Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6036/18.8T8LSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ACORDO
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
INCUMPRIMENTO
CONFERÊNCIA
PROGENITOR
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
LEGALIDADE
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 01/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE
Sumário :

I –A irrecorribilidade que decorre do disposto no nº 2 do art 988º CPC para os processos de jurisdição voluntária - em que é de se integrar o incidente de incumprimento previsto no art 41º, por força do disposto nas als c) e d) do art 3º e art 12º do RGPTC - não é irrestrita, antes impondo que casuisticamente se distinga nas decisões aí proferidas, em função do objecto do recurso que sobre elas incidam, se este se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pelas instâncias, ou se nele se questionam questões de legalidade estrita, como sejam a interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza a decisão, apenas, naquele primeiro caso, não se mostrando recorrível a decisão.

II - Na situação da presente revista, em que, para determinar se se verifica o incumprimento de acordo de responsabilidades parentais, cumpre, previamente, proceder à interpretação /integração desse acordo, apenas estão em causa questões de estrita legalidade, ligadas à aplicação dos critérios jurídicos definidos nos artigos 236º a 239º do CC.

II – No entanto, a decisão que fixa a interpretação de um negócio só pode ser objecto de recurso para esta instância quando está em causa o entendimento das regras sobre interpretação ou a própria escolha destas, caso em que a questão é de direito, tal já não sucedendo quando não venham apurados das instâncias aspectos factuais referentes à vontade real das partes.

III – A adopção pelo nosso legislador, nas regras dos arts 236º a 239º do CC, de um critério de decomposição do negócio jurídico nas declarações negociais das partes dificulta a compreensão dessas regras, por desconsiderar o facto de, nos contratos, ambas as partes serem simultaneamente declarante e declaratário, pelo que, o intérprete, deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que um e outro se encontram perante a declaração da contraparte.

IV – Só se obtém a determinação do sentido juridicamente relevante de um negócio jurídico em função da compreensão do complexo regulativo desse negócio como um todo.

V- Na situação dos autos, não resulta da prova advinda das instâncias a vontade real do progenitor ao emitir as declarações que deram origem ao acordo sobre responsabilidades parentais, e, tão pouco, e decorrentemente, se a progenitora conhecia essa vontade real.

VI - Não competindo a este Supremo Tribunal fixar factos a esse respeito, pois que a sua competência se circunscreve à aplicação de direito, tem, in casu, de se excluir o critério interpretativo do nº 2 do art 236º e fazer valer o do nº 1 e, por assim ser, o sentido objectivo da declaração.

VII – O que implica, que se considere que um declaratário normal - razoável, típico - colocado numa conferência destinada a obter acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais, na qual, ambos os progenitores sabiam, à partida, assumir especial importância os custos decorrentes da permanência dos filhos no colégio privado que vinham frequentando por tais custos terem já sido largamente discutidos entre eles em função do consabido dissenso do progenitor relativamente a tal frequência, estando tal acordo relacionado com o referente à utilização e destino da casa de morada de família e, ambos, naturalmente, com a convolação do divórcio para mútuo consentimento, acompanhado como estava o progenitor em causa de mandatário judicial, não podia o mesmo deixar de entender que não estava apenas a dar o seu acordo a essa permanência para o ano escolar em curso, mas também a assumir como questão de particular importância a mudança dessa escola, tendo sido, pois, com estes pressupostos, que se obrigou a suportar, depois de lograda a partilha do imóvel que constituiu a casa de morada de família, 50% dos custos da referida frequência de colégio privado.

VIII – Do conteúdo e sentido da totalidade do acordo em referência, não pode, senão, concluir-se, que, querendo um dos progenitores, em dissonância do outro, proceder à mudança de escola, teria que intentar acção para resolução de questão de particular importância ou acção para alteração do acordo de responsabilidades parentais.

IX - Numa acção de incumprimento não há lugar a ponderar as dificuldades económicas do progenitor tido como incumpridor, não havendo, por isso, que cuidar se a decisão recorrida violou os princípios da razoabilidade e da equidade ao desconsiderar a situação económica/financeira de tal progenitor.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça

RELATÓRIO

I .1. - AA, deduziu, em 30/03/2020, contra BB, incidente de incumprimento das responsabilidades parentais relativas aos seus filhos, CC e DD, pedindo que:

a. Se condene o Requerido no pagamento imediato à Requerente do valor de € 3.186,02, relativo à comparticipação não paga em despesas de educação e saúde com os menores;

b. Se condene o Requerido na quantia de € 30,00 por cada dia de atraso no cumprimento de tal ordem, desde a data da propositura do incidente e até integral pagamento;

c. Se ordene à entidade patronal do Requerido a retenção do valor de € 3.186,02, para garantia do pagamento;

d. Se condene o Requerido na quantia de € 30,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações respeitantes à comparticipação nas despesas de educação e saúde com os menores.

Alegou, em síntese, que, por acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais homologado por sentença, o Requerido ficou obrigado ao pagamento de metade das despesas de educação e saúde com os menores, o que o mesmo não tem cumprido desde Outubro de 2019, permanecendo em falta o pagamento da quantia de € 2.651,38, referente a propinas do colégio frequentado pelos menores e outras actividades educacionais, bem como o pagamento da quantia de € 534,64, referente a despesas de saúde, sendo que a Requerente comunicou ao Requerido o pagamento de tais despesas, enviando-lhe os comprovativos respectivos.

2. No exercício do contraditório, o Requerido não contestou a existência das despesas de educação e saúde mas apenas a imputação dos valores em dívida, invocando que a Requerente lhe deve mais de € 35.000,00 a título de despesas comuns e com os menores, e que, por isso, não teve condições para fazer face a todas as despesas sozinho.

3. Em 18/10/2020 a Requerente ampliou em € 7.053,22 o pedido de pagamento dos valores em falta, correspondendo o montante em questão ao valor das despesas de educação entretanto realizadas.

4. Em 11/11/2020 foi realizada conferência, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do art 41º do RGPTC, não tendo aí sido possível alcançar acordo.

5. Em 13/11/2020 o Requerido apresentou requerimento, onde, em síntese, repetiu a alegação da sua incapacidade financeira para suportar as despesas com a educação dos menores, requerimento, relativamente ao qual, a Requerente exerceu o contraditório.

6. Por despacho de 8/1/2021 foi ordenado que se averiguasse da “actual condição económica do requerido”, o que foi cumprido pela secretaria.

7. O Requerido pronunciou-se sobre a sua situação económica, mais sustentando que para o ano lectivo de 2020/21 a Requerente inscreveu os menores em colégio privado, por sua própria iniciativa e sem o seu consentimento.

8.A Requerente exerceu o contraditório invocando, em síntese, que o incidente de incumprimento não constitui meio processual idóneo para a alteração do exercício das responsabilidades parentais.

9.Em 3/11/2021 a Requerente ampliou novamente o pedido de pagamento dos valores em falta, agora relativamente ao montante de € 4.859,27, correspondente ao valor das despesas de educação entretanto realizadas.

10. No exercício do contraditório o Requerido invocou que a Requerente insiste em inscrever os menores no mesmo colégio privado, à revelia e contra a vontade expressa dele que já comunicou não ter capacidade financeira para suportar a despesa respectiva.

11. Sob promoção do Ministério Público foi realizada nova conferência, em 24/11/2021, não tendo aí sido possível alcançar qualquer acordo, e tendo sido ordenada a notificação das partes nos termos e para os efeitos do nº 4 do art.º 39º do RGPTC.

12. Ambas as partes apresentaram alegações e indicaram meios de prova, tendo-se procedido à realização de audiência de discussão e julgamento, nos termos do art 39º/7, do RGPTC, com sessões em 2/5/2022, 19/5/2022, 7/9/2022, 13/10/2022, 26/10/2022, 7/12/2022 e 30/1/2023.

13. Em 11/10/2022 a Requerente ampliou em € 3.159,12 o pedido de pagamento dos valores em falta, correspondendo o montante em questão ao valor das despesas de educação e de saúde entretanto realizadas.

14. Em 31/3/2024 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Nestes termos, na procedência parcial do incidente, decide-se julgar verificado o incumprimento, por parte do(a) requerido(a), da obrigação de prestar alimentos à(s) criança(s) supra identificada(s), na vertente da comparticipação das despesas de saúde, material escolar e manuais escolares e despesas com o Colégio ... relativas aos dois filhos vencidas desde Outubro a Junho de 2020, fixando o montante em dívida, nesta data, em seja € 4.866,15 (quatro mil oitocentos e sessenta e seis euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% sobre cada uma das despesas descriminadas desde a data da constituição da mora (dia 8 do mês a que respeite) até integral pagamento”.

15. A Requerente interpôs apelação, vindo o tribunal da Relação a proferir acórdão, com o seguinte dispositivo:

Em face do exposto, julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por esta outra decisão em que, na procedência do incidente de incumprimento suscitado pela requerente, se decide julgar verificado o incumprimento, por parte do requerido, da sua obrigação de prestar alimentos aos seus filhos CC e DD, na vertente de comparticipação em metade das despesas de saúde e de educação, fixando-se o montante em dívida, com referência a 31/3/2024, em € 18.257,63 (dezoito mil duzentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal sobre cada uma das despesas discriminadas, desde o vencimento de cada uma das mesmas e até integral pagamento.

16. Do assim decidido, interpôs o Requerido a presente revista, em que concluiu:

1. Numa lide deste tipo, está sempre em causa o interesse imaterial e o estado das pessoas;

2. O Tribunal de primeira instância não julgou verificado o incumprimento, por parte do Requerido, do acordo de regulação das responsabilidades parentais, na vertente despesas de educação para os anos lectivos de 2021/2022 e 2022/2023, absolvendo-o da sua quota parte relativa àquelas despesas;

3. Entendeu o Tribunal de 1.ª instância, por um lado, que, do acordo de responsabilidades parentais não decorre qualquer compromisso em manter os menores no ensino privado (Colégio ...);

4. Posição sustentada com recurso à matéria de facto provada e aos princípios da interpretação da declaração negocial do direito civil português previstos nos artigos 236.º e 238.º do CC;

5. Por outro lado, considerou que não assiste à Requerida qualquer direito em vir agora imputar ao Requerido tais despesas, atenta a expressa, devida e atempada discordância daquele no sentido de não pretender inscrever os filhos menores no Colégio ..., se tal implicasse algum pagamento da sua parte;

6. E, nessa medida, não julgou violados os artigos 41.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1 da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro por parte do Recorrente;

7. Inconformada com tal decisão, veio a Requerida interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando, essencialmente, que, nos termos do acordo de regulação das responsabilidades parentais, decorre a vontade dos ali progenitores elegerem e fixarem, em termos futuros e de forma perene, o Colégio ... como a instituição de ensino a frequentar pelos seus filhos;

8. O Tribunal da Relação de Lisboa revogou, na íntegra, a decisão anteriormente proferida, pronunciando-se no sentido de verificado o incumprimento, por parte do Requerido, quanto à sua obrigação de prestar alimentos aos seus filhos CC e DD, na vertente de comparticipação em metade das despesas de saúde e de educação;

9. Condenando-o no pagamento do montante total em dívida, a título de comparticipação das despesas de saúde e educação relativas aos dois menores, com referência a 31/03/2024, que o Tribunal fixou em € 18.257,63;

10. Entendimento, que salvo o devido respeito não poderá colher, porquanto se encontram nos autos elementos, de facto e de direito, que impunham, in casu, uma decisão em sentido diverso, designadamente no que respeita à inexistência de qualquer vontade e/ou comprometimento, por parte dos progenitores aquando da regulação das responsabilidades parentais, no sentido de elegerem e fixarem o Colégio ... como instituição de ensino a frequentar pelos filhos menores;

11. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma incorrecta/inadequada interpretação do espírito do acordo de regulação das responsabilidades parentais, bem como das Cláusulas que o compõem, mais concretamente: Cláusulas 1.ª n.º 3, 3.1. a) e b) e n.º 7 e 5.ª;

12. O que determina a errada/incorrecta aplicação/interpretação dos princípios de interpretação da declaração negocial plasmados nos artigos 236.º e 238.º do CC às Cláusulas que constituem o acordo de regulação parental;

13. Violando, desta maneira, os princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico ínsitos no artigo 2.º da CRP, o disposto nos artigos 1905, n.º1, 1906.º, n.º 1, 2003.º e 2004.º todos do CC e o disposto nos artigos 41.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1 da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro;

14. O primeiro argumento de discordância com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação prende-se, fundamentalmente, com a interpretação da declaração negocial (i.e., do comportamento voluntário destinado a produzir efeitos jurídicos) vertida na Cláusula 1.ª, n.º 3.1, b), n.º 7 e n.º 11 articulada com a Cláusula 5.ª, do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais;

15. A interpretação das referidas Cláusulas, tendo em conta a teoria da impressão do destinatário, não aponta, prima facie, para obrigatoriedade de manutenção dos menores no ensino privado, após a data de realização da escritura da casa morada de família;

16. Não pretenderam os progenitores fixar, de forma futura e perene, a manutenção naquela instituição de ensino após a data da escritura do referido imóvel;

17. Nos termos do acordo firmado entre as partes, ficou apenas estipulado que, até data da escritura de partilha da casa de morada de família, o Recorrente pagaria as despesas de educação dos filhos menores no Colégio ...;

18. Porquanto à data da celebração do acordo – Março de 2019 – os menores frequentavam aquela instituição de ensino;

19. Não deflui do parágrafo final da Cláusula 5.ª que, após a data da escritura de partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família, que os menores iram frequentar o Colégio ...;

20. Não se vinculando, assim, os progenitores a qualquer instituição de ensino;

21. Caso tivesse sido efectivamente a sua pretensão tal menção expressa à instituição de ensino constaria do acordo;

22. Como levaram a cabo, aliás, na Cláusula 5.ª n.º 2 e na Cláusula 1.ª n.º 11;

23. Assim, o sentido que um declaratário normal deduziria do comportamento do declarante quando colocado na posição do real declaratário é o de que, até à partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família, o pagamento das despesas com a educação dos filhos menores no Colégio ... recai exclusivamente sobre o Recorrente, sendo que, após a data da Escritura de partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família as despesas de educação dos menores bem como as de saúde serão repartidas em partes iguais entre ambos os progenitores;

24. Pelo que, e salvo o devido respeito que é devido, não pode agora vir o Tribunal da Relação sobrepor-se à vontade dos progenitores (homologada por sentença), interpretando o acordo de regulação das responsabilidades parentais de forma não pretendida por estes, pelo menos pelo ora Recorrente;

25. Os progenitores podiam ter feito diferente, mas não fizeram, e também o não fez o douto Tribunal de 1.ª instância, que interpretou correctamente o que o Recorrente e a Requerida quiseram escrever e escreveram no acordo homologado;

26. E, nessa medida, em termos objectivos, jamais se poderá afirmar que o Recorrente incumpriu com as obrigações advenientes do acordo celebrado e homologado judicialmente no que diz respeito a despesas relativas à frequência dos menores em estabelecimento privado, porquanto a tal não se encontrava obrigado nos termos acordados e definidos entre as partes;

27. Não podendo agora o Tribunal da Relação alterar o acordado entre os progenitores, invocando interpretações “extensivas/correctivas” que nunca foram queridas pelo ora Recorrente;

28. Com todo o respeito que é devido, o Tribunal da Relação, ao decidir com decidiu, incorreu na incorreta e/ou equivocada aplicação dos princípios da interpretação da declaração negocial do direito civil português, previstos nos artigos 236.º e 237.ºdoCC, violando, assim, os princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico ínsitos no artigo 2.º da CRP, o disposto nos artigos 1905, n.º 1. 1906.º, n.º 1 do CC, bem como o artigo 41.º, n.º 1 da 141/2015, de 08de Setembro;

29. Por outro lado, entende o Recorrente (como, aliás, entendeu a 1.ª instância) que, atenta a devida, atempada e expressa manifestação da sua vontade de mudar os menores para estabelecimento de ensino público, jamais lhe poderá ser imputada metade das despesas relativas à frequência dos menores do Colégio ...;

30. E que o Tribunal da Relação ao desconsiderar a situação económico-financeira do Recorrente merece censura, ao violar o princípio da razoabilidade e o disposto nos artigos 2003.º e 2004.º do CC;

31. O Recorrente, pelo menos, desde finais de 2018, já vinha questionando a Requerida quanto à permanência dos seus filhos no Colégio ...;

32. Invocando, para o efeito, dificuldades económicas – cfr. emails enviados pelo Requerido à Requerente, relativos aos anos lectivos 2017/2018, 2018/2019 e 2019/2020, que ora se encontram juntos com o requerimento do Requerido datado de 09/12/2021 (referência n.º ...87);

33. Atento o contexto descrito, e bem conhecido pela Requerida, é inequívoca a real vontade das partes no que diz respeito à redacção da parte final da Cláusula 5.ª;

34. Contudo, a Requerida, por não acreditar nos motivos invocados pelo Recorrente, ignorando-os, sempre optou por inscrever os filhos daqueles no Colégio ...;

35. Afigurando-se, assim, (e com bem realçou a sentença proferida), que a decisão da Requerida de inscrever os filhos no colégio privado foi unilateral – conforme matéria de facto provada e constante dos factos 4.9, 5.4 a 5.6 motivada pelas próprias declarações confessórias da Requerida em audiência de julgamento;

36. Assentindo, assim, que todas as despesas decorrentes de tal decisão unilateralmente tomada impenderiam, única e exclusivamente, sobre si;

37. E nem se argumente que o Recorrente não propôs alternativas quanto à escola pública que a DD poderia frequentar, o que não corresponde à verdade;

38. Resultando demonstrado nos presentes autos que a Requerida, desde 2019, vinha ignorando os pedidos do Recorrente quanto a esta questão;

39. Não lhe respondendo aos e-mails!

40. Ou que não tem que ser a Requerida que, não pretendendo a alteração para a escola pública, tem que tratar da mudança de ensino de educação da DD, ainda para mais quando tem a sua residência oficial ...;

41. Não podendo, em consequência, ser apontada ao Recorrente qualquer violação dos artigos 41.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1 da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro;

42. Por conseguinte, inexiste qualquer obrigação por parte do Recorrente em contribuir com metade nas despesas escolares dos filhos relativamente aos anos escolares de 2021/2022 e 2022/2023 no Colégio ..., uma vez que o Recorrente não deu atempadamente o seu acordo para tanto, pelo que a inscrição unilateral pela Recorrida nesses anos no referido Colégio resultará na assunção, por inteiro, dos respetivos custos, não podendo exigir metade ao Recorrente;

43. Mas ainda, a decisão do Tribunal a quo ignora, por completo, o princípio da razoabilidade e, consequentemente, o disposto nos artigos 2003.º e 2004.º do CC respeitantes ao dever dos progenitores de prover sustento aos filhos menores;

44. O artigo 2003.º do CC estabelece um importante princípio geral, que é o facto de apenas poder ser considerado “alimentos” aquilo que é indispensável ao sustento dos filhos, mas que no caso de se ultrapassar esse limite do indispensável, são excluídos dessa obrigação;

45. Esclarecendo, ainda, o artigo 2004.º do CC que o dever jurídico e natural dos progenitores providenciarem alimentos aos seus filhos, não se encontra alheio à aplicação de princípios de razoabilidade, devendo sempre a medida dessa prestação ser fixada, de forma equitativa, atentas as circunstâncias concretas do caso;

46. Entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 6334/16.5...;

47. In casu, ficou amplamente demonstrado que o Recorrente enfrentou (e enfrenta) dificuldades económicas;

48. Dos factos 6.1. a 6.5, 6.12, 6.13, 6.15, 6.16, 6.17, decorre, por um lado, que o rendimento médio líquido é próximo dos € 2.500,00, e, por outro lado, todos os encargos e despesas a título de empréstimo bancário e despesas com os menores que o Recorrente suporta;

49. Desde a dívida de cerca de € 35.000,00 que a Recorrente tem para consigo e referente ao período de que mediou o divórcio até à separação efectiva (2 anos), a título de despesas relativa aos menores, às casas, à empregada e à alimentação;

50. Durante aquele período o Recorrido teve que pedir ajuda à sua mãe, que lhe em prestava mensalmente € 1.200,00 - cfr. facto 6.3. da matéria de facto provada;

51. Tal empréstimo durou até Outubro de 2019 e computou-se em € 50.000,00;

52. É precisamente no início do ano de 2019 que o Recorrente afirma perentoriamente que não terá recursos económicos necessários para manter os filhos no colégio privado;

53. O Recorrente pediu um empréstimo ao seu pai, no valor de € 50.0000,00, para dar de entrada à CGD, referente ao empréstimo que teve de contrair para pagar à Recorrida € 270.000,00 pela compra da sua parte dacasa de morada de família – cfr. facto 6.4. da matéria de facto assente;

54. Da factualidade acabada de elencar, verifica-se que a capacidade económica do Recorrente é apta a impactar a sua capacidade de prover sustento aos seus filhos para além dos alimentos considerados indispensáveis;

55. A educação dos seus filhos é, de facto, um interesse superior;

56. Decorrente do dever jurídico e natural dos progenitores em providenciarem sustento aos seus filhos;

57. Mas já não é a frequência dos mesmos no ensino privado!

58. E, por não se afigurar indispensável, encontra-se excluída da obrigação dos progenitores de prover alimentos;

59. Não podendo ser ignorado (como o Tribunal da Relação ignorou), os princípios de razoabilidade e equidade, bem como as circunstâncias do caso concreto;

60. A tese defendida pelo Tribunal da Relação no sentido de descredibilizar o motivo invocado pelo Recorrente para se opor à inscrição dos menores no ensino privado, merece censura;

61. Acolher este argumento seria admitir que, independentemente da situação financeira dos progenitores, uma vez inscritas as crianças num estabelecimento de ensino privado, tal opção jamais pudesse ser revertida;

62. E que a ensino público não é apto a satisfazer o superior interesse das crianças no tocante ao requisito da educação;

63. É irrazoável considerar que a situação económica do Recorrente, aqui demonstrada e provada, não possa interferir na regulação das responsabilidades parentais, no dever de prestar alimentos e, sobretudo, na medida em que os pode prestar;

64. E que a decisão consciente, livre e unilateral da Recorrente, no sentido de inscrever os menores no Colégio ..., não possa senão ser-lhe única e exclusivamente imputada;

65. E, nessa medida, todas as despesas advenientes dessa mesma decisão apenas poderão ser suportadas pela Requerida;

66. Em virtude de tudo quanto se expôs, nenhuma quantia referente aos anos lectivos de 2021/2022 e 2022/2023 poderá ser imputada ao Recorrente, atenta a expressa e atempada posição manifestada por aquele perante a Requerida no sentido de discordar com a permanência nos seus filhos no Colégio ... se tal implicasse algum pagamento da sua parte;

67. Assim, salvo o devido respeito, ao decidir como decidiu, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa interpretou e aplicou de forma incorrecta as normas previstas nos artigos 2003.º e 2004.º, e bem assim os artigos 41.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1 da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro.

68. Nestes termos e nos mais que V. Exas., muito doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, com a consequente revogação do Acórdão recorrido e a simultânea repristinação da sentença da 1.ª instância, absolvendo-se, em consequência, o Recorrente da condenação das despesas relativas à educação dos menores no colégio privado ... incorridas durante os anos lectivos de 2021/2022 e 2022/2023.

17.A Requerente ofereceu contra-alegações, em que concluiu:

a) Nos termos da cláusula 5ª., nº. 4, do acordo de regulação das responsabilidades parentais dos menores CC e DD, após a partilha da casa de morada de família, que foi feita em Junho de 2019, as despesas de educação e saúde são repartidas em partes iguais pelos aqui recorrente e recorrida;

b) Na cláusula 1º., nº. 7, ficou a constar que “Actualmente os menores frequentam o estabelecimento de ensino privado Colégio ...”;

c) E na cláusula 1ª., nº. 3.1, que a “mudança de escola”, não a escolha, carece do comum acordo dos progenitores;

d) A denominação da escola em concreto serve como referência da que foi escolhida pelos pais para o percurso escolar dos filhos, do que resulta que a mudança de escola implica uma alteração do acordo;

e) Ao inscrever os filhos na escola identificada, a recorrida mais não fez do que cumprir o acordo, tanto mais sabendo que as dificuldades económicas invocadas pelo pai não eram reais, como comprovam os seus avultados gastos com viagens, restaurantes e bens de luxo;

f) Se o recorrente pretendia que os filhos transitassem para a escola pública – por razões económicas ou quaisquer outras atendíveis -, competia-lhe requerer a alteração do regime estabelecido, o que não fez nos quatro anos decorridos desde o início do litígio até à presente data;

g) A simples comunicação de que não pretendia pagar as mensalidades do colégio não tem o efeito de desobrigar o recorrente de cumprir o acordo;

h) Nessa medida, o regime fixado no acordo mantém-se em vigor, verificando-se o incumprimento do recorrente por falta de pagamento da parte que lhe compete nas despesas de educação dos filhos relativas aos anos lectivos de 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023;

i) O acórdão recorrido não padece dos vícios de interpretação e aplicação da Lei que o recorrente lhe aponta.

QUESTOES A DECIDIR

Constitui objecto do recurso, como resulta das respectivas conclusões, operado o seu confronto com a decisão recorrida:

- se o Requerido, não tendo comparticipado em metade das despesas relativas à educação dos filhos menores no colégio privado ..., decorrentes dos anos lectivos de 2021/2022 e 2022/2023, incumpriu o acordo de responsabilidades parentais homologado por sentença de 3/4/2019, questão que postula a interpretação/integração desse acordo, e que é a fulcral no recurso;

- se, de todo o modo, a decisão recorrida violou os princípios da razoabilidade e da equidade ao desconsiderar a situação económica/financeira do Recorrente.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida foi considerada como provada a seguinte matéria de facto:

A-

1.CC e DD, nasceram respectivamente a ….05.2004 e ….26.11.2011, sendo filhos da requerente e do requerido.

2.Em 15.03.2018 a requerente intentou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra o requerido, no âmbito da qual, em 28.03.2019 as partes requereram a convolação para divórcio por mútuo consentimento, alcançando os acordos exigidos para o efeito, pelo que, após audição do filho CC, por sentença proferida em 03.04.2019, transitada em julgado em 20.05.2019, foram homologados os acordos apresentados (entre eles o da regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores) e decretado o divórcio entre as partes.

3.Com a decisão judicial homologatória referida em 2 foram reguladas as responsabilidades parentais dos menores CC e DD, para além do mais, nos seguintes termos:


1º Guarda:


1. O CC e a DD ficam confiados à guarda e aos cuidados de ambos os progenitores, nos termos a seguir estabelecidos, os quais exercerão, conjuntamente, as responsabilidades parentais sobre os mesmos.

2. O Exercício das Responsabilidades Parentais, previsto nos termos do art.º 1906º do C.C. e Dec. Lei 61/2008 de 31 de Outubro, será exercido sobre os menores em conjunto por ambos os progenitores.

3. Nesta medida, a regra geral relativa ao exercício das responsabilidades parentais será a de que todas as decisões relativas a questões de particular importância para a vida dos filhos serão tomadas, por comum acordo, entre os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro, logo que possível. ----------------------------------

3.1 A título meramente exemplificativo do tipo de decisões que carecem de comum acordo dos progenitores indicam-se as seguintes: -------------------------------------------

a) Orientações educativas e formativas mais relevantes;

b) Mudança de estabelecimento de ensino;

(…)

4. O exercício das responsabilidades parentais referentes a actos da vida corrente dos filhos pertencerá, nos termos da Lei, ao progenitor que os tiver à sua guarda.

5. Ambos os progenitores devem assegurar as rotinas dos filhos nos períodos em que os mesmos lhes estejam confiados, nomeadamente, horários, indicações médicas, a frequência de quaisquer actividades extracurriculares ou de apoio escolar e quaisquer consultas ou tratamentos médicos que se mostrem necessários.

6. Ambos os progenitores serão os Encarregados de Educação dos filhos junto dos estabelecimentos de ensino que os mesmos frequentem.

7. Actualmente os menores frequentam o estabelecimento de ensino privado, Colégio ....

(…)

10. Os progenitores comprometem-se, reciprocamente a, por e-mail informar o outro, sempre que necessário, sobre todas as questões relevantes relativas à saúde, bem-estar, educação, segurança e desenvolvimento geral dos filhos, e tudo o que seja relevante relacionado directa ou indirectamente com a vida dos filhos, quando estejam com cada um deles, bem como das consultas médicas de rotina ou quaisquer outras destas, por forma a que ambos possam fazer um acompanhamento constante e presencial do crescimento do CC e da DD.

11. Os progenitores desde já acordam que os menores continuarão a beneficiar de acompanhamento psicológico pelas psicólogas que os acompanham, Dra. EE e Dra. FF, sendo o custo das consultas repartido entre ambos os progenitores na proporção de 50% para cada um.


- Residência-

Clausula 2ª



1. O CC e a DD ficam a residir, semanalmente, com cada um dos progenitores, de forma alternada, acordando ambos que os filhos serão entregues ao outro progenitor à segunda-feira no termo das actividades escolares, ficando a residir com esse progenitor até à segunda-feira da semana seguinte.

2. A meio da semana, preferencialmente à quarta-feira, os menores jantam com o progenitor com quem não estão nessa semana, indo este buscá-los no termo das actividades lectivas e entregá-los a casa do outro progenitor até às 21:00h.

(…)

1. As férias escolares de Verão dos menores serão repartidas entre os progenitores em períodos interpolados, não superiores a 15 dias, sendo tais períodos definidos pela Mãe nos anos ímpares e pelo Pai nos anos pares e comunicados, por escrito, ao outro progenitor até ao dia 28 de Fevereiro de cada ano, sendo definido pelo outro progenitor quanto ao período a passar com este se o outro o não fizer até àquela data. No corrente ano de 2019 a escolha do período de férias poderá ocorrer até ao dia 15 de Abril.

2. Os restantes períodos de férias escolares, nomeadamente as férias escolares da Páscoa e do Natal serão repartidas entre ambos os progenitores sendo, alternadamente, a primeira semana para um e a segunda semana para outro.

(…)


Cláusula 5ª.

Alimentos



1. Considerando o regime de guarda e residência alternada estabelecido não é fixada pensão de alimentos “strito sensu”.

2. O Pai continuará a assumir até à partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família o pagamento das despesas com a educação dos filhos menores no Colégio ..., nomeadamente: propinas, seguros, mensalidades, alimentação, visitas de estudo, fardas, material escolar e livros.

3. O Pai continuará a assumir até à partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família as despesas de saúde dos menores, nomeadamente médicas, hospitalares e medicamentosas, designadamente com consultas, intervenções ou tratamentos médicos, meios auxiliares de diagnóstico, aparelhos de ortodontia e de ortóptica e medicamentos, na parte não comparticipada pelo seguro de saúde, incluindo franquias ou pelo sistema nacional de saúde.

4. As despesas com as actividades extracurriculares que os filhos frequentem ou venham a frequentar e bem assim quaisquer outras actividades, nomeadamente apoio escolar ou explicações, desde que acordadas por ambos os progenitores, serão desde já repartidas e suportadas por ambos os pais na proporção de 50% para o Pai e de 50% para a Mãe.

Após a data da Escritura de partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família as despesas de educação dos menores bem como as de saúde serão repartidas em partes iguais entre ambos os progenitores. O progenitor que suportar tais despesas deverá comunicar ao outro, remetendo-lhe fotocópia do respectivo comprovativo de pagamento, o qual na posse do(s) documento(s) deverá, no prazo de 8 dias úteis, reembolsá-la(o) de metade de tal montante.

5.Foi ainda homologado o acordo alcançado quanto à utilização da casa de morada de família - identificada “infra” na al. B 3) e b.2) do ponto 6) - nos seguintes termos:

Há casa de morada de família, bem comum, ficando atribuída ao cônjuge marido, até à sua partilha ou venda a terceiros, mediante o pagamento de uma compensação à autora pelo uso da casa no valor de €1.000,00 (mil) euros mensais a pagar a partir do mês em que a autora deixar a casa de morada de família, a pagar até ao dia 8 de cada mês, para a conta bancária que a autora indicar, sendo o recheio da casa a partilhar entre ambos em termos a acordar.

Desde já acordam em fixar o valor da casa e do lugar de garagem em 775 mil euros, pagando o réu à autora a quantia de 36% a título de tornas, na data da escritura de partilha.

5.A escritura de partilha do imóvel que constituía a casa morada de família ocorreu em 28.06.2019, tendo o requerido comprado os 36% da requerente relativa à casa de morada de família, pelo valor de € 279.000,00, para habitação própria, ficando o requerido devedor à Caixa Geral de Depósitos do empréstimo por esta concedido no valor de € 247.860,00, ficando para garantia do mesmo e respectivos juros, comissões encargos com hipoteca a seu favor, atribuindo ao imóvel hipotecado o valor de € 765.000,00.

6.As partes, no âmbito da acção de divórcio mencionada “supra” em 2 apresentaram como relação de bens comuns:

a) Móveis

a.1- Viatura automóvel Mercedes ..., matricula ..-..-ZQ, de 2005, no valor de € 2.000,00;

a.2 Veiculo motorizado Honda ... matricula ..-RL-.. de 2016, no valor de €3.000,00;

a.3- Recheio da casa de morada de família, descrita sob a verba n.º 5, com todos os seus móveis, adornos e electrodomésticos, conforme descrição anexa, cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos, e a que atribui o valor global de € 43.000,00;

b- Bens Imóveis:

b.1) Fracção autónoma designada pelas letras “BU” do prédio urbano sujeito ao regime de propriedade horizontal, sito no Empreendimento Turístico ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...85º, com o artigo matricial n.º ...39 na freguesia de ..., Concelho de ..., e respectivo recheio, com o valor patrimonial actual de € 140.471,05;

b.2) Fracção autónoma designada pelas letras “LJ” do prédio urbano, sujeito ao regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., que corresponde ao lugar de estacionamento n.º ...23, no piso 0, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha número ...84, com o artigo matricial n.º ...43, na freguesia ..., Concelho de ..., com o valor patrimonial actual de € 7.836,03 - Doc. 3 –

b.3) Fracção autónoma designada pelas letras “CQ” do prédio urbano, sujeito ao regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., que corresponde ao 7 PISO D, com quatro lugares de garagem e arrecadação, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha número ...84, com o artigo matricial n.º ...43, na freguesia ..., Concelho de ..., com o valo patrimonial actual de € 463.921,35.

7.As partes outorgaram, em 03.04.2019, um contrato promessa de partilha relativa à Casa de morada de Família e lugar de estacionamento, cujo valor fixaram em 775.000,00, mediante os mesmos seriam adjudicados ao requerido mediante o pagamento à requerente do valor de € 279.000,00, correspondente à proporção de 36% de que a requerente é proprietária, em que o requerido se comprometeu desde a saída da requerente e até á data da outorga da escritura, para alem da compensação pela utilização da casa de morada de família “supra” referida, ficou o requerido ainda responsável pelo pagamento integral de todos e quaisquer encargos relativos ao imóvel, nomeadamente condomínios seguros IMI e despesas, despesas dos consumos domésticos.

7.1.Simultaneamente requerente e requerido comprometeram-se à venda do imóvel identificado “supra” na al. b.1) do ponto 6, com a maior brevidade, pagando-se os encargos com a venda do imóvel, ficando até à venda do imóvel as responsabilidades dos outorgantes de 61% para a requerente e 39% para o requerido, relativas as despesas de condomínio, IMI, seguros, e despesas de manutenção.

7.2.Requerente e requerido assinaram no dia 29 de Outubro de 2021, o contrato‑promessa de compra e venda do imóvel que possuem em ..., “supra” identificado em b.1), estando prevista a celebração da escritura pública para o mês de Janeiro de 2022.

7.3.Por via do negócio referido em 7.2, a título do sinal foi pago ao requerido € 30.030,00 e sendo o valor restante a receber de € 120.120,00 na sua conclusão e a requerente a quantia € 46.970,00, a título de sinal e sendo o valor restante a receber € 187.880,00, na conclusão do negócio que efectivamente se realizou em Janeiro de 2022.

B) Dos incumprimentos:

I .A requerente, entre Outubro de 2019 a Março de 2020, suportou as seguintes despesas de educação com os menores, DD e CC:

1.1.Em Outubro de 2019, as quantias de € 446,74 (menor CC) e € 521,13 (menor DD) relativos a despesas com propinas e alimentação do Colégio ...;

1.1.2Em 04.10.2019, a requerente enviou ao requerido as facturas e comprovativos de pagamento de tais despesas;

Em Novembro de 2019, as quantias de € 446,74 (menor CC) e € 641,13 (menor DD), deduzido o valor do prolongamento, relativos a despesa propinas, alimentação e outras actividades no Colégio ...;

Em 04.11.2019, a requerente enviou ao requerido as facturas e comprovativos de pagamento de tais despesas;

Em Dezembro de 2019, as quantias de € 446,74 (menor CC) e € 597,13 (menor DD, deduzido o valor do prolongamento), relativos a despesas com propinas, alimentação e outras actividades do Colégio ....

Em 01.12.2019, a requerente enviou ao requerido as facturas e comprovativos de pagamento de tais despesas;

Em Janeiro de 2020, as quantias de € 446,74 (menor CC) e € 581,13 (menor DD, deduzido o valor do prolongamento), relativos a despesa propinas, alimentação e outras actividades.

Em 07.01.2010, a requerente enviou ao requerido as facturas e comprovativos de pagamento de tais despesas;

Em Fevereiro de 2020, as quantias de € 446,74 (menor CC) e € 586,13 (menor DD, deduzido o valor do prolongamento), relativos a despesas propinas, alimentação e outras actividades no Colégio ....

Em 03.02.2020, a requerente enviou ao requerido as facturas e comprovativos de pagamento de tais despesas;

Em Março de 2020, as quantias de € 589,13 (menor DD, deduzido o valor do prolongamento), relativos a despesas com propinas, alimentação e outras actividades.

Em 01.03.2020, a requerente enviou ao requerido a facturas e comprovativo de pagamento de tais despesas, solicitando o reembolso pelo requerido da diferença entre o por si pago referente ao Colégio da menor DD e o montante que o requerido haveria de pagar pela despesa com o menor CC relativo a esse mês (€446,74), no montante de € 71,20;

Os pagamentos referentes ao Colégio incluem a mensalidade de € 60,00 relativa a ginástica da DD, sendo também uma determinação da Nutricionista que acompanha a menor DD (a qual foi diagnosticada com obesidade), problemas que tiveram impacto no seu bem-estar.

II- 2.1 A requerente, desde Outubro de 2019 a Março de 2020, suportou as seguintes despesas de saúde com os menores, DD e CC:

a)Consulta de Nutrição da menor DD de 11.01.2020 no valor de € 60,00, comunicada ao requerido para reembolso à requerente desse dia;

b)Medicamentos para o menor CC, em 03.02.2020, no valor de € 19,54, tendo sido comunicada ao requerido para reembolso à requerente por email.

c)Medicamentos para a menor DD, no valor de € 39,74 e € 5,38, tendo sido comunicada requerido para reembolso à requerente por email de 25.02.2020;

d)Pagamento do aparelho e consultas dentárias, facturadas no valor de € 1.200,00, com comparticipação pelo seguro no valor de € 250,00, pago o remanescente na totalidade pela requerente, tendo sido comunicada ao requerido para reembolso requerente por email de 06.03.2020;

d)1Relativamente ao aparelho ortodôntico já havia indicação médica para o efeito, como o requerido havia pago o exame preliminar de ortopantomografia;

III-Do primeiro aditamento:

3.1.A requerente ainda em 2020, suportou as seguintes despesas de educação e saúde com os menores, DD e CC:

a) em 8.09.2020: € 52,04 - Material escolar para o menor CC;

b) em 21.09.2020: € 118,99 de material escolar para o menor CC

c) em 03.09.2020: € 117,05 - Material escolar para a menor DD;

d) em 03.09.2020: € 150,00 - Duas consultas de dentista da menor DD ;

e) em 01 e 02.09.2020 € 342,84 - Manuais escolares para os menores;

f) Em 01.07.2020 € 1.958,94 – sendo € 1.652,94 de mensalidades em atraso referentes ao menor CC no Colégio ... dos meses de Março a Junho de 2020 e € 285,00 referente a inscrição referente ao menor CC para o ano de 2020/2021;

g) Em 18.09.2020: € 9.407,66- Propinas do Colégio para o ano lectivo de 2020/2021, referentes aos menores, sendo € 4.229,13 referentes à anuidade do 11º ano do menor e quota anual de actividades escolares do menor CC referente ao ano escolar 2020/2021 e anuidade e quota anual € 5.685,50 da anuidade, alimentação, quota anual de actividades escolares e caderneta da menor DD para o ano escolar 2020/2021

3.2No dia 21 de Setembro de 2020, a requerente notificou o requerido para, nos termos do paragrafo 4 da Cláusula do Acordo de Regulação das Responsabilidades Panos do proceder ao reembolso da sua contribuição em metade das despesas mencionadas “supra” nas alíneas a), c), d), e) e g) e ainda por inteiro da despesa mencionada em f), por entender esta ser da inteira responsabilidade do requerido, uma vez que a mesma havia pago “por compensação” as da DD dos mesmos meses;

3,3 No dia 22 de Setembro de 2020, a requerente notificou o requerido para proceder ao reembolso da sua contribuição na despesa supra identificada em b).

IV-Do segundo aditamento:

4.1Em 25.06.2021, a requerente enviou ao requerido e também à psicóloga que acompanha o menor CC sugerindo a frequência do Externato ... em alternativa ao Colégio ..., quer por poder ser mais vantajoso do ponto de vista académico, quer porque permitia reduzir as despesas escolares a cerca de metade.

4.2 Quer a inscrição, que seria de € 230,00 + € 15,00, quer as mensalidades, no montante de € 270,00, representariam cerca de metade das que são pagas no Colégio ..., respectivamente, € 300,00 + € 70,00 e € 510,00.

4.3. Sem resposta do requerido, a requerente acabou por voltar a inscrever o filho no Colégio ...;

4.4. Suportou assim a requerente em Setembro de 2021 o pagamento das propinas do ano lectivo 2021/2022 dos menores, nos montantes de € 4.355,17 e € 5.133,23;

4.5Assim como suportou no mesmo mês as despesas com livros e material escolar da menor DD no valor de € 230,15;

4.6Por mail de 21 de Setembro de 2021, a requerente apresentou ao requerido os documentos comprovativos do pagamento das propinas do ano lectivo 2021/2022 e das despesas dos livros da DD, solicitando o reembolso de metade ou seja € 4.859,27;

4.6 Quanto aos livros do filho mais velho, conforme referido nesse mail de 21 de Setembro, havia a requerente pedido ao requerido que se encarregasse ele de os encomendar e pagar, sendo depois feito o acerto de contas.

4.7 Em 22.09.2021 suportou a requerente com a consulta de pediatria da filha DD o montante de € 80,00;

4.8Por email de 24.09.2021 enviado requerido, com o respectivo comprovativo, solicitou o pagamento de metade;

4.9.A requerente fez a inscrição dos menores para o ano de 2021/2022, estando ciente que o requerido não tencionava pagar qualquer quantia à mesma respeitante, porquanto, na sua perspectiva, ou pagava a requerente como o próprio havia feito nos anos de 2017/2018 e 2018/2019 ou os menores teriam que ir para o ensino público;

4.10O requerido alega como razão para não pagar as consultas o tratar-se de sistema privado e não ter condições económicas para suportar as mesmas devendo os menores recorrerem aos serviços de saúde pública;

V-Do terceiro aditamento:

5.1O filho mais velho do casal, CC, atingiu, entretanto, a maioridade e foi pacífica a decisão sobre o seu percurso académico pós 12º ano, estando os progenitores a dividir as despesas, o mesmo não sucedendo com a DD.

5.2Na preparação do ano lectivo em curso, a requerente tomou a iniciativa de contactar o requerido para indagar das suas intenções quanto ao estabelecimento de ensino a frequentar pela menor e, na sequência de uma circular enviada pelo Colégio ... a propósito das matrículas para o próximo ano, enviou-lhe um mail, no dia 4 de Abril de 2022, a pedir para proceder à matrícula já que se encontrava de férias com os filhos e em ... ou, caso não estivesse disponível para suportar metade das propinas, que informasse qual era a sua proposta de escola.

5.3. Dessa forma se iniciou uma troca de mails que teve duas fases, uma em Abril e outra em Agosto.

5.4. O teor dessas conversas é sempre o mesmo – a requerente a pedir ao requerido que se ocupe do assunto da mudança de escola ou, ao menos, que indique uma escola pública e este a declinar e a devolver essa responsabilidade, repetindo que não se opõe à frequência do Colégio ..., mas que não está disposto a pagar a sua metade das propinas.

5.5. Perante este impasse e não aceitando que tenha de ser ela, que não é quem pretende a alteração, a mudar a menor de estabelecimento de ensino a requerente matriculou a menor no Colégio ..., como presumiu que sempre foi a vontade real do requerido.

5.6.Isto apesar de o requerido anunciar que não se opõe à frequência dum colégio privado, mas que não paga as propinas;

5.7 Nessa sequência a requerente suportou as seguintes despesas de saúde e de educação com a menor DD:

a)- Ortopantomografia realizada em 30/3/2022 - € 22,50;

b)- Consulta de pediatria de rotina em 24/5/2022 - € 80,00:

c)- Matrícula ano lectivo 2022/2023 - € 300,00;

d)- Análises em 25/5/2022 – € 66,79;

e)- Consulta de controlo de aparelho de ortodôncia- € 75,00;

f)- Propinas ano lectivo 2022/2023 - € 5.566,93;

g)- Manuais escolares – € 207,02;

5.9A requerente enviou ao requerido os pedidos de pagamento da comparticipação de metade acompanhados das facturas respectivas.

- em 30.08.2022, referentes às despesas das al. a), b) c) e d)

- em 26.09.2022 referente às despesas f) e g)

VI. O requerido BB:

6.1. O requerido pagou todos os montantes respeitantes aos menores inclusivamente os reportados à matrícula e propinas do Colégio ... dos filhos até Setembro de 2019 inclusivamente, mas recusou-se a pagar todos os “supra” referidos valores (a partir de Outubro de 2019) alegando que não tem condições económicas para suportar custos com o colégio privado dos filhos, sendo que, quanto aos mencionados em B) I) e II) entendia que que deveriam ser imputados para abatimento da dívida que entende que a requerente tem perante o mesmo relativa a 50% de todos os montantes por este pagos durante o período que mediou entre a separação ocorrida em meados de Setembro de 2017- em que a requerida permaneceu a morar na casa de morada de família, embora fazendo vida separada do então marido-- até ao divórcio, por mais de 2 anos, referente a despesas comuns e dos filhos, que na sua óptica perfazem cerca de € 35.000,00, tendo este a expectativa que a requerida o compensasse desse montante, o que não veio a acontecer e quanto aos demais invocando dificuldades económicas e prévia comunicação à requerida que não pretendia fazer tal pagamento, porquanto não tinha possibilidades económicas e não o pretendia fazer;

6.2. Foi o requerido que suportou em exclusivo as propinas dos menores nos anos escolares de 2017/2018 e 2018/2019 no Colégio ... bem como grande parte das despesas domésticas, com a casa seus encargos e consumos, alimentação, empregada etc., correspondendo a um período em que requerente e requerido já faziam vidas separadas, embora na mesma casa;

6.3. Para o requerido conseguir face a todas as despesas referidas nos anos de 2017 e até Outubro de 2019, pediu e conseguiu o apoio de sua mãe que lhe emprestava mensalmente € 1.200,00, dando-lhe outros montantes sempre que necessário, alcançando uma dívida para com esta de cerca de € 50.000,00, situação que deixou de ocorrer a partir de Outubro de 2019, uma vez que a mãe por razões de saúde física (partiu o fémur) e mental (Alzheimer), deixou de ajudar o filho, tendo despesas com terceira pessoa para lhe prestar cuidados permanentes;

6.4. O pai do requerido emprestou a este € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a fim de o requerido poder dar uma entrada à CGD referente ao empréstimo que teve contrair para pagar à requerente o preço de € 279.000,00 pela compra da sua parte na casa de morada de família, impostos e encargos associados e ainda o lugar de garagem referenciado em b.a) do ponto g em I – cfr. “supra” referido em 5-;

6.5. Em 18.05.2020, nestes autos, o requerido alega nos autos não ter condições económicas para suportar metade do custo do colégio privado dos menores, afirmação que vem repetindo desde então, sendo que à data referida invocava que os montantes reclamados deveriam ser abatimento da dívida referida “supra” em 7.1;

6.6. Na realização da tentativa de conciliação em 11.11.2020, confrontado o requerido com a impossibilidade legal de operar “compensação” reiterou que não poderia suportar o custo do colégio privado dos menores;

6.7. Em email de 30.06.2020 enviado do requerido para a requerente este afirma que tem de ser ela a pagar as propinas em dívida do menor CC que se mostram em dívida e ele poderá tratar da inscrição por ter em seu poder os papéis, ou então deverá ser a requerente a tratar da transferência do menor para o ensino público, tendo sempre que pagar as propinas pois este precisa do certificado de habilitações;

6.8. O requerido, vem invocando perante a requerente pelo menos desde Outubro de 2019 a sua não concordância com o pagamento da sua parte de qualquer valor referente o colégio privado, porquanto não tem condições económicas e a requerente tem uma dívida para consigo, ou mesmo porque nem sequer o deseja, considerando o sistema de ensino público perfeitamente adequado aos seus filhos, à semelhança do que ocorre com muitos amigos destes, embora não se oponha a que os filhos continuem os estudos no ensino privado, designadamente a DD no Colégio ... uma vez que CC desde o ano escolar de 2022/2023 saiu do Colégio ... e frequenta o ano escolar 2022/2023 o ... com o custo de cerca de €300,00 mensais- , desde que a requerida suporte integralmente esse custo à semelhança que o mesmo fez nos anos escolares de 2017/2018 e 20178/2019), propondo que caso a requerente não assuma a totalidade dos custos de educação no ensino privado que faça a inscrição dos filhos em escola pública;

6.9.O requerido por vezes vai almoçar ou jantar a restaurantes caros com os filhos, como por exemplo o ... publicitados nas suas redes sociais;

6.10. O requerido usa e compra para a filha roupas de marca, tais como as publicitadas nas redes sociais;

6.11.O requerido em Outubro de 2020 comprou uma mota nova para o filho CC tendo para efeito dado em troca a mota antiga, tendo o avô contribuído para esse efeito;

6.12.Apesar de no acordo das responsabilidades parentais ter ficado prevista uma residência alternada semanal dos dois filhos da requerente e requerida, tal apenas sucedeu relativamente à menor DD, sendo que o filho CC tem vivido praticamente de forma, uma noite em cada 3 meses, suportando as despesas inerentes, sendo que a requerida não lhe vem pagando qualquer quantia para ajuda ao sustento do filho CC, embora entregue directamente ao filho cerca de 150.00 euros em cartão de refeições e pague o ginásio e outras despesas pontuais, sendo que este pagamento directo ao filho não foi acordado com o requerido;

6.13.Também por tal circunstância o requerido tem empregada doméstica todos os dias, cerca de quatro horas, que divide com os pais, que moram no mesmo condomínio, pagando-lhe mensalmente € 430,00;

6.14. Residiu e reside permanentemente com o seu filho CC e , em semanas alternadas com a sua filha DD, no imóvel “supra” identificado em b.2) do ponto 6, I dos factos provados “supra”, tratando-se de apartamento com quatro quarto, em condomínio privado “...”, sito ..., ..., com jardim e piscina;

6.15. Para pagamento do empréstimo bancário contraído à CGD e seguros associados contraído para pagamento à requerente do preço de aquisição dos 34% do imóvel “supra” referenciados do imóvel identificado em I 6. b.2 passou a pagar cerca de € 800,00 mensais;

6.16. Com a venda da sua parte do imóvel de ... em Janeiro 2022 fez um abatimento de cerca de metade ao referido empréstimo, passando a pagar € 400,00 mensais de abatimento capital, juros e seguros associados;

6.17.É ... na B..., S.A., tendo auferido:

a) em Dezembro de 2018 a quantia ilíquida de € 8.160,00

b) em Abril de 2020 a quantia ilíquida de € 4.240,23 e líquida de € 2.629,43;

6.18. Através da empresa tem ainda acesso a carro de serviço e telemóvel pagos pela empresa , bem como combustível;

6.19. A empresa costuma distribuir um prémio anual que, ilíquido aproxima-se dos € 10.000,00 ;

6.20. Declarou os seguintes rendimentos como relevantes para efeitos fiscais:

a) Em 2018: o valor anual bruto de € 52.533,34 de rendimentos de categoria A, ao qual foi deduzido € 15.474,00 de retenções na fonte e € 5.778,66 de contribuições; sendo o valor apurado para determinação a taxa de imposto (45%) € 46.754,68, tendo apresentado como deduções à colecta € 52.842,50 de despesas gerais e familiares; € 1.401,34; despesas de saúde de e seguros de saúde; € 13.728,52 dedução de despesas de educação e formação; dedução por exigência de factura € 2.906,01, sendo a dedução líquida total de € 1506,96, o que levou à colecta total de € 15.082,93 e líquida € 13.236,57 (ao que foi deduzido as retenções na fonte “supra”) tendo o reembolso de € 2237,42;

b) Em 2019: o valor anual bruto de € 71.977,86 de rendimentos de categoria A, ao qual foi deduzido € 24.041,00 de retenções na fonte e € 7.917,56 de contribuições; sendo o valor apurado para determinação a taxa de imposto (45%) € 64.060,30, tendo apresentado como deduções à colecta: € 53.042,87 de despesas gerais e familiares; € 3.240,82 de despesas de saúde de e seguros de saúde; € 6.915,71 dedução de despesas de educação e formação; € 1.732,65 dedução por exigência de factura, sendo a dedução líquida total de € 2.543,83; a colecta total de € 22.870,45 e líquida € 19.818,46 (ao que foi deduzido a retenções na fonte) tendo o reembolso de € 4.222,54.

c) Em 2020: o valor anual bruto de € 69.487,20 de rendimentos de categoria A, ao qual foi deduzido € 21.868,00 de retenções na fonte e € 7.643,60 de contribuições; sendo o valor apurado para determinação a taxa de imposto (45%) € 61.843,60, tendo apresentado como deduções à colecta: € 32.691,18 de despesas gerais e familiares; € 2.769,94 de despesas de saúde de e seguros de saúde; € 855,36 dedução de despesas de educação e formação; € 707,95 dedução por exigência de factura, sendo a dedução líquida total de € 2.393,79; a colecta total de € 21.855,01 e líquida € 18.974,60 (ao que foi deduzido a retenções na fonte) tendo o reembolso de € 2.893,31;

d) Em 2021: o valor anual bruto de € 50.519,96 de rendimentos de categoria A, ao qual foi deduzido € 16.427,00 de retenções na fonte e € 6.244,04 de contribuições; sendo o valor apurado para determinação a taxa de imposto (45%) € 50.519,06, tendo apresentado como deduções à colecta: € 30.433,27 de despesas gerais e familiares; € 1.959,20 de despesas de saúde de e seguros de saúde; € 10.710,62 € de dedução de despesas de educação e formação; € 835,38 dedução por exigência de factura, sendo a dedução líquida total de € 2.366,29; a colecta total de € 16.759,37 e líquida € 14.034,21 (ao que foi deduzido a retenções na fonte) tendo o reembolso de € 2392,79;

e) Em 2022: o valor anual bruto de € 69.906,65; sendo o valor apurado para determinação a taxa de imposto (45%) € 63.055,10, tendo apresentado como deduções à colecta: € 600,00 de deduções de dependentes; € 43.791,90 de despesas gerais e familiares; € 1.591,09 de despesas de saúde de e seguros de saúde; € 8.740,74 € de dedução de despesas de educação e formação; € 638,34 de encargos com imóveis; € 1.593,91 dedução por exigência de factura, sendo a dedução líquida total de € 1.853,46; a colecta total de € 22.198,93 e líquida € 19.734,43 (ao que foi deduzido a retenções na fonte no valor de € 21.473,00) tendo o reembolso de € 1.738,57;

6.21 É proprietário:

a) do imóvel “supra identificado e estacionamento respectivamente em b.2 e b.3 do ponto 6, “supra” dos factos provados em I;

b) do veículo automóvel marca Mercedes Benz com matrícula de 08.03.2005, modelo 169 A 150, cujo paradeiro desconhece;

c) do veículo Yamaha com matrícula de 21.03.2019 modelo DEO6 (DT 125X), tratando-se da mota que é conduzida pelo filho CC;

VII -A REQUERENTE:

7.1No ano escolar 2020/2021 foi a requerente que acabou por pagar os montantes em dívida relativos a propinas de CC do ano escolar 2019/2020 e passou a ser encarregada de educação, fazendo a matrícula dos filhos no Colégio ... para o ano de 2020/2021, matrícula que repetiu no ano escolar de 2021/2022, apesar de saber que o requerido se opunha ao ensino privado, caso tal implicasse qualquer custo para o mesmo;

7.2. Entendeu a requerente que as dificuldades económicas que eram alegadas pelo requerido nã eram válidas, nem justificativas para este não pagar metade das propinas dos filhos no colégio privado, face ao seu rendimento mensal, bem como ao facto de entender que este faz uma vida muito acima da média, como publicita nas redes sociais designadamente:

7.3. A requerente é ... na empresa H...

1) Em 2019: o valor anual bruto de € 30.432,50 de rendimentos de categoria A e rendimentos da categoria G, reportados a mais valias decorrentes da venda da sua parte do imóvel de ... no valor líquido de € 139.547,70 (valor de realização subtraído ao valor de aquisição e despesas);

2) Em 2020: o valor anual bruto de € 36.134,25 de rendimentos de categoria A de fls. 351 a 354;

3) Em 2021: o valor anual bruto de € 35.909,03 de rendimentos de categoria (fls. 358 e segs)

4) Em 2022: o valor anual bruto de € 68.004,41 sendo o valor apurado para determinação a taxa de imposto (45%) € 63.900,41, tendo apresentado como deduções à colecta: € 136.202,46 de despesas gerais e familiares; € 1.729,89 de despesas de saúde de e seguros de saúde; € 10.706,74 ; € 15.600,00 de dedução com encargos com imóveis; € 959,46 dedução por exigência de factura, sendo a dedução líquida total de € 1.581,34; a colecta total de € 22.578,62 e líquida € 20.367,36 (ao que foi deduzido a retenções na fonte no valor de € 8.387,00) tendo a pagar o valor de € 11.980,36 - cfr liquidação de fls. 387;

VIII- Requerente e requerido não intentaram qualquer acção para resolução de questão de particular importância, nem outra de alteração das responsabilidades parentais.

IX- As matrículas do Colégio ... efectuam-se no limite entre os meses de Março a Junho do ano escolar antecedente e as do ensino público no limite até e Julho do ano escolar antecedente;

Na sentença recorrida foi considerado como não provado, que:

a) A requerente é devedora ao requerido da quantia de € 35.000,00 relativo a 50% de todas as despesas que foram suportadas pelo requerido desde a separação e até à saída de casa da requerente;

b) Relativamente ao aparelho dentário da DD mencionado na al. d) do ponto 2.1- II dos factos provados tratou-se de uma decisão unilateral da requerente;

c) As inscrições que a requerente fez dos filhos no Colégio ... foi em cumprimento do estipulado no regime de regulação das responsabilidades parentais.

FUNDAMENTAÇÂO DE DIREITO

1. Admissibilidade do recurso

Apesar de não ter sido posta em causa pelas partes a recorribilidade de quaisquer das questões que integram a presente revista - assente como ficou o necessário valor da acção (após deferimento de Reclamação, nos termos do art 643º CPC, que fixou o valor da presente acção em € 30.000,01) e, sendo indiscutível, em face do mesmo, a suficiente sucumbência do Requerido, a que se soma a sua indiscutível legitimidade para recorrer - importa, não obstante, ponderar os obstáculos que poderiam advir das circunstâncias da decisão recorrida emergir de um processo de jurisdição voluntária e da interpretação de um negócio jurídico poder implicar questões de facto, cujo conhecimento está vedado a este Tribunal.

No que ao primeiro obstáculo respeita, porque as questões respeitantes à regulação do exercício das responsabilidades parentais e as respeitantes à execução por alimentos constituem providências tutelares cíveis – als c) e d) do art 3º do RGPTC - e estas, segundo o art 12º do mesmo Regime Geral, têm a natureza de jurisdição voluntária, importa saber se a decisão recorrida resulta abrangida pela restrição recursória que advém para este tipo de processos especiais do nº 2 do art 988º CPC, norma de que decorre de que o Supremo Tribunal de Justiça está impedido de conhecer das medidas tomadas de acordo com critérios de conveniência e oportunidade. Restrição recursória esta que bem se compreende, quando se tenha presente a possibilidade de nos processos em causa se decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade, não se estando sujeito a critérios de legalidade estrita, como resulta do art 987º . É que, estando a escolha das soluções mais convenientes e oportunas ligada incindivelmente à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram e não tendo este Supremo Tribunal o poder de conhecer sobre a matéria de facto, estando apenas vocacionado para salvaguardar a aplicação da lei substantiva ou adjectiva - arts 674º e 682º do CPC- normal é que se limite a admissibilidade de recurso até à Relação, nos termos do referido nº 2 do art 988º CPC.

Mas essa limitação não corresponde a uma irrecorribilidade irrestrita, antes tem de ser entendida nos seus justos limites, que são, os de, precisamente, a decisão recorrida assentar em juízos de conveniência e de oportunidade.

Por isso, vem sendo acentuado de forma consolidada por este Tribunal – entre tantos, os Ac STJ 11/11/2021 (proc. nº 1629/15.8T8FIG-D.C1.S1), de 06/06/2019 (proc. n.º 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1), de 30/05/2019 (proc. n.º 5189/17.7T8GMR.G1.S1), de 31/01/2019 (proc. n.º 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1), de 18.03.2021 (proc. nº 4797/15.5T8BRG-E.G1.S1), de 30/01/2019 (proc 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1),) de 29/11/2022 (proc nº 214/20.7T8LSB.L1.S), de 17/05/2018 (proc. nº 1729/15.4T8BRR.L1.S1), de 27/05/2008 (proc nº 08-B-1203), todos em www.dgsi.pt - que a restrição de recorribilidade em apreço impõe que se distinga casuisticamente nas decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária, máxime em função da respectiva impugnação e do objecto que desta resulta, se o recurso dessas decisões se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pelas instâncias ou se nele se questionam questões de legalidade estrita, como sejam a interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza a decisão.

Ora, na concreta situação dos autos, é fácil constatar que não estão em causa critérios de conveniência ou oportunidade, antes critérios de estrita legalidade ligados à interpretação e integração do acordo de responsabilidades parentais.

No que respeita ao segundo obstáculo à recorribilidade acima apontado, referente à interpretação e integração de um negócio jurídico, tem sido evidenciado que a decisão que fixa a interpretação de um negócio só pode ser objecto de recurso para o STJ quando está em causa o entendimento das regras sobre interpretação ou a própria escolha destas, caso em que a questão é de direito – neste sentido, José de Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil , Vol III, Lisboa 1992, p 275/276 - nesta linha sendo afirmado que estando apenas em causa a aplicação dos critérios jurídicos definidos nos artigos 236º a 239º do CC, a interpretação e a integração de um negócio jurídico constitui matéria de direito cognoscível pelo Supremo como tribunal de revista – Ac STJ 09/02/1988 (Proc JSTJ00001042, com sumário acessível em www.dgsi.pt); no mesmo sentido, Ac STJ 03/12/98, CJSTJ, T III, 136; Ac STJ 11/03/99, BMJ 485º/377- o que, no entanto já não sucede, quando não venham apurados das instâncias aspectos factuais referentes à vontade real das partes, aspecto a que, adiante, porque pertinente na presente revista, se fará específica referência.

2. Aplicação do direito

Assegurada que está a recorribilidade da decisão recorrida através da presente revista, situemos o entendimento do Recorrente e da Recorrida a propósito da interpretação do acordo de responsabilidades parentais, interpretação essa, que ditará a existência ou não de incumprimento relativamente a esse acordo.

Pretende o Recorrente – que restringiu o recurso às despesas educacionais e, no que a estas respeita, às referentes aos anos de 2021/2022 e 2022/2023 – que da correcta aplicação/interpretação dos princípios de interpretação da declaração negocial contidos nos artigos 236º e 238º do CC às cláusulas que constituem o acordo de regulação parental, resulta não decorrer qualquer compromisso em manter os menores no Colégio ... – por tal não resultar do parágrafo final da Cláusula 5.ª, sendo que, se essa tivesse sido a sua pretensão, tê-lo-iam feito constar do acordo, como fizeram na Cláusula 5.ª n.º 2 e na Cláusula 1.ª n.º 11. E, porque, pelo menos, desde finais de 2018 já vinha questionando a Requerida quanto à permanência dos filhos no Colégio ..., invocando, para o efeito, dificuldades económicas – fazendo referência a emails enviados àquela, relativos aos anos lectivos de 2017/2018, 2018/2019 e 2019/2020, juntos com o seu requerimento de 09/12/2021 (referência n.º ...87) - o sentido que um declaratário normal deduziria do comportamento dele, (declarante), quando colocado na posição do real declaratário, seria o de que, até à partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família, o pagamento das despesas com a educação dos filhos menores no Colégio ... recaía exclusivamente sobre ele, Recorrente, mas, após a data da escritura de partilha desse imóvel tais despesas (só) seriam repartidas em partes iguais entre ambos os progenitores se ambos estivessem de acordo na permanência dos filhos nesse colégio, o que não sucedeu.

Ao contrário, a Recorrida entende que do acordo de responsabilidades parentais em apreço resulta que os menores permaneceriam no Colégio ..., com o pagamento dos respectivos custos a dividir em partes iguais pelos progenitores depois da partilha do imóvel que constituiu a casa de morada de família, caso a permanência nesse colégio, relativamente a um e outro dos filhos, não fosse ultrapassada por uma mudança de escola consensuada ou provocada em juízo pelo progenitor a quem a mesma interessasse. Evidencia, para assim se concluir, que, não foi por acaso que na cláusula 1º, nº. 7 ficou a constar que “Actualmente os menores frequentam o estabelecimento de ensino privado Colégio ...”, com essa referência pretendendo que essa escola foi a escolhida pelos pais para o percurso escolar dos filhos, como não foi por acaso que da cláusula 1ª/3.1, se inscreveu como exemplo de questão de particular importância, a carecer do comum acordo dos progenitores, a “mudança de escola”, (e não a escolha da mesma), cláusulas essas de que decorre que na falta de acordo entre os progenitores relativamente à mudança de escola esta implicaria que o progenitor interessado na mesma agisse legalmente para obter essa alteração, pelo que, na falta dos necessários procedimentos legais para esse efeito, ela, Recorrida, ao inscrever os filhos na escola identificada, mais não fez do que cumprir o acordo.

Lembre-se o clausulado no acordo em referência no que se reporta às cláusulas mais significativas para a questão em apreço no recurso:

Na cláusula 1ª (referente à “Guarda”) refere-se no seu ponto 3.1 b):

«A título meramente exemplificativo do tipo de decisões que carecem de comum acordo dos progenitores indicam-se as seguintes:

b) Mudança de estabelecimento de ensino;»

No ponto 7 dessa mesma cláusula, refere-se:

«Actualmente os menores frequentam o estabelecimento de ensino privado, Colégio ...».

Na clausula 5ª (referente a “Alimentos”) refere-se no ponto 2:

«2. O Pai continuará a assumir até à partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família o pagamento das despesas com a educação dos filhos menores no Colégio ..., nomeadamente: propinas, seguros, mensalidades, alimentação, visitas de estudo, fardas, material escolar e livros».

E na 2ª parte do ponto 4:

«Após a data da Escritura de partilha do imóvel que constitui a casa de morada de família as despesas de educação dos menores (…) serão repartidas em partes iguais entre ambos os progenitores».

Está em causa a interpretação/integração das cláusulas em referência, a fazer-se no quadro contratual em que se inserem, importando determinar o sentido juridicamente relevante dessa manifestação das partes.

Adverte Oliveira Ascensão – p 269/270 da obra acima citada - que o sentido juridicamente relevante que importa à interpretação não corresponde a um mero sentido natural ou histórico- isso seria a interpretação gramatical, ou a sociológica, ou a histórica, mas não a interpretação jurídica, sendo função da interpretação, não apurar o sentido histórico, ou o sentido real, literal, ou qualquer outro extra jurídico, mas o sentido que é considerado pelo Direito como o juridicamente decisivo, para o que o intérprete se deve guiar pelas regras jurídicas sobre a interpretação.

E adverte Pedro Pais de Vasconcelos - Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7ª ed, p 468/469 - que o sentido juridicamente relevante é o do agir jurídico negocial, o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo que é o negócio jurídico como um todo.

Salienta ainda, que a adopção pelo nosso legislador de um critério de decomposição do negócio jurídico nas declarações negociais das partes, de modo a possibilitar uma teoria que possa ser comum aos negócios jurídicos unilaterais e aos negócios jurídicos plurilaterais, conduziu à construção de uma teoria da interpretação e da integração de declarações negociais, em vez de uma teoria da interpretação dos negócios jurídicos, o que dificulta a compreensão dos preceitos atinentes à interpretação e integração das declarações negociais, por esta desconsiderar o facto de, nos contratos, ambas as partes serem simultaneamente declarante e declaratário” (faz menção a essa dificuldade o Ac STJ de 12/6/2012, Proc nº 14/06.7TBCMG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt, referindo que o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição de declaratário real).

Tendo em conta que o sentido juridicamente relevante procurado pela interpretação é o do agir jurídico negocial, deve-se entender, nas palavras ainda de Pedro Pais de Vasconcelos, que a interpretação da declaração negocial e a sua integração são uma tarefa hermenêutica unitária: a interpretação e a integração das declarações negociais de uma e outra parte devem ser feitas em relação à globalidade do negócio jurídico ou do contrato concreto em questão, não sendo a integração, nesta perspectiva, mais do que a interpretação global do negócio jurídico. Evidenciando, nesta linha, que a mera interpretação das declarações negociais dos autores do negócio nunca é suficiente: é sempre necessário integrar o conteúdo e sentido do negócio como globalidade de regulação autónoma e dele extrair os critérios de concretização da sua disciplina, passando a interpretação e a integração a serem entendidas como interpretação declarativa e interpretação integrativa. A interpretação integrativa vai além da interpretação das estipulações das partes para a descoberta e concretização do conteúdo do contrato como regulação vigente; já a interpretação integrativa tem lugar, não propriamente quando subsistam dúvidas quanto ao sentido de cada uma das declarações negociais dos autores do negócio, mas antes quando haja dificuldades de compreensão do conteúdo e do sentido do regulamento negocial global, quando do complexo regulativo contido no negócio seja necessário discernir critérios de solução de questões dele emergentes, que não tenham sido directamente previstas e estipuladas nas declarações negociais».

Com estas balizas, vejamos os critérios legais na matéria em apreço.

Evidencia Pais de Vasconcelos, a quem se vem seguindo, que a primeira regra de interpretação é tão óbvia que não está sequer expressa na lei – sempre que haja consenso das partes, ou de declarante e declaratário, sobre o sentido da declaração, deve ser de acordo com ele que esta deve ser interpretada: trata-se da vontade real comum, do sentido subjectivo comum.

A segunda regra advém do art 236º/2 CC, norma que exprime o princípio falsa demonstratio non nocet – em caso de divergência entre o sentido subjectivo da declaração e o seu sentido objectivo prevalece o sentido subjectivo, desde que o declaratário o conheça. Não é sequer exigido o acordo ou o consenso nesse sentido: basta que ele seja conhecido pelo declaratário.

A terceira regra aplica-se às situações de divergência entre o sentido subjectivo da declaração e o seu sentido objectivo, mas em que o declaratário desconhece a vontade real do declarante – nessa circunstância o sentido objectivo prevalece, salvo se o declarante não puder contar com ele, isto é, desde que ele não colida com a expectativa razoável do autor da declaração.

E o sentido objectivo da declaração determina-se nos termos do nº 1 do art 236º: trata-se do sentido que um declaratário normal, colocado na posição de declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante, referindo, a este propósito, Pais de Vasconcelos - p 473 da obra citada - que não interessa o sentido que o declaratário real, o declaratário concreto, tiver entendido: o que releva é o sentido típico que um declaratório típico teria tipicamente entendido naquela situação típica. Concluindo que a divergência deverá ser resolvida, não com a prevalência do sentido em que o declaratário concreto tiver entendido a declaração, não no seu sentido objectivo concreto, mas no seu sentido objectivo típico não obstante este sentido deva ser determinado dentro dos limites formados pelo âmbito da expectativa razoável do declarante. Esclarecendo ainda que não se trata da determinação de qual foi de facto a expectativa do declarante em relação ao entendimento do declaratário, mas sim a expectativa que o mesmo declarante, posto na posição típica do declaratário, deveria ter tido razoavelmente perante aquela declaração, segundo os padrões éticos da regra de ouro e do imperativo categórico.

Apliquemos estas regras interpretativas à situação dos autos.

Parece pretender o Recorrente na conclusão 33ª, ao referir ser inequívoca a real vontade das partes no que diz respeito à redacção da parte final da Cláusula 5.ª, querer prevalecer-se do sentido subjectivo das declarações, em face do sentido objectivo das mesmas, afirmando que a Requerente conhecia claramente o seu ponto de vista - o de que, querendo ela, contra a vontade dele, manter os filhos no Colégio ..., se assumiria como única responsável pelos custos daí decorrentes - e que, por isso, e de acordo com a referida regra do nº 2 do art 236º, seria este o sentido da cláusula em referência, sentido este que se sobreporia a qualquer outro.

Sentido subjectivo da declaração é o que corresponde à vontade real do declarante, o que significa que imperando tal sentido o negócio valerá tal como foi querido pelo autor da declaração.

È neste ponto que deve ter-se presente que a competência deste Supremo Tribunal se circunscreve à aplicação de direito, não podendo interferir na decisão de facto, a menos que, no que a esta respeita, se verifique erro de direito, como sucede relativamente às previsões dos arts 674º/3 e 682º/2 , que aqui não estão, obviamente, em causa. A este Tribunal cabe, por regra, aplicar em termos definitivos o regime jurídico aos factos fixados nas instâncias recorridas, não lhe cabendo estabelecer novos factos – cf nº 1 do art 682º CPC.

Assim, não resultando da matéria provada a real vontade do Recorrente ao emitir as declarações que deram origem ao acordo em análise e, decorrentemente, se a aqui Recorrida – para o fim em apreço, a ter como “declaratária” - conhecia ou não aquela vontade do Recorrente, tem este Tribunal que ter como adquirido, para o efeito da interpretação/integração das declarações negociais em causa, que a mesma desconhecia a vontade real do Recorrente.

Nem se diga que este Tribunal poderia extrair dos emails a que o Recorrente se reporta a sua real vontade à data do acordo cuja interpretação está em causa.

È que, para além de, nos termos sobreditos, não lhe competir fixar esse facto, tão pouco esses emails, ou outros juntos aos autos, lhe permitiriam concluir pela vontade real do Recorrente/declarante naquele específico acto, que é o único, para o fim em causa, pertinente, irrelevando a vontade do mesmo anterior e extrínseca ao mesmo, desde logo, porque, como bem transparece da totalidade do acordo, o referente aos alimentos insere-se nesse todo, constituindo, decerto, contrapartida de concessões noutros domínios desse todo.

Desconhecendo-se a real vontade do Recorrente, igualmente se desconhece o facto da Recorrida conhecer ou não essa vontade.

Como o refere Oliveira Ascensão - obra referida, p 268/269 - quando se trata de apurar qual foi a vontade real do declarante e de saber se o declaratário conhecia essa vontade, há que fazer uma indagação essencialmente histórica, sendo aí clara a natureza fáctica e não jurídica da interpretação negocial.

Na mesma perspectiva, diz-se no acima citado Ac STJ 09/02/1988 - saber se o declaratário conhecia a vontade do declarante (como também saber se o declarante não podia contar com o sentido objectivo da declaração, aqui, para os fins do nº 1 in fine do art 236º ) são acontecimentos da vida susceptíveis de ser captados pelos diferentes meios de prova, não estando em causa matéria de direito cognoscível por este Supremo Tribunal.

E, por isso, o Ac STJ de 12/6/2012 (Proc nº 14/06.7TBCMG.G1.S1) fazendo referência aos Ac. do STJ de 4/5/2010, P. 2066/04.5TJVNF.S1, Ac STJ 26/10/2010 P 447/2001.C1.S1, Ac STJ 12/6/2012 P. 14/06.7BCMG.G1.S1, faz notar que o apuramento da vontade real das partes, no quadro da interpretação dos negócios jurídicos apenas constitui matéria de direito – sujeita ao controlo do STJ – quando, sendo ela desconhecida, devam seguir-se para o efeito, os critérios fixados nos arts 236 a 238 do CC.

No mesmo sentido se pronunciam os Ac STJ 11/11/1997, CJSTJ, T III, 375, Ac STJ 2/6/1998, BMJ 478º/397 e Ac STJ 11/3/99, BMJ 485º- 337.

O que significa, que, não resultando da prova advinda das instâncias a vontade real do aqui Recorrente ao emitir as declarações que deram origem ao acordo sobre responsabilidades parentais, e tão pouco, e decorrentemente, se a Recorrida conhecia essa vontade real, se tem de fazer valer o critério interpretativo do nº 1 do art 236º, e, por assim ser, fazer valer o sentido objectivo da declaração, para o que, como acima se acentuou, não releva o sentido que o declaratário real, o declaratário concreto, tiver entendido, mas o sentido típico que um declaratório típico teria tipicamente entendido naquela situação típica Por outras palavras, estas de Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil , 4ª ed , 2005, p. 443 - deverá a declaração valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, lhe atribuíria, considerando-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz terá conhecido, e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável.

Ora, colocado um declaratário normal, razoável, típico, na posição do aqui Recorrente (declaratário real), por isso, numa conferência destinada a obter acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais, na qual, ambas as partes sabiam, à partida, assumir especial importância os custos decorrentes da permanência dos filhos no colégio privado que vinham frequentando, por tais custos terem sido já largamente discutidos entre elas em função do consabido dissenso do progenitor relativamente a tal frequência, relacionado que estava o acordo a obter neste âmbito com o referente ao destino da casa de morada de família e, ambos, naturalmente, com a convolação do divórcio para mútuo consentimento, acompanhado como estava o Recorrente de mandatário judicial, não podia o mesmo deixar de entender que não estava apenas a dar o seu acordo a essa permanência para o ano escolar em curso, mas também a assumir como questão de particular importância a mudança dessa escola, que, por assim ser, teria que resultar do comum acordo entre os progenitores, sendo insuficiente a sua oposição a essa permanência, tendo sido com estes pressupostos que se obrigou a suportar, depois de lograda a partilha do imóvel que constituiu a casa de morada de família, 50% dos custos da referida frequência de colégio privado.

Este é o sentido objectivo das declarações constantes do acordo em referência, sem que haja elementosque permitam que se conclua que o sentido referido contrariaria a expectativa razoável da aqui Requerente nesse acto, o que não parece ser o caso, como o demonstram os presentes autos.

È certo, que não resulta explicitamente do acordo de responsabilidades parentais a necessidade do recurso a procedimentos legais como forma de ultrapassar um dissenso entre os progenitores no referente à mudança de escola. Mas a mesma resulta da lei, que tem como inócua a opinião divergente de um dos progenitores relativamente à mudança de escola privada para pública, por esta ser - e assim se constituiu, concreta e indiscutivelmente, no acordo - questão de particular importância.

Numa interpretação integrativa, em que, como acima se referiu, importa integrar o conteúdo e sentido do negócio como globalidade de regulação autónoma e dele extrair os critérios de concretização da sua disciplina, não pode, senão, concluir-se, que, querendo um dos progenitores, em dissonância do outro, proceder à mudança de escola, teria que intentar acção para resolução de questão de particular importância, tal como a mesma está prevista no art 44º do RGPTC, ou se a urgência não fosse muita, acção para alteração do acordo de responsabilidades parentais.

Devendo concluir-se, tal como o evidenciou a 2ª instância, que estando os menores a frequentar o identificado estabelecimento de ensino privado, a vontade unilateral de qualquer um dos progenitores no sentido de os mesmos mudarem de estabelecimento de ensino, designadamente para passarem a frequentar um estabelecimento de ensino público, mostrava-se ineficaz para determinar essa mudança e que a existência de um diferendo sobre essa questão de particular importância, por ter de ser resolvida judicialmente, no âmbito da acção a que respeita o art.º 44º do RGPTC, não cabia (e não cabe) no âmbito do presente incidente de incumprimento.

No que se reporta à segunda questão acima evidenciada como integrando o objecto da presente revista, é também manifesta a sua improcedência.

È que, numa acção de incumprimento, não há lugar a ponderar as dificuldades económicas - reais ou não, maiores ou menores - do progenitor tido como incumpridor, não havendo, por isso, que cuidar se a decisão recorrida violou os princípios da razoabilidade e da equidade ao desconsiderar a situação económica/financeira do Recorrente (máxime, cf conclusões 30ª, 45ª e 59ª), juízo, aliás, esse, de equidade, que, por paralelismo relativamente às considerações acima produzidas a respeito da jurisdição voluntária, não caberia a este tribunal.

De todo o modo, o juízo que está em causa sindicar é o tido na 2ª instância a respeito da improcedência do meio processual para a questão com que o aí Recorrido se pretendeu defender, nada, por isso, obstando, em sede de recorribilidade, a que este Tribunal aprecie esta segunda questão, reiterando a improcedência da mesma.

Com efeito, como se evidenciou na 2ª instância, o que está em causa no incidente de incumprimento não é o pedido de alteração de um regime em vigor, mas o reconhecimento da falta de cumprimento das obrigações emergentes do regime em vigor, com a determinação das diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do devedor em multa (se requerido), tal como resulta do nº 1 do art.º 41º do RGPTC.

O Requerido, para além de não ter interposto acção nos termos e para o efeito do referido art 44º - falta de acordo dos pais em questões de particular importância - também não interpôs acção nos termos do art 42º, referente à alteração de regime.

Há, pois, que confirmar integralmente a decisão recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2025

Maria Teresa Albuquerque (Relatora)

Cristina Coelho

Ricardo Costa