Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE DO GERENTE SOCIEDADE POR QUOTAS DIREITO DE AÇÃO REQUISITOS DELIBERAÇÃO SOCIAL FALTA EXCEÇÃO DILATÓRIA ASSEMBLEIA GERAL INTERESSE PESSOAL DO SÓCIO INTERPRETAÇÃO DA LEI DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA DEVER DE LEALDADE | ||
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Data do Acordão: | 11/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário : | I - Nos termos plasmados no art. 64.º do CSC, os gerentes têm deveres fundamentais a observar, tais como, deveres de cuidado e deveres de lealdade, no interesse da sociedade. II - O art. 75.º do CSC, consagra o direito de ação da sociedade contra os responsáveis, sendo esta ação precedida de deliberações dos sócios, por simples maioria e sujeita a um prazo de seis meses a contar da deliberação. III - A determinação do interesse social incumbirá ao coletivo dos sócios, não para a prossecução dos seus próprios interesses, mas para a realização dos fins da sociedade. IV - O art. 77.º do CSC, confere aos sócios, o direito de propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, de prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado. V - A ratio da ação, ut singuli, estará limitada aos casos em que a sociedade deliberou não propor qualquer ação, ou quando deliberou em tal sentido, não a veio a propor no prazo de seis meses, a que se reporta o n.º 1 do art. 75.º do CSC, bem como, na ausência de qualquer deliberação, poderem os sócios solicitar a convocação de assembleia geral ou incluir a matéria na ordem do dia, de assembleia geral já convocada. VI - Não existe qualquer desfavor das minorias perante os sócios maioritários, pois, haverá sempre a possibilidade de intentar a ação ut singuli, quando a sociedade deliberar não propor a ação, ou se deliberar propô-la, tal não vier a suceder no prazo de seis meses após a respetiva deliberação. VII - O que seria redutor era definir como função da ação ut singuli, a tutela dos sócios minoritários, quando a mesma deverá ser encarada como defensora do interesse social e pronta a tomar iniciativas procedimentais, quando tal se revelar necessário para a prossecução daquele interesse. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº. 4360/22.4T8LSB.L1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 6ª. Secção 1-Relatório: O autor, AA e BB intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra o réu, CC, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização à sociedade por quotas, Air B…, Lda., no valor de € 8.372.488,72, acrescida de valor a apurar em sede de liquidação de sentença, nos termos do artigo 77.º do CSC. Para tanto, alegou em síntese, que é sócio da mencionada sociedade (quota de 20% do capital social), tendo sido gerente da mesma até 29/10/2021. O réu é sócio maioritário da sociedade (quota correspondente a 78% do seu capital social) e gerente único desde 29/10/2021. Nesse mesmo dia, o réu fez aprovar a alteração da sede social da sociedade para um edifício abandonado que não possui, sequer recetáculo postal; revela desinteresse pelos negócios da sociedade, tendo domicílio habitual no ... e apenas se deslocando a Portugal ocasionalmente; em 2016, o réu manifestou interesse em adquirir um conjunto de imóveis sitos em Lisboa, designados ..., tendo afirmado que asseguraria o financiamento total da operação de aquisição do mesmo; em Maio desse ano, o objeto social da Air B..., Lda. foi modificado, passando a incluir a “conceção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, a exploração de estabelecimentos hoteleiros, a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração imobiliária”; no dia 15/12/2016, o réu e DD, ambos na qualidade de gerentes da Air B..., Lda., assinaram um contrato-promessa de compra e venda com a empresa CTT – Correios de Portugal, S.A., nos termos do qual se comprometia a comprar o ... pelo preço de € 25.000.000,00; o contrato-promessa incluía, na sua Cláusula Quarta, a obrigação para a Air B..., Lda. (promitente compradora) do pagamento de um sinal no montante de € 2.500.000,00 com a outorga do mesmo; aquando da celebração deste contrato, o réu financiou a Air B..., Lda., tendo aportado para a sociedade, a título de prestações suplementares, o montante de € 2.500.000,00; ao fim de seis meses, o réu não conseguiu financiar o remanescente do preço (€ 20.000.000,00); foi necessário prorrogar por duas vezes o prazo para a celebração do contrato de compra e venda com dois reforços de sinal no montante, cada um, de € 1.250.000,00, pagos em 08/06/2017 e em 12/09/2017; nos termos da Cláusula Oitava do contrato-promessa, caso a escritura de compra e venda não fosse celebrada (e o pagamento de 20 milhões de euros devidos não fosse realizado) até ao dia 15/12/2017, os CTT – Correios de Portugal teriam o direito a resolver o contrato-promessa e a fazer seus os 5 milhões de euros pagos a título de sinal e respetivos reforços; - a partir de Novembro de 2017, o réu procurou contrair um empréstimo junto do Novo Banco, S.A. no valor de € 20.000.000,00, o que não se concretizou; o réu não conseguiu financiar a operação (nem através de capitais alheios nem de capitais próprios); no dia 14/12/2017, a CTT – Correios de Portugal, a Air B…, Lda. e a G… formalizaram a cessão da posição contratual da Air B…, Lda. no contrato-promessa que esta celebrara com a CTT a favor da G..., representada pelo autor; no dia 15/12/2017, a G… celebrou um contrato de financiamento com o Novo Banco no valor de € 20.000.000,00 (com o inerente sacrifício financeiro exigido à G... e ao autor, pessoalmente); também nessa data, a G... e a CTT celebraram a escritura pública de compra e venda do ... pelo preço de € 25.000.000,00 (dos quais, € 5.000.000,00 foram pagos pela Air B..., Lda.a título de sinal e reforços de pagamento, e € 20.000.000,00 pela G...); o réu transmitiu ao autor que no prazo de 15 dias conseguiria aceder aos fundos necessários através dos quais a Air B..., Lda.compraria imediatamente o ... à G... permitindo-lhe pagar o empréstimo que esta contraíra junto do Novo Banco; − o autor garantiu pessoalmente o empréstimo à G... para evitar a insolvência da Air B..., Lda.devido a decisões tomadas pelos restantes gerentes; o réu nunca obteve financiamento suficiente que permitisse à Air B..., Lda.comprar o ... à G... como tinha prometido; por isso a G..., em Maio de 2019, vendeu o imóvel a terceiros, tendo obtido uma mais-valia de € 4.056.604,09 (embora o imóvel, em apenas sete meses, tenha valorizado € 11.500.000,00); se a Air B..., Lda.tivesse adquirido o ... teria integrado no seu património uma mais-valia no valor de, no mínimo, € 8.372.488,72 e também teria auferido um montante elevado de receitas, resultantes da exploração desse conjunto de imóveis; esta situação ocorreu única e exclusivamente por causa da falta de diligência e cuidado do réu, na sua qualidade de gerente, ao não ter garantido, quando se precipitou para a compra do ..., que lhe seria possível obter o financiamento necessário para finalizar a transação, comprando o mesmo quer aos CTT, quer à G..., conforme se comprometera; o autor destituiu da gerência da Air B..., Lda. o autor e DD, deixando a sociedade numa situação de quase abandono e sem gerar quaisquer receitas presentemente. Regularmente citado, o Réu deduziu contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Invocou a exceção dilatória da falta de deliberação dos sócios, ou a recusa da mesma, sobre a ação de responsabilidade e a caducidade do direito de ação da sociedade e do efeito impeditivo das aprovações unânimes das contas de exercício com voto de confiança aos gerentes. Mais requereu que fosse proferida decisão prévia sobre o facto de o autor prosseguir com esta ação fundamentalmente interesses seus e diversos dos protegidos por lei. O Autor exerceu o contraditório quanto às invocadas exceções, alegando, para além do mais, ter já requerido, por duas vezes, a convocação de assembleias gerais, o que foi recusado pelo réu (pese embora o tenha feito com vista à deliberação de matéria distinta da aqui em causa), pelo que nunca seria satisfeita tal pretensão. Foi admitida a intervenção principal espontânea, que havia sido requerida pelo sócio, DD. Foi proferido saneador sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória: «Julgo procedente a exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma, com violação do carácter subsidiário da presente ação ut singuli e, em consequência, julgo o tribunal impedido de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu CC da instância – cfr. artigo 576º, nº 2, e 577º, do Código de Processo Civil». Inconformados, o autor e o interveniente principal, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde foi proferido acórdão, com o seguinte teor no seu dispositivo: «Perante o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida». Inconformados vieram o autor e o interveniente principal, interpor recurso de revista excecional, concluindo as suas alegações: A. A questão jurídica decidida no acórdão ora em crise pode ser resumida do seguinte modo: nos termos do artigo 77.º CSC, a legitimidade dos sócios para proporem uma ação social de responsabilidade contra os gerentes, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, está dependente da existência de uma prévia deliberação da sociedade sobre a propositura de uma ação de responsabilidade nos termos do artigo 75.º do CSC? B. A questão alcança particular relevância no presente caso, uma vez que o Tribunal a quo se distanciou daquela que seria a interpretação literal do citado enunciado, e distanciou-se dessa interpretação num sentido que levou à coartação dos direitos de acesso à justiça e tutela jurisdicional efetiva dos sócios. C. A questão de saber em que circunstâncias é que se deve considerar que os sócios de determinada sociedade têm legitimidade para apresentar ação uti singuli apresenta considerável relevo jurídico, e não se encontra consolidada nas nossas doutrina e jurisprudência. A decisão do Tribunal a quo surge ao arrepio de doutrina e jurisprudência que se vinham adensando ao longo de vários anos. D. O Tribunal a quo realizou uma interpretação restritiva do enunciado do artigo 77.º do CSC, tendo considerado que os sócios apenas poderiam propor ação uti singuli em situações nas quais “tenha existido alguma deliberação quanto a essa matéria, ou seja, deliberação no sentido da não instauração, ou, pese embora se tenha decidido em sentido contrário, a ação não tenha sido intentada nos seis meses subsequentes a essa tomada de posição”. E. O Tribunal a quo referiu expressamente que não ignorava “existir uma outra posição que defende ser apenas necessário que a sociedade não tenha, ela mesma, instaurado ação social de responsabilidade”; no entanto, o Tribunal a quo não parece ter tido em consideração os fortes argumentos a favor dessa “outra posição”. F. Essa posição é aquela que reflete uma interpretação literal do artigo 77.ºdo CSC, e é também aquela que melhor tutela os direitos fundamentais dos sócios à tutela jurisdicional efetiva e ao acesso aos tribunais. Pelo que ao optar por uma interpretação restritiva, que apenas permite aos sócios recorrer à ação uti singuli quando tiver havido lugar a deliberação prévia da sociedade, o Tribunal a quo fez uma interpretação de uma norma legal que ofende o direito fundamental previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. G. O caso sub judice pauta-se por um quadro de factualidade anómala. Na situação relatada nos presentes autos, o gerente que é réu da ação social de responsabilidade revelava uma prática reiterada de recusa de convocação de Assembleias Gerais requeridas pelos sócios. O Tribunal a quo não parece ter tomado em consideração esta vicissitude do caso concreto na sua decisão. H. A factualidade extraordinária do presente caso, caracterizada por um gerente que procurou, a cada momento, obstar ao normal funcionamento da sociedade, torna evidentes as limitações da interpretação restritiva adotada pelo Tribunal a quo, e, bem assim, as vantagens da interpretação literal que o Tribunal a quo recusou, sem uma fundamentação detalhada. I. A questão jurídica que subjaz à decisão do Tribunal a quo reveste grande importância prática no nosso direito positivo, e contende como direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva dos Recorrentes. J. Trata-se de um tema que não encontra resposta assente e consolidada na nossa doutrina e jurisprudência; e dado que o Tribunal a quo não teve em consideração as circunstâncias particulares do caso concreto (ou, pelo menos, não se referiu diretamente a elas), que o tornam numa situação-limite que, tudo visto e ponderado, revela as fragilidades práticas da interpretação restritiva adotada pelo Tribunal a quo, resta concluir que a questão suscitada pelo Acórdão de que ora se recorre reveste indiscutível relevância jurídica, pelo que a sua apreciação pelo Colendo Tribunal ad quem é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, devendo ser admitida a Revista Excecional, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC. K. A decisão da qual ora se recorre tem um enorme impacto em vários interesses jurídicos de relevo. O efeito prático da referida decisão é o de determinar que os sócios apenas adquirem legitimidade para intentar uma ação social uti singuli após a ocorrência de uma deliberação da sociedade sobre a propositura de uma ação uti universi. L. Esta interpretação afeta gravemente os interesses dos sócios, e beneficia os interesses dos gerentes, assim causando uma grave alteração no equilíbrio dos diferentes órgãos das sociedades. M. Assim, os interesses sociais em causa revestem grande relevância no domínio societário: são eles o equilíbrio dos poderes entre os sócios e o gerente, e o próprio direito à tutela jurisdicional efetiva e ao acesso aos Tribunais dos sócios, para efeitos de responsabilização dos gerentes. N. A questão suscitada pelo Acórdão de que ora se recorre diz respeito a interesses sociais de grande relevo, pelo que se impõe a sua apreciação pelo Colendo Tribunal ad quem, devendo ser admitida a Revista Excecional também nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC. O. O Acórdão recorrido incorre num erro de direito na interpretação que faz do artigo 77.º do CSC, com a epígrafe “ação de responsabilidade proposta por sócios”. P. O Tribunal a quo considerou que o trecho final desta disposição – “quando a mesma [a sociedade] a não haja solicitado” – configura um requisito de subsidiariedade da ação uti singuli, que deve ser interpretado do seguinte modo: “A ação social uti singuli é subsidiária da anterior, uma vez que só pode ser proposta nos termos do art.º 77.º n.º 1, parte final, do CSC, quando a ação não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respetiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a ação” Q. A interpretação restritiva que o Tribunal a quo deu às últimas palavras do n.º 1 do artigo 77.º do CPC não encontra qualquer apoio na letra da Lei, e carece de qualquer fundamento legal. R. O texto do n. º1 do artigo 77.º é claro e de fácil compreensão: “Independentemente do pedido de indemnização dos danos individuais que lhes tenham causado, podem um ou vários sócios […] propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado”. S. A interpretação correta da expressão “quando a mesma a não haja solicitado” é uma interpretação literal. Os sócios podem propor a ação social de responsabilidade contra os gerentes ou administradores quando a sociedade não tenha, por si, apresentado previamente uma ação de responsabilidade uti universi, nos termos do artigo 75.º do CSC. Se a sociedade o tiver feito, os sócios ficam impedidos de o fazer. T. Esta interpretação não só vai plenamente ao encontro daquela que é, de forma cristalina, a letra da lei – que apenas estabelece que a ação de responsabilidade do gerente pode ser proposta pelos sócios “quando a [sociedade] a não haja solicitado” – como é também perfeitamente coerente de um ponto de vista teleológico: se a sociedade já instaurou uma ação uti universi nos termos do artigo 75.º do CSC, os sócios devem perder a legitimidade pata intentar ações uti singuli contra os gerentes. U. A interpretação que o Tribunal a quo faz da expressão “quando a mesma a não haja solicitado” acrescenta desnecessária e infundadamente requisitos para a legitimidade do autor da ação uti singuli, estabelecendo, sem qualquer fundamento legal para tal, que os sócios apenas podem intentar a ação uti singuli se previamente (i) tiver ocorrido uma deliberação social que não tenha aprovado a instauração de uma ação uti universi, ou se (ii) tendo ocorrido uma deliberação social que tenha aprovado a instauração de uma ação uti universi, a sociedade não a tenha intentado no prazo de 6 meses. V. Há vários problemas com este entendimento. W. Em primeiro lugar, esta interpretação não tem qualquer reflexo na letra da Lei. X. Em segundo lugar, não se compreende qual seria a utilidade destes supostos requisitos adicionais. O n.º 5 do artigo 77.º do CSC já desempenha a função de impedir a instauração de ações uti singuli por motivos fúteis, ao estabelecer que “se o réu alegar que o autor propôs a acção prevista neste artigo para prosseguir fundamentalmente interesses diversos dos protegidos por lei, pode requerer que sobre a questão assim suscitada recaia decisão prévia ou que o autor preste caução”. Y. E mais: a interpretação que o Tribunal a quo fez desta disposição não restringe, de nenhum modo, o número de situações em que a ação de responsabilidade uti singuli poderia, em abstrato, ser instaurada. Z. Em suma: o único efeito real desta interpretação constitutiva do Tribunal a quo seria o de causar enormes atrasos na instauração de ações uti singuli. Caso acedêssemos a esta interpretação, o sócio que pretendesse intentar uma ação uti singuli ficaria completamente à mercê da iniciativa, organização e velocidade dos órgãos da sociedade, que, frequentemente, será ainda dirigida pelo gerente contra o qual se pretenderia intentar a ação de responsabilidade. AA. Não é realista pensar que o sócio que pretende intentar uma ação uti singuli tenha de ficar à espera que o gerente – e potencial réu nessa ação de responsabilidade – convoque uma Assembleia Geral, e, depois, possa ainda ter de aguardar que passem seis meses para poder, finalmente, agir. Em especial, quando a responsabilidade dos gerentes caduca ao fim de 5 anos, nos termos do artigo 174.º do CSC. BB. A solução aventada pelo Tribunal a quo revela-se particularmente desapropriada no caso sub judice, no qual, conforme descrito em sede de Petição Inicial e em Requerimento com a Ref.ª ...20, apresentado no dia 28 de abril de 2022, o Primeiro Recorrente já havia pedido ao Recorrido, gerente da sociedade, que convocasse duas Assembleias Gerais; e, em ambos os casos, o Recorrido recusou-se a fazê-lo. CC. Não se entende de que modo é que o ordenamento jurídico do direito societário beneficiaria em adotar a interpretação restritiva aqui proposta pelo Tribunal a quo; o que se vê, com meridiana clareza, é que em situações-limite como a da sociedade Air B..., Lda., em que o gerente age de má-fé e impede o regular funcionamento da sociedade, essa interpretação restritiva torna impraticável a imputação de responsabilidade ao gerente que descura e desrespeita os seus deveres legais. DD. Em suma, todas as razões levam a favorecer a interpretação literal da expressão “quando a mesma a não haja solicitado”, no n.º 1 do artigo 77.º do CSC, in fine; e a rejeitar a interpretação restritiva do mesmo preceito que lhe foi dada pelo Tribunal a quo. EE. Cabe, no entanto, analisar as razões que levaram o Tribunal a quo à sua interpretação restritiva. FF. Uma análise dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça citados pelo Tribunal a quo revela que, muito embora constem das referidas decisões os excertos que foram citados pelo Tribunal a quo, a realidade é que esses excertos não refletem com exatidão a posição que o Tribunal a quo adotou. GG. Na realidade, a expressão “por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido” não implica que a Assembleia Geral tenha deliberado sobre a propositura de uma ação uti universi, e tenha optado por não o fazer. Pelo contrário: do significado literal dessa expressão retira-se que a ação uti singuli possa ser intentada desde que a Assembleia Geral não tenha, de todo, deliberado sobre a instauração de ação uti universi. HH. É, aliás, esse o sentido que se retira da análise do acórdão proferido no processo n.º 08A3991 (citado pelo Tribunal a quo), uma vez que, analisada a factualidade desse caso, revela-se que autor nesse processo intentou uma ação uti singuli contra gerentes de determinada sociedade, sem que conste, da matéria de facto dada como provada, que tenha havido lugar a deliberação prévia da sociedade acerca da instauração de ação social uti universi. II. O Tribunal a quo citou, a favor da posição que sustentou, e que o presente recurso procura reverter, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, na realidade, oferece suporte à posição doutrinária contrária, segundo a qual não seria necessária qualquer deliberação prévia da Assembleia Geral para que os sócios recorram à ação social uti singuli. JJ. Já no que diz respeito ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 15 de fevereiro de 2018 no âmbito do processo n.º 4318/15.0T8LRS.L1-6, também citado pelo Tribunal a quo, cabe referir que a citação transcrita não passa de obiter dicta. Embora o acórdão mencione, de passagem, os requisitos de legitimidade das ações uti singuli nos termos do artigo 77.º do CSC, a decisão versa, na verdade, sobre uma ação uti universi. KK. Pelo que não podemos ver a passagem citada pelo Tribunal a quo como imbuída de qualquer vinculatividade jurisprudencial. O Tribunal da Relação de Lisboa não estava a decidir, para o passado ou para o futuro, sobre a interpretação do n.º 1 do artigo 77.º do CSC, mas apenas a realizar uma afirmação, no âmbito de um raciocínio acerca de um tema distinto. LL. Assim, o Tribunal a quo não se deveria ter apoiado neste aresto para fundar a sua interpretação do n.º 1 do artigo 77.º do CSC. MM. Também a citação que o Tribunal a quo faz do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 996/08.4TYLSB-B.L1-8 não sustenta a posição adotada pelo Tribunal a quo. NN. A citação transcrita pelo Tribunal a quo não refere que a ação uti singuli só pode ser intentada caso a sociedade delibere não instaurar ação uti universi, mas sim que pode ser intentada “no caso de a sociedade não deliberar”; o que, interpretado literalmente, implica que basta que não haja deliberação para que os sócios possam agir, em nome da sociedade, contra os gerentes. OO. Deste modo, concluímos que de nenhum dos acórdãos citados pelo Tribunal a quo é possível extrair qualquer suporte pela posição doutrinária que o Tribunal a quo sustenta, e que esteve na base da decisão de que ora se recorre. PP. O Tribunal a quo limitou-se, no mais, a estatuir que “para além de assistir ao sócio o direito de requerer à gerência a convocação de assembleia geral […] sempre os recorrentes poderiam ter lançado mão da acção especial para convocação judicial de assembleia”. QQ. Esta suposta solução, no entanto, não daria resposta aos problemas dos Recorrentes e da sociedade Air B..., Lda. O que o Tribunal a quo propõe, tudo visto e ponderado, é uma interpretação da Lei que não tem reflexo na sua letra e que forçaria o sócio que quisesse intentar uma ação uti singuli em defesa dos interesses da sociedade a passar por uma verdadeira via sacra para conseguir alcançar o seu objetivo. RR. Esta interpretação choca frontalmente com a ratio legis do artigo 77.º do CSC, que visa dar aos sócios oportunidade de agir quando a sociedade não o faz. Ao restringir estes casos àqueles em que a sociedade falou em agir, mas não o fez, o Tribunal a quo coarta por completo os direitos dos sócios, e outorga ao gerente inúmeras possibilidades de obstar a que a ação seja instaurada. SS. Por outro lado, a interpretação literal do n.º 1 do artigo 77.º do CSC in fine que os Recorrentes defendem tem largo respaldo jurisprudencial; veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em19 de outubro de 2004, no âmbito do processo n. º04B3095, e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no dia 30 de janeiro de 2020 no âmbito do processo n.º 1048/14.3TBPBL-C.E1. TT. Em suma, o Tribunal a quo errou na sua aplicação do n.º 1 do artigo 77.º do CSC, quando adotou uma interpretação restritiva segundo a qual a expressão “quando a mesma a não haja solicitado” teria o significado de “quando a ação não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respetiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a ação”. UU. E, desse erro na aplicação da Lei, resultou o erro de decisão que determinou o sentido do Acórdão a quo: o Tribunal errou ao decidir julgar procedente a “exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma, com violação do carácter subsidiário da presente ação ut singuli”, e, bem assim, errou quando decidiu julgar o tribunal “impedido de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu CC da instância”. VV. Nestes termos e por estes fundamentos, deve o Acórdão recorrido ser revogado, e substituído por outro que julgue improcedente qualquer “exceção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios ou recusa da mesma, com violação do carácter subsidiário da presente ação ut singuli”, e determine a baixa dos autos à primeira instância, para que prossiga o julgamento do mérito da causa. Por seu turno, contra-alegou o recorrido: A. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação dos Recorrentes, confirmando integralmente a sentença do tribunal de primeira instância. B. Inconformado, os Recorrentes interpuseram o presente recurso excecional de revista, sendo a questão essencial a ser decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a de saber se a ação ut singuli, prevista no artigo 77.º do Código das Sociedades Comerciais, deve ser precedida de uma deliberação social. C. In casu, não existiu qualquer deliberação societária nesse sentido, nem os Recorrentes tomaram qualquer iniciativa para que tal deliberação ocorresse. D. Como ficou demonstrado, esta decisão, salvo melhor opinião, não merece qualquer censura. E. Acontece, porém, que o presente recurso de revista excecional foi interposto com fundamento nas alíneas a) e b) do artigo 672.º do Código de Processo Civil (CPC). No entanto, a questão central deste recurso limita-se à correta interpretação do artigo 77.º do Código das Sociedades Comerciais. F. Nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC, os Recorrentes devem, na sua alegação, indicar de forma clara as razões pelas quais a apreciação da questão é necessária para uma melhor aplicação do direito e/ou demonstrar que os interesses em causa possuem particular relevância social. G. Não é suficiente uma descrição genérica e vaga, sendo imperativo fornecer uma argumentação sólida e convincente que detalhe razões concretas e objetivas, capazes de evidenciar a alegada importância jurídica e social. H. Da leitura das alegações dos Recorrentes, incluindo as suas conclusões, verifica-se que estes não fundamentaram suficientemente a admissibilidade, de modo excecional, da revista interposta. I. Destarte, nada disto fizeram os Recorrentes, pelo que não se pode entender que cumpriram os ónus estabelecidos no art. 672.º, n.º 2, alíneas a) e b). J. Em função do exposto, dado que os Recorrentes não cumpriram os requisitos estabelecidos no artigo 672.º, n.º 2, alíneas a) e b), é forçoso concluir que a revista excecional interposta deve ser rejeitada. K. Para fundamentar o seu recurso, invocam os Recorrentes que o Acórdão Recorrido aplicou de forma errada a Lei ao confirmar a decisão do tribunal de 1.ª instância L. Importa destacar que a ação ut singuli, apesar de ser proposta por um ou mais sócios que detenham pelo menos 5% do capital social (art. 77.º, n.º1 do CSC), é, de facto, uma “ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores com vista à reparação a favor da sociedade do prejuízo que esta tenha sofrido” e não uma ação que defenda interesses pessoais dos sócios. M. Assim, estamos essencialmente a tratar da mesma ação mencionada no artigo 75.º do CSC - ut universi - a qual, quando apresentada pela própria sociedade, está sujeita à deliberação dos sócios e deve ser intentada nos seis meses subsequentes à referida deliberação. N. Sendo que existe a possibilidade de que a ação em questão seja intentada sob a modalidade ut singuli, ou seja, por um único sócio, ou vários sócios, que detenham mais de 5% das ações, quando a ação não tenha sido proposta pela sociedade, ou por a respetiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado decorrer o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a ação. O. No caso concreto, os Recorrentes não apresentaram qualquer pedido nem tomaram qualquer iniciativa para agendar uma assembleia geral de sócios com o objetivo de deliberar sobre uma ação de responsabilidade contra a administração, o que constitui um requisito fundamental para a presente ação. P. Neste contexto, é importante salientar que os Recorrentes ocuparam o cargo de gerentes na sociedade Air B..., Lda.desde a sua constituição até 29 de outubro de 2021. Q. E, mesmo durante este período, os Recorrentes tiveram a oportunidade de convocar pessoalmente a assembleia geral mencionada, uma prerrogativa que não foi exercida. R. Mais ainda, conforme demonstrado, é inegável que, apesar da narrativa construída pelos Recorrentes sobre a necessidade de responsabilizar o Réu, ora Recorrido, perante a Air B..., Lda.pelos danos decorrentes de sua gestão prejudicial, há evidências claras de que os Recorrentes aprovaram uma deliberação na qual atribuíram exclusivamente aos timings as causas do fracasso da transação. S. Deste modo, conclui-se que os Recorrentes intentaram a presente ação sem a deliberação que os artigos 75.º e 77.º do Código das Sociedades Comerciais exigem. T. Tal deliberação poderia ter sido promovida até 29 de outubro de 2021 sem qualquer impedimento, baseando-se em atos de gestão que os próprios Recorrentes aprovaram. U. O que, por si só, constitui um obstáculo à referida ação. V. Conforme bem fundamentou o Acórdão Recorrido, apenas a recusa da assembleia geral em tomar tal medida ou a sua inação poderia legitimar a ação na modalidade ut singuli. W. Mas, sobre o alegado erro do Tribunal a quo, se encontra cabalmente demonstrado o entendimento consagrado pela nossa melhor doutrina e jurisprudência, impõe-se concluir pela natureza subsidiária da ação ut singuli relativamente à ação ut universi. X. Não é qualquer sócio que pode lançar mão de uma ação ut singuli, exigindo a lei que o sócio detenha uma participação social mínima específica, com o objetivo de mitigar os riscos que tal ação pode representar para a sociedade. Y. Esta cautela visa evitar que a ação ut singuli seja utilizada como um instrumento de pressão contra o administrador ou como uma estratégia para manipular o valor das participações sociais. Z. Pretende-se, assim, assegurar que a ação seja movida por razões legítimas e não por motivos frívolos ou oportunistas. AA. Por esse motivo, a ação ut singuli é intrinsecamente subsidiária, conforme disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC). BB. Note-se que a finalidade última da ação ut singuli é a proteção dos interesses da sociedade, e não os interesses pessoais dos sócios proponentes. CC. Seria contraproducente permitir que um único sócio, sem o respaldo de uma deliberação social, pudesse iniciar uma ação que deveria proteger o interesse coletivo da sociedade DD. Por essa razão, é necessária uma deliberação prévia da assembleia geral, conforme vem sendo enfatizado pela jurisprudência. EE. Portanto, a ação ut singuli deve ser considerada um recurso de última instância, disponível apenas quando a sociedade, através de seus órgãos competentes, não atua para reparar os prejuízos causados. FF. Importa, portanto, concluir pela absoluta validade da decisão recorrida. GG. Pelo exposto, conclui-se que a ação ut singuli é, de facto, subsidiária da ação ut universi, podendo ser intentada exclusivamente na ausência de deliberação ou ação efetiva por parte da sociedade, conforme preceituado pela legislação vigente e amplamente corroborado pela doutrina e jurisprudência. HH. Deste modo, deve o presente recurso excecional de revista ser declarado improcedente, confirmando-se, em consequência, o douto Acórdão do Tribunal a quo. Foram colhidos os vistos. 2- Cumpre apreciar e decidir: As conclusões do recurso delimitam o seu objeto, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil. Da admissibilidade do recurso: O presente recurso de revista excecional foi admitido pela Formação, tendo em conta a relevância jurídica da questão colocada. A questão a dirimir consiste em aquilatar: - Sobre a legitimidade dos sócios na propositura de uma ação social de responsabilidade contra os gerentes, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado. A matéria de facto delineada nas instâncias foi a seguinte: 1) A AIR B..., LDA.é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 2016, que tem como objeto social a “indústria de transportes por ar de passageiros, correio e carga por meio de serviços regulares ou por afretamento, assim como as respetivas peças e acessórios, o arrendamento de aeronaves a outras companhias em regime de casco nu ou em qualquer outra modalidade, a prestação de serviços de assistência técnica e planificação económica no ramo aéreo a terceiros incluindo, nomeadamente, companhias aéreas, e quaisquer atividades que, direta ou indiretamente, se relacionem com o transporte aéreo. Conceção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, a exploração de estabelecimentos hoteleiros, a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração imobiliária” – cfr. certidão permanente da Air B..., Lda.junta como Doc. 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 2) O capital social da Sociedade é, desde a sua constituição e até à data presente, detido pelos seguintes sócios e nas seguintes proporções: i. CC, aqui Réu, titular de uma quota com o valor nominal de € 19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), representativa de 78% do capital social; ii. AA e BB, aqui Autor, titular de uma quota com o valor nominal de € 5.000,00 (cinco mil euros), representativa de 20% do capital social; iii. DD (doravante, “DD”), titular de uma quota com o valor nominal de € 500,00 (quinhentos euros), representativa de 2% do capital social. - cfr. certidão permanente da Air B..., Lda.junta como Doc. 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 3) O Autor é titular de 20% do capital social da Air B..., Lda.e foi, até 29 de outubro de 2021, ...da mesma – cfr. certidão permanente da Air B..., Lda.junta como Doc. 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 4) Por seu turno, o Réu é sócio maioritário da Sociedade sendo titular, desde a sua constituição, de uma quota correspondente a 78% do seu capital social. 5) O Réu é, outrossim, ... da Sociedade desde a sua constituição, tendo-se tornado ...da mesma, desde ... de ... de 2021 – cfr. certidão permanente da Air B..., Lda.junta como Doc. 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 6) A Sociedade não tomou a iniciativa de agir contra o Réu nos termos gerais para a responsabilidade dos membros da administração, previstos no artigo 72º do CSC. 7) Por isso o autor decidiu intentar a presente ação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 77º do CSC por entender não ser expectável que a sociedade venha a atuar nos termos previstos em 6) por ser o Réu o seu gerente único e seu sócio maioritário. 8) Não houve nenhum pedido de agendamento de uma assembleia geral de sócios para deliberar sobre uma ação de responsabilidade contra a gerência ou especificamente contra o aqui réu. Vejamos: Insurgem-se os recorrentes relativamente ao acórdão proferido, na medida em que entendem ter sido efetuada uma interpretação restritiva do enunciado no art. 77º do Código das Sociedades Comerciais, ao considerar que os sócios apenas podem propor ação, uti singuli, em situações onde tenha existido alguma deliberação quanto à matéria e não tenha sido intentada ação, nos seis meses subsequentes a tal tomada de decisão. Na situação vertente, o autor (com adesão posterior do interveniente principal) intentou a presente ação, com vista à condenação do réu, no pagamento de uma indemnização à sociedade por quotas, Air B..., Lda., por receitas não auferidas, com base única e exclusivamente na falta de diligência e cuidado do réu, na sua qualidade de gerente. Entendeu o acórdão recorrido que não tendo a sociedade exercido o seu direito de ação, nem deliberado sobre eventual instauração ou recusa da mesma, nem tendo os recorrentes solicitado uma assembleia geral com tal finalidade, não poderiam os mesmos ter intentado ação social ut singuli. Ora, nos termos plasmados no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), os gerentes têm deveres fundamentais a observar, tais como, deveres de cuidado e deveres de lealdade, no interesse da sociedade. Trata-se do interesse coletivo ou comum dos sócios, quer no interesse dos sócios como sócios, quer o resultado da solidariedade de quaisquer interesses individuais dos sócios (cfr. Raul Ventura e Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas, Suplemento aos BMJ nºs. 192º a 195º). Nos termos do disposto no nº. 1 do art. 72º do CSC., os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. O art. 75º do CSC consagra o direito de ação da sociedade contra os responsáveis, sendo esta ação precedida de deliberações dos sócios, por simples maioria e sujeita a um prazo de seis meses a contar da deliberação. A determinação do interesse social incumbirá ao coletivo dos sócios, não para a prossecução dos seus próprios interesses, mas para a realização dos fins da sociedade. Por seu turno, o art. 77º do mesmo normativo, confere aos sócios, o direito de propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, de prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado. A ação que pode ser proposta pela sociedade é denominada uti universi e a prevista no art. 77º é a denominada ação uti singuli. Para além das ações enunciadas, existe ainda a ação sub-rogatória dos credores sociais, do art. 78º do CSC., pela qual, os credores se substituem à sociedade para exigirem dos gerentes ou administradores a indemnização que compete à sociedade. Diversamente da ação proposta em nome da sociedade, no âmbito do art. 75º do CSC., a ação respeitante ao art. 77º do mesmo diploma legal, assume uma outra feição. Dispõe o art. 77º do CSC: 1 - Independentemente do pedido de indemnização dos danos individuais que lhes tenham causado, podem um ou vários sócios que possuam, pelo menos, 5% do capital social, ou 2% no caso de sociedade emitente de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado. (…) O direito aqui exercido pelos sócios, não é um direito próprio, mas que preconiza reparar um prejuízo sofrido pela sociedade e para defesa do interesse da sociedade. Se os sócios pretenderem ser ressarcidos de danos próprios que lhes tenham sido causados pela conduta de gerentes ou administradores, têm à sua disposição a ação prevista no art. 79º do CSC. Os sócios ao abrigo do art. 77º do CSC., reclamam um direito da sociedade sobre uma indemnização e não um direito próprio, mas fazem-no ao abrigo de um seu direito próprio, com sustentação na respetiva participação social. Como resulta do art. 75º do CSC., em conjugação com a redação do nº. 1 do art. 77º, in fine do mesmo código, ao mencionar «quando a mesma a não haja solicitado», estamos perante um caráter subsidiário da ação social ut singuli. Se a sociedade intentar a ação ut universi, os sócios já não a poderão intentar. Porém, a este respeito contamos com posições divergentes na doutrina, tal como, também se denota nas posições divergentes dos recorrentes e recorrido nos autos. Com efeito, como escreveu Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, 2ª. ed. Almedina, pág. 63 «Há espaço para a ação social dos sócios se a sociedade delibera não propor ação ou se, deliberando propô-la, não a propõe no prazo de seis meses a contar da respetiva deliberação (cfr. o art. 75º, 1). E enquanto não há deliberação sobre o assunto? Em princípio, devem os sócios que pretendem a propositura da ação requerer a convocação de assembleia geral ou a inclusão do assunto na ordem do dia de assembleia já convocada ou a convocar». Em sintonia, J.M. Coutinho de Abreu/Maria Elisabete Ramos, Código Das Sociedades Comerciais Em Comentário, vol. I, Almedina, pág. 950, aludindo «Há espaço para a ação social dos sócios se a sociedade delibera não propor ação ou se, deliberando propô-la, não a propõe no prazo de seis meses a contar da respetiva deliberação (cfr.art. 75º, 1) E enquanto não há deliberação sobre o assunto? Em princípio, devem os sócios que pretendem a propositura da ação requerer a convocação de assembleia geral ou a inclusão do assunto na ordem do dia de assembleia já convocada ou a convocar». Na mesma esteira se pronunciou, Maria de Fátima Ribeiro, A Função da Ação Social, Uti Singuli, e a sua Subsidiariedade, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. VI, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012 «Entre nós, resulta da ratio da figura que a possibilidade de atuação dos sócios está limitada aos casos em que a sociedade deliberou não propor a ação social de responsabilidade e àqueles em que a sociedade deliberou propô-la, mas não a propôs no prazo de seis meses fixado no nº. 1 do artigo 75º do Código das Sociedades Comerciais. (…) Mas é de excluir que a simples ausência de deliberação da sociedade sobre a ação social de responsabilidade legitime os sócios minoritários para intentarem a ação social, ut singuli. É dever dos sócios que pretendam intentar ação judicial, ut singuli, submeterem o assunto da propositura da ação social de responsabilidade à assembleia geral de sócios, onde têm assento, permitindo assim que esse órgão possa definir concretamente o interesse social, sempre ficando acautelado o seu interesse indireto, de garantia do conteúdo do seu direito de participação social». Com posicionamento diverso, apontamos Tiago Soares da Fonseca/ António Manuel Menezes Cordeiro, A natureza subsidiária da ação ut singuli, Revista de Direito das Sociedades, Ano III (2011), 2 «A problemática em torno da natureza da ação ut singuli, em relação à ação ut universi, não reside na sua subsidiariedade como de resto, inegavelmente, resulta da parte final do art. 77º/1 do CSC: quando a mesma a não haja solicitado, mas das implicações práticas da expressão adotada. (…) A positivação da ação ut singuli visa permitir aos sócios minoritários atuar, em defesa dos interesses da sociedade, contra a inércia do órgão primordialmente competente. A mera inação da sociedade não pode, porém, consubstanciar a única condição para a propositura de ações ut singuli, sob pena de a solução preconizada pecar por manifesto formalismo. O instituto da ação ut singuli é, por excelência, um garante dos interesses sociais, em especial quando não sejam devidamente acautelados pelos seus representantes legais. Há, pois, que atender à materialidade subjacente a este instituto». De igual modo, Manuel Carneiro da Frada/Diogo Costa Gonçalves, A ação social ut singuli (de responsabilidade civil) e o Direito Cooperativo, Revista de Direito das Sociedades, Ano I (2009), 4 «O CSC não se bastou, porém, com as ações ut universi. Veio permitir que os próprios sócios – sem a mediação da assembleia geral – pudessem propor essa mesma ação pro societate. Nisto consiste a ação ut singuli, prevista no art. 77º. A ratio da ação trata-se, essencialmente e antes de mais, de disponibilizar uma tutela eficaz do interesse da sociedade. (…) Subsidiariamente, a ação ut singuli permite, assegurar, ainda que apenas reflexamente, o interesse dos próprios sócios minoritários. Surge, nesta feição, como forma de tutela indireta do interesse dos sócios minoritários». Também, Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 7ª ed. 2021- Reimpressão, Almedina, pág. 897, aduz que se inclina para a posição de os sócios poderem tomar a iniciativa de propor individualmente a ação sendo suficiente aguardar que a sociedade nada faça no prazo suficiente para requerer a assembleia geral, com um argumento de ordem prática, qual seja, o de não ser proposta a ação num prazo razoável, fazendo sentido que os sócios o façam, em defesa dos interesses da sociedade». Colocados estes parâmetros, incumbe-nos a apreciação da situação concreta. Com efeito, resulta da factualidade assente, que estamos perante uma sociedade por quotas, onde o autor, AA é titular de 20% do capital social e o interveniente, DD, de uma quota de 2% do capital social. Por seu turno, o réu é gerente da sociedade com uma quota correspondente a 78% do seu capital social. A Sociedade não tomou a iniciativa de agir contra o Réu nos termos gerais para a responsabilidade dos membros da administração, previstos no artigo 72º do CSC. Por isso o autor decidiu intentar a presente ação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 77º do CSC por entender não ser expectável que a sociedade venha a atuar, por ser o Réu o seu gerente único e seu sócio maioritário. Não houve nenhum pedido de agendamento de uma assembleia geral de sócios para deliberar sobre uma ação de responsabilidade contra a gerência ou especificamente contra o aqui réu. Ora, a procura do interesse social cabe ao coletivo dos sócios, para a realização dos fins da sociedade e não para a prossecução dos seus próprios interesses. A ação de responsabilidade proposta pela sociedade, no âmbito do art. 75º do CSC., depende de deliberação de sócios, tomada por maioria simples, tendo sempre presente a realização dos fins societários. Daí que, a ação ut universi preveja um mecanismo a que a sociedade possa recorrer para tutelar os seus interesses. Porém, a lei não se atém a esta ação para defesa de interesses da sociedade, permitindo aos sócios, para defesa daqueles, a propositura da ação a que alude o art. 77º do CSC. Mas, a ação prevista no nº. 1 do art. 77º do CSC, não visa fazer valer diretamente um direito próprio de quem a intentou, mas um direito de indemnização da própria sociedade, de que participa, em virtude de prejuízos reflexamente suscetíveis de se repercutirem na sua esfera jurídica de sócio. Da conjugação dos artigos 75º e 77º do CSC., temos que a ação de responsabilidade proposta por sócios terá uma natureza subsidiária relativamente à ação de sociedade. Como se escreveu no Ac. do STJ. de 3-2-2009, in http://www.dgsi.pt «A ação social uti singuli é subsidiária da anterior, uma vez que só pode ser proposta nos termos do art. 77º, nº. 1, quando a ação não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respetiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a ação». Com efeito, resulta do nº. 1 do art. 77º do CSC., que a ação ut singuli está dependente dos seguintes requisitos: que o sócio ou sócios possuam, pelo menos, 5% do capital social, que a ação não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respetiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a ação. Neste sentido, ainda, Ac. do TRL. de 15-2-2018, in http://www.dgsi.pt «Esta ação proposta por sócios é subsidiária da ação de responsabilidade proposta pela sociedade, uma vez que só pode ser proposta nos termos do art.º 77.º n.º 1, parte final, do CSC, quando a ação não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respetiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a ação (artigo 75º, n.º 1, do CSC)». A legitimação concedida ao sócio minoritário ou a um grupo de sócios, neste tipo de ação é de natureza excecional. Porém, tal não significa um tratamento de desfavor dos sócios minoritários. A inércia quanto à propositura da ação ut universi, não implica um bloqueio da ação ut singuli, pois, esta surge como uma forma de tutela indireta do interesse dos sócios minoritários. Desde que preenchidos os requisitos, a ação ut singuli, poderá ser intentada, o que não poderá, de acordo com a lei é ser deduzida antes de a sociedade se expressar. Com efeito, casos poderiam surgir em que a ação ut singuli, pudesse ser usada por sócio ou sócios, para a prossecução de objetivos que não visassem o interesse da sociedade, ou até trazer desvantagens para a mesma, ou seja, há que ter em conta um critério de oportunidade, seja quanto ao tempo, seja quanto ao conteúdo da ação. Estando em causa o ressarcimento de danos causados ao património social e destinados exclusivamente à sociedade, ainda que se possam repercutir indiretamente nos sócios, será a sociedade que primeiramente deverá ponderar acerca da propositura de uma ação e não os sócios minoritários que deverão tomar a primazia de uma tal atitude. A sociedade é uma pessoa distinta dos seus sócios, a ela devendo caber, em primeira linha, a defesa dos seus interesses. A ratio da ação, ut singuli, estará limitada, assim, aos casos em que a sociedade deliberou não propor qualquer ação, ou quando deliberou em tal sentido, não a veio a propor no prazo de seis meses, a que se reporta o nº. 1 do art. 75º do CSC., bem como, na ausência de qualquer deliberação, poderem os sócios solicitar a convocação de assembleia geral ou incluir a matéria na ordem do dia, de assembleia geral já convocada. Nem se diga, que esta interpretação conjugada dos artigos 75º e 77º, ambos do CSC., se traduz num descurar do interesse dos sócios minoritários. Estes sócios, nos termos do disposto no art. 375º do CSC., desde que possuam ações correspondentes a, pelo menos, 5% do capital social, poderão requerer a convocação de uma assembleia geral, onde indicarão os assuntos a incluir na ordem do dia e a justificação da necessidade da reunião da assembleia. Será sempre ao coletivo dos sócios, reunidos em assembleia, que incumbirá decidir sobre os interesses societários, ou seja, a sociedade deve ser chamada à causa. Ora, no caso vertente, não ocorreu qualquer assembleia geral que tenha deliberado sobre a propositura de uma ação ut universi e os recorrentes não tomaram a iniciativa de pedir a convocação de uma assembleia com tal objeto. Se tal caminho tivesse sido percorrido, então assistiria todo o direito aos autores, de intentar a presente ação. Efetivamente, a lei concede aos sócios que reúnam as condições referidas no nº. 1 do art. 77º do CSC., em conjugação com o art. 75º do mesmo normativo, a legitimidade para intentarem a ação. Porém, os recorrentes optaram por intentar a ação, desde logo, sem percorrer as etapas antecedentes e sem cuidar de aquilatar da vontade societária, já que, a mera passividade da sociedade, não basta para propor a ação ut singuli. O sócio ou sócios não poderão antecipar-se a uma atuação da sociedade e quando esta nada disser ou fizer, tal passividade não os impede de requerer a assembleia geral, para os efeitos já supra indicados. Não existe qualquer desfavor das minorias perante os sócios maioritários, pois, haverá sempre a possibilidade de intentar a ação ut singuli, quando a sociedade deliberar não propor a ação, ou se deliberar propô-la, tal não vier a suceder no prazo de seis meses após a respetiva deliberação. O que seria redutor era definir como função da ação ut singuli, a tutela dos sócios minoritários, quando a mesma deverá ser encarada como defensora do interesse social e pronta a tomar iniciativas procedimentais, quando tal se revelar necessário para a prossecução daquele interesse. Ora, os recorrentes atuaram sem o preenchimento dos requisitos societários para o efeito. A propositura da ação sem a deliberação social prevista no nº. 1 do art. 75º do CSC., implica a materialização de uma exceção dilatória por falta de legitimidade e determina que o tribunal esteja impedido de conhecer do mérito da causa, com a consequente absolvição do réu da instância, nos termos dos arts. 278º nº. 1 al. d), nº. 2 do art. 576º e art. 577º, al. e), todos do CPC. Entendemos, assim, não merecer censura o entendimento vertido no acórdão recorrido. Sumário: - Nos termos plasmados no artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes têm deveres fundamentais a observar, tais como, deveres de cuidado e deveres de lealdade, no interesse da sociedade. - O artigo. 75º do CSC, consagra o direito de ação da sociedade contra os responsáveis, sendo esta ação precedida de deliberações dos sócios, por simples maioria e sujeita a um prazo de seis meses a contar da deliberação. - A determinação do interesse social incumbirá ao coletivo dos sócios, não para a prossecução dos seus próprios interesses, mas para a realização dos fins da sociedade. - O artigo 77º do CSC, confere aos sócios, o direito de propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, de prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado. - A ratio da ação, ut singuli, estará limitada aos casos em que a sociedade deliberou não propor qualquer ação, ou quando deliberou em tal sentido, não a veio a propor no prazo de seis meses, a que se reporta o nº. 1 do art. 75º do CSC., bem como, na ausência de qualquer deliberação, poderem os sócios solicitar a convocação de assembleia geral ou incluir a matéria na ordem do dia, de assembleia geral já convocada. - Não existe qualquer desfavor das minorias perante os sócios maioritários, pois, haverá sempre a possibilidade de intentar a ação ut singuli, quando a sociedade deliberar não propor a ação, ou se deliberar propô-la, tal não vier a suceder no prazo de seis meses após a respetiva deliberação. - O que seria redutor era definir como função da ação ut singuli, a tutela dos sócios minoritários, quando a mesma deverá ser encarada como defensora do interesse social e pronta a tomar iniciativas procedimentais, quando tal se revelar necessário para a prossecução daquele interesse. 3- Decisão: Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a revista, mantendo-se o acórdão proferido. Custas a cargo dos recorrentes. Lisboa, 26-11-2024 Maria do Rosário Gonçalves (Relatora) Maria Olinda Garcia Ricardo Costa |