Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA | ||
Descritores: | AUTORIDADE DO CASO JULGADO QUESTÃO PREJUDICIAL CASO JULGADO FORMAL PRESSUPOSTOS IDENTIDADE SUBJETIVA PEDIDO CAUSA DE PEDIR PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA | ||
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Data do Acordão: | 12/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA [PROPRIEDADE INTELECTUAL) | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
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Sumário : | I. Para que uma decisão possa valer com força e autoridade de caso julgado em processo diverso daquele no qual foi proferida, não se exige a repetição em simultâneo dos três elementos de identificação de uma acção, que permitem concluir pela repetição de causas: sujeitos, pedido e causa de pedir. II. O que fundamenta a especial protecção da força e autoridade de uma decisão transitada, para além do prestígio dos tribunais, é a certeza e segurança na definição dos direitos sobre os quais incide. III. O relevo deste valor explica os mecanismos que a lei processual prevê para a sua defesa. IV. A vinculação a uma decisão transitada em julgado exige que os titulares de relações juridicamente afectáveis tenham tido a oportunidade de nela influir: é este o fundamento do princípio do contraditório, princípio fundamental do processo, e que justifica a oponibilidade relativa do caso julgado. V. O princípio do contraditório exige que a oponibilidade da força e autoridade do caso julgado pressuponha a identidade de sujeitos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em apelação autónoma interposta do despacho de 11 de Março de 2022 do Tribunal da Propriedade Intelectual, proferido na acção instaurada por Luz Saúde, S.A., Cuf, S.A., L...SGPS S.A. e M..., S.A., sendo intervenientes principais, ao lado das autoras, M...S..., S.A., e A..., S.A., ora recorridas, contra AA e BB, ora recorrentes, na qual as autoras pediram a declaração de nulidade do registo do modelo de utilidade nacional n.º 11169, no que agora releva, decidiu-se “manter a decisão recorrida que julgou improcedente a excepção peremptória de autoridade de caso julgado”. A excepção de autoridade de caso julgado havia sido suscitada pelos réus com referência à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa proferida no âmbito do proc. n.º 7/17.9YHLSB.L1, no qual os agora réus e recorrentes impugnaram a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que havia recusado o registo do modelo de utilidade n.º 11169 “Processo de Telemedicina On Demand via Televisão por Cabo”, sem êxito em 1.ª Instância, mas com provimento na apelação: “(…), julgo a apelação procedente, revogando a sentença recorrida, e ordenando a concessão definitiva do modelo de utilidade apresentado pelos recorrentes, reportado à data de 30/04/2015, substituindo-se assim a decisão tomada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial”. 2. AA e BB recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, esclarecendo, nas alegações, que “No presente recurso, a questão que se pretende submeter à douta apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça é a relativa à a exceção perentória de autoridade de caso julgado que, inequivocamente, se verifica nos presentes autos e que importa, necessariamente, a improcedência da ação”. Nas conclusões das mesmas alegações incluíram o seguinte (apenas se transcrevem as que respeitam ao objecto do presente recurso, tal como definido pelos recorrentes): «(…) 3. No que concerne à decisão proferida no mesmo despacho datado de 11 de março de 2022, mas no que concerne à decisão proferida no que concerne à exceção perentória de autoridade de caso julgado, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que não seria de anular o despacho proferido nesta parte, decidindo, a final, manter a decisão recorrida que julgou improcedente a exceção perentória de autoridade de caso julgado. 4. Na verdade, as mesmas razões que impõem a anulação do despacho na parte em que proferiu decisão quanto à exceção de caso julgado, sempre imporiam a anulação do despacho, também, na parte em que proferiu decisão quanto à exceção perentória de autoridade de caso julgado: ambas foram afetadas pelo ato que, em violação do princípio do contraditório, não admitiu a resposta dos ora RECORRENTES aos pareceres juntos pelas ora RECORRIDAS, logo, ambas as decisões dependem absolutamente do ato ferido de nulidade. 5. Tal não significaria, no entanto, que o Tribunal da Relação de Lisboa não pudesse conhecer da invocada exceção perentória de caso julgado. 6. Com efeito, nos termos do artigo 665.º, do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação de Lisboa poderia, determinando a anulação do despacho proferido, substituir-se ao tribunal recorrido e conhecer da exceção de autoridade de caso julgado. 7. Sendo certo, porém, que sempre a conheceria em primeiro grau de jurisdição, e não em segundo grau de jurisdição. 8. Esta questão não é despicienda, uma vez que, a admitir-se a decisão nos termos proferidos, decidindo-se pela manutenção do despacho proferido pelo tribunal de primeira instância, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, confirmando a decisão recorrida que julgou improcedente a exceção perentória, constituiria dupla conforme, questão que, no caso sub judice, não influi na admissão do presente recurso de revista, mas poderia determinar a inadmissibilidade do recurso, nos termos do disposto no artigo 671.º, número 3., do Código de Processo Civil. 9. Nos termos do artigo 671º, número 1., do Código de Processo Civil, cabe revista dos acórdãos do Tribunal da Relação que se tenham envolvido diretamente na resolução material do objeto do processo ou que, sem conhecer do mérito da causa, extingam a instância. 10. A expressão “conhecer do mérito da causa” abrange, necessariamente, o conhecimento parcial da causa e de qualquer exceção perentória 11. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos presentes autos, conheceu da invocada exceção perentória da autoridade de caso julgado, assim tendo conhecido do mérito da causa, dado que se envolveu, efetivamente, na resolução material do litígio. 12. Pelo exposto, será forçoso concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 671.º, número 1., do Código de Processo Civil. 13. Sendo a questão que se pretende submeter à douta apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça é a atinente à violação de caso julgado, verificando-se a exceção perentória de autoridade de caso julgado, que importa a improcedência da ação, pelo que estamos perante situação em que o recurso é sempre admissível, nos termos do disposto no artigo 629.º, número 2., alínea a), do Código de Processo Civil, sendo admissível a presente revista, nos termos do disposto no artigo 671.º, número 3., do Código de Processo Civil. 14. Caso assim não se entenda, sempre o presente recurso será admissível, nos termos do disposto no artigo 671.º, número 2., alínea a), do Código de Processo Civil, que determina que os acórdãos do Tribunal da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual podem ser objeto de revista, nos casos em que o recurso é sempre admissível, remetendo para o disposto no artigo 629.º, do Código de Processo Civil, de acordo com o qual, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na ofensa de caso julgado. 15. Pelo exposto, tendo o presente recurso por objeto a apreciação da alegada exceção perentória de autoridade de caso julgado, que foi julgada improcedente pelo Acórdãodo Tribunal da Relação ora recorrido, é de concluir-se pela sua admissibilidade. 16. O pedido do registo de modelo de utilidade sub judice foi inicialmente recusado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, com fundamento na respetiva falta de novidade e na respetiva falta de caráter inventivo. 17. Não se conformando com tal decisão, os ora RECORRENTES recorreram, à data, para o Tribunal da Propriedade Intelectual, tendo proposto uma ação judicial com vista à concretização do registo do modelo de utilidade em causa. 18. No âmbito dessa ação judicial, veio a ser proferida Decisão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitada em julgado, ordenado a concessão definitiva do modelo de utilidade apresentado pelos ora RECORRENTES, reportada à data de 30 de abril de 2015, substituindo, assim, a decisão tomada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (vide certidão da Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 7/17.9YHLSB.L1, que foi junta pelos RECORRENTES com a sua contestação como documento número 1., e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido). 19. Por força da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que ordenou a concessão definitiva do modelo de utilidade nacional n.º 11169, a questão da validade do modelo de utilidade em causa torna-se, por via da autoridade de caso julgado, num pressuposto indiscutível a que os tribunais ficam vinculados, pelo que, sendo a validade do modelo de utilidade nacional n.º 11169 a única questão objeto do presente litígio, deve a autoridade de caso julgado que emana da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que ordenou a concessão definitiva do modelo de utilidade nacional, determinar a absolvição dos ora RECORRENTES do pedido. 20. Como decorre da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas: uma consubstancia-se na exceção dilatória de caso julgado, nos termos da qual a questão decidida não pode ser de novo reapreciada, traduzindo-se esta na vertente negativa do caso julgado; a outra na força e autoridade de caso julgado, nos termos da qual o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adotada implica que não possa admitir-se decisão posterior que a contrarie, traduzindo-se esta na vertente positiva do caso julgado. 21. A questão que se submete à apreciação deste Supremo Tribunal prende-se com a violação do caso julgado na sua vertente positiva, a autoridade de caso julgado, significando o caráter vinculativo da decisão regularmente proferida pelo órgão do poder jurisdicional, com a força adquirida pela decisão com o trânsito em julgado, a qual tem o efeito positivo de impor tal decisão. 22. Nesta vertente, a autoridade do caso julgado visa garantir a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão anterior, tendo por objetivo a salvaguarda dos princípios da certeza e segurança jurídicas, acautelando a possibilidade desprestigiante para o poder judicial de se verem produzidas decisões diversas sobre a mesma questão. 23. Por esse motivo, é hoje aceite pela maioria e melhor jurisprudência e doutrina que, ao contrário do que sucede no plano da exceção dilatória de caso julgado, a autoridade não pressupõe a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. 24. No acórdão recorrido, posição que nesta parte se acompanha, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que se verifica identidade de pedido e de causa de pedir. 25. O Tribunal da Relação de Lisboa reconheceu, ainda, posição que se sufraga, que se verifica uma relação de prejudicialidade entre a decisão proferida em decisão anterior, e já transitada em julgado, e a segunda ação (a ação sub judice). 26. Porém, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que não se verifica a exceção perentória de autoridade de caso julgado, por não se verificar a identidade de sujeitos, sendo tal posição objeto de discordância pelos ora RECORRENTES e com a qual não podem conformar-se. 27. Retira-se do acórdão recorrido que o Tribunal considerou que, no âmbito do regime previsto no Código da Propriedade Industrial, para que funcione a autoridade de caso julgado, necessário será que se verifique a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, atento o disposto no artigo 204.º, número 3., do referido diploma. 28. Ora, sob o ponto de vista dos RECORRENTES, tal posição não absolutamente inaceitável. 29. Com efeito, o artigo 204.º do Código da Propriedade Industrial insere-se no Capítulo III Desenhos ou Modelos, Secção IV Invalidade do Registo. 30. Tal disposição é aplicável aos processos de declaração de nulidade ou anulação dos desenhos ou modelos, não sendo aplicável aos processos de nulidade ou anulação de modelos de utilidade. 31. Pelo exposto, a disposição legal na qual o Tribunal da Relação de Lisboa fundamenta a decisão ora recorrida nenhuma aplicação tem nos presentes autos, dado que a questão sub judice se prende com um modelo de utilidade e não com um desenho ou modelo. 32. Concluindo-se que a decisão ora recorrida incorre em erro quanto ao julgamento da matéria de direito, impondo-se a sua revogação. 33. Refira-se que nem sequer será admissível qualquer tipo de aplicação analógica da norma constante do artigo 204.º, número 3., do Código da Propriedade Intelectual à questão sub judice. 34. Com efeito, no caso em apreço, estamos perante uma ação na qual se peticiona a declaração de nulidade do modelo de utilidade nacional n.º 11169, por, alegadamente, não se verificarem os requisitos de que depende a sua concessão, quando tal questão foi já objeto de apreciação em ação anterior, com decisão judicial, definitiva e transitada em julgado, que se pronunciou no sentido da existência dos requisitos necessários à concessão de tal modelo. 35. Tal decisão judicial transitou em julgado, não se podendo admitir que venha a repetir-se, com os mesmos fundamentos, a mesma decisão, ou pior, que venha a ser proferida nova decisão que contrarie uma decisão proferida por um tribunal superior, já transitada em julgado. 36. Sendo que, como resulta de várias decisões do Supremo Tribunal de Justiça, a autoridade de caso julgado pode impor-se mesmo não se verificando a identidade de sujeitos. 37. Sendo precisamente nestes casos, como o dos presentes autos, em que, apesar de não se verificar a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, se impõem os efeitos positivos do caso julgado, vinculando-se os tribunais em ações posteriores a acatar as decisões transitadas em julgado, proferidas em ações anteriores. 38. Pelo exposto, deverá revogar-se a decisão proferida, julgando-se procedente a exceção perentória de autoridade de caso julgado e absolvendo os RÉUS, ora RECORRENTES, do pedido. (…)» As recorridas contra-alegaram, sustentando a inadmissibilidade do recurso e, em qualquer caso, a sua improcedência, por não haver identidade de sujeitos entre a acção n.º 7/17.9YHLSB.L1 e a presente, nem haver coincidência entre as causas de pedir correspondentes. O recurso foi admitido como revista, com subida imediata em separado e com efeito meramente devolutivo. 3. Cumpre conhecer da admissibilidade do presente recurso e da alegada violação da autoridade de caso julgado, relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no citado proc. n.º 7/17.9YHLSB.L1. Os factos relevantes constam do relatório. 4. Ainda que esteja em causa um recurso que versa sobre uma excepção peremptória, (n.º 1 do artigo 671.º do Código Civil), em princípio, a dupla conformidade de decisões entre as instâncias impediria a revista (n.º 3 do mesmo artigo 671.º). Todavia, o recurso é admissível com fundamento em violação de caso julgado (al. a) do n.º 2 do artigo 629.º e n.º 3 do artigo 671.º, ambos do Código de Processo Civil), razão pela qual se vai passar a analisar a questão de saber se o acórdão recorrido, ao negar que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que ordenou “a concessão definitiva do modelo de utilidade apresentado pelos recorrentes, reportado à data de 30/04/2015, substituindo-se assim a decisão tomada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial”, valha na presente acção como “autoridade de caso julgado”, violou esta autoridade de caso julgado, na medida em que não impede o conhecimento do pedido de declaração de nulidade que constitui o objecto da presente acção. Com efeito, “como se costuma observar, a força e autoridade de caso julgado (material) significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente, tão somente, a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2009, que se cita apenas a título de exemplo). Recorde-se, antes de prosseguir, que “Nos casos em que o recurso apenas é admissível por se fundar em violação de caso julgado”, como aqui sucede, “é jurisprudência assente a restrição da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça à verificação desse fundamento” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 100/20.0T8CFR.C1.S1. 5. Para tanto, cumpre interpretar a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido na acção n.º 7/17.9YHLSB.L1, cuja certidão se encontra junta ao processo, passo necessário para se poder alcançar o âmbito do caso julgado material ali formado. Como repetidamente se tem recordado, nomeadamente no Supremo Tribunal de Justiça, para interpretar uma sentença não basta considerar a sua parte decisória, “cabendo tomar na devida conta a respectiva fundamentação (“é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”, escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 715, como se recorda no acórdão de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. n 102/2001.L1.S1), o contexto, os antecedentes e outros elementos que se revelem pertinentes (acórdão de 8 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 25.163/05.5YLSB.L1.S1). Para além disso, e porque se trata de um acto formal, aliás particularmente solene, cumpre garantir que o sentido tem a devida tradução no texto (cfr., com o devido desenvolvimento, o acórdão de 3 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 190-A/1999.E1.S1 e o acórdão de 25 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 351/09.9YFLSB)”, escreveu-se recentemente no acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Novembro de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 1044/18.1T8VNF-A.G1.S1. Como se recordou já, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa proferida no proc. 7/17.9YHLSB.L1 concedeu provimento ao recurso, interposto por AA e BB, da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que negara o registo, que haviam requerido, do modelo de utilidade n.º 11169 – o mesmo que está em causa no pedido de declaração de nulidade formulado na presente acção. Divergindo dessa sentença, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa considerou que “Um projecto visando adaptar a técnica da telemedicina à televisão por cabo, não inovando relativamente a cada uma das técnica envolvidas, mas criando, através da interligação dessas técnicas, uma solução original para o problema da acessibilidade do utente/paciente a profissionais de saúde, através da consulta à distância e sem que o paciente tenha de se deslocar, permitindo a monitorização dos sintomas em tempo real e a prescrição terapêutica adequada de forma imediata, satisfaz o requisito previsto no artigo 120.º n.º 2 b) do Código da Propriedade Industrial. Nestes termos, julgo a apelação procedente, revogando a sentença recorrida, e ordenando a concessão definitiva do modelo de utilidade apresentado pelos recorrentes, reportado à data de 30/04/2015, substituindo-se assim a decisão tomada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial”. Interessa agora recordar que a sentença que esta decisão revogou havia considerado, no que neste recurso releva, que faltavam a novidade ou a actividade inventiva necessárias à concessão do registo de modelo de utilidade pretendido. Nessa acção não foram partes as agora autoras/recorridas na revista. 6. Os ora recorrentes, autores na acção 7/17.9YHLSB.L1 e que ali obtiveram, a final, ganho de causa, sustentam, na presente acção, que “a questão da validade do modelo de utilidade em causa torna-se, por via da autoridade do caso julgado, num pressuposto indiscutível a que os tribunais ficam vinculados. Pelo que, sendo a validade do modelo de utilidade nacional n.º 11169 a única questão objecto do presente litígio, deve a autoridade de caso julgado que emana da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que ordenou a concessão definitiva do modelo de utilidade nacional determinar a absolvição dos ora Recorrentes do pedido”. Em seu entender, diferentemente do que sucede com os requisitos da excepção de caso julgado, “a autoridade de caso julgado (…) não pressupõe a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir”; nomeadamente, não é exigível a identidade de sujeitos entre os quais se desenrolou a causa prejudicial e a causa cuja decisão dela depende. É, aliás, quanto a este ponto se encontra a principal divergência entre recorrentes e recorridas. 7. Não se coloca qualquer dúvida quanto à afirmação dos recorrentes de que, para que uma decisão possa valer com força e autoridade de caso julgado em processo diverso daquele no qual foi proferida, não se exige a repetição em simultâneo dos três elementos de identificação de uma acção, que permitem concluir pela repetição de causas: sujeitos, pedido e causa de pedir, n.º 1 do artigo 581.º do Código de Processo Civil. Têm-se agora em vista as decisões de mérito e o caso julgado material, sabendo-se que é a disciplina processual que justifica a força de caso julgado formal e a preclusão a que conduz. O que fundamenta a especial protecção da força e autoridade de uma decisão transitada, para além do prestígio dos tribunais, é a certeza e segurança na definição dos direitos sobre os quais incide. O relevo deste valor explica os mecanismos que a lei processual prevê para a sua defesa, que vão desde a excepção de caso julgado, que se define formal (repetição dos referidos elementos de identificação das causas) e funcionalmente (evitar a repetição ou a contradição prática de julgados (n.º 2 do artigo 580.º do Código de Processo Civil), à irrelevância de uma eventual repetição ou contradição (n.º 1 do artigo 625.º do mesmo Código), à admissibilidade de recurso, mesmo quando faltam os requisitos gerais de recorribilidade ou ocorrem casos de irrecorribilidade legal (al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil), ou à possibilidade de dedução de embargos de executado (al. f) do artigo 729.º , artigo 730.º e artigo 731.º do Código de Processo Civil). A vinculação a uma decisão transitada em julgado exige, todavia, que os titulares de relações juridicamente afectáveis tenham tido a oportunidade de nela influir: é este o fundamento do princípio do contraditório, princípio fundamental do processo (cfr. artigo 3.º do Código de Processo Civil e n.º 4 do artigo 20.º da Constituição). É o princípio do contraditório que justifica a oponibilidade relativa do caso julgado, não se encontrando fundamento material para distinguir, quanto a este ponto, a oponibilidade do caso julgado enquanto releva numa acção subsequente a título apenas prejudicial ou como causa impeditiva da repetição de acções. Embora não seja uma interpretação isenta de divergências, entende-se que o princípio do contraditório exige que a oponibilidade da força e autoridade do caso julgado pressuponha, portanto, a identidade de sujeitos (cfr., apenas como exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 19 de Fevereiro de 2009, www.gsi.pt, proc. n.º 09B0081, de 3 de Novembro de 2016, www.dgsi.pt, proc. n.º 1628/15.0T8STR-A.S1, de 30 de Abril de 2020, ECLI:PT:Supremo Tribunal de Justiça:2020:257.17.8T8MNC.G1.S1, de 21 de Junho de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 43/21.0YHLSB.L1-A.S1, ou de 29 de Setembro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 5138/05.5YXLSB-E.L1.S1). Não tendo sido partes no processo n.º 7/2017.9YHLSB.L1, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de não vincula as autoras desta acção. Aqui chegados, torna-se inútil averiguar se há ou não identidade de pedido e de causa de pedir. 8. Nestes termos, rejeita-se o recurso. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 12 de Dezembro de 2023 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora) Lino Ribeiro José de Sousa Lameira |