculo e, com excepção da lona de cobertura da caixa de carga encontrada naquele local, deram aos respectivos componentes destino não concretamente apurado. 14 - NUIPC 224/17......... - No dia 3 de Abril de 2017, pessoa não concretamente apurada e por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-XO, no valor de pelo menos € 14.500,00 pertencente a FF e que se encontrava devidamente parqueado na Rua ...................., n° .., no .............. - Em data não concretamente apurada mas situada após o dia ../04/2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse do referido veículo transportou para um dos seus armazéns; - Aí, e durante os dias subsequentes, o arguido CC desmontou o mencionado veículo. - A cabine, do atrelado de reboque (chassis com pranchas), um comando do guincho, uma ponte de iluminação laranja, uma bomba hidráulica, um vidro frontal uma grelha frontal e duas chapas de matrícula dobradas foram colocados nos armazéns n° .. e .. do bloco .. do Parque.................., em .................., - Os restantes componentes foram vendidos a indivíduos não identificados por preço não apurado. 15 - 26/17.......... - No dia 12 de Abril de 2017, mediante a encomenda do arguido AA, o arguido BB, por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ....... modelo ......., de matrícula ..-..-PO, no valor de €10.000,00 pertencente a Câmara Municipal.................... e que se encontrava devidamente parqueado na Travessa ............, n° ..., ....................., - Seguidamente, o arguido BB fez seu tal veículo e transportou-o para junto da estação de comboios da ....................., conforme indicações do arguido AA. - De seguida, abandonou o local, apeado. - Nesse mesmo dia a patrulha da GNR ............... procedeu à apreensão do referido veículo. 16 - 548/17........... - Em data não concretamente apurada mas após as 15h00 do dia 21.04.2017, o arguido AA, de modo não concretamente apurado, entrou na posse o veículo de marca ......., modelo .., de matrícula ..-ID-.., no valor de €18.500,00 pertencente a GG, - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Nos dias subsequentes, o arguido CC, conforme instruções de AA, desmontou-o. - Posteriormente, AA procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção de duas matrículas e de várias peças de interior e eixo traseiro que foram encontradas no armazém n° .. e na Quinta ........., ................. 17 - 619/17.............. - Em dia não apurado mas entre as 21h00 do dia 26 de Abril de 2017 e as 07h00 do dia 29 de Abril de 2017, pessoa não identificada e por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-UC, no valor de pelo menos € 9.500,00 pertencente a sociedade Carga Útil, e que se encontrava devidamente parqueado na Rua ............. - Após tal data, o arguido AA, de modo não concretamente apurado, entrou na posse de tal veículo que foi transportado para um dos seus armazéns. - Aí, e durante os dias subsequentes, o arguido CC desmontou o mencionado veiculo. - De seguida, o arguido AA vendeu alguns componentes, por contrapartida monetária não apurada; - A caixa de carga em ferro, vários sinais de trânsito, pás de trabalho, um lona, duas portas de cabine, um rodado traseiro, uma quadrante com tacógrafo, um auto-rádio e três pneus com jante referentes àquele veículo foram encontradas armazém n° .., bloco .. do parque empresarial da Rua .................., ........, ............. 18 - 96/17........ - Em data não concretamente apurada mas após as 20h00m do dia 7 de Maio de 2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ........, modelo ........, de matrícula ..-PL-.., no valor de €2.000,00 pertencente a HH. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veícuio e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Nos dias subsequentes CC retirou as matrículas àquele veículo e fixou-lhe as matrículas ..-CZ-.., matrículas estas que haviam sido atribuídas a um outro veículo automóvel de marca ........, com características muito semelhantes às daquele, utilizado por AA - Em momento posterior, o referido veículo foi desmantelado pelos arguidos tendo AA procedido à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção de duas matrículas e de várias peças de interior e eixo traseiro que foram encontradas no armazém n° .. e na ...................., 19 - 586/17...... - Na execução de plano e em conjugação de esforços e intentos, no dia 11 de Maio de 2017, os arguidos BB e AA, decidiram apoderara-se do veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-MH, no valor de €5.000,00 pertencente a II, e que se encontrava devidamente parqueado na Praça da Independência em ............ - Assim, o arguido BB abeirou-se do referido veiculo e, por meio não apurado, logrou arrombar da fechadura da porta do condutor e aí introduzir-se. - Após, logrou arrombar o canhão de ignição e colocá-lo o veículo em funcionamento, fazendo-o seu. - Enquanto isso, AA encontrava-se no local a vigiar a circulação de pessoas, concretamente autoridades policiais. - Seguidamente, e já na posse do referido veículo e, sempre acompanhado por AA que circulava à sua frente a fim de averiguar a existência de autoridades policiais, o arguido BB transportou-o para o armazém .. Bloco .., do Parque ..........., sito em ....................., entregando-o àquele e recebendo em contrapartida uma quantia monetária não apurada. - Aí e durante os dias subsequentes o arguido CC desmontou o mencionado veículo, tendo o arguido AA procedido à venda dos seus componentes por valor não concretamente apurado, com excepção da cabine/habitáculo, a caixa de carga, quatro pneus com jantes e pára-choques frontal que foram encontrados no interior dos armazéns n° .. e .. Bloco .., do Parque.................., sito em .................. 20 - 594/17....... - Em data não concretamente apurada mas após as 21h00m do dia 11 de Maio de 2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse do veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-U, no valor de € 6.250,00 pertencente a JJ, tendo providenciado pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Nos dias subsequentes, e depois de lhe retirar as chapas de matrícula, o arguido CC, conforme instruções de AA, desmontou-o, - Posteriormente, AA procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção de uma carroçaria/habitáculo, um pára-choques frontal, uma grelha frontal, dois estribos, uma caixa de carga, uma lona, quatro jantes com pneus e um auto rádio que foram encontradas nos referidos armazéns n° …..... 21 - 244/17......... - Em data não concretamente apurada mas após as 22h30m do dia 11 de Maio de 2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse do veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-HV, no valor de pelo menos € 4,300,00 pertencente a KK. - Seguidamente, o arguido fez seu e providenciou pelo seu transporte para um dos seus armazéns. - Nos dias subsequentes, e depois de lhe retirar as chapas de matrícula, o arguido CC, conforme instruções de AA, desmontou-o. - Posteriormente, AA procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes, com excepção de uma carroçaria/habitáculo, uma caixa de carga, um saco de colete, quatro jantes com pneus que foram encontradas nos referidos armazéns n° …….. 22 - 192/17............. - Em data não concretamente apurada mas após as 14h00 do dia 18 de Maio de 2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ......., modelo ............, de matrícula ..-FJ-.., no valor de pelo menos € 4500,00 pertencente a massa insolvente de LL. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e transportou-o para um dos seus armazéns. - Aí e durante os dias subsequentes o arguido CC procedeu ao desmantelamento do referido veículo, tendo inclusive rasurado o número de quadro gravado na mencionada carroçaria de ....... ............, assim impedindo a sua identificação. - Posteriormente, AA colocou a cabine/habitáculo e a caixa de carga metálica no veículo de marca ......., modelo ............ de matrícula ..-JU-.. (que aí se encontrava acidentado para reparação), propriedade de MM a quem AA cobrou a quantia de €6.000,00 por tais peças. - Após procedeu à venda, por valor não apurado, do motor e da caixa de velocidades. 23 - 21/17......... - Na execução do referido plano e em conjugação de esforços e intentos, em dia não apurado mas entre o dia 20 de Maio de 2017 e o dia 25.05.2017, o arguido BB, por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-ZQ, de valor não apurado, pertencente a NN, que se encontrava estacionado na rua do cemitério, ........... - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e, sempre acompanhado por AA que circulava à sua frente a fim de averiguar a existência de autoridades policiais, transportou para o armazém sito na ..............., entregando-o e recebendo em contrapartida uma quantia monetária não apurada. - Aí e durante os dias subsequentes o arguido CC desmontou o mencionado veiculo e AA vendeu os respectivos componentes por valor não concretamente apurado. - Nos dias 13, 14 e 16 de Junho e 4 de Julho, e na execução de buscas autorizadas nos autos, foram encontrados na posse dos seguintes arguidos os objectos a seguir referidos: A) Arguido CC: - Um (01) molho de chaves onde se encontram as chaves do Armazém n.°…. e n.°…. do Lote .. da Rua ...................; b) Arguido OO - um telemóvel de marca Nokia, com o Imei n° ....43 e .....50; - um telemóvel de marca Samsung, com o imei n° ....20; c) Arguido PP: Na interior da sua residência: - 1 um presunto; foi localizado, e apreendido pendurado do lado direito junto à porta de entrada, - 1 um telemóvel dual sim, de marca….., modelo…….., de cor branco, com o IMEI ....35, com IMEI ......43, com o número de série .....18, sem cartão SIM, com capa branca, com bateria e com caixa de cartão, foi localizado e apreendido em cima do frigorífico. - 1 um telemóvel dual sim, de marca ……, modelo ….., de cor preta, com o IMEI .....79, com IMEI .....45, com o número de série .....19, com um cartão SIM da operadora Nos, com bateria, com o ecrã partido e com capa de silicone, foi localizado e apreendido em cima do frigorífico. - 1 um telemóvel dual sim, de marca……, modelo……, de cor preta, com o IMEI ......85, com IMEI .......83, com o número de série ......., com um cartão SIM da operadora Vodafone/Yorn, com bateria e com capa em pele da marca ……, de cor preta, foi localizado e apreendido em cima do frigorífico. - 1 um telemóvel de marca ……., modelo ……, de cor preta, com o IMEI .....41, com IMEI ......48, com um autocolante na capa com a inscrição do número do telemóvel .......70, sem cartão SIM e com bateria, foi localizado e apreendido em cima do frigorifico. - 1 um telemóvel de marca….., modelo……, de cor preta e branca, com o IMEI .....29, sem cartão SIM, com o ecrã partido e com bateria, foi localizado e apreendido em cima do frigorífico. No interior do seu veículo automóvel: - 1 um cigarro partido da marca "….", foi localizado e apreendido no compartimento da porta da frente, do lado direito do veículo. - 1 um telemóvel de marca ……, modelo ……, de cor preta, com o IMEI ........89, com cartão SIM da operadora Vodafone e com bateria, foi localizado e apreendido no compartimento da consola central, junto ao travão de mão do veículo, d) Arguido AA 1. -Um (01) molho de chaves onde se encontra a chave do Armazém n.°.. do Lote .. da Rua .................; - Um (01) telemóvel de marca ….., modelo ……., IMEI ..........10, com o cartão telefónico da NOS correspondente ao número .......91; - Um (01) telemóvel de marca ……, modelo……, IMEI ...........37, com o cartão telefónico da NOS correspondente ao número .......95; 2. No interior do armazém nº 3: - Cinco (05) Botijas de ar comprimido "ÁRGON" de cor verde com a numeração …..06; - Quatro (04) Botijas de ar comprimido "DIÓXIDO DE CARBONO" de cor verde com a numeração …..13; - Duas (02) Botijas de ar comprimido "AZOTO" de cor verde com a numeração …..66; - Nove (09) Jantes de 16" com Pneu; - Um (01) Pára-choques traseiro com grelha soldada como protecção dos faróis; - Uma (01) Caixa de mercadorias de um veículo marca ..... modelo ..... de cor verde, sem matrícula ou identificação; - Um (01) Atrelado de mercadorias em ferro, cor cinza, sem matrícula ou identificação, contendo em cima do mesmo uma (01) Caixa de mercadorias de um veículo marca ........ modelo ..... de cor verde, sem matrícula ou identificação, com o respectivo pára-choques frontal; - Uma (01) Cabine marca ........ modelo ......., de cor branca, com a inscrição ".......", sem matrícula ou identificação; - Um (01) Veículo pesado de mercadorias, com caixa, marca ....... modelo ......., de cor branca, com o número de motor rasurado/picotado, de matrícula ..-..-XM; - Uma (01) Caixa de mercadorias isotérmica "Fibra Quatro" de cor branca, sem matrícula ou identificação, com várias caixas de fruta no seu interior, de várias empresas de comércio, nomeadamente em nome de H…………, datada de …..2016; - Um (01) Chapéu-de-chuva; - Um (01) Cachecol de Portugal; - Um (01) Banco/Assento de ........ .....; - Uma (01) capa plástica da L………... Comércio de Automóveis, Lda, contendo no seu interior uma declaração europeia de acidente, folha de inspecção periódica e certificado de seguro, referentes à matrícula ..-91-.. (v. NUIPC 94/17........); No interior de uma caixa no chão: - Um (01) Caderno ........ MOTORS contendo no seu interior um cartão "Members Card" referente à matrícula ..-..-US (v. NUIPC 3/17.......); - Um (01) Caderno ........ MOTORS contendo no seu interior um cartão "Members Card" referente à matrícula ..-..-IV (v. NUIPC 237/17...............); 3. No interior do armazém nº 6: - Uma (01) Carroçaria/Habitáculo de cor branca, sem motor, com a inscrição "........" no suporte em plástico que ostenta a vinheta de seguro (no vidro frontal), pertencente ao veículo de matrícula ..-..-HV, cuja caixa de mercadorias de cor castanha, se encontra apreendida no armazém n.° .. e consta em auto de busca e apreensão datado do dia ..-06-2017 (v. NUIPC 244/17.........); - Uma (01) Carroçaria/Habitáculo de cor branca, sem motor, pertencente ao veículo de matrícula ..-..-IJ, cuja caixa de mercadorias de cor cinza, se encontra apreendida no armazém n.° … e consta em auto de busca e apreensão datado do dia 13-06-2017 (v. NUIPC 594/17.......); - Uma (01) Carroçaria/Habitáculo de cor azul e cinza, sem motor, pertencente ao veículo de matrícula ..-..-MH, cuja caixa de mercadorias de cor azul e cinza, se encontra apreendida no armazém nº … e consta em auto de busca e apreensão datado do dia 13-06-2017, (v. NUIPC 586/17......); - Um (01) Atrelado de Reboque, pertencente ao veículo de matrícula ..-..-XO, cuja cabine (sem interior) se encontra apreendida no armazém nº … e consta em auto de busca e apreensão datado do dia 13-06-2017 (v. NUIPC 224/17.........); 4. No interior do armazém nº ..: - Uma (01) Cabine sem interior, marca ........ modelo ......., cor branca, serviço de Pronto-Socorro; - Uma (01) Ponte de Iluminação; - Duas (02) Portas; - Um (01) Vidro Frontal; - Uma (01) Grelha ........; - Várias peças de interior de cabine; - Um (01) Rodado traseiro; - Uma (01) Bomba Hidráulica; - Um (01) Comando de Reboque (v. NUIPC 224/17.........); - Uma (01) Caixa de carga em madeira, cor castanha; - Uma (01) Caixa de carga em ferro, cor cinza; - Uma (01) Botija de gás propeno marca OZ Energia, cor amarela, de 43,1kg; - Uma (01) Botija de gás propeno marca OZ Energia, cor verde, de 43,1kg; - Três (03) Botijas de gás Pluma marca GALP; - Várias peças, marca ....... modelo ..........; - Quatro (04) Jantes com pneu pertencentes a um veículo marca ........ ..... de cor cinza; - Oito (08) Jantes com pneu pertencentes a um veículo marca ........ ..... de cor branca; - Seis (06) Jantes com pneu, sem marca; - Um (01) Empilhador manual de cor amarela; - Um (01) Empilhador manual, marca OM FIMESPO, de cor amarela; - Uma (01) Carroçaria em ferro, contendo no seu interior: - Vários Sinais de Trânsito; - Pás de Trabalho; - Restos de Alcatrão; - Um (01) Caixa referente ao veículo de mercadorias, marca ........ modelo ....., cor azul e cinza (V.NUSPC586/17......); - Um (01) veículo marca ........ desmanchado, de cor cinza, - com a vinheta de seguro no vidro frontal pertencente ao veículo de matrícula ..-CZ-.., com várias peças pertencentes ao mesmo (v. NUIPC96/17........); - Duas (02) Chapas de Matrícula ..-CZ-.. referentes ao veículo marca ........ cor preto (propriedade do Visado AA); - Um (01) veículo marca ........ modelo ....., cor verde e cinza de matrícula ..-..-ZQ (v. NUIPC 61/17.........); - Uma (01) Caixa referente ao veículo pesado de mercadorias, marca ....... de matrícula ..-NV-.. (v. NUlPC 44/17............), contendo no seu interior: - Uma (01) Rebarbadora marca …., cor vermelha, com oito (08) discos; - Uma (01) Rebarbadora marca …., cor amarela, com cinco (05) discos; - Um (01) Maçarico ….., cor vermelho; - Cinco (05) Auto-rádios não identificados; - Um (01) Quadrante marca ........ com tacógrafo a marcar 156490kms; - Dois (02) Canhões de Ignição Estroncados; - Um (01) Extintor ….. 6kg, com a inscrição "......."; - Uma (01) Grelha frontal ........, cor preta; - Uma (01) Grelha frontal ........, cor cromada; - Na caixa do próprio veiculo continha uma (01) caixa de papelão contendo no interior: - Seis (06) Redutores domésticos de gás butano, marca Butano Energia; - Dois (02) Adaptadores de gás butano/propano, marca Gás Energia; - Dois (02) Redutores …..; - Um (01) Redutor sem marca ou identificação; - Na caixa do próprio veículo continha uma (01) caixa de papelão contendo no interior: - Dez (10) Reguladores de Baixa Pressão, marca…..; - Um (01) Adaptador marca…..; - Dois (02) Redutores azuis, marca….; - Três (03) Tubos de gás ….Energia; - Dois (02) Mecanismos de regulação de pressão; - Um (01) Saco preto contendo no seu interior: - Duas (02) Chapas de Matrícula ..-..-MH (v. NUIPC 586/17......); - Um (01) Livro ........ pertencente a II, proprietário do veículo de matrícula ..-..-MH (v. NUIPC 586/17......); - Uma (01) Factura da….., Nº ……..64 em nome de QQ referente ao veículo de matrícula ..-..-MH (v. NUIPC 586/17......); - Um (01) Selo de Inspecção pertencente ao veículo de matrícula ..-..-MH (v. NUIPC 586/17......); - Um (01) Selo de Seguro Ailianz pertencente ao veículo de matrícula ..-..-MH (v. NUIPC 586/17......); - Um (01) Saco de Colete com a inscrição ..-..-HV; - Um (01) Selo de inspecção pertencente ao veículo de matrícula ..-..-HV; - Um (01) Boletim de marcação de Fisioterapia Almeirim em nome de KK, proprietário do veículo de matrícula ..-..-HV; - Uma (01) Factura …….. em nome de RR (v. NUIPC 244/17.........); - Duas (02) Chapas de Matrícula ..-ID-.. (v. NUIPC 548/17...........); - Uma (01) Chapa de Matrícula ..-..-XO (v. NUIPC 224/17.........); - Um (01) Canhão Estroncado; - Uma (01) Chave com porta-chaves do Sporting; - Uma (01) Chapa de identificação de veículo, dobrada com a inscrição…..; - Uma (01) Lona grande de cor azul, com faixas de cor laranja no seu interior; - Uma (01) Lona pequena de cor azul; - Uma (01) Lona de cor castanho, com vestígios de alcatrão; - Um (01) Pára-choques frontal, de cor branca, com os respectivos cantos; 5. No interior da sua residência sita na .........: Em cima da cómoda: - Um (01) comprovativo de depósito bancário, no valor de 200,00€ na conta .......25 do Novo Banco titulada por SS, datado de ...2017; A) no espaço exterior em frente à residência: - Um chassis de um veículo de mercadorias, com o VIN raspado; - Uma (01) caixa de carga, de marca ........ ....., com Top Case - Hard Top, com vidros, de cor azul e cinzento; - Um (01) capot de cor cinzenta, de marca ......., modelo ........., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (V.NUIPC192/17.............); - Uma (01) porta traseira esquerda de cor cinzenta, de marca ......., modelo ........., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); - Um (01) pára-choques frontal de cor cinzento, de marca ......., modelo ........., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); - Um (01) volante, de marca ......., modelo ........., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); - Um (01) radiador de arrefecimento de marca ......., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); - Um (01) intercooler de marca ......., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); - Duas (02) chapas de matrícula cortadas, referentes ao veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-HV (v. NUIPC 122/16........); B) No interior de um contentor: - Um (01) eixo traseiro de marca ......., pertencente ao veículo de matrícula ..-ID-.. (v. NUIPC 548/17...........); C) No espaço exterior em frente ao primeiro armazém: - Um chassis de um veículo de marca ......., modelo ........, com o número de quadro ............38; No primeiro armazém do lado esquerdo: Em cima de uma bancada: - Um (01) porta-luvas, de marca ......., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.., contendo no seu interior os documentos identificativos do veículo mencionado, nomeadamente certificado de seguro, certificado de inspecção e factura de venda do veículo em nome de LL (v. NUIPC 192/17.............); - Um (01) quadrante de marca ......., modelo ........., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); - Um (01) Auto-rádio de marca ......., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v, NUIPC 192/17.............); - Um (01) comutador de luzes de marca ......., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); - Um (01) canhão de ignição com chave, de marca ......., pertencente ao veículo furtado ..-FJ-.. (v. NUIPC-192/17.............); Em cima de uma bancada no interior de uma caixa: - Duas (02) chapas de matrícula cortadas, correspondentes ao veículo ..-..-ML (v. NUIPC 38/17.........); - Uma (01) chapa de matrícula cortada, correspondente ao veículo RF-..-.. (v NUIPC144/17.........); - Uma (01) chapa de matrícula cortada, correspondente ao veículo ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); - Uma (01) chapa de matrícula dobrada, correspondente ao veículo ..-FJ-.. (v. NUIPC 192/17.............); No interior de um contentor: - Vinte e cinco (25) munições de calibre .38; - Quarenta e seis (46) munições de calibre .32; - Cinquenta e duas (52) munições de calibre 7,65; - Trinta e duas (32) munições de calibre 6,35; - Quarenta (40) munições de calibre .22; - Cento e três (103) cartuchos de calibre 12 de chumbo fino; - Dez (10) cartuchos de calibre 12 de Zagalote; - Dois (02) cartuchos de calibre 12 de Bala; - Cinco (05) cartuchos de calibre 12 deflagrados; - Um (01) cartucho de calibre desconhecido; - Um (01) coldre em pele para arma de calibre 7,65; - Uma (01) chave de fendas afiada para arrombar fechaduras; No segundo armazém do lado esquerdo: Em cima de uma bancada: - Seis (06) cartuchos de calibre 12, de chumbo fino; - Três (03) cartuchos de calibre 12, de bala; - Duas (02) munições de calibre 6,35mm; - O arguido AA não tem qualquer Licença de Uso e Porte de armas. - Com a actividade supra referida os arguidos AA, CC e BB obtêm rendimentos com algum carácter de regularidade com vista à sua subsistência; - O arguido AA para além da actividade supra referida, dedica-se, ainda à venda de carácter ocasional, de produtos hortícolas; - O arguido CC para além da actividade supra referida, efectua alguns trabalhos de mecânico para a ...............; - O arguido BB para além da actividade supra referida desenvolve trabalhos ocasionais agrícolas; - Nas ocasiões supra descritas referentes aos NUIPCs n°s 38/17........., 62/17........., 26/17.............., 586/17...... e 21/17........., os arguidos AA e BB agiram com o propósito concretizado de subtrair os descritos veículos bem com fazer seus tais objectos, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem a autorização e contra a vontade dos seus legítimos proprietários, dedicando-se a tal actividade de modo habitual e como parte da sua fonte de sustento; - Nas ocasiões supra descritas referentes aos NUIPCs n°s. 24/16........, 247/16........, 774/16......., 343/16........, 94/17........, 3/17......., 44/17............, 237/17..............., 224/17.............., 548/17..........., 619/17.............., 96/17........, 594/17......., 244/17......... e 192/17............. o arguido AA agiu com o propósito concretizado de receber, deter, desmantelar e alienar peças e veículos, sabendo que tais peças e veículos tinham sido ilegitimamente subtraídos aos seus proprietários, fazendo-o com o intuito de obter proveito económico, consubstanciado na remuneração decorrente das vendas das partes, dedicando-se a tal actividade de modo habitual e como parte da sua fonte de sustento; - Nas ocasiões supra descritas referentes aos NUlPCs 44/17............, 237/17..............., 38/17........., 62/17........., 224/17........., 548/17..........., 619/17.............., 96/17........, 586/17......, 594/17......., 244/17......... e 192/17............. o arguido CC agiu com o propósito de proceder ao desmantelamento dos veículos, sabendo que tais veículos tinham sido ilegitimamente subtraídos aos seus proprietários, fazendo-o com o intuito de obter proveito económico, consubstanciado numa remuneração, que constituía parte da sua fonte de sustento; - Nas ocasiões supra descritas referentes aos NUIPCs 24/16........, 774/16....... agiu o arguido AA com o propósito concretizado de inutilizar o número de quadro dos veículos, assim colocando em causa a fé pública e o valor probatório inerente às inscrições do número de quadro, o que fez com o intuito de obter um benefício que sabia ser ilegítimo, consubstanciado na circunstância de impedir a sua identificação pelas autoridades e assim se eximir ao cumprimento de obrigações legais e ainda de ocultar a proveniência ilícita do referido veículo. - Nas ocasiões supra descritas referentes aos NUIPCs 44/17............ e 96/17........ agiram ainda os arguidos AA e CC com o propósito comum e concretizado de inutilizar o número de quadro dos veículos, assim colocando em causa a fé pública e o valor probatório inerente às inscrições do número de quadro, o que fizeram com o intuito de obter um benefício que sabiam ser ilegítimo, consubstanciado na circunstância de impedir a sua identificação pelas autoridades e assim se eximir ao cumprimento de obrigações legais e ainda de ocultar a proveniência ilícita do referido veículo, - Ao aporem no ........ pertencente a HH as referidas chapas de matrícula, sabendo que as mesmas haviam sido atribuídas a outro veículo, parcialmente destruído em acidente de viação, visavam os arguidos AA e CC, colocar o veículo em causa em circulação com as matrículas que lhe estavam a ser apostas, visando assim ludibriar as autoridades fiscalizadoras respectivas quanto aos verdadeiros elementos de identificação do mesmo, furtá-lo à necessária legalização e, deste modo, obterem para si vantagens patrimoniais a que sabiam não terem direito. - O arguido AA possuía as supra referida munições, em bom estado de funcionamento, sem que para essa posse tivesse Licença de uso e porte de arma válida. - Sabia ser proibida a posse da descrita arma e respectivas munições, sem ser possuidor de Licença de Uso e Porte de Armas válida. - Os arguidos AA, CC e BB agiram de modo consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas e tinha a liberdade necessária para se conformar com essa actuação. Factos da contestação do arguido BB: - O arguido é considerado como pessoa educada, atenciosa e respeitadora, bem como é estimado por aqueles que o conhecem; - O arguido, logo que saia em liberdade, tem já a perspectiva de vir a trabalhar. Factos da contestação do arguido CC: - O arguido CC cumpriu pena de prisão, no estabelecimento prisional ..........., entre 20 de Abril de 2016 a 19 de Novembro de 2016, e quando saiu em liberdade começou a trabalhar, como ….., para a ..........., fazendo uns "…..", sempre que o contactavam, na localidade ......, tendo sido nesta que conheceu o co-arguido AA; Quando passou a trabalhar para AA auferia o pagamento diário da quantia de €50,00 (cinquenta euros) por dia de trabalho; Do pedido de indemnização formulado pela Lopes Azevedo & Filhos, Lda. O veículo da marca ......., modelo ......., com a matrícula ..-..-ML, é propriedade Lopes Azevedo & Filhos, Lda. Em consequência da conduta dos arguidos AA e BB a Lopes Azevedo & Filhos, Lda. viu-se desapossada e privada do uso do seu veículo de matrícula ..-..-ML; À data dos factos o veículo de matrícula ..-..-ML possuía um valor comercial de € 5.000,00; Do pedido de Indemnização formulado por Construções Folhanense, Lda, O veículo de marca ........, modelo ......., matrícula ..-91-.. pertence à sociedade Construções Folhanense, Unipessoal, Lda.; O mesmo veículo tinha o valor de € 9.000,00; Do pedido de Indemnização formulado por Catimoz - Comercialização e Transporte de Materiais de Construção - Sociedade Unipessoal, Lda. O veículo de matrícula ..-FA-.. propriedade da Catimoz - Comercialização e Transporte de Materiais de Construção - Sociedade Unipessoal, Lda., valia em Abril de 2016 a quantia de € 14.000,00€; Do pedido de Indemnização formulado por Nuno Casquinha, Unipessoal, Lda. Nuno Casquinha, Unipessoal, Lda. é dona e legitima proprietária da viatura de matrícula RF-..-.., de marca ........, modelo ....... FE444, a qual à data dos factos, se encontrava em perfeito estado de funcionamento e tinha o valor de € 4.000; Do pedido de Indemnização formulado por Gastâmega - Distribuição e Instalação de Gás a Granel, Lda. Gastâmega, Distribuição E instalação De Gás A Granel, Lda. é proprietária do veículo de marca ......., modelo ....... L75-42, de matrícula ..-NV-..; Em consequência do seu desmantelamento o referido veículo foi totalmente destruído; A demandante adquiriu o veículo supra identificado no estado novo em 13-09-2013, pelo preço de €33.700.00, Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ......30, a demandante transferiu para a companhia de seguros Liberty a responsabilidade pelo risco de danos a terceiros; À data em que foi furtado, o veículo tinha três anos e seis meses, e encontrava-se em perfeitas condições de funcionamento e bem estimado. O tipo de veículo em causa tem uma grande procura pela versatilidade e adaptabilidade a vários tipos de trabalhos, sendo raros no mercado de usados em virtude de serem veículos de grande durabilidade, À data do furto o veículo da demandante tinha um valor não concretamente apurado, mas pelo menos de €15.000,00; A demandante é uma empresa que se dedica à instalação e distribuição de gás. O veículo em causa nos autos era o único veículo pesado de que a demandante dispunha para proceder ao transporte e entrega do gás aos seus clientes, pois, tratava-se de um veículo pesado com carga até 7,5 toneladas, que diariamente o veículo era utilizado para efectuar um percurso de cerca de 60 quilómetros. Após o desaparecimento do veículo a demandante viu-se forçada a utilizar um veículo ligeiro, de que é também proprietária para honrar os seus compromissos de entregas; Contudo este veículo da demandante só permite transportar até 3,5 toneladas, o que é insuficiente para o transporte diário da carga (garrafas de gás) para os clientes da demandante. Assim, para realizar os serviços que tinha contratado com os seus clientes e para respeitar o limite de carga do já referido veículo de recurso, a demandante passou a ter que realizar cerca de 130 quilómetros diariamente, ao invés dos habituais 60 (tendo que fazer mais viagens de ida e volta ao armazém); Só a ../06/2017 a demandante logrou adquirir um veículo usado de marca ....... modelo ....... L 75-38, pelo preço de € 22755,00, de características inferiores ao veículo ..-NV-.., o qual teve de ser adaptado com: a) Carroçaria nova em ferro e contraplacado com chapa no chão, no valor de €3.075; b) Colocação de legendagem publicitária, no valor de €178,50; c) Substituição do certificado de matrícula por alteração do carácter do veículo no valor de €50,00. Para a recolha das partes recuperadas do veículo e por se tratarem de peças de grandes dimensões, foi necessário usar uma carrinha, nos dias 22/06/2017 e 30/06/2017 para transporte das peças de ........... para ......, tendo a demandante gasto em cada viagem em gasóleo e portagens, a quantia de €82,90; A demandante mandou proceder ao cancelamento da matrícula, tendo pago pelo respectivo emolumento € 10,00; Do pedido de Indemnização formulado por ANCRA - Associação Nacional dos Criadores de Raça Arouquesa ANCRA - Associação Nacional dos Criadores de Raça Arouquesa é proprietária do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-QQ; O mesmo veículo era utilizado pela demandante na actividade que desenvolve, no âmbito do seu objecto social, concretamente para transporte de animais vivos. Em consequência do desmantelamento do veículo de matrícula ..-..-QQ o mesmo ficou inutilizado. À data dos factos o referido veículo valia € 20.000,00 Do pedido de Indemnização formulado por JJ O veículo de matrícula ..-..-IJ, Ligeiro de Mercadorias, a gasóleo, modelo ....., da marca ........, do ano 1997, com cinco lugares e caixa aberta, cilindrada 2477, era da propriedade de JJ e encontrava-se em muito bom estado, quer em termos mecânicos, quer de pintura. À data dos factos o veículo tinha cerca de 90,000 Km; O veículo de matrícula ..-..-IJ tinha um valor de mercado de pelo menos de € 5.000,00; Em Setembro de 2017, as peças do veículo que foram encontradas no armazém foram entregues a JJ, peças essa sem qualquer valor económico, por inutilizadas e que não permitem a recuperação do veículo. O veículo em causa tinha sido deixado em herança a JJ pelo seu pai, tendo a mesma por tal veículo um valor afectivo; JJ utilizava a carrinha para a execução de trabalhos agrícolas em terrenos herdados do seu pai na zona de ........, bem como em trabalhos agrícolas na zona de .......... onde tem conjuntamente com o seu marido terrenos agrícolas. Para realização de tais trabalhos JJ necessita de um veículo as mesmas características do veículo de matrícula ..-..-IJ; Em 2017 teve que recorrer a terceiros para que lhe cedessem um veículo similar para a execução desses trabalhos, isto por 64 dias, entre os meses de Maio de 2017 e Setembro de 2017; O custo de um veículo de substituição por tal período ascenderia ao montante global de € 2.520,00 € (Dois mil quinhentos e vinte euros), considerando que o custo diário do aluguer de um veículo com aquelas características é de pelo menos € 45,00; JJ tinha uma especial estima pelo veículo, uma vez que este lhe tinha sido deixado em herança pelo pai, sendo que a manutenção do veículo era feita com grande cuidado seja quanto à mecânica, seja quanto à pintura e interiores, que se encontravam em estado que se pode qualificar de muito bom. O referido veículo em questão, fazia-lhe recordar e reviver os momentos de alegria e felicidade que tinha vivido em família com o pai, sendo a manutenção do veículo uma forma de manter viva a memória do pai, pelo que não tinha qualquer intenção de se desfazer do mesmo. O desaparecimento do veículo causou-lhe um grande sofrimento, tendo no período que se seguiu ao desaparecimento da viatura, ficado triste, melancólica e depressiva, tornando-se especialmente sensível no relacionamento com a restante família, chorando frequentemente e ficando muitas vezes prostrada e sem vontade de trabalhar, sobretudo em virtude da sua mãe, por manter igual valor afectivo pelo veículo, a culpar pelo desaparecimento do mesmo; Do pedido de Indemnização formulado por Cama Útil, Transportes, Lda, O veículo de matrícula ..-..-UC foi totalmente destruído com o desmantelamento; A Carga Útil, Transportes Lda. adquiriu o referido veículo no estado de usado em ../06/2011, pelo preço de €13.500,00. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº .......21, a demandante transferiu para a Seguro Automóvel da Caixa de Crédito Agrícola, a responsabilidade pelo risco de danos a terceiros, não incluindo, assim a cobertura por danos próprios; Não obstante ser usado, o veículo estava em perfeitas condições de funcionamento e bem estimado. O veículo em causa tem uma grande procura pela versatilidade e adaptabilidade a vários tipos de trabalhos, sendo raros no mercado de usados em virtude também de ser veículos de grande durabilidade. À data do furto o veículo da demandante valia pelo menos € 5.000,00; A Carga Útil, Transportes Lda. é uma empresa que se dedica ao transporte de materiais de construção. O veículo em causa, era um veículo pesado com carga até 10 toneladas, e era o único veículo pesado de que a demandante dispunha para proceder ao transporte de materiais de construção e utensílios de trabalho para as obras que são realizadas pelas empresas do grupo. Diariamente o veículo era utilizado para transportar dos supra referidos materiais, sendo indispensável para o serviço da demandante. Após o dia 29/04/2017 a demandante teve que transportar os materiais em vários carros ligeiros, não tendo a mesma, ao momento, capacidade económica e financeira para adquirir um veículo com as características do de matrícula ..-..-UC. Na sequência da recuperação dos bens a demandante, na pessoa do seu legal representante, efectuou duas deslocações entre .........., uma no sentido de identificar as peças do seu veículo e os seus objectos e outra para vir recolher estes mesmos pertences, sob pena de lhe ser imputada uma quantia por cada dia em que os mesmos fossem guardados. Para a recolha e por se tratarem de peças de grandes dimensões, foi necessário usar uma carrinha (veículo de categoria B) no dia ../06/2017 para transporte das peças; Por cada viagem em gasóleo e portagens a demandante despendeu a quantia de € 47,06; Do pedido de Indemnização formulado por KK KK era proprietário do veículo de marca ........, modelo ..... de matricula ..-..-HV, e estava estacionado à porta da casa do mesmo, sita na Urbanização ..........., Rua ..........., lote .., ....-.... ......, no dia 11 de Maio de 2017, quando lhe pessoa não identificada se apropriou do mesmo; O veículo de matrícula ..-..-HV, apesar de ter uma matrícula de Janeiro de 1997, estava em bom estado de conservação e funcionamento, e valia, em caso de venda ou troca por outro veículo, quantia não inferior a 4.300,00 euros As peças que KK recuperou foram vendidas no mercado de peças usadas, pelo valor de € 100,00; Do pedido de Indemnização formulado por EE EE é proprietário do veículo de marca ........, modelo ..... de matrícula ..-..-1V; A viatura em causa, não obstante já ter uma matrícula de Setembro de 1997, estava em bom estado de conservação e funcionamento, e valia, em caso de venda do mesmo ou troca por outro veículo, quantia não inferior a 4.800,00 euros; Factos apurados quanto à situação pessoal e condição socioeconómica do arguido AA: AA é natural .............., concelho .................., e nasceu no seio de uma família numerosa, sendo o segundo elemento de uma fratria de cinco irmãos. Sendo que o irmão mais velho faleceu em 2003 e os restantes irmãos encontram-se emigrados na ............ O progenitor dedicava-se ao …… (adquiria ….. e vendia…..) e a progenitora dedicava-se às actividades domésticas. A actividade laboral dos progenitores, bem como a exploração …….que detinham, permitiu ao agregado uma vivência sem constrangimentos económicos. Sendo o modelo educativo imposto pautado pelas regras e tradições, postura que promoveu a união e o apoio familiar. Aos 4 anos de idade viaja para .........., na companhia da mãe e os restantes irmãos, de modo a reunirem-se com o progenitor que já explorava, naquele país, armazéns…... Após o 25 de Abril de 1974, regressa a Portugal com a restante família, à excepção do progenitor que viaja para a ......., onde permanece durante 10 anos, com o intuito de proteger …. da família. O seu percurso académico foi iniciado em idade regular, tendo frequentado o 2º Ciclo de Ensino Básico ......., mas, após reprovação no 6º ano de escolaridade, abandona o ensino. Vem a terminar, mais tarde, este nível de ensino no Estabelecimento Prisional ............ Em termos laborais, AA terá iniciado, aos 14 anos de idade, actividade na Empresa .........., na ............, embora mantivesse o apoio aos progenitores no que diz respeito à exploração dos terrenos agrícolas e pomares da família. Aos 19 anos de idade cumpre o serviço militar obrigatório durante dois anos e, posteriormente, passa a dedicar-se à construção civil, dado ter a necessidade de sustentar o seu agregado constituído aos 18 anos, em consequência de uma gravidez não planeada. O arguido beneficiou do apoio do progenitor, que na altura comprou uma casa para cada filho. Deste casamento nasceu uma filha, actualmente com 34 anos de idade que reside na ........... e com a qual o arguido manterá uma boa relação afectiva. Embora esta união marital viesse a terminar passados cerca de 4 anos, AA manterá uma relação cordial com a mãe da filha primogénita. Como consequência da separação o arguido torna a residir com os progenitores cerca de 2 anos até aceitar uma colocação laboral em .........., na área da construção civil, onde se manteve durante 2 anos. Posteriormente, começou a trabalhar por conta própria na mesma área laboral, mas dada a crise na construção dos anos 90 iniciou-se no comércio de produtos hortícolas e frutas, fornecendo restaurantes e pequenas lojas de bairro. Em ...... reencontra uma vizinha e amiga de infância, TT, que trabalhava como cabeleireira e residia na ........ com a filha daquela, tendo estabelecido com a mesma uma união de facto. Desta relação nasceu o seu filho, actualmente com 19 anos de idade. Em termos laborais e de modo a sustentar a nova família começou a dedicar-se ao comércio de veículos automóveis. Entre 30/11/2000 a 03/02/2006 esteve em cumprimento de uma pena de prisão, primeiramente, no Estabelecimento Prisional ........... e posteriormente, no Estabelecimento Prisional ........, de modo a beneficiar de visitas da família constituída. Ao longo do cumprimento da pena usufruiu de medidas de flexibilização da pena, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena, Em 2008, AA adquire uma propriedade de 6000m2, no ............, através de empréstimo bancário, com o intuito de afastar o filho ....... e da criminalidade existente na capital, aliado ao impedimento da companheira continuar a exercer a actividade laboral de cabeleireira, devido a doença profissional. Nesta propriedade foi construída a habitação da família e a mesma passou a dedicar-se ao cultivo de produtos hortícolas e à criação de animais domésticos para consumo próprio e para venda de pessoas conhecidas. Em termos laborais o arguido começa a dedicar-se ao arremate de sucata. Entre 2014 e 2017, o arguido residia com a companheira e o filho numa casa térrea de tipologia T4, descrita como tendo boas condições de habitabilidade, localizada na sua propriedade na ........., no ........, local rural que não está conotado com problemáticas sociais e criminais. AA dedicava-se ao arremate de sucata, a companheira envolvia-se da exploração agrícola e pecuária da propriedade e o filho do casal trabalha no armazém de produtos hortícolas e frutas, auferindo cerca de 600€ mensais. Perante a presente situação económica da família o arguido equaciona, em termos futuros, vir a emigrar para a ........... com a companheira e o filho de modo a reunir-se com os seus irmãos e procurar melhores condições de vida. O arguido frequentava, regularmente, um …. integrado no Clube ............, onde é descrito como um individuo pacato, discreto e prestável. A nível das suas competências pessoais e sociais, o arguido afigura-se como uma pessoa simples, com boas competências ao nível do relacionamento interpessoal e com um raciocínio moral convencional. Evidencia capacidade de empreendorismo e alguma ambição, que parecem decorrer da história e cultura familiar, embora não pareça valorizar um estilo de vida consumista ou de ostentação. Perante situações de conflito opta pelo evitamento, pelo que a sua imagem social está conotada pela pacatez e reserva. AA encontra-se preso preventivamente desde 16 de Junho de 2017, tendo um significativo impacto na sua vida familiar, dado não estar a acompanhar o seu filho no momento de transição para a vida adulta e de a sua companheira, que padece de claustrofobia, encontrar-se sobrecarregada com todas as tarefas da quinta. De modo a fazer face às necessidades económicas a companheira do arguido arrendou o armazém sito na propriedade da família. Quer o filho, quer a companheira de AA diminuíram o seu convívio social de modo a protegerem-se das críticas que a alegada conduta do arguido tem sido alvo. O arguido dispõe de apoio familiar recebendo visitas regulares da companheira, filho, enteada, cunhado e outros familiares, no Estabelecimento Prisional ............ Em meio prisional o arguido demonstrou motivação para matricular-se no Curso de Educação e Formação de Adulto de 3º Cicio de Ensino Básico (EFA B3), o qual tem frequentado com empenho e assiduidade. Em contexto prisional, AA apresenta uma postura ajustada no trato com os funcionários do Estabelecimento Prisional, no entanto, em 25/09/2017 registou uma infracção disciplinar, por posse de um telemóvel e de um carregador. Factos apurados quanto à situação pessoal e condição socioeconómica do arguido CC: O processo de desenvolvimento de CC decorreu na zona ......., periferia rural........, no contexto de uma família extensa, sendo o 3º de uma fratria seis irmãos uterinos, nascidos de diversos relacionamentos sem continuidade da progenitora, trabalhadora rural. Desses primeiros anos o arguido guarda memórias traumáticas decorrentes da pobreza em que viviam, do alcoolismo do padrasto e da violência doméstica de que todos eram vítimas. Na sequência do falecimento do padrasto, a subsistência continuou a ser precariamente assegurada pelo trabalho da progenitora e dos irmãos mais velhos, tendo estas circunstâncias estado na origem do abandono escolar do arguido aos 11 anos, com o 4º ano de escolaridade, passando a trabalhar, em extensas e duras jornadas laborais, na agricultura e no tratamento de animais. Após o casamento aos 18 anos, o arguido e o cônjuge foram viver casa de função de uma ….. em ..........., onde trabalhava na….., nascendo os três filhos do casal em 1990, 1992 e 1995. A mudança para a área da mecânica, onde se mantém desde então, verificou-se em 1996, fixando-se com a família no ..........., onde veio a conhecer a sua segunda companheira, com quem, em 2000, começou a coabitar nas ......., periferia de ..........., sendo neste contexto relacional que vieram a nascer, em 2001 e em 2002, os dois filhos mais novos de CC, assegurando a subsistência familiar através do seu trabalho como mecânico. A relação sempre decorreu com muitos conflitos e instabilidade, constituindo a economia familiar e a actividade de aeromodelista do arguido factores de desentendimento entre o casal, situação agravada pelas características de impulsividade e défices de autocontrolo de ambos, tendo-se verificado o acompanhamento pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) ........, na sequência dos problemas comportamentais/hiperactividade dos dois filhos do casal. É neste contexto de grande desgaste emocional e múltiplos factores de stress que ocorrem os comportamentos de violência doméstica; Entre 6 de Março e 1 de Julho de 2015 CC cumpriu uma medida de coacção de prisão preventiva no E.P........; CC foi viver sozinho numa casa arrendada, na zona rural ............., tendo retomado o seu trabalho como …… numa oficina nas Praias ..........., acolhendo aos fins-de-semana o seu filho mais velho, internado na Casa ......... e, de forma alternada, o mais novo, ambos com alguma debilidade cognitiva, prosseguindo a sua actividade….., Devido ao seu grau de iliteracía e dificuldades de aprendizagem o arguido não tem conseguido adquirir carta de condução; Entre Abril e Novembro de 2016 o arguido esteve em cumprimento de pena de prisão no EP ..... à ordem do Proc. n° 308/14........... - Comarca ........... - Instância Local – J...; Os dois filhos menores ficaram então a cargo da respectiva progenitora. No regresso à liberdade, CC voltou a viver sozinho na mesma casa arrendada, situada numa zona rural .........., cujo valor do arrendamento, durante o tempo de reclusão, foi pago entre os amigos e os filhos mais velhos, voltando a trabalhar como ….. na empresa "...............". O arguido continua a trabalhar como …… para terceiros, mas também em ….. por conta própria, acolhendo por vezes aos fins de semana os seus dois filhos mais novos. Em meados de 2017 CC iniciou, através das redes sociais, um relacionamento afectivo com uma cidadã......., que emigrou para Portugal no passado mês de Novembro, decorrendo desde então a coabitação do casal, num registo de aparente bem-estar, valorizando o arguido a tranquilidade em que vive e a facilidade com que a sua companheira se integrou no meio. (...) Dos antecedentes criminais do arguido AA: - O arguido AA não tem quaisquer condenações registadas; Dos antecedentes criminais do arguido CC: 1. No âmbito do Proc. n° 181/01......., do antigo 1o Juízo Criminal do Tribunal Judicial..........., por factos de 06/06/2001, decisão de 11/06/2001, transitada em julgado a 26/06/2001, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3°, n° 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 100 dias de muita, à taxa diária de 900$00 (€ 4,49), pena esta já declarada extinta por prescrição; 2. No âmbito do Proc. n° 35/04............, do antigo .. Juízo Criminai do Tribunal Judicial ..........., por factos de 05/11/2004, decisão de 15/11/2004, transitada em juigado a 30/11/2004, pela prática de um crime de condução sem habilitação legai, previsto e punível pelo artigo 3o do Decreto-Lei n° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pena esta já declarada extinta; 3. No âmbito do Proc. n° 252/03........... da Secção única do Tribunal Judicial ..........., por factos de 21/06/2003, decisão de 17/02/2005, transitada em julgado a 27/04/2005, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, n° 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pena esta já declarada extinta; 4. No âmbito do Proc. n° 7/02............ do antigo .. Juízo Criminal do Tribuna! Judicial ........., por factos de 08/01/2002, decisão de 17/03/2005, transitada em julgado a 27/04/2005, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143°, n° 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pena esta já declarada extinta pelo seu pagamento; 5. No âmbito do Proc, n° 403/03............ do antigo .. Juízo Criminal do Tribunal Judicia ..........., por factos de 24/09/2003, decisão de 29/03/2006, transitada em juigado a 13/06/2006, pela prática de um crime de dano com violência, p, e p. pelos arts. 212° e 214, n° 1, ai, a), do Código Penal, foi condenado na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução subordinada à condição de pagamento da indemnização ao demandante pelos danos sofridos, no prazo de 18 meses; 6. No âmbito do Proc. n° 374/08............, do antigo .. Juízo Criminal do Tribunal Judicial ........., por factos de 12/03/2008, decisão de 02/04/2008, transitada em julgado a 22/04/2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3o, n° 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 60 dias de prisão, correspondentes a fins-de-semana, cada um com a duração mínima de 36 horas, entre as 08H00 de sábado e as 20H00 de domingo; 7. No âmbito do Proc. n° 139/06............, do antigo .. Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..........., por factos de 10/05/2006, decisão de 27/11/2008, transitada em julgado a 05/01/2009, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3°, n° 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 3 meses de prisão, substituída por prisão em dias livres, que se fixou em 18 períodos de 36 horas cada um; Efectuado o cúmulo jurídico das penas em que o arguido foi condenado nestes autos e a dos Procs. n°s. 347/08............ e 403/03............ foi o arguido condenado na pena única de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, condicionada ao pagamento da indemnização ao lesado, suspensão esta que veio a ser prorrogada e posteriormente extinta nos termos do art. 57° do Código Penal; 8. No âmbito do Proc. n° 308/14..........., do Tribunal Judicial ............ - Instância Local Criminal – J.., por factos de 2014, decisão de 15/01/2015, transitada em julgado a 04/03/2016, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3o, n° 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 7 meses de prisão; 9. No âmbito do Proc. n° 1373/14............, do Tribunal Judicial ............... - Instância Local Criminal – J.., por factos de 06/10/2014, decisão de 30/06/2015, transitada em julgado a 02/10/2015, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, n° 1, als. b) e c), n° 2 e n° 4, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, suspensão esta sujeita a regime de prova e à pena acessória de proibição de contactos com a vitima por tal período; 10. No âmbito do Proc. n° 1808/08..........., do antigo 1o Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..........., por factos de 30/07/2008, decisão de 02/06/2011, transitada em julgado a 04/07/2011, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p, pelo art 152°, n° 1, al. b), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pena esta declarada extinta nos termos do art. 57° do Código Penal; (...) - Factos não provados: - Foi em data anterior a Dezembro de 2014 que o arguido AA delineou um plano que consistia em subtrair veículos automóveis alheios, proceder ao respectivo desmantelamento, adulterar os seus elementos de identificação, como números de quadro e número de motor e, posteriormente alienar partes ou componentes a terceiros. - Na execução de tal plano o arguido AA tinha a colaboração dos arguidos PP, OO; - BB e CC começaram a colaborar com o arguido AA desde 2014; - Os arguidos PP e OO subtraiam os veículos "encomendados" por AA, que os mesmos conduziam ou transportavam para um armazém sito na ............. ou para os armazéns n° .. (Bloco ..) e n°s …..., do Parque .................., sito em ............., todos utilizados por AA. - Após os arguidos PP e OO entregavam os referidos veículos a AA, em troca de contrapartida monetária não apurada. NUIPC 659/14....... - No dia 19 de Dezembro de 2014, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-BT-..; - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e providenciou pelo seu transporte para o armazém sito na ........, ................. - Aí, e durante os dias subsequentes, o arguido AA procedeu ao desmantelamento do referido veículo e, com excepção do tacógrafo digital da marca ........, deu aos respectivos componentes destino não concretamente apurado. NUIPC 24/16........ - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-FA-.. para o armazém sito na ..........., - O arguido CC procedeu ao desmantelamento do referido veículo, e rasurou o número de quadro gravado na mencionada carroçaria .........., colocando a cabine no veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-CV-... 122/16........ - Em data não concretamente apurada mas situada após 3 de Junho de 2016, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-HV , no valor de €7.500,00 pertencente à Junta de Freguesia ............... - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e providenciou pelo seu transporte para o armazém sito na ................... - Aí e durante os dias subsequentes o arguido AA retirou as matrículas, cortou-as e procedeu ao desmantelamento do referido veículo. - Posteriormente, vendeu os respectivos componentes por valor não concretamente apurado. 247/16........ - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-NG para o armazém sito na Quinta .........» ................. 774/16............ - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-..-XL, para o armazém n° 3, bloco .., do parque empresarial da Rua .................., - O arguido CC procedeu ao desmantelamento do veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-..-XL, tendo inclusive rasurado o número de quadro gravado na mencionada carroçaria de ....... ......., assim impedindo a sua identificação, bem como colocou a cabine, o motor, a caixa de velocidades e a caixa de carga no veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-..-XM. 343/16........ - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ........, modelo ...... (.......), de matrícula ..-FO-.., para o armazém n° .. do Bloco .. do Parque ............ 947/17........ - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-91-.., para o armazém n° .. do Bloco .. do Parque ............ 3/17....... - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-US, para o armazém n° 3 do Bloco .. do Parque ............... 44/17............ - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ......., modelo ......., de matrícula ..-NV-.., no valor de €5.514,80 para o armazém n° .. do Bloco …. do Parque........... NUIPC77/17............ - Na execução de plano e em conjugação de esforços e intentos, dia não apurado mas entre o dia 13.03.2017 e o dia 14.03.2017, o arguido OO, por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-LF, no valor de €10.000,00 pertencente a UU e que se encontrava devidamente parqueado na Estrada Nacional ...., n° ........... - Seguidamente, o arguido OO fez seu tal veículo e no dia ...03.2017, entregou-o, em ......., ao arguido AA, recebendo em contrapartida uma quantia monetária não apurada. - De seguida, o veículo foi transportado para a .......... e aí e durante o dia 23 de Março de 2017, o arguido CC, conforme instruções de AA, desmontou o mencionado veículo, e vendeu os seus componentes, tendo o motor 4M42 Turbo sido vendido, a individuo não identificado, pela quantia de €1250 e os restantes por valor não concretamente apurado. NUIPC237/17............... - Na execução de plano e em conjugação de esforços e intentos, no dia 21 de Março de 2017, os arguidos PP e OO, por meio não apurado, apoderaram-se do veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-lV, no valor de €7.000,00 pertencente a EE e que se encontrava devidamente parqueado no parque atrás da estação da CP, sito na Estrada ............, ......... - Seguidamente, os arguidos fizeram seu tal veículo e no dia 22.03.2017, entregaram-no, na ............... a AA e recebendo em contrapartida uma quantia monetária não apurada, 144/17......... - Em data não concretamente apurada mas situada após o mês de Março de 2017, o arguido AA, de modo e por quantia não apurados, entrou na posse o veículo de marca ........, modelo ....... ......, de matrícula RF-..-.., no valor de €4.000,00 pertencente a Nuno Casquinha, Unipessoal Lda. - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e transportou para a Quinta ........., ................. - Nos dias subsequentes, o arguido CC, conforme instruções de AA, retirou e cortou a matrícula do mesmo e desmontou-o. - Posteriormente, AA procedeu à venda, por valor não apurado, dos respectivos componentes. NUIPC 224/17......... - No dia 3 de Abril de 2017, o arguido BB, por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-XO, que fez seu transportando-o e entregando-o a AA e recebendo em contrapartida uma quantia monetária não apurada. 321/17........... - Em dia não apurado mas entre 10 e 11 de Abril de 2017, o arguido PP, por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-QP, no vaíor de €20.000,00 pertencente a Abbylana Finance LLC, e que se encontrava devidamente parqueado na .. Rua, Avenida ................., ........, - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e vendeu-o ao arguido OO por preço não apurado. - Por sua vez, este vendeu-o a AA por valor não determinado. - O veículo foi transportado para a ........., onde durante os dias subsequentes os arguidos AA E CC desmontaram o mencionado veiculo e venderam os respectivos componentes por valores não apurados. 548/17........... - O arguido AA providenciou pelo transporte do veiculo de marca ......., modelo .., de matrícula ..-ID-.. para o armazém n° .., Bloco .., do Parque .............., sito em ............... 180/17......... - Em data não apurada mas entre as 18h00m do dia 25 e as 08h30m do dia 26 de Abril de 2017, o arguido PP, por meio não apurado, apoderou-se do veículo de marca ........ modelo ......., de matrícula JX-..-.., no valor de €1250,00 pertencente a VV, quando o mesmo se encontrava estacionado na Rua ........, lote ........... - Seguidamente, o arguido fez seu tal veículo e vendeu-o ao arguido OO por preço não apurado. - Por sua vez, este vendeu-o a AA por valor não determinado. - Já na sua posse, e conforme instruções do arguido, o arguido OO transportou o veículo para junto do Grupo..........., em ........., locai situado nas imediações da residência do arguido AA. - De seguida, abandonou o local. - No dia 28 de Abril de 2017, a patrulha da GNR............ procedeu à apreensão do referido veículo. 619/17........... - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ........, modelo ......., de matrícula ..-..-UC, para o armazém n° .., bloco .. do parque empresarial da Rua ................ 114/17........... - Na execução de plano e em conjugação de esforços e intentos, no dia .. de Maio de 2017, os arguidos PP, OO e um indivíduo não identificado, por meio não apurado, apoderaram-se do veículo de marca ........, modelo ........, de matrícula LQ-..-.., no valor de €10,000,00 pertencente a Carlos Mata Export, Lda, e que se encontrava devidamente parqueado no ... ............, - Seguidamente, os arguidos fizeram seu tal veículo, transportaram-no para o armazém sito na ............. e entregaram-no a AA tendo recebido em contrapartida uma quantia monetária não apurada. - No interior da referida quinta e durante os dias subsequentes os arguidos, AA e CC, desmontaram o mencionado veículo e venderam os respectivos componentes por valor não apurado. 96/17........ - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ........, modelo ........, de matrícula ..-PL-.. para o armazém n°.., Bloco …., do Parque.................., sito em .............., ........ 594/17....... - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-IJ para o armazém n° .., Bloco .., do Parque ..............., sito em .............., ................. 244/17......... - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ........, modelo ....., de matrícula ..-..-HV, para o armazém n° .., Bloco .., do Parque ............., sito em .............., ................. 192/17............. - O arguido AA providenciou pelo transporte do veículo de marca ......., modelo ............, de matrícula ..-FJ-.. para a ................... - Os arguidos OO e PP dedicam-se com regularidade, e de forma reiterada, à prática de actos de idêntica natureza aos supra descritos, obtendo por essa via um rendimento regular com o qual provem à sua subsistência. - PP e OO agiram com o propósito concretizado de subtrair os descritos veículos bem com fazer seus tais objectos, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem a autorização e contra a vontade dos seus legítimos proprietários, dedicando-se a tal actividade de modo habitual e como uma fonte de sustento, fazendo dela modo de vida. - Os arguidos AA e CC agiram com o propósito concretizado de receber e deter e alienar peças e veículos que lhes eram entregues pelo arguido PP e OO; - O arguido OO agiu com o propósito concretizado de receber e deter e alienar peças e veículos que lhes eram entregues pelo arguido PP; - Os arguidos PP e OO agiram de modo consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas e tinha a liberdade necessária para se conformar com essa actuação. - BB trabalhou para o arguido AA como ajudante de mecânico, actividade que já antes havia exercido para outra empresa, o que ocorreu durante os meses de Novembro de 2016 até Junho de 2017, quando o arguido AA lhe solicitava os seus serviços, portante, sem carácter de regularidade; - Durante esse período BB realizou trabalhos variados de auxílio na actividade de mecânica automóvel e transportou algumas viaturas, a pedido de AA, as quais, segundo o informou, pertenciam a clientes deste e destinavam-se a ser reparadas na sua oficina; - Durante pouco mais de um mês, sempre que o arguido AA lhe solicitava, o arguido CC prestava os seus serviços como mecânico, limitando-se a reparar ou montar os motores dos veículos que AA lhe indicava; - Para o efeito, AA ligava a CC a dizer que tinha um motor para montar ou reparar, combinavam o dia e hora e então deslocava-se às instalações daquele para efectuar o trabalho e, chegado às aludidas instalações já tinha o motor que iria reparar ou montar à sua disposição, para efectuar a referida reparação ou montagem; - CC nunca desmontou qualquer motor de nenhuma viatura apresentada por AA, limitando-se a reparar os motores e posteriormente montá-los nos carros, que aquele lhe indicava e que condiziam com as características do motor, a nível de modelo e marca, pelo que esteve sempre convicto de serem das viaturas onde os montava, depois de reparados. - O arguido AA dizia a CC que adquiria veículos automóveis em leilões, o que o mesmo acreditava. Do pedido de Indemnização formulado por Catimoz - Comercialização e Transporte de Materiais de Construção - Sociedade Unipessoal, Lda. A demandante entre o dia em que lhe retiraram o veículo e a data em que adquiriu um outro veículo, em 18/04/2016, esteve 10 dias sem ter condições de entregar as mercadorias aos seus clientes por se tratar de uma empresa de transportes de mercadorias e materiais de construção, o que implicou um prejuízo de €1.712,67. Do pedido de Indemnização formulado por Nuno Casquinha, Unipessoal, Ida. Nuno Casquinha, Unipessoal, Lda. é dona e legitima proprietária da viatura de matrícula RF-..-.., de marca ........, modelo ........; Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Março de 2017, o gerente da demandada estacionou a referida viatura na Rua da ........., em - ............, junto à oficina ".......", sendo que, passado alguns dias, quando lá dirigiu para a ir buscar, a mesma já lá não se encontrava. Tal viatura havia sido transportada para o ................, para a ......... pertença de AA; Nos dias subsequentes o demandado CC, conforme instruções do AA, retirou e cortou a chapa de matrícula da viatura e desmontou-a; Posteriormente, o demandado AA vendeu, por preço não apurado, os respectivos componentes. A viatura de matrícula RF-..-.. encontrava-se em perfeito estado de funcionamento e tinha o valor de € 4.000; Com a descrita actuação dos demandados, a demandante ficou privada da posse, uso e fruição da referida viatura, tendo daí resultado uma diminuição do seu património correspondente ao valor da viatura; Do pedido de Indemnização formulado por Gastâmega - Distribuição e Instalação de Gás a Granel, Lda. À data do furto o veículo da demandante valia pelo menos € 27.000,00; Por cada dia/útil de paralisação do veículo da categoria de pesados até 7500 quilogramas a demandante sofreu um prejuízo de €99,45; Do pedido de indemnização formulado por Carga Útil, Transportes, Lda. À data do furto o veículo da demandante valia pelo menos €9.500,00; Por cada dia útil de paralisação de veículo da categoria de pesados até 7500 quilogramas a demandante tem um prejuízo de € 99,45; Do pedido de Indemnização formulado por KK O veículo de matrícula ..-..-HV valia, em caso de venda ou troca por outro veículo, quantia não inferior a 4.800,00 euros.” §2.(b). DE DIREITO. §2.(b).1. – DETERMINAÇÃO DA PENA GLOBAL. Pugna o recorrente por uma pena global menos severa – mais “proporcional e adequada”, na sua lição – porquanto, em resumidas contas, “a pena infligida ao Recorrente (treze anos e nove meses de prisão) é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de Justiça que o caso de per si reclama, atentos quer a ausência de violência, quer o modo e incipiência em que os mesmos foram praticados. Sobretudo se se estabelecer uma comparação e analogia com outros Autos, similares e idênticos em que existem bens jurídicos como a vida e a integridade física afectados, em que as Penas aplicadas não raras vezes senão suspensas na sua execução, são manifestamente inferiores àquela que lhe foi aplicada.” Mediante a inflicção de uma pena, o Estado, através do sistema penal instituído dispõe-se a rechaçar e reagir ao desrespeito que alguém assume perante um comando legal que contenha uma proibição de fazer, agir ou omitir pretendendo com essa reacção confirmar a inteireza da norma e a sua validade social. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito social válido. (Numa definição impressiva, Jesus-Maria Silva Sánchez, refere que “A pena (estatal) associa-se substancialmente à inflicção pelo Estado de um mal simbólico-comunicativo ao agente responsável de um delito, a quem se reprova juridicamente. Constitui, pois, uma reacção estatal ao delito. A ela só lhe é consubstancial o sofrimento inerente à própria comunicação, que tem lugar em virtude da sua imposição como tal pena incluso sem esta mediante a declaração do injusto culpável responsavelmente cometido” – “Malum passionais. Mitigar el dolor del Derecho Penal”, Atelier, 2018, 113-114. (tradução do castelhano) A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”, (Claus Roxin, “La Teooria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.) actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53.) (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57) Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) “A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos - “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.) (No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”) Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.” O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.) Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327) A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva das reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar. Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”) A pena contém na sua impressão conotativa e ontológica dois vectores axiais (i) a culpa do agente produtor de um resultado contrário a uma proibição legal (comando estipulado pela normação emanada do Estado); e (ii) a prevenção que com a imposição de uma inflicção se pretende alcançar na comunidade em que as normas vigentes imperam e, por outro lado, fazer reflectir o agente da sua contradição cognitiva ao sistema de leis vigente e prevalente na sociedade em que se insere e, eventualmente, impulsionar a respectiva reversão, por forma a conformar a sua pauta de conduta com o conceito sociopolítico prevalente. Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.” Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.) [Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «O princípio de culpabilidade em sentido amplo, aqui manejado, não deve confundir se com a exigência de certa proporção entre a pena e a gravidade do delito. Entendida como possibilidade de relacionar um facto com um sujeito e não como possibilidade de converter em demérito subjectivo o facto realizado, a culpabilidade não indica o quantum da gravidade do mal que deve servir de base para a graduação da pena. O dito quantum vem determinado pela gravidade do facto antijurídico do qual se culpa o sujeito. A concepção contrária só pode ser admitida por quem aceite que a pena não se impõe para prevenir factos lesivos, mas sim como retribuição aa atitude interna que o facto reflita no sujeito.- pág. 206. Por uma parte a prevenção geral pode manifestar-se pela via da intimidação dos possíveis delinquentes, ou também como prevalecimento ou afirmação do Direito aos olhos da colectividade. No primeiro sentido, a ameaça da pena persegue imbuir de um temor que sirva de freno à possível tentação de delinquir. Dirige-se somente aos eventuais delinquentes. No segundo sentido, como afirmação do direito, a prevenção geral persegue, mais que a finalidade negativa de inibição, a internalização positiva na consciência colectiva da reprovação jurídica dos delitos e, por outro lado, a satisfação do sentimento jurídico da comunidade. Dirige-se a toda a sociedade, não só aos eventuais delinquentes. – pág. 43 Daí, pois, um primeiro limite que a prevenção encontra em si mesma: a gravidade das penas tendentes a evitar delitos não pode negar até ao máximo do que aconselharia a pura intimidação dos eventuais delinquentes, devendo, outrossim, respeitar o limite de tina certa proporcionalidade com a gravidade social do facto. Por outra parte a exigência de proporcionalidade se desprende também da conveniência de ressaltar o mais grave com respeito do menos grave em ordem a frenar em maior grau o mais grave.- pág. 44 Perante o delinquente ocasional, a prevenção especial exigiria somente a advertência que implica a imposição da pena. Para o delinquente não ocasional corregível seria precisa a ressocialização mediante a aplicação de um tratamento destinado a obter a sua correcção. Por último, para o delinquente incorrigível a única forma de alcançar a prevenção especial seria inocuolizá-lo, evitando assim o perigo mediante o seu internamento assegurativo. O efeito de advertência se designa às vezes como “intimidação especial”, para expressar que se dirige somente ao delinquente e não à colectividade, como a intimidação que persegue a prevenção geral. A ressocialização adopta às vezes modalidades especiais: assim, como tratamento educativo ou como tratamento terapêutico para sujeitos com anomalias mentais. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206) – (tradução nossa)] Do mesmo passo, o autor (Santiago Mir Puig) faz derivar desta função preventiva uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.) “Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade). Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.) As escoras da pena assentam, na concepção dominante, na culpa e na prevenção, devendo o tribunal, na individualização concreta da pena, ponderar, aquilatar e idear os factores concretos que podem intervir e equivaler os interesses em jogo. Na doutrina estrangeira sugere-se que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127). Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.) A culpa serve, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.) Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. Deve na determinação concreta da pena atender-se ao “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no momento judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…) Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal. Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (AA J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “Colección Delitos”, Valência, 2007, 221-223.) Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (AA J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291) Iterando a vertente da pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.) A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.) Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de, na escolha e determinação concreta da pena, considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor. Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção da sanção penal. No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…) Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” (AA J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 229-230.) Resenhados, em traços largos e, quiçá, imprecisos os fins das penas e os pilares axiais em que assenta – culpa e prevenção – encarreiremos para o caso que nos ocupa, ou seja, a pena derivada da imposição de mais de uma pena por crimes que entre si confluam num concurso de infracções. A prática de uma pluralidade de infracções pelo mesmo agente, antes que de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, importa a cumulação das penas que venham a ser impostas (parcelarmente) ao agente – cfr. artigo 77º do Código Penal. “São dois os pressupostos que alei exige para a aplicação de uma pena única: - prática de uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal (homogéneo ou heterogéneo); - que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.” (Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.) Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” (Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.) (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.) Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global. Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB (:- § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado).), ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.) No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) só; pois a valoração global de todos os factos puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.” No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”. O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.) “Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional específica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.” Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991) Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.” Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” “O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.” No mesmo eito segue a lição de Hans-Heinrich Jescheck quando doutrina que (“A contrapartida ao concurso ideal é o concurso real. Concorre quando o autor cometeu vários factos puníveis independentes que são “enjuiciados” no mesmo processo penal. O primeiro pressuposto do concurso real, é pois, a concorrência de uma pluralidade de infracções e o segundo a possibilidade de “enjuiciameinto” conjunto.” – (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Segundo volumen, Bosch editorial, Barcelona, pág. 1024). “O § 54 – que corresponde, na sua essencialidade, ao artigo 77º do Código Penal - determina o modo como deve obter-se a penalidade global. A formação da dita penalidade atravessa três fases. a) em primeiro lugar, a sentença há-de atribuir-se (“asignarse”) a cada facto punível uma pena particular, devendo-se operar para isso na determinação da pena em princípio da mesma forma como se cada facto devera “enjuiciarse” isolado. (…) b) Tendo por base o anterior e com arrimo aos princípios que regem para o concurso ideal, averigua-se se a pena particular de maior gravidade que recebe nome de penalidade disponível, Se se impuseram unicamente penas particulares homogéneas (por exemplo penas privativas de liberdade de 10 e 8 meses, respectivamente) a penalidade disponível será a mais grave das mesmas. Se pelo contrário, se pronunciaram pena particulares heterogéneas (por exemplo um ano de privação de liberdade e uma pena pecuniária de 10 quotas diárias a 100 marcos cada uma), a penalidade disponível terá de ser a privativa de liberdade, enquanto mais grave pela sua natureza; c) uma vez fixada a penalidade disponível tem lugar, por último, a elevação da dita pena com arrimo a princípio da “asperación”. Para isso deve respeitar-se um duplo limite superior, Por um lado a penalidade global não pode alcançar a soma das penas particulares (limite superior relativo). (…) Por outra parte, a penalidade global não pode ultrapassar a duração de 15 anos (…)” “(…) é preciso valorar a personalidade do autor no seu conjunto, o que torna necessária uma especifica fundamentação da penalidade global (…). Daí que ao valorar –se a personalidade do autor deva atender-se sobretudo à questão de se s factos constituem expressão de uma tendência criminal u pelo contrário delitos ocasionais carentes de conexão. (…) Ainda assim, a repercussão da pena na futura vida do autor tem de ser examinada sob o ponto de vista da concorrência de uma pluralidade de acções puníveis. A valoração conjunta dos factos particulares está chamada em especial a permitir a estimação da gravidade global do conteúdo do injusto e a questão da relação interna existente entre os distintos actos.” – Hans-Heinrich Jescheck, ibidem, págs. 1027-1029 A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit . § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.” No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal. A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral (sic): “Como já referimos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2011 é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade. Igualmente se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 que o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Ainda na esteira de Figueiredo Dias dir-se-á que tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… “só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena. Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares”. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa. Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida -artigo 30 da Constituição. O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta. Aliás, tal necessidade é imposta a maior parte das vezes por uma situação de debilidade em termos de exercício de defesa resultante da anomia social e económica em que se encontram os condenados plúrimas vezes. A explanação dos fundamentos, que à luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática. Como é evidente, na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade. Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões. Da aplicação do excurso produzido ao caso vertente ressalta desde logo a ideia de que no mesmo algo não converge com os princípios que devem presidir à elaboração do cúmulo jurídico. Na verdade, falamos dum apuramento global da responsabilidade criminal do arguido o qual tem como pressuposto o conhecimento da pluralidade de penas a que a sua actuação parcelar deu motivo e tal conhecimento, que será equacionado com a aferição duma culpa e ilicitude conjunta em função de razões de prevenção geral e especial, não se compadece com visões sectoriais que apenas se focam num segmento de tal responsabilidade. Se é aquele pedaço de vida que revela na sua força narrativa um percurso de vida e de vida no domínio do ilícito pergunta-se de qual é o interesse, ou relevância, de efectuar um cúmulo jurídico sabendo antecipadamente que o mesmo está incompleto porquanto não estão presentes as penas parcelares correspondentes a infracções que deveriam ser consideradas. Aliás, a elaboração do cúmulo jurídico nestes termos, não tendo qualquer consequência benéfica em termos do estatuto jurídico do arguido, apenas o poderá prejudicar na medida em que cria uma referência que servirá de patamar em futuros cúmulos. Na verdade, é por demais conhecido o fenómeno que se verifica em relação a cúmulos jurídicos sucessivos em que cada uma de tais operações tende a caracterizar-se por uma progressão matemática na medida da pena aplicada. Entendemos, assim, que, estando adquirido que as penas a considerar para efeito de cúmulo eram também outras, que não somente as tomadas em conta na decisão recorrida, esta incorre em colisão com o disposto nos artigos 77 e 78 do Código Penal. Reforçando o exposto e, nomeadamente, à forma linear como se condena o arguido numa pena conjunta de dezassete anos de prisão, o repristinar da ideia da necessidade de explanação dos fundamentos que, á luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal á formação da pena conjunta deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Como já se referiu é uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.”); Vide ainda, por interessantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar; de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes; de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, todos em www.dgsi.pt.) Amparados pelos ensinamentos colectados, passar-se-á à análise do caso. O tribunal justificou as penas (parcelares e conjunta) com a sequente argumentação (sic): “Na fixação das penas de prisão concretas importa ter em conta os critérios dos arts. 71° do Código Penal, assim, no caso concreto cumpre atender: - A ausência de antecedentes criminais: - A gravidade de todos os factos por si praticados, que revelam um total desrespeito peia normatividade vigente. Com efeito, em prol de obtenção de rendimentos o arguido não só revela um total desrespeito pelo património de terceiros, como põe em causa a segurança/credibilidade de documentos, prejudicando incluindo terceiros (como aqueles que viram montados nos seus veículos as peças cujos n°s de quadro foram rasurados e que não pertencem ao veículo original). Mais não podemos ignorar o próprio facto do arguido deter um n° considerável de munições, ainda que efectivamente não lhe tivesse sido encontrada qualquer arma. - Ao modo como o arguido actuou, que não podemos deixar de considerar grave, por se tratar de uma conduta reiterada, já com alguma organização com vista à sua finalidade última: obtenção de rendimentos ilegítimos; - Ao tipo de veículo em causa e seus valores; - Ao facto da maioria dos veículos não terem sido recuperados, e da maior parte dos lesados apenas terem recuperado pequenas partes dos seus veículos o que forma alguma permitiria a reconstituição dos mesmos; - Ao grau de ilicitude (que se considera ser elevada) e ao dolo com que agiu (sempre dolo directo); - As prementes necessidades de reprimir e prevenir este tipo de criminalidade, finalidades estas que, quer em termos de prevenção geral, são elevadas, já que este tipo de condutas são frequentes; - As necessidades de prevenção especial, que se entendem ser igualmente muito elevadas, dada a propensão que o arguido revela para a prática de ilícitos, nomeadamente, contra o património; - À sua situação pessoal, familiar e económica. Tudo ponderado, considera-se ser de aplicar ao arguido AA: - Pela prática de cada crime (cinco) de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203°, n° 1, 204°, n° 1, alínea h), todos do Código Penal, a pena de 2 anos de prisão; - Pela prática de cada crime (quinze) de receptação, p. e p, pelos artigos 231°, nºs 1 e 4, do Código Penal, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - Pela prática de cada crime (quatro) crimes de falsificação de documento, p. e p, pelo artigo 256°, n° 1, al. a), e n° 3; do Código Penal, a pena de 1 ano e 9 meses prisão; - Peia prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos do artigo 86°, n° 1, alínea d), da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 9 meses de prisão. Sem prejuízo do referido, incumbe efectuar o cúmulo jurídico entre as penas parcelares aplicadas. Ora, tendo em consideração as penas parcelares em causa, verifica-se que o cúmulo jurídico tem como limite mínimo 2 anos e 6 meses de prisão e como limite máximo de 25 anos (n° 2 do art. 77° supra transcrito), isto atento o preceituado no v. 41°, n°s. 2 e 3, do Código Penal. Na fixação da pena única, em face do preceituado no n° 3 do art. 77° do Código Penal há, nomeadamente, que ter em consideração o prescrito no art. 71° do Código Penal. Assim, tendo em consideração todo o já supra referido aquando da fixação das penas parcelares, mas tendo igualmente em consideração a gravidade global da conduta do mesmo e a ausência de quaisquer arrependimento, consideram os juízes que compõem este Tribunal Colectivo ser de fixar ao arguido a pena única de 13 anos e 9 meses de prisão.” O ordenamento jurídico-penal orienta a necessidade da inflicção de uma pena pela premência de protecção dos bens jurídicos que o sistema identifica como sendo valorações essenciais e axiais da convivência salutar do individuo em sociedade. Daí que na determinação de uma pena se deva atender não só à culpabilidade manifestada pelo agente na prática do ilícito concreto e à necessidade de prevenção, tanto geral como especial, mas também à natureza ôntica do bem jurídico violado e avaliar o desvalor que com a conduta perpetrada lesou, ou danou, o núcleo de valores que o legislador elegeu para protecção da sociedade. Aceitando, como ponto de partida de análise, a concepção adiantada e confinando-a ao bem jurídico que a lei pretende proteger nos artigos 203º e 204º do Código Penal (furto); 231º (receptação); 256º (falsificação de documentos); e detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.° 86.°, nº 1 al. a d), da Lei nº 5/2006, de 23-2, dir-se-á que o bem jurídico inscrito na tipo incriminador de furto será o direito à posse, uso e fruição de um bem material móvel ou animal alheio («bem jurídico patrimonial» – Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 160; protegendo a lei com o crime de receptação a “perpetração de uma situação patrimonial antijurídica – Cfr. citado Comentário, p. 475; já com a incriminação do ilícito de falsificação se pretende proteger a fé pública e a confiança que deve ser atribuída a uma declaração contida num documento a que a lei confere idoneidade e credibilidade públicas, por haverem sido emitidas por entidade com autoridade emanada pelo Estado – Cfr, Comentário, p. 679; e, por fim a detenção de arma proibida, pretenda a lei proteger a circulação (na sociedade) de meios especialmente perigosos e letais (no seu uso) e que a respectiva posse (por parte de um cidadão) seja conhecida e atestada pelas autoridades competentes e seu detentor capacitado do meio que detém e do modo de o usar. A factualidade que está adquirida para a solução da pretensão recursiva confere a identificação de (i) bens jurídico-penais de relativa relevância social (direito do património); (ii) e bens de confiança na fé pública de documentos ou equiparados a tal (falsificação de documento); e (iii) controlo de meios de uso e utilização perigosos por parte de particulares. A actividade delitiva do arguido acaba por reverter numa atitude de desconformidade com valores de respeito pela propriedade alheia, já que os crimes comprovados assumem uma natureza marcadamente de natureza anti-patrimonial, a saber furtos e receptação, já que as falsificações praticadas se tornam crimes meios para o fim axial e nuclear que reverbera do seu modo de actuar, a saber apropriação de bens, mediante a respectiva dissimulação, para mediante ela poder converter de forma mais persuasiva os bens com que pretendia retirar proveito económico. A lei constitucional tutela a propriedade privada e coloca-a num plano de complementaridade do desenvolvimento pessoal e social do individuo – cfr. artigo 62º da Constituição da República Portuguesa. A propriedade privada emerge num sistema social em que se elege a acumulação de capital como factor de realização e desenvolvimento da capacidade humana e da sua afirmação pessoal e social, como um bem merecedor de salvaguarda constitucional. Num sistema com este empreendimento e pauta de actuação pessoal e social a apropriação privada dos meios de produção constitui-se como um factor de preservação e abonado de tutela penal – cfr. artigo 203º do Código Penal. Ainda que merecedor dessa tutela, a densidade ôntico-social que deve ser conferida a bens objecto de apropriação privada não deve extrapolar o valor venal da coisa possuída. Ou seja, não pode interiorizar uma dimensão pessoal intrínseca e própria do individuo, como é o caso da honra, da integridade física ou da determinação e autonomia sexual, mas antes uma dimensão externa, que pode (deve) ser quantificada e/ou mensurável com relação a um valor de uso e/ou de troca a resultar do comércio de mercadorias em que os produtos gerados pela actividade do homem se traficam. O bem jurídico tutelado pela norma incriminatória contida no artigo 203º do Código Penal merecendo tutela no sistema vigente não pode assumir um patamar de desvalor ético-jurídico que o alce a bem de tutela indefectível e com projecção preeminente no conspecto da salvaguarda da indemnidade pessoal e da tranquilidade e segurança social. Sendo merecedora de tutela não pode se exalçado a bem de protecção absoluta e inestimável. Aferindo a protecção do bem neste plano, impõe-se valorar a conduta do agente à luz da facticidade comprovada pelo tribunal recorrido. A opção/eleição por penas de prisão (parcelares) – que ainda que não sejam objecto de apreciação concreta, não podem, em nosso aviso deixar de ser referenciados, como factores de ponderação para a pena conjunta – não sofrem, em nosso juízo, em face do princípio de protecção dos bens jurídicos e dos valores de referência ôntico-estrutural verificados, qualquer espécie de contestação (nem para o próprio recorrente). Se assim, para a determinação da medida concreta das penas (parcelares), afigura-se-nos, que, pertinentemente à situação da pena global, a aquilatação valorativa do tribunal recorrido, também se não afastou dos critérios rectores que orientam a composição/formação da pena global. Ocorrendo uma situação de concurso real, ou efectivo, de crimes, a pena a aplicar – de acordo com a regra colmada no artigo 77º, nº 1 do Código Penal – será a aplicação de uma pena única, ou conjunta, na terminologia germânica (§53 do StGB). Na pena única, deverão ser considerados, «em conjunto», seguindo a regra aplanada na parte final do citado preceito (i) os factos; e (ii) a personalidade do agente. A consideração em conjunto importa uma valoração global, vale dizer conjugada e precípua dos factos (particulares e autónomos) que irão compor, por agregação, a heurística de uma ideia, a um tempo diversa e holística, ou seja uma ideia compósita de elementos das várias partes componentes numa ideia de feição eidética e inovadora para a formação de uma realidade conformadora de um novo conceito, no caso a formação da dita “pena única”. A raiz donde, em nosso juízo, se deve partir para formar a conclamada “imagem global”, deverá ser, seguindo a regra, a natureza dos factos ajuizados. Neste segmento de análise haverá que ter em consideração (i) a reiteração (prolongada no tempo e no espaço) da actuação do arguido; (ii) o modo dissimulado como procedeu ao desmantelamento das viaturas e logrou o “escoamento” das peças que (singularmente) foi obtendo; (iii) o prejuízo causado aos donos dos veículos desmantelados; (iv) a quantidade de bens falsificados que logrou “colocar no mercado”, obtendo com isso pingues proventos; (v) a desconfiança que gerou, ou foi susceptível de gerar, a sua (continuada) actividade delitiva; (vi) o “quase modo de vida” que adoptou para a consecução dos fins que se propôs com a forma de desenvolver a sua actividade delituosa. A personalidade do agente, para nos atermos a um dos parâmetros que a lei manda intervir para apreciação global dos casos involucrados, na formação da pena única, reverbera um distanciamento inauferível quanto a patamares de integridade e inteireza de carácter relativamente a valores com a indemnidade da propriedade alheia e o artificio (dissimulação) dos bens que introduziu no “mercado” induzindo formas de aquisição de material que sabia pertencer a outras pessoas e que com a sua colocação no circuito de vendas dissipava a sua real origem. O arguido revela um completo desprezo pelo direito de propriedade (alheia), acrescido do facto de ter logrado dissimular os bens furtados – e outros – e ter obtido significativas quantias monetárias. Atendo-nos à concreta operação de quantificação da pena conjunta, e em obediência á lei deveremos partir da pena mais baixa [2 (dois) nos e 6 (seis)] para o somatório das penas parcelares que se alçam a 50 (cinquenta) anos. A pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses afigura-se-nos proporcional e ajustada. Na verdade, itera-se, pela reiteração da actividade delitiva, pelo número de pessoas que se viram privadas dos respectivos veículos, pela forma como logrou dissimular e, posteriormente, vender as peças singulares dos veículos desmantelados, os prejuízos ocasionados na esfera patrimonial dos lesados, somos levados a concluir não dever o arguido beneficiar de qualquer factor atenuativo (geral) propinador de uma diminuição da pena única que lhe imposta. A personalidade esmaltada no comportamento delituoso – reiterado e persistente – revela uma desconformidade e aversão interna de desrespeito e desprezo por valores que a sociedade tem como nucleares da sua convivência. A pena irrogada não merece censura. §3. – DECISÃO. Na defluência do que foi exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Rejeitar o recurso relativamente às pretensões de, ou para, apreciação da violação dos princípios de presunção de inocência e in dubio pro reo; - Não conhecer da questão de inconstitucionalidade do artigo 127º do Código de Processo Penal; - Rejeitar a pretensão recursiva de reapreciação das penas parcelares, por verificação de dupla conforme – artigo 400º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Penal - Julgar o recurso, na parte relativa à pretensão de alteração/modificação da pena conjunta improcedente; - Condenar o recorrente nas custas. Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021
Gabriel Martim Catarino (relator) Maria da Conceição Gomes (Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância da Exma. Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria da Conceição Gomes, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.) |