Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
121/08.1TELSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PAULO FERREIRA DA CUNHA
Descritores: MEDIDA DA PENA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
BURLA QUALIFICADA
FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
DANOS PATRIMONIAIS
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I -   Tendo três dos recorrentes sido condenados em penas inferiores a 8 anos de prisão e os outros dois em penas parcelares inferiores a esse quantum, e tendo o Tribunal da Relação confirmado integralmente o acórdão proferido pela 1.ª Instância, impõe-se, no que respeita às penas inferiores a 8 anos de prisão, incluindo as parcelares, rejeitar os recursos interpostos, em face da dupla conforme verificada, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP.

II -   Da CRP não decorre a obrigatoriedade de haver lugar a um duplo grau de recurso, independentemente dos termos do processo que esteja em causa e dos concretos fundamentos invocados pelos recorrentes, permitindo-se ao legislador ordinário uma margem de discricionariedade para definir os limites do acesso a esse triplo grau de jurisdição. Assim, o acesso a um segundo grau de recurso resulta da plena liberdade do legislador, pelo que a sua limitação, nomeadamente através da gravidade das penas aplicáveis e o instituto da dupla conforme, não ofende o direito ao recurso que se encontra constitucionalmente garantido.

III - Uma decisão do Tribunal da Relação, cujo objeto seja a apreciação de vícios, invocados pelos arguidos, de que padeceria o acórdão condenatório anteriormente proferido por esse mesmo tribunal, é irrecorrível, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

V -  Como vem sendo entendimento dominante da jurisprudência, os recursos consubstanciam «remédios jurídicos», que apreciam a legalidade e adequação das decisões proferidas, não visando decidir sobre matéria inovatória.

VI - Não tendo o recorrente A impugnado perante o Tribunal da Relação a medida da pena única aplicada, tendo apenas, nas alegações de recurso anteriormente apresentadas, pugnado pela sua absolvição, trata-se de questão nova, que não poderá suscitar agora, perante o recurso para o STJ.

VII - O recorrente B foi condenado pela prática de 2 crimes de burla qualificada, na pena de 6 anos e 6 meses cada um, tendo-lhe sido aplicada uma pena única de 10 anos de prisão. A referida pena única é adequada e proporcional, considerando a avaliação global do ilícito, que assume uma elevada gravidade, nomeadamente atendendo a que:

 - a sua atuação foi praticada num longo período de tempo, o que revela uma forte e prolongada intenção de praticar os factos criminosos;

  - cada um dos crimes em concurso envolve um conjunto extenso e complexo de ações, aglomeradas em vários negócios;

 - o valor dos prejuízos gerados é muito significativo, acima dos 60 milhões de euros.

VIII - São também intensas as necessidades de prevenção geral, sendo de considerar as consequências do crime cometido, pois os efeitos da sua conduta não se repercutiram apenas num único ofendido, num meio delimitado e num concreto momento temporal, antes sendo as mesmas amplamente sentidas, na comunidade em geral e no sector bancário e financeiro.

IX - Os factos que fundamentam a determinação da medida da pena são, também eles, objeto de prova, pelo que a junção de documentos é possível, excecionalmente, até ao encerramento da audiência, não podendo ser valoradas provas que sejam apresentadas após esse momento de apreciação da matéria de facto.

X -  Um acordo de pagamento releva, eventualmente, em termos de fator de ponderação da medida concreta da pena, por respeitar à conduta posterior ao facto, não tendo a aptidão de alterar a decisão da causa, não contribuindo para a descoberta da verdade criminal, nem contendendo com as garantias do recurso.

XI - Assim, tendo esse acordo extrajudicial sido junto apenas durante a pendência do recurso, não poderá o mesmo ser considerado a nível da determinação da pena.

XII - Mesmo que assim não fosse, atendendo a que o recorrente B não procedeu a qualquer pagamento, apenas pretendendo beneficiar indiretamente do esforço monetário feito por terceiros, a que é alheio, daí não resulta uma diminuição das necessidades de prevenção especial, pelo que não consubstanciaria um fator que devesse ser tido em apreço.

XIII - No que respeita ao pedido de indemnização civil, uma vez que ambos os acórdãos apreciaram da mesma forma os pressupostos da responsabilidade civil, a fundamentação utilizada aplica de forma uniforme o mesmo quadro legal e não há qualquer voto de vencido, haverá uma situação de dupla conforme, sendo por isso os recursos interpostos rejeitados.

XIV - Exceciona-se à referida dupla conforme a parte referente aos factos aditados pelo Tribunal da Relação, resultantes do referido acordo extrajudicial pois, quanto a essa matéria, tratando-se de factos novos aditados em sede de recurso, não há dupla conforme.

XV - Não integra o objeto dos presentes autos aferir da adequação do clausulado de um acordo extrajudicial celebrado por terceiros, que conduziu a uma desistência de parte do pedido cível, já judicialmente homologada, pelo que, nesta sede, não se poderá discutir os termos do mesmo.

XVI - Face ao exposto, confirma-se integralmente a decisão recorrida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
Relatório


1. Por acórdão proferido em 12 de novembro de 2018, no Juiz ... do Juízo Central Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi decidido[1]:

           
a) absolver o arguido AA da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alíneas. a) e d), do Código Penal;
b) absolver os arguidos BB, CC, DD e AA da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 104.º, n.ºs 1, alíneas d), e) e g), e 2, do RGIT;
c) condenar o arguido BB pela prática, como co-autor, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e d), do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles;
d) condenar o arguido BB, em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas em c), na pena única de 12 (doze) anos de prisão;
e) condenar o arguido CC pela prática, como co-autor, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles;
f) condenar o arguido CC, em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas em e), na pena única de 10 (dez) anos de prisão;
g) condenar o arguido EE pela prática, como co-autor, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles;
h) condenar o arguido EE, em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas em g), na pena única de 10 (dez) anos de prisão;
i) condenar o arguido FF pela prática, como cúmplice, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
j) condenar o arguido DD pela prática, como cúmplice, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
k) condenar o arguido GG pela prática, como co-autor, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
l) condenar o arguido GG pela prática, como co-autor, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6.º, 103.º, n.º 1, ais. b) e c), e 104.º, n.ºs 1, ais. d), e) e g), e 2, do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão;
m) condenar o arguido GG, em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas em k) e 1), na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
n) n) - condenar o arguido HH pela prática, como co-autor, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e d), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
o) condenar o arguido HH pela prática, como co-autor, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6.º, 103.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 104.º, n.ºs 1, alíneas d), e) e g), e 2, do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão;
p) condenar o arguido HH, em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas em n) e o), na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
q) condenar a arguida Amplimóveis - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A., nos termos do art. 7.º do RGIT, pela prática um crime de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6.º, 103.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 104.º, n.ºs 1, alíneas d), e) e g), e 2, do RGIT, na pena de 850 (oitocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 100 (cem euros), num total de € 85 000 (oitenta e cinco mil euros);
r) determinar que às penas de prisão fixadas seja descontado o tempo de privação de liberdade sofrido pelos arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 80.º, n.º 1, do Código Penal;
s) condenar os demandados GG, HH e Amplimóveis, S.A. a pagar solidariamente ao demandante Estado Português a quantia de € 1 981 545,72 (um milhão novecentos e oitenta e um mil quinhentos e quarenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos), a título de indemnização civil por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da prática dos factos e vincendos até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;
t) absolver os demandados AA, BB, CC e DD do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo demandante Estado Português;
u) absolver os demandados BB, CC, EE, FF, AA e DD do pedido de indemnização civil contra si deduzido pela demandante Galilei Imobiliária, SGPS, S.A;
v) condenar os demandados BB, CC, EE, GG e HH a pagar solidariamente ao demandante Banco BIC Português, S.A. a quantia de € 9 409 209,25 (nove milhões quatrocentos e nove mil duzentos e nove euros e vinte e cinco cêntimos) e ainda os três primeiros a quantia remanescente até perfazer o total de € 11 404 400,84 (onze milhões quatrocentos e quatro mil quatro centos euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos ao negócio do terreno da ..., acrescida de juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;
w) absolver os demandados DD, AA e FF do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo demandante Banco BIC Português, S.A. relativamente ao negócio do terreno da ...;
x) condenar os demandados BB, CC e FF a pagar solidariamente ao demandante Banco BIC Português, S.A. a quantia de € 9 017 196,51 (nove milhões dezassete mil cento e noventa e seis euros e cinquenta e um cêntimo), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos aos negócios das sociedades AT... e AT... II, acrescida de juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;
y) absolver o demandado EE do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo demandante Banco BIC Português, S.A. relativamente ao negócio das sociedades AT... e AT... II;
z) condenar os demandados BB, CC, EE e FF a pagar solidariamente ao demandante Banco BIC Português, S.A. a quantia de € 14 299 041,44 (catorze milhões duzentos e noventa e nove mil quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos aos negócios da Palácio .... e dos Terrenos de ..., acrescida de juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;
aa)  absolver o demandado DD da totalidade do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo demandante Banco BIC Português, S.A. relativamente aos negócios da Palácio .... e dos Terrenos de ... e os demandados BB, CC, EE e FF do pagamento da quantia de € 10 882 169,88 peticionada pelo mesmo demandante relativamente aos negócios da Palácio .... e dos Terrenos de ...;
bb) condenar os demandados BB, CC e FF a pagar solidariamente ao demandante Banco BIC Português, S.A. a quantia de € 19 646 100,00 (dezanove milhões seiscentos e quarenta e seis mil e cem euros), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos ao negócio da B... . S..., acrescida de juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;
cc) absolver os demandados EE e DD da totalidade do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo demandante Banco BIC Português, S.A. relativamente ao negócio da B... . S...;
dd) condenar os demandados BB e CC a pagar solidariamente à demandante Parvalorem, S.A. a quantia de € 4 449 851 (quatro milhões quatrocentos e quarenta e nove mil oitocentos e cinquenta e um euros), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos ao negócio da T..., acrescida de juros de mora calculados sobre o valor de € 4 000 000 (quatro milhões de euros), vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;
ee) absolver os demandados AA e EE da totalidade do pedido de indemnização civil contra si deduzido pela demandante Parvalorem, S.A. e os demandados BB e CC do pagamento dos montantes parcelares de € 2 843 148,01 (dois milhões oitocentos e quarenta e três mil cento e quarenta e oito euros e um cêntimo), € 6 650 440,58 (seis milhões seiscentos e cinquenta mil quatrocentos e quarenta euros e cinquenta e oito cêntimos) e € 18 410 288,46 (dezoito milhões quatrocentos e dez mil duzentos e oitenta e oito euros e quarenta e seis cêntimos) contra si peticionado pela mesma demandante.

2. Inconformados com o acórdão proferido, BB, CC, EE, FF, GG, HH, DD, Amplimóveis - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A., apresentaram recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa.
O Ministério Público e as demandantes civis Parvalorem e Banco BIC, S.A. apresentaram recurso contra a absolvição do arguido AA.

3. Ocorrido e verificado o falecimento de BB, foi julgada extinta a respetiva responsabilidade criminal, por despacho transitado em julgado.
Atentos os prejuízos para o processo criminal decorrentes da suspensão da instância, o conhecimento e decisão do pedido de indemnização civil formulado contra o falecido BB foi remetido para os tribunais civis.

4. Na pendência do recurso, os arguidos GG e HH e as demandantes civis celebraram um acordo, nos termos do qual os primeiros procederam à entrega de bens e valores tendentes ao pagamento das suas responsabilidades.

Por decisão proferida em 20 de fevereiro de 2020, foi homologada desistência do pedido cível então formulado por Parvalorem, SA e Banco Eurobic, S.A. (Banco BIC), contra GG, HH e Amplimóveis - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A..

5. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou os recursos apresentados improcedentes tendo decidido, por acórdão de 2 de junho de 2021[2]:
« a) Recursos relativos à responsabilidade penal:

- Julgar não providos os recursos interpostos pelos arguidos recorrentes e pelo MP, confirmando-se na íntegra o Acórdão recorrido na parte criminal;

- Julgar não provido o recurso interposto pelo assistente Banco BIC, S.A..

b) Recursos relativos à responsabilidade civil decorrente da prática de actos ilícitos:

- Julgar não providos os recursos apresentados pelos arguidos recorrentes, devendo, contudo, ser tomado em consideração no quantum indemnizatório fixado, os valores entretanto recebidos nos termos expostos supra, concretamente:
i.- Relativamente aos factos que tiveram por objeto o terreno da ..., encontra-se satisfeito o valor do prejuízo, nada mais sendo devido.
ii.- Quanto à indemnização pelos actos que tiveram por objeto o Palácio .... e os Terrenos de ... foram entregues:
Acções da Sociedade Imobiliária Palácio ... (proprietária do imóvel Palácio ....), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 5.261.320,18 (cinco milhões duzentos e sessenta e um mil, trezentos e vinte euros e dezoito cêntimos).
Dação em pagamento dos Terrenos de ..., pelo valor total de € 500.000,00 (Quinhentos mil euros);
No valor total de 5.761.320,18, o qual deve ser abatido ao valor da indemnização fixada pela primeira instância.
iii- Relativamente à indemnização fixada para reparação dos danos decorrentes dos autos praticados que envolveram a B... . S... (Herdade da ...):
Dação em pagamento das acções da B... S...- Sociedade Imobiliária, SA. (proprietária do imóvel Herdade da ...), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 2.617.021,00 (dois milhões seiscentos e dezassete mil e vinte um euros).
Dação em Pagamento de prédio urbano sito em ..., ..., pelo valor de € 2.799.001,77 (dois milhões setecentos e noventa e nove mil e um euro e setenta e sete cêntimos);
              No total de 5.416.022,77, a qual deve ser abatida ao valor da indemnização fixada na primeira instância.
No mais mantém-se na íntegra a decisão de primeira instância.»

6. Não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, os arguidos CC, EE, FF, GG e HH interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.



7. Os recorrentes concluíram os recursos interpostos, extraindo as seguintes conclusões:


a) CC

«1. O objecto do presente recurso consiste no acórdão proferido em 02.06.2021 pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, no que respeita à responsabilidade criminal do ora recorrente, manteve a decisão condenatória proferida pela 1.ª instância, que condenou o ora recorrente, como co-autor, pela prática de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, als. a) e d) do C. Penal, com as penas parcelares de seis anos e seis meses de prisão para cada um deles, condenando-o, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de dez anos de prisão.

2. Tem, ainda, por objecto o mesmo acórdão na parte em que julga não provido o recurso apresentado pelo recorrente no que respeita à responsabilidade civil decorrente da prática de actos ilícitos, determinando, porém, que sejam tomados em consideração no quantum indemnizatório fixado os valores entretanto recebidos.

3. Tem igualmente por objecto o acórdão proferido em 23 de Junho de 2021 que, não obstante ter afirmado não conhecer nem decidir das nulidades arguidas pelo recorrente, as veio julgar não providas.

4. Entende, em suma, o arguido que o acórdão de 02.06.2021 proferido pela Veneranda Relação de Lisboa se encontra eivado de vícios quer substantivos, quer processuais.

5. Sendo que o presente recurso não tem exclusivamente por objecto a sindicância da pena única aplicada em cúmulo jurídico, mas, ainda, as decisões tomadas pelo tribunal a quo sobre cada um dos crimes em concurso e a aplicação das penas parcelares;

6. Com efeito, dada a verificação de vícios decisórios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, emergentes do próprio texto da decisão, entende o arguido que é admissível recurso não apenas quanto à pena única aplicada por ser superior a oito anos de prisão, mas também quanto à matéria decisória sobre os crimes em concurso mesmo quando as penas parcelares aplicadas sejam inferiores a oito anos de prisão;

7. Sempre se afigurando ser materialmente inconstitucional a interpretação e aplicação do artigo 400.º, n.º 1 al. f) do CPP no sentido de limitar o objecto do recurso à matéria da pena única aplicada pelo Tribunal recorrido.

8. Sendo os vícios previstos no artigo 410º n.º 2 do CPP de conhecimento oficioso, não há razão para reconhecer que deve esse Alto Tribunal oficiosamente deles conhecer, ficando, no entanto, o recorrente impedido de os poder invocar como fundamento de recurso quando a pena parcelar aplicada a cada crime em concurso não exceder os 8 anos de prisão, devendo neste caso o objecto do recurso restringir-se à sindicância da pena única aplicada.

9. Afigura-se que tal interpretação viola o princípio constitucional da hierarquia dos tribunais com consagração constitucional nos artigos 209.º, n.º 1, al. a) e artigo 210.º da CRP e o princípio da boa administração da justiça, a par do princípio da necessidade e o da proibição do excesso em matéria criminal.

10. Com efeito, estando em causa o direito ao recurso importa que a interpretação acolhida não conduza a uma solução arbitrária e desproporcionada limitativa do objecto do recurso.

11. Entende, pois, o recorrente, que a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal na dimensão normativa de havendo uma pena única superior a oito anos, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares aplicadas inferiores a oito anos de prisão, viola o princípio da hierarquia dos tribunais e o princípio da boa administração da justiça, consagrados nos artigos 202.º, 209.º, n.º 1, al. a) e art. 210.º da CRP, bem como o princípio da proibição do excesso e o princípio da necessidade em matéria criminal acolhidos no artigo 29.º n.º 1 e artigo 32.º n.º 1 da CRP.

12. Como se deixou acima descrito, o objecto do presente processo apresenta-se em manifesta sobreposição com o objecto do processo n.º 4910/08...., numa clara violação do princípio ne bis in idem, atentatória da dignidade do arguido;

13. Não tem razão o acórdão sob recurso ao afirmar que o objecto do processo n.º 4910/08.... consiste na apreciação de negócios ligados aos financiamentos montados para garantir o controlo accionista do grupo, enquanto que, no presente processo, estariam antes em causa negócios realizados em áreas não financeiras do grupo, essencialmente a imobiliária, suportados em financiamentos que representaram elevados custos para o BPN mediante a celebração de contratos simulados que terão servido para gerar opacidade sobre quem eram os verdadeiros titulares dos negócios.

14. Em ambos os processos está directamente em causa a conduta do arguido mediante uma série de actos e contratos que visavam ocultar ao Banco de Portugal o verdadeiro perímetro material do próprio Grupo BPN/SLN e as responsabilidades assumidas,

15. Num e noutro processo estão em causa financiamentos concedidos, entre outros, pelo Banco Insular, não se podendo desconsiderar que no processo n.º 4910/08... está em causa a aquisição e instrumentalização do Banco Insular pelo BPN, e em particular, todo o crédito concedido pelo Banco Insular (balcão 1 e 2).

16. É manifesta a replicação da matéria de facto apurada num e noutro processo quanto aos actos praticados pelo arguido e qualificados pelo Tribunal recorrido como “enquadramento genérico da ação desenvolvida”.

17. Os actos aqui imputados ao ora recorrente integram-se directamente na actuação pela qual o mesmo foi julgado e condenado no processo n.º 4910/08... pela prática de um crime de burla, não se podendo deixar de ter presente que o recorrente foi ali condenado pela prática do crime de burla por uma actuação levada a cabo, ao longo de anos, dirigida à criação de engano no BdP para poder levar o BPN a concretizar negócios jurídicos que, de outra forma, lhe estariam vedados.

18. Respondendo, o recorrente, no processo n.º 4910/08.... pela constituição/utilização de sociedades não residentes materialmente compreendidas no Grupo, pela detenção do Banco Insular, pela sua não contabilização na estrutura do Grupo e pela instrumentalização do mesmo através da alocação de operações de crédito nesta entidade, com ocultação do crédito concedido ao Banco de Portugal,

19. Sendo que o financiamento através do Banco Insular, é assumido como o meio astucioso empregue pelos arguidos, existindo erro ou engano do Banco de Portugal na medida em que esse volume de crédito é mantido no seu desconhecimento.

20. Existindo identidade na actuação que ao arguido é atribuída num e noutro processo, existe, ainda, identidade no próprio enquadramento jurídico-penal da sua conduta, como resulta da respectiva condenação em ambos os processos pela prática de crimes de burla qualificada p.e p. pelos arts. 217º n.º 1 e 218º n.º 2 als. a) e d) do Código Penal.

21. Resta, pois, concluir que existe efectivamente identidade de objecto, quando são idênticos os factos que estão a ser alvo de apreciação jurídico-penal nestes dois processos.

22. E se é verdade que o acórdão proferido no processo n.º 4910/08... ainda não transitou em julgado, tal significa que se verifica no presente processo a excepção dilatória de litispendência (arts. 576º, 1 e 577º, al. i) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), a qual tem a mesma consequência jurídica do caso julgado: a extinção da ação penal indevida (a última).

23. Decorre do artigo 29º n.º 5 da CRP o princípio de unicidade de acção punitiva contra a mesma pessoa pelos mesmos factos, assistindo, a cada cidadão, o direito fundamental a não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, cabendo ao Julgador a garantia deste direito fundamental do recorrente, impedindo que o mesmo continue a ser julgado em ambos os processos pelos mesmos factos.

24. Entende o recorrente que é materialmente inconstitucional, por violação dos artigo 29.º, n.º 5, e 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, ainda, do artigo 4º do Protocolo n.º 7 à CEDH, qualquer interpretação normativa que permita o julgamento e nova condenação do Arguido por factos que sejam já parcialmente objecto de outro processo penal que se encontre em fase de julgamento ou recurso, ou factos que sejam essencialmente os mesmos ou que com os mesmos formem uma unidade sequencial, e ou crimes pelos quais ali responda.

25. Acresce que, do ponto de vista processual, o Acórdão recorrido padece dos vícios previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, de conhecimento oficioso e bem assim de nulidades, de acordo com o disposto no artigo 379º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP, arguidas no presente recurso, para nele serem conhecidas, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

26. Assim, a decisão de subsunção dos factos ao tipo legal acolhido no artigo 217º, n.º 1, do Código Penal, constante do Acordão recorrido não encontra suporte nos factos dados como provados, padecendo do vício de insuficiência dos factos provados para a decisão proferida, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP.

27. Pela 1.ª instância foi sustentado, com base na factualidade ali dada como provada, que os arguidos, entre os quais o ora recorrente, pretendiam fazer crescer o Grupo, enganando para tanto o Supervisor quanto à realidade empresarial e bancária desenvolvida, escondendo do Banco de Portugal que se tratava de financiamentos ao próprio Grupo.

28. Para a 1.ª instância os arguidos enganaram o Banco de Portugal, sendo o BPN o lesado.

29. Perante a invocação de que não resultariam da factualidade dada como provada os elementos objectivos do tipo incriminador na medida em que o engano provocado ao Banco de Portugal não era antecedente nem causal do prejuízo sofrido pelo lesado, veio o acórdão proferido pela Veneranda Relação de Lisboa sustentar que os elementos objectivos e subjectivos do crime de burla se encontram todos preenchidos,

30. Afirmando - de forma inovadora - que a matéria de facto permite concluir que o próprio BPN é não só prejudicado, mas também ele próprio enganado, acrescentando que “O enganador são os arguidos que faziam parte do CA aprovaram formalmente os financiamentos sem correspondência com a realidade, o que era desconhecido do BPN já que apenas alguns dos membros do órgão Conselho de Administração sabiam o que se passava, o enganado é o BdP mas também o BPN, como se explicou. É que ao contrário do invocado pelos arguidos o Conselho de Administração, CA, não aprovou a atuação dos arguidos, pois apenas conhecia a aparência de negócios, os quais como sabemos eram simulados. A verdadeira atuação, intenção e partes do negócio eram desconhecidos do CA. Este aprovava financiamentos, mútuos, descobertos, que não correspondiam a qualquer realidade, faziam parte do esquema montando, engano astuciosamente criado, para poderem agir como queriam e usar o Banco para fins não permitidos por lei, causando prejuízos como apurado.”

31. Ora, na verdade, não constam da factualidade dada como provada factos capazes de suportarem tais afirmações constantes do acórdão recorrido.

32. Pelo que vem o arguido, em sede de recurso, invocar a nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP entendendo que a decisão assumida pelo Tribunal recorrido em 02.06.2021 não encontra suporte na factualidade dada como provada, não permitindo afirmar que existiram administradores do BPN que foram enganados e desconheciam o que se passava com os financiamentos concedidos, tendo o próprio Banco BPN sido enganado pelos arguidos, verificando-se, no caso concreto, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.

33. Acresce que o acórdão de 23 de Junho de 2021 padece de manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão.

34. Com efeito, na sequência da arguição de nulidade, por acórdão proferido em 23 de Junho de 2021, veio o Tribunal recorrido sustentar que uma vez que o arguido CC foi condenado na pena única de 10 anos de prisão, admitindo a decisão quanto a si recurso para o STJ, deveriam as nulidades ser invocadas nesse recurso, tendo, no mesmo acórdão e não obstante esta fundamentação, julgado não providas as nulidades invocadas por este recorrente.

35. Face ao exposto, entende o arguido padecer de nulidade esta decisão nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, por contradição insanável entre os fundamentos do Acórdão recorrido e a decisão nele tomada.

36.Afigurando-se, face a esta contradição, que deverá ser declarada a nulidade ora arguida e ordenada a baixa dos autos para que o Tribunal recorrido proceda à respectiva sanação.

37. Entende, ainda, o arguido que o acórdão ora recorrido padece do vício de falta absoluta de fundamentação no que respeita a decisão sobre a arguição da nulidade por falta de factos para a decisão sobre a verificação dos elementos objectivos e subjectivos da circunstância agravante qualificativa prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 218.º do CP.

38. Com efeito, invocado este vício decisório pelo recorrente, na medida em que não existe facto provado capaz de suportar a afirmação de que o arguido foi responsável pelo colapso do Banco ou pela sua nacionalização, nem que o arguido os haja querido ou haja sequer representado como possível, conformando-se com a ocorrência de tal possibilidade, que, em virtude da sua actuação, o BPN viesse a ficar em difícil situação económica, o Tribunal a quo limitou-se a afirmar que o Tribunal de 1.ª instância havia indagado todos os factos que lhe competia investigar, concluindo que a matéria de facto apurada, objectivamente analisada suporta e é suficiente para a solução jurídica encontrada.

39. Nada mais diz o acórdão sob recurso, ficando por esclarecer quais os factos dados como provados que, no juízo do Tribunal recorrido, permitem dar por preenchido, no caso vertente, a circunstância agravante qualificativa prevista na al. d) do n.º 2 do artigo 218.º do C.P.

40. Entende o recorrente que, o Tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, remetendo-se a juízos e afirmações genéricas e de caracter conclusivo que nada explicitam nem fundamentam, omite o cumprimento do dever de fundamentação a que se encontrava vinculado,

41. Pelo que, no entendimento do arguido, incorre o acórdão ora impugnado no vício de falta absoluta de fundamentação em violação do 97.º n.º 5 do CPP e do 374.º, n.º 2 do CPP.

42. Em todo o caso, sempre as normas contidas nos artigos 425.º n.º 4 conjugado com o artigo 379.º, n.º 1 al. c) do CPP, interpretadas no sentido de se considerar fundamentação suficiente pelo tribunal de recurso a afirmação de que o tribunal de 1.ª instância indagou todos os factos que lhe competia investigar, verificando-se que a matéria de facto apurada, objectivamente analisada suporta e é suficiente para a solução jurídica encontrada, sem permitir ao destinatário de tal decisão compreender em concreto o percurso valorativo do Julgador, deverão ser julgadas materialmente inconstitucionais por tal interpretação normativa contender com as garantias de defesa asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 1 da CRP nas quais se integra o direito ao recurso e o direito à tutela jurisdicional efectiva, violando, ainda, o princípio do processo justo e equitativo consagrado no artigo 20.º n. 4 da CRP e artigo 6.º da CEDH.

43. Entende, ainda, o recorrente que, no caso vertente, se encontra inquinada a fundamentação do acórdão na medida em que, na motivação da decisão se recorre a presunções judiciais para se darem como provados factos para além dos especificamente enumerados, pretendendo, através de tal procedimento dedutivo, colmatar o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, invocado pelos recorrentes.

44. Este procedimento viola frontalmente o disposto no artigo 424º n.º 3 conjugado com o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, limitando, de forma intolerável, o direito ao recurso e as garantias de defesa dos arguidos, em particular, o exercício do contraditório e o controlo da decisão em matéria de facto.

45. A enumeração dos factos provados e não provados exigida pelo artigo 374º do CPP é uma exigência constitucional na medida em que se integra na fundamentação (de facto) da decisão proferida.

46. O tribunal deve pronunciar-se sobre todos os factos constantes da acusação, da contestação, e, ainda, sobre os que resultem da discussão da causa relevantes para a decisão a proferir, devendo, necessariamente, pronunciar-se sobre os factos integradores do tipo objectivo e do tipo subjectivo de dado ilícito penal.

47. Estes factos não podem deixar de ser descritos na matéria de facto em conformidade com a prova produzida.

48. É pela enumeração dos factos que o arguido toma conhecimento sobre os factos que estão dados como provados e de que só aqueles factos e não outros foram dados como provados.

49. Ora, na operação de subsunção dos factos ao tipo legal de burla acolhido no artigo 217.º, n.º 1 do C. Penal, o acórdão sob recurso dá como assente que:

- A não actuação do BdP permite que se concretize o acto de disposição patrimonial;

- Na origem da actuação do BdP está o engano artificiosamente engendrado pelos arguidos;

- É o erro em que o BdP labora que não permite o exercício da actividade que impediria o prejuízo no BPN na medida em que tal actividade impediria a concretização ou a manutenção dos negócios;

- O engano foi intencional para obter do BdP um comportamento omissivo- o não exercício da sua actividade de sindicância e regulação-, sendo ainda intencional para levar o BdP a conformar-se com as informações prestadas decorrentes dos contratos simulados.

- O artifício não era conhecido do Conselho de Administração enquanto órgão do Banco;

- Apenas alguns dos membros do conselho de administração sabiam que o que estava a ser aprovado era o meio ou parte do meio enganoso, criado pelos arguidos, para poder enganar o supervisor, enganando também os restantes membros do CA;

- Os negócios subjacentes aos financiamentos não eram do conhecimento do Conselho de Administração nem do Banco;

- O enganador são os arguidos que faziam parte do CA, aprovaram formalmente os financiamentos sem correspondência com a realidade, o que era desconhecido do BPN já que apenas alguns dos membros do órgão conselho de administração sabiam o que se passava;

- O conselho de administração não aprovou a actuação dos arguidos, pois apenas conhecia a aparência de negócios, os quais eram simulados.

50. Tais factos não constam da enumeração dos factos provados, não obstante o Tribunal de recurso os ter valorado penalmente, destacando-os na fundamentação da decisão e reconduzindo-os ao comportamento abstractamente previsto na lei penal para o crime de burla.

51. Afigura-se que, na verdade, não obstante a posição assumida pelo Tribunal a quo no acórdão de 23 de Junho de 2021, se assistiu a uma alteração factual face aos factos dados como provados pelo tribunal em 1.ª instância, feita, porém, à revelia das garantias de defesa dos arguidos, em particular no que respeita ao exercício do contraditório.

52. É sabido que, nos termos do disposto no artigo 424º, n.º 3 do CPP, quando, na própria fase de recurso, se apuram novos factos, ainda que extraídos por presunções judiciais dos factos já dados como provados, é admissível a alteração dos factos e da sua qualificação jurídica, desde que salvaguardadas as garantias de defesa dos arguidos, designadamente mediante o exercício do contraditório.

53. Nestas garantias encontra-se, nos termos deste normativo, a obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, sendo-lhe concedido o prazo de dez dias para, querendo, se poder pronunciar.

54. Ora, no caso vertente, os novos factos foram adquiridos pelo tribunal de recurso a partir dos factos provados no acórdão proferido pela 1.ª instância, sem que, na realidade, o tribunal de recurso haja operado uma qualquer alteração na descrição factual contida no elenco dos factos provados e haja permitido aos intervenientes processuais o exercício do contraditório nos termos do disposto no artigo 424.º n.º 3 do CPP.

55. Afigura-se que a interpretação normativa acolhida pelo Tribunal a quo do artigo 424.º, n.º 3, do CPP dispensando o exercício do contraditório perante a aquisição por parte do tribunal de recurso de novos factos como factos provados com recurso a presunções judiciais extraídas dos factos provados, se apresenta como materialmente inconstitucional.

56. Consagra, assim, o acórdão ora sob recurso, uma interpretação inconstitucional do artigo 424.º n.º 3 conjugado com o artigo 374.º n.º 2 do CPP na medida em que permite ao Tribunal de recurso a subsunção dos (novos) factos ao tipo legal incriminador, de forma encoberta, sem expressa alteração da matéria de facto.

57. Acresce que, sob pena de falta absoluta de fundamentação, há que deixar esclarecido, em cada caso concreto, quais os factos base que permitem fundamentar o juízo de inferência sobre os novos factos adquiridos, constituindo a essência da prova indiciária a conexão entre o facto–base e o facto-consequência.

58. No caso vertente, estes novos factos são convocados pelo Tribunal de recurso por forma a alicerçar a valoração jurídico-penal constante do acórdão, sem que se perceba quais os factos indiciários de que foram extraídos, e, nessa medida, o acórdão proferido padece de nulidade por falta absoluta de fundamentação nos termos do disposto nos artigos 425.º n. 4, 379.º, n.º 1 al. a) e 374.º n.º 2 do CPP.

59. Acresce, por último, que os recorrentes vieram requerer ao Tribunal a quo a reapreciação da prova e a alteração da factualidade dada como assente com base no artigo 412.º n.º 3 e 4 do CPP.

60. Entendeu, porém, o Tribunal de recurso que o “art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, visa remediar erros de julgamento clamorosos, como sejam um facto considerado provado com base num depoimento de uma testemunha que não depôs sobre o mesmo ou que afirmou o contrário, com base num documento que não respeite a esse facto ou com base em perícia que aponte em sentido diverso sem que o seu valor probatório tenha sido afastado pelo tribunal.”

61. Entendeu, assim, o Tribunal que apenas se encontrava vinculado a averiguar a lógica e coerência da fundamentação constante do acórdão recorrido, omitindo uma verdadeira reapreciação e análise crítica da prova sobre os pontos concretos da matéria de facto impugnados pelos ora recorrentes.

62. Através da acima enunciada interpretação do artigo 412.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, dispensou-se o Tribunal de recurso, de efectuar a análise crítica das provas indicadas pelos recorrentes no recurso da matéria de facto, entendendo que “O legislador não pretende a repetição do julgamento ou a substituição de uma convicção por outra.”

63. O princípio da tutela jurisdicional efectiva e o direito ao recurso constitucionalmente consagrados não se bastam com uma interpretação restritiva das normas acolhidas no artigo 412.º n.º 3 e 4 do CPP por forma a restringir a intervenção do Tribunal superior à correcção dos casos de erro clamoroso pelo tribunal recorrido na apreciação dos meios de prova.

64. Afigura-se, assim, que a interpretação normativa das normas previstas no artigo 412.º n. 3 e 4 do CPP, acolhida pelo Tribunal de recurso, padece de inconstitucionalidade material na medida em que limita o direito ao recurso constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

65. Pelo exposto, os artigos 412.º, n.ºs 3 e 4 e 374.º, n.º 2, do CPP, interpretados no sentido de o recurso dos arguidos sobre matéria de facto, mesmo em casos em que seja aplicada pena de prisão efectiva, não impor ao Tribunal de recurso que proceda a um novo julgamento dos pontos indicados pelos Recorrentes, através de um efectivo exame crítico das provas para o efeito especificamente indicadas pelo mesmo, de forma a que lhe seja permitido alterar a decisão recorrida com fundamento em erros de apreciação que não sejam clamorosos, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

66. Verifica-se, ainda, nulidade do douto acórdão proferido, prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por ausência de análise crítica da prova produzida e especificada pelos recorrentes nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, em violação do disposto neste artigo, mas igualmente do artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

67. Entende o recorrente que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ora recorrido, ao sustentar a tese da burla cometeu erro de julgamento pois não aplicou correctamente o direito à factualidade provada, não fazendo correcta interpretação e aplicação dos artigos 217º n.º 1 e 218º n.º 2 als. a) e d) do Código Penal.

68. Assim, para o acórdão recorrido, o acto de disposição ou deslocação patrimonial que consubstancia o prejuízo é o financiamento concedido em cada um dos negócios em causa.

69. E o engano descrito agora no acórdão recorrido é não apenas o engano do Banco de Portugal na medida em que este ignorava a existência de tais financiamentos, porque concedidos através do Banco Insular ou porque ignorava que, em simultâneo, com estes financiamentos dirigidos à aquisição de activos, o BPN estava a assumir, em paralelo, a obrigação de compra futura desses mesmos activos, pelo que, do ponto de vista material ou substantivo, se tratava de financiamento concedido ao Grupo, sendo o risco do próprio Grupo SLN/BPN,

70. Como é, em simultâneo, o engano do próprio BPN, já que no conselho de administração se aprovavam formalmente financiamentos para negócios simulados, sem correspondência com a realidade, já que apenas alguns dos membros do órgão Conselho de Administração sabiam o que se passava.

71. Ora esta tese acolhida pelo Tribunal a quo por um lado, no que respeita ao engano sobre o Banco de Portugal, não se revela ajustada aos elementos típicos da burla, e, por outro, no que respeita ao engano sobre o BPN não tem suporte nos factos provados no processo.

72. Assim, quando se sustenta que o Banco de Portugal foi o enganado e que ao não actuar no exercício da sua competência de entidade reguladora e de supervisão dado o erro em que incorria, deu causa à lesão patrimonial, importa ter presente que no crime de burla surgem dois elementos essenciais: o prejuízo patrimonial e o engano, estabelecendo-se entre os vários elementos do tipo uma relação de causalidade de tal forma que o engano ou erro é consequência de uma conduta astuciosa, o acto de disposição patrimonial, consequência do erro ou engano criado, e, o prejuízo, consequência do acto de disposição.

73. O erro ou engano, criado na vítima, de forma astuciosa, constitui o meio típico para a determinação à deslocação patrimonial.

74. O essencial do crime de burla é a instrumentalização da vítima, a sua indução, através de erro ou engano astuciosamente provocado, a um acto de disposição patrimonial, prosseguindo o agente um intuito de enriquecimento ilícito.

75. O engano deve ser precedente e causal face ao acto de deslocação patrimonial, de forma que se possa afirmar ter sido este gerado por aquele.

76. O sujeito passivo realiza a deslocação ou disposição patrimonial em virtude do erro em que incorre.

77.O engano típico da burla não pode assim deixar de ser um engano antecedente ao acto de deslocação patrimonial.

78. Há que reconhecer que no caso vertente, o erro causado no Banco de Portugal surge num segundo momento face ao acto de disposição patrimonial.

79. Primeiro, foi concedido o crédito e assumida pelo BPN a obrigação de compra do activo que suportou a concessão de financiamento e só depois, no âmbito da obrigação de informação prestada ao supervisor sobre os créditos concedido, é comunicado o financiamento ao Banco de Portugal.

80. O erro ou engano do Banco de Portugal não foi causa do acto de disposição patrimonial por parte do BPN.

81. O acto de disposição patrimonial não foi causado pelo engano.

82. Não basta a verificação cumulativa de um engano e de um prejuízo para se dar como preenchido o tipo de burla.

83. Não houve engano do Banco de Portugal que constituísse causa de acto de disposição patrimonial,

84. Não existiu qualquer engano antecedente, causal e bastante do Banco de Portugal relativamente ao alegado prejuízo sofrido pelo BPN.

85. E no que se reporta ao BPN, terá existido engano causal do acto de deslocação patrimonial?

86. Em primeiro lugar, não se pode aceitar a alteração factual introduzida de forma dissimulada pelo Tribunal a quo, ao arrepio das garantias de defesa do arguido, que é confrontado no acórdão ora impugnado com uma descrição da acção de execução do crime que não tem correspondência na enumeração da factualidade assente e sem que lhe haja sido concedido o direito de exercer o contraditório sobre tal alteração.

87. Como acima se deixou sublinhado, entende-se que padece de nulidade esta alteração factual, dissimulada e encoberta, sendo, em consequência, nulo o próprio acórdão proferido pela Veneranda Relação de Lisboa,

88. Ao contrário do que no acórdão impugnado veio o Tribunal recorrido sustentar, nos negócios que integram o objecto do presente processo, não se assistiu a um qualquer engano do BPN SA,

89. Não resulta da factualidade provada que o BPN não pretendesse financiar os arguidos nos termos em que o fez, que não haja pretendido renovar o descoberto bancário anteriormente concedido pelo presidente do Banco ou não haja pretendido celebrar os contratos de mútuo ou os contratos promessa de compra e venda.

90. Não resulta de qualquer ponto dos factos provados que o BPN haja incorrido num qualquer erro ou engano sobre os montantes financiados ou as condições acordadas em cada um dos contratos celebrados.

91. A própria factualidade dada como provada é bem clara ao referir as deliberações do órgão máximo de gestão do BPN sobre cada um dos negócios.

92. Como ultrapassar, sem compromisso da tipicidade da burla, a efectiva vontade do BPN S.A., expressa pelo respectivo conselho de administração, de conceder os financiamentos em causa?

93. Verificado o acordo do BPN e ainda que se mostrassem verificados os elementos integradores do tipo de burla, sempre haveria que reconhecer a exclusão da tipicidade do comportamento.

94. Entende, pois, o arguido que, na interpretação normativa do tipo legal do crime de burla previsto no artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, sustentada pelo Tribunal de recurso, prescinde-se, à semelhança do que sucedera com a interpretação normativa deste preceito legal acolhida no acórdão da 1.ª instância, da exigência de um engano precedente e causal face ao acto de deslocação patrimonial, de forma que se possa afirmar ter sido este gerado por aquele.

95. Refere, aliás, expressamente o acórdão proferido: “é o erro em que o BdP labora que não permite o exercício da actividade que impediria o prejuízo no BPN, na medida em que tal actividade impediria a concretização ou manutenção dos negócios (…).”

96. Como o Tribunal de recurso reconhece, primeiro assistiu-se a um descoberto inicial, que depois era ratificado em conselho de administração, formalizando-se um mútuo como se efectivamente se tratasse de um financiamento a favor de terceiros estranhos ao Grupo, omitindo-se ao Banco de Portugal a obrigação de compra que, em simultâneo, fora assumida.

97. A interpretação normativa do artigo 217º, n.º 1, do Código Penal acolhida no acórdão reclamado ultrapassa a moldura hermenêutica consentida pelas palavras da lei, admitindo o preenchimento dos elementos essenciais do tipo penal do crime de burla quando o erro ou engano (causado ao Banco de Portugal) surge em momento posterior ao acto de deslocação patrimonial.

98. E, nessa medida, a interpretação e aplicação do artigo 217º, n.º 1, do C. Penal acolhida no acórdão reclamado ultrapassa os limites impostos pela Constituição, padecendo de inconstitucionalidade material por ofensa ao princípio da legalidade criminal com a consequente proibição de aplicação analógica de normas incriminadoras.

99. O mesmo, aliás, se diga da interpretação acolhida sobre o alegado engano do conselho de administração, que, nos termos sustentados no acórdão em análise, é confrontado a posteriori, isto é, após a concessão de um financiamento inicial sob a forma de descoberto bancário, e vem ratificar tal financiamento sob engano.

100. Caso os factos provados permitissem dar suporte a esta afirmação - o que, no entendimento do ora recorrente, não sucede - também aqui haveria que reconhecer que, primeiro, se assistiu à concessão do financiamento e só depois, já num segundo momento, teria ocorrido o engano dos administradores chamados em conselho de administração a ratificar a concessão de crédito já verificada.

101. Entende o recorrente que uma interpretação correcta do artigo 217º n.º 1 do Código Penal, conforme à Constituição, orientada pelo princípio da legalidade e pelos princípios que regem o Direito Penal num Estado de Direito democrático, não permite concluir pela verificação dos elementos integradores do tipo de burla.

102. O prejuízo é também um elemento essencial ao crime de burla e consistirá numa lesão no património entendido como conjunto de relações jurídico-patrimoniais susceptíveis de avaliação económica.

103. O momento em que deverá ser ponderada o prejuízo patrimonial é o momento da disposição patrimonial.

104. Veio o arguido invocar, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que do acórdão proferido pela 1.ª instância não se conseguia apreender, com o mínimo de rigor e congruência, qual o momento em que o referido prejuízo se consumou nem é perceptível, face aos factos provados, qual o critério acolhido para a determinação concreta do prejuízo.

105. E tendo suscitado esta questão, a mesma veio a ser respondida pelo Tribunal recorrido com a afirmação de que o prejuízo para o BPN consumou-se com o momento da verificação dos descobertos bancários, na maioria das situações anteriores à data da sua aprovação, no momento da entrega dos valores supostamente mutuados.

106. Ora, mais uma vez fica claro que também na tese da burla acolhida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o acto de deslocação patrimonial causador do prejuízo é anterior ao engano causado, seja ao Banco de Portugal, seja ao próprio conselho de administração do Banco BPN, que apenas tem intervenção em sede de ratificação do descoberto.

107. Veio o acórdão recorrido manter a condenação do recorrente pela prática, em concurso real, de dois crimes de burla qualificada p.e p. pelos arts. 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, als. a) e d) do Código Penal na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles, a que correspondeu em cúmulo jurídico, a condenação na pena única de dez anos de prisão.

108. Não se conforma o recorrente com esta decisão, entendendo que a mesma viola o artigo 30º n.º 1 do Código Penal.

109. Com efeito, embora concedendo que não se esteja no caso vertente perante um crime continuado, dado não se assistir a um quadro      de uma mesma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa ou haja tornado menos exigível actuação distinta por parte do recorrente, a verdade é que também não se verifica realização plúrima de crimes capaz de permitir a condenação do recorrente pela prática de dois crimes de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º e 218º, n.º 2, als a) e d) do Código Penal.

110. Resulta da factualidade dada como provada que a actividade do arguido é animada por uma unidade de resolução, com uma finalidade comum, assumida de forma inicial e unificadora.

111. Todos os actos praticados pelo arguido se reconduzem ao mesmo tipo de ilícito, violando o mesmo bem jurídico,

112. E, em todos eles, o prejudicado é o mesmo.

113. Os actos foram praticados pelo mesmo grupo de arguidos ligados ao Banco, existindo uma homogeneidade na realização e nos propósitos dos mesmos.

114. Existiu igualmente um idêntico modus operandi, devendo a actuação do ora recorrente - caso venha a ser mantida a subsunção no tipo legal da burla, o que apenas por cautela de raciocínio aqui se admite-, ser qualificada como crime de execução continuada e não como prática de concurso real e efectivo de crimes.

115. Pelo que ao subsumir os factos provados a dois crimes de burla, que entendeu praticados em concurso real, violou o Tribunal “a quo” o artigo 30.º, n.º 1, do CP.

116. Veio, ainda, o arguido perante a Veneranda Relação de Lisboa defender que as penas parcelares aplicadas eram excessivas e, nessa medida, violadoras do disposto no artigo 71.º do CP.

117. O Tribunal a quo veio, no entanto, manter as penas aplicadas pela 1.ª instância, aderindo à fundamentação expressa no acórdão proferido por aquele Tribunal.

118. Tornando-se evidente a violação do princípio da proibição do excesso, da adequação e da proporcionalidade uma vez que estes factos são estranhos ao processo, encontrando-se o Tribunal a quo vinculado, na apreciação da correcção da determinação da medida da pena levada a efeito pela 1.ª instância, a tomar em consideração apenas a gravidade e a ilicitude dos factos pelos quais o recorrente foi julgado.

119. Caso o Tribunal a quo na apreciação das penas parcelares aplicadas ao arguido tivesse tomado em consideração apenas os factos que constituem o objecto do presente processo, não teria deixado de valorar a favor do arguido a ausência de antecedentes criminais, o tempo decorrido sobre os factos, o próprio contexto em que ocorreram, num ambiente de optimismo sistémico e de feroz concorrência, marcado por práticas negociais sem adequado suporte em rácios de capital adequados e num cenário de regulação não intrusiva.

120. Teria ainda tido presente que muitos dos factos provados imputados ao recorrente tiveram lugar quando este não exercia funções executivas no âmbito da administração da SLN, encontrando-se numa posição de dependência hierárquica e funcional.

121. Que o recorrente mantém desde a sua saída do BPN uma conduta adequada ao Direito, encontrando-se a trabalhar, plenamente inserido a nível social e profissional,

122. Que o arguido revela parâmetros de inserção social e profissional, mantendo desde 2008 um comportamento adequado ao direito;

123. Afigura-se, ainda, que o Tribunal a quo violou o artigo 71º do Código Penal quando tomou em consideração circunstâncias que fazem parte do tipo penal imputado ao arguido, valorando-as novamente agora na determinação da medida concreta da pena.

124. Com efeito, os factos que preenchem o elemento objectivo das circunstâncias agravantes qualificativas previstas nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 218º do CP foram ponderadas também em sede da determinação da medida concreta da pena, em violação do princípio da proibição da dupla valoração.

125. Decorre do ponto 910 dos factos provados que o recorrente se encontra plenamente inserido quer a nível familiar quer a nível social, o que foi pelo acórdão recorrido ponderado em seu desabono, em clara violação do disposto no artigo 71º do CPenal.

126. Também factores como a ausência de antecedentes criminais, a circunstância de se tratar de factos praticados há mais de 14 anos, a plena integração social e profissional do recorrente, não existindo qualquer dúvida quanto ao seu posicionamento perante a vida em sociedade e as suas regras de conduta, não foram tomados em consideração em abono do arguido em violação do disposto no artigo 71.º do CP.

127. Entende, pois, o arguido que o Tribunal da Relação de Lisboa, mantendo as penas parcelares aplicadas pelo acórdão proferido pela 1.ª instância, e aderindo na íntegra à fundamentação nele apresentada, acolhe uma interpretação normativa do artigo 71.º, n.º 1 e 2, do CP, materialmente inconstitucional na medida em que resultou violado o princípio da necessidade e da proibição do excesso acolhido no artigo 18.º n. 2 da CRP.

128. Com efeito, encontrava-se o Tribunal a quo numa interpretação do artigo 71.º do CP conforme à Constituição vinculado a valorar todas as circunstâncias atenuantes gerais que relevassem a favor do arguido.

129. Factores como a formação académica, a plena integração social, familiar e profissional, a ausência de antecedentes criminais e até o tempo decorrido sobre a data dos factos, que, no caso vertente, ultrapassa 14 anos, não devem deixar de relevar em abono do arguido, na medida em que diminuem as exigências da prevenção especial, levando a valorar os actos ilícitos em causa como actos isolados de uma vida marcada, no essencial, por uma actuação conforme ao direito

130. Invocou o arguido perante a Veneranda Relação de Lisboa que se mostrava excessiva a pena aplicada em cúmulo jurídico, justificando-se uma intervenção correctiva com maior compressão da pena resultante do cúmulo, padecendo a decisão sob recurso de erro de julgamento por violação do disposto no artigo 77.º do CP.

131. Ora a verdade é que o Tribunal a quo deixa por analisar a medida da pena única aplicada, limitando-se, mais uma vez, a aderir à decisão da 1.ª instância, afirmando que as penas aplicadas se encontram suportadas nos factos apurados em termos de dolo, ilicitude e culpa, mais referindo que se mostra terem sido ponderados pela 1.ª instância “os aspetos relativos à pessoa e condições familiares, laborais e sociais dos recorrentes, em termos de prevenção especial, não podendo ser aplicadas penas mais reduzidas em atenção à necessidade de prevenção geral”.

132. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo deixou efectivamente por apreciar a medida da pena única aplicada em sede de cúmulo jurídico, já que, como decorre directamente do disposto no artigo 77.º do CP, a determinação desta pena unitária obedece a uma especificidade própria, sendo determinante a ponderação da própria personalidade do arguido enquanto elemento essencial na determinação da pena aplicável aos vários crimes.

133. Não se encontra assim no acórdão sob recurso qualquer consideração sobre a fundamentação da aplicação da pena conjunta de dez anos de prisão efectiva face ao critério especial contido no artigo 77.º n.º 1 do CP.

134. Entende o arguido verificar-se, no caso vertente, o vício da omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, revelada pela circunstância de o acórdão impugnado não invocar sequer o artigo 77.º do CP no julgamento dos recursos apresentados, padecendo o acórdão recorrido de nulidade face ao disposto no artigo 379., n.º 1 al. c) conjugado com o artigo 425.º n. 4 do CPP.

135. Caso, porém, não venha a ser assim entendido, afigura-se, em todo o caso, que a fixação da pena única de dez anos de prisão efectiva não respeita os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, não se mostrando adequada à ponderação da culpa concreta global e às exigências preventivas.

136. Finalmente, cumpre afirmar que não se conforma o recorrente com a sua condenação nos pedidos de indemnização apresentados pelo Banco Bic Português, S.A., e pela Parvalorem, mantida pelo Tribunal recorrido.

137. Desde logo, porque entende que não se verificam os elementos integradores do crime de burla qualificada por que foi condenado, devendo, em consequência, ser absolvido do pedido de condenação no pagamento de indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual.

138. Afigura-se, ainda, que não existe prejuízo na esfera jurídica do BIC que imponha a obrigação de indemnização.

139. Com efeito, o prejuízo sofrido pelo BPN S.A. nos negócios que envolvem o ora recorrente, corresponde, no fundo, ao montante dos financiamentos concedidos aos arguidos GG, HH e sociedades por estes controladas,

140. Os créditos emergentes dos mencionados financiamentos foram pagos, como expressamente reconhecido no Acórdão proferido pela 1.ª instância e mantido pelo Tribunal recorrido, pela Parvalorem, já em 2010.

141. O que não pode ser desconsiderado na apreciação dos pedidos de indemnização civil deduzido pelo Banco BIC Português S. A. sob pena de enriquecimento ilegítimo,

142. Afigura-se, ainda, que ao reconduzir o prejuízo ao montante do financiamento, o acórdão recorrido está a conhecer da responsabilidade contratual emergente dos financiamentos concedidos, extravasando a sua competência,

143. Acresce, ainda, que deixa por determinar em cada um dos negócios a que directamente as indemnizações fixadas se reportam, o momento em que se consumou o eventual prejuízo,

144. Ou mesmo como é que determinou o prejuízo e, sobretudo, a que momento é que o determinou, padendo, nesta sede, o acórdão recorrido, de nulidade por falta absoluta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379.º n. 1 al. c) do CPP.

145. E, muito embora o acórdão recorrido haja determinado que seja tomado em consideração no quantum indemnizatório fixado pelo tribunal em 1.ª instância os valores entretanto recebidos, entregues pelos co-arguidos que beneficiaram dos financiamentos concedidos, a verdade é que apenas manda atender apenas ao valor imputado a parte dos bens que foram entregues e não a todos os bens entretanto já entregues,

146. Não se mostra apurado nos autos o valor entregue por estes arguidos que não emergia directamente dos bens envolvidos nos negócios que constituem o objecto dos autos, não obstante a sua manifesta relevância para o cômputo dos danos já indemnizados e para a apreciação da responsabilidade penal de todos os arguidos condenados pelo seu envolvimento nos negócios em causa.

147. Não tendo o Tribunal a quo perante a prova da reparação parcial dos danos, ocorrida na pendência do recurso, dela tirado qualquer consequência em sede de valoração da responsabilidade penal dos arguidos, entre os quais o recorrente, por entender que o facto de ter ocorrido já na fase de recurso lhe retiraria relevância em termos jurídico-penais.

148. Nesta sede, afigura-se que a interpretação do artigo 431º do CPP acolhida pelo Tribunal a quo no sentido de não poder o tribunal de recurso dar como provados factos novos provados por documentos supervenientes ao encerramento do julgamento de 1.ª instância comprovativos da reparação parcial do prejuízo sofrido pelo lesado de crime de natureza patrimonial se apresenta como materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e das garantias de defesa do arguido acolhido no artigo 32.º n. 1 da CRP.

149. Afigura-se, ainda que a interpretação do artigo 431º do CPP acolhida pelo Tribunal a quo no sentido de a reparação parcial dos danos sofridos pelas vítimas de crimes patrimoniais ocorrida na fase de recurso e comprovada nos autos por documento não ter qualquer relevância em sede de ponderação da responsabilidades penal se apresenta como materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e das garantias de defesa do arguido acolhido no artigo 32.º n. 1 da CRP.

150. Afigura-se que, também nesta matéria, existe erro de julgamento por violação das normas que regem a responsabilidade civil extracontratual no que se reporta à existência de prejuízo a indemnizar, e, subsidiariamente, no que respeita ao cálculo dos danos a indemnizar.

151. Ainda no que respeita ao pedido de indemnização civil deduzido pela Parvalorem cumpre antes de mais sublinhar que a mesma deduziu um pedido de indemnização suportado na prática de um crime sendo que a mesma é apenas titular de um crédito de natureza contratual, em virtude de contrato de cessão de créditos celebrada com o Banco BIC,

152. Sendo que o crédito em causa, adquirido por via do mencionado contrato de cessão de créditos, não é nem nunca foi um crédito sobre o ora arguido.

153. Pelo que se impõe reconhecer que não assiste legitimidade à Parvalorem para reclamar indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual.

154. De qualquer forma, entende o recorrente que não incorreu na prática dos crimes que lhe foram imputados, impondo-se assim a sua absolvição do pedido de indemnização civil contra si deduzido.»


b) EE


«1. O presente recurso visa a reapreciação do douto Acórdão condenatório, datado de 2.06 1, em todos os segmentos decisórios em que condenou o ora Recorrente, devidamente citados na motivação supra, visando ainda a reapreciação do douto Acórdão, datado de 23.06.2021, na parte em que decidiu “I – a) - Julgar não provadas as nulidades invocadas pelos arguidos EE, (…).”, entendendo-se ambas as decisões como a unidade decisória recorrida.

[§1] – QUANTO À QUESTÃO DO “NE BIS IN IDEM”.


1. Conforme consta do recurso interposto pelo Arguido para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no mesmo o Recorrente invocou, desde logo, a violação do princípio “ne bis in idem” por considerar que está, no âmbito dos presentes autos, a ser julgado por factos pelos quais já foi julgado e condenado (ainda que por decisão não transitada em julgado) no âmbito do processo crime 4910/08...., que actualmente corre termos junto do STJ.


2. Além da expressa invocação do princípio “ne bis in idem” efectuado pelo Arguido, ora Recorrente, no seu recurso para o TRL, o mesmo apresentou em 15.05.2021, requerimento dirigido àquele Tribunal, instruído com 8 documentos, onde, designadamente, requereu:
“(…) a extinção do procedimento criminal instaurado nos presentes autos contra o Arguido, ora Requerente, relativamente aos dois crimes pelos quais vem condenado, com fundamento, no que concerne ao caso julgado que se formou no processo 41/12.5... que correu Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão no disposto no artigo 79.º, n.º 2, da RGCO, na sua interpretação conforme aos artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5 da CRP, 4.º do Protocolo 7 adicional à CEDH, 14.º, n.º 7, do PIDCP e 50.º da CDFUE.”,

“Para esse efeito,” que fosse “determinada a instrução dos autos certidão a extrair do processo n.º 41/12.5... que correu Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão onde conste a data da instauração do processo administrativo que correu perante o BdP com o n.º 10/08/CO, o teor da acusação e da decisão administrativa do BdP, o teor da douta Sentença de 1.ª Instância e do douto Acórdão de 2.ª Instância, bem como, o teor das decisões que tenham determinado (i) a extinção, por cumprimento, do segmento daquele processo no que diz respeito à sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedade financeiras por um período de 10 (dez) anos aplicada ao Arguido, ora Requerente, e data do seu trânsito em julgado, e (ii) o teor das decisões que declararam a extinção do procedimento  contraordenacional, por prescrição, do segmento daquele processo relativo às sanções aplicadas ao Requerente a título principal pela prática das três contra-ordenações pela quais foi condenado, certificando-se ainda a data do trânsito em julgado da decisão que apreciou os factos enquanto contra-ordenação.”


“Independentemente do acima requerido, requer a V.ª Ex.ª se digne ordenar a extinção do procedimento criminal instaurado nos presentes autos contra o Arguido, ora Requerente, relativamente aos dois crimes pelos quais vem condenado, com fundamento no julgamento prévio do Arguido no âmbito do processo penal n.º 4910/08.... e com base nos artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5 da CRP, 4.º do Protocolo 7 adicional à CEDH, 14.º, n.º 7, do PIDCP e 50.º da CDFUE.”;


“Para esse efeito, requer que seja determinada a instrução dos autos com certidão a extrair do processo n.º 4910/08.... que corre actualmente junto da ... Secção do Supremo Tribunal de Justiça onde conste o teor das decisões condenatórias aí proferidas pela 1.ª Instância e pelo TRL e do douto despacho datado de 4.02.14 (que declarou impedida a ali testemunha FF com fundamento no artigo 133.º, n.º 1, do CPP), com a certificação do trânsito em julgado desta última decisão, certificando-se ainda o estado daqueles autos que correm termos pela ... Secção do STJ.”


3. Sobre os acima citados pontos do requerimento em causa veio a pronunciar-se o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, através do douto Acórdão condenatório, datado de 2 de junho de 2021, onde se indeferiu a requerida extinção do procedimento criminal instaurado contra o Arguido, a junção aos autos das certidões judicias requeridas, ordenando-se ainda, em violação do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, o desentranhamento dos documentos oferecidos pelo Arguido, que eram relevantes para a boa decisão da causa (no que ao “ne bis in idem” diz respeito) e a resposta à promoção do MP oferecida pelo Arguido com o requerimento com a ref.ª ...15, assim se negando ao Arguido o direito a pronunciar-se sobre os fundamentos aduzidos pelo MP que promoveram o desentranhamento daqueles documentos, em violação do princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, da CRP).

4. Para tal, o Tribunal “a quo” aduziu os fundamentos que constam a fls. 2450 e ss do douto Acórdão condenatório recorrido, que aqui se dão como reproduzidos e constam citados na motivação “supra”, considerando o Recorrente que se verificam diversos fundamentos que obstam à manutenção do aí decidido.

[§1.1] - DA IRREGULARIDADE PROCESSUAL POR VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO QUANTO À INVOCADA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO “NE BIS IN IDEM” (NO QUE SE REFERE AO PROCESSO CRIME 4910/08.... PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO N.º 10/08/CO). 


5. No douto Acórdão condenatório o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (doravante TRL) afastou a invocada violação daquele princípio constitucional e de direito internacional.


6. Para tal aderiu o TRL a entendimentos que deixou, contudo, de fundamentar e ou fundamentou de forma legalmente insuficiente para que o Arguido possa compreender as razões do aí decidido, o que se torna, designadamente, necessário para impugnar (de forma esclarecida) o douto Acórdão recorrido no que a quatro pontos/aspectos da fundamentação diz respeito e, assim, ao exercício pleno do seu direito ao recurso sobre aquela decisão, tendo por requerimento que apresentou em 22.06.21 vindo arguir a irregularidade processual daí decorrente, conforme requerimento que apresentou junto do TRL em 22.02.21, invocando em síntese que “Ao julgar como julgou, com referência aos quatro pontos/aspectos da fundamentação acima expressamente identificados, de onde decorreu o entendimento do TRL sobre a declarada não violação do princípio “ne bis in idem”, violou o douto Acórdão condenatório, datado de 2 de Junho de 2021, ora reclamado, os artigos 97.º, n.º 5 e 205.º da CRP, o que constitui irregularidade processual que se deixa arguida e se requer que seja declarada.”.


7. Tendo aí requerido ao Tribunal “a quo” que fosse proferido “Acórdão que declare a acima arguida irregularidade processual por violação praticada pelo douto Acórdão reclamado dos artigos 97.º, n.º 5 e 205.º da CRP, com referência aos quatro pontos/aspectos acima identificados da fundamentação de onde decorreu o entendimento do TRL sobre a não violação do princípio “ne bis in idem”.” e “que, para se proceder à sanação da ora arguida irregularidade processual, profira o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa douto Acórdão que contenha fundamentação adicional à constante do douto Acórdão condenatório quanto aos pontos/aspectos da fundamentação acima expressamente especificados.”


8. Sobre a irregularidade processual, assim arguida pelo ora Recorrente, não se pronunciou o Tribunal “a quo” através de decisão que fosse notificada ao Arguido, ora Recorrente, até à data da apresentação do presente recurso.


9. Tal arguição deverá ser considerada tempestiva nos termos do artigo 105.º, n.º 1, do CPP, por desaplicação do artigo 123.º, n.º 1, do CPP (operada nos termos do artigo 204.º da CRP), interpretado no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contado da notificação de Acórdão da Relação de grande dimensão, prolatado em processo de declarada especial complexidade, que conheça do pedido de indemnização civil e aplique pena de prisão efectiva, sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição, por violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1 da Constituição, conforme se aguarda que o TC venha a decidir (em recurso entretanto interposto do douto Ac. do TRL de 23.06.21 no segmento em que não deu provimento à reclamação da Decisão singular de 9.06.21), pelo que deverá ser reconhecida pelo STJ essa mesma irregularidade (ainda que de forma oficiosa nos termos do n.º 2, do artigo 123.º do CPP), por se verificar, de facto, a violação do artigo 97.º, n.º 5 do CPP e do artigo 205.º da CRP, como exaustivamente evidenciado pelo Recorrente no seu requerimento de 22.06.21;


De facto:


10. A exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais tem uma função não apenas endoprocessual, mas também dirigida ao exterior do processo: ela visa explicitar a ponderação que integrou o juízo decisório e permitir às partes – no caso, ao arguido – o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a possibilidade de optar pela reacção (impugnatória ou não) que entendam mais adequada à defesa dos seus direitos (e por esta via, a obrigação de fundamentação possibilita também, mediatamente, o exercício do direito ao recurso que possa caber no caso) (Ac. do TC n.º 784/05).


11. Contudo, no douto Acórdão condenatório o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (doravante TRL) para afastar a invocada violação do princípio constitucional e de direito internacional “ne bis in idem” aderiu a entendimentos que deixou, contudo, de fundamentar e ou fundamentou de forma legalmente insuficiente para que o Recorrente possa compreender as razões do aí decidido, o que se torna, designadamente, necessário para impugnar (de forma esclarecida) o douto Acórdão recorrido no que a quatro pontos/aspectos da fundamentação diz respeito e, assim, ao exercício pleno do seu direito ao recurso sobre aquela decisão.


12. 1.º Ponto: Considerou o Tribunal “ a quo” ser de aderir ao entendimento expresso pelo TRL no douto Acórdão proferido no processo 4910/09...., que (quanto à questão da violação do “ne bis in idem”) cita integralmente e onde se afastou a violação do princípio com base na sobreposição entre aquele processo crime e o processo de contra-ordenação do BdP, concluindo-se que tal sobreposição punitiva respeitava ainda (no caso daqueles dois processos e com base nos argumentos aí aduzidos) os critérios fixados no Acórdão A. e B. contra Noruega;


13. Porém, quanto à invocada violação do princípio decorrente da sobreposição do presente processo crime ao processo de contra-ordenação do BdP (já findo através de decisão judicial transitada em julgada), o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, embora tenha aderido ao entendimento expresso no douto Ac. do TRL prolatado no processo 4910/08.... e, assim, à jurisprudência do TEDH mais recentemente acolhida no Acórdão A. e B. contra Noruega, não fundamentou, à luz dos critérios fixados naquele mesmo Acórdão, o seu aparentemente entendimento de que “estes processos [leia-se, os presentes autos e o processo de CO do BdP] têm essa relação temporal e material, [e que por isso] não existirá «repetição de processos ou de penas (bis)»”;


14. O que o douto Acórdão do TRL em que se estribou o Acórdão recorrido efectuou (ainda que de forma que não merece a concordância do arguido) no que se refere à possibilidade de sobreposição do processo 4910/08.... ao referido processo de contra-ordenação.


15. Assim, salvo o devido respeito, verifica-se neste ponto a insuficiente fundamentação da decisão recorrida que deveria como oportunamente requerido pelo Recorrente, para melhor fundamentação do decidido, especificar:


a) porque concretos fundamentos entendeu o Venerando Tribunal da Relação que, no confronto entre os autos e o processo de CO do BDP, “não é [o princípio do “ne bis in idem”] violado pelo cúmulo de processos penais e administrativos sancionatórios,”; e


b) de que concretos elementos de facto extraiu o TRL o entendimento de que, também quanto a estes dois processos [leia-se, o processo 121/08 e o CO do BdP] existirá uma relação material e temporal suficientemente estreita entre eles.”, uma vez que o TRL aderiu ao entendimento (já expresso no Ac. do TRL citado na decisão reclamada) de que só “Se o Estado prova que estes processos têm essa relação temporal e material, não existirá «repetição de processos ou de penas (bis)»”.


16. Para efeitos de integral fundamentação (adicional àquela a que aderiu o TRL), requereu o Recorrente que o Tribunal “a quo” fundamentasse a decisão tomada à luz da aplicação ao caso concreto (leia-se, da sobreposição dos autos ao processo CO do BdP) dos critérios que enuncia/transcreve (o que até à data da apresentação do presente recurso não sucedeu), a saber:
“(…)

– A dualidade, jurídica e na prática, dos processos quando constitua uma consequência previsível da mesma conduta censurada.

– A complementaridade na instrução dos processos que evite, quando seja possível, repetições na recolha e apreciação dos elementos de prova, graças à interacção entre as diversas autoridades, por forma a que o apuramento dos factos realizado num dos processos seja incorporado no outro.

– O cômputo e a consideração da sanção proferida no primeiro processo, no momento da aplicação da sanção do segundo, de modo que a sanção ao particular não implique uma punição excessiva, sendo a existência de um processo de compensação adequada para evitar este risco.”;


17. 2.º Ponto: O TRL fundamentou a inexistência de violação do princípio “ne bis in idem”, a fls. 2509 e ss do douto Acórdão condenatório recorrido, afirmando que: “Não obstante a adesão ao que neste processo 4910/08.... se decidiu há que fazer notar que não desconhecemos, aliás já salientámos supra, que ali estavam em causa crimes de diversa natureza dos que aqui são imputados e pelos quais foram julgados e condenados os arguidos, pese embora neste nosso processo se encontrarem igualmente referidos alguns dos actos praticados e sancionados naquele processo 4910/08...., mas apenas como enquadramento genérico da ação desenvolvida, como se verifica da leitura atenta da matéria de facto provada.” (“Negrito” nosso)


18. Contudo, também aqui, s.m.o, não se acha fundamentada a afirmação constante do douto Acórdão condenatório expressa na conclusão anterior, não vislumbrando o Recorrente o que pretendeu o TRL significar com a mesma;


19. Na medida em que, nos presentes autos, se condenou o Recorrente pela prática de dois crimes de burla qualificada e, naqueles autos como número 4910/08...., sempre à luz da mesma “estratégia” de ocultação dos negócios subjacentes à supervisão, se condenou o Recorrente pela prática de um “único crime” de execução continuada de burla qualificada (praticado ao longo de quase uma década), ali se decidindo sobre o mesmo que apenas se verificava “Um crime de burla – que abrangeu toda a factualidade relativa ao congeminar e à obtenção, por meio de erro ou engano, do controlo do grupo BPN/SLN, de modo secreto e encoberto, por si e em colaboração, em determinados actos, com vários arguidos, em seu benefício e em prejuízo de outrem (consoante as medidas que tinham de ser tomadas, face a cada acto de concretização dessa estratégia e as funções que esses arguidos tinham no grupo e que determinavam a necessidade da sua intervenção). (…)” e “entendemos que o correcto enquadramento passa pelo crime único. Tivemos oportunidade de ver que os propósitos delineados foram estabelecidos, logo no início, aquando da constituição do grupo SLN/BPN. As condutas posteriores integram-se todas nesses propósitos.


20. Pelo que, também neste aspecto da fundamentação deveria o Tribunal “a quo” ter fundamentado (no douto acórdão condenatório recorrido, datado de 2.06.21) a afirmação de que os crimes imputados ao Arguido nos presentes autos têm natureza diversa dos crimes pelos quais foi condenado no processo 4910/08.... e, concretamente, do crime de burla que se inclui no rol dos crimes pelos quais o Recorrente se acha condenado naqueles autos.


21. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa assumiu a diversidade da natureza dos crimes em confronto sem explicitar a razão da conclusão a que chegou, já que em ambos os processo se imputa ao Arguido, o crime de burla, e, assim, sem permitir “no caso, ao arguido – o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a possibilidade de optar pela reacção (impugnatória ou não) que entendam mais adequada à defesa dos seus direitos (e por esta via, a obrigação de fundamentação possibilita também, mediatamente, o exercício do direito ao recurso que possa caber no caso).”, violando o dever de fundamentação adequada e suficiente a que está obrigado (v.d. Ac. STJ, de 21-03-2007, citado na motivação). 


22. 3.º Ponto: Por outro lado, salvo o devido respeito, deixou ainda o douto Acórdão condenatório, ora recorrido, de incluir fundamentação suficiente quanto ao entendimento aí expresso no que tange à parte onde nele se pode ler “Da análise comparativa da extensa decisão de facto daqueles autos e a decisão de facto deste processo, resulta claro que não existe coincidência do objeto do processo: diferentes atuações, diferentes negócios e com diferentes intervenientes.


23. A afirmação genérica assim efectuada não permite conhecer as razões que levaram o Tribunal “a quo” a não considerar como coincidentes (mesmo esquecendo, por ora, a identidade da estratégia de ocultação dos negócios e de instrumentalização das off shores e do BI ao BdP, e ou de recurso a terceiros fiduciários) os seguintes factos comuns a ambos os processos, oportuna e expressamente invocados como tal pelo Recorrente (no requerimento para extinção do procedimento criminal que veio a ser indeferido pelo douto Acórdão condenatório).


24. Face ao alegado pelo ora Recorrente e face à leitura comprativa (que o Tribunal da Relação afirma ter efetuado) da matéria de facto em causa nos dois processos crimes, verifica-se insuficiente fundamentação relativa à invocada não coincidência fáctica quanto aos financiamentos concedidos pelo Banco Insular, na medida em que no processo 4910/08.... se puniu, na sua globalidade e também como burla, a aquisição, ocultação, não consolidação e toda a utilização/concessão de crédito não revelado ao BdP, bem como, a intenção de tornar não “cobráveis” partes dos créditos concedidos no balcão 2 e, concretamente (entre outras), as operações especificadas nos artigos 215.º a 219.º da pronúncia;


25. Mas, muito concretamente não explicita o Tribunal “a quo” como afastou a expressamente alegada “completa identidade dos financiamentos descritos nos artigos 613.º a 659.º da pronúncia dos presentes autos, relativamente à offshore AU..., onde se alega que: “À data de 29/6/2007 a AU..., tinha em dívida no Banco Insular, balcão virtual, associada à aquisição das entidades BIR..., CH... e BRI... a quantia de 58.409.069,10€, que incluía os financiamentos, despesas e juros.”, sendo que tal financiamento se acha totalmente abarcado no artigo 215.º da pronúncia do processo n.º 4910/08..., pelo valor de 60.825.257,79€.”, e, sobre esta completa coincidência fáctica, nada disse o Tribunal recorrido, o que, s.m.o., deverá fundamentar devidamente, o que se requer que lhe seja ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça;

26. 4.º Ponto: No douto Acórdão condenatório, ora recorrido, adere-se ao entendimento perfilhado no douto Ac. do TRL proferido no processo n.º 4910/08...., onde se refere (como expressamente citado no douto Acórdão condenatório) que: “O TEDH descreve a identidade dos factos como um conjunto de circunstâncias fácticas concretas que envolvem o mesmo infractor e estão indissociavelmente ligadas no tempo e no espaço (34).
Na sua jurisprudência posterior (35), o TEDH manteve esta posição, favorável às garantias dos indivíduos, consistente em apreciar o idem factum em face do idem crimen. No seu acórdão da Gran Sala A e B c. Noruega (36), voltou a confirmá-lo.”,


27. Porém, em sede de apreciação concreta do caso “sub judice” acaba o Venerando Tribunal da Relação, por decidir que “(…) pese embora neste nosso processo se encontrarem igualmente referidos alguns dos actos praticados e sancionados naquele processo 4910/08...., mas apenas como enquadramento genérico da ação desenvolvida, como se verifica da leitura atenta da matéria de facto provada. Aí se aludem a procedimentos levados a cabo por alguns dos aqui igualmente arguidos com vista ao financiamento do BPN, utilização de offshores e procedimentos violadores das regras procedimentais com vista a esconder do regulador, BdP, tal modo de agir. Contudo, é necessário não nos quedarmos pela leitura destes factos que apenas servem de enquadramento aos que foram objeto de julgamento formal e material. Com efeito, não podemos esquecer que tais factos não são objeto de qualquer qualificação ou imputação em termos jurídico-criminais nestes autos. Apenas são referidos para compreensão e descrição dos factos praticados. Tão só. Assim, pese embora se verifiquem alusões a práticas que são jurídico-criminalmente alvo do Processo 4910/08.... a verdade é que neste nosso processo não têm qualquer relevância em termos criminais, constam nos autos, e no elenco dos factos provados, porque se provaram, e para que se perceba o modo como os arguidos aturam e o lograram fazer.” (“Negrito” nosso)


28. Assim, requer-se a esse Supremo Tribunal que ordene ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que adicione fundamentação ao douto Acórdão condenatório proferido no sentido de, quanto a este quarto ponto:


a) passar a ser compreensível se para concluir, como concluiu, pela não violação do princípio “ne bis in idem”, com referência aos factos que genericamente refere como de “enquadramento” (e que entendeu não serem punidos nos autos, mas apenas no processo 4910/08....), aplicou o Tribunal “a quo” o critério aceite pelo TEDH que refere (por adesão ao Ac. do TRL que cita) expresso no douto “acórdão Zolotoukhin c. Rússia ( 33 ), no qual [o TEDH] afirmou  que o artigo 4.o do Protocolo n.o 7 proíbe que uma segunda infracção seja punida com fundamento em actos idênticos, ou substancialmente iguais, aos que serviram de fundamento à primeira, qualquer que seja a sua qualificação jurídica (opção clara pelo idem factum e negação do idem crimen). O TEDH descreve a identidade dos factos como um conjunto de circunstâncias fácticas concretas que envolvem o mesmo infractor e estão indissociavelmente ligadas no tempo e no espaço (34).”; (“Negrito” e sublinhado nosso)


29. E ainda, sendo a fundamentação afirmativa da aplicação de tal critério do TEDH por parte do TRL (leia-se, “o artigo 4.o do Protocolo n.o 7 proíbe que uma segunda infracção seja punida com fundamento em actos idênticos, ou substancialmente iguais, aos que serviram de fundamento à primeira, qualquer que seja a sua qualificação jurídica (opção clara pelo idem factum e negação do idem crimen). O TEDH descreve a identidade dos factos como um conjunto de circunstâncias fácticas concretas que envolvem o mesmo infractor e estão indissociavelmente ligadas no tempo e no espaço”) seja explicitado pelo TRL em novo Acórdão com que concretos fundamentos logrou aquele Tribunal concluir que os factos que a pronúncia dos autos teve necessidade de narrar para efeitos que foram considerados de “enquadramento” (e que se reconhece que já foram julgados no processo 4910/08....) não constituem ainda assim “um conjunto de circunstâncias fácticas concretas que envolvem o mesmo infractor e estão indissociavelmente ligadas no tempo e no espaço”.


30. Ao julgar como julgou, com referência aos quatro pontos/aspectos da fundamentação acima expressamente identificados, de onde decorreu o entendimento do TRL sobre a declarada não violação do princípio “ne bis in idem”, violou o douto Acórdão condenatório, datado de 2 de Junho de 2021, ora recorrido, os artigos 97.º, n.º 5 e 205.º da CRP, o que constitui a irregularidade processual oportunamente arguida pelo Recorrente, que se requer que o STJ declare, ordenando ao Tribunal “a quo” que proceda à respectiva sanação, conforme expressamente requerido pelo Arguido, ora Recorrente.

Sem conceder:

[§1.2] - DA VIOLAÇÃO PELO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO DO PRINCÍPIO “NE BIS IN IDEM”.


31. Na óptica do Recorrente, deveria, ao contrário do decidido, o Tribunal “a quo”, no douto acórdão de 2.06.21, ter ordenado a extinção do procedimento criminal quanto aos dois crimes de burla pelos quais o Arguido, ora Recorrente, vem condenado com duplo fundamento, a saber:


a) o caso julgado formado no processo n.º 41/12.5... que correu termos junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, por o Arguido já ter sido julgado e condenado, por decisão transitada em julgado, pela prática de contra-ordenações no âmbito de processo instaurado pelo Banco de Portugal (doravante BdP) com base nos mesmos factos e ou factos indissociáveis com aqueles que lhe são imputados a título de crime nos presentes autos; e

b) o facto de o Arguido já ter sido julgado em 1.ª Instância e pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa através de Acórdão, datado de 16.10.2019, proferido pela ... Secção daquele Tribunal, no âmbito do processo criminal n.º 4910/08...., que actualmente corre, quanto ao Recorrente, termos junto da ... Secção do STJ por dele ter sido interposto recurso ordinário (mas que se considerou já ter transitado em julgado para diversos outros Arguidos).


32. À garantia de defesa, expressamente invocada pelo Recorrente, prevista no artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, o douto Acórdão recorrido não dedicou uma única palavra (norma igualmente não analisada pelo Ac. do TRL proferido no proc.º 4910/08....), bem como aquela que decorre da aplicação do princípio “ne bis in idem”, resultante da ocorrência de caso julgado pela prática dos mesmos factos ou factos indissociáveis, integra causa de extinção do procedimento criminal.


33. A inexistência de prévio julgamento pelos mesmos factos ou factos indissociáveis (que não tenham ocorrido e ou sido conhecidos de forma superveniente) constitui um pressuposto processual negativo.


34. Os pressupostos processuais devem ser conhecidos a todo o tempo, ressalvando o caso julgado formal.


35. A ocorrência de julgamento definitivo de natureza contra-ordenacional ou o julgamento (ainda que não definitivo) de natureza penal pela prática dos mesmos factos ou factos indissociáveis, é de conhecimento oficioso, sendo invocável a todo o tempo, pelo menos, até ao trânsito em julgado – e isto sem embargo da não exequibilidade da Sentença penal condenatória caso se verifique um prévio e definitivo exercício do procedimento criminal por parte do Estado.

[§1.3] – FUNDAMENTOS QUE DITAM A EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL POR SE VERIFICAR CASO JULGADO (FORMADO NO PROCESSO N.º 41/12.5... QUE CORREU TERMOS JUNTO DO TRIBUNAL DA CONCORRÊNCIA E SUPERVISÃO).


36. O Arguido, ora Recorrente, fundou o seu requerimento (apresentado 15.05.21 e que o douto Acórdão condenatório veio a indeferir), no que se refere à invocação de caso julgado, no disposto no artigo 79.º, n.º 2, do RGCO [2 - O trânsito em julgado da sentença ou despacho judicial que aprecie o facto como contra-ordenação preclude igualmente o seu novo conhecimento como crime.”]


37. Contudo, o requerimento do Arguido não se fundou “apenas” na norma acima citada, tendo ainda como fim assegurar a tutela efectiva do princípio “ne bis in idem” à luz da sua directa conformação constitucional, como daquela outra que resulta das convenções internacionais que obrigam o Estado Português (ex vi artigo 8.º, n.º 2 e 4 da CRP).


38. Com efeito, conforme abaixo se demonstrará, também por directa exigência princípio “ne bis in idem”, após o trânsito em julgado da decisão que aprecie os mesmos factos enquanto contra-ordenação se deverá, em casos como o dos autos, decidir pela extinção do procedimento criminal requerida, o que decorre na óptica do Recorrente com base nos artigos 29.º, n.º 5, da CRP, 14.º, n.º 7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, 4.º do Protocolo 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.


39. A reserva formulada por Portugal ao Protocolo n.º 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais - pese embora não ponha, naturalmente, em causa a aplicabilidade do artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, por esta norma integrar o direito interno - não é válida, uma vez que a mesma não define sequer o que se pretendeu abarcar com a expressão “infracção penal”, não cumprindo o preceituado no artigo 57.º, n.º 2, da Convenção, que exigia que tal reserva fosse acompanhada de uma breve descrição da lei em causa.


40. Assim, em conformidade com os casos anteriormente apreciados pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), devidamente referidos no Acórdão proferido pela Grande Chambre no caso A. e B. c. Norway - “(It should be noted that the reservations made by Austria and Italy have been held to be invalid as they failed to provide a brief statement of the law concerned, as required by Article 57 § 2 of the Convention (see respectively Gradinger v. Austria, 23 October 1995, § 51, Series A no. 328-C; and Grande Stevens, cited above, §§ 204-211), unlike the reservation made by France (see Göktan v. France, no. 33402/96, § 51, ECHR 2002-V).” - deverá a reserva efectuada por Portugal ser declarada inválida;


41. O que leva a concluir que o conceito de “infração penal” a que Portugal se acha efectivamente obrigado - para efeitos de cumprimento do artigo 4.º do 7.º Protocolo adicional à CEDH - é aquele que resulta da Convenção, e não aquele que advém da qualificação interna (como resultaria da reserva formulada se a mesma tivesse sido validamente formulada), o que o Tribunal “a quo” não coloca em causa.


42. Acresce, finalmente, que o princípio “ne bis in idem” está ainda previsto no artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.


43. Na óptica do Recorrente o “ne bis in idem” configura uma injunção dirigida ao Estado para organizar um só processo punitivo contra uma pessoa pelos mesmos factos, devendo toda a ordem jurídica punitiva configurar-se de forma a realizar esta ideia.


44. Como tal, o “ne bis in idem” é, na designação utilizada por Alexy, uma “exigência de optimização” (Optimierungsgebot), que impõe que aquela unicidade seja realizada no maior grau possível, dentro das possibilidades jurídicas e fácticas. 


45. A doutrina aborda este tema quando fala de um “mandado [constitucional] de esgotante apreciação de toda a matéria tipicamente ilícita submetida à cognição do Tribunal num certo processo penal", mandado esse decorrente do princípio ne bis in idem, que torna afinal decisiva a determinação do que seja "o mesmo crime" (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., p. 978).


46. Ao nível da jurisprudência nacional tem-se aceite que, independentemente do concreto ilícito penal imputado ao Arguido, é irrelevante para afastar a aplicabilidade do princípio a concreta qualificação jurídica dos factos num ou noutro processo (Ac. STJ de 16.11.2011, da 3.ª Secção e Ac. TRG, de 26.02.2020).


47. Conforme resulta da Jurisprudência vertida no douto acórdão do Plenário do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferido no caso Zolotoukhine c. Russia, datado de 10.02.2009, no âmbito da queixa n.º 14939/03, o T.E.D.H. determina que o artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H. deve ser interpretado como “proibindo a perseguição ou o julgamento de uma pessoa por uma segunda «infracção» se esta tem na sua origem facto idênticos ou factos que são substancialmente os mesmos” e concretiza esta identidade numa fórmula muito semelhante à preconizada pelo Tribunal de Justiça, a saber: “factos que constituam um conjunto de circunstâncias factuais concretas que impliquem o mesmo infractor e que se encontrem indissociavelmente ligados entre eles no tempo e no espaço, tratando-se das circunstâncias que devem ser demonstradas para que uma condenação possa ser proferida ou para que possa lançar-se mão da prossecução penal.

48. Porém, o princípio “ne bis in idem” não configura, como é sabido, um direito absoluto existindo ao nível do efeito negativo do caso julgado existem excepções a esse suposto caráter absoluto.


49. É o caso do n.º 2 do art.º 79.º do Código Penal, nos termos do qual, se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicada substitui a anterior. Não seria compreensível que situações incluídas na continuação da conduta punível (crimes continuados) ficassem sem pena pela mera e eventual circunstância de não serem conhecidos ao tempo da formulação da acusação.


50. Resultando desta norma – a contrario sensu – que só poderá existir sobreposição de processos e novo julgamento com base no conhecimento posterior de “conduta mais grave que integre a continuação”.


51. Quanto à jurisprudência do Tribunal Constitucional, com base no critério enunciado no Ac. TC n.º 303/2005, o que se pode discutir, em abstracto, é se uma dupla penalização do Arguido no mesmo processo pela prática de uma contra-ordenação e de um crime viola, ou não, o princípio “ne bis in idem” na sua vertente material (e violará se a dupla punição, no mesmo processo e à luz de vários tipos legais, não visar a protecção de bens jurídicos diversos), e jamais se uma perseguição segmentada de um crime e de uma contra-ordenação que dê origem à organização de vários processos punitivos e julgamentos é constitucionalmente aceitável.


52. Pelo que, na óptica do Arguido, a sujeição do Arguido a julgamento no âmbito de processos punitivos sucessivos por infracções de natureza contraordenacional e penal viola frontalmente a vertente processual do princípio “ne bis in idem” e o artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, e, assim, a proibição da dupla sujeição a julgamento, sempre que estejam em causa os mesmos factos ou factos indissociáveis, como é o caso.


53. O artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, interpretado (como foi no douto Ac. condenatório) no sentido de o trânsito em julgado da decisão judicial que qualifique os factos, ou factos indissociáveis cujo conhecimento não seja superveniente, como contra-ordenação, não precludir o seu novo conhecimento como factos de enquadramento de um crime, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5, ambos da CRP, e da vertente processual do princípio “ne bis in idem”, bem como, da interpretação conforme aos artigos 4.º do Protocolo 7 adicional à Convenção, 14.º, n.º 7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, interpretação esta à qual Portugal se acha obrigado por via do artigo 8.º, n.ºs 2 e 4, da CRP.


54. Os artigos 79.º, n.º 2, do RGCO e 208.º do R.G.I.C.S.F. (este último na redacção original resultante do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), interpretados (como foram no douto Ac. condenatório) no sentido de, após o trânsito em julgado de decisão judicial proferida em processo de contra-ordenação que mantiver a aplicação ao Arguido da sanção acessória de inibição de exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, entretanto extinta por cumprimento, permitirem o prosseguimento de acção penal onde se ponderem os mesmos factos ou factos indissociáveis, cujo conhecimento não seja superveniente, como factos de enquadramento, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5, ambos da CRP, e da vertente processual do princípio “ne bis in idem”, bem como, da interpretação conforme aos artigos 4.º do Protocolo 7 adicional à Convenção, 14.º, n.º 7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, interpretação esta à qual Portugal se acha obrigado por via do artigo 8.º, n.ºs 2 e 4, da CRP.


Finalmente:


55. Os artigos 217.º, n.º 1, do CP e 79.º, n.º 2, do RGCO, interpretados (como foram no douto Ac. condenatório) no sentido de a previsão legal atinente ao “meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou” poder ser contextualizada com factos, anteriormente apreciados como contra-ordenação através de decisão judicial transitada em julgado, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5, ambos da CRP, e da vertente processual do princípio “ne bis in idem”, bem como, da interpretação conforme aos artigos 4.º do Protocolo 7 adicional à Convenção, 14.º, n.º 7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, interpretação esta à qual Portugal se acha obrigado por via do artigo 8.º, n.ºs 2 e 4, da CRP.

[§1.4] - DO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO INSTAURADO CONTRA O ARGUIDO QUE APRECIOU, POR DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, OS MESMOS FACTOS E OU FACTOS INDISSOCIÁVEIS DOS IMPUTADOS AO ARGUIDO NOS PRESENTES AUTOS.

56. Conforme foi alegado pelo Recorrente, verifica-se o trânsito em julgado da decisão judicial que pôs fim a um outro processo punitivo formalmente administrativo, mas que (à luz da CEDH) deverá ser qualificado como materialmente penal, sendo este o processo de contra-ordenação instaurado pelo Banco de Portugal (doravante BdP) com o n.º 10/08/CO que deu posteriormente origem ao processo n.º 41/12.5... que correu termos junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão;


57. Nele o Arguido foi inicialmente condenado por decisão administrativa do BdP, datada de 14 de Junho de 2012, no pagamento de uma coima de euros: 900.000,00 (novecentos mil euros), na sanção acessória de inibição de exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de dez anos e no pagamento de custas processuais de euros: 542,24 (quinhentos e quarenta e dois euros e vinte e quadro cêntimos) pela prática de duas contra-ordenações previstas nas alíneas g) do artigo 211.º do RGICSF e de uma contra-ordenação prevista na alínea r) daquele artigo (Doc. 1 junto ao requerimento de 15.05.21[3]).


58. O Arguido interpôs recurso jurisdicional daquela decisão, tendo o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, após julgamento, por Sentença, lida a 21-10-2014, mas apenas depositada a 07-09-2015, decidido negar provimento ao recurso interposto pelo Arguido ora Recorrente, e, em consequência, decidiu:
“- Condenar o arguido EE pela prática de uma contraordenação, p. e p. pela al. r) do art. 211º do RGICSF, na redação vigente à data dos factos, na coima de € 990.000 (novecentos e noventa mil euros). - Condenar o mesmo arguido pela prática de uma contraordenação, p. e p. pela al. r) do art. 211º do RGICSF, e de duas contraordenações, p. e p. pela al. g) do art. 211º do RGICSF, na redação vigente à data dos factos, na sanção acessória de publicação da punição definitiva, nos termos do art. 212º, n º1, al .b) do RGICSF, e na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedade financeiras por um período de 10 (dez) anos, nos termos do art. 212º, nº 1, al. c) do RGICSF. - Condenar ainda o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs (art. 8º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo diploma).” (v.d. Doc. 2 junto ao requerimento do Arguido de 15.05.21)


59. De tal Sentença o Arguido interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa tendo o mesmo decidido por douto Acórdão datado de 10-03-2016, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo Arguido, confirmando a decisão de 1.ª Instância que, como ali se refere, quanto à questão da invocada violação do princípio “ne bis in idem” “assentou o seu argumento nos diferentes bens jurídicos que protegem os tipos legais de crime imputados ao arguido no PPC 4910/08.... e a sua falta de equivalência aos bens jurídicos que presidem às CO pelas quais foi condenado nestes autos (pp 237 a 244 da sentença)”, tendo o TRL concluído pela não violação do princípio constitucional em causa (Doc. 3), onde se assumiu frontalmente a possibilidade da dupla punição dos mesmos factos – enquanto contra-ordenação e crime e em dois processos simultâneos – desde que, como se entendeu ser o caso, estivessem em causa a tutela de interesses jurídicos diversos, tendo sido este o único critério decisório aplicado para o efeito;


60. Sem que, consequentemente, nesse processo já findo o Tribunal de 1.ª Instância e ou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa tivessem escrutinado os requisitos exigidos pela jurisprudência mais recente (e também mais permissiva) do TEDH plasmada no Acórdão do caso A e B contra Noruega;


61. Critérios estes a que já alude o TRL no douto Acórdão proferido no processo 4910/08...., longamente citado pelo douto Acórdão condenatório recorrido proferido nos presentes autos, que se limitou a aderir ao mesmo, sem que verificasse, no caso concreto, o cumprimento desses mesmos critérios aceites pelo TEDH no Acórdão A. e B. contra a Noruega.


62. Mas, o douto Acórdão condenatório não se limitou a uma mera falta de fundamentação, oportunamente arguida, praticando também uma flagrante violação àqueles critérios fixados pelo TEDH no Ac. A. e B. c. Noruega, por não se verificar que “estes processos [leia-se, os presentes autos e o processo de CO do BdP] têm essa relação temporal e material, [e que por isso] não existirá «repetição de processos ou de penas (bis)»”, incorrendo ainda na violação do artigo 79.º, n.º 2, do RGCO.


[§1.5] - QUANTO À IDENTIDADE E OU INDISSOCIABILIDADE DOS FACTOS APRECIADOS NO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO N.º 41/12.5... E NOS PRESENTES AUTOS / DA PROIBIÇÃO DO SEU DUPLO JULGAMENTO AINDA QUE COMO FACTOS DITOS DE ENQUADRAMENTO.

63. A identidade e ou indissociabilidade entre os factos objecto dos presentes autos e aqueles que foram já apreciados no processo de contra-ordenação n.º 41/12.5..., que correu termos junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (e onde se formou, entretanto, decisão transitada em julgado) é manifesta, conforme se passa a demonstrar, não se limitando os mesmos a ser factos que se devam considerar, à luz do objecto dos autos, como de mero enquadramento.


Com efeito:


64. Ambos os processos (leia-se os presentes autos e os de contra-ordenação) se reportam ao mesmo período temporal, sendo o período temporal apreciado no processo de contra-ordenação totalmente sobreponível àquele que é apreciado nos presentes autos, que engloba factos “A partir do início dos anos 2000, os arguidos BB, CC e EE acordaram numa estratégia de alargarem as áreas de negócio do Grupo a sectores não financeiros, designadamente o do desenvolvimento de projectos imobiliários, do turismo e das novas tecnologias.” (v.d. artigo 27.º da pronúncia dos autos) nitidamente já apreciados no processo n.º 41/12....).


65. No processo de contra-ordenação foi apreciada a factualidade relativa à detenção, ocultação e concessão (não consolidada) de crédito através do Banco Insular (desde logo indicado nos artigos 17.º a 20.º dos autos) e, concretamente:


- todo o processo de financiamento do Banco Insular (onde se inclui a forma de captação de depósitos o funding e o revolving dos fundos utilizados por aquele Banco);
- todo o volume de crédito concedido através do Banco Insular ao longo dos diversos anos em que funcionou através dos dois balcões (oficial e virtual), tendo-se escrutinado e dado como provado na decisão administrativa e na Sentença de 1.ª Instância o valor de todo esse crédito (onde se incluem os financiamentos a que alude a pronúncia dos presentes autos e, designadamente, mas não apenas, a entidades como a V... e ou a S... desde logo identificadas nos artigos 9.º a 12.º da pronúncia dos autos);
- a detenção material do Banco Insular pelo grupo BPN/SLN (tendo o mesmo sido qualificado como filial da SLN);
- a não consolidação do Banco Insular no grupo BPN/SLN;
- o uso do Banco Insular para financiar terceiros fiduciários do Grupo BPN/SLN em negócios do mesmo;
- a ocultação da utilização do BI e dos fiduciários aí financiados ao BdP, com o objectivo/intenção de enganar tal entidade relativamente ao verdadeiro consumo dos capitais próprios do BNP para efeitos do cálculo dos rácios prudenciais exigidos (também objecto dos presentes autos, designadamente, nos artigos 27.º a 47.º da pronúncia dos autos). 


66. Também naquele processo se apreciou já a venda fictícia da SLN Imobiliária à Ca... (v.d designadamente “Da Ca... e da colaboração dos acionistas” (ponto 1.15 a 1.23, págs. 52 a 56 da decisão do BdP), com recurso a accionistas fiduciários, como estratégia continuada ao longo dos anos de ocultação à supervisão dos inúmeros negócios imobiliários desenvolvidos pelo Grupo através daquela sub-holding e das suas participadas.


67. Constata-se assim, a este nível e em ambos os processos, a apreciação dos factos relativos ao recurso a accionistas fiduciários do Grupo, enquanto meros detentores formais de activos imobiliários do mesmo (v.d. quanto à Ca... no processo de contra-ordenação o ponto 1.23/ Factos Provados/ Parte V do Relatório Final do BdP; ponto 1.20/ Da Ca... e da colaboração dos acionistas / Da estrutura corporativa, organizativa e funcional da SLN (Galilei)/ Fundamentação da Materialidade Provada e Não Provada/ Parte VI do Relatório Final do BdP);


68. Esta operação da venda fiduciária à Ca... não passou, desde logo no entendimento adoptado pela douta Sentença do ... Juízo, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, datada de 21 de Outubro de 2014 (Doc. 2), de uma ardilosa encenação, simulando-se desta forma a transferência da titularidade da SLN Imobiliária (mais tarde designada Sogipart) para fora do grupo, criando uma aparência de realidade destinada a simular também o cumprimento da determinação constante da carta do Banco de Portugal de 17/07/2000 (carta junta a fls. 17.026 dos presentes autos), mas mantendo-se aquela sociedade sempre sob a tutela e o controlo da ali arguida SLN (ponto 1.22/ Da Ca... e da colaboração dos acionistas / Da estrutura corporativa, organizativa e funcional da SLN (Galilei)/ Fundamentação da Materialidade Provada e Não Provada/ Parte VI do Relatório Final do BdP).


69. Este negócio (ainda segundo o entendimento da daquela Sentença condenatória do Arguido) não relevou apenas para dar a aparência de cumprimento às orientações do Banco de Portugal, tendo sido igualmente utilizado no quadro da estratégia desenvolvida pelos arguidos BB, EE e CC (estratégia esta cuja execução continuada, abarcou também, segundo os artigos 23.º a 47.º da pronúncia dos autos, a alegada prática dos factos imputados ao Arguido no presente processo) no sentido de potenciar a expansão do grupo e o envolvimento noutros projetos impossíveis de concretizar (e ou manter) não fora a montagem e o desenvolvimento do negócio em questão (v.d. ponto 1.23/ Da Ca... e da colaboração dos acionistas / Da estrutura corporativa, organizativa e funcional da SLN (Galilei)/ Fundamentação da Materialidade Provada e Não Provada/ Parte VI do Relatório Final do BdP – Doc. 1);


70. Com efeito, para aquele Tribunal, o acordo com os accionistas supra referido, para além de permitir ao Grupo SLN ficcionar perante o supervisor o acatamento de uma conduta que por este lhe fora imposta, veio a revelar-se como um evento instrumental de um objetivo maior visado pelos seus mentores: a criação de uma fonte externa (bancária) através da qual fosse possível obter os financiamentos pretendidos, sem os constrangimentos de natureza prudencial a que está sujeita a atividade das instituições de crédito e sociedades financeiras (v.d. Doc. 2 e Doc. 1, ponto 1.25/ Do Banco Insular/ Da estrutura corporativa, organizativa e funcional da SLN (Galilei)/ Fundamentação da Materialidade Provada e Não Provada/ Parte VI do Relatório Final do BdP);


71. Pelo que, discutindo-se nos presentes autos a realização de negócios imobiliários não consolidados pelo Grupo (através de parcerias e ou “testas de ferro” utilizados para contornar as limitações decorrentes da aplicação da regras prudenciais sempre à luz da mesma “estratégia” já apreciada no processo n.º 41/12....), bem como, o seu financiamento através do Banco Insular (cuja actividade de financiamento ao Grupo já foi objecto central do processo n.º 41/12....), estamos perante um novo julgamento judicial da mesma realidade/conduta fáctica de execução continuada e ou, materialmente indissociável, porque praticada à luz da mesma estratégia que passava pela manutenção do engano do Banco de Portugal quanto à verdadeira titularidade dos negócios e do volume de financiamento concedido pelo Grupo aos mesmos, quer através do Banco Insular, quer através da concessão de crédito pelo BPN a fiduciários do Grupo e ou a entidades offshore como a V... (mais tarde denominada S...) cujo beneficiário final era o próprio Grupo, mas que não eram assumidas como tal.


72. Sobre tais entidades offshore, e quanto à sua utilização no âmbito da estratégia dos Arguidos julgou-se provado no âmbito do processo de contra-ordenação que: “Os mesmos arguidos BB, EE e CC criaram uma panóplia de entidades, ou aproveitaram a existência institucional de outras, tendo em vista atingirem as referidas finalidades e, neste contexto, instrumentalizaram a sociedade P..., criada em 3/07/1998 (a cuja administração pertenceram os arguidos BB, EE, II e JJ), no apoio logístico à criação de uma multiplicidade de entidades localizadas em centros offshore identificadas com a arguida SLN, mormente da M..., Ca..., V..., Z... Investments, B... Investments LCC e Se..., bem como da sociedade residente Pl..., de significativa relevância na concretização do seu desiderato estratégico. (pontos 1.9 e 1.131/ Factos Provados/ Parte V do Relatório Final do BdP)”;


73. Tendo-se designadamente provado que a V..., através da sua conta em BPN Cayman, em concretização daquela estratégia, financiou, desde logo, a aquisição da SLN Imobiliária pela Ca... a que expressamente alude a pronúncia dos autos, através da mesmíssima conta em BPN Cayman que financiou depois diversas operações imputadas ao Recorrente nos presentes autos, designadamente, nos artigos 88.º, 210.º, 551.º, 674.º a 694.º da pronúncia dos autos, sendo manifesto que o saldo devedor verificado em 31.12.2001 na conta da V... de 185.529.268,58€, engloba naturalmente o resultado e o desvalor de natureza patrimonial resultante da utilização desta sociedade/conta, designadamente, na operação da compra da SLN Imobiliária pela Ca... (financiada pela V... em 4.01.2001, conforme motivação supra) como expressamente julgada no processo de contra-ordenação, mas também nos presentes autos (artigos 88.º e 89.º da pronúncia).


74. Pelo que, todos os negócios concretos imputados ao Arguido nos presentes autos enquadram-se, confessadamente, na estratégia inicialmente definida e executada “A partir do início dos anos 2000”, desde logo concretizada nos artigos 27.º a 47.º da pronúncia dos autos, que aqui se dão como reproduzidos.


75. Ou seja, verifica-se que o mesmo “engano” (provocado ao Banco de Portugal), implementado à luz da mesma estratégia continuada e com recurso à concessão de crédito pelo BPN (aqui se incluindo o BPN Cayman) a offshores do Grupo e a terceiros fiduciários e à concessão de crédito através Banco Insular, que fundamentou o julgamento e condenação do Arguido pela prática das três contra-ordenações no âmbito do processo n.º 41/12.5..., mantida por Sentença judicial em 1.ª Instância e posteriormente em 2.ª Instância, fundamenta agora a condenação do Arguido no âmbito dos presentes autos pela prática de dois crimes burla qualificados, estando suportado em factos que são idênticos e ou indissociáveis (como a detenção e utilização do Banco Insular como fonte de financiamento do Grupo para a realização de negócios do próprio Grupo através de fiduciários, julgados nos pontos 34 a 84 da Sentença acima referida – Doc. 2);


76. Sendo de salientar que no processo de contra-ordenação se apreciou já – ao cêntimo - todo o volume de crédito concedido pelo Banco Insular, aí se julgando como provado que o BI concedeu crédito no valor de euros:
- 58.124.943 euros em 2001;
- 261.193,300 euros em 2002;
- 197.305.595 no balcão 1 e 459.201.420 no balcão 2 (também designado como balcão “virtual”), num total de 656.507.015 euros em 2003; e
- 264.753.552 euros no balcão 1 e 550.500.860 euros no balcão 2, no total de 815.254.412 euros em 2004;
- 378.586.368 euros no balcão 1 e 532.277.559 euros correspondentes ao balcão 2, num total de 910.863.927 euros em 2005;
- 257.926.719 euros no balcão 1 e 502.816.967 euros, correspondentes ao balcão 2, num total de 760.743.686 euros em 2006; e
- 261.193.300 euros no balcão 1 e 384.993.308 euros no balcão 2, num total de 646.186.608 euros em 2007.


77. Valores de financiamentos que se julgou provado terem sido omitidos nas contas da SLN (v.d. ponto 1.77, na pág. 31, do Doc. 1) e que se julgou expressamente “Serem relevantes os impactos decorrentes da actividade delituosa descrita nos autos, estimando-se em 491 milhões de euros, à data de 31.12.2007, o montante das provisões registadas no BPN para crédito vencido, relativas ao Banco Insular e ao “balcão virtual” (v.d. ponto 1.80, na pág. 32, do Doc. 1);


78. Ou seja, também no processo de contra-ordenação o Arguido, ora Recorrente, foi julgado e punido pelos impactos patrimoniais decorrentes da utilização não revelada do Banco Insular, impactos que se julgaram ascender a 491 milhões de euros.


79. Nesses impactos patrimoniais já julgados, está, como acima referido, também incluído o decorrente da utilização do denominado “balcão virtual” do Banco Insular, balcão este que também é expressamente objecto da imputação penal contante dos artigos 42.º e 43.º da pronúncia dos autos.


80. Ora, o recurso ao Banco Insular e a tal balcão é mais à frente referido na pronúncia dos autos, por exemplo nos artigos 577.º, 580.º, 581.º, 582.º, 633.º, 634.º, 635.º, 638.º, 639.º, 641.º, 645.º, 647.º, 656.º, 744.º, 752.º, 755.º, 773.º, 774.º, 776.º, 779.º, 800.º, 810.º, 832.º e 833º da pronúncia dos autos.


81. Como se julgou já o Arguido, naquele processo de contra-ordenação, por falsificação das contas da SLN/BPN (aqui se incluindo as do BPN Cayman) por ocultação e ausência de consolidação dos financiamentos a entidades offshore do Grupo, cujo beneficiário foi sempre deliberadamente ocultado à supervisão, bem como por prestação de falsa informação ao supervisor, práticas que se afiguram essenciais para o processo enganoso que caracteriza os crimes de burla pelos quais o Arguido vem condenado nos presentes autos, o que, s.m.o., não foi devidamente ponderado pelo Tribunal “a quo”.


82. Torna-se, assim, evidente que os dois crimes imputados ao Arguido nos presentes autos não teriam qualquer sustentáculo fáctico se à pronúncia dos autos fosse retirada a já julgada (i) estratégia de recurso a fiduciários do Grupo para implementar e ou manter negócios imobiliários não suportados pelos capitais próprios da SLN à revelia das contas e da entidade de supervisão, (ii) o recurso ao Banco Insular enquanto entidade financiadora de novas operações imobiliárias do Grupo e ou destino final das mesmas, (iii) todo o volume de crédito concedido pelo Banco Insular ao longo do seu funcionamento, (iv) todos os impactos patrimoniais decorrentes da actividade de financiamento do Banco Insular ao longo dos anos, balcão virtual incluído, quantificadas em “491 milhões de euros, à data de 31.12.2007”, ou sem o recurso a financiamentos pelo BPN (designadamente através de BPN Cayman) a entidades offshore, como a V..., a Ca... entre outras.


83. Sendo que no valor de “491 milhões de euros, à data de 31.12.2007”, pelo qual o Arguido foi já sancionado, se inclui, por exemplo, o prejuízo invocado nos artigos 833.º e seguintes relativos ao financiamento à T....


84. Mas também, por exemplo, no artigo 888.º da pronúncia se imputa aos Arguidos um prejuízo expressamente causado através da utilização e ocultação dos financiamentos efectuados pelo Banco Insular;


85. Tudo isto ocorrendo, considerando aquela que é a narrativa da pronúncia dos autos, à luz do “propósito dos arguidos” a que se dedica, em jeito de conclusão, o artigo 894.º da pronúncia onde se pode ler: “Os arguidos BB e CC actuaram sempre com o propósito de induzir em erro o regulador, Banco de Portugal, quanto à titularidade dos activos que colocavam na posse de terceiros e na titularidade de entidades veículo, aceitando para tal lesar o Grupo BPN/SLN com a realização de pagamentos excessivos e indevidos a esses terceiros, em remuneração da tarefa de parqueamento dos activos, para além de aceitarem realizar financiamentos, não cobertos por garantias eficazes, aceitando o risco, que se consumou, do não pagamento desses financiamentos, com o consequente aumento do prejuízo do Grupo BPN/SLN.”.


86. Assim, pretende-se nos presentes autos fazer julgar, em detalhe, aquilo que já se puniu de forma global, verificando-se que o detentor da acção penal quer ainda fazer punir em sede penal uma conduta factual (um “pedaço de vida”) incindível daquela que foi já julgada e punida enquanto contra-ordenação.


87. Dito isto, ao contrário do que deixou de ser reconhecido no douto Acórdão condenatório recorrido; o que releva para a correcta aplicação do artigo 79.º, n.º 2, do RRGCO e do princípio “ne bis in idem” é, em primeira linha, garantir que o julgamento e qualificação dos factos como contra-ordenação, através de decisão judicial transitada em julgada, não pode, posteriormente e sem que tal advenha de qualquer conhecimento superveniente de “novos” factos, ser alterado por outro Tribunal de forma a imputar ao Arguido a prática de um crime com base nos mesmos factos, ou factos que sejam (como não são) indissociáveis destes, o que sucedeu em violação do caso julgado que se formou no processo de contra-ordenação;


88. E ainda que – sem conceder e por mera hipótese de raciocínio – se considerem que tais factos figuram na pronúncia como mero “enquadramento”.


89. O Ministério Público promoveu, nos termos legais, inquérito criminal, que correu termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal e, ao mesmo tempo, o Banco de Portugal deduziu acusação contra os Arguidos, e imputou ao Recorrente a prática, como co-autor material, dos ilícitos previstos: na alínea g) do artº 211º do RGICSF (falsificação da contabilidade da SLN SGPS, S.A., no plano consolidado, entre os exercícios de 2001 a 2007, por não inclusão do Banco Insular no respectivo perímetro de consolidação); na alínea g) do artº 211º do RGICSF (falsificação da contabilidade da SLN SGPS, S.A., no plano consolidado, entre os exercícios de 2001 a 2007, por viciação das contas individuais nas instituições BPN CAYMAN e BPN IFI); na alínea r) do artº 211º do RGICSF (prestação ao Banco de Portugal de informações falsas e informações incompletas de efeito equivalente no período compreendido entre 2001 a 2007).


90. Em 9 de Outubro de 2009, o Ministério Público solicitou no âmbito do processo crime n.º 4910/08.... ao Banco de Portugal cópia da Acusação proferida nos autos contra-ordenacionais, que, desde então, passou a integrar o Apenso AD do volume I do processo-crime n.º 4910/08...., hoje Apenso R daqueles autos.


91. Tendo, nessa data, o Ministério Público adquirido pleno conhecimento do objecto do processo de contra-ordenação, dos indícios supostamente apurados e da prova recolhida pelo Banco de Portugal, vindo em 24 de Novembro de 2009 a proferir despacho de acusação no âmbito do nº 4910/08...., como abaixo se referirá.


92. Posteriormente, em 1 de Março de 2013, o Ministério Público, ainda insatisfeito com a duplicação das acções punitivas já instauradas e objecto de acusação veio a deduzir acusação nos presentes autos, onde claramente integrou factos idênticos e ou indissociáveis daqueles que constituam a base material da acusação contra-ordenacional do Banco de Portugal tendo, com fundamento nestes, imputado ao Requerente a prática, em co-autoria material dois crimes de abuso de confiança qualificados.


93. No despacho de acusação proferido nos autos o Ministério Público, apesar da legitimidade que lhe é conferida pelo artº 38º do RGCO (ex vi art.º 232º do RGCISF), não acusou o Requerente ou qualquer dos Arguidos pela prática de contra-ordenação;


94. Constatando-se que uma das bases da acusação/pronúncia dos autos é, exactamente, a detenção, ocultação perante o BdP do Banco Insular, de diversas offshores e de toda a sua actividade, bem como, de participações em negócios tituladas por fiduciários, ao longo de quase uma década, como forma dissimulada e não consolidada para efectuar inúmeras operações/financiamentos, matéria esta profusamente analisada no processo de contra-ordenação, mas também nos presentes autos, o que se verifica pela mera leitura dos artigos da pronúncia acima indicados e citados.


95. Ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, verifica-se a sobreposição do objecto dos dois processos (de contra-ordenação e os presentes autos), quer em relação a factos ditos de enquadramento, quer em relação a operações financeiras concretas, mutuários, mutuante, datas e montantes (desde logo porque o processo de contra-ordenação considerou e puniu todas as operações de financiamento concedidas pelo Banco Insular), quer em relação à “estratégia” prosseguida, quer ainda ao “engano” provocado à entidade de supervisão, subjacente ao alegado crime de burla imputado ao Arguido nos presentes autos, mas também às contra-ordenações pelas quais o Arguido foi já julgado e condenado;


96. Engano este que foi sendo perpetuado ao longo dos anos, desde logo, através da (i) elaboração e exibição de uma contabilidade falsificada que não reflectia a totalidade dos activos e passivos do Grupo, contabilidade esta que passou a integrar certos documentos e contratos, não reflectindo outros (como os contratos celebrados accionistas fiduciários do Grupo SLN, entre os quais, segundo a pronúncia, os celebrados com AA, HH e GG), e (ii) da prestação de falsa informação ao BdP, factos estes que são nucleares na decisão do processo de contra-ordenação.


97. No processo de contra-ordenação apreciou-se, por decisão transitada, todo o balanço do Banco Insular, que integra todos os financiamentos concedidos pelo Banco Insular, o que naturalmente integra todos os financiamentos do Banco Insular expressamente identificados na pronúncia dos autos.


98. Assim, grande parte da matéria constante da pronúncia dos presentes autos não é mais do que o enquadramento penal dos mesmos factos ou factos indissociáveis já apreciados, enquanto contra-ordenação no processo n.º 41/12.5..., onde o Arguido já foi julgado e punido pelos factos relativos à detenção, instrumentalização, não consolidação do Banco Insular no grupo SLN/BPN e ocultação do mesmo à entidade de supervisão, bem como da sua utilização para a realização e manutenção de negócios imobiliários que seriam impossíveis se não fossem ocultados à supervisão, em nítida violação do princípio “ne bis in idem”, entendido como dever de unicidade da acção punitiva.


99. Face a esta materialidade, que o Tribunal “a quo” não chegou sequer a analisar, limitando-se a aderir por citação integral ao decidido no processo 4910/08...., sem, contudo, comparar a imputação fáctica dos autos àquela que foi julgada no processo de contra-ordenação;


100. Os factos inclusos na pronúncia proferida nos autos formam com aqueles que foram apreciados no processo n.º 41/12.5..., uma unidade jurídica e um “pedaço de vida” que só num processo poderia ser apreciado, verificando-se de forma nítida a existência de uma parte comum entre o facto histórico já apreciado e o objecto do julgamento dos autos.


101. No caso concreto, a pré-existência e condenação transitada em julgado no âmbito de um processo contra-ordenacional e a instauração e prosseguimento de um processo crime como o dos autos é totalmente contrário aos critérios aceites na Jurisprudência do TEDH e do TJ;


102. O princípio “ne bis in idem” não proíbe apenas a dupla condenação, mas igualmente o duplo julgamento, julgamento que ocorreu já no processo de contra-ordenação - já findo de forma totalmente autónoma e desarticulada com os presentes autos - quanto a todos os factos.


103. A sanção acessória aplicada ao Arguido, tendo natureza formalmente administrativa, tem carácter material penal dada a sua duração e a privação que impôs pelo prazo de 10 anos com inibição de exercício de funções, não considerando que a reserva formulada por Portugal se deve considerar inválida, o que leva a concluir que o conceito de “infração penal” a que Portugal se acha efectivamente obrigado - para efeitos de cumprimento do artigo 4.º do 7.º Protocolo adicional à CEDH - é aquele que resulta da Convenção, e não aquele que advém da qualificação interna (como resultaria da reserva formulada se a mesma tivesse sido validamente formulada).


104. Finalmente, não existiu entre o presente processo crime e o processo de contra-ordenação uma “relação temporal” adequada com o artigo 50.º da Carta, e ou sequer uma ponderação conjunta das sanções aplicadas aos Arguidos do processo de contra-ordenação, sanções que sintomaticamente não constam da matéria dada como provada nos presentes autos, não sendo o processo de contra-ordenação sequer referido e ou ponderado no Acórdão de 1.ª Instância ou no douto Acórdão condenatório recorrido.


105. Pelo exposto, os factos (ainda que detalhados ou complementados) que foram considerados nos dois processos não poderão, no que concerne ao Arguido, continuar a ser julgados nos presentes autos, sob pena de manifesta violação do princípio “ne bis in idem”.


106. Sendo os factos apreciados no processo de contra-ordenação n.º 41/12.5... idênticos e ou indissociáveis daqueles que são objecto dos presentes autos, e ainda que os mesmos sejam referidos como de “enquadramento”, deveria o Tribunal “a quo” ter ordenado a extinção do processo crime, nos termos do artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, por naqueles autos – que se acham findos - se ter procedido à prolação de decisão judicial transitada em julgado que apreciou os factos imputados ao Arguido como contra-ordenação.

[§1.6] – DA APLICABILIDADE DO ARTIGO 79.º, N.º 2, DO RGCO, POR A DECISÃO JUDICIAL QUE APRECIOU OS FACTOS COMO CONTRA-ORDENAÇÃO TER TRANSITADO EM JULGADO EM 22-07-2016, SEM PREJUÍZO DE, POR VIA DE REQUERIMENTO APRESENTADO EM DATA ANTERIOR AO ESGOTAMENTO DOS RECURSOS E RECLAMAÇÕES SOBRE ESSA DECISÃO, O PROCEDIMENTO CONTRAORDENCIONAL TER SIDO POSTERIORMENTE DECLARADO EXTINTO, POR PRESCRIÇÃO, POR DESPACHO DE 5.03.2018.


107. Conforme consta do douto despacho do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, datado de 5.03.2018, o procedimento contraordenacional instaurado no âmbito do processo n.º 41/12.... contra o Recorrente foi, quanto ao segmento atinente à sanção principal, declarado extinto por prescrição, conforme Doc. 4 junto com o requerimento do Arguido de 15.05.21 e se dá como reproduzido;


108. A circunstância de a prescrição só ter sido declarada após o trânsito em julgado da decisão condenatória, não obstou, no caso concreto, a que a decisão judicial que apreciou os factos como contra-ordenação tenha antes disso transitado em julgado (por esgotamento dos recursos e reclamações que dela poderiam ser interpostos).


109. Refira-se, aliás, que a norma do artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, não exige sequer que o Arguido tenha sido condenado, podendo até dar-se o caso – ao qual se aplica o mesmo regime – de a decisão que apreciar os factos como contra-ordenação ser uma decisão absolutória.


110. Quanto à questão de se saber se a decisão, transitada em julgado, com base em prescrição faz (ou não) accionar, a favor do Arguido, a garantia proporcionada pelo princípio “ne bis in idem” respondeu positivamente o Acórdão Gasparini, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção), datado de 28 de Setembro de 2006: “O único critério relevante para efeitos da aplicação do conceito de «mesmos factos», na acepção do artigo 54.º da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si. Assim, a colocação de uma mercadoria no mercado de outro Estado‑Membro, posterior à sua importação no Estado‑Membro que proferiu a absolvição por prescrição do procedimento relativamente a um delito de contrabando, constitui um comportamento susceptível de fazer parte dos «mesmos factos», na acepção do artigo 54.º”


111. Sendo relevante salientar que o Recorrente foi condenado primeiro pelo BdP (Doc. 1) e, após isso, por decisão judicial, ao cumprimento da sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração durante 10 anos, vindo esta sanção acessória a ser integralmente cumprida (por o recurso judicial não ter, quanto à mesma, efeito suspensivo), o que levou à extinção da correlativa parte do processo atinente a esta sanção, que, consequentemente, não findou por prescrição, mas por cumprimento;


112. Concluindo-se, pelo exposto, que nada impede, antes obriga, a aplicar o disposto no artigo 79.º, n.º 2, do RGCO.

[§1.7] – REQUERIMENTO PARA INSTRUÇÃO DO PROCESSO COM CERTIDÃO DO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO N.º 41/12.5... / DA VIOLAÇÃO PELO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO DO ARTIGO 340.º, N.º 1, DO CPP.


113. O Recorrente requereu em 15.05.21 a extinção do procedimento criminal contra si instaurado nos presentes autos com fundamento no artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, e na proibição ínsita nos artigos 29.º, n.º 5, do CRP (“5. Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.”), 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.”), 4.º do Protocolo 7 adicional à CEDH, 14.º, n.º 7, do PIDCP.


Para esse efeito:


114. Alegou o Arguido, em síntese, que se formou decisão judicial transitada em julgado que julgou os factos imputados nos autos ao Arguido (e ou factos indissociáveis destes), no âmbito de processo de contra-ordenação que contra ele correu termos e que tal trânsito em julgado com o n.º 41/12.5..., teria (e s.m.o. terá), desde logo, de ser certificado nos autos, devendo com base em tal certidão o Tribunal analisar as decisões tomadas naquele processo punitivo para correcto entendimento da matéria de facto que foi já judicialmente apreciada (e consequente definição daquela cujo novo julgamento ficou prejudicado), o que se torna imprescindível para correcta aplicação dos artigos 29.º, 5 da CRP, 79.º, n.º 2, do RGCO, 4.º do Protocolo 7 adicional à Convenção, 14.º, n.º 7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.


115. Neste campo, a junção aos autos de certidões das decisões tomadas do processo punitivo já findo corresponde a uma diligência necessária à boa decisão do requerimento do Arguido, a integrar no disposto no artigo 340.º, n.º 1, do CPP, que dispõe que: “1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.”.


116. Ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal “a quo”, s.m.o., em nítida violação do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, a instrução do processo, enquanto antecâmara da apreciação da causa de extinção do processo com base na proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos/infracção, é tão necessária, para este efeito, como a junção aos autos do certificado de registo criminal para aferição e ponderação dos antecedentes criminais do Arguido;


117. Em ambos os casos, sem certificação dos antecedentes criminais do Arguido não terá o Tribunal possibilidade de ajuizar a causa.


118. Na verdade, invocando o Arguido a existência de julgamento anterior capaz de fazer accionar as garantias que decorrem do princípio “ne bis in idem” e do artigo 79.º, n.º 2, da RGCO, o que verdadeiramente importa averiguar é se o Arguido foi já julgado pelos mesmos factos a título de contra-ordenação.


119. Sob pena de faltarem elementos que, podendo e devendo ser apurados/certificados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro sobre a (im)possibilidade de prosseguimento do procedimento criminal.


120. Não se podendo perder de vista que a questão do “ne bis in idem” é de conhecimento oficioso, gerando a preclusão da acção punitiva e a consequente extinção do procedimento criminal em cumprimento dos artigos 29.º, n.º 5, da CRP, 4.º do Protocolo 7 adicional à Convenção, 14.º, n.º 7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.


121. Pelo que, deveria o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, antes de apreciar tal questão, ter ordenado a instrução dos autos com todos os elementos ao seu correcta enquadramento, leia-se, com certidões das decisões proferidas pelos diversos Tribunais no processo de contra-ordenação n.º 41/12.5..., o que constitui condição processual imprescindível para se poder apreciar da questão suscitada.


122. Antes de o fazer, por não dispor de informação certificada sobre o actual estado dos demais processos punitivos, não poderia o Tribunal “a quo”, s.m.o., apreciar a invocada violação do princípio “ne bis in idem”.


Assim:


123. Os artigos 340.º, n.º 1, do CPP e 79.º, n.º 2 do RGCO, interpretados (como foram no douto Acórdão condenatório) no sentido de o Tribunal poder indeferir o pedido de extinção do procedimento criminal com base na existência de decisão judicial transitada sobre os mesmos factos, sem que que os autos sejam instruídos com certidão que determine o actual estado do processo de contra-ordenação, bem como, o teor das decisões aí proferidas e o seu alegado trânsito em julgado, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 1, 29.º, n.º 5 e 32.º, n.º 1, da CRP, interpretados em conformidade com os artigos 50.º da CDFUE, 4.º do Protocolo 7 adicional à CEDH e 14.º, n.º 7, do PIDCP.


124. Importando a interpretação “conforme à Constituição” e às normas internacionais acima indicadas dos artigos 340.º, n.º 1, do CPP e 79.º, n.º 2 do RGCO que o Supremo Tribunal de Justiça assegure, previamente ao indeferimento da questão, que tem posse de todos os elementos/certidão necessários(a) quanto ao processo punitivo concorrente, e, designadamente, do teor das decisões judiciais neles proferidas e do invocado trânsito em julgado, em conformidade com o que se requer a final.

125. Acresce que, no douto Acórdão condenatório, ao ordenar-se o desentranhamento:

a) dos documentos oferecidos pelo Arguido em 15.05.21, que eram relevantes para a boa decisão da causa (no que ao “ne bis in idem” diz respeito, por reportarem a decisões anteriores proferidas noutros processos punitivos e ou relativas aos mesmos) violou o Tribunal “a quo” o artigo 340.º, n.º 1, do CPP, impondo-lhe a norma em causa não só a respectiva admissão, como a obtenção de certidões dos mesmos, conforme acima exposto; e

b) da resposta à promoção do MP oferecida pelo Arguido com o requerimento com a ref.ª ...15, que correspondia ao exercício legítimo do Arguido se pronunciar sobre os fundamentos aduzidos pelo MP que, designadamente, promoveram o desentranhamento daqueles documentos (conforme citado na motivação supra), violou o Tribunal “a quo” o princípio do contraditório constitucionalmente consagrado (artigo 32.º, n.º 5, da CRP), que exige que o Arguido se possa pronunciar sobre requerimento do MP que impacte nos seus direitos de defesa.


[§1.8] - PEDIDO DE REENVIO PREJUDICIAL PELO STJ AO TJ (TJUE) PARA DETERMINAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO NORMATIVA A DAR AO ARTIGO 50.º DA CARTA (relativamente à possibilidade de sobreposição das diversas acções punitivas de natureza formalmente administrativa e criminal, considerando o seu objecto, os tipos em causa, as sanções aplicáveis e aplicadas, a forma concreta e a cronologia com que foram instauradas, tramitadas e decididas, o estado das mesmas e o teor das decisões aí tomadas), NOS TERMOS DO ARTIGO 267.º DO TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE).


126. A norma cuja interpretação se requer que seja objecto de reenvio prejudicial ao TJ (que integra o TJUE) para que este se pronuncie a título prejudicial, nos termos do 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), é o artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, onde se pode ler “Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.


127. Como é sabido, o pedido de reenvio prejudicial tem de ser suscitado perante o último Tribunal nacional chamado a decidir, o que, “in casu”, é feito para que a questão do “ne bis in idem” seja dirimida em conformidade com o artigo 50.º da Carta e com a jurisprudência do TJ.


128. Em virtude de o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não ter esgotado o poder jurisdicional dos Tribunais comuns sobre a invoca violação daquele princípio constitucional e internacional impõe-se, na óptica da defesa, que seja agora requerido ao Supremo Tribunal de Justiça que ordene o reenvio prejudicial com o desidrato último de aferir da possibilidade de sobreposição de um processo de contra-ordenação e outro de natureza criminal com base nos mesmos factos, face à diversa e complexa jurisprudência do TEDH e do TJ;


129. Sendo que, para que tal sobreposição seja aceite à luz da mais recente jurisprudência internacional – vertida no Ac. A. e B. c. Noruega - haverá que verificar do cumprimento dos diversos requisitos que vêm, ultimamente, sendo aceites por aquelas instâncias internacionais, mas que dependem de uma complexa aplicação ao caso concreto (conforme resulta já do douto Ac. do TRL proferido no processo n.º 4910/08.... abundantemente citado pelo douto Acórdão condenatório recorrido), desde logo no que se reporta à aferição da “relação temporal suficiente entre os processos, o TEDH é menos preciso. Limita-se a indicar que não é necessário que o processo penal e o administrativo decorram simultaneamente, do início até ao fim, e acrescenta que a prova será tanto mais difícil para o Estado quanto maior for o desfasamento temporal entre os dois processos (58).”, critério que, como se referiu acima, apresenta “obstáculos quase insuperáveis que os juízes nacionais deverão enfrentar para, com um mínimo de certeza e previsibilidade, determinar a priori quando é que existe essa relação temporal.”


130. Haverá, assim, também à luz do artigo 50.º da Carta (leia-se, e não apenas com base no artigo 79.º, n.º 2, do RGCO), que decidir se a acção punitiva de natureza administrativa no confronto que tem com os presentes autos manteve, ou não, aquilo a que o Sr. Procurador citado no douto Acórdão do TRL, acima transcrito, chamou de “(…) um nexo material suficientemente estreito entre os processos penais e administrativos sancionatórios”, o que se concluirá negativamente em caso de ausência de efectivo cumprimento dos “critérios” que especialmente devem ser ponderados para esse efeito, conforme se reconhece (por adesão) no douto Acórdão condenatório recorrido, que contudo, se demitiu de qualquer análise concreta sobre o cumprimento de tais critérios.


131. Quanto a isto, na óptica do Recorrente, mesmo que se entenda que se verificam “finalidades complementares dos processos e a sua relação com diferentes aspectos da conduta lesiva para a sociedade.”, face ao valor e à natureza das sanções aplicadas no processo de natureza administrativa intentado pelo BdP, tem de se concluir que “A complementaridade e a coerência” é, no caso concreto, diminuta considerando que as sanções administrativas de 10 anos de inibição de funções e o valor das coimas aplicáveis e aplicadas ao Arguido no total de euros: 990.000,00 pertencem, manifestamente, ao “«núcleo duro do direito penal»”;


132. Por outro lado, “A dualidade, jurídica e na prática, dos processos” não constituía para o Arguido “uma consequência previsível da mesma conduta censurada.”, já que o regime regra do RGCO, impunha (i) a organização de um só processo crime e (ii) em caso de cúmulo real entre crime e contra-ordenação (fundada na tutela de interesses jurídicos diversos e em respeito pelo princípio da necessidade), que o Arguido fosse acusado e condenado num só processo, devendo, nesse caso, nos termos do regime geral, a entidade administrativa remeter o processo ao MP que deverá acusar por contra-ordenação e crime no âmbito do mesmos processo, e não em processos autónomos, sendo este o regime regra.


133. No que concerne ao processo instaurado pelo BdP com o n.º 41/12.5..., verifica-se que o mesmo nunca tramitou com os presentes autos de forma paralela e interdependente, faltando portanto “A complementaridade na instrução dos processos que evite, quando seja possível, repetições na recolha e apreciação dos elementos de prova, graças à interacção entre as diversas autoridades, por forma a que o apuramento dos factos realizado num dos processos seja incorporado no outro.”, e sobre este facto ou necessidade de análise concreta nada refere o douto Acórdão condenatório recorrido.


134. De facto, entre o processo 41/12.... movido pelo BdP contra o Recorrente e os presentes autos nunca houve troca de elementos de prova; o que, aliás, resulta à saciedade da circunstância, bem reveladora, de nunca o Tribunal de 1.ª Instância referir a sua existência, tramitação e ou as sanções materialmente penais aí aplicadas ao ora Recorrente, o que o Tribunal “a quo” igualmente não fez com referência aos presentes autos (nem sequer às sanções aplicadas e, inclusive, ao cumprimento integral da sanção acessória de inibição de funções pelo período de 10 anos).


135. Pelo que, a coexistência do processo daquele concreto contra-ordenação com os presentes autos não passa, por exemplo, no escrutínio do cumprimento do critério da exigência que “O cômputo e a [da] consideração da sanção proferida no primeiro processo [leia-se, no processo de contra-ordenação 41/12.5...], no momento da aplicação da sanção do segundo [leia-se, no processo de natureza penal], de modo que a sanção ao particular não implique uma punição excessiva, sendo a existência de um processo de compensação adequada para evitar este risco.”.


136. O incumprimento deste último critério resulta, desde logo, do facto de nunca ao presente processo terem sido juntas quaisquer cópias e ou certidões da decisão administrativa e das decisões judiciais proferidas naquele processo punitivo que certificassem quer o teor das mesmas, quer o estado daquele processo e o eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, cuja existência e teor o Tribunal de Julgamento sempre ignorou e ou não teve em conta, o que veio a ser reiterado pelo Tribunal “a quo” que inclusive indeferiu a requerida junção aos autos de certidões dos demais processos punitivos;


137. Assim, pese embora o MP tenha em tempo oportuno tido conhecimento da acusação do BdP e da decisão do mesmo (no âmbito do processo 4910/08.... que correu termos no DCIAP), nunca jamais o Tribunal de 1.ª Instância teve conhecimento do teor das decisões definitivas tomadas no processo de contra-ordenação, ficando assim impedido de sequer as ponderar, não tendo, muito sintomaticamente, dado como provadas as sanções aplicadas aos Arguidos no processo n.º 41/12.5..., a sua definitividade e ou cumprimento, que o Tribunal “a quo” igualmente não fez, recusando certificar tais decisões.


138. Também quanto ao critério/requisito de inexistência de desfasamento temporal entre os dois processosigualmente não analisado no douto Acórdão condenatório - se verifica o seu manifesto incumprimento, o que resulta, desde logo, da circunstância de a inibição por 10 anos aplicada ao Arguido pelo BdP no processo de contra-ordenação se encontra integralmente cumprida desde janeiro de 2019, sem que o processo crime tenha sido definitivamente decidido (salientando-se aqui que a sanção acessória aplicada não se confunde com qualquer suspensão preventiva de funções, sendo manifestamente uma sanção materialmente penal nos termos considerados pela CEDH e pelo artigo 50.º da Carta).


139. Tendo-se no processo de contra-ordenação julgado e condenado o Arguido pelos mesmos factos (cujo conhecimento foi contemporâneo por parte do MP) entendidos como  “conjunto de circunstâncias fácticas concretas que envolvem o mesmo infractor e estão indissociavelmente ligadas no tempo e no espaço”, sendo que, a este respeito, dever-se-á ter presente que o TEDH (como referido no Ac. do TRL citado pelo Ac. condenatório) “Na sua jurisprudência posterior (35), o TEDH manteve esta posição, favorável às garantias dos indivíduos, consistente em apreciar o idem factum em face do idem crimen. No seu acórdão da Gran Sala A e B c. Noruega (36), voltou a confirmá-lo.”, fica precludida a hipótese de prosseguimento nova acção punitiva quanto à mesma factualidade, ou qualquer outra que seja dela indissociável.


140. Desta forma, a opção de não aglutinar todas as possíveis qualificações jurídicas e todos os factos indissociáveis num único processo punitivo faz precludir a hipótese de novos processos pelos mesmos, afastando qualquer argumento que pretenda afirmar que a matéria do processo de contra-ordenação apenas se refere à parte da matéria fáctica julgada, não sendo demais voltar a referir que no processo de contra-ordenação se julgou e condenou o Arguido, ora Recorrente, por ter causado “impactos (necessariamente patrimoniais) decorrentes da actividade delituosa descrita nos autos, estimando-se em 491 milhões de euros, à data de 31.12.2007, o montante das provisões registadas no BPN para crédito vencido, relativas ao Banco Insular e ao “balcão virtual”.


141. Face ao exposto, há que concluir que as autoridades a quem o Estado deu poderes para investigar, acusar e fazer punir não se articularam e instauram processos materialmente punitivos por uma enorme quantidade de factos praticados à luz da mesma estratégia ao longo de quase uma década enquanto contra-ordenação, deixando de incluir e ou esmiuçar outros, quando podiam e deviam ter agido de forma articulada e de forma a que todos os factos idênticos ou indissociáveis fossem, num único processo, apreciados e julgados (artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO e 208.º do R.G.I.C.S.F.), ou a limite e sem conceder, criado dois processos autónomos (contra-ordenação e crime), interligados e articulados, inclusive em termos temporais, destinando-se, a limite e novamente sem conceder (já que se trata de uma pena materialmente penal), o de contra-ordenação à aplicação da sanção acessória pelo BdP, o que manifestamente não fizeram, prejudicando a repetição de uma nova acção punitiva pelos mesmos.


142. Donde, também aqui se verifica que – mesmo à luz do direito nacional – não era possível instaurar processos onde se aplicassem, como se aplicaram, sanções pecuniárias elevadíssimas a título de contra-ordenação e, após isso, continuar a promover a acção criminal pelos mesmos factos, ou por factos indissociáveis, mesmo que considerandos de “enquadramento”, quando esses mesmos factos constituem explicitamente parte da mesmíssima estratégia que levou à prática dos factos que se entendeu constituírem o ilícito penal.


143. De facto, mesmo que num único processo, haveria, em princípio, que aplicar o artigo 20.º do RGCO, que estatui, sob a epígrafe “Concurso de infracções”, que se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contraordenação, o que manifestamente não foi implementado uma vez que se puniu por contra-ordenação repetidamente os mesmos factos, ou factos indissociáveis, que agora se pretende voltar a punir como dois crimes de burla, alegadamente praticados através da detenção e utilização do Banco Insular para aquisição e detenção fiduciária de activos e negócios omitidos ao Bando de Portugal ao longo de quase uma década.


144. Os artigos 208.º, do R.G.I.C.S.F., na sua redacção original, e o 40.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO, interpretados (como foram no douto Ac. condenatório) no sentido de permitirem que, pelo mesmo facto ou factos indissociáveis (que não sejam supervenientes), mesmo que enquanto factos de enquadramento, uma pessoa responda a título de título de ilícito de contra-ordenação e de crime, instaurando-se processos distintos respectivamente perante o juiz penal e no Banco de Portugal, cabendo a este último a aplicação das sanções acessórias previstas no R.G.I.C.S.F., sem que exija que qualquer decisão administrativa e ou judicial tomada num processo seja imediatamente conhecida no outro e considerada no mesmo, são materialmente inconstitucionais por violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP, interpretado em conformidade com a Convenção (artigo 4.º do Protocolo 7 e à luz da mais recente jurisprudência do TEDH, a que o Tribunal “a quo” faz referência) e ao artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).


Acresce que:


145. Os artigos 40.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO (ex vi 208.º R.G.I.C.S.F.) e 208.º, do R.G.I.C.S.F., na sua redacção original, interpretados no sentido de permitirem que, pelo mesmo facto ou factos indissociáveis (que não sejam supervenientes),  mesmo que enquanto factos de enquadramento, uma pessoa responda a título de crime e de contra-ordenação, instaurando-se processos distintos respectivamente perante o juiz penal e no Banco de Portugal, cabendo a este último a aplicação das sanções acessórias previstas no presente diploma, sem que exija que o teor e eventual trânsito em julgado de qualquer decisão judicial tomada num processo seja imediatamente conhecida no outro e considerada no mesmo, são materialmente inconstitucionais por violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP, interpretado em conformidade com a Convenção (artigo 4.º do Protocolo 7 e à luz da mais recente jurisprudência do TEDH, a que o Tribunal “a quo” faz referência) e ao artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).


Por outro lado:


146. O artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, interpretado no sentido de o trânsito em julgado da sentença ou despacho judicial que qualifique o mesmo facto, ou factos indissociáveis, como contra-ordenação não precludir o seu novo conhecimento como facto de enquadramento de um crime (que não ocorra ou seja conhecido de forma superveniente), é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da segurança e da intangibilidade do caso julgado (implicitamente consagrado na Constituição da República, nomeadamente nos seus artºs 2.º, 210.º, n.º 2 e 282.º, n.º 3, da CRP), bem como, do artigo 29.º, n.º 5, da CRP e do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).


147. Debalde procurou o Recorrente no douto Acórdão recorrido uma qualquer referência aos presentes autos e, consequentemente, à aplicabilidade da norma constante do artigo 79.º, n.º 2, do RGCO, que não existe.


148. Estando findo, desde data que deverá ser certificada nos autos (mas que consta referida no Doc. 4), o processo de contra-ordenação que apreciou os factos enquanto contra-ordenação, requer-se ao Supremo Tribunal de Justiça que se digne ordenar o reenvio prejudicial da questão para determinação da interpretação a dar ao artigo 50.º da Carta relativamente à possibilidade sobreposição do processo de contra-ordenação n.º 41/12.5... e dos presentes autos, considerando o seu objecto, os tipos de infracção em causa, as sanções aplicáveis, aplicadas e já cumprida (no que concerne a sanção acessória), a forma concreta e cronologia com que foram tramitados, o estado dos mesmos e o teor das decisões aí tomadas, bem como a possibilidade de prosseguimento dos presentes autos após a certificação do trânsito em julgado da decisão proferida naquele outro que qualificou os factos como contra-ordenação.


149. A questão assume elevada complexidade face à diversidade de critérios utilizados tanto pelo TJ como pelo TEDH e face à recente alteração jurisprudencial ocorrida.


150. Sem prejuízo da elevada complexidade da questão e da evidente autonomia do Supremo Tribunal de Justiça na sua formulação, o Arguido/Recorrente toma a liberdade de sugerir à consideração desse Supremo Tribunal, as questões a colocar ao TJ para definir os termos da correcta interpretação do artigo 50.º da Carta, com referência à questão do “ne bis in idem” face à pendência dos autos e à existência de decisão transitada em julgado no processo de contra-ordenação n.º 41/12.5... e ao integral cumprimento da sanção acessória aí aplicada, que enuncia no pedido a final;


151. Pedido de reenvio prejudicial que se considera tempestivo por ser formulado antes do esgotamento do poder jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça.

[§1.9] - DA VIOLAÇÃO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO DA VERTENTE PROCESSUAL DO PRINCÍPIO “NE BIS IN IDEM” ATRAVÉS DO DUPLO JULGAMENTO E CONDENAÇÃO PENAL NOS PRESENTES AUTOS E NO PROCESSO 4910/08.... / DA OBRIGAÇÃO DE EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL COM FUNDAMENTO NA PRÉVIA CONDENAÇÃO DO ARGUIDO NO PROCESSO CRIME 4910/08.....


152. No douto Acórdão do Plenário do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, datado de 10 de Fevereiro de 2009 tirado na queixa Zolotoukhine c. Russia, este Tribunal fixou jurisprudência no sentido de “harmonizar a interpretação do conceito da “mesma infracção” – elemento idem do princípio non bis in idem – para os fins do artigo 4 do Protocolo n.º 7.”


153. Naquele Acórdão o TEDH considerou “que o processo contra o requerente em conformidade com o artigo 213 § 2 b) do código penal respeitava essencialmente à mesma infracção pela qual o interessado já tinha sido condenado por julgamento definitivo, nos termos do artigo 158 do código das infracções administrativas.”, tendo condenado a Rússia pela violação do princípio “ne bis in idem” (previsto no artigo 4 do Protocolo n.º 7 à CEHD), apesar de, no segundo processo punitivo (o processo crime, após cumprimento da decisão administrativa que o condenara), o Arguido ter sido absolvido.


154. O princípio “ne bis in idem” comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. 


[§1.10] - DA SOBREPOSIÇÃO DO OBJECTO DOS PRESENTES AUTOS E AO DO PROCESSO CRIME N.º 4910/08.....


155. Quanto ao processo n.º 4910/08.... verifica-se uma clara violação do princípio “ne bis in idem”, por o objecto deste se sobrepor à matéria de facto dos autos, quer em relação a factos ditos de enquadramento, como expressamente reconhecido no douto Acórdão recorrido, quer em relação a operações financeiras concretas, mutuário, mutuante, datas e montantes, quer em relação à “estratégia”, quer ainda ao “engano” provocado à entidade de supervisão, subjacente ao alegado crime de burla, o que o Tribunal “a quo” se eximiu de apreciar refugiando-se na afirmação genérica (que tudo permite, mas nada esclarece) de que: “Da análise comparativa da extensa decisão de facto daqueles autos e a decisão de facto deste processo, resulta claro que não existe coincidência do objeto do processo: diferentes atuações, diferentes negócios e com diferentes intervenientes.


156. De facto, a afirmação genérica efectuada pelo Tribunal “a quo” não considera como coincidentes (além da identidade da estratégia de ocultação dos negócios e de instrumentalização das off shores e do BI ao BdP, e ou de recurso a terceiros fiduciários que serão, no mal especificado entendimento do Tribunal “a quo”, factos de enquadramento) os factos comuns a ambos os processos, oportuna e expressamente salientados como tal pelo Recorrente (no requerimento para extinção do procedimento criminal apresentado em 15.05.21 que veio a ser indeferido pelo douto Acórdão condenatório).


157. O engano (que também levou à condenação do Arguido pela prática dois crimes pelos quais vem condenado) que foi sendo perpetuado ao longo dos anos à luz da mesma estratégia a que reporta por exemplo o artigo 27.º da pronúncia, desde logo, através da elaboração e exibição de uma contabilidade que não reflectia a totalidade dos activos e passivos do Grupo, contabilidade esta que passou a integrar certos documentos e contratos, não reflectindo outros e da prestação de falsa informação ao BdP e, pelo que agora foi entendido pelo TRL, aos demais Administradores do BPN, enquadrando-se ainda na execução dessa estratégia as duas (mais duas) situações/negócios subjacentes à condenação do Arguido nos presentes autos.


Por outro lado:

158. Nos presentes autos estão também em causa financiamentos efectuados pelo Banco Insular cuja actividade e os financiamentos a negócios do Grupo fazem parte do processo n.º 4910/08...., cujo objecto integra todo o balanço do Banco Insular (balcão 1 e 2);


159. Financiamentos efectuados pelo Banco Insular, por valores e a sociedades já todas, ou quase todas, expressamente identificadas(os) no processo n.º 4910/08.... conforme quadro do artigo 215.º da pronúncia daqueles autos, mas também nos artigos 216.º a 219.º que se dão como reproduzidos.


160. Aí se verificando a identidade entre sociedades mutuárias, mútuos e factos comuns a ambos os processos, sendo a V... e a S... expressamente definidas como “centros de custos” no artigo 73.º da pronúncia do proc.º 4910/08..., que se dá como reproduzido.


161. Acresce que, ao contrario do que foi genericamente negado pelo Tribunal “a quo” (sem que qualquer análise específica fosse feita para tal), existe completa identidade dos financiamentos descritos nos artigos 613.º a 659.º da pronúncia dos presentes autos, relativamente à offshore AU..., onde se alega que: “À data de 29/6/2007 a AU..., tinha em dívida no Banco Insular, balcão virtual, associada à aquisição das entidades BIR..., CH... e BRI... a quantia de 58.409.069,10€, que incluía os financiamentos, despesas e juros.”, sendo que tal financiamento se acha totalmente abarcado no artigo 215.º da pronúncia do processo n.º 4910/08..., pelo valor de 60.825.257,79€.


162. A alegada “estratégia” da concretização dos negócios a que se refere de forma discriminada a pronúncia dos presentes autos é nitidamente a mesma que já se encontra referenciada, por exemplo, nos artigos 8.º e 433.º a 437.º (“437º - Tal estratégia necessitava de contar com a intervenção de terceiros que, com a aparência de utilização de capitais externos ao grupo, viessem a adquirir a SLN IMOBILIÁRIA, que assim, deixaria de ter que consolidar, em sede contabilística, no seio do grupo SLN, aproveitando, ao mesmo tempo, para retirar da esfera da SLN SGPS um conjunto de sociedades cujo nível de credito concedido faria ultrapassar os limites fixados pelo Banco de Portugal.”) do processo n.º 4910/08....;


163. Sendo tais negócios consequência da carta do Banco de Portugal, datada de 17-07-2000, que qualificou a SLN como companhia financeira (v.d. fls. 17.026 do Ac. rec., a que se refere o artigo 433.º da pronúncia do proc.º n.º 4910/08..., mas, de igual forma, o douto Ac. rec., a fls. 262, 265, 266, 267, 273, 283, 301, 315 e 1667, bem como, o ponto 921 da matéria de facto do Acórdão proferido pela 1.ª Instância), e da estratégia que se lhe seguiu, nitidamente aplicável à área do imobiliário (onde pontificava a própria SLN Imobiliária, cuja venda simulada â Ca... aí se julgou).


164. Já no artigo 219.º da pronúncia do processo n.º 4910/08.... se alega que os Arguidos BB, EE e CC teriam o alegado interesse em tornar os créditos identificados no artigo 213.º a 218.º “não cobráveis”, o que configura uma imputação àqueles Arguidos de uma intenção de não pagamento e ou de causarem um prejuízo que, agora, detalhada e simultaneamente lhes é imputado nos presentes autos.


165. Assim, a pronúncia do processo n.º 121/08.1TELSB não é mais do que uma versão detalhada da pronúncia do processo n.º 4910/08...., com a agravante de repetir os mesmos factos que foram já objecto do processo do BdP n.º 10/08/CO, onde o Arguido já foi julgado e punido pelos factos relativos à detenção, instrumentalização, não consolidação do Banco Insular no grupo SLN/BPN e ocultação do mesmo à entidade de supervisão, em nítida e reiterada violação do princípio “ne bis in idem”, entendido como dever de unicidade da acção punitiva.


166. A matéria de facto do processo n.º 121/08.1TELSB consubstancia - em relação àquela que consta do processo n.º 4910/08.... - a imputação ao Arguido, dos “mesmos factos” e até da prática do mesmo alegado crime de burla (de execução continuada), os quais não podem aqui e ali ser alvo de dois julgamentos, a pretexto ora de uma abordagem vaga e generalista, ora de uma mais detalhada análise dos financiamentos já incluídos no objecto do processo n.º 4910/08...., financiamentos que, neste último, se afirma que os Arguidos pretendiam tornar parcialmente “não cobráveis”, repetindo-se uma alegação de um consequente prejuízo imputado ao Arguido.


167. Assim, os factos imputados ao Arguido em ambos os processos são absolutamente contemporâneos e indissociáveis entre si.


168. Face a esta materialidade, os factos inclusos na pronúncia proferida no processo n.º 121/08.1TELSB formam com aqueles que foram levados à pronúncia no processo n.º 4910/08...., uma unidade jurídica e um “pedaço de vida” que só num processo poderia ser apreciado, verificando-se de forma nítida a existência de uma “parte comum entre o facto histórico julgado [leia-se, em julgamento nos dois processos na mesma fase processual] e o facto histórico a julgar” e que ambas as imputações têm “como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integrem na outra, um todo do ponto de vista jurídico.".


169. Acresce que, a queixa que deu azo ao processo n.º 121/08.1TELSB foi apresentada em 3 de Novembro de 2008 e a acusação proferida no âmbito do processo n.º 4910/08.... encontra-se datada de 21 de Novembro de 2009 (mais de um ano volvido)! Ou seja, os factos densificados na pronúncia do processo n.º 121/08.1TELSB já eram do conhecimento do MP à data em que acusou os Arguidos nos presentes autos.


170. Pelo exposto, os factos (ainda que detalhados ou complementados) que foram considerados nas duas pronúncias não poderão, no que concerne ao Arguido e ao contrário do que foi decidido pelo douto Acórdão recorrido, continuar a ser julgados em vários processos penais simultâneos, sob pena de manifesta e reiterada violação do princípio “ne bis in idem” (e ainda mais quando lhes precederam processos de contra-ordenação materialmente penais).


171. O Ministério Público podia e devia ter incluído num único processo a imputação aos Arguidos dos factos de que depois “esmiuçou” na acusação proferida no processo n.º 121/08.1TELSB, referindo, por exemplo, a existência de mais dois colaboradores (os co-Arguidos GG e HH) na “estratégia” ali imputada ao Arguido, o que não fez.


172. Exemplo prático de que os negócios versados na douta pronúncia do processo n.º 4910/08.... e na douta pronúncia do processo n.º 121/08.1TELSB são matérias indissociáveis – consubstanciando o mesmo “pedaço de vida” - é que a própria DS..., no Relatório elaborado sobre o negócio Palácio .... S.A., escreve que o valor recebido da K... (a que aludem os artigos 348.º e seguintes da Pronúncia do processo n.º 121/08.1TELSB) foi transferido pela “…G... para a SLN Investimento para pagamento de parte do preço de aquisição da VA... - Imobiliária e Investimentos S.A.” (cfr. página 6 do Relatório Final junto sob Apenso Temático AC);


173. Negócio imobiliário de aquisição da Va... que faz parte da pronúncia do processo n.º 4910/08...., conforme se reconhece, por exemplo, a fls. 1059, 1082, 1680, do Acórdão proferido pela 1.ª Instância, e a que também aludem pontos 347, 357 e 969 da matéria provada, a fls. 73, 74 e 169 daquele Acórdão, onde se dá como provado um “pagamento de Esc.: 570.000.000$00 para a esfera do arguido AA relativo a um outro negócio;”, afirmando-se depois no douto Acórdão proferido no processo 4910/08...., que o julgamento efectuado (que não deixa de existir, desta concreta matéria de facto) reporta a “negócio não apreciado nestes autos;”, o que apenas serve para confessar a violação do princípio, por estar em causa o duplo julgamento do Arguido por factos idênticos e ou evidentemente indissociáveis que não são sequer de enquadramento (ao ponto de o Acórdão do processo 4910/08.... ter de os julgar provados quanto a um negócio concreto). 


174. Salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido limitou-se a uma refutação genérica da questão da violação do “ne bis in idem”, não tendo procedido a uma efectiva comparação dos factos e limitando-se à enunciação de alguns argumentos de natureza retórica para fundamentar a decisão, argumentos que certamente não passarão num escrutínio rigoroso, como seja aquele que virá a ser o desse Supremo, do TJ ou do TEDH;


175. Aliás, mesmo a circunstância de a 1.ª Instância ter relegado a decisão da questão para final obrigou a uma injustificada sujeição do Arguido a um novo julgamento durante cerca de três anos e meio anos, com início em Março de 2015, por factos anteriormente julgados, ou factos indissociáveis dos mesmos.


176. Não se percebendo sequer o que se pretendeu significar, a fls. 1725 do Acórdão de 1.ª Instância, com a afirmação de que “Ora, chegados ao final do julgamento, aquilo com que nos deparamos nada tem a haver com o duplo julgamento pelos mesmos factos.”, uma vez que aquilo com o Tribunal se deparou, em termos de matéria de facto, estava há muito balizado pelo objecto da pronúncia.


177. Sendo que, estranhamente (face à invocada complexidade de decisão da questão), o Tribunal de 1.ª Instância, para fundamentar a sua decisão, não se referiu uma única vez ao teor do douto Acórdão de 24 de Maio de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 4910/08... que se encontrava junto aos autos.


178. Não tem qualquer razão o Tribunal de 1.ª Instância quando, após reconhecer “que existe um conjunto de factos de carácter mais genérico, de enquadramento, que são comuns a outros processos, designadamente, ao Proc. n.º 4910/08.....”, se limitou a reconduzir os mesmos a meros “factos que ajudam a contextualizar a actuação dos arguidos dentro do funcionamento do grupo SLN/BPN e dos mecanismos que tinham ao seu dispor para alcançar as finalidade que lhes são imputadas, e bem assim o modus operandi pelos mesmos assumido no âmbito da actividade do grupo SLN/BPN.” e ao afirmar que os concretos negócios que são objecto dos presentes autos “nada têm a ver com o objecto de outros processos, designadamente do Proc. n.º 4910/08...., onde são apreciados negócios ligados aos financiamentos montados para garantir o controlo accionista do Grupo.”.


179. O Tribunal de 1.ª Instância pôs indevidamente a tónica nos concretos negócios apreciados (leia-se, nas compra e vendas de activos), esquecendo os financiamentos que os permitiram, desde logo, expressamente incluídos no objecto do processo n.º 4910/08..., via Banco Insular, ou via V..., e que o ponto 894 da matéria de facto afirma serem fonte do alegado prejuízo.


180. Ora, no douto Acórdão recorrido o Tribunal “a quo” reiterou tal erro, socorrendo-se de uma análise totalmente genérica e completamente distinta daquela outra que lhe era exigida pelos critérios hodiernamente aceites pelo TEDH para aferir da invocada violação do princípio “ne bis in idem”.


181. Esqueceu o Tribunal “a quo” que a enorme amplitude do objecto do processo n.º 4910/08... radica na criação e execução, pelo Arguido e outros, de uma estratégia, que, além do mais, utilizou a V... primeiro em BPN Cayman e depois junto do Banco Insular como “centro de custos” e o Banco Insular como Banco não consolidado, bem como, a implementação de negócios através de parcerias e ou “testas de ferro” utilizados para contornar as limitações decorrentes da aplicação da regras prudenciais sempre à luz da mesma “estratégia” expressamente identificada, por exemplo, nos artigos 7.º, 8.º, 33.º, 71.º, 72.º, 73.º, 85.º, 190.º, 437.º, 484.º, 501.º, 602.º, 760.º, 762.º, 763.º, 819.º, 821.º e 997.º da pronúncia do processo n.º 4910/08..., que aqui se dão como integralmente reproduzidos.


182. A apreciação feita pela 1.ª Instância centrou, erradamente, a perfuntória análise do objecto do processo n.º 4910/08.... no pressuposto que o mesmo apenas abrangia “negócios ligados aos financiamentos montados para garantir o controlo accionista do Grupo” (negócios estes que constituiriam, alegadamente, o primeiro pilar da “estratégia” imputada ao Arguido no processo 4910/08....), esquecendo que naquele outro processo crime também se imputaram ao Arguido negócios do Grupo da área do imobiliário, como a venda simulada da SLN Imobiliária, o negócio da As... ou da Va...;


183. Tendo esse mesmo erro sido reiterado no douto Acórdão recorrido, por exemplo, quando afirma que: “Naqueles autos 4910/08.... está em causa a prática de factos que consubstanciam a prática de crimes levados a cabo para se obter o controlo do Grupo SLN, mais concretamente financiamentos para compra de ações, falsificação de documentos e burla, mas cujos factos nada têm a ver com os presentes.”;


184. Esquecendo o Tribunal “a quo” todos os demais factos incluídos naquele processo, desde logo, os relativos à utilização e ocultação do Banco Insular pelo Grupo e à utilização de terceiros a troco de benesses para fugir ao controlo do Banco de Portugal, e todos os negócios incluídos na pronúncia do processo 4910/08.... sob a epígrafe “Negócios proporcionados pelo controlo accionista”, imputados a partir do artigo 433.º daquela pronúncia e pelos quais o Arguido, ora Recorrente, foi condenado por diversos crimes, incluindo um “único crime” de burla, abarcando toda a sua conduta até à saída do Grupo (tal como o da venda fictícia da SLN Imobiliária à Ca... ou os negócios da As... e da Va...).


185. A propósito desta matéria não se considerou ainda no douto Acórdão recorrido que, à luz da pronúncia do processo 4910/08...., os Arguidos vêm acusados, entre muitas outras coisas, de: “73º - As entidades V..., S... e J... foram utilizadas como veículos de financiamento de outras sociedades e pessoas, através de saques a descoberto, bem como serviram de centros de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão do registo de custos e justificaram a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, se bem que nunca efectivamente pagos.”, o que se sobrepõe à matéria de facto dos pontos 10 e 11 a fls. 24 do Ac. condenatório de 1.ª Instância, que o douto Acórdão recorrido manteve, sendo o crédito concedido às sociedades V... e S..., integralmente incluído no processo n.º 4910/08.... (v.d., por exemplo, artigos 217.º, 514.º e 515.º da pronúncia daqueles autos), que veio a suportar o financiamento de algumas operações expressamente discutidas nos autos (v.d. pontos 677 a 681, a fls. 122 do Ac. rec. e ponto 703 da matéria de facto, a fls. 1625 do Ac. rec.);


186. Sendo que, o objectivo de fugir à actividade da supervisão está, por exemplo, bem patente no artigo 762.º, e ainda nos artigos 89.º a 98.º, 352.º, 433.º a 481.º, da pronúncia do processo n.º 4910/08...., estes últimos a propósito da simulação da venda da SLN Imobiliária (sub-holding do Grupo da parte imobiliária) à sociedade offshore Ca..., não tendo este negócio nada tem a ver com a garantia do alegado “controlo accionista”;


187. Antes sendo um exemplo dos negócios proporcionados por esse alegado controlo exactamente ao nível da área do imobiliário que ocorreram na sequência da carta do BdP, datada de 17 de Julho de 2000, que qualificou a SLN como “companhia financeira”;


188. Carta esta que, à luz de ambos os Acórdãos condenatórios proferidos (no processo 4910/08.... e nos presentes autos), ditou a sujeição da SLN ao controlo e regulamentação prudencial, e, por via das restrições daí decorrentes, ditou, enquanto “móbil” a estratégia de actuação do Arguido objecto de ambos os processos (v.d. ponto 921, a fls. 164 do Ac. rec. e 433.º da pronúncia do processo n.º 4910/08...., bem como todas as inúmeras referências a este tema em ambos os Acórdãos).


189. Não tem, por isso, razão o douto Acórdão de 1.ª Instância quanto, a fls. 1726, afirma que os negócios abarcados pela pronúncia dos autos “nada têm a ver com o objecto de outros processos, designadamente do Proc. n.º 4910/08...., onde são apreciados negócios ligados aos financiamentos montados para garantir o controlo accionista do Grupo. Nestes autos, lidamos com negócios realizados em áreas não financeiras do grupo, essencialmente a imobiliária, e a sua ligação à realização de financiamentos que representaram elevados custos para o BPN e que serviram para gerar opacidade sobre quem eram os verdadeiros titulares dos negócios.”;


190. Não tendo ainda razão o Tribunal recorrido quando, com o objectivo de diferenciar os objectos dos dois processos, afirma que: “Na verdade, está aqui em causa a realização de negócios imobiliários simulados, cujos reais intervenientes havia que esconder ao BdP, bem como os financiamentos necessários para a sua concretização, o que foi feito com recurso a um esquema complexo, tendente efetivamente a impedir o conhecimento por parte do BdP da realidade, criando uma aparente normalidade negocial.”;


191. Na verdade, ressalvado o devido respeito, esquece o Tribunal “a quo” que, ao nível do imobiliário e como exemplo dos negócios “proporcionados pelo controlo accionista”, a própria criação do Fundo I..., no âmbito dos negócios com AA, financiado pelo BPN, é expresso objecto do processo 4910/08.... (v.d., por exemplo, artigos 651.º e 652.º da pronúncia daqueles autos), mas também expresso objecto dos presentes autos (entre outros, conferir os pontos da matéria de facto n.º 362, 365, 366, 368, 370, 372, 374, 543, 664 a 676, 692, 700, 701, 703, 708, 718, 782, 786 e 976 do douto Acórdão recorrido);


192. Sendo, por isso, objectivamente errada a destrinça ensaiada no douto Acórdão recorrido acerca da invocada diversidade do objecto dos presentes autos quando comparado com o objecto dos demais processos punitivos, uma vez que também nos mesmos se apreciaram negócios imobiliário, efectuados com recurso ao financiamento do BI (a também do BPN Cayman), que igualmente cabem naquilo a que o Tribunal recorrido sintetiza como “a realização de negócios imobiliários simulados, cujos reais intervenientes havia que esconder ao BdP, bem como os financiamentos necessários para a sua concretização, o que foi feito com recurso a um esquema complexo, tendente efetivamente a impedir o conhecimento por parte do BdP da realidade, criando uma aparente normalidade negocial.”;


193. Na verdade, a utilização do Banco Insular, enquanto Banco financiador de operações ligadas ao Grupo e ocultadas à supervisão, é nítido objecto do processo 4910/08...., abarcando a condenação pela prática do crime de falsificação pelo qual o Arguido foi condenado a totalidade do “balanço” não consolidado daquele Banco (v.d. pág. 1507 do Ac. datado de 24 de Maio de 2017, proferido no processo 4910/08...., onde se pode ler que: “A contabilidade da holding SLN, SGPS, S.A., foi falsa durante vários anos porque nunca integrou a contabilidade do Banco Insular (incluindo balcão 1) nem das inúmeras offshore do grupo.”, sendo que, segundo o Acórdão de 1.ª Instância, a mesma “resultou desvirtuada e falsa a informação financeira que a SLN, de forma permanente, ao longo dos anos, apresentou nas suas demonstrações financeiras consolidadas, porque não representativa de uma imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados do conjunto das empresas verdadeiramente controladas e compreendidas no seu perímetro de consolidação”.);


194. Mas, e tal não foi minimamente ponderado pelo Tribunal “a quo”, a condenação pela prática de um “único crime” de burla no processo 4910/08.... abarca todo o prejuízo decorrente do não pagamento de todos os créditos que ficaram em dívida, inclusive, aqueles que foram concedidos pelo Banco Insular, como claramente decorre da pág. 1538 do Ac. de 1.ª Instância, datado de 24 de Maio de 2017, proferido no processo 4910/08.... e mantido pelo TRL, onde se pode ler que: “Mesmo abstraindo dos prejuízos provocados nos negócios concretos desenvolvidos e que já foram elencados, basta atentar nas centenas de milhões de euros de mútuos ou empréstimos (contas correntes caucionadas ou descobertos à ordem) que foram concedidos, essencialmente por determinação dos arguidos BB, EE e CC e participação dos restantes, a sociedades offshore do grupo SLN/BPN, mútuos que nunca foram pagos e constituem um prejuízo deste grupo.”), mas também o prejuízo do BPN, SA, por exemplo, com os investimentos não consolidados na La..., executados através de fiduciários, ou do Fundo I..., que era financiado pelo BPN, SA (v.d. artigos 652.º e 655.º da pronúncia do processo n.º 4910/08....).


195. É, pelo exposto, incompreensível que, no douto Acórdão recorrido se tenha redutoramente concluído que: “Naqueles autos 4910/08.... está em causa a prática de factos que consubstanciam a prática de crimes levados a cabo para se obter o controlo do Grupo SLN, mais concretamente financiamentos para compra de ações, falsificação de documentos e burla, mas cujos factos nada têm a ver com os presentes.”;


196. Sendo ainda inaceitável, à luz dos critérios aceites pelo TEDH (consignados no douto Acórdão do TRL proferido no processo 4910/08...., a que aderiu o douto Ac. condenatório) que claramente rejeitam a possibilidade de dupla valoração dos mesmos factos ou factos indissociáveis, à luz de uma diferente qualificação jurídica, o que o Tribunal “a quo” acaba por admitir quando afirma (embora de forma redutora e depois contrariada) “Não se encontram em si mesmas valoradas nem imputadas a qualquer dos arguidos em termos jurídico-criminais, repita-se. Nestes autos para além da violação das regras foram praticados factos fraudulentos que, ocultando também a violação das regras, visavam a prática de factos consubstanciadores de ilícitos criminais. Aqui estão em causa burlas e nada mais. Nem tão pouco nos encontramos perante falsificações, já que os contratos não eram falsos, mas sim simulados.”


197. A este respeito, no âmbito do processo n.º 4910/08.... (com a expressa concordância do MP, que assim acusou) decidiu-se que todas as condutas praticadas pelo Arguido, ora Recorrente, desde a sua entrada para o Grupo e até à sua saída, consubstanciaram, a execução de uma “estratégia” previamente delineada, envolvendo a aquisição, utilização em diversos negócios, não consolidação e ocultação do Banco Insular, bem como, o alegado prejuízo daí decorrente, uma única conduta penalmente punível, designadamente, de burla e de falsificação (v.d. parte dispositiva onde se pode ler, quanto à burla, que o Arguido é condenado pela prática do crime de burla agravada p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, “na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta)”;


198. Ou seja, no âmbito do processo 4910/08.... (leia-se, na acusação, na pronúncia, no douto Acórdão de 24 de Maio de 2017, bem como, no Ac. de 16 de Novembro de 2018), por iniciativa do MP e por decisão do Mm.º JIC e do Tribunal de Julgamento, toda a conduta do Arguido foi subsumida a um único crime, “maxime”, de burla e de falsificação, uma vez que expressamente se decidiu, a fls. 1557 dos Acórdãos de 24 de Maio de 2017 e de 16 de Novembro de 2018 que: “Vários arguidos estão pronunciados só por um crime de burla, abuso de confiança ou falsificação. No entanto, vimos que as suas condutas integram-se nestes crimes, em momentos temporais distintos e negócios distintos. Concurso real? Não. “Maxime” seria crime continuado. Mas entendemos que o correto enquadramento passa pelo crime único. Tivemos oportunidade de ver que os propósitos delineados foram estabelecidos, logo no início, aquando da constituição do grupo SLN/BPN. As condutas posteriores integram-se todas nesses propósitos formulados inicialmente, sendo mera consequência deles. Ou seja, às plúrimas condutas ativas e omissivas que se foram prolongando por vários anos presidiu uma única resolução criminosa.” (“negrito” nosso)


199. Ao contrário do que se decidiu no douto Acórdão recorrido, toda a actividade do Arguido, ainda que perante diversas pessoas ou entidades e negócios, foi efectivamente considerada como integrada “numa única resolução criminosa, num único crime”, porque praticada à luz da mesma estratégia apriorística, sendo alguns factos consequência dos demais, não cumprindo ao Tribunal “a quo” divergir (ainda que implicitamente) da decisão tomada pelo Tribunal competente para o julgamento do processo 4910/08.... (a qual não é neste ponto sintomaticamente referida e ou analisada no Acórdão recorrido), mas deveria, apenas e só, reconhecer que o exercício daquela acção punitiva (face à sua enorme abrangência) e à forma como foi concreta e efectivamente julgada, preclude, indiscutivelmente, a possibilidade de prosseguimento dos presentes autos;


200. Não sendo, por isso à luz do critério fixado pelo TEDH, a mera substituição de AA (já anteriormente entendido, no âmbito do processo n.º 4910/08..., como parceiro do Grupo para a realização de investimentos imobiliários não revelados ao BdP) pelos Arguidos GG e HH, facto que justifique aquela que é uma autêntica repetição de uma acção punitiva, desde logo, destinada à protecção de um bem jurídico (o património) já tutelado com referência ao alegado dano provocado pelo Arguido;


201. Uma vez que o prejuízo que se alega que se veio a reflectir no BPN, alegada e designadamente, devido ao não pagamento de créditos concedidos pelo Banco Insular, já se encontra julgado e punido no processo n.º 4910/08... (uma vez que a totalidade dos financiamentos concedidos pelo Banco Insular foi apreciada e punida no processo n.º 4910/08...., designadamente, através da matéria de facto dos artigos 212.º a 220.º da respectiva pronúncia, ponderado no douto Acórdão de 24 de Maio de 2017, aí proferido, o não pagamento de “centenas de milhões de euros de mútuos ou empréstimos (contas correntes caucionadas ou descobertos à ordem) que foram concedidos, essencialmente por determinação dos arguidos BB, EE e CC e participação dos restantes, a sociedades offshore do grupo SLN/BPN, mútuos que nunca foram pagos e constituem um prejuízo deste grupo.”, conforme se julgou a fls. 1538 daquele Acórdão).


202. A este respeito, refira-se, aliás, que, conforme decorre do douto despacho, datado de 4.02.14, proferido no processo n.º 4910/08...., os factos discutidos em ambos os processos foram qualificados pelo Tribunal de 1.ª Instância como materialmente conexos, que, por isso mesmo, declarou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, al. a), do CPP, absolutamente impedido de depor como testemunha FF, co-Arguido no processo n.º 121/08.1TELSB.


203. Naquele douto despacho, já transitado onde – sublinhe-se - nem sequer se consideraram as coincidências fácticas que manifestamente se verificam relativas a muitos financiamentos e fluxos financeiros discutidos nos dois processos (acima referidos), que aqui se dá como integralmente reproduzido, pode ler-se, na parte que para aqui releva, que “Não temos quaisquer dúvidas quanto à verificação desta conexão de processos. (…)  Procedendo-se a uma leitura atenta dos primeiros 66 factos da acusação proferida no NUIP 121/08.1TELSB, designadamente a matéria factual respeitante ao “enquadramento societário do grupo SLN/BPN”, os objectivos subjacentes à constituição das sociedades “P... – Serviços de Planeamento Finaceiro Internacional, S.A.”, “V...”, “S... Inc.” e “M... LLC”, à actividade concreta desenvolvida por estas sociedades, a utilização do “Banco Insular” e objectivos prosseguidos com este banco no seio do grupo BPN/SLN e a definição da “estratégia” do grupo com a utilização do banco insular (“ocultação de volumes de crédito concedido” através do “recurso a uma entidade ficcionada paralela, um Banco Insular virtual, onde eram criadas contas sem qualquer registo nos livros do Banco bem como com recurso a contas abertas em nome de entidades instrumentais), e comparando-se a mesma com os factos constantes da pronúncia dos presentes autos (art.s 1º a 230.º) essencialmente os referentes ao Banco Insular (factos 77º a 230º), verifica-se uma vasta correspondência de factos próximos ou similares entre si, bem como temas abordados em ambas as pronúncias. Dir-se-á, certamente, que a factualidade referida é de enquadramento aos ilícitos que estarão descritos posteriormente na acusação daquele processo e pronúncia dos presentes autos.
Não obstante esta ser uma posição defensável, não deixa de ser verdade que o “Banco Insular” assume uma posição nuclear e central nos ilícitos descritos na factualidade de ambas as peças processuais dos dois processos.
Acresce que, em termos de concreta ilicitude, consta dos arts. 44º e 46º do NUIPC 121/08.1TELSB que para a execução do desígnio a que se propuseram, os arguidos “BB, CC e EE, asseguravam que toda a estrutura do Grupo SLN/BPN (…) se colocavam também na disponibilidade das concretas execuções de aparentes negócios imobiliários de terceiros” e que asseguravam “através do contacto pessoal com as respectivas chefias, que tanto a Direcção Comercial como a Direcção de Análise de Risco do BPN, se colocavam na sua disponibilidade pessoal em financiamento que fariam conceder através deste Banco”.
(Doc. 8, sendo o “negrito” e sublinhado nosso)


204. Pelo exposto, ao contrário do que foi entendido no douto Acórdão recorrido, conforme previamente decidido no processo 4910/08.... por decisão transitada em julgado a “Intervenção que, por sua vez, em concreto, é desenvolvida nos arts. 235º a 331º, 437º, 507º a 522º e 866º a 903 da acusação do NUIPC 121/08.1TELSB e dos quais resulta que não obstante se refiram a casos concretos na área do imobiliário, os seus contornos não são diferentes dos evidenciados nos factos 602º a 718º da pronúncia dos presentes autos, igualmente negócios concretos do ramo imobiliário e pelos quais também se encontram pronunciados os arguidos BB, EE e CC tal como no identificado NUIPC.


205. Ou seja, o douto Acórdão recorrido na parte que pretende que no processo 4910/08.... não estejam em causa negócios imobiliários simulados, afronta não só o teor da pronúncia ali proferida, como a autoridade do caso julgado que resulta do teor do despacho ali proferido e já transitado em julgado, que o Arguido citou e juntou aos autos.


206. Pelo exposto, os factos (ainda que detalhados ou complementados) que foram considerados nas duas pronúncias não poderão, no que concerne ao Arguido, continuar a ser julgados em processos penais simultâneos, sob pena de manifesta violação do princípio “ne bis in idem”.


207. Assim sendo, por a questão em causa não ter formado caso julgado e ser de apreciação oficiosa, deve, também por este fundamento autónomo da violação da autoridade do caso julgado daquele despacho, ser decidida a extinção do procedimento criminal relativamente a todos factos e crimes que são imputados ao Arguido na pronúncia do processo n.º 121/08.1TELSB, factos estes que já se encontram definitivamente julgados no processo de contra-ordenação supra identificado, por estar proibida quanto aos mesmos o exercício plúrimo da acção punitiva do Estado.


[§1.11] – DA POSIÇÃO ADOPTADA NO PROCESSO 4910/08.... À QUESTÃO DO “NE BIS IN IDEM” / DA SOLUÇÃO NORMATIVA A ADOPTAR FACE À VIOLAÇÃO DA VERTENTE PROCESSUAL DO PRINCÍPIO.


208. A violação do princípio “ne bis in idem” foi também invocada no processo n.º 4910/08...., com referência ao processo de contra-ordenação acima identificado e, igualmente, com referência aos presentes autos.


209. No âmbito do processo criminal n.º 4910/08...., quanto ao processo n.º 121/08...., para concluir para ausência de violação do princípio “ne bis in idem”, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa secundou as razões que fundamentaram a decisão de 1.ª Instância aí proferida, o que fez a fls. 4594 do Acórdão datado 16.10.2019, proferido pela ... Secção (à presente data pendente de recurso ordinário junto do STJ), conforme Doc. 7, que aqui se dá como reproduzido.


210. A solução adoptada pelo Tribunal de 1.ª Instância e secundada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 4910/08.... passa, primeiramente, por negar a acima evidenciada coincidência entre os factos que integram o objectos dos dois processos, e, em segundo, por se acrescentar o “olímpico” argumento de que só haverá violação do princípio “ne bis in idem” se vier a existir trânsito em julgado de uma decisão condenatória (e não apenas um duplo julgamento, ainda que sem condenação), o que é manifestamente contrário a todos os preceitos legais nacionais e internacionais acima citados, dado que os mesmos proíbem o duplo julgamento, não exigindo nunca a dupla condenação (aliás, se assim não fosse a Rússia não teria sido condenada como foi no TEDH por ter julgado duas vezes o ali visado, ainda que o mesmo tivesse sido absolvido no segundo julgamento). 


211. A douta decisão do TRL citada na motivação “supra” [ao afirmar que: “iv. Como resulta evidente dos autos, no caso, o arguido recorrente não se mostra definitivamente condenado pela prática de qualquer ilícito - não houve, ainda, lugar a condenação definitiva, com trânsito em julgado, anterior a este processo, em sede criminal. A questão do ne bis in idem só se suscitará caso, do confronto entre uma decisão já definitivamente transitada e outra a ser ainda apreciada ou igualmente já definitiva, se ajuíze verificarem-se os pressupostos que permitem concluir pela violação de tal princípio.”] adopta uma frontal violação do princípio “ne bis in idem”, ignorando, o segmento processual daquele princípio constitucional, que proíbe literalmente o duplo julgamento (artigo 29.º, n.º 5, da CRP).


212. Não percebendo sequer o Requerente como é possível o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fugir à cristalina literalidade da Lei fundamental, passando a advogar, se bem percebemos, que a mesma permite a repetição de (diversos, inúmeros?) julgamentos pelo mesmo crime sem que o Arguido possa accionar a seu favor o princípio em causa para o evitar, desde que não haja nunca condenação ou decisão definitiva.


213. Salvo o devido respeito, se assim fosse, se mil vezes fosse acusado e julgado, mil vezes estaria bem para o Tribunal “a quo”, desde que apenas fosse definitivamente condenado uma vez, ou não fosse condenado nenhuma por via do arrastar dos julgamentos. 


214. Neste segmento, adoptou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito daquele processo uma interpretação errada e restritiva do princípio, baseada numa configuração do princípio que apenas proibiria a dupla punição (vertente material);


215. Defendendo ainda o TRL naquele acórdão da ... Secção (se o Recorrente bem percebe o somatório das diversas afirmações proferidas no douto Acórdão acima citado), que se evita qualquer violação do princípio aquando da prolação da segunda decisão condenatória se, concluindo-se que se está perante a mesma continuação criminosa (leia-se, de várias parcelas da mesma segmentadas em vários processos crimes de que houve conhecimento contemporâneo), se assegurar a “determinação da medida concreta da pena, mantendo ou aumentando a pena anteriormente imposta", ou seja, a pena imposta nos presentes autos.”.


216. Porém, ao contrário do decidido, os factos (ainda que detalhados ou complementados) que foram considerados nas duas pronúncias não poderiam, no que concerne ao Arguido, continuar a ser julgados em dois processos penais simultâneos, sob pena de manifesta violação do princípio “ne bis in idem”.


217. Embora não se refira expressamente ao preceito em causa, ao julgar como julgou, atribuindo a qualquer anterior condenação penal, não o efeito extintivo de qualquer outro processo punitivo, mas apenas e só o de uma circunstância a ter em conta em sede de determinação da pena aquando de uma segunda condenação penal pelos mesmos factos,  o TRL, naquele Acórdão, aplicou o artigo 71.º do Código Penal, atribuindo-lhe uma interpretação normativa materialmente inconstitucional, por manifesta violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP.


218. E tanto assim é que o Tribunal de 1.ª Instância naquele processo (secundado depois pelo TRL) já tinha expressamente afirmado que: “constatada a circunstância de se estar perante mais uma (ou várias) parcela(s) da continuação criminosa já julgada, deverá, na decisão do processo julgado posteriormente, extrair-se a solução de Direito (para a qual não será indiferente a circunstância de as novas parcelas terem sido descobertas após a condenação inicial ou, pelo contrário, serem circunstâncias já previamente conhecidas).


219. O artigo 71.º, n.º 1 e 2, do CP, interpretado no sentido de uma primeira condenação por factos, de que o Ministério Público tenha tido conhecimento contemporâneo e antes de deduzir qualquer acusação, constitutivos de uma (ou várias) parcela(s) de continuação criminosa já julgada, não obstar a um novo julgamento e constituir apenas uma circunstância a ter em conta na determinação da pena aquando de uma posterior condenação penal, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP e do princípio “ne bis in idem” (interpretado em conformidade com a Convenção - artigo 4.º do Protocolo 7 e à luz da mais recente jurisprudência do TEDH, a que o Tribunal “a quo” faz referência - e ao artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e à luz da jurisprudência do TJ da EU).


220. Tal interpretação normativa viola o princípio da necessidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e o respeito pela dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP) subjacente ao direito a não ser julgado duas vezes pelos mesmos factos (artigo 29., n.º 5, da CRP), uma vez que os factos que sejam objecto de um segundo julgamento poderiam ser (como eram) do inteiro conhecimento do Ministério Público, desde logo por terem sido denunciados muito antes da data da primeira acusação, onde lhe era exigível dar cumprimento ao dever de unicidade de acção.


221. Mas, prossegue a douta decisão do TRL proferido no processo 4910/08.... aduzindo ainda um argumento formal, pondo em causa a possibilidade de o Arguido, naquele processo, poder invocar a sobreposição de acções penais, ao invés de o fazer junto do processo n.º 121/08.1TELSB, por, se bem percebemos, a acusação deste e a marcação de julgamento ter sido notificada ao Arguido em data posterior (v.d. fls. 4595).


222. Porém, a interpretação em causa, esquece que a aplicação subsidiária do processo civil apenas ocorre na parte que seja aplicável em função dos princípios próprios do processo penal, esquecendo a este nível que cabe ao Estado, como directo destinatário da obrigação emergente do princípio “ne bis in idem”, constituir um só processo punitivo quanto aos mesmos factos ou a factos indissociáveis e, a limite, a qualquer um dos Tribunais titulares dos processos que violem o princípio, obstar à submissão do Arguido a um segundo julgamento penal.


223. Assim sendo, como é, caso o segundo prossiga, como prosseguiu, para julgamento, qualquer um dos dois Tribunais passa a estar directamente obrigado a dar cumprimento ao artigo 29.º, n.º 5, da CRP, como resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da CRP, e, consequentemente, a ser titular do poder dever de assegurar que o Arguido não é duplamente julgamento pelos mesmos factos, e isto independentemente da data da notificação da acusação ao Arguido em cada um dos processos;


224. Dizer o contrário é, na óptica do Recorrente, afirmar que a data de notificação da acusação e ou da marcação do julgamento impede o Tribunal que seja titular de um dos dois processos punitivos sobrepostos de dar cumprimento ao princípio em causa por imperativo categórico das regras da competência dos Tribunais.


225. Porém, a realidade é que, à luz daquela interpretação do TRL, é apenas nos presentes autos que a questão deverá ser apreciada, fazendo-se constar que na óptica do Arguido qualquer um dos Tribunais onde actualmente correm os processos penais, face à reiterada violação da vertente processual e material do princípio, tem o poder-dever de extinguir o procedimento criminal, quer à luz da norma constitucional constante do artigo 29.º, n.º 5, da CRP, como à luz dos normativos internacionais a que o Estado Português está obrigado, acima identificados, aí se incluindo o artigo 50.º da Carta.


[§1.12] - FUNDAMENTOS DO PEDIDO DE REENVIO PREJUDICIAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 267.º DO TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE), QUANTO À POSSIBILIDADE DE SOBREPOSIÇÃO ENTRE PROCESSOS CRIMES À LUZ DO ARTIGO 50.º DA CARTA.


226. Considerando que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa manteve a condenação do Arguido em pena de prisão de 10 anos, sendo o STJ o último Tribunal a julgar a causa, impõe-se, na óptica da defesa, que seja agora requerido ao STJ o reenvio prejudicial com o desidrato último de, face à previsão do artigo 50.º da Carta, o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre as questões a final formuladas/sugeridas, desde logo, pela forma como o Tribunal “a quo” e também a ... Secção do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, apreciaram já, no âmbito destes autos e do processo 4910/08...., com expressa referência aos presentes autos, a questão do ne bis in idem (v.d. Doc. 7), quanto à possibilidade de sobreposição de processos crimes, face ao artigo 50.º da Carta.


[§2] – DA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO FORMADO PELO DOUTO DESPACHO DO TCIC, DATADO DE 17FEV14 / DA VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 619.º, N.º 1, 620.º, N.ºS 1 E 2, 621.º E 625.º, N.ºS 1 E 2, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, APLICÁVEIS “EX VI” ARTIGO 4.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.


227. Por requerimento apresentado pelo em 24.05.2021 veio o Arguido requerer ao Tribunal “a quo” que “(…) nos termos dos artigos 619.º, n.º 1, 620.º, n.º 1 e n.º 2, 621.º e 625.º, n.ºs 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” artigo 4.º, do Código de Processo Penal, em cumprimento do caso julgado formado pelo douto despacho, datado de 17FEV14, proferido pelo TCIC, que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa está obrigado a considerar que:

a prova em que se suporta a acusação [e a subsequente pronúncia] se encontra impressa, arrumada e explicada, quer quanto à sua origem quer quanto ao seu significado”, e que
Não é assim verdade que a indicação da prova da acusação e da pronúncia tenha sido feia por remessa genérica para suportes informáticos com centenas de milhares de ficheiros”, não constituindo, por isso, o apenso digital com o n.º 25 prova a produzir, indicada como tal na pronúncia.

Mais requer que, face à autoridade do caso julgado formado por esta decisão, declare que a mesma se acha em directa contradição com o procedimento posteriormente implementado nos autos, em fase de julgamento, que pressupôs a possibilidade de produção genérica da prova constante do apenso digital 25 (à revelia de qualquer despacho fundamentado, com base em iniciativa oficiosa do Tribunal e quanto a um específico documento), determinando, face à natureza oficiosa da questão, que baixem os autos ao Tribunal de 1.ª Instância para que aí seja proferido novo Acórdão que se abstenha de fundamentar a decisão na produção de prova constante do apenso (informático) 25.”.

228. O conhecimento deste requerimento veio, e bem, a ser relegado para o douto Acórdão que apreciasse o mérito dos recursos interpostos;


229. O que se compreende, desde logo, por estar em causa a validade da produção da prova constante do apenso (informático) 25, de forma reiterada e ao longo das diversas sessões de julgamento, sem que tal produção tivesse ocorrido por decisão oficiosa do Tribunal, designadamente, tomada nos termos do artigo 340.º, do CPP.


230. Este requerimento do Arguido, ora Recorrente, veio a ser indeferido em sede de Acórdão condenatório, nos termos citados na motivação “supra” que aqui se dão como reproduzidos.


231. Ainda antes de analisar os concretos fundamentos que, na óptica do Recorrente, deveriam ter levado o Tribunal “a quo” a deferir o requerido, refira-se, desde já, que o Requerente não requereu ao TRL “a certificação do trânsito em julgado (…) relativamente à consideração dos meios de prova realizada pelo Sr. JIC, constante da decisão instrutória”, mas o reconhecimento daquele caso julgado e o consequente reconhecimento da impossibilidade de valoração daqueles meios de prova.


232. Não obstante a, s.m.o., incorrecta formulação da parte dispositiva que incidiu sobre o seu requerimento, a verdade é que o Tribunal “a quo” acabou por se pronunciar, sobre a questão jurídica que lhe foi colocada pelo Recorrente, ainda que de forma que o Arguido não pode deixar de considerar violadora do caso julgado formado pelo douto despacho de 17FEV14.


233. Face aos fundamentos do indeferimento do requerimento do Recorrente por parte do Tribunal “a quo”, desde já se deve referir que, s.m.o., o mesmo incorreu em diversos lapsos manifestos, reveladores de pouca (ou nenhuma) atenção aos detalhes do caso concreto, ao teor do requerimento que veio a ser decidido pelo TCIC no douto despacho de 17.02.2014, recorrendo ainda a argumentos inaplicáveis ao caso “sub judice”.


234. Primeiramente, o Tribunal “a quo” erra claramente, desde logo, na indicação do despacho que o Arguido invoca ter transitado em julgado e a que requereu que fosse dado cumprimento, quando refere que “O Despacho referido pelo arguido é o despacho de pronúncia, o qual foi proferido em 20 de janeiro de 2014. Ou seja, há mais de 7 anos.”


235. Ao contrário do afirmado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o Arguido não invocou o caso julgado formado por qualquer decisão proferida em 20 de janeiro de 2014, nem poderia em rigor fazê-lo porque nessa data não foi sequer proferida qualquer decisão.


236. Acresce que, o Arguido não invocou igualmente o caso julgado formado pelo despacho de pronúncia, sendo que este foi proferido no dia 13 de janeiro de 2014, conforme consta dos autos e era facilmente verificável pelo Tribunal “a quo”.


237. O caso julgado que foi invocado pelo Arguido, ora Recorrente, diz respeito ao douto despacho do TCIC proferido a 17.02.2014.


238. Na verdade, tal despacho (como explicitado no requerimento do Arguido que o douto Acórdão condenatório indeferiu) a arguida nulidade da pronúncia foi, à data, invocada pelo co-Arguido BB;


239. A arguição de tal nulidade efectuada perante o TCIC em 20 de janeiro de 2014, fundou-se, em síntese, na invocada circunstância de a pronúncia remeter aparentemente os sujeitos processuais e, para o que importa, os Arguidos, para um gigantesco conjunto de prova digital a produzir em julgamento consubstanciada em todos os documentos em formato digital constantes do apenso (informático) de busca 25;


240. Apenso informático onde se depositaram na fase de inquérito, sem qualquer selecção e ou organização por parte do MP, todos os inúmeros documentos resultantes das cópias dos numerosos computadores objecto de apreensão;


241. Onde consta um número elevadíssimo de documentos digitais, a maioria sem qualquer relevância para o objectos dos autos, e que não foram pelo MP seleccionados e incorporados nos autos principais, apensos temáticos e ou bancários.


242. Ora, o que o invocado despacho do TCIC, datado de 17.02.2014, decidiu foi - e foi isso que foi invocado pelo Arguido – que não se verificava a nulidade da pronúncia, tal como arguida, por o apenso de busca 25 não conter prova a produzir, ao contrário daquele que era o errado pressuposto do Arguido, ali Arguente, o que foi claramente afirmado pelo TCIC.


243. Tal decisão prolatada em 17.02.214 não foi, à data, objecto de recurso por nenhum sujeito processual.


244. Afirma o douto Acórdão condenatório que deveria, se assim entendesse, o Arguido ter recorrido da mesma, esquecendo, porém, que a decisão instrutória que pronuncie o Arguido nos termos da acusação é, em princípio, irrecorrível nos termos do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, sendo igualmente irrecorrível aquela que incida sobre nulidades e ou irregularidades arguidas com referência à decisão instrutória, conforme jurisprudência unânime (v.g. Ac. TRE de 2-04-2013).


245. Pelo que, de nada valeria qualquer Arguido tentar recorrer do douto despacho de 17.02.2014 proferido pelo TCIC.


Por outro lado:


246. Face à garantia que foi dada aos Arguidos e, em geral, a todos os sujeitos processuais, a verdade é que – materialmente – e através da tomada de posição do TCIC, tal recurso por parte de qualquer Arguido não faria qualquer sentido, justamente face à garantia que o TCIC protagonizou no sentido de a prova digital constante do apenso de busca 25 não ser prova indicada por aquele TCIC como prova a produzir.


247. Na verdade, face ao teor do despacho de 17.02.2014, ficou claramente garantido a todos os sujeitos processuais, e, em particular aos Arguidos, que o TCIC, pese embora indique a fls. 484 da decisão instrutória como prova documental a produzir todos os “apensos de busca de 1 a 27”, aí se incluindo o denominado apenso de busca 25 (apenso que contém apenas documentos em formato digital), declarou, através de decisão subsequente à decisão de pronúncia, que nela incorporou, que:


a) “(…) a prova em que se suporta a acusação se encontra impressa, arrumada e explicada, quer quanto à sua origem quer quanto ao seu significado”, e que
b) “Não é assim verdade que a indicação da prova da acusação e da pronúncia tenha sido feia por remessa genérica para suportes informáticos com centenas de milhares de ficheiros”,


248. Tendo com estes fundamentos afastado a verificação da arguida nulidade da pronúncia, através de decisão que formou caso julgado, por não ter sido objecto de recurso ou reclamação por qualquer sujeito processual, aqui se incluindo o MP, que, aliás, promoveu os exactos termos em que o TCIC veio a proferir o despacho em causa.


249. Por outro lado, ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal “a quo”, é exactamente a antiguidade do despacho de 17.02.2014, que o Ac. condenatório parece desvalorizar, quando afirma que o mesmo foi proferido “há mais de 7 anos”, que lhe atribui a autoridade do caso julgado capaz de se impor perante qualquer outro que seja posterior e o pretenda contrariar.


250. Ao contrário do que parece ter sido entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não existe qualquer norma que, por força da antiguidade do caso julgado formado no processo sobre uma determinada questão jurídica, institua a sua caducidade, ou lhe retire (por qualquer forma) a produção dos efeitos jurídicos (leia-se, a tendencial imutabilidade da decisão sobre aquela questão), sendo que o Acórdão condenatório recorrido não faz sequer qualquer menção à norma que eventualmente dê respaldo a uma tal interpretação normativa.


251. Por outro lado, a jurisprudência maioritária tem vindo a entender que o caso julgado abrange a decisão e os seus fundamentos, logicamente, necessários à decisão e as questões solucionadas na sentença conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor. 


252. A expressão “limites e termos em que julga”, a que se reporta o artigo 621.º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas.


253. Ora, há decisões de questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares ao “thema decidendum” que estão tão, lógica e necessariamente, conexas com o segmento decisório, que este não pode ser dissociado das mesmas na definição do quadro substantivo envolvente, só ganhando sentido quando inter-conexionados (como é evidentemente o caso em que o Mm.º JIC afaste, como afastou, a oportuna arguição da nulidade da pronúncia, baseada na ausência de selecção e determinação dos meios de prova em formato digital a produzir em julgamento, com o argumento de que tais meios de prova, não seleccionados, impressos e organizados, não constituem prova a produzir por indicação da pronúncia).


254. Nestes casos, por razões de economia processual, de prestígio das instituições judiciárias e de certeza das relações jurídicas, terá de concluir-se no sentido da extensão do caso julgado material não apenas à decisão da questão jurídica apreciada (a nulidade da pronúncia) mas, de igual forma, aos seus fundamentos;


255. Fundamento em que se garantiu que “A selecção da prova da acusação [e subsequente pronúncia] encontra-se claramente arrumada nos apensos temáticos, com clara explicitação da fonte onde foram colhidos, não existindo, por isso, uma aceitação de um elenco de prova disparatado, que apenas parece merecer a preocupação do arguido.” e que “Está arguido completamente enganado quanto à aceitação como prova dos ficheiros que procura expor ao ridículo, uma vez que, em nossa opinião, apenas revela a frágil e viciada leitura do texto acusatório e da pronúncia.”.


256. Pelo que, por decisão transitada em julgada, há muito formada nos autos, a única prova indicada na pronúncia como prova a produzir é aquela que consta impressa, arrumada e explicada, quer quanto à sua origem, quer quanto ao seu significado.


257. Contudo, analisado o douto Acórdão de 1.ª Instância verifica-se a cada passo no mesmo que as testemunhas sucessivamente ouvidas foram – sem que sequer tivesse sido proferido qualquer despacho destinado a implementar diligência de prova produzida por iniciativa oficiosa – confrontadas com o teor de documentos constantes no apenso 25, que, tanto o Mm.º JIC, como o MP, afirmaram que não eram prova a produzir.


258. Com tal prática processual passaram a confrontar-se nos autos:


a) por um lado, o caso julgado formado pelo douto despacho de 17FEV14 proferido pelo TCIC; e

b) por outro, as posteriores e sucessivas decisões tacitamente operadas pelo Tribunal de 1.ª Instância em cada uma das sessões de julgamento que permitiam a produção de prova constante do apenso (informático) 25 em cada uma dessas sessões, conforme resulta documentado nas actas respectivas, designadamente, quanto às sessões realizadas nos dias 23-03-2015 , 22-04-2015 , 23.04.2015 , 13.05.2015 , 02.11.2015 , 23-11-2015 , 09-12-2015 , 10-12-2015 , 21-02-2015  e 28-01-2016, mas resulta também do teor do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância, que assim decidiu valorar tal prova à revelia do caso julgado acima referido e sem exigir, “ad minimo”, que a necessidade de produção de tal prova fosse oficiosamente determinada por decisão prévia e fundamentada do Tribunal de julgamento. 


259. Porém, como é sabido, existem no sistema legal vigente diversas normas e princípios de onde resulta claramente a obrigação para os Tribunais de darem cumprimento às decisões anteriormente proferidas nos autos que hajam transitado em julgado e, havendo contradição entre elas, de dar cumprimento àquela que haja transitado primeiro em julgado.


260. Tal obrigação decorre, desde logo, do princípio do Estado de Direito Democrático, expresso no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, do princípio da tutela da confiança, bem como da tutela dos direitos adquiridos e das expectativas legítimas.


261. Ainda como emanação do princípio do Estado de Direito Democrático, do princípio da justiça, da tutela da confiança legítima e do direito ao processo equitativo é reconhecido o princípio da lealdade processual, à qual os Tribunais, enquanto órgãos de soberania do Estado, se encontram obrigados por via dos artigos 2.º, 9.º, al. b), 18.º, n.º 1 e 204.º da CRP.


262. O princípio da justiça materializa-se nos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé, bem como no princípio da tutela da confiança legítima.


263. A protecção da confiança constitui um princípio constitucional, ínsito na ideia de Estado de direito, que postula que o cidadão possa prever as intervenções possíveis do Estado na sua esfera jurídica e tomar, tendo em conta essa previsão, as disposições adequadas; que o cidadão deve poder confiar que o seu comportamento, conforme ao Direito em vigor, permanecerá reconhecido como tal pela ordem jurídica com todas as consequências que lhe estavam originariamente associadas.


264. Pelo que - será em princípio constitucionalmente proibido que o Estado desvalorize as posições jurídicas dos destinatários dos seus actos sempre que estes últimos tenham razões válidas para esperar a não alteração do Direito que lhes era aplicado.


265. Quanto ao tema escreve Gomes Canotilho que uma das dimensões essenciais do Estado de Direito é a segurança e a confiança dos cidadãos, salientando que “as pessoas exigem fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência aos actos dos poderes públicos, de forma a poderem orientar a sua vida de forma segura, previsível e calculável”.


266. Todas as pessoas devem poder saber com o que contam, devendo poder confiar na previsibilidade do direito e, por redobradas razões, na estabilidade das decisões dos Tribunais em obediência ao disposto no artigo 205.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.


267. Conforme se decidiu no douto acórdão do TRP, datado de 21.06.2013, “Da ideia do Estado de Direito, que a Constituição consagra logo no art.º 2º, decorre o princípio da lealdade processual, com assento também no art.º 10º da DUDH e 6ª da CEDH, vigentes em Portugal, art.º 8º da Constituição. Lealdade que se traduz sinteticamente em que o tribunal não pode entrar em contradição com posições por si anteriormente assumidas no processo e nas quais qualquer um dos restantes sujeitos processuais confiou: a situação de confiança que o tribunal criou proíbe-lhe afastar-se das posições que tomou.”


268. Assim, é indesmentível que a defesa do Arguido (como as demais defesas) confiaram, após a prolação e trânsito em julgado do douto Despacho de 17FEV14, que o enorme acervo de documentos em formato digital constante do apenso informático 25 não fazia parte da prova a produzir, uma vez que tal lhes foi expressamente declarado pelo TCIC que os pronunciou, como forma, aliás, de assim afastar a nulidade da pronúncia oportunamente arguida (justamente com falta de concretização suficiente das provas a produzir).


269. Como se afirmou nos doutos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 678/98, 485/00 e 260/02: “O princípio do acesso ao direito e a garantia do processo equitativo comportam uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente as legítimas expectativas em que a parte fez assentar a sua estratégia processual, face à “consolidação” de fases processuais precedentes ou à utilização de determinados meios impugnatórios”.


270. Tal tutela da confiança surge reforçada quando as “expectativas” da parte aparecem associadas à anterior prolação de uma decisão susceptível de constituir (como constituiu) caso julgado formal, delineando e construindo naturalmente a parte a sua estratégia processual ulterior à luz de uma decisão que - justificadamente - teve por imutável.


271. Como é evidente, as exigências de certeza e segurança ganham particular reforço quando no âmbito do processo penal ganham força de caso julgado.


272. Conforme se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/04 “não é legítimo que uma decisão ao abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos (o que, de resto, aqui não se poderá analisar nem está em causa como problema de constitucionalidade), venha a ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa fé da actividade processual do arguido, nomeadamente o exercício normal do seu direito de defesa.” (“negrito” nosso)


273. A importância do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado decorre da própria opção feita pelo legislador constitucional, que se mostra plasmada no n.º 3 do artigo 282.º da Lei Fundamental, que proclama categoricamente o princípio da ressalva dos casos julgados, apenas admitindo as raras excepções previstas nessa norma.


274. A autoridade do caso julgado, radicando em interesses constitucionalmente tutelados como a segurança jurídica e a credibilidade dos Tribunais, é de conhecimento oficioso, sendo arguível até ao esgotamento do poder jurisdicional do Tribunal.


275. Assim, salvo o devido respeito e ao contrário do decidido, encontram-se o Tribunal de 1.ª Instância e o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa investido no dever de, mesmo oficiosamente, dar cumprimento ao douto Despacho de 17FEV14 proferido pelo TCIC, e, consequentemente, a considerar que:


a) “a prova em que se suporta a acusação [e a subsequente pronúncia] se encontra impressa, arrumada e explicada, quer quanto à sua origem quer quanto ao seu significado”, e que
b) “Não é assim verdade que a indicação da prova da acusação e da pronúncia tenha sido feia por remessa genérica para suportes informáticos com centenas de milhares de ficheiros”.


276. Regulando as situações limite de casos julgados contraditórios dispõe o artigo 625.º do Novo Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 4.º do Código de Processo Penal, o seguinte:


“1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar.
2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual”.


277. Devendo, ao contrário do decido pelo douto Acórdão condenatório, face ao acima referido regime legal, considerar-se afastada a possibilidade (posteriormente implementada nos autos) de sistemática produção e valoração da prova contida no apenso 25, não impressa e organizada nos autos, tanto mais que a mesma não foi sequer ordenada à luz de qualquer despacho que implementasse iniciativa oficiosa, por exemplo, nos termos do artigo 340.º, do CPP (antes tendo sido instituída em total desrespeito pelo julgado anteriormente formado como se a prova constante do apenso 25 fosse destinada a ser livremente produzida com base na indicação constante da pronúncia).


278. Por tudo o que vem sendo exposto, não tem qualquer razão o douto Acórdão condenatório na parte em que nele se afirma que: “Se algum erro incidiu sobre a perceção do tipo de prova que constitui a produzida nos autos, por parte do Sr. JIC o arguido deveria ter lançado mãos dos mecanismos processuais adequados, sendo totalmente extemporânea a sua invocação neste momento.
O entendimento da prova, e respetiva valoração, ou o entendimento sobre os meios de prova relevantes para o e pelo Juiz de Instrução não vinculam o juiz de julgamento como é pacífico. Se vinculasse e fizesse caso julgado a fase rainha do processo penal, o julgamento, seria totalmente inútil e uma fase absurda sempre que o mesmo fosse antecedido pela fase facultativa da instrução.
E de igual modo não vinculam este tribunal cuja atividade de sindicância apenas pode e deve incidir sobre a decisão proferida após a audiência julgamento e eventuais recursos interpostos durante a realização deste.”


279. Ao julgar como julgou, violou o douto Acórdão condenatório recorrido os princípios do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP), do processo justo e equitativo (artigos 6.º da CEDH e 20.º, n.º 4, da CRP), bem como, o princípio da tutela da segurança (artigo 8.º da CRP), encontra-se o Tribunal de Julgamento e o Tribunal “a quo” (“rectius”,  o Estado Português através dos seus Tribunais) obrigado a cumprir a decisão a que primeiro se auto-vinculou e, assim, a não fazer produzir como prova, de forma sistemática e reiterada e sem prévio despacho de Juiz que o ordene oficiosamente, fundamentando tal decisão, a documentação constante do apenso informático 25, sob pena de definitiva e desnecessária violação dos direitos de defesa do Arguido (artigos 18.º, n.º 2 e  32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP) que legitimamente confiou e adequou a sua defesa contando com o cumprimento da autoridade do caso julgado emergente do douto despacho de 17FEV14.


280. Os artigos 619.º, n.º 1, 620.º, n.º 1 e n.º 2, 621.º e 625.º, n.ºs 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” artigo 4.º, do Código de Processo Penal, singularmente considerados ou conjugados entre si, se interpretados (como foram) no sentido de, em processos de elevada complexidade e volume, não formar caso julgado formal o despacho do JIC que assegurar ao Arguido que a prova indicada na pronúncia, a produzir em julgamento, é a que se encontra impressa e organizada, sendo revisível no sentido de o Tribunal de julgamento poder produzir e apreciar prova constante de apenso em formato digital, e de nela fundamentar a condenação, sem que para tal tenha o Tribunal de julgamento de proferir despacho fundamentado, são materialmente inconstitucionais por violação da tutela constitucional do caso julgado e dos direitos de defesa do Arguido, bem como dos artigos 9.º, n.º 1, al. b), 13.º, 18.º, n.ºs 1, 2 e 3, 20.º, n.ºs 4 e 5, 27.º, n.ºs 1 e 2, 29.º, n.º 6, 32.º, n.ºs 1 e 2, 205.º, n.ºs 2 e 3 e 282.º, n.ºs 3 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa.


[§3] – QUANTO À NULIDADE POR INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO CONDENATÓRIA DO ARGUIDO PELA PRÁTICA DE DOIS CRIMES DE BURLA QUALIFICADA.

[§3.1] - DO ENTENDIMENTO ADOPTADO PELAS INSTÂNCIAS QUANTO AO CRIME DE BURLA (NO QUE SE REFERE À ENTIDADE(S) “ENGANADA”(S) E LEVADA(S) À PRÁTICA DE ACTOS QUE CAUSARAM AO BPN PREJUÍZO PATRIMONIAL).


281. Previamente às questões atinentes às nulidades e irregularidades que abaixo serão tratadas e que foram inclusive objecto de arguição prévia que veio a ser apreciada e indeferida pelo douto Acórdão do TRL, datado de 23.06.21, também recorrido, cumpre concluir que se verificou nos autos um entendimento evolutivo adoptado pelas Instâncias quanto ao crime de burla e, em concreto, quanto à(s) entidade(s) que terá(ão) sido enganada(s) e levada(s) a praticar acções e ou omissões que, directa e necessariamente, determinaram que o BPN viesse a sofrer o prejuízo patrimonial.


Com efeito:


282. O Tribunal de 1.ª Instância deu como provados, entre outros, os seguintes factos constantes dos pontos 183, 894, 895, 897, : “183) - Visavam os arguidos criar a aparência, perante o Banco de Portugal,”, “894) - Os arguidos BB e CC actuaram sempre com o propósito de induzir em erro o regulador, Banco de Portugal, quanto à titularidade dos activos que colocavam na posse de terceiros e na titularidade de entidades veículo, aceitando para tal lesar o BPN/SLN com a realização de pagamentos excessivos e indevidos a esses terceiros, em remuneração da tarefa de parqueamento dos activos, para além de aceitarem realizar financiamentos não cobertos por garantias eficazes, aceitando o risco, que se consumou, do não pagamento desses financiamentos, com o consequente aumento do prejuízo do Grupo BPN/SLN;”, “895) - Na elaboração e execução desse propósito participou o arguido EE, que tinha conhecimento da angariação e aprovava projectos de negócios que eram ocultados da titularidade do Grupo BPN/SLN, de forma a encenar perante o regulador a existência de um crédito concedido a terceiros, quando na realidade sabia estar em causa um activo e um custo que deveria ser contabilizado no Grupo;” e “897) - O arguido EE, nos termos descritos, participou na actividade de encenação aceitando lesar financeiramente o BPN e proporcionar vantagens indevidas a terceiros, procurando não revelar a exposição do Grupo BPN/SLN a riscos de negócios próprios na área não financeira, em particular no sector imobiliário;” e “899) - Os arguidos GG e HH aderiram ao propósito de encenar a existência de investidores externos ao Grupo BPN/SLN, sabendo que estavam a ludibriar as entidades de regulação (…)”;


283. Toda a lógica do Acórdão de 1.ª Instância, espelhada na factualidade assente e na respectiva motivação é a de que os Arguidos Administradores do Grupo montaram uma encenação destinada a enganar o Banco de Portugal relativamente à verdadeira titularidade de um conjunto de activos (imóveis e acções de sociedades comerciais), o que fizeram com a ajuda de terceiros.


284. Já em sede de apreciação jurídica – para o que aqui releva – pode ler-se na decisão de 1.ª Instância: “O Banco de Portugal é o enganado. Vemos ainda que o BPN ficou particularmente prejudicado (…)” e “Mais uma vez, vemos que o Banco de Portugal aparece como o enganado, a quem são ocultadas informações da actividade global do Grupo, sendo até preparada documentação contratual para apresentar ao Supervisor que não correspondia verdadeiramente à que os arguidos sabiam em vigor”, “Em qualquer uma destas situações vemos que o Banco de Portugal é o enganado (…)”.


285. O BPN que até aqui era (e sempre foi) a instituição lesada/prejudicada e que, segundo o entendimento adoptado pela 1.ª Instância, a par dos Arguidos enganou o Banco de Portugal, passou, no entendimento agora (inovadoramente) adoptado pelo TRL, com base na mesmíssima matéria de facto, a enganado!


286. Ora, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, percebendo a fragilidade desta construção jurídica, passou, com base na mesma matéria de facto (que não alterou em nada), a considerar que o BPN é também ele directamente enganado a par do Banco de Portugal enquanto regulador e supervisor, com a nuance de que também ele teria sido levado a praticar (ou deixar de praticar) os actos que ditam o prejuízo.


287. De facto, ao não ter o Banco de Portugal praticado qualquer acto na sequência do engano alegadamente sofrido, tendo-se mantido numa esfíngica inacção, qualquer dano que tenha sido sofrido pela entidade que o Acórdão em 1.ª Instância identificou como “prejudicado”, o BPN, não foi causado por qualquer engano que tenha sido provocado na entidade que o Acórdão recorrido identificou como “enganado”, nem causado por qualquer acto praticado por este.


288. Situação que, a pág.s 2560 e ss. do douto Ac. do TRL, ora recorrido, veio a justificar que aí se considerasse que “Verifica-se, efetivamente, no caso, não só uma dissociação entre a pessoa do enganado e a pessoa do prejudicado, mas também coincidência entre enganado e prejudicado, pois o próprio BPN é enganado como veremos”.


289. Depois o TRL, a págs. 2563 do douto Ac. condenatório, s.m.o., à revelia de qualquer matéria de facto provada, concluiu “Para além disso, e sem prejuízo, sempre se dirá que, a matéria de facto permite concluir que o próprio BPN é não só prejudicado, mas também ele próprio enganado, ao contrário do que se diz no parecer junto aos autos pelos arguidos GG, HH e Amplimóveis, S.A..” e págs. 2565 “Resulta, pois, sem qualquer margem para dúvidas da matéria de facto que o BPN é ele também enganado (…)”


290. Mais concluiu “O enganador são os arguidos que faziam parte do CA aprovaram formalmente os financiamentos sem correspondência com a realidade, o que era desconhecido do BPN já que apenas alguns dos membros do órgão Conselho de Administração sabiam o que se passava, o enganado é o BdP mas também o BPN, como se explicou.”


291. Mas, por outro lado, para proceder à condenação do Arguido pela prática de dois crimes de burla o TRL considerou também como “enganado” o BdP;


292. O que fez afirmando que: “(…) este erro determinou que o BdP entendesse a situação como regular, atenta a aparência de legalidade dos negócios, e por via disso deixou realizar os actos que desenvolveria caso não existisse o erro ou engano, o que causou prejuízo no BPN; sendo patente que o engano foi intencional para obter do BdP o não exercício da sua atividade de sindicância e regulação, o que quiseram (omissão) ou a conformar-se com as informações prestadas decorrentes dos contratos que eram simulados (ação);”


293. Face ao evolutivo entendimento das Instâncias (à luz da mesma matéria de facto) sobre a(s) entidade(s) que, no caso concreto, se deve(m) considerar enganada(s) para efeitos de consumação do crime de burla, cumpre agora extrair conclusões sobre a legalidade do assim decidido pelo Venerando Tribunal da Relação, demonstrando a verificação das nulidades e ou, não concedendo, as irregularidades processuais que o Arguido considera terem, a este propósito, sido praticadas pelo douto Acórdão condenatório, vícios que oportunamente arguiu junto do TRL e que vieram a ser indeferidos por douto Acórdão do TRL, datado de 23.06.21, também recorrido.


[§3.2] - DA NULIDADE (POR INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO) PREVISTA NO ARTIGO 410.º, N.º 2, ALÍNEA A), DO CPP.


294. Atento o que vem sendo exposto, salvo melhor opinião, não resulta da matéria de facto objectiva e claramente julgada como provada que:

a) apenas alguns dos membros do Conselho de Administração do BPN soubessem do que se passava (leia-se, da concessão de financiamentos sem correspondência com a realidade);
b) tenha sido a ocultação de informação a estes membros do CA (“engano”) que os tenha levado à prática um qualquer acto e ou omissão, ou que tais membros, se tivessem essa informação, se tivessem oposto à actuação dos Arguidos Administradores; ou que
c) desse acto ou omissão dos Administradores que não soubessem (da concessão de financiamentos sem correspondência com a realidade) tivesse resultado, directa e necessariamente, qualquer prejuízo para o BPN.


295. Exemplificando a total falta de especificação dos nomes e actuação dos Administradores que teriam, no entendimento do TRL ainda à luz dos factos, sido “enganados”, veja-se, por exemplo, os pontos da matéria de facto:


512) - O ..., no qual estavam representados, pelo menos, os arguidos FF e BB, em 27-12-2007 aprovou a proposta;”;
934) - Cabia ao administrador com o pelouro comercial apresentar em conselho de administração as propostas de crédito e quando se tratava de proposta do crédito a conceder a entidade do grupo esta era explicada directamente por BB;
935) - BB, em reunião de conselho de administração, descreveu a sociedade AT... de forma entusiástica, como empresa com grande potencial de desenvolvimento, responsável pela resolução de problemas graves na administração pública, designadamente no âmbito dos concursos para colocação de professores promovidos pelo Ministério da Educação,
936) - As propostas de descobertos bancários acima descritos foram sempre introduzidas pela área comercial e, após os pareceres favoráveis que sobre as mesmas recaíram, foram formalmente submetidas à aprovação do conselho de administração, constando de cada uma a aposição do carimbo “Autorizado em C.A.”.


296. Assim se demonstrando que jamais da matéria de facto resulta que houve Administradores do BPN enganados, quais os seus nomes e concretas actuações e ou omissões e o nexo causal entre a sua actuação, ou ausência dela, e a verificação de qualquer prejuízo para o BPN.


297. Donde, salvo o devido respeito, ao contrário do que foi entendido, não resulta da matéria de facto que “apenas alguns dos membros desse órgão – os aqui arguidos – sabiam que o que estava a ser aprovado era o meio ou parte do meio engenhoso, criado pelos arguidos, para poder enganar o supervisor, enganando também os restantes membros do CA (…)”;


298. Por outro lado, se (como se afirma no Acórdão ora recorrido) “os financiamentos já haviam sido autorizados e concretizados através, muitas vezes de descobertos sem cumprimento do workflow, já que “BB mandava e todos obedeciam”, como referiu a testemunha KK”, fica por demonstrar à luz da matéria de facto provada (e não de meras conjecturas sobre a mesma) que:
a) o posterior e presumido “engano” dos demais Administradores do CA do BPN (aquando da ratificação das operações em CA) poderia ainda ter causado prejuízo patrimonial ao Grupo SLN/BPN, considerando que verbas do financiamento já tinham sido “muitas vezes” disponibilizadas; e
b) que o presumido “engano” dos demais Administradores tenha ditado a formação de uma vontade do BPN viciada por erro;

327. Engano este que careceria da alegação e prova expressa de que:
(i) os demais Administradores desconheciam todos os detalhes dos negócios/financiamentos;
(ii) os mesmos Administradores, caso conhecessem os detalhes dos negócios/financiamentos, seriam contrários à sua realização/concessão;
(iii) que estariam em CA nos dias da aprovação de cada um dos financiamentos em causa, em número suficiente à formação de uma vontade social diversa da adoptada;
Ou se, pelo contrário:
(iv) se os demais Administradores souberam todos ou alguns dos verdadeiros contornos dos financiamentos/negócios, e quais;
(v) e ou se, uma vez informados, se conformaram (ou conformariam) todos, ou alguns e em que número, com os objectivos prosseguidos pelos Administradores Arguidos (considerando até que “BB mandava e todos obedeciam”, como refere esse Venerando Tribunal).


Acresce ainda que:


299. A mesma insuficiência da matéria de facto se verifica para a condenação do Arguido pela prática dos dois crimes de burla com base no “enganado” provocado pelos Arguidos no BdP;


300. A este propósito, como acima referido, afirmou-se no douto Acórdão recorrido que “(…) este erro determinou que o BdP entendesse a situação como regular, atenta a aparência de legalidade dos negócios, e por via disso deixou realizar os actos que desenvolveria caso não existisse o erro ou engano, o que causou prejuízo no BPN; sendo patente que o engano foi intencional para obter do BdP o não exercício da sua atividade de sindicância e regulação, o que quiseram (omissão) ou a conformar-se com as informações prestadas decorrentes dos contratos que eram simulados (ação);”


301. Porém, também aqui se verifica, que o engano ao BdP, esse sim expresso na matéria de facto, não foi ainda assim, à luz dessa mesma factualidade, causal de qualquer prejuízo patrimonial, por não se ter provado qualquer acção ou omissão da entidade supervisora directamente emergente do engano e que tenha, directa e necessariamente, causado o prejuízo típico da burla (não se vislumbrando sequer em hipótese de uma acção de supervisão, necessariamente posterior à implementação das operações/financiamentos ter a necessária virtualidade de fazer anular prejuízos deles decorrentes).


302. Ficou, assim, por alegar e provar que o BdP “deixou [de] realizar os actos que desenvolveria caso não existisse o erro ou engano” (o que não resulta concretizado da matéria de facto), mas, sobretudo, e tal seria imprescindível à decisão condenatória, qual teria sido essa actuação e que consequências causais emergiram, de facto, da mesma no que tange à verificação do prejuízo ao nível do BPN.


303. Em lado algum da matéria dada como provada consta qual foi a consequência da inacção do BdP e ou, melhor dizendo, aquela que teria sido a sua acção caso aquela entidade de supervisão tivesse conhecido todos os contornos das operações e financiamentos referidos na pronúncia como sendo do BPN/Grupo, não podendo presumir-se que as consequências patrimoniais da acção e ou omissão do BdP, ou que a sua putativa acção evitaria o prejuízo;


304. Desde logo por tais consequências serem imprescindíveis à verificação causal do resultado típico da burla: o prejuízo.


305. Ao contrário do resultado presumido do silogismo prosseguido pelo Tribunal “a quo”, caso o BdP tivesse conhecido as operações em causa, enquanto operações do Grupo, o resultado provável de tal conhecimento seria a agregação das mesmas para efeitos de cálculo de rácios prudenciais, proibindo-se não os concretos negócios já realizados, mas exigindo-se o reforço dos capitais próprios através de aumento de capital para reposição dos rácios mínimos (caso estivessem, a essa data e com a celebração destes negócios, ultrapassados), ou, alternativamente, restringindo-se para futuro a actividade do BPN em função do cálculo dos referidos rácios.


306. Assim, também quanto ao prejuízo como pretenso (mas indemonstrado) resultado provocado pela acção e ou omissão do BdP, enquanto enganado, não permite a matéria de facto suportar a decisão condenatória proferida.


307. Aliás, dir-se-á até que, o TRL, em busca de solução para subsumir os factos aos crimes, cuja condenação decidiu manter, acabou apenas e só por evidenciar a total insuficiência dos factos para esse efeito;


308. Na exacta medida em que criou duas hipóteses alternativas para a pretensa consumação dos crimes, sem sequer poder nomear factos objectivos e claros que permitam explicar a quem leia o Acórdão recorrido qual foi então o engano causal que efectivamente ditou o prejuízo, ou quem afinal teria agido (ou deixado de agir na sequência do engano) de forma a provocar, com a sua acção ou omissão, o prejuízo, ficando o Arguido (ou qualquer leitor do Acórdão recorrido) sem saber através de que concreta acção ou omissão (e de quem) se consumou cada crime e em que concreto momento se teria consumado.


309. Face ao exposto, na óptica do ora Recorrente, o douto Acórdão condenatório ora recorrido, incorreu na nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, na medida em que a factualidade objectiva e claramente dada como como provada (e mantida pelo TRL) é insuficiente para a decisão de condenação do Recorrente pela prática como autor material de dois crimes de burla qualificada à luz do disposto no artigo 217.º, n.º 1, do CP (mesmo à luz do entendimento, agora inovadoramente adoptado pelo TRL, de que o BPN e o BdP seriam cumulativamente os enganados e o BPN quem sofreria o prejuízo patrimonial emergente das burlas), nulidade que foi oportunamente arguida (não apenas pelo Recorrente, mas por outros co-Arguidos) e se requer que seja declarada, dela resultando a necessária anulação do douto Acórdão proferido, assim como o do douto Acórdão do TRL, datado de 23.06.21, que indeferiu a respectiva arguição, em violação da interpretação “conforme à Constituição” dos artigos 217.º, n.º 1, do CP e 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.


310. É verdade que o TRL no douto Acórdão, datado de 23.06.21, considerou que as nulidades arguidas pelo ora Recorrente perante aquele Tribunal deveriam, por este, ser arguidas em sede de recurso, porém, a realidade é que tais nulidades vieram (contraditoriamente) a ser julgadas como não provadas, da seguinte forma: “a) - Julgar não provadas as nulidades invocadas pelos arguidos EE (…).”, o que na dúvida e de forma cautelar se considera constituir um juízo de indeferimento.


311. Para tal afirmou o Tribunal “a quo” que “É correspondentemente
aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento. Por força do disposto nesta última disposição legal as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n°4 do art° 414º. (…) Portanto, em nosso entendimento, no caso do arguido EE, tal matéria deve ser apreciada em sede de recurso e não em requerimento de arguição de nulidades. O mesmo se diga relativamente à questão que o mesmo invoca em 4.º lugar irregularidade processual praticada pelo douto Acórdão reclamado, por violação dos artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, do CPP e 217.º, n.º 1 do CP e 205.º da CRP, (…)”


312. Discorda o Recorrente do assim decidido por diversas razões.


313. Primeira razão: O Tribunal “a quo” afirma que a arguição efectuada pelo Arguido, ora Recorrente, não constitui o meio processual adequado à invocação de nulidades (“(…) deve ser apreciada em sede de recurso e não em requerimento de arguição de nulidades.”), eximindo-se a conhecer das mesmas, mas acaba, a final, por declarar todas as nulidades arguidas como “não provadas”, decisão esta que corresponde a um conhecimento de fundo das mesmas, o que constitui nulidade a enquadrar no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, por contradição insanável entre os fundamentos do Acórdão recorrido, datado de 23.06.21 e a decisão nele tomada, nulidade que se deixa arguida e se requer que seja declarada, ordenando-se a baixa dos autos para que o Tribunal “a quo” proceda à respectiva sanação.


314. Segunda razão: Considerando que o douto Acórdão recorrido datado de 23.06.21 declara “não provadas” as nulidades e irregularidades arguidas pelo Recorrente, decisão esta que, repete-se, corresponde a um conhecimento de fundo das mesmas, não elenca as razões de facto e de direito que ditam o respectivo indeferimento, incorrendo em absoluta falta de fundamentação, igualmente constituidora de nulidade insanável prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por não conter as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º, do CPP.


Terceira razão: No que se refere às irregularidades processuais subsidiariamente arguidas, face ao disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, jamais poderia o Tribunal “a quo” considerar, como considerou, que o Arguido tinha de as arguir apenas em sede de recurso, sabendo-se que aquele artigo apenas prevê o prazo de 3 dias para esse efeito; pelo que, ao omitir o conhecimento das irregularidades arguidas incorreu o Tribunal “a quo” no douto Acórdão de 23.06.21, na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

315. Quarta razão: Ao considerar não provadas as nulidades arguidas, na óptica do Recorrente, o Tribunal “a quo” procedeu ao seu imotivado indeferimento, assim violando as normas que as previam, considerando que as mesmas se verificam, como alegado pelo Arguido.


316. De facto, ao contrário do que se entendeu no douto Acórdão condenatório de 2.06.21, não consta da matéria de facto de forma clara e objectiva o duplo nexo causal convocado pela respectiva previsão normativa e ou a identidade da(s) entidade(s) que foi(ram) enganada(s) de forma causal à prática de actos ou omissões geradoras do prejuízo, o que além de violar o artigo 217.º, n.º 1, do CP, constitui a nulidade do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, conforme oportunamente arguido pelo Recorrente perante o Tribunal “a quo”, nulidade que deveria ter sido declarada pelo mesmo, ou, no mínimo e sem conceder, deverá ser declarada pelo STJ.


Sendo que:


317. Os artigos 217.º, n.º 1, do CP e 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, interpretados no sentido de não constituir nulidade, por insuficiência da matéria de facto da decisão de condenação do Arguido pela prática do crime de burla, a circunstância de da matéria de facto provada não resultar de forma clara e objectiva o duplo nexo causal convocado pela respectiva previsão normativa, ao ponto de a mesma inalterada factualidade autorizar entendimentos diferenciados das instâncias sobre a identidade da(s) entidade(s) que foi(ram) enganada(s) de forma causal à prática de actos ou omissões geradoras do prejuízo, são materialmente inconstitucionais por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 5, da CRP) e dos artigos 32.º, n.º 1, do CRP e 205.º, n.º 1, da CRP;


318. Na óptica do Arguido a “insuficiência da matéria de facto”, embora constitua um conceito legal infraconstitucional, a que, desde logo, se reporta o artigo 205.º, n.º 1, da CRP (na parte onde se lê “na forma prevista na lei”), terá – por exigência constitucional – de abarcar os casos em que a fundamentação da decisão condenatória não contenha de forma clara e objectiva todos os elementos do tipo, ao ponto de se consentir que um outro Tribunal dela possa extrair conclusões diversas, no caso da burla, sobre a identidade da entidade enganada pelo Arguido;


319. Circunstância limite que constitui, s.m.o., um inequívoco padrão para aferição da constitucionalidade normativa, a partir do qual se verifica a inconstitucionalidade material da norma, sob pena de, através da mesma, se violar a segurança jurídica de todo e qualquer Arguido no âmbito do processo penal, e, inclusive, os seus direitos de defesa em que pontifica a presunção da sua inocência.


320. Termos em que, deve o STJ declarar a nulidade do douto Acórdão condenatório recorrido, datado de 2.06.21, prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, por insuficiência da matéria de facto da decisão de condenação do Arguido pela prática de dois crimes de burla, ordenando ao Tribunal “a quo” que proceda à respectiva sanação, revogando-se ainda o douto Acórdão de 23.06.21, que julgou “não provada” tal nulidade.


[§3.3] – DA NULIDADE DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO PREVISTA NO ARTIGO 379.º, N.º 1, AL. B), DO CPP, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 358.º, 359.º E 424.º, N.º 3, DO CPP E 217.º, n.º 1, DO CP, NA SUA INTERPRETAÇÃO “CONFORME À CONSTITUIÇÃO” / DA IRREGULARIDADE PROCESSUAL POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 424.º, N.º 3, DO CPP, NA SUA INTERPRETAÇÃO “CONFORME À CONSTITUIÇÃO” OBEDIENTE AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.


321. Independentemente de o Tribunal da Relação ter afirmado no douto Acórdão condenatório – e ter mantido tal entendimento no douto Ac. do TRL, datado de 23.06.21 a propósito das nulidades arguidas por outros co-Arguidos  – que (ao contrário do que concluíra a 1.ª Instância, com base na mesma matéria de facto) resulta provado que o BPN também foi enganado pela conduta dos Arguidos e que, na sequência desse agora invocado engano, teve conduta que lhe causou, directa e necessariamente, prejuízo patrimonial;


322. A alteração oficiosa por parte do Tribunal “a quo” daquele que foi entendimento do Tribunal de 1.ª Instância sobre a entidade enganada, com relevo para efeitos de preenchimento dos requisitos legalmente previstos para o crime de burla, consubstancia uma interpretação dos factos e uma solução jurídica que jamais tinha sido reflectida em qualquer decisão proferida nos autos e ou dada a discutir aos sujeitos processuais;


323. Pese embora o Tribunal “a quo” se tenha confinado à condenação dos Arguidos pelos mesmos crimes, operando a subsunção dos factos ao mesmo tipo (e não alterando, por isso, a qualificação formal dos mesmos), não deixou de considerar que o mesmo foi executado de uma forma (penalmente relevante) e totalmente diversa da que vinha sendo configurada pelos sujeitos processuais e pelo Tribunal de 1.ª Instância;


324. Sendo a nova forma de execução pretensamente praticada através de um processo enganoso implementado sobre uma outra entidade, até aí não discutida pelas partes e ou adoptada pela 1.ª Instância.


325. Na óptica do Recorrente, o princípio do contraditório veda ao Tribunal a possibilidade de operar, sem contraditório prévio e ou consentimento do Arguido, não só a mais comum configuração da alteração substancial e ou da alteração não substancial dos factos, nos termos dos artigos 358.º e 359.º do CPP, mas, de igual forma, que surpreenda o Arguido com uma interpretação dos factos geradora uma inovadora forma de execução do crime de burla, por via da qual se altere a entidade até aí considerada enganada e levada a actuar (activa ou omissivamente) de forma causal ao prejuízo patrimonial típico.


326. O que, pese embora a manutenção formal dos factos e da respectiva qualificação, põe os sujeitos processuais e, para o que aqui interessa, o Arguido em processo penal, perante um novo crime, entendido como um crime executado de forma diversa, à luz da indução em erro de uma nova entidade e sendo a subsequente actuação desta (activa ou omissiva) a gerar o prejuízo patrimonial típico.


327. Também nestes casos, por exigência do disposto nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, se impõe claramente ao Tribunal evitar decisões surpresa e permitir aos sujeitos processuais a prévia discussão da nova interpretação dos factos e solução jurídica, exigência igualmente resultante do disposto nos artigos 20.º, n.º 4, da CRP e 6.º da CEDH;


328. Devendo até concluir-se que o direito ao contraditório (a que corresponde o dever de o Tribunal “a quo” o conceder) é ainda mais indiscutível quando a adopção de um novo entendimento sobre a forma de execução do crime e a entidade (inovadoramente considerada) enganada ocorra em sede de recurso e ainda mais quando alguns dos Arguidos não têm já direito a recurso ordinário;


329. Ou seja, quando o Tribunal de recurso, que assim decida, saiba que será (ao menos para alguns dos Arguidos) o último a julgar a causa e, assim, a questão jurídica a que deu uma inovadora solução condenatória, “in casu”, refira-se, fixando penas efectivas.


330. Para obstar a tal de nada vale que se invoque, como no douto Acórdão de 23.06.21, que “Em sede de recurso apreciaram-se as questões suscitadas sopesando-se os argumentos esgrimidos nas motivações de recurso, tendo-se considerado que a subsunção dos factos ao direito se mostrava bem realizada tendo-se ainda considerado que os factos permitiam inclusivamente considerar o BPN também enganado, não obstante alguns dos arguidos defenderem no seu recurso, e juntando decisões deste mesmo Tribunal da Relação defendendo o contrário, invocando como argumento a atuação vinculante dos órgãos do Banco.”


331. Não será certamente a invocação por alguns dos Arguidos Recorrentes de um Ac. do TRL contrário à possibilidade de o BPN poder ser simultaneamente, através da actuação dos seus Administradores, burlão e burlado, que previne os Arguidos – à luz do princípio do acusatório - para a hipótese concreta de assim vir a ser entendido nos presentes autos, ou lhes concede o direito de contraditório sobre uma tal hipótese que nunca tinha até à data sido defendida pelo MP, pelo JIC e ou pelo Tribunal de 1.ª Instância.  


332. Se é bem verdade que o Tribunal de recurso não está circunscrito às soluções jurídicas até aí perfilhadas pelos sujeitos processuais e ou adoptada pelo Tribunal recorrido, o mesmo não pode, contudo, adoptar interpretações da matéria de facto e ou soluções jurídicas concretas nunca formuladas sob qualquer forma acusatória ou antes dadas ao contraditório, tendo o dever de conceder previamente os sujeitos processuais o exercício do contraditório quanto às mesmas.


Assim:


333. Os artigos 358.º e 359.º do CPP e 217.º, n.º 1, do CP, interpretados (como foram no Ac. de 23.06.21) no sentido de não integrar alteração substancial e ou não substancial dos factos, o caso em que o Tribunal de recurso profira decisão condenatória pelo mesmo crime de burla imputado ao Arguido em 1.ª instância, fazendo uso de uma inovadora interpretação da mesma matéria de facto, reveladora de uma nova entidade enganada e levada a agir (omissiva ou activamente) de forma causal ao prejuízo, até aí não imputada ao Arguido na acusação, pronúncia ou decisão de 1.ª instância, são materialmente inconstitucionais por violação das garantias de defesa do Arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República, bem como do artigo 20.º, n.º 4, da CRP (interpretado de forma conforme ao artigo 6.º da CEDH).


Mas, de um outro prisma:


334. Os artigos 358.º, 359.º e 424.º, n.º 3, do CPP e 217.º, n.º 1, do CP, interpretados (como foram no Ac. de 23.06.21) de forma conjugada, no sentido de o Tribunal de recurso poder, sem prévio contraditório, confirmar a decisão condenatória de 1.ª instância pela prática de crime de burla, fazendo uso uma inovadora interpretação da mesma matéria de facto, entendida como reveladora de uma nova entidade enganada e levada a agir (omissiva ou activamente) de forma causal ao prejuízo, até aí não imputada ao Arguido na acusação, pronúncia ou decisão de 1.ª instância, são materialmente inconstitucionais por violação das garantias de defesa do Arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República, e dos artigos 20.º, n.º 4 da CRP (este na sua interpretação conforme ao artigo 6.º da CEDH).


335. Termos em que, deve ser declarada a nulidade do douto Acórdão condenatório recorrido prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por violação dos artigos 358.º, 359.º e 424.º, n.º 3, do CPP e 217.º, n.º 1, do CP, na sua interpretação “conforme à Constituição”, ou, se assim não se entender, a irregularidade processual por violação do artigo 424.º, n.º 3, do CPP, na sua interpretação “conforme à Constituição” (obediente ao princípio do contraditório), devendo, em consequência disso e em qualquer uma das hipóteses, ser anulado o Acórdão condenatório recorrido e o Acórdão, também do TRL, datado de 23.06.21, igualmente recorrido, que julgou não provada a arguição dessa nulidade, ordenando-se a baixa dos autos para que o Tribunal “a quo” conceda aos sujeitos processuais o prazo de 10 dias, para se pronunciarem sobre a interpretação dos factos julgados como provados e solução jurídica inovadoramente adoptadas pelo TRL no que concerne à(s) entidade(s) que terão sido induzidas em erro pelos Arguido e que terão consequentemente actuado de forma causal à ocorrência do prejuízo patrimonial típico do crime de burla.


336. Ao julgar, como julgou, violou o Tribunal “a quo” nos doutos Acórdãos recorridos, datados de 2.06.21 e 23.06.21, os artigos 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, por violação dos artigos 358.º, 359.º e 424.º, n.º 3, do CPP e 217.º, n.º 1, do CP e aplicou os mesmos com as interpretações materialmente inconstitucionais, acima identificadasnão é menos certo. 


[§3.4] – DA NULIDADE DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO, PREVISTA NO ARTIGO 379.º, N.º 1, AL. A), DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 374.º, N.º 2 E 424.º, N.º 3, TODOS DO CPP.


337. O Tribunal da Relação de Lisboa concluiu no douto Acórdão condenatório que se encontram provados factos que, na realidade, não se acham de forma objectiva e clara escritos como tal no elenco dos factos provados, e daí que tivesse feito constar que “(…) a matéria de facto permite concluir que o próprio BPN é não só prejudicado, mas também ele próprio enganado, ao contrário do que se diz no parecer junto aos autos pelos arguidos GG, HH e Amplimóveis, S.A..”, vindo posteriormente a afirmar no douto Acórdão de 23.06.21, também recorrido, que: “O tribunal limitou-se a acrescentar ao acórdão de primeira instância uma leitura dos factos provados que reforça aquela, e sempre com respeito pela mesma norma incriminadora.”.


338. O que significa, sob um outro ponto de vista, que, dos factos provados, logrou extrair (admite-se que aplicação de presunções judiciais) uma nova factualidade reveladora, designadamente, de que os Arguidos causaram erro ao BPN, através da indução em erro dos ... que desconheceriam os verdadeiros contornos dos financiamentos em causa nos autos, e que os mesmos teriam depois actuado de forma a causar o prejuízo subjacentes aos dois crimes de burla pelos quais o Arguido vem condenado.


339. Quanto a isto, se é certo que o Tribunal da Relação, na reapreciação da prova pode alterar os factos nos termos legalmente previstos, e que, nessa tarefa pode utilizar a prova através de presunção, legalmente prevista nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, igualmente aceite no âmbito do processo penal; 


340. Não é menos certo que a utilização de um tal meio de prova (além de dever respeitar as regras de que depende a sua validade) dita, como final necessário para o processo de aplicação das presunções legais em causa, que o Tribunal integre a factualidade assim apurada nos factos provados, leia-se, na “enumeração” dos factos a que alude o artigo 374.º, n.º 1, al. a), do CPP, o que o Tribunal “a quo” não fez;


341. O que se torna exigível para integral cumprimento do dever de fundamentação da decisão assim tomada, e para que o resultado da mesma (os factos) passe a estar objectiva e claramente especificado na decisão proferida.


342. Na óptica do Recorrente, o que o Tribunal não pode certamente fazer é afirmar a manutenção da matéria de facto fixada pela 1.ª Instância, e, após isso, passar a aplicar aos mesmos as referidas presunções como forma de encontrar uma nova matéria de facto, não escrita, mas ainda assim susceptível de fundamentar a aplicação do direito à causa, a pretexto de o Tribunal se ter limitado “(…) a acrescentar ao acórdão de primeira instância uma leitura dos factos provados que reforça aquela, e sempre com respeito pela mesma norma incriminadora.”;


343. Solução que é constitucionalmente proibida nos casos em que tal “leitura” da matéria de facto não dê lugar à uma especificação/enumeração dos factos que preencham um, ou mais, dos requisitos do tipo penal que fundamente – depois - a condenação do Arguido em pena de prisão efectiva.


344. Assim, os artigos 374.º, n.º 2 e 424.º, n.º 3, do CPP, interpretados (como foram) no sentido de o Tribunal de recurso poder, sem que tenha de os especificar na respectiva enumeração de forma objectiva e clara, considerar como provados factos que conclua extraíveis dos demais já aceites em 1.ª Instância, ao ponto de a mesma inalterada factualidade autorizar entendimentos diferenciados das instâncias sobre a identidade da(s) entidade(s) que foi(ram) enganada(s) de forma causal à prática de actos ou omissões geradores do prejuízo típico, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1 e 5 e 205.º da CRP.


345. Ao julgar, como julgou, violou o acórdão condenatório ora recorrido, os artigos 374.º, n.º 2 e 424.º, n.º 3, do CPP, na sua interpretação “conforme à Constituição”, o que dita a nulidade daquele Acórdão prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, devendo ser anulada a decisão assim proferida e, para sanação da nulidade e ou irregularidade oportunamente arguidas e aqui reiterada, proferido novo Acórdão que proceda ao elenco da matéria de facto que o Tribunal “a quo” considerou poder extrair da matéria de facto objectiva e certa constante do elenco dos factos provados já aceite em 1.ª Instância e que constitua requisito do crime de burla pelo qual o Arguido vem condenado.


346. De igual forma, ao julgar “não provada” a nulidade arguida violou o Tribunal “a quo”, através do Acórdão, datado de 23.06.21, também recorrido, as normas acima identificadas.


Se assim não se entender:


[§3.5] – DA SUBSIDIÁRIA IRREGULARIDADE PROCESSUAL POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 97.º, N.º 5 E 374.º, N.º 2, DO CPP, 205.º DA CRP E 217.º, N.º 1, DO CP.


347. O douto Acórdão recorrido, datado de 2 de Junho de 2021, considerando que o artigo 217.º, n.º 1, do CP, exige para a condenação pela prática do crime de burla a confirmação, à luz da matéria de facto, de um efectivo duplo nexo causal entre o engano e a conduta do “enganado” e entre esta e a verificação do prejuízo, violou não só este artigo, mas ainda o disposto nos artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, do CPP e 205.º da CRP, na medida em que a decisão condenatória não contém de forma objectiva e clara, ao nível da respectiva fundamentação de facto, a existência desse mesmo duplo nexo causal.


348. O que sucede quanto a ambas as entidades agora consideradas “enganadas” (o BdP e o BPN), por se verificar omissão na matéria de facto da narração de quaisquer actos e ou concretas omissões, praticadas por funcionários do BdP e ou por ... do BPN (não Arguidos), provocadas pelo engano astuciosamente causado pelos Arguidos (através da ocultação dos verdadeiros contornos das operações/financiamentos), de onde tenha, directa e necessariamente, resultado prejuízo patrimonial do BPN.


349. O que, “in casu”, resulta manifesto da circunstância de o Tribunal de 1.ª Instância, composto por três juízes, que julgaram o processo ao longo de mais de três anos, terem concluído com base na matéria de facto que julgaram como provada que o “enganado” pelos Arguidos foi o BdP, e de o TRL, no Acórdão condenatório proferido, com base na mesmíssima matéria de facto, vir afirmar que afinal, por “conclusão” que considerou extraível da matéria de facto que se manteve, o “enganado” foi afinal e também o BPN (além do BdP), através dos seus ... não Arguidos, que (à luz dessa mesma “conclusão”) teria sido levado a agir de forma que, directa e necessariamente, lhe provocou o prejuízo, sem que os factos incluam tal actuação dos mesmos, ou de quaisquer responsáveis do BdP, e ou as suas directas consequências patrimoniais para o BPN.


350. Sendo que, na óptica do Arguido (ao contrário do que veio a ser o entendimento do douto Acórdão condenatório, secundado e mantido pelo douto Acórdão do TRL datado de 23.06.21, igualmente recorrido), os artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, do CPP e 217.º, n.º 1 do CP, interpretados no sentido de, em caso de condenação pelo crime de burla em pena efectiva, a matéria de facto julgada como provada poder deixar de incluir na enumeração da matéria de facto, de forma objectiva e clara, o duplo nexo causal convocado pelo crime, ao ponto de a mesma inalterada factualidade autorizar entendimentos diferenciados das instâncias sobre a identidade da(s) entidade(s) que foi(ram) enganada(s) de forma causal à prática de actos ou omissões geradoras do prejuízo típico, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 205.º da CRP.


351. A não ser assim, a decisão de condenação poderia, no caso da burla, passar a basear-se num processo, necessariamente subjectivo, de interpretação criativa de “factos”, deixando estes de constituir a barreira intransponível a partir da qual o Tribunal penal deve aplicar o direito, condenando ou absolvendo.


352. Nesse cenário, constitucionalmente intolerável, os factos enquanto tal passariam a ser uma mera plataforma de partida para a definição de uma outra “matéria de facto” subjactiva e incerta (que nada garantiria e tudo iria permitir), mas, ainda assim, aceite para validamente fundamentar uma condenação em pena de prisão efectiva, o que não se concebe;


353. Na actividade jurisdicional que lhe está confiada, o Tribunal penal, não pode aplicar o direito a factos que não sejam objectiva e claramente dados como provados, nem assumir como “factos” realidades que não estejam indiscutivelmente enumerados como tal, o que viola, desde logo, o princípio do contraditório e da segurança jurídica.


354. Sem prejuízo de o Recorrente saber que o Tribunal “a quo” pode, na decisão da matéria de facto, usar de presunções judiciais, tais presunções são ainda um meio de prova para apreciar a matéria de facto, que deverá ser formalmente julgada como tal, constituindo a base objectiva e certa para a aplicação do direito, não sendo autorizada a criação de “factos” não escritos e ou subjectivamente alteráveis por via interpretativa pelas instâncias em função de meros entendimentos que incidam sobre os factos conhecidos e julgados provados, expediente que lograria, designadamente e desde logo, contornar os artigos 358.º e 359.º do CPP e, ou, a limite, condenar um inocente por factos que não foram efectivamente provados e ou julgados como tal (e que derradeiramente, com vem a ser o caso, podem até nunca ter sido objecto de directa imputação ao Arguido, que nem sequer fazia parte do CA do BPN, nem nunca se viu acusado por ter enganado os membros do CA do BPN, onde não teve nunca presença).


355. Pelo que, salvo o devido respeito, no douto Acórdão condenatório julgaram-se preenchidos os requisitos do artigo 217.º, n.º 1, do CP, sem que, como se impunha, ao nível da fundamentação da mesma constem, de forma clara e objectiva, enumerados os factos necessários à conclusão de que se acha cumprido o duplo nexo causal que caracteriza o crime de burla (ao ponto de a mesma inalterada factualidade autorizar entendimentos diferenciados das instâncias sobre identidade da(s) entidade(s) que foi(ram) enganada(s) de forma causal à prática de actos ou omissões geradoras do prejuízo), violando o dever de fundamentação a que está obrigado e, consequentemente, o tipo legal julgado (por duas vezes julgado) preenchido. 


356. Assim, ao julgar como julgou, violou o douto Acórdão, datado de 2 de Junho de 2021, os artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, do CPP, 205.º da CRP, e 217.º, n.º 1 do CP, o que constitui, no mínimo e sem conceder, irregularidade processual que foi oportunamente arguida e que, em violação dos artigos acima identificados deixou de ser reconhecida e declarada no Acórdão do TRL, datado de 23.06.21, igualmente recorrido.


357. Pelo que, o Tribunal “a quo”, ao invés de julgar não provada, através do douto Acórdão de 23.06.21 (de forma, aliás, não fundamentada), a arguida irregularidade processual oportunamente arguida pelo Requerente, deveria ter reconhecido a mesma, sanando-a através de Acórdão que especificasse de forma clara e objectiva a matéria de facto que entendeu poder extrair da factualidade assente em 1.ª Instância, dando, quanto a isso, prévio contraditório aos sujeitos processuais, devendo, para esse efeito, ser ordenada pelo STJ a baixa dos autos ao TRL.


[§4] – QUANTO AOS FUNDAMENTOS DA CONDENAÇÃO PELO CRIME DE BURLA.


[§4.1] – DA IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE A BURLA SER PRATICADA POR ADMINISTRADOR DO SUJEITO PASSIVO DO CRIME / DA INTERPRETAÇÃO MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAL EXTRAÍDA DO ARTIGO 217.º, N.º 1, DO CP.


358. O douto Acórdão recorrido manteve a condenação do Arguido pela prática de dois crimes de burla agravada p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses cada.


359. Resulta do artigo 217.º, n. 1, do Código Penal que só “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”


360. Porém, nos presentes autos, o douto Acórdão condenatório recorrido considerou poder o BPN ser sujeito passivo de um crime de burla que fosse praticado pelo (ex) co-Arguido BB e pelo Arguido FF, enquanto seus ..., em co-autoria como outros co-Arguidos, como o Recorrente, tese jurídica que não tem qualquer suporte legal, o que foi recentemente declarado pelo Ministério Público no processo crime n.º 20/13....: (i) em despacho de arquivamento, (ii) posteriormente reiterado por decisão instrutória ali proferida, (iii) por parecer do Ministério Público junto desse Venerando Tribunal e (iv) por douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado, conforme Acórdão não publicado do TRL cuja cópia se junta, jurisprudência que veio a ser contrariada pelo douto Acórdão condenatório.


361. No processo crime n.º 20/13.... em que foi Arguido BB (e onde foi proferido douto despacho de arquivamento, secundado por decisão instrutória, mantida em sede de recurso), decidiu-se, através do douto Acórdão da ... Secção do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21 de Junho de 2018[4], secundar e dar como reproduzida a decisão aí recorrida onde se decidiu, e bem, que “(…) a tomada de decisão uma pessoa colectiva depende obviamente de quem a dirige, uma vez que a pessoa colectiva não tem a capacidade de se autodeterminar. Assim, a decisão tomada por uma pessoa representação e direcção que lhe hajam sido entregues, é uma decisão que produz feitos como decisão que é da própria pessoa colectiva. Levado ao limite, a construção do assistente conduz a que burlão e burlado se fundam num só. Aquela que decide (a sociedade), fazendo-o através dos gerentes ou ..., e a que sofre um prejuízo patrimonial (novamente a sociedade).” (“negrito” e sublinhado nosso).


362. De facto, se foi o (ex) co-Arguido BB (que era Presidente do ... do BPN, SA, do BPN-SGPS, SA e da SLN-SGPS, SA) e os demais Arguidos ... do Grupo SLN/BPN, que, alegadamente, praticaram os actos pelos quais estão condenados em representação do BPN, determinando, de forma esclarecida e informada, a prática dos actos (“in casu”, a concessão de financiamentos de onde se entendeu resultar o prejuízo penalmente relevante), é evidente que a acção dos mesmos, enquanto representantes sociais, não foi motivada por qualquer erro ou engano astuciosamente provocado.


363. Aliás, no caso dos presentes autos, ficou provado que a actuação dos Arguidos foi praticada à luz de uma estratégia de expansão do Grupo SNL/BPN que ficou provado com base nos pontos 27.º a 41.º da matéria de facto julgada como provada com base na pronúncia.


364. Na óptica do Recorrente, a matéria de facto acima referida aliada ao facto de nenhum dos Arguidos ... do Grupo, entre os quais o Recorrente, estar acusado ou condenado por ter auferido, ou ter pretendido, auferir qualquer vantagem pessoal e ou benefício patrimonial com a prática dos factos, permite concluir, à luz dos normais conhecimentos da experiência que a actuação dos mesmos visou primordialmente a expansão do Grupo SLN/BPN, e não causar prejuízo ao mesmo.


365. Circunstância que releva, e não foi indevidamente ponderada para efeitos criminais e que, na óptica do Recorrente, descaracteriza também os factos ao nível da tentativa de os subsumir ao tipo da burla, por estarem em causa negócios que se provou pertencerem ao Grupo e que apenas por conveniência prudencial foram implementados com recurso a fiduciários do Grupo.


366. De facto, uma coisa é certa, e não pode ser desconsiderada, a conduta dos Arguidos ... do Grupo que se provou, por exemplo, nos pontos 27 a 41 da matéria provada, foi destinada a contornar as limitações decorrentes das regras prudenciais a que a própria sociedade SLN SGPS passou a estar sujeita após a carta do BdP de 17 de Julho de 2000;


367. Donde, pese embora, no entender do Tribunal “a quo”, a conduta e estratégica prosseguida (que levou à realização dos negócios subjacentes à condenação pela prática de dois crimes de burla), não tenha resultado num benefício patrimonial efectivo para o Grupo, certo é que a estratégia prosseguida visou ultrapassar as regras do BdP a que o Grupo estava sujeito ao nível das limitações ao seu auto-financiamento;


368. Não sendo, por isso, a conduta dos Arguidos subsumível ao crime de burla, mas, a limite e sem conceder, ao crime de infidelidade, na exacta medida em que se considere provado que os mesmos admitiram para efeitos de implementação da estratégia de expansão de prosseguiram que o Grupo suportasse custos que em operações/negócios que protagonizasse de forma directa não suportaria.


369. Nesse sentido apenas se provou o que consta dos pontos 183, 894 e 895, lendo-se de forma esclarecida neste último que “Na elaboração e execução desse propósito participou o arguido EE, que tinha conhecimento da angariação e aprovava projectos de negócios que eram ocultados da titularidade do Grupo BPN/SLN, de forma a encenar perante o regulador a existência de um crédito concedido a terceiros, quando na realidade sabia estar em causa um activo e um custo que deveria ser contabilizado no Grupo;” e no ponto 897 que “O arguido EE, nos termos descritos, participou na actividade de encenação aceitando lesar financeiramente o BPN e proporcionar vantagens indevidas a terceiros, procurando não revelar a exposição do Grupo BPN/SLN a riscos de negócios próprios na área não financeira, em particular no sector imobiliário”.


370. Porém, mesmo que se entenda que entre a vontade de expandir o Grupo e a de assumir acessoriamente as despesas com fiduciários os Arguidos ... terão agido com dolo eventual quanto à existência de um potencial prejuízo, caso os investimentos que decidiram que o Grupo efectuasse não corressem bem, tal configuraria apenas e só o crime de infidelidade (mas jamais o de burla) previsto no artigo 224º, n.º 1 do C.P.


371. Assim, quanto ao alegado crime de burla, o douto Acórdão condenatório recorrido considerou, erradamente, contrariando aquela jurisprudência e a posição reiterada do MP no processo n.º 20/13...., poder a pessoa colectiva constituir o sujeito passivo de um crime de burla praticado pelos seus ..., tese jurídica que, repete-se, carece de qualquer suporte legal, e ainda mais quando o Tribunal “a quo” afirma que “BB mandava e todos obedeciam”.


372. A concreta interpretação normativa adoptada, além de ser jurídica e constitucionalmente intolerável, não tem sequer em conta que, pelos mesmos factos que se afirma que, no caso concreto, levaram ao erro e engano dos “enganados”, levaram já à punição da SLN e do BPN pela contra-ordenação de falsificação de contabilidade, prestação de falsa informação e violação de regras contabilísticas, o que nos conduz ao seguinte paradoxo jurídico, bem revelador da atipicidade legal e sistémica da conduta que se considerou integrar a burla:


a) A sociedade (BPN) pode ser condenada por contra-ordenação, sendo pessoalmente responsável enquanto pessoa colectiva pela conduta dos seus Administradores que importe a falsificação de contabilidade, prestação de falsa informação ao supervisor e violação de regras contabilísticas (donde resulta a ocultação de activos e passivos a que reporta a matéria de facto no ponto 895 da matéria de facto); mas

b) Na medida em que essas mesmas condutas sejam praticadas pelos Administradores também perante o BdP, a pessoa colectiva, não só não é responsável com pessoa colectiva, como passa a assumir ela própria a posição de sujeito passivo do crime.


373. Face à concreta interpretação normativa adoptada pelo Tribunal recorrido cumpre concluir que: o artigo 217.º, n.º 1, do CP, interpretado no sentido de o crime de burla poder ser praticado por Administrador que aja em representação da pessoa colectiva que sofre o prejuízo patrimonial, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 29.º, n.º 1, da CRP (princípio legalidade/“nullum crimen, nulla poena, sine lege”), na medida em que a interpretação normativa aplicada, face à efectiva previsão legal, só é alcançável através de uma proibida analogia e ou interpretação extensiva.


374. O artigo 217.º, n.º 1, do CP, singularmente ou de forma conjugado com o artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO, interpretado no sentido de o crime de burla poder ser praticado por Administrador que aja em representação da pessoa colectiva que sofre o prejuízo patrimonial, baseada na prática de factos idênticos e ou indissociáveis pelos quais a própria sociedade tenha sido condenada a título de contra-ordenação, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 29.º, n.º 1, da CRP (princípio legalidade/“nullum crimen, nulla poena, sine lege”), na medida em que a interpretação normativa aplicada, face à efectiva previsão legal, só é alcançável através de uma proibida analogia e ou interpretação extensiva.


375. Mas, mesmo que se entenda que a interpretação adoptada pelo Tribunal “a quo” respeitou os limites da previsão do artigo 217.º, n.º 1, do CP, o que não se concede, nunca a condenação do Arguido poderá ser mantida.


[§4.2] - DA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS OBJETIVOS PARA A PRÁTICA DOS CRIMES DE BURLA.


376. Segundo vem sustentando de forma pacífica a doutrina e a jurisprudência o bem jurídico protegido é o património globalmente considerado.


377. Assim, o crime de burla abrange as situações em que o agente do crime, com a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, para si ou para terceiro, induz outra pessoa em erro, fazendo com que esta última, movida por esse erro ou engano provados pelo agente, pratique atos que lhe causem a si ou a terceiro prejuízo patrimonial.


378. Para que se esteja em face de um crime de burla, não basta, o simples emprego de um meio enganoso: torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo (ou essa entidade).


379. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, de actos de que ocorram prejuízos patrimoniais.


380. A consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre os últimos e a efetiva verificação do prejuízo (destaque e sublinhado nossos).


381. Trata-se, por isso, de um crime de resultado, verificando-se o resultado no momento em que o bem ou valor sai da esfera de disponibilidade do ofendido – concretizando-se, deste modo, o prejuízo.


382. No que diz respeito à tipicidade subjetiva, trata-se de um crime necessariamente doloso, sendo usualmente compreendido como o conhecimento e vontade de preenchimento do tipo objetivo de ilícito, em qualquer das formas a que se refere o artigo 14.º do Código Penal.


383. Assim, o agente tem de agir com a intenção de causar um prejuízo patrimonial alheio e de obter um enriquecimento próprio ou alheio, sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.


384. Aqui chegados desde já se pode afirmar que, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” erra de forma clara ao subsumir os factos imputados ao Arguido EE ao crime de burla, como aliás aos demais Arguidos ... do Grupo.


385. Lido o Acórdão de 1.ª Instância resulta claro que, conforme aí afirmado, “o Banco de Portugal é o enganado” e “o BPN é o prejudicado em termos patrimoniais”.


386. Por seu lado, o douto Acórdão condenatório recorrido entendeu, como acima referido, que o enganado pela conduta dos Arguidos era não só o BdP, mas igualmente, o BPN, como acima se conclui (“o enganado é o BdP mas também o BPN, como se explicou.”);


387. Face a esta multiplicidade de entidades enganadas, tentou em vão o Recorrido identificar qual/quais o(s) ato(s) praticado(s) pelas mesmas na sequência do engano sobre as mesmas das quais resultou um prejuízo, verificando-se que nem um ato se encontra descrito na matéria de facto julgada como provada pelas instâncias!


388. No artigo 217.º, n.º 1, do CP, exige-se do enganado (para além do próprio engano) também a “prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial”.


389. Contudo, no douto Acórdão condenatório recorrido, apenas é referido que aquelas entidades foram enganadas, sem qualquer referência aos concretos atos praticados na sequência desse parente engano! Fosse pelo BdP fosse, finalmente, pelos co-... do BPN.


390. Sendo que, na tese agora perfilhada pelo Tribunal “a quo”, à luz da qual o BPN teria sido igualmente enganado para efeitos de burla, existe, desde logo uma questão que certamente não obtém qualquer resposta na matéria de facto julgada como provada: qual das entidades tidas por “enganadas” praticou a final as condutas que levaram, directa e necessariamente (por via do engano), à verificação do prejuízo típico em cada um dois crimes de burla (?).


391. Por outro lado, referindo o Acórdão condenatório recorrido que “O enganador são os arguidos que faziam parte do CA aprovaram formalmente os financiamentos sem correspondência com a realidade, o que era desconhecido do BPN já que apenas alguns dos membros do órgão Conselho de Administração sabiam o que se passava, o enganado é o BdP mas também o BPN, como se explicou.”, incorre o mesmo num erro flagrante que obsta à condenação do Arguido, ora Recorrente: o Arguido EE nunca jamais foi Administrador do BPN, logo não lhe é aplicável a nova tese de que foi ele um dos agentes enganadores;


392. Com efeito, repete-se, é o próprio Acórdão condenatório recorrido que afirma “O enganador são os arguidos que faziam parte do CA aprovaram formalmente os financiamentos sem correspondência com a realidade”, logo, não é será (como se entendeu ser o caso) o Arguido, ora Recorrente, que apenas exerceu o cargo de … da SLN e da P..., conforme resulta do ponto 26.º da matéria de facto julgada como provada, aí se provando que: “26) - O arguido EE foi administrador da SLN SGPS, da BPN SGPS e da P..., detendo o controlo de facto de várias das sociedades do grupo para a área não financeira;”.


Por outro lado:


393. Na subsunção dos factos ao tipo legal de burla acolhido no artigo 217.º, n.º 1 do CP, o Acórdão condenatório dá como “assente” à revelia de qualquer matéria de facto que respalde isso mesmo, que:


- A não actuação do BdP permite que se concretize o acto de disposição patrimonial;


- Na origem da actuação do BdP está o engano artificiosamente engendrado pelos arguidos;


- É o erro em que o BdP labora que não permite o exercício da actividade que impediria o prejuízo no BPN na medida em que tal actividade impediria a concretização ou a manutenção dos negócios;


- O engano foi intencional para obter do BdP um comportamento omissivo - o não exercício da sua actividade de sindicância e regulação -, sendo ainda intencional para levar o BdP a conformar-se com as informações prestadas decorrentes dos contratos simulados.


394. Porém, ao contrário daquele que é o errado pressuposto da decisão condenatória recorrida, não resulta da factualidade provada que o BPN não pretendesse financiar os co-Arguidos/mutuários nos termos em que o fez, que não haja pretendido renovar o descoberto bancário concedido pelo Presidente do Banco, ou não haja pretendido celebrar os contratos de mútuo ou os contratos de compra e venda.


395. Não resulta de qualquer ponto dos factos provados que o BPN haja incorrido num qualquer erro ou engano sobre os montantes financiados ou as condições acordadas em cada um dos contratos celebrados.


396. A própria factualidade dada como provada é bem clara ao referir as deliberações do órgão máximo de gestão do BPN sobre cada um dos negócios, sem que refira que qualquer um dos Administradores do BPN (necessariamente não Arguidos) foram enganados pelos seus pares na Administração, expressamente referidos como os “enganadores”.


397. Assim, resulta claro que não está evidentemente provado o nexo causal entre o engano e qualquer conduta de qualquer concreto Administrador do BPN (e ainda menos do Recorrente, que não o era) à luz do mesmo que tenha causado directa e necessariamente qualquer prejuízo ao BPN.


Por outro lado:


398. A conduta enganosa assumida junto do Banco de Portugal (consistido na omissão da informação sobre os verdadeiros contornos dos negócios/financiamentos enquanto negócios do Grupo), quer ao nível da matéria de facto quer ao nível da lógica e dos normais conhecimentos da experiência que esse engano, não foi causal relativamente à disposição patrimonial de que resultou a lesão patrimonial do BPN.

399. De facto, o engano ao Banco de Portugal surge num momento posterior à celebração dos negócios/concessão dos financiamentos.

400. Logo, não foi causa de qualquer acto de disposição patrimonial, nem de
qualquer prejuízo na esfera do BPN.


401. Ao contrário do afirmado no Acórdão de 2.06.21, não existe factualidade dada como assente capaz de suportar tal construção jurídica.

402. Como não existem factos dados como provados capazes de suportarem os alicerces da seguinte afirmação: “O enganador são os arguidos que faziam parte do ... aprovaram formalmente os financiamentos sem correspondência com a realidade, o que era desconhecido do BPN já que apenas alguns dos membros do órgão Conselho de Administração sabiam o que se passava”.

403. Nem factos provados que permitem afirmar: “(…) este artifício não era conhecido do Conselho de Administração enquanto órgão do Banco, que aliás, intervinha a posteriori ratificando descobertos já consumados em contas dos terceiros já referidos, aqui igualmente arguidos, tudo com uma aparência de negócio e não com conhecimento da realidade escondida por tais negócios simulados”.

404. Nem existe suporte fáctico para a afirmação de que “(…) o Conselho de Administração não aprovou a atuação dos arguidos, pois apenas conhecia a aparência de negócios, os quais como sabemos eram simulados. A verdadeira atuação, intenção e partes do negócio eram desconhecidos do CA”.


405. Mas, não concedendo, mesmo que os factos provados permitissem dar suporte a esta afirmação - o que apenas por facilidade de raciocínio e exposição se concebe - também aqui haveria que reconhecer que, primeiro, se assistiu à concessão do financiamento e só depois, já num segundo momento, teria ocorrido o engano dos Administradores chamados em conselho de administração a ratificar a concessão de crédito já verificada.


406. Ou seja, também aqui, como no caso do BdP o engano pretensamente causal do prejuízo teria ocorrido em momento posterior ao mesmo, entendimento que se mostra manifestamente improcedente.


407. Sendo que, o artigo 217.º, n.º 1, do CP, interpretado (como foi) no sentido de poder constituir engano relevante para a consumação do crime de burla aquele que ocorra em momento posterior à verificação do prejuízo típico, ainda que se entenda que o enganado, se não o fosse, teria ainda podido diligenciar pela reversão do mesmo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da CRP).

408. Pelo exposto, ao julgar preenchido o crime de burla qualificada violou o douto Acórdão condenatório recorrido os artigos 217.º, 218.º, n.º 2, als. a) e d) e 202.º, al. b), do CP, dos quais extraiu interpretações normativas que, além de contraírem jurisprudência recente do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, são materialmente inconstitucionais.


[§5] - DA NULIDADE DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO RECORRIDO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA / DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NECESSIDADE E DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO (ARTIGO 18.º, N.º 2, DA CRP) E DAS GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO (ARTIGO 32.º, N.º 1, DA CRP).


409. O Arguido, ora Recorrente, foi condenado enquanto co-autor de dois crimes de burla tendo afirmado o Tribunal “a quo” que os únicos beneficiários das mesmas foram os terceiros que aceitaram figurar como fiduciários do Grupo nos negócios subjacentes a cada um dois crimes em causa – os co-Arguidos GG, HH e Amplimóveis, SA.


410. Resulta assim claro que o Recorrente não obteve qualquer vantagem patrimonial emergente dos dois crimes de burla.


411. Assim, para que qualquer restituição dos valores correspondentes ao benefício ilegítimo pudesse ser realizada, por de uma restituição se tratar (entendida como acto de devolução do que foi tomado ou o que se possui indevidamente), a mesma deveria naturalmente ser efectuada pelos co-Arguidos que tivessem beneficiado da vantagem patrimonial.


412. A págs. 373 do douto Acórdão condenatório recorrido, consigna-se que, notificadas para esclarecer os valores que se encontravam em dívida e respectivas responsabilidades, vieram as Demandantes Civis (leia-se, a Parvalorem, SA e o BPN) informar os autos de que, na pendência do recurso, foram pagas pelos co-Arguidos GG, HH e Amplimóveis, SA as quantias que (na parte dispositiva) se decidiu que deveriam ser subtraídas aos valores dos PIC em que os Arguidos (tinham sido e) se mantiveram condenados.


413. Porém, no que tange à circunstância dos co-Arguidos GG, HH e Amplimóveis, S.A. terem procedido ao ressarcimento integralmente do  prejuízo decorrente da alegada prática do primeiro dos crimes de burla, e ao pagamento substancial do prejuízo decorrente da alegada prática do segundo crime de burla, entendeu o TRL expressamente não conhecer dos efeitos jurídico-penais desse ressarcimento, afirmando que “Relativamente à circunstância dos arguidos GG e HH terem procedido à entrega dos bens a que respeitam os factos em causa nestes autos e bem assim de outros bens da sua propriedade para ressarcimento dos prejuízos decorrentes da prática dos mesmos, importa sublinhar que a sua prática já nesta fase de recurso lhe retira relevância em termos jurídico-penais concretamente no que à determinação da pena concreta diz respeito” (pág. 2608 do Acórdão condenatório).

414. Porém, se em regra, a Relação só deve atender os elementos de ponderação que o tribunal de primeira instância teve em conta na decisão e que o recurso questionou, a preponderância de razões formais-processuais sobre as razões substanciais que permitem alcançar a justiça material não é um valor processual com acolhimento.

415. As decisões dos tribunais têm de fazer sentido, têm de ser razoáveis, têm de ter uma lógica de argumentação e aplicação prática dos dispositivos legais que não as torne incompreensíveis para o senso comum (Ac. TRP, proc. nº 417/15.6GBETR.P1, de 10-01-2018).


416. Por outro lado, o Código de Processo Civil aplica-se ex vi artigo 4.º do CPP sempre que hajam lacunas a integrar, e, nesta matéria, dispõe o artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C, que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzia, ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

417. Assim, ao contrário do que se decidiu no douto Acórdão condenatório, a questão do ressarcimento do Ofendido, integral quanto ao prejuízo alegadamente decorrente do primeiro crime, e substancial quanto ao alegadamente decorrente do segundo, cujo conhecimento foi admitido pelo TRL para efeitos de pedido cível, tem relevância jurídico-penal inquestionável, tanto para os co-Arguidos que ressarciram o BPN (que se entendeu terem sidos os únicos a beneficiar patrimonialmente com os crimes);


418. Como para aqueles, como o Recorrente e os demais co-Arguidos que nada beneficiaram patrimonialmente com os alegados crimes de burla (e que nada poderiam restituir ao BPN, por nada terem efectivamente recebido);


419. E isto independentemente de, quanto a estes últimos, o BPN não ter declarado a respectiva exoneração da dívida, vindo apenas e só o Tribunal “a quo” a ponderar o pagamento efectuado pelos co-Arguidos GG, HH e Amplimóveis enquanto pagamento parcial da dívida, ordenado que se considerem tais pagamentos no âmbito dos valores das condenações em sede de PIC.


420. O óbice indevidamente invocado pelo Tribunal “a quo” para a não apreciação deste pagamento (exonerador da responsabilidade civil dos co-Arguidos GG, HH e Amplimóveis, SA e redutor da mesma quanto aos demais) prendeu-se com o momento (alegadamente tardio) da junção do documento donde resulta esse integral ressarcimento.


421. Em sentido contrário ao decidido já se pronunciou o STJ consignando que não obstante “a junção legal de documentos obedece ao previsto no art. 165.º, n.º 1, do CPP, e segundo este normativo deve ter lugar no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo possível, até ao encerramento da audiência; com a junção da motivação, o documento perde, em princípio, utilidade ante este STJ, pois a matéria de facto já se mostra fixada, só não sendo assim se, excepcionalmente, se demonstrar que o documento não pode ter sido incorporado nos autos até àquele momento e tiver indiscutível virtualidade para influenciar a decisão da causa, por o princípio da investigação, resultante da estrutura acusatória do processo, e da descoberta da verdade dos factos, se dever sobrepor ao da auto-responsabilidade dos sujeitos processuais, nos termos do art. 340.º, do CPP, observando-se sempre o devido   contraditório.” (Ac. STJ, de 10-12-2009, Proc.º nº119/04.9GCALQ.S1)


422. Se até à decisão de primeira instância, tal como decorre do artigo 206.º, n.º 1, do CP, o documento junto (como foi) pelas Demandantes, podia inclusivamente fazer extinguir a responsabilidade criminal dos Arguidos, não podendo estes beneficiar deste normativo atenta a letra da lei (“até à publicação da sentença da 1ª instância”), tal não obsta, pelo contrário, exigia, que o Tribunal de Recurso considerasse tal documento e sobre ele se pronunciasse em termos jurídico-penais, ponderando o mesmo para efeitos de medida concreta da pena e até para a sua suspensão, não apenas quanto aos co-Arguido que se considerou como beneficiados com a vantagem patrimonial que caracteriza a burla, como quanto aos demais que se considerou terem praticado os crimes em co-autoria, sem nada receberem.

423. Esta questão (em particular a sua omissão pelo Tribunal “a quo” em sobre ela se pronunciar) assume especial enfoque porque se encontra intimamente relacionada com o princípio da culpa, na sua dimensão do princípio estruturante da dignidade da pessoa humana, bem como com o princípio da proibição do excesso.

424. A culpa assume uma dupla dimensão ao nível da pena, por um lado, constitui um dos seus pressupostos e, por outro, funciona como seu limite.

425. O quantum final da pena é determinado pelo juiz em função dos critérios da culpa e da prevenção, a partir de factores que, por essa via, são relevantes para a averiguação daquela medida da pena.


426. Como assinala Germano Marques da Silva, independentemente da gravidade do facto e da culpa do agente, pode suceder - e sucede frequentemente - que em razão das circunstâncias não se mostre necessária a pena ou uma determinada pena, em razão da própria finalidade das penas.


427. Com efeito, em termos materiais (e isso é o que interessa) não se justifica que a um Arguido venha a ser imposta uma pena de igual natureza e medida à aplicada em 1.ª Instância quando, supervenientemente à sua fixação, aquele que seja o ofendido de crime de natureza exclusivamente patrimonial tenha sido integral e ou substancialmente ressarcido.


428. Nesses casos, é constitucionalmente intolerável que se adopte (como se adoptou) interpretação normativa que afirme que tal alteração/ressarcimento não pode já alterar a necessidade de tutela penal do património do ofendido, e que justifica a aplicação ao agente da mesma pena aplicada ao agente em momento anterior a tal ressarcimento/pagamento, “rectius”, de uma pena fixada à luz dos anteriores pressupostos de facto (supervenientemente alterados, mas que nesse momento se considerem subtraídos ao poder cognitivo do Tribunal superior).

429. Aliás, a atenuação especial da pena é de funcionamento obrigatório ou potestativo, recaindo sobre o juiz o poder vinculado, isto é, o poder-dever, de a conceder.


430. Se dúvidas houvesse nesse sentido, ficaram definitivamente dissipadas com a revisão de 1995, que introduziu no n.º 1 do artigo 72.º do CP a expressão “o tribunal atenua”, substituindo a expressão “o tribunal pode atenuar”, alteração que, na óptica do Recorrente, apenas expressa, ao nível do Código Penal, aquele que é o princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), directamente aplicável por via do artigo 18.º, n.º 1, da CRP.


431. Mas, também o artigo 50.º do Código Penal impõe ao tribunal que suspenda a execução da pena de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste (sublinhe-se, onde o Recorrente nada ganhou), concluir que, face ao substancial ressarcimento do lesado, a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


432. Com isto entende o Recorrente que o Tribunal “a quo” tinha o poder-dever de se pronunciar, quanto a todos os Arguidos, sobre os efeitos jurídico-penais do ressarcimento ao BPN.


433. Sobretudo quando o Direito Penal, é um direito que se pauta não apenas pela descoberta da verdade material, por assegurar todas as garantias de defesa aos Arguidos, pelo princípio da presunção da inocência e do “in dubio pro reo”, pela aplicação do regime mais favorável ao Arguido, mas também em relação ao valor da liberdade, que apenas pode ser restringido em situações excepcionais, contempla o princípio de proporcionalidade em virtude do funcionamento do “favor libertatis”.


434. O artigo 662.º, n.º 1, do CPC e o artigo 431.º do CPP, interpretados (como foram) no sentido de o primeiro não ser aplicável ao processo penal ex vi do artigo 4.º do CPP, e de, com base no segundo, não poder o tribunal de recurso, dar como provados factos novos, com base em documentos supervenientes (não apreciados em primeira instância) comprovativos do (entretanto ocorrido) ressarcimento integral e ou substancial do prejuízo sofrido pelo lesado de crime de natureza patrimonial, estando por isso impedido de deles extrair quaisquer efeitos jurídico criminais em sede de determinação da pena a aplicar e ou da eventual suspensão da sua execução, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e das garantias de defesa do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).

435. Assim, salvo melhor entendimento, o Tribunal “a quo” ao declaradamente não conhecer desta questão cominou com nulidade o douto Acórdão condenatório recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, nulidade que se deixa arguida e que, s.m.o., o douto Acórdão do TRL, datado de 23.06.21, igualmente recorrido, deveria ter reconhecido, por ter oportunamente sido arguida pelos co-Arguidos GG, HH e Amplimóveis, SA, que aqui se reitera.

436. Para suprimento de tal nulidade do douto Acórdão condenatório deverá o STJ ordenar a baixa dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para conhecer dos efeitos jurídico penais decorrentes do ressarcimento que as Demandantes declararam nos autos, não apenas quanto ao Arguido, ora Recorrente, mas relativamente a todos os demais arguidos (artigos 402.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 403.º, n.º 3, do CPP).

[§6] - DO CRIME ÚNICO DE EXECUÇÃO CONTINUADA DE BURLA OU (SEM CONCEDER) DO CRIME CONTINUADO.


437. Por outro lado, na convicção do Recorrente, o Tribunal “a quo” (mesmo que considerasse, como considerou, verificados os requisitos do crime de burla) deveria, no mínimo e sem conceder, ter integrado os factos provados na figura de um crime único de execução continuada de burla ou, a limite, do crime continuado;


438. Salvo o devido respeito, não tem o Tribunal “a quo” razão quando (a fls. 2531/2 do Ac. condenatório recorrido) afirma que “(…) que não podemos, contrariamente ao defendido pelos arguidos concluir pela existência de um único crime, ainda que com execução prolongada no tempo, com origem, defendem, numa única resolução criminosa (que seria a carta do BdP de 20 de julho de 2000), ainda que existam entre os crimes apreciados em ambos os processos e em cada um deles, actos de execução similares e até uns facilitadores de outros. A dispersa intencionalidade, variedade de ilícitos, pessoas e entidades afetadas pela ação dos arguidos impedem-nos de poder considerar quer a existência de crime continuado quer de um único crime de execução continuada. Termos em que improcede igualmente nesta parte o recurso apresentado pelos arguidos EE e CC.”


439. Discordando o Recorrente, desde logo, por se ter decidido no processo 4910/08.... condenar o Arguido, com a concordância do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, num crime único de execução continuada de burla (ao longo de cerca de uma década), afirmando-se para tal (a fls. 1557 dos Acórdão de 1.ª instância de 24 de Maio de 2017 proferido naquele processo), que: “Vários arguidos estão pronunciados só por um crime de burla, abuso de confiança ou falsificação. No entanto, vimos que as suas condutas integram-se nestes crimes, em momentos temporais distintos e negócios distintos. Concurso real? Não. “Maxime” seria crime continuado. Mas entendemos que o correto enquadramento passa pelo crime único. Tivemos oportunidade de ver que os propósitos delineados foram estabelecidos, logo no início, aquando da constituição do grupo SLN/BPN. As condutas posteriores integram-se todas nesses propósitos formulados inicialmente, sendo mera consequência deles. Ou seja, às plúrimas condutas ativas e omissivas que se foram prolongando por vários anos presidiu uma única resolução criminosa.” (“negrito” nosso)


440. E, nos presentes autos, o mesmo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, tenha subsumido dois conjuntos de actuações e os correspondentes financiamentos, envolvendo os Arguidos GG, HH e a Amplimóveis, SA, em dois crimes de burla, quando os mesmos se enquadraram na execução continuada da mesma estratégia comum, aqui expressamente entendida como tendo enquadrado a actuação dos Arguidos ...;


441. Como aí é dito, no processo 4910/08.... julgaram-se e condenaram como um crime único de execução continuada de burla dezenas de negócios e dezenas/centenas de financiamentos efectuados com inúmeras entidades/beneficários ao longo de vários anos, considerando o prejuízo deles decorrentes de milhões de euros (igualmente por via do não pagamento dos financiamentos respectivos – v.d. fls. 6175 e ss do douto Acórdão de 1.ª instância, em especial, na parte em que refere que a conduta dos Arguido deixou “um rasto de prejuízos na ordem das centenas de milhões de euros, o que em tudo agrava também a ilicitude da sua actuação”).


442. No entendimento do Recorrente, também nos presentes autos, se deverá considerar aplicável a figura do crime único de execução continuada, por, também aqui, se verificar que toda a conduta do Arguido foi - conforme resulta provado nos pontos 27 a 41 da matéria de facto provada, como base na pronúncia - praticada em execução de uma única resolução estratégica previamente definida, sendo os diversos segmentos da conduta do Arguido mero reflexo da respectiva execução. 


443. Ainda que nos autos se considere, quando às duas situações em que o Tribunal “a quo” entendeu verificado o crime de burla, que as mesmas são materialmente diversas e envolvem até entidades terceiras distintas (enquanto beneficiárias da conduta do Arguido, como enfatiza o Tribunal “a quo”), a verdade é que, também aqui, no que ao Arguido diz respeito, nada obsta a que se considere que “As condutas posteriores integram-se todas nesses propósitos formulados inicialmente, sendo mera consequência deles. Ou seja, às plúrimas condutas ativas e omissivas que se foram prolongando por vários anos presidiu uma única resolução criminosa.”;


444. Verificando-se, nesse mesmo sentido, que o engano em que se funda a condenação do Arguido nos autos – seja o provocado no BdP, seja o que se entendeu também provado sobre o BPN – foi sempre um engano constante (mantido e executado de forma homogénea) à luz de uma única resolução estratégica criminosa. 


445. Nem se diga, como se afirma no douto Acórdão condenatório recorrido, que a tal obsta a inexistência de uma circunstância que diminua a culpa dos Arguidos.


446. Com efeito, mesmo que assim fosse (e não é) conforme se decidiu no âmbito do processo 4910/08...., quanto ao crime único de execução continuada, neste não se convoca como requisito a existência de uma circunstância que diminua sensivelmente a culpa do agente, mas apenas que esteja em causa uma execução continuada de uma decisão inicial, porque “As várias condutas são, assim, englobadas num todo, num crime, não um crime continuado de acordo com o conceito que deste vem acolhido na lei substantiva, mas de execução continuada em que o estado de anti-juridicidade criado com a primeira foi sendo mantido e prolongado por vários anos pelas outras que lhe foram sucedendo.”


447. Mas, mesmo que assim não se entenda, dever-se-á, no mínimo, subsumir os factos ao crime continuado, uma vez que o Arguido, ora Recorrente, agiu sempre no quadro da mesma estratégia/decisão inicial e com mesmo modus operandi (fazendo uso de práticas similares já instaladas e, concretamente, da possibilidade de instrumentalização do Banco Insular, enquanto entidade não consolidada já existente, e ou da utilização de terceiros enquanto detentores fiduciários de activos do Grupo) visando sempre continuar a contornar as mesmas regras prudenciais, no mesmo contexto de exigência da verificação de rácios que condicionavam a estratégia de investimento do Grupo (de forma a perpetuar o mesmo erro que caracteriza a burla sobre a verdadeira envolvência do mesmo nos negócios que dissimuladamente realizava).  


448. É, aliás, o próprio Acórdão de 1.ª Instância a admitir (ainda que a propósito do “ne bis in idem”), (por um lado), que: “é certo que existe um conjunto de factos de carácter mais genérico, de enquadramento, que são comuns a outros processos, designadamente, ao Proc. n.º 4910/08....” (e por outro lado), que: “o que podemos encontrar em comum são factos que ajudam a contextualizar a atuação dos arguidos dentro do funcionamento do grupo SLN/BPN e dos mecanismos que tinham ao seu dispor para alcançar as finalidades que lhes são imputadas, e bem assim o modus operandi pelos mesmos assumido no âmbito da actividade do grupo SLN/BPN”, entendimento que foi essencialmente mantido pelo Tribunal “a quo”.


449. Deveria, pelo exposto, o Tribunal “a quo”, no mínimo e sem conceder, ter subsumido os factos na figura do crime continuado considerando, para qual, que “os casos de pluralidade de acções homogéneas que, apesar de enquadrar cada uma delas no mesmo tipo penal ou em tipos penais com igual núcleo típico, uma vez realizada a primeira, as posteriores se apreciam como a sua continuação, apresentando assim uma dependência ou vinculação em virtude da qual se submetem a um único desvalor normativo, que as reduz a uma unidade delitiva.” (nesse sentido, Ac. TRL, datado de 13.04.11)


450. Termos em que, ao subsumir os factos provados a dois crimes de burla, que entendeu puníveis em cúmulo real, violou o Tribunal “a quo” o artigo 30.º, n.º 2, do CP.


[§7] - DA AUSÊNCIA (E TAMBÉM INCORRECTA) PONDERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES / DO EXCESSO DAS PENAS SINGULARES E DA PENA ÚNICA (RESULTANTE DO CÚMULO) APLICADAS AO ARGUIDO.


451. O douto Acórdão condenatório recorrido (à semelhança do que também ocorrera no Acórdão de 1.ª instância) a fls. 2588 e ss (i) deixou de valorar a favor do Arguido, ora Recorrente, circunstâncias atenuantes que se verificam no caso concreto, (ii) valorou de forma insuficiente as circunstâncias atenuantes que afirma ponderar, (iii) valorou como circunstâncias agravantes circunstâncias que eram atenuantes e (iv) deixou de ponderar circunstância atenuante superveniente, tudo isto resultando na determinação de penas que pecam por manifestamente excessivas, tanto ao nível de cada pena parcelar, como ao nível da pena determinada em sede de cúmulo.


452. Como consta do douto Acórdão condenatório recorrido o mesmo corroborou a análise do Tribunal de 1.ª Instância essencialmente por considerar que a mesma não era merecedora de crítica, reiterando os argumentos já esgrimidos pelo Tribunal de 1.ª instância;


453. Sendo que a única inovação quanto à fundamentação das penas aplicadas já anteriormente utilizada em 1.ª instância radicou – apenas e só – na afirmação que o ressarcimento do lesado na pendência do recurso não poderia já provocar quaisquer efeitos jurídico-penais em sede determinação da medida da pena e ou na eventual suspensão da sua execução.


Vejamos:


454. Para tal, o Tribunal “a quo” reiterou o entendimento de que, no caso concreto, “as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas”.


455. Salvo o devido respeito, ao julgar como julgou, o TRL (por adesão aos concretos fundamentos do Tribunal de 1.ª Instância) valorou contra o Recorrente, circunstâncias pretensamente agravantes da sua culpa, que não fazem parte do tipo, ocorreram e ou foram conhecidos em data posterior aos factos, não eram previsíveis como consequência dos mesmos, não constam dos factos provados e nunca foram sequer imputados ao Arguido;


456. Valoração que ocorreu sob a capa da apreciação daquelas que se afirmou serem as actuais necessidade de prevenção geral, que não eram certamente aquelas que se verificavam à data dos factos imputados ao Recorrente e demais Arguidos;


457. Para tal o Tribunal “a quo” valorou contra o Recorrente um conjunto de factos posteriores à sua conduta, mas, sobretudo, factos que não lhe foram nunca imputados, não constando sequer da matéria de facto como provados;


458. Muitos deles que não poderiam sequer – à luz da chamada causalidade adequada -ser resultado da conduta do Arguido, como, por exemplo a crise económica mundial e ou as suas consequências.


459. S.m.o., o Recorrente apenas pode ser censurado pelos factos que praticou enquadrados nos tempos em que ocorreram e pela “gravidade das suas consequências”, mas não certamente pelas consequências de factos que não tinham ainda ocorrido e não se provou que o Arguido pudesse prever;


460. Nesta parte, não pode o Recorrente deixar de declarar a sua total concordância com a afirmação de princípio efectuada pelo Tribunal “a quo” quando refere que “Igualmente, a prevenção especial, enquanto relacionada com o agente do crime, materializa-se na sua (re)socialização, informando a pena no seu papel de reintegração do agente na comunidade. Estas duas razões de prevenção chocam por vezes, sobressaindo a culpa que limitará e definirá o limite da pena a aplicar. E é dentro deste quadro que devem ser interpretados e aplicados os critérios de determinação da medida concreta da pena inscritos no art.º 71º do CPenal.” (“Negrito” e sublinhado nosso)


461. Para dar cumprimento a tal afirmação, o Tribunal “a quo” estava obrigado a ter presente que o Arguido, ora Recorrente, deixou de ser Administrador da SLN e ou da P... em 2007, passaram cerca de 14 anos!


462. Devendo julgar a conduta do Arguido aos olhos da época em que os factos foram praticados, o que, aliás, resulta a imposição de dever ter em conta os “Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;”, sendo esta necessidade uma evidente manifestação de um elementar sentido de justiça;


463. Ou seja, à luz do que se passava e era previsível nesses mesmos tempos em que o Arguido configurou a sua conduta e pôde prever (ou deixou de prever, por lhe ser impossível à luz do que até ao momento se passou) as consequências da sua actuação, conformando-se como esse resultado.


464. Se hoje se pode afirmar que os Arguidos (e por isso o Recorrente) “apesar de exercerem cargos de topo na administração do grupo SLN/BPN, [foram] motivados (…) pelo enriquecimento rápido desse mesmo grupo,”, como bem afirmou o Tribunal de 1.ª Instância; ou que “O objectivo último de toda esta conduta por parte dos arguidos que agiram em nome do grupo SLN/BPN era a criação, almejada por BB, de um grupo empresarial forte, cuja vitalidade era sempre alavancada através do BPN, aí reduzido a um papel secundário de mero braço financeiro do Grupo, papel que, não podendo ser assumido abertamente por força das restrições próprias da actividade bancária, lhe era atribuído de forma não visível, ilícita e não detectável perante o Supervisor.”;


465. A verdade é que (sejamos justos) já não é possível, como respeito pelo princípio da culpa, punir o Arguido à luz de consequências emergentes de uma crise mundial que ainda não tinha ocorrido, que não pode ser considerada como consequência da conduta do Arguido e que não era para o mesmo (ou para qualquer outra pessoa) minimamente previsível.


466. Sendo que, a pretexto da ponderação das invocadas (actuais) necessidades de prevenção geral é isso mesmo que acaba por suceder quando o Tribunal “a quo” (re)afirma o entendimento da 1.ª Instância e, assim, que “a comunidade em geral, depois de assistir a uma crise mundial no sector bancário e financeiro, depois de tomar consciência do desgoverno que imperou em algumas instituições bancárias de todo o mundo, depois de sofrer as duras restrições que essa realidade lhe impôs, de sofrer as desvastadoras limitações económicas inerentes reclama uma censura vigorosa e rigorosa das condutas ilícitas praticadas no quadro de funcionamento das instituições bancárias, envolvendo opacidade perante as instituições de controlo, envolvendo a arbitrariedade de quem as comanda, envolvendo a violação grosseira de regras de regulamentação própria da actividade.”


467. Na verdade, por força de ter passado mais de uma década (cerca de 14 anos), o resultado da valoração das invocadas (actuais) necessidades de prevenção geral é, como referido, a ilegal valoração (em desfavor do Arguido e de forma retroactiva) de factos imprevisíveis que ocorreram em data posterior à conduta do Arguido (a crise económica mundial), que tiveram consequências que não se provou que o Arguido conhecesse e ou pudesse prever;


468. Tanto que, em lado algum se acusou o Arguido de agir com “com desprezo pela obrigação de respeito e salvaguarda do dinheiro dos depositantes e das repercussões económicas das suas condutas.”;


469. O que, aliás, apenas faria sentido afirmar se o Arguido tivesse feito utilizar tais depósitos com eles praticando investimentos temerários já após a ocorrência da crise económica mundial, com origem, como é sabido, na crise do “subprime”;


470. Momento a partir do qual se poderia passar a afirmar, designadamente, após a “falência” de um Banco como o Lehman Brothers (que apenas em 15 de setembro de 2008 se apresentou à insolvência) na sequência de prejuízos causados pela crise dos subprimes nos Estados Unidos.


471. Nesse sentido, decidiu já o Venerando Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão datado de 06-06-2016, que “A crise económica e financeira dos anos de 2008 e 2009, desencadeada pela chamada crise do subprime, iniciada em 24 de julho de 2007 com a queda abrupta do índice Dow Jones, poderá representar uma alteração anormal das circunstâncias presentes ao tempo da conclusão dos diversos contratos celebrados, como tem sido defendido por alguma doutrina e jurisprudência.”, ou no douto Ac. do STJ, datado de 10.10.13, que “(…) crise financeira, situação essa que não decorreu de um normal desenrolar da situação económica, tratando-se, pelo contrário, de uma situação excepcional, completamente anormal no sistema financeiro (…)”.


472. Ora, se assim se considera, e deve considerar, no âmbito do justo equilíbrio contratual entre as partes, não se vê que assim não deva ser no âmbito do exercício de um justo poder punitivo à luz de um processo equitativo (artigo 6.º da CEDH).


473. A tal não obsta, na verdade, que os Arguidos tenham desejado violar as normas a que deviam obediência (e designadamente as regulamentares da actividade bancária), a cuja violação as instâncias deram particular relevo, remanescendo ainda como válida e justa a constatação de que, pese embora o elevado grau da ilicitude com que agiram, fizeram-no num quadro económico optimista, à luz do qual pretenderam desenvolver, com lucro, a actividade imobiliária (só assim se percebendo que os Arguidos ... nada lucrassem pessoalmente com os negócios do Grupo que decidiram implementar).  


474. Pelo exposto, na óptica do Recorrente, o Tribunal “a quo” ao julgar como julgou sobrepôs as necessidades actuais de prevenção especial ao princípio da culpa enquanto limite da medida da pena, e, por via disso, interpretou os artigos 71.º, n.ºs 1 e n.º 2, al. a) e 77.º, n.ºs 1 e 2 do CP, atribuindo-lhe um sentido materialmente inconstitucional, que se deixa previamente arguido como tal.


475. Os artigos 71.º, n.ºs 1 e n.º 2, al. a) e 77.º, n.ºs 1 e 2 do CP, interpretados (como foram) no sentido de, na determinação da medida das penas parcelares e ou no seu cúmulo, o Tribunal poder ponderar as exigências de prevenção geral e a invocada gravidade das consequências da conduta do agente, à luz de factos que apenas ocorreram em data posterior e que não se provou que fossem previsíveis para o mesmo, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da culpa (ínsito nos artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP), do princípio da presunção da inocência (artigos 2.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, da CRP) e dos direitos de defesa do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).
476. O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha ponderado na fixação das penas parcelares, ao nível das exigências de prevenção geral e da gravidade das consequências da conduta do agente, factos que apenas ocorreram em data posterior e que não se provou que fossem previsíveis para o mesmo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.

477. Se não pode haver pena para além da medida da culpa, torna-se manifesto que não poderá haver circunstância alguma que agrave essa mesma pena, sem que a mesma resulte de um comportamento culposo do Arguido, o que veda a possibilidade de valoração contra o mesmo (ainda que, para efeitos de cúmulo, por via da medida da pena parcelar mais alta) de qualquer facto posterior e não previsível à data da prática dos factos, que não tenha sido praticado pelo mesmo (“in casu”, a crise económica mundial e todas as consequências que dela advieram).


478. Mas, por outro lado, a impossibilidade dessa valoração resultará também, por imposição constitucional, do princípio do contraditório caso os factos que constituam o invocado agravamento das necessidades de prevenção especial e ou das consequências dos factos, não tenham sido expressamente imputados ao Arguido e ou dados como provados.


479. Assim, ao julgar como julgou, considerando redobrarem as necessidades de prevenção especial e ou circunstância agravante dos factos o actual conhecimento/sentimento da “comunidade em geral, depois de assistir a uma crise mundial no sector bancário e financeiro, depois de tomar consciência do desgoverno que imperou em algumas instituições bancárias de todo o mundo, depois de sofrer as duras restrições que essa realidade lhe impôs, de sofrer as desvastadoras limitações económicas inerentes reclama uma censura vigorosa e rigorosa das condutas ilícitas praticadas no quadro de funcionamento das instituições bancárias, envolvendo opacidade perante as instituições de controlo, envolvendo a arbitrariedade de quem as comanda, envolvendo a violação grosseira de regras de regulamentação própria da actividade.”, violou o douto Acórdão recorrido, os artigos 40.º, n.º 2, 71.º, n.ºs 1 e n.º 2, al. a), e 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, atribuindo a estes dois últimos um sentido materialmente inconstitucionais por violação do princípio da culpa (ínsito nos artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP), do princípio da presunção da inocência (artigos 2.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, da CRP) e dos direitos de defesa do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).


Por outro lado:


480. Valorou-se ainda no douto Acórdão condenatório do TRL (por adesão ao decido em 1.ª Instância), na óptica do Recorrente, de forma indevida e em desfavor do Arguido a aí invocada circunstância da “utilização desgovernada e despudorada do dinheiro dos depositantes para realização de financiamentos de negócios à margem da legalidade e da realidade bancária desgasta, corrói, aniquila a confiança do cidadão nas instituições bancários, alicerce fundamental do desenvolvimento económico e financeiro de uma nação. É, pois, inquestionável que a conduta dos arguidos, com enfoque principal nos crimes de burla qualificada, é gravíssima, contribuindo sobremaneira para a sobrecarga económica das famílias decorrente do colapso do BPN e para a desacreditação das instituições de crédito em particular e das instituições em geral, pois a respeitabilidade que era associada à administração de topo das mesmas muitas vezes, sabe-se agora, era uma farsa.


481. Ora, salvo melhor opinião, ao Tribunal “a quo” estava – no mínimo – vedada a possibilidade de valorar em desfavor do Arguido qualquer facto pelo qual o mesmo tivesse já sido julgado no âmbito do processo de contra-ordenação (em que o BdP imputou aos Arguidos toda a forma como obtiveram, à revelia da supervisão, o “funding” do Banco Insular com origem nos depósitos recebidos pelo BPN), ou no processo crime 4910/08.... (onde se imputou ao Arguido um burla qualificada baseada no prejuízo de milhões de euros emergente do não pagamento de centenas de financiamentos e a falsificação das contas do Banco e da SLN emergente de não reflectir o “funding” e “revolving” de fundos que permitiram, no final de cada mês, financiar o Banco Insular e, por via deste Banco, com fundos depositados no BPN, diversas operações financiadas pelo Banco Insular, aliás concretamente versadas nos autos e a falsificação de contas do Grupo por não contabilização de activos e passivos, a que também se alude no artigo 895 da matéria de facto).


482. Se a respeito dos factos de ditos de “enquadramento” (como os acima referidos) o Tribunal “a quo” declarou que os mesmos não seriam repetidamente julgados nos presentes autos (por não constituírem factos constitutivos dos crimes aqui julgados e punidos), alegação que lhe permitiu afastar a violação do princípio “ne bis in idem”, não se alcança como pode o mesmo Tribunal “a quo”, reiterar o entendimento da 1.ª Instância que julgou (de forma implícita, mas indiscutível) agravante da conduta do Recorrente pelos quais o mesmo já foi anteriormente julgado.


483. De facto, se o Tribunal “a quo” assume, por um lado, não poder julgar os Arguidos por aqueles factos (afirmando que “não podemos esquecer que tais factos não são objeto de qualquer qualificação ou imputação em termos jurídico-criminais nestes autos.”), relegando-os para factos de mero enquadramento, não pode depois – como base nos mesmos e ainda que sem o declarar – afirmar que se verifica uma circunstância agravante da conduta punida aos Arguidos (a burla) resultante da “[A] utilização desgovernada e despudorada do dinheiro dos depositantes para realização de financiamentos de negócios à margem da legalidade e da realidade bancária.”;


484. Tal agravante está necessariamente estribada nos pontos 17 a 20 da matéria de facto julgada como provada, tendo-se, neste último, dado como provado que: “20) - Conforme em concreto se irá descrever a seguir, pelo menos a partir de 2003, o Banco Insular mantinha dois tipos de lançamento de operações, sendo umas lançadas num BALCÃO OFICIAL, a que atribuíram a designação Balcão 2000 (ou Balcão Lisboa), onde eram registadas todas as operações efectuadas pelo Banco e que eram inscritas no Balanço, e outras eram lançadas num BALCÃO VIRTUAL, a que atribuíram a designação de Balcão 2001 (ou Balcão Porto), onde eram registadas todas as operações clandestinas, a que só alguns tinham acesso e que nunca eram inscritas em Balanço e por isso ficavam à margem de qualquer registo oficial;”;


485. Sendo estas operações clandestinas e toda a “operativa” que permitiu a ocultação do Banco Insular e todo o processo de captação de fundos para o mesmo com origem nos depósitos do BPN (factualidade de mero enquadramento que o Tribunal “a quo” admite já terem sido julgadas e afirma não fazerem parte do objecto dos autos) que permite dar sentido útil e fundamentar a agravante da conduta do Arguido que veio a ser, pelo exposto, indevidamente valorada pelo Tribunal.


486. Já no processo 4910/08.... as instâncias valoraram contra os aí Arguidos que “a excecionalmente grave ilicitude dos factos, atendendo ao modo de execução da estratégia, pensada, delineada e estruturada ao pormenor, e que permitiu durante cerca de 8 anos a omissão de registos contabilísticos, quer do Banco Insular, quer das sociedades offshore e, assim, fora do controlo dos acionistas do grupo SLN/BPN e das autoridades de supervisão (Banco de Portugal e Banco Central de Cabo Verde);”, considerando-se para o efeito os factos julgados como provados nos pontos 172 a 178 da matéria de facto no processo 4910/08...., que aqui se dão como reproduzidos.


487. Assim, na óptica do Recorrente, também aqui, o Tribunal “a quo” interpretou os artigos 71.º, n.ºs 1 e n.º 2, al. a) e 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, atribuindo-lhes um sentido materialmente inconstitucional.


488. De facto, os artigos 71.º, n.ºs 1 e n.º 2, al. a) e 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, interpretados (como foram) no sentido de, na determinação da medida das penas parcelares e ou (directa ou indirectamente[5]) no seu cúmulo, o Tribunal poder valorar como agravante da conduta factos pelos quais o Arguido foi já julgado pela prática de contra-ordenação, por decisão judicial transitada em julgado, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio “ne bis in idem” (artigo 29.º, n.º 5, da CRP).

489. Os mesmos artigos 71.º, n.ºs 1 e n.º 2, al. a) e 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, interpretados (como foram) no sentido de, na determinação da medida das penas parcelares e ou (ainda que indirectamente) no seu cúmulo, o Tribunal poder valorar como agravante da conduta factos pelos quais o Arguido foi já criminalmente julgado e condenado, por decisão não transitada em julgado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio “ne bis in idem” (artigo 29.º, n.º 5, da CRP).

Por sua vez:


490. O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha ponderado na fixação das penas parcelares, como circunstância agravante da conduta, factos  pelos quais o Arguido foi já julgado pela prática de contra-ordenação, por decisão judicial transitada em julgado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.

491. O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha ponderado na fixação das penas parcelares, como circunstância agravante da conduta, factos pelos quais o Arguido foi já criminalmente julgado e condenado, por decisão não transitada em julgado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.


Acresce que:


492. Afirmou o Tribunal de 1.ª Instância, secundado na sua análise pelo TRL, que “Também o grau de ilicitude dos factos se mostra elevadíssimo, com expressão directa, desde logo, no montante dos prejuízos apurados e que ultrapassa os 60 milhões de euros no seu reflexo mais directo quanto ao crime de burla qualificada”, circunstância que veio a valorar contra o Arguido.


493. Contudo, a circunstância de estar em causa um valor especialmente elevado, tal como previsto no artigo 202.º, al. b), do CP, permitiu subsumir os factos imputados ao Arguido na crime de burla qualificada pelo valor, e, assim, por via da previsão legal integrada no artigo 218.º, n.º 2, al. a), do CP, sujeitar os Arguidos “A pena é a de prisão de dois a oito anos” não podendo, s.m.o., tal valor ser (novamente) tomada em consideração na determinação da medida concreta da pena, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração, o que constitui violação do artigo 77.º, n.º 1 e 2, do CPP na sua interpretação “conforme à Constituição” (artigo 29.º, n.º 5, da CRP), violação que se verifica relativamente aos dois crimes de burla qualificados pelo valor pelos quais o Arguido vem condenado.


494. Os artigos 71.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 77.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, al. b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), do CP, interpretados (como o foram) no sentido de, na determinação da medida das penas parcelares emergentes da prática de crimes de burla qualificada pelo seu “valor consideravelmente elevado”, e ou no seu cúmulo (directa ou indirectamente), o Tribunal poder valorar, como circunstância agravante, o valor do prejuízo patrimonial causado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e do artigo 29.º, n.º 5, do CRP.

Por outro lado:


495. Os artigos 77.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, al. b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), do CP, conjugados com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretados no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha ponderado como circunstância agravante, na determinação da medida das penas parcelares, o valor do prejuízo patrimonial causado emergente da prática de crimes de burla qualificados pelo seu “valor consideravelmente elevado”, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.


496. Quanto à circunstância inerente à formação académica e nível social dos arguidos, foi a mesma indevidamente considerada como agravante da pena pelo Tribunal “a quo”;


497. Não se trata, como entendeu o Tribunal “a quo” (e como já tinha considerado o Tribunal de 1.ª Instância), de uma qualquer circunstância agravante, sendo, aliás, uma circunstância que a mesma é de molde a – de forma conjugada com a idade do Arguido e à circunstância de estar actualmente reformado (conforme relatório social junto aos autos) – permitir, à luz dos normais conhecimentos da experiência, um juízo de prognose positivo no sentido de que o Recorrente no futuro se absterá de condutas violadores de bens jurídicos, juízo este que reduz a necessidade da pena, influenciando em benefício do Arguido a sua fixação ao nível das necessidades de prevenção especial.


498. Quanto à “ausência de antecedentes criminais;” entendeu o Tribunal “a quo” que “a ausência de antecedentes criminais não constitui um fator extraordinário que deve ser tido em consideração para de algum modo atenuar a culpa e por via disso exigir uma pena menor.”;


499. Para tal, considerou o Tribunal “a quo” que “Essa ausência de antecedentes é o que se espera do cidadão cumpridor. O que deve ser valorado são os antecedentes criminais, quando existam pois podem ser suscetíveis de revelar uma personalidade mais desconforme com o dever ser jurídico.”


500. Porém, ao contrário do decidido, especialmente em Arguidos com a idade do Recorrente (... anos de idade, confirmável pela respectiva data de nascimento indicada no início do douto Acórdão de 1.ª Instância) a ausência de antecedentes criminais é, segundo jurisprudência constante, uma circunstância a ter em contra a favor do Arguido na determinação da medida da pena.


501. Nesse sentido, decidiu-se já no douto Ac. do STJ de 03-11-2005 (Proc. n.º 2897/05 - 5.ª Secção) a “idade avançada, aliada à ausência de antecedentes criminais, embora não constitua motivo suficiente para uma atenuação especial da pena, não pode deixar de constituir uma forte atenuante de carácter geral.”


Pelo que:


502. Ao julgar, como julgou, violou o Tribunal, de forma aliás ostensiva, a disposição expressa no artigo 71.º, n.º 2, al. e), do CP, que determina que a pena seja fixada tendo, designadamente, em conta “A conduta [do agente] anterior ao facto”, constituindo por isso (ao contrário do que se decidiu) uma circunstância capaz de fazer reduzir a pena, por, como se decidiu, no douto Ac. do STJ de 08-06-2005 (Proc. n.º 1672/05 - 3.ª Secção), ser “circunstancia indiciadora de que o seu comportamento constitui acto isolado da sua vivência social;”.


503. Decidiu-se ainda no douto Acórdão condenatório (pág. 2608) que a “circunstância dos arguidos GG e HH terem procedido à entrega dos bens a que respeitam os factos em causa nestes autos e bem assim de outros bens da sua propriedade para ressarcimento dos prejuízos decorrentes da prática dos mesmos, (…) nesta fase de recurso lhe retira relevância em termos jurídico-penais concretamente no que à determinação da pena concreta diz respeito.”.


504. Relativamente ao assim decidido, também em sede de determinação da medida da pena (seja das penas parcelares seja da pena única), não pode o Arguido, ora Recorrente, deixar de discordar do Tribunal “a quo”.


505. O Arguido, ora Recorrente, foi condenado enquanto co-autor de dois crimes de burla juntamente com GG e HH e com a Amplimóveis, SA, tendo o Tribunal “a quo” considerado que os beneficiários desses crimes de burla foram estes mesmos co-Arguidos que aceitaram figurar como fiduciários do Grupo nos negócios subjacentes a cada um dois crimes em causa.


506. A esse respeito afirmaram as instâncias que “A intenção [dos Arguidos ... do Grupo] era a obtenção de enriquecimento ilegítimo para terceiros.


507. Resulta, assim, claro da matéria de facto que o Recorrente não obteve qualquer vantagem patrimonial emergente dos dois crimes de burla, tendo as instâncias considerado que tal vantagem foi recebida e beneficiou em exclusivo os co-Arguidos GG, HH e a Amplimóveis, SA, que vieram a restituir integral (no caso do primeiro crime) e ou substancialmente (no caso do segundo) os prejuízos deles decorrentes.


508. Conforme se decidiu, por exemplo, no douto Acórdão do TRP, de 08.03.2017: “I - A finalidade primeira da aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos.”, o que está explicitado o artigo 40.º, n.º 1, do CP.


509. Sendo que, o bem jurídico tutelado pelo crime de burla é, ninguém dúvida, exclusivamente o património.


510. Pelo que, desaparecendo ou sendo substancialmente reduzida a lesão patrimonial, mesmo que na pendência de recurso sobre a decisão condenatória de 1.ª instância, tal facto não se pode, ao contrário do decidido, considerar como penalmente irrelevante para determinação da medida da pena;


511. Sob pena de se manter, exclusivamente por motivos formais (atinentes ao conceito dogmático de recurso e ou à configuração normativa das funções do Tribunal de recurso), quando, materialmente, por força do desaparecimento (ou da significativa reintegração) do bem jurídico tutelado pela norma punitiva, se continuar a punir uma conduta em medida que se tornou desnecessária e por isso desadequada;


512. Assumir a hipótese contrária corresponde a afirmar a possibilidade de se operar uma restrição normativa do direito à liberdade tutelado no artigo 27.º, n.º 1, da CRP (intimamente ligado ao da dignidade da pessoa humana - artigo 1.º da CRP) quando o bem jurídico património já foi integralmente e ou substancialmente reintegrado;


513. Ao julgar como julgou, violou o Tribunal “a quo” o princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e das garantias de defesa do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).


514. Ao contrário do decidido, o Tribunal de recurso tem – por exigência – constitucional que lhe é directamente acometida pelo artigo 18.º, n.º 1, da CRP, o poder-dever de apreciar os efeitos jurídico penais daí decorrente, bem como, o de adequar a medida da pena anteriormente aplicada, reduzindo-a, em função de o interesse jurídico constitucional tutelado pelo tipo de crime em causa (o património) se achar, ainda que supervenientemente, integral e ou substancialmente reintegrado através do ressarcimento;


515. Sendo que, na óptica do Recorrente, os artigos 71.º, n.º 1 e 2, al. e) e 77.º, n.º 1 e 2 do CP, interpretados (como foram) no sentido de o tribunal de recurso não poder valorar a favor do Arguido, com base em documentos supervenientes (não apreciados em primeira instância) o ressarcimento integral e ou parcial (realizado na fase de recurso) do prejuízo emergente de crimes de natureza patrimonial, estando impedido de deles extrair quaisquer efeitos jurídico criminais em sede de determinação da medida das penas parcelares e ou (directa ou indirectamente) no seu cúmulo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e das garantias de defesa do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP) e artigo 27, n.º 1, da CRP.

Por outro lado:


516. O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação não tenha valorado a favor do Arguido, em sede de determinação da medida das penas parcelares, com base em documentos supervenientes (não apreciados em primeira instância) o ressarcimento integral e ou parcial (realizado na fase de recurso) do prejuízo emergente de crimes de natureza patrimonial, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.


Acresce ainda que:


517. O Tribunal “a quo” em sede de determinação das penas a aplicar decidiu ainda que “o tempo decorrido desde a prática dos factos. Os factos praticados têm já vários anos. A investigação foi complexa e demorada bem como o julgamento dos autos, ao qual antecedeu a fase facultativa da instrução. Entendemos que o decurso do tempo, essencialmente decorrente da necessidade de investigar, instruir e julgar, [não] possa beneficiar os arguidos sob pena de a complexidade na maior parte das vezes intimamente relacionada com a gravidade do crime cometido ou do modo como foi cometido beneficiasse os seus autores.”  


518. Salvo o devido respeito, mais uma vez se afastou o Tribunal “a quo” da interpretação “conforme à Constituição” dos artigos 71.º, n.ºs 1 e 2 e 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, que lhe impunham que valorasse a favor do Arguido todas as circunstâncias atenuantes e, desde logo, as necessidades de prevenção especial com base nos factos, necessariamente reduzidas com a passagem do tempo.


519. Afirmar, como afirmou, o Tribunal “a quo” a irrelevância jurídico-penal da circunstância de ter, no caso do Arguido, passado mais de uma década (cerca de 14 anos) desde a data dos factos (leia-se, desde que o Arguido saiu da  da SLN e da P... e deixou de ter qualquer “domínio do facto”, em 2007), corresponde a pretender punir o agente como se o mesmo tivesse actuado no dia anterior, esquecendo que o passar do tempo influi, naturalmente, nas necessidades de acção punitiva que com ele se vão esbatendo, o que é entendimento pacífico da jurisprudência.


520. Na realidade, o argumento do Tribunal “a quo” de que a interpretação contrária aquela que adopta, que valorasse a favor do Arguido o decurso do tempo, corresponderia a beneficiar os agentes de crimes complexos “na maior parte das vezes intimamente relacionada com a gravidade” não pode proceder e, a limite, levaria a afirmar a inaplicabilidade do instituto da prescrição aos mesmos, rectius, à possibilidade de previsão de crimes imprescritíveis.


521. Sendo que, na óptica do Recorrente, os artigos 71.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 e 2, do CP, interpretados (como foram) no sentido de o decurso do tempo, em mais de uma década sobre a data dos factos, não constituir em casos complexos, uma circunstância atenuante da pena e ou (directa ou indirectamente) do cúmulo, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e das garantias de defesa do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).

Por outro lado:


522. O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha considerado que o decurso do tempo, em mais de uma década sobre a data dos factos, não constitui em casos complexos, uma circunstância atenuante da pena, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.


523. De igual forma, não valorou, também indevidamente, a favor do Arguido a circunstância de o mesmo ter actualmente 69 anos;


524. Sendo quer as penas parcelares, quer aquela que resulta do seu cúmulo, manifestamente excessivas, face à acrescida penosidade que o respectivo cumprimento acarretará para o Arguido em função da sua idade actual e daquela outra que terá ao longo da execução da pena.


525. Mas, a determinação da medida das penas parcelares (e do seu consequente cúmulo) violou o expresso no artigo 71.º, n.º 2, al. c), do CP, na parte em que determina que, na fixação da medida da pena, se valorem “Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;”.


526. A este respeito, deveria salvo o devido respeito ter o Tribunal “a quo” ponderado que nenhuma vantagem patrimonial pessoal foi desejada ou auferida pelo Arguido, não tendo por isso sido acusado ou condenado, o que não foi ponderado a seu favor, nem nunca foi referido.


527. Na verdade, mesmo à luz da matéria de facto provada, ao Arguido apenas poderá, como referido no douto Acórdão condenatório recorrido, no contexto da adesão ao plano traçado pelo (ex) co-Arguido BB de criar um Grupo forte, ter pretendido realizar mais negócios imobiliários do que os rácios prudenciais permitiam, aceitando, para tal, conceder vantagens patrimoniais a terceiros, mas sem nada pretender para si. 


528. Assim, se é verdade que tais negócios deram azo a financiamentos que não foram posteriormente pagos, não é menos verdade que, à data dos factos, não se verificava a crise económica mundial, sendo o sector do imobiliário conhecido por proporcionar mais-valias expressivas, cuja verificação em benefício do Grupo foi o fim último da conduta do Recorrente.


529. Assim, ao contrário do que se entendeu, na determinação da medida da pena o Tribunal “a quo” deveria ter tido em conta o clima económico que se vivia à data dos factos, que era de indiscutível optimismo económico.


530. Foi devido à evolução da crise financeira e económica mundial, expressamente referida no douto Acórdão condenatório, que se passou a sentir em Portugal, em data posterior à prática dos factos, a falta de liquidez dos activos imobiliários, que potenciou o posterior incumprimento dos financiamentos respectivos em que o Tribunal “a quo” fundamentou o prejuízo emergente da burla.


531. Assim, ao julgar como julgou, deixando de valorizar a favor do Arguido que o mesmo com a prática dos factos (i) não pretendeu alcançar, nem alcançou, qualquer vantagem patrimonial pessoal (ii) tendo agido (pese embora a ilicitude da sua conduta) no quadro de um clima económico de confiança que se caracterizava por expressivas mais-valias do sector imobiliário que pretendia alcançar para o Grupo de que era Administrador, violaram-se no douto Acórdão recorrido os artigos 71.º, n.º 2, al. e) e 77.º, n.ºs 1 e 2 do CP.


Acresce que:


532. O Tribunal “a quo” não valorou a favor do Arguido o facto de o mesmo ter sido sujeito a mais de três anos de julgamento e de o processo estar pendente desde 2008;


533. A delonga do julgamento e o impacto que isso tem na dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), não se confundindo com a condenação e ou com o cumprimento de pena, assumiu e assume um manifesto reflexo negativo na vida do Arguido, causando-lhe (à luz dos normais conhecimentos da experiência) um normal desgaste, preocupação e despesas; permitindo uma tal experiência de vida, à luz dos normais conhecimentos da experiência, um juízo de prognose positivo no sentido de que o Recorrente, no futuro, se absterá de condutas violadores de bens jurídicos, juízo este que reduz a necessidade da pena, influenciando em benefício do Arguido a sua fixação.


534. Por outro lado, essa mesma circunstância (submissão a um julgamento de mais de três anos e meio) constitui ainda, em termos práticos, uma autêntica pena acessória, no entendimento do Recorrente, a valorar nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do CP.


535. Não obstando à justiça de um tal entendimento qualquer argumento de natureza formal que simplesmente invoque que tal pena não se encontra tipificada pelo legislador;


536. Se é verdade que o legislador não a comtempla, também é verdade que o sofrimento humano decorrente da submissão a um julgamento durante mais de três anos e meio não é despiciendo.


537. De igual forma não colhe o argumento do Acórdão recorrido que se limite a invocar que o atraso verificado está muitas vezes lidado à complexidade dos processos, outras tantas vezes ligadas à gravidade dos factos, desde logo porque a gravidade dos factos pode e deve ser valorada como critério autónomo, e não também de forma indirecta para relativizar o indiscutível sofrimento humano decorrente de um excessivo arrastamento do julgamento penal.


538. Por outro lado, deveria o Tribunal “a quo”, a favor do Arguido, ter considerado que o mesmo, enquanto visado no processo, pese embora se presumisse inocente, viu já inúmeras notícias publicadas pelos media, circunstância que, face à intensidade das mesmas e à sua reiteração, constitui, também em termos práticos, uma severa pena acessória associada à mera pendência do processo.


539. Assim, não poderia o Tribunal “a quo” deixar de considerar, enquanto facto que resulta dos normais conhecimentos da experiência, o sofrimento provocado (ao Arguido ou a qualquer pessoa na sua condição) pela exposição a centenas de notícias ao longos de uma década provoca.


540. De igual forma, ao nível das circunstâncias pessoais e da necessidade de prevenção especial o Tribunal “a quo” não valorou a sanção acessória de inibição do exercício de funções pelo período de 10 anos que lhe foi aplicada pelo BdP por incumprimento dos deveres a que estava adstrito enquanto Administrador da SLN, o que é relevante ao nível da prevenção especial, sem que, contudo, tal circunstância tenha tido um qualquer impacto ao nível da pena.


Finalmente:


541. Ao deixar de ponderar a favor do Arguido, ora Recorrente, não só a passagem de mais de uma década (“in casu” cerca de 14 anos) a contar dos factos, mas, de igual forma, a circunstância de o Arguido se ter abstido de praticar qualquer acto ilícito posterior, realidade que no douto Acórdão recorrido se deveria ter subsumido à atenuante especial da pena prevista no artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do CP, violou o Tribunal “a quo” este normativo, na parte em que prevê que “o Tribunal atenua” se tiver “decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.”.


542. Na óptica do Recorrente, o artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do CP, interpretado (como foi) no sentido de não integrar a previsão “Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.” o decurso de mais de uma década sobre a prática dos factos em casos em que, segundo o respectivo CRC, o Arguido se tenha abstido de (nesse período) praticar quaisquer ilícitos penais, não lhe sendo, por isso, a aplicável do artigo 73.º, n.º 1, do CP, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e das garantias de defesa do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).


543. Também, os artigos 71.º, n.º 1, 72.º, n.ºs 1 e 2, al. d), 73.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 e 2, do CP, interpretados (como foram) no sentido de não integrar a previsão “Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.” o decurso de mais de uma década sobre a prática dos factos em casos em que, segundo o respectivo CRC, o Arguido se tenha abstido de (nesse período) praticar quaisquer ilícitos penais, não lhe sendo, por isso, a aplicável nem o artigo 73.º, n.º 1, do CP, nem qualquer atenuante da medida de pena parcelar e ou (directa e ou indirectamente) do cúmulo, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e das garantias de defesa do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).


544. Assim, deveria o Tribunal “a quo” ter recusado aplicar os artigos em causa com a interpretação que dele extraiu e deveria ter reconhecido ao Arguido, nos termos do artigo 73.º, n.º 1, do CP, o direito à “atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;”, ou seja, a cinco anos e oito meses; e “b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;”, ou seja, a três anos e dois meses e doze dias.

Por outro lado:


545. Os artigos 71.º, n.º 1, 72.º, n.ºs 1 e 2, al. d), 73.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 e 2, do CP, conjugados com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretados no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha considerado que não integra a previsão “Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.” o decurso de mais de uma década sobre a prática dos factos em casos em que, segundo o respectivo CRC, o Arguido se tenha abstido de (nesse período) praticar quaisquer ilícitos penais, não lhe sendo, por isso, a aplicável nem o artigo 73.º, n.º 1, do CP, nem qualquer atenuante da medida de pena parcelar, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.


546. Salvo o devido respeito, verifica-se que o Tribunal “a quo” sucumbiu à enorme pressão da opinião pública, valorando, sobretudo, as nomeadas necessidades de prevenção geral deixando, designadamente, de valorar (ou de atribuir a relevância devida) às circunstâncias favoráveis ao Arguido, como a baixíssima necessidade de prevenção especial, decorrente da idade, do facto de estar reformado, de já ter cumprido pena acessória de inibição de funções ao longo de 10 anos, bem como, da conduta posterior aos factos, e a circunstância de o prejuízo ter sido, integral (num dos crimes) e substancial (no outro), ressarcido ao BPN pelos co-Arguidos/co-autores que auferiram a vantagem patrimonial.


547. Pelo que, quanto a cada um dos crimes de burla qualificada se verifica um manifesto excesso da pena aplicada, que, mesmo sem considerar a atenuação especial da pena, tinha um limite máximo de oito anos e foi fixada em “6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão”, demasiado próxima da moldura penal máxima de oito anos, considerando todas as atenuantes gerais acima nomeadas, e, considerando a atenuação especial de que o Arguido deveria ter beneficiado, viola o máximo da moldura penal aplicável (de cinco anos e oito meses).


548. Os dois crimes burla qualificada, mesmo que se considerem verificados e puníveis em cúmulo real, jamais seriam merecedores de uma pena singular, especialmente atenuada, superior três anos e seis meses de prisão (sendo o mínimo de três anos e dois meses e doze dias).


Finalmente:


549. Ao contrário do que decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, por força de todas as atenuantes gerais e especial acima elencadas que se dão como reproduzidas, desde logo (mas não apenas) por influência do excesso nas penas parcelares fixadas, a pena única não se mostra fixada em patamar adequado, face às características do caso, às baixas exigências de prevenção especial, à culpa do arguido, ao risco de reincidência que é muito de perto de zero, considerando a idade do Arguido, o facto de estar reformado, a total ausência de actividade profissional por parte do mesmo, e de o prejuízo dos dois crimes estar integral ou substancialmente ressarcido ao lesado.


550. No entendimento do Arguido, como resultado das penas parcelares que seriam aplicáveis a cada um dos crimes pelos quais o Arguido foi condenado, que influenciam o limite máximo e mínimo do cúmulo, encontramos uma soma aritmética das mesmas de sete anos.

551. Donde, ao contrário do decidido, deveria o Tribunal “a quo”, caso não considerasse aplicável a figura do crime único de execução continuada ou o crime continuado, ter ponderado que ambos os crimes em causa tutelam o mesmo bem jurídico e foram praticados no mesmo longínquo período temporal e contexto de actuação, o que justificaria sempre a aplicação ao Arguido de uma pena única, resultante do cúmulo das duas penas parcelares, não superior a cinco anos de prisão (ainda assim acima de dois terços da soma aritmética das duas penas parcelares de três anos e seis meses, que seria de quatro vírgula sessenta e seis anos), suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do CP, atento o tempo já decorrido, a idade, sem descurar que, no caso concreto, não se verificam praticamente quaisquer necessidades de prevenção especial encontrando-se o lesado integralmente ressarcido do prejuízo de um dos crimes e substancialmente ressarcido do prejuízo que se considerou resultar do segundo;


552. Pelo exposto, considera o Arguido que o Supremo Tribunal de Justiça tem o poder dever que lhe está constitucionalmente imposto (artigos 18.º, n.º 1, 201.º, n.ºs 1 e 4 e 204.º, da CRP), mesmo no caso de aplicação ao Arguido de pena única de prisão superior a oito anos, resultante do cúmulo de penas parcelares inferiores a esta medida, de (i) repercutir no cálculo do cúmulo todas as circunstâncias atenuantes gerais e especial que no caso se verificam (acima identificadas) e que não foram consideradas no Acórdão condenatório recorrido e (ii) a neutralizar o efeito da indevida ponderação de circunstâncias erradamente consideradas como agravantes pelo Tribunal “a quo”;


553. Sob pena de se reiterar, desta feita na operação de fixação do cúmulo, a aplicação das interpretações normativas materialmente inconstitucionais acima arguidas.


554. Efectivamente, nessa hipótese, por força de um argumento formal de que não caberia ao Supremo reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos (por lhe estarem sistemicamente reservadas mais altas tarefas, “in casu”, com base no artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP) deixaria o STJ, na fixação da pena única superior a essa medida (que indiscutivelmente lhe cabe sindicar), de a poder fixar em obediência ao princípio da culpa e da proibição do excesso;


555. Na exacta medida em que ficaria – normativamente – obrigado à sua violação, por força de lhe estar imposto como limite mínimo da pena única a dosimetria da pena parcelar mais alta, em todos os casos em que – por exemplo – o Tribunal recorrido não tivesse reconhecido ao Arguido uma qualquer atenuante especial que o Supremo – caso pudesse reapreciar a mesma – entendesse aplicável.


556. Assim, em casos como o dos autos, onde a pena parcelar mais alta seja superior ao limite que resultaria da aplicação de uma atenuante pena especial, o STJ teria de se bastar a comtemplar e respeitar a decisão da Relação, ficando normativamente impedido de fixar um cúmulo abaixo daquela medida, mesmo que o considerasse incorrecto/ilegal, o que manifestamente viola o princípio da hierarquia dos Tribunais constitucionalmente consagrado no artigo 210.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, que reservam ao Supremo a função de mais alto Tribunal na hierarquia dos Tribunais comuns e às Relações o lugar de segunda instância;


557. Solução normativa que se mostra constitucionalmente intolerável por a norma em causa forçar o STJ, nesses casos, a aplicar uma pena única mesmo que, à luz dos contornos do caso (que necessariamente tem de apreciar para efeitos do cúmulo nos termos do artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”), a considere excessiva à luz da medida da culpa, da necessidade da pena e ou à luz do princípio “ne bis in idem”;

558. Assim, o artigo 77.º, n.º 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que delas resulte, ficando, nesses casos, obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a dosimetria da pena parcelar mais alta que integra o cúmulo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e dos artigos 27.º, n.º 1, 29.º, n.º 5, da CRP, 32.º, n.º 1 e 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.


559. Se assim não se entender, deve nesse caso (no mínimo e sem conceder) a pena única aplicada ao Arguido ser reduzida pelo Supremo ao valor da pena parcelar mais alta (nos termos do artigo 77.º, n.º 2, “in fine”, do CP), e assim a seis anos e seis meses, por força de tudo o que acima se expôs a propósito de tais circunstâncias, que aqui “brevitatis causa” se dá como integralmente reproduzido.

560. Pelo exposto, ao manter as penas parcelares aplicadas e a pena única delas resultante em cúmulo de 10 anos de prisão, obstando à suspensão da pena única que deveria ter aplicado até cinco anos, violou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa os artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, n.º 1, 71.º, n.ºs 1 e 2, em especial as als. a) a e), 72.º, n.º 1, al. d), 73.º, n.º 1, 77.º, n.ºs 1 e 2, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), conjugado com o limite máximo das molduras penas dos crimes de burla qualificada– arts. 218.º, n.º 2, al. a) -, todos do C.P., os artigos 29.º, n.º 5, 32.º, n.º 1 da CRP e ainda o princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), directamente aplicáveis por via do artigo 18.º, n.º 1, da CRP.


[§8] - DA CONDENAÇÃO NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL.


561. O douto Acórdão recorrido, julgou improcedente o recurso do Arguido, ora Recorrente, e manteve, quanto ao pedido de indemnização civil formulado pelo BPN, a condenação em que o mesmo vinha condenado, determinando que deverá “contudo, ser tomado em consideração no quantum indemnizatório fixado, os valores entretanto recebidos nos termos expostos supra, concretamente:
i.- Relativamente aos factos que tiveram por objeto o terreno da ..., encontra-se satisfeito o valor do prejuízo, nada mais sendo devido. [estando, por isso, pago o prejuízo decorrente do alegado primeiro crime imputado ao Arguido]
ii.- Quanto à indemnização pelos actos que tiveram por objeto o Palácio .... e osTerrenos de ... foram entregues:
· Acções da Sociedade Imobiliária Palácio ... (proprietária do imóvel Palácio…), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 5.261.320,18 (cinco milhões duzentos e sessenta e um mil, trezentos e vinte euros e dezoito cêntimos).
Dação em pagamento dos Terrenos de ..., pelo valor total de € 500.000,00
(Quinhentos mil euros);

No valor total de 5.761.320,18, o qual deve ser abatido ao valor da indemnização fixada pela primeira instância. [estando, por isso, pago até ao valor de euros: 5.761.320,18 o prejuízo decorrente do alegado segundo crime imputado ao Arguido, de euros: 14 299 041,44 (catorze milhões duzentos e noventa e nove mil quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos)]”


562. Para tal alinhou o Tribunal “a quo” a fundamentação constante de fls. 2637 e ss do douto Acórdão recorrido.


563. Face ao que acima se vem concluindo, que “brevitatis causa” aqui se dá como integralmente reproduzido, em virtude de o Arguido, ora Recorrente, não ter praticado qualquer crime de burla e, adicionalmente a isso, não ser sequer parte nos contratos de mútuo que o BPN, SA invoca não terem sido pagos, ao condenar o Arguido no pagamento dos valores em dívida daí resultantes violou o Tribunal “a quo” os artigos 217.º, n.º 1, do CP e 483.º, n.º 1, do CCivil.


564. Devendo, em consequência disso, o douto Acórdão recorrido ser substituído por outro que absolva o Recorrente do pedido de indemnização cível em que vem condenado.


Sem conceder, se assim não se entender:


565. Ainda a respeito do decidido pelo TRL considera o Recorrente que, para que se julgasse como provado o valor do prejuízo efectivamente sofrido pelo BPN, SA, tendo confessadamente existido uma cessão de créditos anunciada pelo BPN, SA e a Parvalorem, SA, apenas dada a conhecer pelas Assistentes na pendência do recurso no que concerne aos créditos que motivaram a condenação do Arguido, dever-se-ia, ao abrigo do princípio do inquisitório e da justa composição do litígio, ter apurado o respectivo preço, no sentido de o mesmo ser igualmente subtraído ao valor do prejuízo do BPN, SA, ou, a limite e se assim não se entender, determinado que o mesmo devida ser liquidado em execução de sentença.


566. Com efeito, o critério das Instâncias para aferição do concreto prejuízo sofrido pelo BPN, SA - emergente dos factos que foram considerados criminalmente puníveis enquanto burla – baseou-se na consideração do valor que não foi pago pelos mutuários que beneficiaram dos mútuos concedidos por aquele Banco;


567. Provando-se, ainda que supervenientemente, que tais mútuos foram cedidos a outra entidade (a Parvalorem, SA), deverá tal valor ser subtraído ao valor do prejuízo sofrido pelo BPN, SA enquanto ofendido dos crimes pelos quais o Arguido vem condenado;


568. Tal qual ocorreria se, num caso de condenação pela prática de crime de dano, se viesse (ainda que em sede de recurso) a verificar que o bem que anteriormente se considerara totalmente danificado e desprovido de qualquer valor, havia sido vendido pelo ofendido a terceiro;


569. Em ambas as situações, para que se possa determinar o prejuízo a indemnizar nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do CC, dever-se-á aferir do preço da venda/cessão, subtraindo-o ao valor inicial do bem/direito ponderado para se fixar a indemnização, por só o resultado desta operação poder traduzir o cálculo dos “danos resultantes da violação”, sob pena de enriquecimento sem causa.   


570. Assim, tendo o BPN confessado/informado nos autos (na pendência do recurso) que cedeu à Parvalorem, SA os créditos cujo valores não pagos foram considerados como prejuízo a indemnizar (com base no artigo 483.º, n.º 1, do CC) pelo Recorrente, deveria o Tribunal “a quo” ou ter relegado a fixação da indemnização para execução de sentença (artigo 609.º, n.º 2, do CPC) ou, alternativamente (nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC), alterado a matéria de facto (após notificação ao Demandante BPN, SA para juntar a escritura de cessão dos créditos em causa – com base nos artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1, do CPC), nela considerando o valor recebido pelo BPN, SA pela cessão dos créditos em causa, determinando a sua subtração ao valor indemnizatório anteriormente fixado.


571. Os artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1, 609.º, n.º 2 e 662.º, n.º 1, do CPC e 483.º, n.º 1, do CC, interpretados (como foram) no sentido de o Tribunal de recurso não dever, ou dar como provados factos novos, com base em documentos supervenientes (não apreciados em primeira instância, ainda que para tal ordenando oficiosamente a sua junção) comprovativos do (entretanto ocorrido) desaparecimento ou redução do prejuízo sofrido pelo lesado, ou relegar para execução de Sentença a determinação do efectivo prejuízo deste, antes devendo fixar a indemnização com base no prejuízo anteriormente julgado como provado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da justiça na administração dos conflitos entre privados (ínsito nos artigos 9.º, al. a) e 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP) e do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP).


572. Ao não decidir dessa forma, mantendo a condenação do Recorrente e ordenando apenas que se subtraiam os valores entretanto pagos ao Demandante, violou o artigo 483.º, n.º 1, do CC e ainda os artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1, 609.º, n.º 2 e 662.º, n.º 1, do CPC.»


c) FF

«1. O Tribunal a quo condenou FF pela prática, como cúmplice, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 als. a) e d) do CPenal na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

2. Os factos julgados como provados e constantes da factualidade provada- mantida pelo tribunal de recurso – não preenchem os elementos objectivos e subjectivos do tipo penal de burla, o que deveria impor a absolvição do arguido;

3. Invocou o arguido, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que afirmando o Tribunal de 1.ª instância que o enganado foi o Banco de Portugal, não existira engano prévio e causal do prejuízo patrimonial sofrido pelo Banco BPN, pelo que se mostrava violado o artigo 217.º n.º 1 do CP.

4. No julgamento do recurso, por forma a manter o acórdão de 1.ª instância, o Tribunal da Relação de Lisboa veio, como suporte da operação de subsunção jurídica dos factos à norma incriminadora, a aditar novos factos,

5. O que fez de forma dissimulada e encoberta, sem assumir tal procedimento como verdadeira e própria alteração factual,

6. Vindo o Tribunal a quo, à conta deste aditamento de novos factos, afirmar que também o BPN foi enganado porque o Conselho de administração foi ele próprio enganado pelos arguidos ... (BB e o ora recorrente),

7. Através deste procedimento o Tribunal a quo alterou os factos apurados pela 1.ª instância de forma dissimulada com o intuito de procurar assim reunir os factos necessários à verificação da tipicidade do crime de burla,

8. Procedeu, assim, o Tribunal da Relação de Lisboa à alteração dos factos subjacentes à própria estrutura do crime de burla no que se reporta ao modo de execução do crime, considerando que os arguidos enganaram não apenas o Banco de Portugal mas o próprio Conselho de Administração do Banco e o próprio banco,

9. Entende o recorrente que a decisão padece de nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, entendendo não existirem factos provados capazes de suportarem a decisão proferida, verificando-se, assim, que a decisão de direito, acolhida pela Relação de Lisboa, se apoia em matéria de facto claramente insuficiente para a poder validamente suportar.

10. Acresce, ainda, que, no caso vertente, se encontra inquinada a fundamentação do acórdão impugnado na medida em que, na motivação da decisão, se recorre a presunções judiciais a partir dos factos constantes da factualidade provada para se darem como factos provados (novos) factos para além dos que se encontravam especificamente enumerados no acórdão do Tribunal de 1.ª instância, ignorando-se em concreto quais os factos-base dos quais se extrairam os novos factos;

11. Mostra-se violado pelo Tribunal a quo o disposto no artigo 424º n.º 3 conjugado com o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, limitando de forma intolerável o direito ao recurso e as garantias de defesa dos arguidos, em particular, o exercício do contraditório e o controlo da decisão em matéria de facto.

12. Ao proceder como procedeu o Tribunal recorrido acolheu uma interpretação normativa do artigo 424.º, n.º 3, do CPP que se apresenta como materialmente inconstitucional, dispensando o exercício do contraditório perante a aquisição de novos factos com recurso a presunções judiciais extraídas dos factos provados.

13. Acolhendo o acórdão de 02.06.2021 uma interpretação inconstitucional do artigo 424.º n.º 3 conjugado com o artigo 374.º n.º 2 do CPP na medida em que permite ao Tribunal de recurso a subsunção dos (novos) factos ao tipo legal incriminador, de forma encoberta, sem expressa alteração da matéria de facto.

14. Acresce, por último, que o recorrente veio requerer ao tribunal a reapreciação da prova e a alteração da factualidade dada como assente com base no artigo 412.º n.º 3 e 4 do CPP.

15. Entendeu, porém, o Tribunal de recurso que o “art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, visa remediar erros de julgamento clamorosos, como sejam um facto considerado provado com base num depoimento de uma testemunha que não depôs sobre o mesmo ou que afirmou o contrário, com base num documento que não respeite a esse facto ou com base em perícia que aponte em sentido diverso sem que o seu valor probatório tenha sido afastado pelo tribunal.”

16. Entendeu, assim, o Tribunal que apenas se encontrava vinculado a averiguar a lógica e coerência da fundamentação constante do acórdão recorrido, omitindo uma verdadeira reapreciação e análise crítica da prova sobre os pontos concretos da matéria de facto impugnados pelos ora recorrentes.

17. Através da acima enunciada interpretação do artigo 412.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, dispensou-se o Tribunal de recurso, de efectuar a análise crítica das provas indicadas pelos recorrentes no recurso da matéria de facto, entendendo que “O legislador não pretende a repetição do julgamento ou a substituição de uma convicção por outra.”

18. Verifica-se, assim, nulidade do douto acórdão proferido, prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por ausência de análise crítica da prova produzida e especificada pelos recorrentes nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, em violação do disposto neste artigo, mas igualmente do artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

20. A interpretação normativa acolhida pelo tribunal a quo das normas previstas no artigo 412.º n. 3 e 4 do CPP, padece de inconstitucionalidade material na medida em que limita o direito ao recurso constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

21. Pelo que os artigos 412.º, n.ºs 3 e 4 e 374.º, n.º 2, do CPP, interpretados no sentido de o recurso dos arguidos sobre matéria de facto, mesmo em casos em que seja aplicada pena de prisão efectiva, não impor ao Tribunal de recurso que proceda a um novo julgamento dos pontos indicados pelos Recorrentes, através de um efectivo exame crítico das provas para o efeito especificamente indicadas pelo mesmo, de forma a que lhe seja permitido alterar a decisão recorrida com fundamento em erros de apreciação que não sejam clamorosos, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

22. Afigura-se que a decisão condenatória do arguido em sede de responsabilidade civil deve ser revogada por não se verificarem os respectivos pressuposos.

23. O Banco BIC deduziu pedido de indemnização mas, na verdade, nesta data, nenhum prejuízo emergente dos financiamentos aqui em causa se encontra por reparar.

24. Resulta do próprio acórdão sob recurso que o banco BIC prometeu ceder e veio a ceder os créditos emergentes dos financiamentos e contratos celebrados com GG, HH e a sociedade Amplimóveis.

25. Tendo a referida cessão sido efectuada pelo valor nominal dos créditos.

26. A cessionária, Parvalorem, veio a ser constituída em Setembro de 2010, pelo que na sua esfera jurídica não sofreu qualquer dano em virtude dos actos ilícitos praticados pelos aqui arguidos.

27. O crédito cedido pelo Banco à Parvalorem tem, assim, natureza exclusivamente contratual e não delitual.

28. Assim, no que respeita ao banco BIC, não há como desconsiderar que a esta data o mesmo não é titular de créditos sobre o arguido.

29. Com efeito, cedeu os créditos emergentes dos mútuos celebrados à Parvalorem pelo valor nominal, tendo sido dessa forma ressarcido do valor que à data da cessão se mostrava em dívida.

30. Por outro lado, o princípio da adesão, consagrado no artigo 71.º do CPP apenas permite a apreciação no processo penal do pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime.

31. Não se vislumbra como pode o crédito do BPN com fonte em responsabilidade civil extracontratual existir quando o crédito contratual foi cedido e pago ao cedente pelo respectivo valor nominal.

32. Importa, por outro lado, ter presente que foi impugnada pelo arguido a legitimidade da Parvalorem para reclamar o pagamento de créditos emergentes de responsabilidade civil extracontratual.

33. Ora, impugnada a legitimidade da Parvalorem, a verdade é que esta questão não foi apreciada pelo Tribunal a quo.

34. Não existindo qualquer documento nos autos capaz de permitir sustentar que podem considerar-se cedidos à Parvalorem os créditos decorrentes de responsabilidade civil extracontratual.

35. A existir um direito de crédito emergente da responsabilidade civil extracontratual não foi o mesmo cedido à Parvalorem.

36. Com efeito, esta veio assentar a sua causa de pedir na existência de relações contratuais posteriormente cedidas do BPN para a Parvalorem, vindo, neste contexto, peticionar, além do capital dos financiamentos, os juros contratuais acordados,

37. Afigurando-se que dada a natureza dos créditos em causa, o seu conhecimento não cabe na competência do tribunal criminal.

38. E tendo sido cedido os créditos contratuais importa sublinhar que o arguido não contraiu qualquer das dívidas em causa nem prestou garantia.

39. Não  tendo assim que responder contratualmente pelas responsabilidades emergentes dos financiamentos celebrados com GG, HH e a sociedade Amplimóveis.

40. Entende, ainda, o arguido que o valor atribuído no acordo celebrado a parte dos activos que foram entregues pelos co-arguidos não lhe é oponível.

41. E referindo o próprio acórdão sob recurso que para além da entrega dos valores ali discriminados, aqueles arguidos entregaram ainda outros activos, não se consegue perceber como é que não foi tomada em consideração para apuramento dos danos que se mostrariam ainda por reparar a totalidade dos valores entregues, mas apenas os activos que se relacionavam directamente com cada um dos negócios celebrados.»


d) HH e GG

«1º. Por decisão de primeira instância, datada de 12 de Novembro de 2018, foram os Arguidos/Recorrentes, injustamente condenados, pela prática, como co-autores, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. a) e d), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 6.º, 103.º, n.º 1, als. b) e c), e 104.º, n.ºs 1, als. d), e) e g), e 2, do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão; e em cúmulo jurídico na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

2º. Porém, não se conformando com tal decisão os Recorrentes apresentaram o respectivo recurso em 07-02-2019, o qual foi decidido, em conferência, a 02 Junho de 2021, pelo qual o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu manter integralmente a decisão de primeira instância.

3º. Sucede que tal decisão, no modesto entender dos ora Recorrentes, não procedeu ao reclamado “juízo crítico substitutivo” sobre todas e cada uma das questões suscitadas pelos Recorrentes – contra o disposto nos artigos 425º nº 4, e 379º nº 1 al. c) do C.P.P. – “deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar”, assim incutindo ao respectivo Acórdão o vício das nulidades e inconstitucionalidades que, de resto, foram tempestivamente arguidas.

4º. Mais, o referido Acórdão de 02 de Junho de 2021 chegou ao ponto de proceder a uma pérfida alteração dos factos. Tratou-se de uma desleal e inenarrável alteração da factualidade a que o TRL procedeu de forma sub-reptícia e dissimulada. Na verdade, sem acrescentar ou alterar qualquer facto da matéria provada, em sede de direito, o TRL ficcionou a existência de um outro facto, apenas e só, com o intuito deliberado de manter a condenação dos Recorrentes pelo crime de burla, quando bem sabia que tinha de os absolver.

5º. Daí que os Recorrentes entendam que, a única via legal e constitucionalmente admissível de fiscalizar e reparar a gigantesca omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação é, num primeiro momento suscitar a sua nulidade – como foi feito – e, posteriormente, no caso de indeferimento, como sucedeu (admitimos que até ao dia de hoje nunca testemunhámos um deferimento), recorrer para o STJ.

6º. Todavia, em 24-06-2021, foi proferida nova decisão que não só indefere as arguições de nulidades e inconstitucionalidades tempestivamente invocadas como, uma vez mais, nem sequer responde em concreto àquilo que foi suscitado. Na verdade, tal decisão em conferência limita-se a consignar o que se esperava, isto é, que tudo o que o Ilustre Colectivo decidiu está bem decidido. O fundamento para tal asserção radica, claro está, no arbítrio majestático do Julgador.

7º. Considerou o Tribunal a quo que as questões suscitadas pelos Arguidos não deveriam proceder porquanto o Acórdão proferido não se acha viciado nem por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, nem por ter procedido a uma manifesta condenação por factos diversos e fora das condições do artº. 358º do C.P.P., nem por excesso de pronúncia ao conhecer de questões que não podia, nem por deixar de conhecer de questões, as quais devia (e até se lhe impunha) que conhecesse, contudo, como neste caso era em benefício dos Arguidos, o Tribunal da Relação de Lisboa resolveu ignorar.

8º. Assim, por indiferença do Tribunal recorrido – uma vez que, como referido, o Tribunal desconsiderou liminarmente (e em tempo recorde) a fundamentação expendida na reclamação – veio a ser confirmada a decisão proferida, dessa forma subsistindo os vícios oportunamente arguidos.

9º. Pelo que, quanto às nulidades arguidas, funciona este Supremo Tribunal como um 2.º grau de jurisdição, posto que as questões foram suscitadas e analisadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa em primeira linha (funcionando este como 1.º grau).

10º. Não se trata de uma análise de mérito, mas sim uma análise de questões jurídicas processuais, suscitadas após o recurso ainda que nesta fase, da decisão produzida pelo TRL e, portanto, decidida única e exclusivamente, pela primeira vez, por este Tribunal.

11º. Desta forma, dúvidas não restam que, em respeito do dispositivo constitucional constante do artigo 32.º e, concretamente, do princípio da dupla jurisdição do recurso, têm os Arguidos direito a apresentar o presente recurso, apenas e só daquelas questões apreciadas pela primeira vez pelo TRL.

12º. Assim, o presente recurso visa o conhecimento por este Tribunal Superior das nulidades invocadas, ao abrigo do disposto do artigo 379.º n.º 1 alínea a), b) e c) e 374.º n.º 2 do C.P.P. ex vi artigo 425.º n.º 4 do mesmo diploma legal e, bem assim, das inconstitucionalidades suscitadas por violação dos artigos 205.º e 32.º da C.R.P..

13º. Uma vez que estas questões apenas se constituem, de forma definitiva, com o Acórdão ora recorrido, submete-se à apreciação deste Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, os ditos vícios de que enferma.

14º. Tais questões mantêm-se absolutamente inalteradas com a análise que o Tribunal a quo se propôs fazer, uma vez que, salvo o devido respeito, não cuidou o Tribunal de rebater qualquer uma, antes remetendo para a sua anterior decisão, a qual era já sobejamente conhecida dos Recorrentes.

15º. Em momento algum o Tribunal da Relação fez um efectivo controlo da matéria de facto dada como provada na 1ª instância, por confronto desta com a documentação em acta da prova produzida oralmente na audiência.

16º. Com efeito, os Recorrentes não só indicaram concretamente as provas que imporiam decisão diversa da recorrida, como as transcreveram (o que, de resto, não era necessário), como as conjugaram criticamente, demonstrando o patente erro judiciário.

17º. Em momento algum o Tribunal da Relação analisou criticamente o recurso dos Recorrentes.

18º. Na verdade, o acórdão do TRL de 02-06-2021 limita-se a tecer considerações doutrinárias e jurisprudenciais, que podiam (e são) citadas em qualquer outro processo em sede recursiva, sem que em algum momento desça ao detalhe, ao caso concreto, enfim, a qualquer um dos pontos sindicados pelos Recorrentes.

19º. Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.ºs 379.º, n.º 1, al. c) e 425.º, n.º 4, do CPP.

20º. Ora, as normas constantes dos artigos 428º, 425º nº 4, e 379º nº 1 al. c) do C.P.P. quando interpretadas (como o T.R.L. fez) no sentido do Acórdão proferido se bastar com a apreciação genérica dos pontos recursivos suscitados em sede de impugnação da matéria de facto, dispensando-se de apreciar os contornos argumentativos e legais insertos em cada um deles com a afirmação de que o tribunal em primeira instância alcançou a sua convicção ponderando de forma conjugada e crítica toda a prova produzida em audiência de julgamento, não se detetando no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, é inconstitucional por violação do artigo 32º/1 da Constituição da República Portuguesa – inconstitucionalidade que novamente se invoca para os devidos efeitos.

21º. Ademais, o Acórdão do TC n.º 116/07 (DR II Série, de 23-04-2007) já julgou inconstitucional a norma do art. 428.º do C.P.P., quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto do recurso foram colhidos da prova transcrita nos autos.

22º. Por outro lado, tão ou mais grave é a nulidade que resulta por manifesta condenação dos Arguidos por factos diversos e fora das condições do artº. 358º do C.P.P.

23º. Toda a lógica do acórdão de primeira instância, espelhada na factualidade assente e na respectiva motivação é a de que a participação dos Arguidos Recorrentes nos vários negócios teve tão só o propósito de colaborar com o BPN e seus administradores numa encenação destinada a enganar o Banco de Portugal relativamente à verdadeira titularidade de um conjunto de activos (imóveis e acções de sociedades comerciais).

24º. O Tribunal da Relação percebendo a fragilidade desta narrativa ALTERA-A FACTUALMENTE e passa também a considerar como PROVADO (embora sem o levar à factualidade provada) que o SLN/BPN é também ele directamente enganado a par do Banco de Portugal enquanto regulador e supervisor.

25º. O SLN/BPN que até aqui era (e sempre foi) a instituição lesada/prejudicada mas que, segundo TODA A FACTUALIDADE PROVADA E BEM ASSIM A RESPECTIVA MOTIVAÇÃO a par dos Arguidos enganou o Banco de Portugal, passou para o “outro lado”, passando agora, também, a enganado!

26º. Foi narrada factualmente e dada como provada uma distinção entre a entidade que consideraram que foi pretensamente enganada com as condutas dos arguidos, o Banco de Portugal, e a entidade que foi prejudicada, o BPN.

27º. O Tribunal da Relação de Lisboa alertado pelo recurso dos Arguidos e também pelo Parecer que foi junto, rapidamente compreendeu que tais factos, assim dados como provados, afastaria o preenchimento dos elementos típicos do crime de burla, na medida em que o Banco de Portugal, alegado “enganado”, não praticou qualquer acto causador de dano ao “prejudicado”, o BPN.

28º. Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa ao compreender que em face da factualidade dada como provada não se encontravam reunidos os pressupostos para os arguidos poderem ser condenados como co-autores pela prática de um crime de burla previsto e punível pelo artº 217º do Código Penal, ALTEROU A NARRATIVA FACTUAL.

29º. Integrando a decisão de 02-06-2021 um novo substracto factológico não coincidente com a factualidade dada como provada, traduzindo essa realidade, por conseguinte, uma alteração substancial dos factos, a condenação do arguido tendo por base os novos factos, sem observação do disposto no artigo 359.º, n.º 1, do CPP, do mesmo diploma, conduz à nulidade da dita peça processual nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. b) do C.P.P., com as necessárias consequências legais.

30º. Em face do referido disposto (artigo 379.º, n.º 1, al. b) do C.P.P.), ainda que se considerasse tal alteração como não substancial, ao não ter observado o disposto no artº. 358º nº 1 do C.P.P., o Tribunal da Relação de Lisboa feriu de nulidade a sua decisão, sobretudo dada a particular e expressa exigência ínsita no artº. 424º nº 3 do C.P.P.

31º. Acresce que, a interpretação dos artº.s 379º nº1 al. b) e 359º nº1 e 3 do C.P.P., segundo a qual, o Tribunal de recurso pode alterar a narrativa factual, ainda que sem alteração da factualidade provada, sem sequer comunicar ao Recorrente tal alteração com vista a obter o seu acordo para a continuidade do julgamento pelos novos factos, é inconstitucional por violação do princípio das garantias de defesa ínsito no artº. 32º nº 1 da C.R.P.

32º. Igualmente, a interpretação dos artº.s 379º nº1 al. b) e 358º nº1 e 424º nº 3 do C.P.P., segundo a qual, o Tribunal de recurso pode alterar a narrativa factual ou considerar novos factos com relevo para a decisão da causa, ainda que se trate de uma mera alteração não substancial, sem comunicar aos Recorrentes tal alteração, não facultando aos arguidos a oportunidade processual de organizar, quanto a eles a sua defesa, é inconstitucional por violação do princípio das garantias de defesa ínsito no artº. 32º nº 1 da C.R.P.

33º. Ainda a propósito do recurso interlocutório apresentado pelos Arguidos, o Tribunal da Relação de Lisboa, veio, aparentemente, a dar razão aos mesmos, pelo facto do alegado perito nomeado não ter prestado compromisso legal e, como tal, o relatório por si elaborado não poder valer como perícia considerando, por isso, existir uma questão de valoração de prova.

34º. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que tal não obsta a que o tal relatório técnico, ainda que não possa ser valorado como perícia, possa, no entanto, ser considerado como um documento e, como tal, sujeito à livre apreciação da prova.

35º. Todavia, o que o Tribunal da Relação de Lisboa não pode é substituir-se ao Tribunal de primeira instância no juízo de valoração probatória, sob pena de excesso de pronúncia.

36º. O Tribunal de primeira instância, ao ter considerado e valorado aquele relatório como pericial, viu a sua livre apreciação subtraída. Por outras palavras, o Tribunal de primeira instância decidiu em determinado sentido tendo por base uma prova pericial, cujo juízo crítico seria diverso (ou em tese poderia ser diferente), caso se tratasse de um mero documento sujeito à livre apreciação da prova.

37º. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao não conceder a revisão da prova pelo Tribunal de primeira instância, em face da diferente valoração da prova, acaba por ser aquele a decidir como e em que sentido deve esta prova ser lida e valorada.

38º. Ora, ao Tribunal da Relação de Lisboa cabe precisamente SINDICAR a valoração probatória, MAS NÃO SUBSTITUIR-SE ao tribunal de primeira instância nessa valoração.

39º. O Tribunal da Relação de Lisboa, não reenviou os autos para a primeira instância como tinha de o fazer, para que o Ilustre Colectivo decidisse, já não com a sua convicção em parte subtraída ou refém dessa alegada perícia, mas antes concatenando e valorando esse elemento de prova, juntamente com os demais, ao abrigo do disposto no artº. 127º do C.P.P..

40º. Ao não o fazer, o Tribunal da Relação de Lisboa, substituiu-se ao Tribunal de primeira instância, tomando conhecimento de uma prova cuja valoração é agora diversa, sem que ao Ilustre Colectivo em primeira instância tenha sido dada a possibilidade de sobre essa prova se pronunciar, agora sem que esta estivesse subtraída ao seu juízo crítico, o que, imporia, necessariamente, um juízo diferente, ainda que, a final, pudesse vir a ser no mesmo sentido.

41º. Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa ao se substituir ao Tribunal de primeira instância, tomando conhecimento de uma prova cuja valoração é agora diversa, sem que ao Ilustre Colectivo em primeira instância tenha sido dada a possibilidade de sobre essa prova se pronunciar feriu o presente acórdão de nulidade nos termos do artº. 379º nº1 al. c) do C.P.P.

42º. Ora, a interpretação dos normativos ínsitos nos artº.s 410º, nº1 e 2, 426º nº 1 e 431º todos do C.P.P. segundo a qual, a valoração e avaliação da prova que foi realizada pelo tribunal a quo com base no Relatório pericial (prova vinculada ou tarifada – artº. 163º nº1 e 2 do C.P.P.), quando alterada a sua valoração pelo tribunal ad quem no sentido de ficar sujeita à livre apreciação da prova (artº. 127º do C.P.P.), ao não reenviar os autos para aquele Tribunal se pronunciar, substituindo-se o Tribunal de recurso ao Tribunal de primeira instância na decisão, é inconstitucional por violação do artº. 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

43º. Por último, também em sede de recurso para o TRL foi apresentada prova por documento, pela qual   os Arguidos/Demandados Reclamantes, por acordo com os Assistentes/Demandantes colocaram fim ao PIC.

44º. Mas também, COMO PARTE DESTE ACORDO – admitido por este TRL – foi feita prova por documento da entrega dos bens, não apenas aqueles que se relacionam com os factos deste processo, mas também bens imóveis que nada têm que ver com os contratos celebrados no âmbito das relações dos Reclamantes com o BPN, e o completo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da prática dos crimes.

45º. Ora, o TRL omitiu expressamente pronúncia, não por se ter esquecido de apreciar esta questão, mas por ter entendido que a apreciação desta questão lhe estava vedada e, como tal, entendeu (mal) sobre ela não se pronunciar.

46º. É curioso observar que neste particular foram os Assistentes/Demandantes, entenda-se, as alegadas vítimas a virem aos autos juntar supervenientemente (na medida em que apenas foi obtido e alcançado após a decisão de 1ª instância) o documento.

47º. Pelo que, o TRL ao deliberadamente não conhecer desta questão cominou com nulidade o acórdão recorrido nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 379º nº 1 al. c) do C..P.P.

48º. A interpretação dos artigos 662º nº 1 do C. P. Civil aplicável por força do estatuído no artigo 4ºdo C.P.P, artigo 431º e 379º nº1 al. c) do C.P.P., segundo a qual o Tribunal de Recurso não pode apreciar documentos supervenientes (não apreciados em primeira instância), com vista à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material, é inconstitucional por violação do estatuído no artigo 32º nº1 da C.R.P.

49º. Assim, resulta de tudo quanto acima se disse que o Tribunal de 2ª Instância acabou por coarctar um dos mais fundamentais direitos concedidos aos Arguidos, que é o direito ao recurso.

50º. E é evidente que não pode um tribunal (seja ele de 1ª ou de 2ª Instância) furtar-se a explicar porque tem determinado entendimento.

51º. Donde resulta evidente que, para que se cumpra o dispositivo constitucional, a apreciação que seja feita pelo Tribunal de 2.ª instância não se basta com uma análise perfunctória, genérica e superficial resumida a um mero controlo formal da decisão de primeira instância, tendo de se concretizar numa verdadeira reapreciação substancial dos argumentos sindicados pelos Recorrentes.

52º. Assim, dúvidas não podem restar de que o referido Acórdão de 02-06-2021 enferma das nulidades e inconstitucionalidade acima arguidas, as quais, apesar de tempestivamente suscitadas, não foram reparadas, mantendo o TRL uma decisão eivada de vícios e inconstitucionalidades que cabe a este Alto Tribunal reparar, assim se fazendo JUSTIÇA!

8. O Ministério Público respondeu aos recursos apresentados, concluindo nos seguintes termos:


a) Relativamente ao recurso interposto pelo arguido CC

«1 - Na formulação do artigo 400º, nº. 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão de Tribunal da Relação que confirme decisão de 1a instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1ª instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.

2 - Assim, se houve confirmação pelo Tribunal da Relação da decisão de 1.ª instância - a chamada dupla conforme - só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida.

3 - Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares.

5 - Conforme jurisprudência generalizada do STJ, a al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP ao vedar o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso que confirmem a decisão de 1a instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, impõe a irrecorribilidade, quando a pena conjunta é superior a 8 anos de prisão, das penas parcelares que não excedam essa medida.

6 - Tendo havido "dupla conforme", ou seja, tendo a Relação confirmado a decisão condenatória da 1a instância e dado que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos, só a pena única ultrapassando essa medida, fica prejudicada a apreciação das demais questões colocadas.

7 - Tal solução, quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1ª instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

8 - O direito ao recurso em matéria penal, inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa, está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição por a Constituição da República Portuguesa se bastar com um duplo grau.

9 - No caso dos autos, por acórdão de 2 de Junho de 2021 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi o recorrente CC condenado, pela prática, como coautor, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. a) e d), do CPenal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles; e, em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas, na pena única de 10 (dez) anos de prisão;

10 - Resulta assim ser irrecorrível, na sua quase totalidade, a decisão firmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 2 de Junho de 2021, apenas resultando "elegível" para recurso a matéria relativa à pena única a que foi condenado o recorrente, por superior a 8 anos de prisão.

11 - Irrecorribilidade que abrange todas as demais questões relativas à actividade decisória que subjaz e conduziu à condenação, de constitucionalidade, substantivas ou processuais, como sejam nomeadamente as relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares, confirmadas pelo acórdão do Tribunal da Relação.

12 - A interpretação do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, segundo a qual são irrecorríveis as questões respeitantes aos crimes singulares punidos com pena não superior a 8 anos de prisão em que tenha havido confirmação, em recurso, por parte do Tribunal da Relação, não padece de qualquer inconstitucionalidade.

13 - Prejudicadas ficam, por conseguinte, a apreciação e discussão de todas as questões suscitadas no recurso que não tenham a ver com a medida da pena unitária aplicada ao recorrente.

14 - Na determinação da medida da pena única aplicada ao recorrente, o Tribunal a quo atendeu, como se lhe impunha, aos factos e à personalidade do agente, avaliados conjuntamente, e aos limites máximo (a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão) e mínimo (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) da pena aplicável, tal como definido no artigo 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

15 - A decisão recorrida cumpre os requisitos legalmente exigidos de fundamentação, no que concerne à individualização da pena única aplicada ao recorrente, não a afectando nulidade, irregularidade ou inconstitucionalidade.

16 - É adequada, justa e conforme aos critérios definidores do artigo 77º do Código Penal, a pena unitária aplicada ao recorrente.

17 - Nenhuma censura suscita o acórdão recorrido que, como tal, deverá ser integralmente mantido.»


b) Relativamente ao recurso interposto pelo arguido EE

«1 - Na formulação do artigo 400º, nº. 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão de Tribunal da Relação que confirme decisão de 1a instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1ª instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.

2 - Assim, se houve confirmação pelo Tribunal da Relação da decisão de 1.ª instância - a chamada dupla conforme - só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida.

3 - Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares.

5 - Conforme jurisprudência generalizada do STJ, a al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP ao vedar o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso que confirmem a decisão de 1a instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, impõe a irrecorribilidade, quando a pena conjunta é superior a 8 anos de prisão, das penas parcelares que não excedam essa medida.

6 - Tendo havido "dupla conforme", ou seja, tendo a Relação confirmado a decisão condenatória da 1a instância e dado que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos, só a pena única ultrapassando essa medida, fica prejudicada a apreciação das demais questões colocadas.

7 - Tal solução, quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1.a instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.o 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

8 - O direito ao recurso em matéria penal, inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa, está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição por a Constituição da República Portuguesa se bastar com um duplo grau.

9 - No caso dos autos, por acórdão de 2 de Junho de 2021 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi o recorrente EE condenado, pela prática, como coautor, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. a) e d), do CPenal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles; e, em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas, na pena única de 10 (dez) anos de prisão;

10 - Resulta assim ser irrecorrível, na sua quase totalidade, a decisão firmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 2 de Junho de 2021, apenas resultando "elegível" para recurso a matéria relativa à pena única a que foi condenado o recorrente, por superior a 8 anos de prisão.

11 - Irrecorribilidade que abrange todas as demais questões relativas à actividade decisória que subjaz e conduziu à condenação, de constitucionalidade, substantivas ou processuais, como sejam nomeadamente as relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares, confirmadas pelo acórdão do Tribunal da Relação.

12 - A interpretação do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, segundo a qual são irrecorríveis as questões respeitantes aos crimes singulares punidos com pena não superior a 8 anos de prisão em que tenha havido confirmação, em recurso, por parte do Tribunal da Relação, não padece de qualquer inconstitucionalidade.

13 - Prejudicadas ficam, por conseguinte, a apreciação e discussão de todas as questões suscitadas no recurso que não tenham a ver com a medida da pena unitária aplicada ao recorrente.

14 - Na determinação da medida da pena única aplicada ao recorrente, o Tribunal a quo atendeu, como se lhe impunha, aos factos e à personalidade do agente, avaliados conjuntamente, e aos limites máximo (a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão) e mínimo (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) da pena aplicável, tal como definido no artigo 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

15 - A decisão recorrida cumpre os requisitos legalmente exigidos de fundamentação, no que concerne à individualização da pena única aplicada ao recorrente, não a afectando nulidade, irregularidade ou inconstitucionalidade.

16 - É adequada, justa e conforme aos critérios definidores do artigo 77º do Código Penal, a pena unitária aplicada ao recorrente.

17 - Nenhuma censura suscita o acórdão recorrido que, como tal, deverá ser integralmente mantido.»


c) Relativamente ao recurso interposto pelos arguidos HH e GG

«1 - Na formulação do artigo 400º, nº. 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão de Tribunal da Relação que confirme decisão de 1a instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1a instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.

2 - Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares.

3 - Abrangido pela irrecorribilidade, igualmente fica prejudicado o conhecimento das alegadas nulidade, designadamente da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por erro notório na apreciação da prova ou por omissão de pronúncia e da alegada violação do princípio in dúbio pro reo.

4 - A jurisprudência generalizada do STJ, confirma a letra da lei expressa na al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP, ao vedar o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso que confirmem a decisão de 1a instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

5 - Tal solução, quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1a instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

6 - O direito ao recurso em matéria penal, inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa, está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição por a Constituição da República Portuguesa se bastar com um duplo grau.

7 - O recurso é inadmissível e a tanto não obsta o despacho de admissibilidade, proferido no tribunal recorrido, por tal despacho não vincular o tribunal superior (art. 414º, nº 3, do CPP).

8 - E, a irrecorribilidade estende-se a toda a decisão, abrangendo todas as questões relativas à actividade decisória que subjaz e conduziu à condenação, sejam de constitucionalidade, substantivas ou processuais, confirmadas pelo acórdão da Relação (como se escreveu, a tal propósito, no acórdão de 22-04-2020, do S.T.J., processo nº 63/17.0T9LRS.L1.S1,

9 - E, não se diga, que a eventual nulidade do acórdão do Tribunal da Relação, e são muitos os vícios desta natureza que os recorrentes lhe atribuem, poderia constituir fundamento de admissibilidade do recurso, porquanto, a nulidade, só pode ser arguida e integrar o objecto de recurso, se a decisão for recorrível, o que não é o caso.

10 - No caso dos autos, por acórdão de 2 de Junho de 2021 do Tribunal da Relação de Lisboa, foram os arguidos/recorrentes, condenados em penas parcelares de 3 (três) e 5 (cinco) anos de prisão, e em cúmulo jurídico na pena de 6 (seis) anos de prisão, cada um.

11 - Resulta assim ser irrecorrível, na sua totalidade, a decisão firmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 2 de Junho de 2021.

12 - A interpretação do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, segundo a qual são irrecorríveis as questões respeitantes aos crimes singulares punidos com pena não superior a 8 anos de prisão em que tenha havido confirmação, em recurso, por parte do Tribunal da Relação, não padece de qualquer inconstitucionalidade.

13 - A decisão recorrida cumpre os requisitos legalmente exigidos de fundamentação, ainda que, parcialmente, por reporte à decisão da primeira instância, não a afectando as invocadas nulidades, ou sequer irregularidade, nem a mesma padece da alegada inconstitucionalidade.

14 - Nenhuma censura suscita o acórdão recorrido que, como tal, deverá ser integralmente mantido.»


d) Relativamente ao recurso interposto pelo arguido FF

«1 - Na formulação do artigo 400º, nº. 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão de Tribunal da Relação que confirme decisão de 1a instância e aplique pena de prisão não superior a 5 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1a instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.

2 - Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a crimes punidos com penas parcelares inferiores a cinco anos de prisão) tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, os vícios elencados no art.º 410º nº2, do CPP, as nulidades da decisão (arts.379º e 425º, nº4, do CPP) e aspetos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova (v.g.,o respeito pela regra da livre apreciação e pelo principio in dúbio pro reo ou proibições de prova), com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares."

3 - Tal solução, quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1ª instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

4 - O direito ao recurso em matéria penal, inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa, está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição por a Constituição da República Portuguesa se bastar com um duplo grau.

5 - No caso dos autos, por acórdão de 2 de Junho de 2021 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi o recorrente FF condenado, pela prática, como cúmplice, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

6 - Resulta assim ser irrecorrível, na sua totalidade, a decisão firmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 2 de Junho de 2021, no que tange ao arguido FF.

7 - Prejudicadas ficam, por conseguinte, a apreciação e discussão de todas as questões suscitadas no recurso.

8 - Porém, sempre se dirá que nenhuma censura suscita o acórdão recorrido que, como tal, deverá ser integralmente mantido.»

9. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer concluindo no sentido de que:


- devem ser rejeitados os recursos interpostos pelos arguidos FF, GG e HH, nos termos do disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.os 2 e 3 e 432.º, n.º 1, al. b), todos do Código de Processo Penal;
- o âmbito dos recursos interpostos pelos arguidos CC e EE deve ser reduzido à impugnação da medida da pena única, devendo ser rejeitados quanto às demais questões suscitadas, nos termos do disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.os 2 e 3 e 432.º, n.º 1, al. b), todos do CPP;
- no que se refere ao mérito dos recursos relativos à pretendida redução do quantum da pena única aplicada aos arguidos CC e EE, emitiu-se parecer no sentido da sua improcedência.

             

Efetuado o exame preliminar, remeteu-se o processo a vistos legais e de seguida à Conferência, de acordo com o disposto no art. 419 do CPP.


II

Fundamentação

(De facto)



1. Os factos que se devem ter por assentes, para o que aqui releva, são os seguintes:

4) «- Desde a sua constituição que a SLN VALOR SGPS detinha quer directamente, quer através de entidades terceiras, fora do consolidado do Grupo, a maioria do capital social da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS SA;
5) - O BPN, SGPS, SA, que era integralmente detido pela SLN SGPS, era uma sociedade anónima, com sede na Av. da Républica, n.º 53, em Lisboa, com registo de alteração de sede, datado de 25-07-2002, para a Av. António Augusto Aguiar, n.º 132, em Lisboa, e que tinha por objecto a gestão de participações sociais que detinha em diversas sociedades, entre as quais, o Banco Português de Negócios, SA;
6) - O Banco Português de Negócios, SA, (doravante BPN) à data dos factos a seguir
descritos, era uma sociedade anónima, com sede na Av. de França, n.º 680/708, no Porto, que tinha por objecto o exercício de actividades consentidas aos Bancos, sendo a Administração exercida em Lisboa, na sede da BPN SGPS, suprareferida;

14) - Os arguidos BB, EE e CC criaram e/ou mantiveram a M... para servir de UBO (último beneficiário) de outras entidades registadas em offshore, de forma a manter ainda mais opaca a relação com a SLN, sua verdadeira detentora;
15) - O Grupo BPN integrava ainda a entidade R..., SA, (doravante R...), com sede, após alteração registada a 13-11-1995, na Av. ..., Edifício ... ..., ..., sociedade anónima cujo objecto, a partir da alteração registada em 21-05-1997, era o exercício, quer em território português, quer no estrangeiro, da actividade de seguro directo e de resseguro de todos os ramos, riscos e modalidades, com excepção do ramo vida, com a amplitude permitida por lei;
16) - À data dos factos adiante descritos eram ... da R... os arguidos BB e EE e ainda, embora em momentos diferentes, LL, MM, NN e OO;
17) - O Banco Insular (IFI), SARL era uma instituição financeira, registada na Secção de Registo Comercial ..., Cabo Verde, através da matrícula 619 e tinha sede na ... de ...
18) - No exercício da sua actividade, o Banco Insular exercia o comércio bancário em geral.
19) - O Banco Insular nunca teve estrutura operacional própria e autónoma, mas sim dependente do BPN, apesar de figurar como seu presidente PP, que aceitava a utilização do Banco Insular para a colocação de operações, designadamente de concessão de crédito, que eram previamente montadas junto do BPN SA, em particular por iniciativa dos arguidos BB, CC e EE;
20) - Conforme em concreto se irá descrever a seguir, pelo menos a partir de 2003, o Banco Insular mantinha dois tipos de lançamento de operações, sendo umas lançadas num BALCÃO OFICIAL, a que atribuíram a designação Balcão 2000 (ou Balcão Lisboa), onde eram registadas todas as operações efectuadas pelo Banco e que eram inscritas no Balanço, e outras eram lançadas num BALCÃO VIRTUAL, a que atribuíram a designação de Balcão 2001 (ou Balcão Porto), onde eram registadas todas as operações clandestinas, a que só alguns tinham acesso e que nunca eram inscritas em Balanço e por isso ficavam à margem de qualquer registo oficial;
21) - Em alguns dos factos a seguir descritos teve intervenção o arguido AA, quer individualmente quer através de entidades por si controladas ou utilizadas, designadamente, as entidades nacionais O..., GRUPO R..., SGPS, A... V..., bem como as entidades com registo offshore Be... Investments Limited, PE... INVESTMENTS LLC, G... PROPERTIES LIMITED, BA... HOLDINGS LLC, PH... LLC, N... LTD, OA... HOLDINGS CORP e UM... MANAGEMENT CORP, entre outras adiante mencionadas nos negócios concretos;
22) - Nos factos a seguir descritos também tiveram intervenção os arguidos GG e HH, quer individualmente quer em representação de entidades que detinham, designadamente as entidades nacionais GER..., AMPLIMÓVEIS, P... F... e R... V..., sendo tal grupo de empresas, com exclusão desta última, conhecido como Grupo P... F...;

II - A DEFINIÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA

23) O arguido BB era, no ano de 2001, Presidente do ...  da SLN SGPS, do BPN SGPS, do BPN SA e da Companhia R..;
24) - O arguido BB foi ainda gerente e depois Presidente do ... da SLN VALOR, quer enquanto esta assumiu a forma de sociedade por quotas, quer quando a mesma converteu em acções as participações representativas do seu capital, por deliberação de 28-05-2004, registada a 03-09-2004;
25) - O arguido CC foi, além de chefe de gabinete de BB, ... da SLN SGPS, vogal do ... da BPN SGPS, bem como vogal do ... em muitas das entidades do grupo;
26) - O arguido EE foi ... da SLN SGPS, da BPN SGPS e da P..., detendo o controlo de facto de várias das sociedades do grupo para a área não financeira;
27) - A partir do início dos anos 2000, os arguidos BB, CC e EE acordaram numa estratégia de alargarem as áreas de negócio do Grupo a sectores não financeiros, designadamente o do desenvolvimento de projectos imobiliários, do turismo e das novas tecnologias;
28) - Para a implementação desses negócios os mesmos arguidos pretendiam usar das possibilidades de financiamento conferidas pelo controlo do BPN SA;
29) - Mas tinham consciência das limitações às possibilidades de intervenção directa do Banco nesses empreendimentos, em particular decorrentes da necessidade de fazer consolidar nas contas do Grupo os investimentos com financiamentos concedidos pelo BPN a sociedades directamente controladas pelo Grupo, revelando a sua exposição ao crédito;
30) - Por outro lado, uma vez que a entidade “holding” do Grupo, a SLN SGPS, era, ainda que indirectamente, a detentora de um Banco, todo o Grupo se encontrava sujeito à supervisão do Banco de Portugal, o que incluiria as sociedades não financeiras, se fossem elas os veículos escolhidos para diversificar as áreas de negócio;
31) - Para ultrapassar tais limitações, os arguidos BB, CC e EE conceberam então uma estratégia que passava pela utilização de terceiros para actuarem como fiduciários na detenção de participações em projectos de investimento, fora do sector financeiro, mas que na realidade pertenciam ao Grupo ou que os arguidos pretendiam manter sob o controlo do Grupo;
32) - Tal utilização de terceiros permitia a concessão alargada de crédito pelo Banco detido pelo Grupo, o BPN SA, que assim aparecia perante o regulador como estando a financiar terceiros;
33) - A real posição accionista do Grupo SLN nos empreendimentos seria ainda oculta por detrás de entidades instrumentais, criadas como veículos para fins específicos, nalguns casos com recurso a entidades em offshore, de forma a garantir a maior opacidade quanto ao beneficiário final, que era o próprio Grupo SLN;
34) - Tais entidades com finalidade específica apareciam nesses empreendimento, como sócias dos terceiros, pessoas de confiança dos arguidos e/ou seus parceiros de negócios;
35) - Os arguidos BB, CC e EE escolhiam para terceiros que consigo participavam nos negócios pessoas da sua confiança pessoal ou pessoas que se apresentavam ao Grupo como tendo descoberto e pretendendo promover uma determinada oportunidade de negócio;
36) - Os arguidos BB, CC e EE analisavam essas oportunidades de negócio e, caso identificassem a possibilidade de obter mais-valias interessantes para o grupo SLN/BPN, aceitavam e/ou propunham-se proceder ao financiamento do empreendimento, mas exigindo uma participação social para o próprio Grupo;
37) - Nalguns casos, o terceiro que angariava o negócio para o Grupo ou que o aceitava deter no interesse do Grupo, não chegava sequer a fazer um esforço financeiro próprio, uma vez que os arguidos BB, CC e EE faziam o Banco assumir a totalidade do financiamento, com a aparência de estar a financiar um cliente;
38) - Como tal estratégia implicava um acréscimo no volume de crédito aparentemente concedido a terceiros, os arguidos BB, CC e EE acordaram na utilização do Banco Insular para ali colocar algumas das operações de crédito concedidas dentro da estratégia de financiamento dos negócios na área não financeira;
39) - Tal recurso a financiamento através do Banco Insular permitia, para além da ocultação das operações de crédito relativamente ao Banco de Portugal, também conceder financiamentos sem preocupação com a associação de garantias efectivas do cumprimento, que não eram previstas nos contratos de mútuo e de outras formas de concessão de crédito celebrados com intervenção do Banco Insular;
40) - Desta forma, os mesmos arguidos procuravam também ultrapassar os reparos que viessem a ser, como foram, suscitados ao Grupo, quer pelos auditores externos quer pelo Banco de Portugal, quanto ao excessivo volume de crédito concedido a determinados clientes dentro de determinada área de negócio;
41) - Sabendo os mencionados arguidos, BB, EE e CC, que algum desse crédito concedido era para negócios do próprio Grupo mas em que este aparecia oculto pela intervenção de terceiros;
42) - A mesma estratégia de ocultação do volume de crédito concedido chegou a ter que ser utilizada relativamente ao Banco Insular quando o volume de crédito ali colocado ultrapassou os limites dos ratios permitidos face ao capital do Banco;
43) - Assim, a ocultação de financiamentos foi feita através de recurso a uma entidade ficcionada paralela, um Banco Insular virtual, onde eram criadas contas sem qualquer registo nos livros do Banco, bem como com recurso a contas abertas em nome de entidades instrumentais, em particular por entidades registadas em offshore, tais como a V... e a S..., detidas e controladas, a final, pela própria SLN;
44) - Para executar este desígnio, os arguidos BB, CC e EE asseguravam que toda a estrutura do Grupo SLN/BPN, bem como entidades offshore e entidades nacionais por si controladas, se colocavam também na disponibilidade das concretas execuções de aparentes negócios imobiliários de terceiros;
45) - Asseguravam, igualmente, através do contacto pessoal com as respectivas chefias, que tanto a Direcção Comercial como a Direcção de Análise de Risco do BPN, se colocavam na sua disponibilidade pessoal em financiamentos que fariam conceder através deste Banco;
46) - Tal intervenção de colaboradores de confiança, de forma a assegurar a aprovação interna dos procedimentos de financiamento supra-referidos, era conseguida através da angariação de pessoas como FF, que foi Director-Geral da área norte do BPN e Administrador do BPN;
47) - Desta forma, através da utilização de terceiros, a quem prometiam e proporcionavam ganhos, por vezes, indevidos, os arguidos BB, EE e CC desenvolveram uma estratégia de ocultação de investimentos e de aquisição de património para o Grupo BPN/SLN suportada na concessão de financiamentos sem as garantias proporcionais aos montantes libertados;
48) - Entre os terceiros que participaram em alguns negócios encontrava-se o arguido AA;
49) - O arguido AA tinha estreita ligação com o Grupo SLN/BPN e em especial com BB, tendo tido intervenção como promotor em alguns negócios imobiliários;
50) - Alguns negócios foram aportados pelo e para o Grupo SLN/BPN dentro da lógica de ocultação de património imobiliário e respectivo financiamento, através da intervenção de entidades quer detidas por AA, quer em parceria entre este e a SLN, caso da R... - Sociedade Imobiliária, SA, NIPC ...;
51) - Nas parcerias entre AA e o grupo SLN/BPN a divisão do capital social nessas entidades era, em regra, realizada através da atribuição de 65% para a SLN e de 35% para AA;
52) - Os arguidos BB, CC e EE consolidaram a sua estratégia ao longo do tempo, nomeadamente através da sucessiva concessão de financiamentos pelo BPN ao arguido AA e a sociedades por si controladas, quer directamente quer através de entidades offshore;
53) - Em resultado dessa actuação, os arguidos BB, CC e EE aceitaram o risco de gerar imparidades na exposição ao crédito em vários sectores do Grupo, designadamente no sector imobiliário;
54) - De tal forma que o Banco de Portugal, após a auditoria realizada em 2002, através da carta 8933/03/DSBDR, de 27-10-2003, determinou que o BPN agregasse aos riscos sobre o próprio Grupo os incorridos sobre alguns “grupos de clientes”, entre os quais o de AA - o que significava que o volume de crédito concedido ao grupo de AA era considerado como crédito concedido ao próprio grupo SLN, com consequências ao nível da afectação do capital do grupo e obrigação de constituição de provisões;
55) - O Banco de Portugal determinou igualmente que o BPN constituísse uma provisão extraordinária para riscos bancários gerais e que, até Junho de 2004, regularizasse os excessos de riscos sobre o grupo de clientes SLN/BPN que decorram da aludida agregação;
56) - O Banco de Portugal exigiu ainda que o BPN, no prazo de um mês, apresentasse um plano de medidas que previssem uma adequação gradual dos riscos ao limite de 20% dos fundos próprios, limite esse que, já em 2004, se encontrava largamente excedido;
57) - Face às determinações do Banco de Portugal, a situação de AA junto do Grupo SLN/BPN deixou de ser sustentável perante o Banco de Portugal, pelo que, entre finais de 2003 e meados de 2004, o arguido BB entendeu que aquele deveria abandonar todas as sociedades em que participava tendo como sócias entidades do Grupo SLN/BPN;
58) - O referido motivo e a ruptura de entendimento entre os arguidos BB e AA, no decurso de 2003, conduziu a que ficasse acordado entre ambos que, entre meados de 2004 e meados de 2005, AA cessaria as parcerias estabelecidas com entidades do Grupo SLN/BPN e que seriam liquidados todos os financiamentos concedidos a AA e a empresas por si controladas, através da entrega ou venda de activos detidos pelas mesmas entidades usadas nessas parcerias;
59) - Tal ruptura com o arguido AA não significou para os arguidos BB, CC e EE o abandono da estratégia de utilização de terceiros para consigo participar em negócios, tendo, pelo contrário, procurado encontrar novos parceiros, relativamente aos quais vieram a desenvolver a prática de concessão de financiamentos, alguns dos quais, sem as necessárias garantias, apenas passando a deslocar a entidade financiadora para fora do perímetro conhecido pelo Banco de Portugal, recorrendo para tal à colocação dos financiamentos junto do Banco Insular;
60) - Como parceiros para o desenvolvimento dos projectos imobiliários e para a montagem de operações no pretenso interesse do Grupo BPN/SLN, passaram os arguidos BB, CC e EE a contar, desde data incerta do ano de 2003, com os arguidos GG e HH e empresas por si controladas;
61) - O arguido FF conhecia o arguido GG porque tinha estado ligado ao Ministério ..., como administrador ..., num período em que o referido GG desempenhou funções como ...;
62) - O arguido GG foi ainda ... da Câmara Municipal ..., desempenhou funções no ... Governo Constitucional como ... e depois ... e integrou ainda o ... Governo Constitucional com as funções de ...;
63) - O arguido HH foi director do ...;
64) - Os arguidos GG e HH e as sociedades por si controladas tinham a confiança dos arguidos BB, CC e EE, no sentido de estes últimos virem a montar e fazer aprovar diversas operações de financiamento a favor dos primeiros, com a finalidade de estes e suas empresas virem a adquirir as posições societárias e os activos anteriormente detidos pelo arguido AA e suas empresas;
65) - Sucederam-se assim operações de financiamento, não totalmente suportadas em garantias efectivas, mas autorizadas por intervenção dos arguidos BB, CC e EE, montadas junto do BPN SA e do Banco Insular, tendo por beneficiários GG e HH ou empresas por si controladas;
66) - Tais financiamentos estiveram conexos a diversos negócios que se passam a descrever, nos quais, de forma comum, os arguidos BB, CC e EE quiseram alcançar um objectivo negocial com ocultação da intervenção do BPN, mas aceitando, para conseguir essa ocultação, gerar uma perda para o BPN, decorrente da concessão de financiamentos que nunca viriam a ser pagos;

III - NEGÓCIOS MANTIDOS ENTRE O GRUPO BPN/SLN E OS ARGUIDOS AA, GG E HH
III.A - Negócio do terreno da ...
III.A.1 - A venda da MIN... à R... - Sociedade Imobiliária, SA

67) - À data dos factos a seguir descritos, existia no concelho ... um lote de terreno, identificado com o n.º 41, sito na localidade ..., com a área de 18 400m2 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 01...5/220586, doravante designado por terreno da ..., que no início do ano de 1999, pertencia à entidade offshore Quinta ..., com sede em ...;
68) - No dia 26 de Fevereiro de 1999, a dita proprietária do terreno da ..., representada no acto pelo seu procurador QQ, foi vendida à entidade offshore denominada Min...Limited, com sede em ..., representada no acto por RR, pelo preço de quarenta e um milhões de escudos (204.507,14€);
69) - No dia 15 de Junho de 2000, foi emitida uma procuração, em nome da MIN..., a constituir como seus legítimos procuradores SS e QQ, conferindo poderes para os mesmos representarem aquela entidade em todos os actos relacionados com a venda do terreno da ..., pelo período de um ano;
70) - Os arguidos BB, EE e CC, tiveram conhecimento, ainda no ano 2000, de que tal terreno da ... se encontrava para venda;
71) - Ainda no mesmo ano de 2000, os arguidos BB, EE e CC tomaram conhecimento de que a R..., que integrava o grupo SLN, precisava de ver reforçados os seus capitais, o que deveria ser feito por entradas a realizar pelos seus accionistas;
72) - Os arguidos EE, BB e CC conceberam então uma estratégia de realizar a entrada de capital na R..., através da montagem de uma operação imobiliária, que permitisse à referida empresa encaixar uma mais-valia;
73) - Dessa forma, os referidos arguidos conseguiriam evitar um esforço financeiro directo a realizar pelo BPN, transferindo o mesmo para aparentes operações de financiamento a terceiros, que iriam adquirir o terreno da ... e depois colocar o mesmo na esfera da R..., para, de seguida, com novas operações de financiamento a clientes, possibilitarem a revenda do mesmo terreno com uma elevada mais-valia;
74) - De acordo com a estratégia delineada, os arguidos fariam passar a titularidade do terreno da ... por várias entidades, obtendo a anuência de terceiros para figurarem como intervenientes nas mesmas, de forma a elevar de modo fictício o valor do referido imóvel, muito acima do seu real valor comercial;
75) - Para tanto, utilizariam quer entidades societárias já pertencentes ao universo do Grupo BPN, quer outras constituídas ou adquiridas para o efeito, para que as mesmas servissem de veículos nessas transmissões sucessivas;
76) - Para realizar a aquisição do terreno ao então proprietário, a entidade MIN..., os arguidos EE, BB e CC escolheram utilizar a sociedade R... - Sociedade Imobiliária, SA, que era então detida por AA e pela SLN Imobiliária, SGPS, S.A., que tinha designado como administrador o arguido DD;
77) - Os arguidos AA e DD aceitaram fazer actuar a R... - Sociedade Imobiliária, SA, de que eram gerentes, este último ciente da estratégia, que lhe foi transmitida pelos demais arguidos EE, BB e CC, de montar sucessivas operações de venda do terreno da ..., de forma a alavancar o seu valor;
78) - No dia 21 de Junho de 2000, os arguidos fizeram negociar e celebrar com a MIN..., representada por SS e QQ, um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual aquela entidade prometia vender o terreno da ... à sociedade R... - Sociedade Imobiliária, SA, representada no acto pelos seus gerentes, AA e DD, pelo preço de 1.200.000.000$00 (5.985.574,76€) a ser pago em três fases:
a) Cem milhões de escudos, na data da celebração do contrato promessa;
b)  Setecentos milhões de escudos, na data em que a promitente vendedora entregasse à promitente compradora uma procuração irrevogável para outorgar em nome daquela na escritura de compra e venda;
c)  Quatrocentos milhões de escudos, no prazo de seis meses a contarem da data da entrega da procuração irrevogável, garantidos por uma garantia bancária “firstdemand”, válida por seis meses;
79) - Na mesma data de 21 de Junho de 2000, para cumprimento do referido plano de pagamentos, conforme o combinado, os arguidos AA e DD, emitiram o cheque n. º ...18 sobre a conta n. º ...01 titulada pela R... - Sociedade Imobiliária, SA no BPN, no montante de PTE 100.000.000$00, a favor da Min...Limited;
80) - Tal cheque foi pago, apesar de na conta da R... - Sociedade Imobiliária, SA não existirem fundos depositados suficientes, uma vez que havia sido deferida uma operação de crédito, que os arguidos BB e CC fizeram conceder, em nome do BPN, à mesma R... - Sociedade Imobiliária, SA;
81) - De forma a gerar o pressuposto para o pagamento da segunda prestação, no dia 28 de Junho de 2000, as fiduciárias da MIN... constituíram legítimo procurador da sociedade o identificado TT, conferindo ao mesmo a possibilidade de substabelecer, para representar aquela entidade em todos os actos relacionados com a compra e venda do terreno da ..., pelo preço de PTE 800 000 000$00;
82) - Conforme o congeminado pelos arguidos BB, EE e CC, no dia 04 de Julho de 2000, TT, já na qualidade de procurador da MIN..., substabeleceu sem reservas no arguido EE todos os poderes que lhe tinham sido conferidos na referida procuração;
83) - Com a entrega da procuração a EE ficou preenchida a condição para pagamento da segunda tranche;
84) - Assim, no mesmo dia 04 de Julho de 2000, os arguidos AA e DD emitiram outro cheque visado, com o n.º ...11, sobre a conta bancária da R... - Sociedade Imobiliária, SA acima referida, no montante de PTE 700 000 000$00 a favor da MIN...;
85) - Também este cheque foi pago, apesar de na conta da R... - Sociedade Imobiliária, SA não existirem fundos depositados suficientes, uma vez que havia sido deferida uma operação de crédito, que os arguidos BB e CC fizeram conceder, em nome do BPN, à mesma R... - Sociedade Imobiliária, SA;
86) - Os arguidos EE, BB e CC, com a anuência do arguido DD, fizeram inscrever na contabilidade da R... - Sociedade Imobiliária, SA ambos os pagamentos efectuados à MIN... com a designação “R...”, descrevendo-os como “pagamento efectuado por conta da R...”, fazendo-os reflectir na sua contabilidade na rubrica “outros devedores”;
87) - Para garantia do pagamento da terceira prestação do preço, na mesma data de 04 de Julho de 2000, o arguido BB fez o BPN emitir as Garantias Bancárias n.ºs 7.../2000/S e 7..../2...00/S, ambas a favor da MIN..., no montante de duzentos milhões de escudos cada uma;
88) - O pagamento dos remanescentes PTE 400 000 000$00 veio apenas a ser consumado no dia 04-01-2001, tendo os arguidos EE, BB e CC determinado com que JJ, responsável financeiro das empresas que integravam a SLN, desse instruções para que fosse debitada a conta junto do BPN CAYMAN da entidade offshore V..., conta n.º ...11, no referido montante de PTE 400 000 000$00, por contrapatida de crédito de igual montante na conta junto do BPN CAYMAN, da entidade offshore CA... CAPITAL CORPORATION, conta n.º ...95;
89) - Os mesmos arguidos, ainda através do JJ, fizeram emitir instruções para que, de seguida, a mesma conta da Ca... fosse debitada por transferência, no mesmo montante de PTE 400 000 000$00, a favor da conta BPN Cayman n.º ...01, titulada pela referida Min...Limited;

III.A.2 - A colocação na R... e a venda à STA...

90) - Uma vez iniciado e garantido o pagamento total do preço acordado com os representantes da MIN..., no dia 09 de Agosto de 2000, o arguido BB, reuniu os membros do ... da Companhia de Seguros R.., tendo estado presentes BB, EE, MM, OO e LL;
91) - Nessa reunião, os arguidos BB e EE, fizeram aprovar uma deliberação, no sentido de vender ou prometer vender a terceiros, o designado terreno da Costa ...;
92) No entanto, os arguidos BB e EE sabiam que, à data, o referido terreno era apenas objecto de um contrato promessa de compra e venda entre a Min... Limited e a R... - Sociedade Imobiliária, SA;
93) - Na mesma reunião do ... da R..., os arguidos referidos fizeram, no entanto, ainda aprovar uma deliberação no sentido de atribuir a qualquer um dos ... da R... os necessários poderes para, cada um por si só, nos termos e condições que julgar convenientes, vincular a sociedade, outorgando uma procuração irrevogável a favor da empresa STA...,SA, atribuindo a esta última os necessários poderes para vender ou prometer vender o referido terreno da ..., pelo preço e condições que entender;
94) - A sociedade STA... era uma entidade que tinha sido constituída em 27 de Junho de 2000, por EE, através da P..., com o capital social de € 50.000,00, integralmente subscrito e realizado pela mesma, tendo ficado designado como Presidente do ... o próprio EE;
95) - Os arguidos EE, BB e CC planeavam usar a STA... como veículo para a transmissão do terreno, após colocação na R..., precisando apenas de angariar um parceiro económico para entrar na sociedade STA... e proceder à aquisição do terreno da ...;
96) - Tais actos inseriam-se na estratégia definida pelos arguidos EE, BB e CC de utilizar as sociedades R... - Sociedade Imobiliária, SA e STA... como meros veículos para gerar uma mais-valia no âmbito da R..., através da venda do terreno da ...;
97) - Para consumar tal estratégia, os arguidos EE, BB e CC determinaram a comunicação à MIN... de que a posição de promitente adquirente assumida pela R... - Sociedade Imobiliária, SA no contrato promessa de 21-06-2000, narrado no ponto 78), havia sido transmitida a favor da R...;
98) - Assim, tal como planeado, por escritura datada de 26 de Setembro de 2000, a Min...Limited, representada pelo seu procurador EE, vendeu à sociedade R..., representada no acto pelo administrador MM, o terreno da ..., pelo preço de oitocentos milhões de escudos - PTE 800 000 000$00 (€ 3 990 380);
99) - A Min...Limited declarou no contrato já ter recebido a totalidade do preço de PTE 800 000 000$00, sendo certo que relativamente ao montante de PTE 400 000 000$00 possuia apenas as garantias bancárias acima mencionadas no ponto 87);
100) - Para pagamento do preço de PTE 800 000 000$00, a R... efectuou uma transferência naquele montante, no dia 16-10-2000, a favor da conta n.º ...26, junto do BPN, titulada pela R... - Sociedade Imobiliária, SA;
101) - Liquidando desta forma junto da R... - Sociedade Imobiliária, SA, o montante que esta já tinha pago à Min...Limited;
102) - Em paralelo com os factos descritos anteriormente, os arguidos AA e EE contactaram um empresário espanhol, de nome UU, que exercia actividade na área de construção civil, a quem fizeram a proposta de participar com eles, através da SLN, num negócio que consistia na aquisição ao Grupo BPN/SLN do terreno da ..., para posterior edificação habitacional;
103) - [Não provado];
104) - [Não provado];
105) - UU, convencido da viabilidade do negócio e da possibilidade de edificação nos termos propostos, aceitou fazer parte do negócio;

106) - Assim, no dia 20 de Julho de 2000, (data em que o terreno da ... ainda era propriedade da entidade Min... Holdings), EE, AA e UU reduziram a escrito o acordado entre todos, definindo os termos da parceria, que visava desenvolver a promoção e venda da edificabilidade de um terreno, em C...;
107) - Na reunião em que UU participou juntamente com AA e EE ficou acordado que a parceria no negócio proposto se traduziria em 60% a ficarem detidos por UU, por si ou através de uma sociedade;
108) - Tal parceria foi concretizada, na sequência de decisão dos arguidos EE, BB e CC, através da utilização da sociedade “STA...”, já acima acima referida, inicialmente constituída e detida pela P...;
109) - A entrada no capital da STA... em conformidade com os termos da parceria foi formalizada, no dia 09 de Outubro de 2000, pela P..., representada por EE e II, através de três contratos de venda de acções, nos seguintes termos:
1) Com a sociedade R... - IMOBILIÁRIA LDA, representada por UU, com a venda de um lote de 30.000 acções representativas de 60% do capital social da STA..., pelo preço de 30.000,00€;
2) Com a SLN - IMOBILIÁRIA SGPS, representada pelos arguidos EE e CC, com a venda de um lote de 12.500 acções, representativas de 25% do capital social da STA..., pelo preço de 12.500,00€;
3) Com a venda de um lote de 7.500 acções representativas de 15% do capital social da STA..., pelo preço de 7.500,00€, figurando como titular AA;

110) - Os arguidos EE, BB e CC aceitaram fazer emitir, em nome do BPN, uma garantia bancária, de forma a servir de colateral num financiamento que o mesmo UU iria solicitar e efectivamente obteve junto do Banco Popular Espanhol, em nome da STA...;
111) - No dia 11 de Outubro de 2000, a R..., representada por LL, subscreveu, como vendedora, um contrato promessa de compra e venda do terreno da ..., com a sociedade STA..., representada pelos seus administradores, UU e AA;
112) - Através do referido contrato, UU aceitou prometer comprar, através da STA..., o terreno da ... à R... pelo preço de PTE 2 106 000 000$00 (correspondente a € 10 504 683,71), o que representava um incremento face ao preço de aquisição pela R..., de PTE 1 306 000 000$00;
113) - De forma realizar o propósito de gerar de imediato uma mais-valia na R..., os arguidos EE, BB e CC levaram ainda UU a aceitar realizar o pagamento integral do preço, apenas com base no contrato promessa, pagamento esse, no referido montante de PTE 2 106 000 000$00, que veio a ocorrer no dia 13-10-2000;
114) - O montante do preço pago à R... pela STA... foi obtido por crédito concedido a esta última sociedade pelo Banco Popular Espanhol, através de contrato de abertura de crédito por descoberto em depósito à ordem, assinado em nome da STA..., pelos arguidos AA e DD, no dia 11 de Outubro de 2000;
115) - Pese embora tenha aceite realizar o pagamento integral do preço com base no contrato promessa, UU fez constar do clausulado do mesmo contrato promessa, que o preço aceite tinha como pressuposto a autorização no terreno da ... de 16200m2 de construção habitacional acima do solo, devendo o preço final da venda ser ajustado em função do projecto que viesse a ser aprovado pela Câmara Municipal ...;
116) - Mais ficou mesmo consignado no referido contrato promessa que, na eventualidade de a Câmara Municipal ... apenas aprovar para o terreno uma área de construção acima do solo igual ou inferior a 10.000m2 ou se o projecto de arquitectura não estivesse aprovado no prazo de dezoito meses a contar da data daquele contrato, a promitente compradora, a STA..., poderia rescindir o contrato, obrigando-se a promitente vendedora, a R..., a devolver a totalidade do preço recebido, acrescido dos juros pagos à entidade financiadora e gastos, até ao limite de dois mil e trezentos milhões de escudos (2.300.000.000$00);
117) - Os arguidos EE, BB e CC acordaram em que o pagamento da quantia devida em caso de rescisão, o referido montante de dois mil e trezentos milhões de escudos (2.300.000.000$00), ficasse assegurado pela R..., promitente vendedora, que, para o efeito, entregou à promitente compradora uma garantia bancária, emitida pelo BPN, a favor do Banco Popular Espanhol no referido montante;
118) - Com efeito, o arguido BB, para manter o plano acordado com os demais arguidos de gerar uma mais-valia na R..., fez o BPN emitir, em 10 de Outubro de 2000, a garantia bancária n. º ...00..., a favor do Banco Popular Espanhol SA, no referido montante de dois mil e trezentos milhões de escudos (2.300.000.000$00), sendo a garantia assinada pelo próprio arguido BB e pelo então também administrador VV;
119) - O pagamento do preço devido pela STA... à R... foi consumado através de transferência com origem no Banco Popular Espanhol SA, na data de 13 de Outubro de 2000, para a conta da R..., junto do BPN, no montante de EUR 10.504.683,71€ (2.106.000.000$00);
120) - Só em 16 de Outubro de 2000 é que a R... transferiu para a R... - Sociedade Imobiliária, SA os 800.000.000$00 que esta tinha pago à MIN..., ou seja, 3 (três) dias depois de ter recebido do Banco Popular Espanhol;
121) - Desta forma, com a diferença entre o preço pago à R... - Sociedade Imobiliária, SA e o recebido da STA..., os arguidos EE, BB e CC alcançaram o seu propósito de fazer gerar na R..., por uma sucessão de contratos, em apenas 15 dias, um ganho extraordinário, por mais-valia, de 1.306.000.000$00, o que, na realidade, significava uma valorização do terreno da ... em 263%;
122) - Neste negócio, a R... pagou em 03-11-2000 uma comissão de mediação
imobiliária cobrada por uma entidade feita intervir pelo arguido AA, a “H... - Sociedade de Mediação Imobiliária”
20[6], no montante de 44.352.360$00, muito embora a escritura de compra e venda só se tenha realizado em 16-12-2003, tendo a H... entregue ao mesmo AA cerca de um terço do montante recebido a título de comissão.

III.A.3 - O reembolso à STA... e a venda à AMPLIMÓVEIS

123) - Antevendo a possibilidade de a Câmara Municipal ... não aprovar a volumetria de construção prevista no contrato promessa de compra e venda celebrado entre a R... e a STA..., os arguidos CC, BB, EE e DD decidiram, numa primeira fase, transferir para a SLN IMOBILIÁRIA o eventual encargo que resultaria para a R... da rescisão do contrato, de forma a não perderem o efeito pretendido de alavancagem dos resultados desta última;
124) - Em execução dessa decisão, com data de 10 de Dezembro de 2001, por instrução do arguido BB, a SLN IMOBILIÁRIA, representada pelos arguidos DD e CC, celebrou um acordo designado de garantia de reembolso com a R..., representada pelos seus ... NN e LL;
125) - Nos termos desse acordo, a SLN IMOBILIÁRIA comprometeu-se a assumir o pagamento de quaisquer quantias que viessem a ser exigidas pela STA... à R..., em caso de rescisão do contrato relativo ao terreno da ..., nos termos fixados entre estas duas entidades, até ao máximo de PTE 2 300 000 000$00.
126) - De forma a acautelar a obrigação de devolução do preço e demais encargos pela R..., os arguidos EE, BB e CC continuaram a desenvolver a estratégia de fazer assumir o BPN o financiamento dos ganhos gerados na R... através do negócio com a STA...;
127) - Assim, no dia 08 de Maio de 2002, o arguido BB fez o BPN emitir uma ordem de pagamento no valor de EUR 11.566.986,30€ a favor do Banco Popular Espanhol, a fim de liquidar o empréstimo concedido por aquele Banco espanhol à STA... e respectivos juros;
128) - Tal ordem de pagamento teve como contrapartida o débito de igual montante na conta BPN n.º ...12, titulada pela STA..., que assim ficou a descoberto, com saldo negativo, no mesmo montante de 11.566.986,30€;
129) - Na sequência do congeminado com os demais arguidos EE e CC, visando amortizar tal descoberto, o arguido BB fez autorizar, na data de 08-05-2002, um pedido de financiamento, a favor da STA..., no montante de 11.566.986,30€, com base numa proposta de crédito apresentada, com data de 02-05-2002, em nome da Administração da STA...;
130) - Tal financiamento por descoberto concedido à STA... só veio a ser regularizado em 16-12-2003, através de novas operações montadas pelos arguidos BB, EE e CC, que vieram a dar origem às seguintes três transferências:
a)   Uma no valor de 2.225.000,00€ a título de suprimentos efectuados pela entidade AMPLIMÓVEIS;
b)  Outra no montante de 10.004.684,00€, proveniente da AMPLIMÓVEIS, na sequência do acordo de revogação com a R...;
c) A terceira de 500.000,00€ proveniente da R...;
131) - No decorrer do ano de 2002, e face à não aprovação por parte da Câmara Municipal ... do índice de construção constante do contrato promessa, foram trocadas cartas entre a STA... e a R... tendo em vista a prorrogação do prazo inicial de 18 (dezoito) meses para celebração da escritura;
132) - Na sequência dessas cartas, em 09 de Dezembro de 2003, a R... e a STA... acordaram revogar o contrato promessa, actuando a STA... as prerrogativas decorrentes das cláusulas constantes do contrato promessa;
133) - No acordo de revogação, a R..., tal como se havia obrigado no contrato promessa, comprometeu-se a pagar à STA... a importância de EUR 10.504.684,00 (PTE 2.106.000.000$00) correspondente à devolução da totalidade das importâncias já recebidas;
134) - Porém, para evitar o pagamento daquele montante indemnizatório por parte da R... ou da SLN Imobiliária, os arguidos BB, EE e CC, de acordo com a estratégia já mencionada, decidiram fazer introduzir na cadeia de sucessivas titularidades do terreno da ... mais um novo interveniente, a quem iriam também financiar, de forma a substituir a intervenção da STA..., aceitando novo custo de financiamento por parte do BPN;
135) - Os referidos arguidos obtiveram a concordância do arguido AA para adquirir a totalidade do capital social da STA..., e angariaram a colaboração dos arguidos GG e HH, que iriam adquirir o terreno da ... e a própria STA..., contra a promessa de poderem vir a obter ganhos com a referida colaboração;
136) - Para tanto, os arguidos BB, CC e EE, garantiram a GG e HH a concessão dos meios financeiros necessários para a montagem de nova cadeia de transacções com o terreno da ..., projectando o recurso à montagem de financiamentos que seriam colocados junto do Banco Insular;
137) - Os arguidos GG e HH aceitaram proceder à aquisição do dito terreno da ..., pelo valor e nas condições que seriam fixadas pelos arguidos BB, CC e EE, fazendo intervir, em primeiro lugar, a sociedade AMPLIMÓVEIS - Compra, Venda e Exploração de Imóveis SA, sociedade com o NIF 503587176, de que eram sócios os dois primeiros arguidos;
138) - Assim, nos termos planeados, no dia 16 de Dezembro de 2003, os arguidos GG e HH fizeram a AMPLIMÓVEIS adquirir a totalidade do capital social da STA... pelo preço de 50.000,00€ a AA, que entretanto se tornara o detentor de 100% das acções;
139) - Os arguidos GG e HH fizeram a ainda AMPLIMÓVEIS adquirir à R... o terreno da ... pelo preço de 10.004.684,00€, mediante escritura pública de 16-12-2003;
140) - Tal preço de aquisição foi fixado pelos arguidos BB, CC e EE, por corresponder ao montante necessário para devolver à STA..., tendo os arguidos GG e HH aceite, em nome da AMPLIMÓVEIS, o referido preço, apesar de saberem ser superior ao valor de mercado do terreno da ..., uma vez que lhes estava garantido o financiamento;

141) - Assim, a R..., que sete dias antes tinha revogado um contrato por reconhecer que não existia aprovação camarária de uma capacidade de construção acima de 10.000 metros quadrados, efectuou a venda do terreno da ... pelo montante que necessitava para pagar à STA... a indemnização na sequência da revogação do contrato;
142) - Os referidos arguidos BB, EE, CC, GG e HH sabiam que o terreno da ... não tinha o valor pelo qual a AMPLIMÓVEIS o declarou adquirir, tanto mais que o terreno foi avaliado pela empresa “J...C..., Lda.”, em relatório datado de 19-12-2003, que lhe atribuiu um valor de mercado de 3.743.300,00€;
143) - Tal proposta de avaliação foi dada a conhecer a GG, o qual, ordenou ao subscritor da mesma que não referisse o indeferimento camarário ocorrido em 2001 e que se limitasse a afirmar que o actual PDM se encontrava em fase de revisão;
144) - A aquisição da STA... pela AMPLIMÓVEIS, bem como a aquisição do terreno ... pela AMPLIMÓVEIS, foram possíveis porque os arguidos BB, EE, CC, GG e HH montaram uma operação de concessão de crédito à sociedade AMPLIMÓVEIS através do Banco Insular;
145) - Para efeito da montagem dessa operação de financiamento, os mesmos arguidos fizeram a AMPLIMÓVEIS proceder à abertura da conta n.º  ...01, junto do Banco Insular;
146) - Dando execução ao projectado, os arguidos BB, EE e CC fizeram autorizar a concessão de crédito à AMPLIMÓVEIS, através da abertura de uma conta corrente caucionada, associada à conta supra-referida, até ao montante de 12.750.000,00€;
147) - Tal financiamento foi formalizado em contrato de mútuo, que os arguidos fizeram datar de 12-12-2003, tendo sido assinado por WW, em representação do Banco Insular, e pelos arguidos GG e HH, em representação da AMPLIMÓVEIS, prevendo a libertação de fundos no montante de 12.750.000,00€, pelo prazo de 12 meses, sem que tivesse sido estipulada a prestação de qualquer garantia;
148) - Com data-valor de 15-12-2003, os arguidos GG e HH utilizaram a totalidade do montante da conta corrente caucionada, fazendo-a sacar em três transferências de 7.000.000,00€, 2.875.000,00€ e 2.875.000,00€, respectivamente;
149) - A contraparte dessas utilizações do crédito foram outras contas tituladas pela AMPLIMÓVEIS, fora do universo BPN, tendo assim sido creditadas por transferência as seguintes contas, nos seguintes montantes:

Conta
Banco
Montante
…83-8
Montepio Geral
7.000.000,00€
…30
Caixa Geral de Depósitos
2.875.000,00€
     …661
Banco Comercial Português
2.875.000,00€


150) - Já a débito da referida conta da AMPLIMÓVEIS no Montepio Geral, os arguidos GG e HH efectuaram o pagamento de 50.000,00€ ao arguido AA relativo à aquisição da participação social na STA...;
151) - Conforme o acordado com os arguidos BB, CC e EE, os arguidos GG e HH determinaram também os seguintes pagamentos a título de suprimentos à STA..., no montante global de 2.225.000,00€:

- da conta do BCP, emitiram o cheque n.º ...66 no montante de 300.000,00€;
- da conta da CGD, emitiram o cheque n.º ...23 no montante de 300.000,00€;
- da conta do Montepio Geral, emitiram o cheque n.º ...12 no montante de 1.625.000,00€;
152) - Ainda conforme o acordado entre todos, os arguidos GG e HH emitiram ainda a favor da R... os seguintes cheques, sacados das identificadas contas da AMPLIMÓVEIS, para pagamento da quantia de 10.004.684,00€, preço fixado para o terreno da ...:
- cheque n.º ...11 do MG no valor de 5.004.684,00€;
- cheque n.º ...22 da CGD no valor de 2.500.000,00€;
- cheque n.º ...69 do BCP no valor de 2.500.000,00€;

153) - Desta forma a R... recebeu a maior parte dos fundos necessários para proceder ao pagamento da quantia devida à STA..., razão pela qual, seguindo indicações dos arguidos BB, CC e EE, a R... endossou à STA... os cheques acima referidos, tendo esta última, por sua vez, depositado os mesmos na conta n.º ...12, por si titulada, no BPN;
154) - O remanescente da devolução devida pela R... à STA..., no montante de 500.000,00€, foi feito transferir pela R..., em 16-12-2003, para a conta n.º ...12, titulada pela STA... junto do BPN;
155) - Deste modo, a conta da STA... acima aludida, que tinha ficado com um descoberto bancário de 11.625.390,95€, após a operação de financiamento acima descrita, ficou saldada;
156) - Os arguidos BB, CC e EE conseguiram assim salvaguardar a mais-valia gerada na R..., fazendo, no entanto, o BPN proceder a uma segunda operação de financiamento;

III.A.4 - A venda à R... V... e o gerar de menos-valia

157) - Por outro lado, uma vez adquirido pela AMPLMÓVEIS, nas condições supra-expostas, o terreno da ..., os arguidos GG e HH decidiram utilizar o mesmo terreno para nova operação imobiliária, de modo a aproveitar o preço inflacionado pelo qual o tinham a adquirido, para gerar uma menos-valia da qual pudessem ter tirar vantagem fiscal;
158) - Com efeito, a AMPLMÓVEIS tinha realizado, no mesmo ano de 2003, operações de venda de outros imóveis que lhe tinham permitido encaixar um montante total de cerca de 17 milhões de euros, pelo que deveria apresentar, em sede de ganhos fiscalmente relevantes, um ganho de cerca de 10 milhões de euros;
159) - Os arguidos GG e HH pretendiam assim fazer diminuir esse ganho e as consequências fiscais que do mesmo adviria em sede de IRC, pelo que logo visualizaram a possibilidade de aproveitar o preço excessivo pago pelo terreno da ... para criar uma aparente justificação para uma venda do mesmo terreno por um preço inferior, de forma a gerar uma menos-valia que pudesse eliminar os ganhos alcançados nesse ano pela AMPLMÓVEIS;
160) - Para o efeito, os arguidos GG e HH formularam o propósito de fazer com que a AMPLMÓVEIS procedesse a uma venda do terreno da ... por um preço inferior ao da aquisição à R..., escolhendo como entidade adquirente uma sociedade controlada pelo arguido GG e família, a sociedade R... V... - Sociedade de Gestão e Exploração de Propriedades, Lda.;
161) - Os arguidos GG e HH apresentaram esse propósito aos arguidos BB e CC, solicitando que, para levar por diante o seu plano, fosse concedido um novo financiamento que permitisse a aquisição do terreno da ... pela R... V... à AMPLMÓVEIS;
162) - Visando salvaguardar a mais-valia gerada na R..., os arguidos BB e CC aceitaram vir a financiar a R... V..., sabendo que estavam a beneficiar os arguidos GG e HH e a permitir ganhos fiscais à AMPLMÓVEIS;
163) - Assim, de acordo com o planeado, no dia 26 de Dezembro de 2003, os arguidos GG e HH determinaram a sociedade AMPLIMÓVEIS, que 10 dias antes havia adquirido o terreno da ... por 10.004.684,00€, a efectuar um contrato promessa de compra e venda do mesmo terreno com a sociedade R... V..., nos termos do qual a primeira prometeu vender o referido imóvel à segunda, pelo preço de 4.000.000,00€;
164) - Só em 28-04-2004 foi celebrada a escritura de compra e venda entre a AMPLIMÓVEIS e a R... V... decorrente do mesmo contrato promessa;
165) - Tal como lhes tinha sido assegurado por BB e CC, os arguidos GG e HH não tiveram que despender qualquer quantia sua ou das suas empresas no esquema de aquisições de activos já referenciado;
166) - Com efeito, o montante de 4.000.000,00€ de que a R... V... iria necessitar para pagar o preço devido à AMPLIMÓVEIS veio a ser colocado à disposição da primeira através de mais um esquema de concessão de crédito através do Banco Insular;
167) - Para o efeito, conforme o acordado entre os arguidos BB, CC, GG e HH, foi concedido um novo financiamento, desta feita à R... V..., através de uma conta corrente caucionada com o n.º ..., titulada pela mesma R... V..., junto do Banco Insular, até ao montante de 4.000.000,00€;
168) - O arguido GG, em acordo com o arguido HH, solicitou a mobilização, com data de 30-12-2003, do referido montante de 4.000.000,00€, e a sua transfência para a conta ..., titulada pela R... V..., no Montepio Geral;
169) - O arguido GG, em acordo com o arguido HH, fez então mobilizar a referida quantia para pagamento à AMPLIMÓVEIS, para o que a indicada conta junto do Montepio Geral foi debitada com a emissão do cheque n.º ...11, assinado pelo arguido GG, a favor da AMPLIMÓVEIS;
170) - Tal cheque sobre a conta do Montepio Geral veio a ser depositado, conforme o acordado entre os arguidos BB, CC, GG e HH, na conta da AMPLIMÓVEIS junto do Banco Insular, acima referida;
171) - Através desse depósito, a R... V... pagou à AMPLIMÓVEIS o preço devido pela aquisição do terreno da ..., permitindo a esta última sociedade amortizar o financiamento obtido anteriormente através de conta corrente caucionada, reduzindo a sua dívida para o montante de 8.750.000,00€;
172) - No entanto, o montante de crédito concedido pelo Banco Insular, sem quaisquer garantias, para salvaguardar a operação de benefício da R... permaneceu inalterado, sendo apenas repartido entre a AMPLIMÓVEIS, devedora de 8.750.000,00€, e a R... V..., devedora de 4.000.000,00€, totalizando a quantia inicialmente concedida apenas à AMPLIMÓVEIS de 12.750.000,00€;

III.A.5 - A constituição de provisão e a obtenção de vantagem fiscal

173) - Uma vez celebrado o contrato promessa de venda do terreno da ..., da AMPLIMÓVEIS para a R... V..., os arguidos GG e HH trataram de dar execução ao seu plano inicial, uma vez que tinham já criado ficticiamente uma perda para a AMPLIMÓVEIS, traduzida na aquisição do terreno da ... por cerca de 10 milhões de euros, seguida da venda por 4 milhões de euros;
174) - No entanto, de forma a aproveitar essa menos-valia ainda no ano de 2003, ano fiscal em que a AMPLIMÓVEIS registava elevados ganhos que pretendia abater, os arguidos GG e HH, pese embora não tivessem conseguido realizar o contrato de venda definitiva do imóvel, decidiram antecipar a perda provocada na esfera da AMPLIMÓVEIS, decidindo fazer contabilizar na mesma uma provisão por depreciação das existências;
175) - Assim, por indicação dos arguidos GG e HH, com pretenso fundamento no contrato promessa que haviam montado entre a AMPLIMÓVEIS e a R... V..., os mesmos fizeram contabilizar naquela primeira sociedade, com referência ao ano de 2003, uma provisão no montante de 6.004.684,00€, por pretensa depreciação do activo que representava o terreno da ...;
176) - Pretendendo com essa provisão significar que entre a data da aquisição pela AMPLIMÓVEIS, a 16-12-2003, e a data da promessa de venda da AMPLIMÓVEIS à R... V..., 26-12-2003, os arguidos GG e HH consideravam que o mesmo imóvel do terreno da ... se teria depreciado no montante de 6 milhões de euros;
177) - Tal provisão foi inscrita, por determinação dos arguidos, como dedutível em sede fiscal, no âmbito da declaração modelo 22 apresentada em 2004, pela AMPLIMÓVEIS, abatendo no seu montante aos ganhos registados pela mesma entidade em 2003;
178) - Com efeito, no exercício de 2003, a AMPLIMÓVEIS apresentou os seguintes resultados contabilístico para efeitos fiscais:
Resultado líquido do exercício…………………………………EUR 955.741,79
Lucro Tributável…………………………………………………EUR 1.590.697,05
IRC a pagar (30% Lucro Tributável)………………………… EUR 477.209,12
179) - Como proveitos do exercício a AMPLIMÓVEIS apresentou um montante de € 20 701 246,86, dos quais € 19 258 262,74 resultaram de vendas de mercadorias;
180) - Se não tivesse sido constituída a referida provisão de forma a reduzir o lucro tributável, a AMPLIMÓVEIS teria tido um lucro tributável superior em EUR 6004.684,00, e consequentemente um montante de IRC a pagar de 1.981.545,72€ (EUR 6.004.684,00 X 33%);
181) - Consequentemente, em sede de IRC obteve a AMPLIMÓVEIS, por intervenção dos arguidos GG e HH, um ganho fiscal ilegítimo, em sede de imposto IRC não pago, de 1.981.545,72€;

III.A.6 - Regularização e reestruturação dos créditos concedidos

182) - Os arguidos BB, CC, GG e HH acordaram em fazer liquidar, já em 2004, as operações de crédito montadas a favor da AMPLIMÓVEIS junto do BANCO INSULAR, que então tinha uma dívida de capital de 8.750.000,00€, através da montagem de novas operações junto do Banco Insular;
183) - [Não provado];
184) - Assim, os mesmos arguidos procederam, em 23-03-2004, à montagem de um novo financiamento junto do Banco Insular, a favor da AMPLIMÓVEIS e através de uma nova conta corrente caucionada, numa conta paralela com o n.º ...1.40.2, permitindo a utilização de fundos até ao montante de 3.000.000,00€, sem que fosse prevista a prestação de qualquer garantia;
185) - Conforme combinado com os arguidos GG e HH, foi mobilizado de imediato o referido montante de 3.000.000,00€, que foi transferido para a conta n. °  ...01 da AMPLIMÓVEIS no Banco Insular, amortizando parcialmente naquele montante, a quantia em dívida;
186) - [Não provado];
187) - Com data de 27-04-2004, os arguidos BB e CC, com o acordo do arguido GG, montaram e fizeram aprovar nova operação de crédito junto do Banco Insular, a favor da R... V..., através da abertura de nova conta corrente caucionada, conta n.º ...1.40.2, possibilitando a utilização de fundos até ao limite de 292.484,00€, montante que o arguido GG necessitava para pagamento de juros gerados naquela conta;
188) - Tal quantia de 292.484,00€ foi de imediato mobilizada a favor da conta à ordem da R... V..., onde viriam a ser lançados os juros devedores da operação de crédito anterior;
189) - Esse montante não foi utilizado para liquidar os juros vencidos e a vencer sobre os financiamentos concedidos à R... V..., tendo antes sido utilizado para outros fins, designadamente para pagamento das despesas decorrentes da celebração da escritura de compra à AMPLIMÓVEIS;
190) - Deste modo, a entidade R... V... ficou exposta ao crédito no Banco Insular no montante global de 4.292.484,00€ (4.000.000,00+292.484,00);
191) - Ainda de forma a eliminar o financiamento pelo BANCO INSULAR relativamente à AMPLIMÓVEIS, os arguidos BB, CC, GG e HH, decidiram, já em 2004, transferir tais operações de crédito para outra entidade, tendo escolhido a sociedade P... F..., também pertença daqueles dois últimos arguidos;
192) - Assim, os arguidos montaram e fizeram aprovar junto do Banco Insular, nova operação de crédito sob a forma de conta corrente caucionada, agora a favor da sociedade P... F..., titular da conta n.º ...4.40.1, onde lhe foi concedida a possibilidade de utilização de fundos até ao montante de 5.750.000,00€, sem que qualquer garantia tivesse sido apresentada;
193) - Conforme o combinado, em 23-03-2004 foi mobilizada a totalidade do montante disponibilizado, 5.750.000,00€, na conta da P... F..., e feita transferir para a conta da AMPLIMÓVEIS também junto do Banco Insular, conta n.º ...41, onde foi creditado com data valor de 12-12-2003, amortizando assim naquela quantia a respectiva conta corrente caucionada e eliminando o vencimento de juros pelo lançamento com data-valor pretérita;
194) - Ainda conforme o acordado, no sentido de libertar a exposição da AMPLIMÓVEIS a crédito perante o BANCO INSULAR e garantir o pagamento dos juros vencidos no financiamento anterior, os mesmos arguidos, BB, CC, GG e HH, lançaram mão de nova operação de crédito a favor da P... F..., de novo junto do Banco Insular, onde, a 27-10-2006, com data-valor de 26-10-2006, montaram e fizeram aprovar novo financiamento sob a forma de conta corrente caucionada, conta n.º ...4.10.1, titulada pela entidade P... F..., onde concederam a possibilidade de utilização de fundos até ao montante de 3.366.725,25€.
195) - Quantia de que os arguidos necessitavam para pagamento de juros gerados na conta corrente caucionada daquela entidade junto do Banco Insular e amortizar o saldo da AMPLIMÓVEIS no Banco Insular, no montante de 3.000.000,00€;
196) - Conforme o combinado, foi mobilizada, de imediato, na mesma data de 26-10-2006, a totalidade do referido montante de 3.366.752,25€, que foi debitado por transferência na conta à ordem da P... F...;
197) - Conforme indicação dos arguidos GG e HH, o referido montante de 3.366.752,25€ foi creditado na conta da AMPLIMÓVEIS junto do Banco Insular, conta n.º ...41, permitindo a liquidação de 3.000.000,00€ de dívida de capital, permitindo o pagamento de 283.079,75€ de juros já vencidos e o pagamento de 83.646,00€ de juros vincendos, pelo que a conta ficou definitivamente saldada;
198) - No entanto, por outro lado, este expediente incrementou o montante em dívida pela sociedade P... F..., que passou a ser devedora de mais a quantia de 3.666.752,25€;
199) - Assim, em Março de 2007, era a entidade P... F... que tinha uma exposição total a crédito no montante de 9.116.725,25€, junto do Banco Insular, resultante da soma dos dois financiamentos anteriormente referidos de 5.750.000,00€ e de 3.366 725,25€;
200) - Em Março de 2007, os arguidos BB, CC, GG e HH, acordaram em transferir, de novo, os referidos financiamentos, decidindo então reestruturar a dívida e colocar parte dos mesmos financiamentos na esfera pessoal daqueles dois últimos arguidos;
201) - Assim, em Março de 2007, o arguido GG abriu conta e assinou o contrato de mútuo com o Banco Insular, representado por WW, nos termos do qual obteve um crédito a utilizar sob a forma de conta corrente caucionada até ao montante de 5.125.000,00€, a creditar na conta aberta no mesmo Banco em nome do mesmo arguido, conta n. º ...36, sem que tenham sido previstas quaisquer garantias;
202) - Conforme acordado com o arguido GG, foi então ordenada, com data de 19-03-2007, a utilização de crédito e a transferência do montante de 4.375.000,00€ para a conta ...4.40.1, titulada pela P... F... no Banco Insular;
203) - Da mesma forma e com o mesmo fim, em Março de 2007, o arguido HH procedeu também à abertura de conta junto do Banco Insular, conta n. º ...9.10.1, e assinou contrato de mútuo com o mesmo Banco Insular, representado por WW, nos termos do qual obteve um crédito a utilizar sob a forma de conta corrente caucionada até ao montante de 5.125.000,00€, conta corrente caucionada n.º ..., sem que tenham sido previstas quaisquer garantias;
204) - Ainda da mesma forma, pelo arguido HH foi de imediato utilizado o montante de 4.375.000,00€ e ordenada a transferência do mesmo montante para a conta ...4.40.1, titulada pela P... F... no Banco Insular;
205) - Na sequência das duas referidas transferências, a conta da P... F... junto do Banco Insular, conta n.° ...4.10.1, foi creditada pelo montante total de 8.750.000,00€, permitindo liquidar parcialmente, no mesmo montante a dívida de capital da mesma sociedade;
206) - A parte restante em dívida, no montante de 366 725,25€, associado à utilização da conta corrente caucionada n. º ...4.40.2, permaneceu em dívida pela P... F...;
207) - Assim, até Fevereiro de 2009, data em que foram assumidos pelo BPN, permaneceram em aberto junto do Banco Insular as seguintes dívidas de capital mutuado:

DevedorMontante
R... V...4.000.000,00
R... V...292.484,00
GG4.375.000,00
HH4.375.000,00
P... F...366 725,25
TOTAL13.409.209,25


208) - Deste modo, os arguidos BB, CC e EE levaram à concessão de financiamentos junto do BANCO INSULAR, sem a prestação de quaisquer garantias, beneficiando o grupo económico dos arguidos GG e HH, no montante total de, pelo menos, 13.409.209,25€, apenas com referência aos negócios que envolveram o terreno da ... e para justificar e fazer gerar na R... uma mais-valia pela compra e venda do terreno;
209) - Com efeito, a estratégia levada a cabo pelos arguidos BB, EE, CC, GG e HH, permitiu, tal como planeado, injectar na R..., com data do ano 2000, e/ou manter cerca de seis milhões de euros de resultados por mais-valias ficticiamente provocadas, cuja sustentação nos quatro anos seguintes, de forma a não serem anuladas, custou a concessão de créditos não pagos nem garantidos no referido montante de, pelo menos, 13.409.209,25€, montante a que acresceram juros até ao pagamento por parte do BPN, ocorrido em Fevereiro de 2009, no montante global de 16.997.921,06€;
210) - Ao que acresce ainda o montante de 1.995.191,59€ (PTE 400.000.00$00) resultante da transferência da V... narrada nos pontos 88) e 89);
211) - Pelo que, a actuação dos arguidos custou a concessão pelo BPN e Banco Insular de créditos não pagos nem garantidos no montante de, pelo menos, 18.993.112,65€;
212) - Por outro lado, os arguidos GG e HH aproveitaram o acréscimo fictício do preço com que aceitaram, através da AMPLIMÓVEIS, adquirir o terreno da ... para provocar ardilosamente uma menos-valia na mesma AMPLIMÓVEIS, provocando de forma fictícia uma diminuição de resultados no montante de 6.004.684,00€ e um consequente ganho em sede de IRC (IRC + Derrama) não pago no montante de 1.981.545,72€;

III.B - Negócio das sociedades AT... e AT... II
III.B.1 - Antecedentes da AT... - Software SA
213) - A sociedade “AT... - Software SA” (doravante AT...), NIPC ..., foi constituída na data de 29-08-1996, exercia a actividade de prestação de serviços nos domínios de consultadoria, formação, investigação e desenvolvimento nas áreas de sistemas de informação e tecnologia de objectos em Portugal e no estrangeiro, e prestação de serviços de software e teve sede na Rua ..., em ... e posteriormente na Rua ..., em Lisboa;
214) - No início de 2004, a sociedade AT... tinha o capital social de 50.100,00€, dividido em 50.100 acções, de l,00€ cada, entre os accionistas seguintes:
- N... - Consultoria, Desenvolvimento e Operações de Sistemas Informáticos SA, com 12.525 acções (25%);
- XX, com 25.050 acções (50%);
- YY, com 12.525 acções (25%);

215) - O arguido AA, no início do ano de 2004, por intermédio do referido accionista XX e do advogado de ambos, teve conhecimento que a accionista No... estaria disponível para vender as acções que detinha na sociedade AT...;
216) - [Não provado];
217) - [Não provado];
218) - O arguido AA decidiu então adquirir a totalidade das acções detidas pela No... e parte das acções detidas por YY;
219) - O accionista XX encetou então negociações com a No..., através da representante desta, ZZ, numa fase inicial sem referir a esta que o comprador das acções era o arguido AA;
220) - [Não provado];
221) - XX acertou igualmente com AA o preço de venda das acções de YY;
222) - Assim, com data de 17 de Setembro de 2004, o arguido AA determinou que a entidade O..., por si controlada, celebrasse dois contratos, um de promessa de compra e venda de acções celebrado com YY e outro de compra e venda de acções celebrado com a No..., nos termos que constam do quadro que se segue:

Entidade vendedora ou promitente vendedoraEntidade compradora ou promitente compradoraNúmero de acçõesPreço por acçãoPreço total
YY
O...5.01024,95€125.000,
No...O...12.52 540,54€507.766, 58€


223) - Para pagamento do preço a YY, o arguido AA emitiu, em nome da O..., três cheques, sacados sobre conta no BES, em datas entre ...04 e ...04, que foram entregues a YY, no montante total de 125.000,00€;
224) - Para pagamento do preço à entidade No..., o arguido AA emitiu, em nome da O..., sete cheques, sacados sobre contas junto do BES e do BARCLAYS, em datas entre 17.9.2004 e 15.9.2007, que foram entregues à entidade vendedora, no montante total de 507.766,58€;
225) - Assim, em 17 de Setembro de 2004, a estrutura accionista da AT... ficou definida da seguinte forma:

- O... - 17.535 acções;
- XX, 25.050 acções;
- YY, 7.515 acções;

226) - [Não provado];
227) - O arguido AA determinou a realização de uma nova transacção das acções da AT... com outra entidade do Grupo Económico que o mesmo arguido controlava;
228) - Assim, com data de 30 de Dezembro de 2004, o arguido AA determinou que a O... vendesse à entidade GRUPO R..., SGPS,, sociedade controlada pelo mesmo arguido, um total de 5010 acções da AT..., pelo preço de 169,66€ por acção, perfazendo assim o montante total de 850.000,00€;
229) - Para pagamento do preço, o arguido ... determinou a GRUPO R..., SGPS, a emitir e entregar à O... três cheques sobre a sua conta n.º ...08 junto do BES, no referido montante de 850.000,00€, que foram depositados na conta n.º ...07, titulada pela O..., também junto do BES;
230) - Como já se referiu no ponto 58), no decurso de 2003 as relações entre os arguidos AA e BB deterioram-se, levando a uma ruptura de entendimento que conduziu a que ficasse acordado entre ambos que, entre meados de 2004 e meados de 2005, AA cessaria as parcerias estabelecidas com entidades do Grupo SLN/BPN e que seriam liquidados todos os financiamentos concedidos a AA e a empresas por si controladas, através da entrega ou venda de activos detidos pelas mesmas entidades usadas nessas parcerias, de forma a excluí-lo de qualquer participação em comum com o Grupo BPN/SLN;
231) - O arguido AA determinou que, com data de 21 de Abril de 2005, a O... vendesse à entidade GRUPO R..., SGPS,, um conjunto de 7.515 acções, estipulando então o preço total 1.000.000,00€, o que corresponde ao preço de 133,0672€ por acção;
232) - Para pagamento deste montante, AA ordenou, ainda a 21-04-2005, uma transferência, de 8,5 milhões de euros, com origem na conta n.º  ...01 titulada pela entidade GRUPO R..., SGPS, junto do BPN, para a conta n.º  ...01 titulada pela O... junto do BPN, sendo certo que aquela primeira conta havia sido creditada, na mesma data, pela quantia de 18.500.000,00€, os quais tiveram origem na venda de activos ao BPN no âmbito do protocolo de saída;
233) - Em data não concretamente apurada, mas já da segunda metade de 2005, os arguidos BB e CC deram execução ao propósito de adquirir os activos detidos pelo arguido AA, no que se refere à participação na AT...;
234) - Os arguidos BB e CC decidiram procurar parceiros, que aceitassem vir a adquirir a participação na AT..., com o compromisso de recompra futura dessa participação por parte do grupo BPN/SLN;
235) - Os arguidos BB e CC contactaram então os arguidos GG e HH, a quem solicitaram a colaboração, idêntica a outra ocasião anterior, de virem a assumir formalmente a aquisição da participação na AT...;
236) - Apesar de a AT... exercer uma actividade económica diversa da anteriormente desenvolvida pelos arguidos GG e HH, que se dedicavam maioritariamente à área do imobiliário, estes últimos arguidos aceitaram figurar como adquirentes formais da participação na AT..., desde que os montantes necessários à aquisição fossem colocados à sua disposição pelo BPN;
237)- Uma vez que não pretendiam investir capitais próprios, os arguidos GG e HH desinteressaram-se do preço que viesse a ser fixado para a referida aquisição, aceitando vir a figurar como adquirentes qualquer que fosse o preço da referida participação na AT... que lhes viesse a ser indicado pelos arguidos BB e CC;
238) - Os arguidos GG e HH visaram, porém, vir a obter um ganho com essa sua intervenção formal, pelo que exigiram que, em simultâneo com os contratos de compra das acções da AT..., viessem a ser firmados contratos promessa de venda das mesmas acções ao grupo BPN/SLN, por preço superior ao da aquisição e que incluísse o montante do financiamento a receber do BPN, os juros contratuais desse financiamento, o imposto de selo e uma comissão para si próprios pela colaboração, tendo os arguidos BB e CC concordado com as condições colocadas pelos arguidos GG e HH;
239) - Com data de 20 de Fevereiro de 2006, o arguido AA determinou as entidades O... e Grupo R... a vender e prometer vender, respectivamente, aos arguidos GG e HH as acções da sociedade AT..., tendo sido firmados os contratos relativos às seguintes participações sociais e intervenientes, conforme quadro que se segue:



Entidade
Vendedora ou
Promitente vendedora
Entidade compradora ou
Promitente compradora
Núm ero de
acções
Preço por
acção
Preço total
O...GG eHH5.010216,7 1€1.085.71 5,00€
Grupo R...GG e
HH
12.52 5216,7 1€2.714.28 5,00€


Total 3.800.00 0,00€


240) - Assim, os arguidos BB e CC aceitaram fazer o BPN financiar, em 2006, os arguidos GG e HH por um montante de 3.800.000€, de forma a adquirirem uma participação accionista na AT... à O... e ao Grupo R..., que AA havia adquirido em representação destas sociedades em 2004 por um montante de 632.766,58€.
241) - Ao actuar deste modo, os arguidos BB e CC fizeram gerar na esfera de AA uma mais-valia total de 3.167.233,42€, que resulta da diferença entre o valor global de venda aos arguidos GG e HH (€ 3 800 000) e o valor global de aquisição à No... e a YY (€ 632 766,58);
242) - Para pagamento do preço das acções por parte de GG e HH, os arguidos BB, CC e FF fizeram autorizar um financiamento por descoberto bancário, na conta BPN n.º ...74, titulada pelos primeiros arguidos, até ao montante de 3.900.000,00€;
243) - Tal autorização de descoberto, permitiu o pagamento de dois cheques bancários, que os arguidos fizeram sacar sobre a conta ... .10.001, no montante respectivo de 1.085.715,00€ e 2.700.000,00€ (global de 3.785.715,00€), com datas de Fevereiro de 2006;
244) - O cheque bancário no montante de 2.700.000,00€ correspondia ao cheque n.º ...21 e foi emitido sobre a conta ...00 do BPN, com data de 24-02-2006 e com as assinaturas de BB e outro, tendo sido emitido à ordem de GRUPO R..., SGPS, SA e depositado na conta titulada por esta entidade, com o n.º ...52, no Barclays Bank;
245) - O cheque bancário de 1.085.715,00€ foi emitido à ordem da entidade O..., correspondendo ao cheque com o número ...22, sobre a conta do próprio banco BPN n.º ...00, com data de 24-02-2006 e assinado por BB e outro, tendo sido depositado e creditado na conta da O..., junto do Barclays Bank, com o n. º 711/...45;
246) - Assim, do montante total do descoberto autorizado, no total de 3.900.000,00€, os arguidos GG e HH apenas utilizaram 3.785.715,00€, quantia que deu origem a saldo negativo na referida conta;
247) - Tal saldo negativo foi depois transferido para a conta  ...02, em Março de 2006, através de uma transferência que amortizou o descoberto na conta ... .10.001 e gerou um descoberto naquela primeira conta;


248) - Este descoberto foi sucessivamente autorizado, e prorrogado, designadamente em 06-06-2006 e 04-07-2006, por intervenção dos arguidos BB e CC, que só depois do descoberto desencaderam procedimentos para a sua regularização através de um contrato de mútuo;
249)  - Para tanto, o arguido CC fez contactar a Direcção Comercial determinando que fosse dado início ao processo interno de concessão de crédito (workflow), através da introdução de uma proposta de crédito, que deveria seguir os seus termos de aprovação pelos diversos escalões do Banco, definindo o montante, prazo e juros que deveriam constar da proposta de crédito, dando disso conhecimento ao arguido FF para que este tratasse de divulgar o enquadramento da operação pelos diversos escalões que seriam chamados a pronunciar-se;
250)  - Foi executado formalmente o workflow de concessão de crédito, com a ratificação em ..., com intervenção do arguido BB, com data de 09-05-2006;
251) - Com data de 19-05-2006 os referidos arguidos formalizaram um contrato de mútuo no montante de 3.850.000,00€ nos termos constantes do quadro que se segue:

PropostaMontanteInícioPrazoGarantias
WFC
15233/2006
3.850.000,0 0€19-05-200601-04-2009O contrato


252)  - Na mesma data-valor de 19-05-2006, e data-movimento de 26-07-2006, o montante de 3.850.000,00€ foi creditado na conta BPN ... .001;
253)  - Desse montante, foi mandada transferir, na mesma data, para a conta BPN ... .10.2, a quantia de 3.830.750,00€, saldando desta forma, na sua maior parte, o descoberto aí utilizado, que, com juros, atingia já o montante de 3.861.007,97€;
254) - Com aquela operação, o descoberto bancário de 3.788 890,69€, gerado na conta BPN ... .10.2 pela emissão dos cheques ficou saldado, passando o débito a ser de 3.850.000,00€ na conta de crédito-rendas BPN n.º ...02 e titulado por aquele contrato de mútuo;
255) - Tal montante de financiamento nunca veio a ser pago ao BPN, que entretanto prometeu transferir esse crédito para a entidade PARVALOREM, que já pagou a aquisição;
256) - Na data de 25-03-2009, os arguidos GG e HH, efectuaram o pagamento do remanescente do preço das acções da AT..., no montante de 14.285,00€;
257) - Para tanto, ordenaram a transferência daquela quantia por débito na conta BPN n.º ...01, titulada pela P... F..., por contrapartida a crédito na conta n.º  ...01, titulada pela entidade Grupo R..., junto do BPN;
258) - Com data de 20-02-2006, o arguido AA, em nome da Grupo R..., determinou então a transferência da titularidade das 12 525 acções da AT... para a conta de títulos de GG e HH;
259) - Com esta operação, o BPN, através da actuação de BB, CC, FF, GG e HH transferiu para a esfera patrimonial de AA, através das mais-valias geradas, o montante de 3.167.233,42€;
260) - Por via dos referidos financiamentos concedidos aos arguidos GG e HH, o BPN suportou a concessão de crédito sem garantias, que nunca foi pago, no montante total de 4.410.388,89€, com referência à data de 01-04-2009;
261) - Tal como tinham combinado, com a mesma data de 20 de Fevereiro de 2006, os arguidos GG, HH, BB e FF, subscreveram, em paralelo, dois contratos promessa onde se previa a promessa de compra das acções da AT... pelo BPN, nos termos do quadro que se segue:

Promitente vendedorPromitente compradorNúmero de
acções
Preço por acçãoPreço total
GG e HHBPN5.010266,88€1.337.068,80 €
GG e HHBPN12.525266,88€3.342.672,00 €
          TOTAL 4.679.740,00 €


262)  - Ao fazerem assumir pelo BPN as referidas obrigações de compra, os arguidos BB, CC e FF sabiam que estavam a atribuir uma valorização de 879.740,80€ às acções da AT... sobre o preço a que as mesmas tinham sido acabadas de adquirir, no mesmo dia, visando, independentemente de resultados futuros da AT..., atribuir uma vantagem aos arguidos GG e HH, tal como lhes tinha sido prometido, que no caso seria de, pelo menos, 313.953,226;
263) - Os referidos arguidos sabiam que os valores pelos quais transaccionaram a AT... nas circunstâncias descritas poderiam não corresponder ao valor de mercado presente e perspectivas futuras;
264) - Em perícia datada de 13-07-2012, realizada no âmbito da investigação dos presentes autos, constante de fls. 6664 a 6581, concluiu-se que «do ponto de vista estritamente financeiro, tomando por base as Demonstrações Financeiras apresentadas», a AT..., entre os anos de 2003 e 2006, não valia mais do que 1.400.000,00€, o que representava um valor de 27,946por acção, e, entre os anos de 2006 e 2009, passou a ter valor negativo, com os capitais próprios abaixo de metade do capital social;

III.C - Negócio da AT... II
III.C.1 - Antecedentes da AT... II - Tecnologias de Software, SA”

265) - Em data não apurada, mas no ano de 2005, os sócios da entidade AT..., definiram a estratégia de separação entre a área tecnológica e a área de serviços, que até então constituíam o objecto global daquela entidade;
266) - Para tanto, em 27-07-2005, procederam à criação de uma nova sociedade que denominaram AT... II - Tecnologias de Software, SA (doravante AT... II);
267) - A qual tinha por objecto “a elaboração, produção e venda de tecnologias de software, bem como a prestação nos domínios de consultoria, formação, investigação e desenvolvimento nas áreas de sistemas de informação em Portugal e no estrangeiro”;
268) - A sociedade AT... II tinha sede na Rua ..., em Lisboa;
269) - Foi constituída com o capital social de 50.000,006dividido em 50.000 acções, de 1,006 cada uma, subscrito da seguinte forma:

- YY, 7.125 acções;
- XX, 23.750 acções;
- AT... Software, SA, 2.500 acções;
- GRUPO R..., SGPS,, 11.625 acções;
- AA, 5.000 acções;

270) - De acordo com a estratégia traçada pelos arguidos BB e CC, a qual veio a obter a colaboração do arguido FF, o grupo BPN/SLN deveria adquirir a parte do capital social da AT... II detida, directa e indirectamente, por AA;
271) - Actuando de acordo com o combinado, três meses após a constituição da AT... II, os arguidos BB e CC acertaram com o arguido AA os termos da aquisição das acções;

III.C.2 - Aquisição de acções por GG e HH

272) - De forma a não deixar transparecer a intervenção do grupo BPN/SLN, os arguidos BB e CC solicitaram, de novo, a colaboração dos arguidos GG  e HH, agora para figurarem como adquirentes das acções da AT... II, prometendo, em troca, a concessão dos financiamentos necessários para a aquisição e a garantia de ganhos financeiros com a compra das mesmas acções, no futuro, pelo Grupo BPN/SLN;
273) - Os arguidos GG e HH aceitaram figurar como adquirentes temporários desse activo, por preço, que não discutiram, mas que sabiam poder ser superior ao real valor da sociedade, uma vez que seriam financiados na totalidade pelo BPN e que, em simultâneo, seria celebrado um contrato de venda futura das mesmas acções ao BPN, por preço ainda superior, concretizando dessa forma os prometidos ganhos financeiros;
274) - Actuando desse modo, com data de 22 de Dezembro de 2005, o arguido AA celebrou com GG e HH um contrato promessa de compra e venda relativo a 5.000 acções que detinha na sociedade AT... II, pelo preço de 496,24€ por acção, no montante global de 2.481.187,50€;
275) - Nos termos desse contrato, a quantia de 1.714.275,00€ seria paga na data do contrato promessa e a quantia de 766.912,50€ seria paga na data da celebração do contrato definitivo;
276) - Com a mesma data de 22 de Dezembro de 2005, o arguido AA, em representação da entidade Grupo R..., celebrou com GG e HH outro contrato promessa de compra e venda relativo a 11.625 acções, que aquela entidade detinha na sociedade AT... II, pelo preço de 496,24€ por acção, no montante global de 5.768.812,50€;
277) - Segundo o ali estipulado, a quantia de 3.985.725,00€ seria paga na data do contrato promessa e a quantia de 1.783.087,506seria paga na data da celebração do contrato definitivo;
278) - Para pagamento imediato da primeira parte do preço, relativa a ambos os contratos, com data de 22-12-2005, o arguido GG emitiu os cheques n.º ...92 e ...93 sobre a conta BPN n.° ... .10.001, no montante respectivo de 1.714.275,006 e de 3.985.725,006, prefazendo a quantia total de 5.700.000,006, que foram entregues ao arguido AA e que este fez depositar nas contas n.º ...74, titulada pela GRUPO R..., SGPS,, junto do BIC, e n.º ...60, titulada por AA, também junto do BIC;
279) - A conta de GG e HH não tinha fundos suficientes para o pagamento daqueles cheques, pelo que o respectivo pagamento foi financiado, nos termos acordados com BB e CC, com a anuência de FF;
280) - Para iniciar o depósito de fundos na conta, os arguidos GG e HH fizeram creditar aquela conta com o montante de 2.711.895,00, na data de 21-12-2005, cuja contraparte foi o resgate de uma aplicação financeira, que os mesmos arguidos haviam constituído, na data de 24-11-2003, no montante de 2.700.000,006, associada à conta n.° ... .10.001, titulada pelos mesmos GG e HH, junto do BPN;
281) - Porém, esse montante de 2.700.000,006 que tinha originado a aplicação financeira, tinha sido obtido pelos arguidos GG e HH através de um financiamento junto do BPN, num esquema complexo que envolveu também a entidade AMPLIMÓVEIS, detida pelos mesmos dois arguidos;
282) - Com efeito, na data de 24-11-2003, com a justificação de financiarem a AMPLIMÓVEIS, os arguidos BB, CC e FF fizeram o BPN autorizar a concessão de um crédito àquela sociedade, através da abertura de uma conta corrente caucionada (doravante c/c/c), nos termos constantes do quadro que se segue:

PropostaMontanteInícioPrazoGarantias
RB 159/20033.000.000,0 0621-10-200312 MesesLivrança


283) - Para suportar a abertura da conta corrente caucionada, que tinha o n. º ...8.40.1, em nome da AMPLIMÓVEIS, foi formalizado, em data posterior, um contrato de mútuo, permitindo a utilização até ao montante de 3.000.000,00€, a partir da data de 03-11-2003;
284) - Os arguidos GG e HH solicitaram a mobilização da totalidade desses fundos disponibilizados e a transferência daquele montante de 3 (três) milhões de euros, para a conta pessoal titulada por ambos os arguidos no BPN, com o n.º ... .10.1;
285) - Em face deste financiamento à AMPLIMÓVEIS, os arguidos GG e HH passaram assim a beneficiar, na sua esfera pessoal, de um montante de 3.000.000,00€;
286) - Assim, na data de 24-11-2003, os arguidos GG e HH constituíram a aludida aplicação financeira, através de uma conta de investimento, associada à conta BPN n.º ...0.001, no montante de 2.700.000,00€, sem terem realizado qualquer esforço financeiro próprio para realizar esse capital;
287) - Para a liquidação da referida conta corrente caucionada, ainda conforme o acordado com os arguidos BB e CC, estes fizeram conceder aos arguidos GG e HH, por proposta de 26-12-2003, um outro financiamento pessoal, sob a forma de “descoberto bancário”, na sua conta n.º ... .10.1, no montante de 3.000.000,00€, com início a 31-12-2003 e vencimento a 01-01-2004 - descoberto por um dia;
288) - Porém, na data da aprovação formal já o montante de 3.000.000,00€ havia sido creditado na conta BPN n.º ... .10.1, titulada pelos arguidos GG e HH, com data-valor de 31-12-2003;
289) - Nessa mesma data de 31-12-2003, os arguidos GG e HH fizeram transferir essa mesma quantia para a conta BPN n.º ...8.40.1, titulada pela AMPLIMÓVEIS, permitindo assim saldar aquela conta corrente caucionada;
290) - Através destas operações, a dívida inicial constituída na AMPLIMÓVEIS foi transferida para a conta pessoal de GG e HH;
291) - Porém, no dia 01-01-2004, os arguidos BB, CC e FF fizeram autorizar que os arguidos GG e HH voltassem a mobilizar a mesma conta corrente caucionada, aberta na AMPLIMÓVEIS, e que ordenassem a transferência de novo montante de 3.000.000,00€ para a sua conta pessoal, acima referida;
292) - Desta forma, os arguidos GG e HH saldaram o descoberto bancário que haviam realizado em 31-12-2003, na sua conta pessoal, transferindo-se a dívida novamente para a conta da AMPLIMÓVEIS;
293) - A referida conta corrente caucionada da AMPLIMÓVEIS foi renovada sucessivamente, por intervenção dos arguidos BB e CC, por propostas de 15-02-2005 e de 19-09-2005, com fundamento na “criação de custos financeiros à empresa em questão (resultados líquidos em 2003 superiores a 950.000,00€) ”;
294) - A mesma conta corrente caucionada da AMPLIMÓVEIS apenas foi saldada com dois movimentos a crédito, nas datas de 07-04-2009 e de 30-04-2009;
295) - Com o pagamento dos dois cheques de 3.985.725,00€ e de 1.714.275,00€, acima referidos no ponto 278), e apesar de o crédito resultante do resgate da aplicação financeira aludido supra, a conta n.º ... .10.1 ficou com saldo negativo de 2.985.214,95€ - os cheques emitidos somavam a quantia de 5.700.000,00€ e o depósito feito pelos arguidos foi no montante de 2.711.895,00€, mais dois depósitos em numerário no montante de 756,70€ e 837,30€ respectivamente e um saldo anterior de 1.296,05€;
296) - Para saldar esse descoberto de 2.985.214,95€, no dia 27-12-2005, os arguidos GG e HH ordenaram que a mesma conta fosse creditada pelo valor de 3.000.000,00€, cuja contraparte foi a conta BPN n.º ...01, titulada pela entidade P... F..., sociedade também controlada pelos arguidos;
297) - O referido montante de 3.000.000,00€, transferidos a débito da conta da sociedade P... F..., teve origem em nova operação de crédito autorizada pelos arguidos BB e CC, desta vez concedido à referida sociedade P... F... e sob a forma de utilização de uma conta corrente caucionada/crédito de rendas, conta n. º ...01, até ao montante de 3.000.000,00€, com data de 26-12-2005 - esta conta corrente caucionada já se tinha iniciado com anteriores negócios entre os arguidos e o BPN e fora do objecto dos presentes autos;
298) - Tal utilização de 3 (três) milhões de euros da conta corrente caucionada, com o n.º ...01, titulada pela P... F..., veio apenas a ser amortizada na data de 25-07-2006;
299) - [Não provado];
300) - Os dois pagamentos iniciais supra-referidos atingiam a quantia de 5.700.000,00€, o que permitiria liquidar um descoberto bancário na conta n.º ...05 junto do BPN, titulada por AA, que, em 22-12-2005, atingia o montante total de 5.006. 778,67€;
301) - Através desta operação de venda de acções da AT... II a GG e HH, os arguidos BB e CC, com a anuência do arguido FF, permitiram que fossem fornecidos a AA montantes que este utilizou para amortizar financiamentos anteriores devidos ao próprio BPN;
302) - O arguido AA fez depositar os referidos pagamentos, no total 5.700.000,00€, nas contas BIC tituladas por si, conta n.° ...60, e pela sociedade Grupo R..., conta n.° ...74, de onde depois transferiu o montante de 3.300.000,00€, com data de 26-12-2005, para a primeira conta;
303) - Assim, o arguido AA obteve do BPN fundos que lhe permitiram sacar, a 28-12-2005, sobre a sua conta BIC n.º ...60, o cheque n.º ...92,, no montante de 4.925.470,00€, com o qual amortizou integralmente a dívida que tinha perante o mesmo BPN, associada à sua conta naquele Banco com o n. º ...05;
304) - Através destas operações, os arguidos BB e CC, com a colaboração de FF, aumentaram o montante de crédito concedido a terceiros, nalguns casos sem garantias, aceitando conceder novos financiamentos na esfera dos arguidos GG e HH no montante total de 5.711.895,00€;

III.C.3 - Os contratos definitivos de venda das acções AT... II

305) - Os contratos definitivos de venda das acções da AT... II, acima aludidas, vieram a ser celebrados com data de 22 de Setembro de 2006, entre os arguidos AA, por si e em representação da Grupo R..., e GG e HH;
306) - Com a realização dos contratos definitivos, os arguidos GG e HH procederam ao pagamento do remanescente dos preços estipulados, conforme acima descrito nos pontos 274) a 277);
307) - Assim, para pagamento do restante preço das 5.000 acções a AA, o arguido GG emitiu o cheque n.º ...22, sacado a descoberto sobre a conta BPN ...4.10.1 no montante de 766.912,50€, datado de 22-09-2006;
308) - Para pagamento do restante preço das 11.625 acções à entidade Grupo R..., o arguido GG emitiu o cheque n. º ...21, sobre a conta BPN n. º ... .10.1, no montante de 1.783.087,50€, datando-o de 22-09-2006;
309) - O pagamento dos dois referidos cheques foi autorizado por intervenção dos arguidos BB, CC e FF que fizeram autorizar um descoberto bancário na conta BPN n.º ... .10.1, até ao montante máximo de 2.554.000,00€, com início a 21-09-2006 e fim a 03-10-2006;
310) - Tal crédito por descoberto bancário foi renovado por proposta de 09-10-2006, aprovada em ... em 24-10-2006, por intervenção dos mesmos arguidos BB e CC, mesmo com incremento do montante autorizado a descoberto;
311) - Com efeito, tal renovação da autorização de descoberto bancário teve início a 17-10-2006 e fim a 17-11-2006, permitindo o descoberto até ao montante de 2.580.000,00€;
312) - Os mesmos arguidos BB, CC e FF determinaram uma outra renovação do descoberto bancário, na data de 03-11-2006, por um novo período com início a 16-11-2006 e fim a 17-01-2007, alargando o montante autorizado de descoberto para a quantia de 2.591.000,00€;
313) - Os arguidos BB, CC e FF acordaram com os arguidos GG e HH a concessão de um novo descoberto bancário, substituindo o descoberto autorizado até 2.591.000,00€, fixando o montante de descoberto autorizado em 2.700.000,00 €, com início a 16-11-2006 e fim a 05-01-2007;
314) - Com data de 14-02-2007, os mesmos arguidos combinaram novo descoberto bancário, agora até ao montante de 17.000.000,00€, com início a 05-03-2007 e fim a 05-05-2007, ainda com referência à conta BPN n. º ... .10.1;
315) - Os arguidos fizeram constar da proposta de crédito que tal descoberto tinha como origem a emissão de cheques bancários no montante global de 16 582.169,88€, visando atribuir liquidez, à custa de financiamento pelo BPN, para o pagamento das quantias de 766.912,50€ e de 1.783.087,50€ relativas ao negócio da AT... II e para o pagamento das quantias de 902.169,88€, de 3.150.000,00€ e de 9.980.000,00€ relativas ao negócio de aquisição da sociedade Palácio .... e dos Terrenos de ..., conforme adiante se descreverá;
316) - Porém, apesar dessa referência, os arguidos BB, CC e FF vieram de novo a alargar os montantes de crédito concedido aos arguidos GG e HH, de tal forma que os montantes relativos ao pagamento do remanescente do preço no negócio da AT... II, necessários para liquidar o descoberto bancário, não foram mobilizados com suporte neste descoberto bancário de 17 milhões de euros;
317) - Com efeito, com data 02-05-2007, os mesmos arguidos fizeram elaborar mais uma proposta de ratificação de descoberto, no montante de 2.700.000,00€, a que atribuíram nova vigência para um período entre os dias 05-05-2007 e 04-06-2007;
318) - Sempre com intervenção dos mesmos arguidos, essa autorização de descoberto bancário foi sendo sucessivamente renovada, nas datas de 05-06-2007, 10-07-2007, 11-09-2007 e 03-01-2008;
319) - Com data-valor de 01-12-2007, os arguidos BB, CC e FF fizeram aprovar a favor dos arguidos GG e HH um novo crédito a título pessoal, titulado por um contrato de mútuo no montante de 2.752.000,00€, o qual serviu para amortizar o descoberto de 2.700.000,00€ em 04-01-2008;
320) - Como garantia deste último mútuo, os arguidos fizeram constar a favor do BPN um penhor sobre as acções das entidades AT... Software, SA e AT... II ,SA.;
321) - Os arguidos BB, CC e FF tinham conhecimento de que as acções dadas em penhor já tinham sido objecto de contrato promessa de compra e venda, em 20-02-2006, nos termos do qual GG e HH as tinham prometido vender ao BPN;
322) - Esta quantia mutuada, no montante de capital de 2.752.000,00€, nunca foi paga ao BPN, que prometeu ceder este crédito para a PARVALOREM, que já o pagou;
322-A) - Neste negócio de venda de acções da AT... II, em apenas cinco meses de existência da entidade, o arguido AA obteve os seguintes ganhos:

EntidadeNúmero de
acções
Preço inicial
em €
Preço de venda
em €
Mais-valia em €
AA50005.000,002.481.187,5 02.476187,50
Grupo AA1162511.625,005.786812,5 05.757.187,50
TOTAL 8.233.375,00


III.C.4 - A valorização da AT... II

323) - Os arguidos BB, CC e FF sabiam que o preço de venda das acções da AT... II aos arguidos GG e HH poderia não ter qualquer aderência ao preço de mercado, sabendo, no entanto, que a respectiva transmissão nos termos descritos iria implicaria sempre um acréscimo do crédito concedido sem exigência de efectivas garantias e que tal iria lesar os interesses do próprio BPN;
324) - Nenhum dos arguidos BB, CC, FF, GG e HH cuidou de averiguar se o preço fixado às acções tinha aderência ao valor real da AT... II;
324-A) - Em perícia datada de 12-07-2012, realizada no âmbito da investigação dos presentes autos, constante de fls. 6664 a 6581, concluiu-se existir ausência de aderência do preço fixado às acções relativamente ao valor real da AT... II com base nas seguintes circunstâncias:
resultado operacional da própria empresa, que se situava no montante de 21.238,50€, em 2006, e que foi negativo em 1.306563,14€, em 2007;
circunstância de a empresa estar dependente de apenas dois clientes;
dispor de um único activo que se traduzia na existência de um contrato com a AT..., que conferia o direito exclusivo da comercialização do licenciamento para a utilização de determinados produtos informáticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos, com prorrogação e condições não definidas, não reavaliável e sem valor de realização.

III.C.5 - A venda das acções AT... II ao BPN

325) - Tal como acordado com os arguidos BB e CC, os arguidos GG e HH pretendiam actuar unicamente como adquirentes e detentores temporários dos activos que o BPN não pretendia deter directamente;
326) - Por esse motivo, com data de 22 de Dezembro de 2005, os arguido GG e HH subscreveram um contrato promessa de compra e venda das 16.625 acções representativas do capital social da AT... II com o BPN, representado no referido contrato por BB e por FF;
327) - Conforme estipulado no referido contrato, os arguidos BB, CC e FF aceitaram pagar aos arguidos GG e HH, na data da compra das acções, o preço de 8.742.385,00€, correspondente a 525,85€ por acção;
328) - Os mesmos arguidos fixaram ainda que esse preço seria pago em duas prestações, uma no montante de 2.550.000,00€ até 22-12-2006 e a segunda, no montante de 6.205.875,00€, prevista para 22-04-2008, que foram sendo adiadas, até 22 Dezembro de 2008, mas que nunca vieram a ser pagas directamente aos arguidos GG e HH;
329) - Tal como nunca vieram a ser pagos directamente aos mesmos arguidos os montantes de 1.337.068,80€ e de 3.342.672,00€ relativos à aquisição de acções da AT... pelo BPN, conforme contratos promessa supradescritos no ponto 261);
330) - Os arguidos BB, CC e FF aceitaram, assim, que a remuneração dos arguidos GG e HH, pelo facto de ocultarem a intervenção do BPN, implicasse um custo adicional na compra das acções da AT... II, traduzido num incremento por acção no montante de 29,61€, num total de 492.266,25€ relativamente às 16.625 acções, com a consequente atribuição de ganhos a estes dois últimos arguidos, no montante de, pelo menos, € 106 956,78, e lesão dos interesses do Banco;
331) - Os arguidos BB, CC e FF aceitaram igualmente, com a promessa de aquisição de acções, comprometer o BPN a saldar o financiamento a GG e HH, em montante que suportava o capital mutuado, os juros e as taxas, para além de se comprometer ao pagamento dos ganhos de GG e HH por terem entrado neste esquema.

III.D - Negócio da sociedade Palácio ....
III.D.1 - Antecedentes da sociedade

332) - A “Sociedade de Administração Imobiliária Palácio ....” (doravante Palácio ....), com o NIPC ..., anteriormente designada “Sociedade Agrícola da ...”, era detentora de um único activo, constituído por um imóvel conhecido pelo mesmo nome de Palácio ...., sito na Rua ..., …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1285, da freguesia ...;
333) - A aquisição da sociedade Palácio .... e do seu único activo foi abordada entre o arguido AA e o BPN, através dos arguidos BB e CC , que aceitaram financiar a aquisição da sociedade, tendo em vista participar no futuro desenvolvimento de um empreendimento imobiliário no referido imóvel, projecto que merecia também a concordância do arguido EE;
334) - O arguido AA veio a negociar, no ano de 2000, a aquisição de participação social na sociedade Palácio ...., que então ainda assumia a designação de Sociedade Agrícola da ..., contactando com os anteriores sócios daquela sociedade;
335) - O arguido AA pretendia e obteve acordo para entrar no capital social da Palácio ...., procedendo ao aumento do mesmo e convertendo a sociedade na forma de anónima, para simultaneamente adquirir a totalidade do capital social;
336) - Com efeito, na data de 27-12-2000, entre a Sociedade Agrícola da ... Lda., representada pelo sócio gerente AAA, e as entidades “O... -Organizações e Investimentos Imobiliários Lda.” e “A... V... Sociedade Imobiliária Lda.”, representadas pelo arguido AA, foi celebrada uma escritura através da qual:
a) Foram admitidas como sócias da Sociedade Agrícola da ... Lda., as entidades O... e A... V..., que ficaram detentoras, respectivamente, de 32075 acções e 17000 acções;
b) Foi aumentado, por via da entrada destas sócias, o capital social de PTE 174.000$00 para PTE 10.024.100$00;
c) A sociedade passou a assumir a forma de sociedade anónima, com o capital social de 50.000,00€, representado por 50.000 acções com o valor nominal de 1€ cada uma delas;
d) A sociedade passou a usar a firma “Sociedade de Administração Imobiliária Palácio ...., S.A.” (doravante Palácio ....);
337) - Na mesma data em que foi transformada a sociedade, 27-12-2000, o arguido AA , em representação da Be... Investments Limited, adquiriu aos anteriores sócios da Palácio ...., identificados como:
- AAA;
- Sociedade Agrícola do ...;
- herdeiros de BBB;
- herdeiros de CCC; e
  - entidade offshore “G... Limited”, representada no acto por DDD,
um total de 925 acções da sociedade Palácio ...., representativas do restante capital social, pelo preço global de PTE 679.999.997$00 (EUR 3.391.825,69€);
338) - A entidade offshore “Be... Investments Limited” foi representada no contrato de aquisição da participação social por AA seu beneficiário final;
339) - Com a realização deste contrato, o capital social da Palácio .... ficou distribuído pelas entidades O... com 32.075 acções, a A... V... com 17.000 acções e a Be... com 925 acções, isto é, o capital social passou a ser integralmente detido por sociedades controladas pelo arguido AA;

III.D.2 - Pagamento da aquisição das acções
340) - Para pagamento do preço de 679.999.997$00 (EUR 3.391.825,69€), o arguido AA, na qualidade de beneficiário da entidade Be..., contou com a concessão de financiamento por parte dos arguidos BB e CC, no caso montado sob a forma de conta corrente caucionada, cuja utilização viria a creditar a conta então aberta em nome da entidade Be... junto do BPN Cayman, conta n.º ...24;
341) - Com base nesse financiamento, o arguido AA veio a proceder ao pagamento do preço devido aos anteriores sócios da Palácio .... através da solicitação, junto do balcão BPN da ..., em Lisboa, da emissão de 15 cheques bancários, no referido valor total de 679.999.997$00, sobre a conta n.º ...24, titulada pela Be..., junto do BPN Cayman;
342) - Os referidos cheques bancários foram emitidos e pagos, na data de 27-12-2000, por autorização do arguido BB, dirigida, designadamente ao então gerente da agência da Av. ..., EEE, apesar de não existirem ainda fundos na conta, sendo o saldo negativo regularizado com data-valor do dia seguinte, por utilização da conta corrente caucionada;
343) - A concessão de um financiamento à Be... sob a forma de conta corrente caucionada foi até ao montante de PTE 780.000.000$00;
344) - Tal financiamento no montante de 780.000.000$00 foi autorizado por BB, sem que tenha sido objecto de análise e parecer pela área de cálculo de risco de crédito do BPN;
345) - No dia 28-12-2000, o arguido AA, determinou a venda de acções da Palácio .... a favor do próprio AA e da entidade G...PROPERTIES LTD, por si controlada, nos seguintes termos:
a) A O... vendeu à G..., 31.875 acções;
b) A O... vendeu a AA, 100 acções;
c) A A... V..., vendeu à G..., 16.900 acções;

346) - Tais transacções foram efectuadas pelo valor nominal das acções, mas às mesmas não correspondeu qualquer movimentação financeira;
347) - Tal operação tinha por fim separar o capital social da Palácio .... entre duas entidades, uma controlada por AA e outra controlada pelo grupo SLN/BPN, permitindo formalizar a realização de ganhos na esfera do arguido AA no âmbito de negócios não apreciados nestes autos;
348) - Para o efeito, os arguidos EE, BB e CC vieram a indicar a entidade K... LTD como sendo a que poderia ser usada para uma operação de compra e venda de acções da Palácio ....;
349) - No dia 28-12-2000, o arguido AA determinou que a entidade G... vendesse à entidade K..., entidade offshore detida pela SLN, representada no acto por FFF, que agiu sob instruções do arguido EE, um conjunto de 2.500 acções da Palácio ...., sendo estipulado o preço de PTE 570.000.000$00;
350) - Para efectuar o pagamento dessas acções, o arguido EE, de acordo com o estabelecido com os arguidos BB e CC, autorizou e diligenciou que se efectuasse a transferência de PTE 570.000.000$00, da conta n.º ...37 titulada pela K... junto de BPN Cayman, a favor da conta BPN Cayman n.º ...28, titulada pela G...;
351) - A transacção das 2.500 acções da G... à K... resultou de uma estratégia concebida entre os arguidos BB, EE e AA;
352) - Deste modo, em 28-12-2000, a estrutura accionista da sociedade Palácio ....
 passou a apresentar a seguinte forma:


Entidade
O... - Organizações e Investimentos Imobiliários Lda. 100

      A… V.. - Sociedade Imobiliária Lda
      100
      Be... Investments Limited
      925
      AA
      100
      G... PROPERTIES LIMITED
      46.275
      K... Ltd / Grupo BPN/SLN
      2.500
      TOTAL
      50.000


353) - Com data de 02-05-2001, o arguido AA determinou que se efectuassem os seguintes contratos de compra e venda de acções, por forma a colocar as participações da sociedade Palácio .... numa entidade veículo, no caso a PE... INVESTMENTS LLC, por si utilizada:

Entidade VendedoraEntidade adquirenteN.º de acçõesPreço
O...PE...Investments Llc100100,00€
AAPE...Investments Llc100100,00€
A... V...P...Investments Llc100100,00€
G...PE...Investments Llc46.27546.275,00€
Total 46.575€


354)  - Tal conjunto de operações procedeu a nova concentração da titularidade das acções da Palácio ....;
355) - Todas as vendas de acções à PE..., que tiveram como vendedoras as entidades O..., AA, A... V..., G... e K... não tiveram correspondência em movimentações financeiras, isto é, não se consumou qualquer pagamento do preço;
356) - Para além das demais referidas no ponto 353), as 2500 acções da Palácio .... que foram vendidas pela G... à K... e depois por esta à PE..., em 21-05-2001, data posterior à referida naquele ponto 353.º, pelo valor de  PTE  570.000.000$00 (2.843.148,01€), apenas geraram fluxos financeiros aquando da venda da G... à K...;
357) - As referidas acções foram apenas formalmente parqueadas num veículo offshore detido pela SLN, a K..., como justificativo de negócio não apreciado nestes autos e já referido no ponto 347);
358) - [Não provado];
359) - Com a realização dos contratos mencionados, à data de 21-05-2001 a representação do capital social da sociedade Palácio .... apresentava a seguinte forma:

Be... Investments Limited, 925 acções;
PE... INVESTMENTS LLC, 49.075 acções;

360) - A sucessiva transferência das acções do Palácio .... ocorreu em paralelo com outras operações financeiras sobre a conta da entidade Be... n.º ...01, no BPN Cayman, que, através de utilizações dos fundos disponibilizados na conta corrente caucionada, atingiu o montante global de dívida de € 3.890.623,60 (PTE 780.000.000$00), montante que integrava a quantia de 679.999.997$00, supra-referida e relativa à aquisição da Palácio ....;
361) - [Não provado];

III.D.3 - Constituição do I...
362) - Em 2001, os arguidos BB, CC e EECaprichoso conceberam e, com a colaboração de GGG, promoveram a constituição de um Fundo Imobiliário, designado Fundo de Investimento Imobiliário BPN I..., gerido pela BPN IM..., com o objectivo de ali parquear activos pertencentes a AA e entidades por este detidas, ideia que teve a aprovação genérica deste último;
363) - O fundo procederia à aquisição dos activos, dando liquidez às sociedades do arguido AA, sendo caso disso, ou passando este a figurar como titular das unidades de participação no mesmo fundo, como aconteceu indirectamente através da entidade PH...;
364) - Entre outros activos, acordaram os mesmos arguidos transferir para aquele Fundo Imobiliário o activo composto pelo Palácio ....;
365) - O preço a pagar pelo fundo BPN I... pela aquisição do referido activo seria idêntico ao da sua avaliação, como era pressuposto da actividade dos fundos imobiliários;
366) - De acordo com o planeado entre os arguidos BB, CC e EE, foi determinado, com data de 31-12-2001, que a entidade Be..., vendesse ao Fundo de Investimento Imobiliário BPN I..., representado pela BPN IM..., a totalidade das 925 acções da Palácio .... que aquela detinha, pelo preço de PTE 679.999.997$00 (3.391.825,69€);
367) - Neste caso da venda pela Be..., os arguidos estabeleceram um preço igual ao da aquisição pela mesma Be... das mesmas 925 acções;
368) - Porém, também conforme o acordado entre os arguidos BB, CC e EE, foi determinado, na mesma data de 31-12- 2001, que a entidade PE... procedesse à venda à mesma BPN I... da totalidade das 49.075 acções da Palácio .... que aquela detinha, mas fixado neste caso o preço de PTE 820.000.003$00 (4.090.142,77€);
369) - Relativamente aos preços de aquisição pela PE..., acima referidos nos pontos 353) e 356), tal preço de venda estabelecido pelos arguidos corresponde a uma mais-valia de 1.200.419,76€;
370) - Os arguidos BB, CC e EE fizeram suportar pelo fundo BPN I... os referidos pagamentos, tendo desencadeado os seguintes pagamentos:

transferência de 679.999.997$00 (3.391.825,69€) debitada na conta titulada pelo BPN I... para a conta n.º  ...01 titulada pela Be... junto do BPN Cayman;
transferência de 4.090.142,77€ debitada na conta do fundo BPN I... e creditada na conta n. º  ...01 titulada pela PE... junto do BPN Cayman;

371) - Uma vez recebida esta última transferência, no mesmo dia 31-12-2001, com data-valor de 28-12-2001, foi ordenado que a mesma quantia de 4.090.142,77€ fosse transferida para a conta n.°  ...01, titulada pela Be... junto do BPN Cayman;
372) - Ou seja, a totalidade do preço pago pelo BPN I... pelas acções da sociedade Palácio ...., no valor de 7.481.968,46€,(1.500.000.000$00 PTE), foi depositado na conta da entidade Be..., isto é, ficou à disposição do arguido AA;
373) - A partir desse montante, foi determinado que se liquidasse a dívida em conta corrente caucionada associada à conta da Be... n.º ...01, junto no BPN Cayman, que então atingia o montante de 3.890.623,60€ (PTE 780.000.000$00), o que foi consumado por débito na mesma conta com data de 31-12-2001;
374) - Face ao montante aceite pelos arguidos BB, CC e EE como preço da venda da Palácio .... ao fundo I..., no total de 7.481.968,46€, o arguido AA acabou por ficar com um ganho de 3.542.270,00€, que integrou na sua esfera;
375) - O arguido AA ordenou que fosse debitada a referida conta n.º  ...01 e transferidas as seguintes verbas para as seguintes contas da sua esfera patrimonial e empresarial:

Entidade beneficiáriaN.º da conta de destinoMontante/PTE
Va...62….10.001 BPN40.000.000$00
...39….10.001 BPN5.000.000$00
A... V...43….10.001 BPN5.000.000$00
O... ...01 BPN115.000.000$00
AA
...01 BPN200.000.000$00
TOTAL 365.000.000$00


376)  - O arguido AA ordenou ainda a transferência de PTE 20.000.000$00 para a conta n.º  ...01 titulada no BPN pela sociedade Palácio ....;
377)  - O arguido AA fez ainda emitir um cheque bancário no valor de 1.560.000,00€ à sua própria ordem, com data de 07-01-2002;
III.D.4 – Retorno das acções à esfera do arguido AA
378) - Em data que não foi possível apurar, mas durante o ano de 2003, os arguidos AA, BB, CC e EE, com a intervenção de GGG, decidiram fazer regressar as acções da sociedade Palácio .... à esfera de AA;
379) - Para o efeito, foi acordado que o arguido AA poderia obter o resgate das unidades de participação no fundo I... que detinha, através de entidade em offshore PH..., por si controlada, na quantidade necessária para prefazer o montante do preço de aquisição da Palácio ...., então fixado no montante de 7,5 milhões de euros;
380) - Para o efeito, os arguidos BB e CC aceitaram determinar que as referidas unidades de participação que importava vender fossem adquiridas através da gestão das contas dos clientes, no âmbito das designadas contas de investimento;
381) - Para tanto, tal como acordado, o arguido AA solicitou o resgate das unidades de participação correspondentes ao referido valor fixado para a aquisição da Palácio ....;
382) - GGG através de Nota Interna datada de 07-10-2003 enviada ao arguido CC, administrador da SLN com o pelouro da área, referiu “ …ficou acordado que o fundo BPN I... irá proceder à venda da totalidade do capital social da supra referenciada (P...) à O... …, pelo valor de 7.500.000,00€”;
383) - E de igual forma referiu ainda que “ ..o comprador pretende liquidar este preço, por uma só vez, mediante a entrega do produto de alienação de 6.998 unidades de participação do fundo BPN I..., cujo valor é de 7.500.569,07€ actualmente detidas pela PH... Ltd.”;
384) - Conforme o acordado entre todos os referidos arguidos, o arguido CC, em 07-10-2003, aprovou os termos da venda e a forma de pagamento;
385) - Em 08-10-2003, as 6.998 unidades de participação do fundo BPN I... foram vendidas pela PH... HOLDINGS S.A. e compradas pelas contas investimento do BPN, mas o produto apurado com tal venda não teve como destino o pagamento da Palácio ....;
386) - Com efeito, apesar da nota interna supra-referida, o pagamento do preço das acções da sociedade Palácio ...., no montante de 7.500.000,00€ foi efectuado mediante a entrega de um cheque com o n. º ...07, emitido sobre a conta titulada pela O... junto do BIC (grupo BES), com o n.º ...37, o qual foi depositado na conta BPN n.º ...01. titulada por BPN I...;
387) - Este cheque sobre a conta BIC foi emitido a descoberto, que foi suportado num pedido de financiamento autorizado pelo BIC, financiamento esse liquidado em Janeiro de 2006;

III.D.5 - Vendas sucessivas das acções antes da transmissão ao BPN

388) - O arguido AA ainda determinou mais duas transacções do Palácio .... entre entidades do seu universo de empresas, antes de as transferir para a esfera do BPN:
Na data de 21-04-2005, determinou que a entidade O..., vendesse à entidade Grupo R... a totalidade das acções da Sociedade Palácio ...., pelo preço de 7.500.000,00€, pago com fundos oriundos da venda de activos ao BPN no âmbito do protocolo de saída;
Na data de 07-02-2006 determinou que a entidade Grupo R... representada no acto por HHH e HHH, respectivamente mulher e filha de AA, vendesse 100 % do Palácio .... à sociedade A... V..., representada no acto por AA, pelo preço de 10.300.000,00 €;
389) - Com data de 08-02-2006, foi celebrado um aditamento àquele contrato de compra e venda de acções nos termos do qual se incluía no preço de 10.300.000,00€ o montante de 902.201,49€ resultante de suprimentos realizados na mesma Palácio ....;
390) - Ou seja, o preço de 10.300.000,00€ ficou composto por uma parcela de 9.397.798,51€ referente à venda de 100% do capital social e por 902.201,49€ a título de suprimentos;
391) - Nesta sucessão de transacções, ao fazer adquirir a Grupo R... por 7,5 milhões de euros, para depois esta vender à A... V... por 9.397.798,51€, o arguido AA fez gerar dentro da primeira sociedade uma mais-valia de 1.897.798,51€;
392) - No decurso do ano de 2005, o arguido BB decidiu que o activo constituído pela Palácio .... poderia ser adquirido para a esfera do Grupo BPN/SLN, sem qualquer parceria com AA;

III.D.6 - Intervenção dos arguidos GG e HH

393) - Em data não apurada em concreto, entre final de 2005 e princípio de 2006, os arguidos BB, EE e CC, decidiram contactar os arguidos GG e HH, os quais já antes se tinham prontificado a colaborar, a quem expuseram o plano de virem a suceder ao AA na detenção das acções da Palácio ...., de forma a salvaguardar os interesses do Grupo BPN/SLN no desenvolvimento do projecto imobiliário;
394) - Os arguidos GG e HH logo aceitaram colaborar nos termos da proposta dos demais arguidos, aceitando que as acções da sociedade Palácio .... fossem adquiridas pelo preço que os demais arguidos entendessem fixar e que as mesmas acções fossem colocadas numa entidade controlada pelos primeiros arguidos, a troco da concessão dos financiamentos necessários e da obtenção de ganhos financeiros para si próprios;
395) - Os arguidos BB, EE e CC aceitaram financiar os arguidos GG e HH na aquisição de acções da sociedade Palácio .... e conceder-lhes um ganho na compra futura;
396) - Deste modo, a intervenção dos arguidos GG e HH funcionou como forma de parqueamento de activos, que na prática pertenciam ao BPN, por um tempo determinado, suportados por contratos de promessa de compra e venda;
397) - Assim, com data de 19 de Dezembro de 2006, o arguido AA determinou que a entidade A... V... vendesse aos arguidos GG e HH a totalidade do capital social da sociedade Palácio .... pelo preço de EUR 9.980.000,00€;
398) - Com a mesma data de 19 de Dezembro de 2006, foi ainda celebrado entre aquelas partes um outro contrato de cessão de suprimentos, nos termos do qual a A... V... cedeu aos adquirentes, GG e HH, um crédito sobre a sociedade relativo a suprimentos, no valor de 902.169,88€;
399) - Ou seja, o montante global aceite pagar pelos arguidos a AA no âmbito do negócio da Palácio .... atingiu um total de 10.882.169,88€;
400) - De acordo com o planeado, os arguidos BB, EE, CC e FF, para permitir o pagamento do referido montante, fizeram autorizar, em 09-01-2007, um descoberto bancário até ao montante de 17.000.000,00€, com início a 19-12-2006 e fim a 05-05-2007, na conta BPN n.º ... .10.1, titulada pelos GG e HH no BPN.
401) - Os arguidos fizeram aprovar tal financiamento sem a exigência de garantias e nem mesmo de livranças subscritas pelos clientes;
402) - Tal como combinado, a aprovação foi concedida com base numa proposta apresentada em nome dos arguidos GG e HH, nos termos previamente acordados com os demais arguidos referidos, pelo que fizeram constar da proposta, que o descoberto bancário deveria permitir a emissão de 2 (dois) cheques bancários no montante global 2.550.000,00€ (766.912,50€ + 1.783.087,50€) que seriam destinados ao negócio da AT... II e ainda a emissão de mais 3 (três) cheques bancários de 9.980.000,00€, 902.169,88€, e 3.150.000,00€, destinados ao pagamento do preço relativo à aquisição da sociedade Palácio .... e ainda ao pagamento da aquisição de três imóveis sitos em ...;
403) - A utilização relativa aos pagamentos referentes à AT... II não se veio a consumar, tendo tais pagamentos sido feitos com base num outro financiamento, conforme supradescrito nos pontos 314) e seguintes;
404) - Para pagamento do preço da aquisição da Palácio ...., os arguidos BB, EE e CC fizeram emitir e entregaram à A... V... os seguintes dois cheques bancários:
Um, datado de 19-12-2006, com o número ...47, preenchido com o montante de 9.980.000,00€, assinado por BB e OO, cuja emissão foi paga por débito sobre a conta n. º ...74.1, titulada pelos adquirentes, no BPN;
Outro, datado de 19-12-2006, com o número ...45, preenchido com o montante de 902.169,88€, assinado por BB e OO, cuja emissão foi paga por débito sobre a conta n. º ...74.1 titulada pelos adquirentes, no BPN;
405) - A emissão dos cheques, autorizada pelo descoberto até 17.000.000,00€, teve reflexos imediatos na conta DO n.º ... .10.1, a qual, em 19-12-2006, apresentava um saldo negativo de 13.449.063,84€;
406) - Com o objectivo de diminuir o montante que se encontrava a negativo na conta DO n.º ...410.1, foi acordado entre os arguidos GG, HH e BB que os dois primeiros iriam apresentar uma proposta de crédito, proposta n.º ...07, afirmando a pretensão de transformar uma parte do descoberto num financiamento sob a forma de contrato de mútuo, mantendo inalterado o montante total em dívida;
407) - Com efeito, tal proposta foi aprovada e, com data de 31-01-2007, os arguidos GG e HH subscreveram um contrato de mútuo com o BPN, nos termos do qual obtiveram a disponibilidade por crédito em conta de 14.299.041,44€, com termo a 15-02-2009;
408) - Os arguidos BB e CC não exigiram a prestação de garantias, nem mesmo sob a forma de livrança;
409) - Com a data-valor de 31-01-2007, foi creditado na conta DO n.º ... .10.1 o montante de 14.299.041,44€, reduzindo desse modo o valor do saldo negativo da mesma;
410) - Decorridos três dias sobre a data de aquisição da Palácio ...., isto é no dia 22 de Dezembro de 2006, os arguidos GG e HH, tal como tinham combinado com BB, EE e CC, celebraram um contrato promessa de venda ao BPN da  totalidade  das acções  da Palácio .... e suprimentos, sendo estabelecido o preço total de 12.535.000,00, sendo 11.495.000,00€ relativo às acções e 1.040.000,00€
relativo aos suprimentos;
411) - No dia 30-12-2006, os mesmos arguidos, GG e HH, celebraram com a A... V..., representada por AA, um aditamento aos contratos de compra e venda de acções e cessão de suprimentos datados de 19-12-2006, nos termos do qual se refere que a sociedade A... V... assumiu ainda e liquidou um financiamento contraído pela Palácio .... junto do BES, no montante de 119.328,50€, com referência ao dia 28-12-2006, convencionando os arguidos que a referida importância seria acrescida ao valor dos suprimentos adquiridos;
412) - Deste modo, o preço pago pelos arguidos pela aquisição das 50.000 acções da Palácio .... foi de € 9.860.671,50 e o dos suprimentos foi de € 1.021.498,38, ou seja, o mesmo total de 10.882.169,88€;

III.E - Negócio dos Terrenos de ...

413) - O arguido AA detinha, através de uma entidade offshore de que era beneficiário, denominada GE... HOLDINGS LLC, a propriedade de três prédios rústicos sitos na área de ...:
Prédio rústico sito em Vale ..., com 13.750 m2, CRP ... descrição n.º 0-4475;
Prédio rústico sito em ..., com 6.800 m2, CRP ... descrição n.º 0-8510;
Prédio rústico sito em Vale ..., com 3.600 m2, CRP ..., descrição n.º 0-4888;
414) - [Não provado];
415) - No dia 22-12-2003, a entidade GE... HOLDINGS LLC, representada por III, celebrou com a entidade O..., representada por AA, uma escritura pública de compra e venda dos mencionados terrenos, pelo preço total de 1.100.000,00€;
416) - No dia 18-08-2004, a entidade O... deu entrada na Câmara Municipal ... a um pedido de viabilidade para construção de um hotel de 5 estrelas em dois dos referidos terrenos;
417) - Com data de 20-04-2006, a O... foi notificada pela Câmara Municipal ..., do indeferimento do pedido;
418) - Perante o indeferimento, a valorização dos terrenos era inferior àquela que teriam caso o projecto de hotel fosse aprovado;
419) - [Não provado];
420) - Os arguidos BB, EE e CC acordaram em adquirir os ditos terrenos, que haviam sido inicialmente identificados como oportunidade de negócio por AA, para a esfera do Grupo BPN/SLN, ainda que que através da detenção por terceiros;
421) - Os arguidos BB, EE e CC aceitaram comprar para o Grupo BPN/SLN os mencionados terrenos, através da intervenção de terceiros, por um preço eventualmente superior ao efectivo valor de mercado dos imóveis, que não cuidaram de apurar;
422) - Para o efeito, acordaram os arguidos BB, EE, CC e AA em transaccionar aos Terrenos de ... pelo valor de 3.250.000,00€, sabendo os três primeiros arguidos que tal podia implicar um prejuízo para o BPN;
423) - No sentido de manter a opacidade sobre a real titularidade dos terrenos pelo Grupo BPN/SLN, os arguidos BB, EE e CC, fizeram então intervir os arguidos GG e HH que aceitaram figurar nos contratos como adquirentes dos terrenos, num negócio paralelo ao da sociedade Palácio ....;
424) - Os arguidos BB, EE e CC aceitaram fazer com que a operação de compra dos terrenos à sociedade do arguido AA fosse integralmente financiada por parte do BPN e aceitaram que o Grupo BPN/SLN se comprometesse pela via contratual com a compra dos mesmos terrenos;
425) - Os arguidos GG e HH aceitaram, face a essas condições, figurarem como adquirentes dos referidos terrenos, aceitando o pagamento do preço que lhes fosse determinado pelos arguidos BB, EE e CC, uma vez que o mesmo seria integralmente financiado pelo BPN e ainda viriam a obter ganhos com a futura compra dos terrenos pelo Grupo BPN/SLN;
426) - Assim, no dia 15-12-2006, foi celebrado um contrato de promessa de compra e venda daqueles três terrenos sitos em ..., pelo preço total de 3.250.000,00€, entre a O..., na qualidade de promitente vendedora, e GG e HH, na qualidade de promitentes compradores;
427) - De acordo com o contrato, na mesma data, foi efectuada a primeira parte do pagamento, no montante de 3.150.000,00€, através de cheque sacado sobre a conta n.° ...74, titulada por GG e HH, junto do BPN, cheque esse que veio a ser depositado na conta n.º ...45, titulada pela O..., junto do Barclays;
428) - Tal cheque foi pago apesar de na conta sacada não existirem fundos suficientes para garantir a sua provisão, tendo tal pagamento a descoberto sido autorizado pelo arguido BB, nos termos dos acordos supradescritos;
429) - De facto, a mesma conta dos arguidos GG e HH só veio a ser provisionada na data de 20-03-2007, com data valor de 31-01-2007, na sequência dos contratos de mútuo já acima referidos e também relacionados com a aquisição das participações na sociedade Palácio ...., tendo então a referida conta sido creditada com uma transferência no montante de 14.299.041,44€, correspondente ao mútuo já referido no ponto 407);
430) - Na data de 23-01-2007, o arguido AA, em representação da O..., celebrou a escritura de compra e venda dos três terrenos em ..., figurando como adquirente, por escolha dos arguidos GG e HH, a sociedade GER... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis SA, de que eram sócios e que representaram no acto;
431) - Na véspera da realização da escritura, ocorreu o pagamento do remanescente do preço, no montante de 100.000,00€, através de cheque sacado sobre a conta BPN n.° ...74, titulada por GG e HH, tendo tal cheque sido depositado em conta titulada pela O... e transferido o respectivo valor para a conta n. º ...45, também titulada pela O..., junto do Barclays;
432) - À semelhança da primeira parte do pagamento, também este cheque foi pago apesar de, na conta sacada, não existirem fundos suficientes para garantir a sua provisão, tendo tal pagamento a descoberto sido autorizado pelo arguido BB, nos termos dos acordos supradescritos, tendo o descoberto sido regularizado apenas no dia 20-03-2007, conforme mencionado no ponto 429);
433) - Para concretizarem a prometida compensação financeira dos arguidos GG e HH, em contrapartida de colaborarem figurando como adquirentes dos Terrenos de ..., os arguidos BB, CC e EE aceitaram comprometer o BPN num contrato promessa de compra dos terrenos;
434) - Assim, tal como acordado, os arguidos BB, CC e EE fizeram subscrever pelo BPN, representado no acto pelo primeiro e por FF, com data de 22-12-2006, um contrato promessa em que comprometiam o Grupo, ou terceiro a designar pelo mesmo, na aquisição dos três referidos terrenos aos arguidos GG e HH, fixando o preço de tal compra no montante de 3.750.000,00€;
435) - Nos termos de tal contrato promessa, o pagamento do referido preço seria efectuado na data da escritura, que deveria ocorrer até ao dia 31-01-2009, consumando então o gerar de um ganho de 500.000,00€ para os arguidos GG e HH, atenta a diferença de preço entre a aquisição ao AA, ainda que integralmente financiada, e a venda para a esfera do BPN;
436) - Tal escritura definitiva nunca veio a ser celebrada e o montante financiado de 14.299.041,44€ não foi pago pelos arguidos GG e HH ao BPN, atingindo na data de 15-02-2009 o montante de 15.928.734,97€, tendo tal crédito do Banco sido prometido ceder à PARVALOREM, que já o pagou;

III.E.1 - Ganhos dos arguidos quanto aos dois negócios
437) - Com a concretização destes negócios, PALÁCIO ... e Terrenos de ..., nos termos supradescritos, AA obteve com as referidas vendas os seguintes valores:
Palácio ....
o 3.542.270€ - na venda da PE... e da Be... ao I... (conforme ponto 374)); o 2.480.000,00€ -   na   venda   aos  Arguidos GG e HH (incluindo suprimentos);
Terrenos de ...
o 2.150.000,00€ - na venda da O... à GER...;
438) - Assim, em consequência dos supra-referidos negócios o arguido AA recebeu a quantia de 8.172.270€;
439) - Aos arguidos GG e HH foram prometidos ganhos, a consumar no momento da compra pelo BPN, decorrentes dos seguintes montantes:
Palácio ....
o 1.652.830,12€ - diferença de valores entre a compra à sociedade A... V... do arguido AA e a promessa de venda ao BPN, atendendo a suprimentos e aditamento ao contrato;
Terrenos de ...
o 500.000,00€ - diferença entre a compra ao arguido AA e a promessa de compra pela SLN;
Estes valores permitiam aos arguidos GG e HH a obtenção de um ganho de, pelo menos, 325.156,67€;

III.F - O negócio da sociedade B... . S...
III.F.1 - Antecedentes da sociedade
440) - A sociedade B... . S... - Sociedade Imobiliária SA (doravante B... . S...), com o NIPC ..., foi constituída em 9 de Novembro de 2000, pela “P..., SA”, com o capital social de 50.000,00€, dividido em 50.000 acções de 1,00€ cada uma;
441) - A sociedade B... . S... tinha como objecto a promoção imobiliária, construção de imóveis e celebração de negócios de compra, compra para revenda e venda de imóveis, gestão de imóveis próprios e prestação de serviços de administração imobiliária e foi concebida pelos arguidos BB e EE com vista a apoiar o Grupo SLN/BPN, sendo por isso uma empresa da esfera da SLN, consolidada no Grupo SLN;
442) - Com data de 08 de Maio de 2001, a P..., representada pelo arguido EE e II, vendeu à entidade Be... Investments Limited, representada pelo seu procurador, AA, a totalidade das 50.000 acções da sociedade B... . S..., pelo preço de PTE 10.024.100$00 (50.000,00€);
443) - Para pagamento do preço, a Be..., recebeu no mesmo dia um crédito de PTE 10.000.000$00 provenientes da conta n.º ...01 junto do BPN Cayman, titulada pela entidade offshore UM... MANAGEMENT CORP[7]. da qual o arguido AA é o último beneficiário;
444) - A conta da U... com o n.º ...01, foi creditada na data de 09-05-2001, no montante de PTE 13.000.000$00, por utilização de uma conta corrente caucionada, vindo a ser saldada após 20-04-2005, por transferência proveniente da conta da Be...;
445) - A transmissão da sociedade B... . S... ao arguido AA tinha por objectivo possibilitar a aquisição, através da mesma, de imóveis no interesse do arguido AA;
446) - Tal veio a ser o caso de uma propriedade, designada Herdade da ..., sita no Concelho ..., cuja aquisição e desenvolvimento de um projecto imobiliário na área do turismo foi iniciado pelo arguido AA;
447) - Em 2005, os arguidos BB, CC e EE equacionaram o interesse do Grupo BPN/SLN em participar no empreendimento imobiliário que admitiram poder vir a ser desenvolvido na referida propriedade, não pretendendo, no entanto, fazer figurar o Grupo BPN/SLN como titular directo no momento da aquisição do activo, aceitando apoiar financeiramente a aquisição do imóvel por terceiro e o desenvolvimento do projecto, participando, em momento futuro, na sociedade que viesse a desenvolver o projecto;
448) - O arguido AA negociou e, na data de 23 Maio de 2001, através da sociedade B... . S..., de que era presidente do ..., adquiriu à sociedade “AG... Sociedade Agrícola e Silvícola, Unipessoal Limitada”, o referido prédio rústico denominado Herdade da ..., descrito na Conservatória Predial ... sob o n.º 00...8/121288, da freguesia ..., pelo preço escriturado de 39.100.000$00 (195.029,98€) e efectivamente pago de € 710 787;
449) - Com data de 29 de Novembro de 2001, a B... . S..., através de requerimento assinado por AA, submeteu à apreciação da Câmara Municipal ... um pedido de informação prévia, relativo à autorização de construção de um campo de golfe e de um empreendimento turístico, com 43 500m2 de área total de construção e de implantação, na referida Herdade da ...;
450) - Com data de 31 de Janeiro de 2002, a Câmara Municipal ... notificou a B... . S... do indeferimento da pretensão de ocupação da Herdade da ..., nos termos requeridos, por violação do Plano Director Municipal;
451) - O arguido AA, como representante da B... . S..., teve conhecimento do indeferimento e não reclamou ou contestou;
452) - Em 16 de Junho de 2004, a B... . S..., através de AA, apresentou novo pedido de informação prévia referente à Herdade da ... com vista à sua ocupação em termos semelhantes à que já constava do pedido anterior mas agora com uma área total de construção de 72 950m2 e uma área total de implantação de 41 117m2;
453) - Com data de 03 de Agosto de 2004, a Câmara Municipal ... notificou a B... . S... de novo indeferimento da pretensão de ocupação da Herdade da ...;
454) - O arguido AA não fez a B... . S... contestar este novo indeferimento;
455) - O arguido AA utilizou a sociedade B... . S... para proceder à aquisição de outros activos, pelo que, em Maio de 2005, o património da B... . S... era constituído por:

1. Uma moradia no ... (Lisboa), correspondente à descrição predial n.º 892, da freguesia ..., CRP ..., adquirida à O..., sociedade do mesmo AA, com contrato promessa e pagamento a 30-12-2002 e escritura de venda a 11-05-2004, pelo preço de 1.000.000.000,00€ e vendido em 21-12-2007 à H... M... pelo preço de 1.320.000,00€;
2. Um apartamento em ... (...), Freguesia ..., correspondente à descrição predial n.º 92, fracção ..., ..., adquirido em 22-09-2003, pelo preço de 57.361,566 e vendido, em 20-06-2007, a um particular, pelo preço de 145.000,006;
3. A designada e supra-referida Herdade da ..., adquirida, em 23-05-2001, pelo preço escriturado de 195.029,986 e efectivamente pago de ...22;

456) - Os arguidos BB, CC, EE e DD tiveram conhecimento dos activos detidos pela B... . S..., bem como da não autorização do desenvolvimento de um projecto imobiliário e turístico na referida Herdade da ...;
457) - Até 2005, os arguidos BB, EE e CC não manifestaram qualquer propósito de fazer entrar qualquer entidade do grupo BPN/SLN no capital da B... . S...;

III.F.2 - A venda à PAR...
458) - Como já referido, na sequência de quebra de confiança no relacionamento entre os arguidos AA e BB foi entendido, no âmbito do Grupo BPN/SLN, proceder ao encerramento de todas as parcerias negociais mantidas com AA, o que implicava a liquidação por este de todos os financiamentos pendentes com o BPN e a venda pelo mesmo ao Grupo BPN/SLN ou a terceiros por este indicados, de todos os activos detidos em nome do AA ou de sociedades por si controladas e relativos a negócios em parceria;
459) - Os arguidos BB, EE e CC identificaram a referida B... . S... como um dos activos do AA que deveria ser adquirido para o Grupo BPN/SLN, equacionando utilizar o preço a atribuir a essa sociedade aproveitando o facto de poderem especular com o valor da Herdade da ..., atento o pressuposto de poder ali ser desenvolvido o referido empreendimento turístico;
460) - [Não provado];
461) - Os arguidos BB, CC, EE e DD visualizaram fazer intervir a PAR... IMOBILIÁRIA SGPS, SA, entidade consolidada da SLN, da qual os arguidos CC e DD eram ...;
462) - Em 2007, tal como já anteriormente tinha sucedido, os arguidos BB e CC obtiveram a adesão dos arguidos GG e HH, a quem ofereceram financiamentos necessários, bem como promessa de ganhos, a fim de, por si ou através de empresa por si representada, figurarem como adquirentes da referida B... . S...;
463) - Os arguidos BB, CC, EE e DD determinaram a aquisição pela PAR..., em 02-05-2005, da totalidade do capital social da B... . S... a AA, tendo os dois primeiros, em Dezembro de 2007, determinado o aumento do capital social da B... . S..., bem como a venda de 50% do capital social da referida sociedade aos arguidos GG e HH, através de uma sociedade detida pelos mesmos - a GER...;
464) - Os arguidos AA, BB, CC, EE  e DD sabiam que a Herdade da ... se encontrava situada numa zona, à data, não contemplada pelo PDM da Câmara Municipal de ... e sem autorização para desenvolver qualquer projecto turístico;
465) - [Não provado];
466) - [Não provado];
467) - O arguido AA, em data não concretamente apurada de 2005, contactou a empresa “REN..., Consultoria e Avaliação Lda. ”, à qual forneceu os elementos do projecto de desenvolvimento turístico que tinha entregue na CM ..., solicitando uma avaliação da Herdade da ... com base no valor de mercado futuro, como se fosse viável o referido empreendimento turístico, avaliação que se mostra datada de Junho de 2005 e lhe foi remetida a 30-06-2005;
468) - [Não provado];
469) - A REN..., partindo do pressuposto da viabilidade do projecto turístico, elaborou um parecer com data de 30 de Junho de 2005, atribuindo à Herdade da ... o valor futuro de 60.200.000,00€;
470) - O arguido AA efectuou o pagamento à REN... pelos serviços de avaliação quando já não era proprietário da B... . S...;
471) - No início de Maio de 2005, já os arguidos AA, CC, BB, EE e DD tinham concretizado a aquisição da totalidade do capital social da B... . S... pela PAR... sem aguardar formalmente a sua avaliação;
472) - Em concretização do acordado, com data de 02 de Maio de 2005, o arguido AA, em nome pessoal, celebrou um contrato de compra e venda com a PAR... Imobiliária, SGPS, SA, representada no acto pelos ... DD e CC, através do qual vendeu a esta, com efeitos imediatos, as 50.000 acções representativas da totalidade do capital social da sociedade B... . S... - Sociedade Imobiliária SA, pelo preço de 32.500.000,00€ correspondente a 650,00€ por acção;
473) - No referido contrato, os arguidos fizeram convencionar que, se até 31-12-2008 não fosse aprovado um projecto imobiliário para o prédio da Herdade da ..., a PAR... poderia rescindir o contrato, exigindo a devolução do preço mediante a entrega das acções;
474) - Os mesmos arguidos sabiam que a valorização da Herdade da ... era condicional, dadas as condições descritas no ponto 464), e mesmo assim elaboraram em paralelo outro contrato de compra e venda que assegurava a AA que a venda era definitiva e não sujeita a quaisquer entraves jurídicos futuros;
475) - Com efeito, com a mesma data de 02 de Maio de 2005, as mesmas partes, AA e PAR..., representada pelos ... DD e CC, subscreveram outro contrato idêntico, de compra e venda da totalidade das acções da B... . S..., bem como créditos e suprimentos de valor não concretizado, pelo preço de 32.500.000,00€;
476) - E acrescentaram uma cláusula (clausula sexta) nos termos da qual, este novo contrato revogava, anulava e substituía a cláusula do contrato anterior que previa a hipótese de resolução, com o mesmo objecto, que passava a ser nulo e de nenhum efeito - “o presente contrato, revoga, anula e substitui outro celebrado nesta mesma data entre as partes, que previa a hipótese da sua resolução, com o mesmo objecto, que passa a ser nulo e de nenhum efeito”;
477) - Com tal duplicação de contratos, visavam os arguidos BB, EE, CC e DD dispor de uma versão do contrato que desse a aparência de salvaguardar os interesses legítimos do Grupo BPN/SLN, de forma a exibir a terceiros, designadamente perante o Banco de Portugal, embora os referidos arguidos e AA tivessem como efectivamente vigente entre si a versão que estipulava a nulidade e a ausência de efeito da cláusula que estipulava uma condição futura para a subsistência do contrato;
478) - O AA interveio nos referidos contratos como detentor do capital social da B... . S... e declarou a aquisição desses valores mobiliários na data de 05 de Julho de 2005, entregando uma declaração modelo 4, relativa à informação sobre a transmissão de valores mobiliários, em que declarou ter adquirido todas as acções da B... . S... pelo preço de 50.000,00€, declarando, ao mesmo tempo, ter vendido as mesmas por 32,5 milhões de euros;
479) - Para pagamento do preço, os arguidos CC e DD assinaram o cheque n. º ...65 sobre a conta BPN n.º ...01, titulada pela PAR..., no montante de 32.500.000,00€, emitido à ordem de AA;
480) - O pagamento deste cheque foi autorizado a descoberto pelo arguido BB, uma vez que na conta da PAR... não existiam fundos suficientes, ficando desse modo com saldo negativo de 32.415.571,22€;
481) - Os arguidos BB, CC, EE e DD fizeram com que o grupo BPN/SLN entregasse a AA 32.500.000,00€ pela totalidade do capital social da B... . S..., bem como créditos e suprimentos de valor não concretizado, quando a mesma havia sido adquirida 4 anos antes pelo valor escriturado de 195.029,98€ e efectivamente pago de € 710 787;
482) - Atendendo aos custos de todos os activos adquiridos pelo arguido ... através da B... . S..., acima identificados, que somados tinham representado o custo total de 1.818.148,566, a venda da mesma B... . S... pelo preço de 32.500.000,006, aceite pelos arguidos BB, EE, CC e DD proporcionou a AA um ganho de 30.681.851,446;
483) - AA em avaliação feita por si na data de 21-11-2003, em missiva enviada a BB, referiu que a Herdade da ... valeria 6.000.000,006 e a vivenda do ... 2.000.000,006;
484) - Já sob detenção da PAR..., os arguidos BB e CC viabilizaram a venda dos outros activos da B... . S..., que não a referida Herdade da ...;
485) - Com efeito, na data de 21-12-2007, a moradia sita no ... foi vendida à entidade
“H... M...-  Compra  e   Venda de Imóveis   Unipessoal Lda.”,   sociedade participada pela PAR..., pelo preço de 1.320.000,006;

486) - Na data de 20-06-2007, o partamento sito em ... foi vendido a um particular pelo preço de 145.000,006;
487) - Dado que os arguidos conheciam bem os contornos desta operação, na qual actuaram como se de coisa própria se tratasse, no final de Abril de 2005 vieram a formalizar a vontade societária da PAR... neste negócio;
488) - Assim, com data de 28-04-2005, reuniu o ... da PAR..., com a presença de DD, CC e JJJ, tendo sido deliberado adquirir a totalidade do capital social da B... . S...;

III.F.3 - A venda para a esfera dos arguidos GG e HH
489) - Os arguidos BB e CC determinaram que se efectuasse uma avaliação externa da propriedade;
490) - Para tanto, em data não concretamente apurada, mas no início do ano de 2006, por instruções da entidade PART... - Prestação de Serviços SA, empresa participada da PAR... e gerida igualmente por JJJ, foi contactada a entidade “Colliers P&I”, a fim de proceder a essa nova avaliação;
491) - Porém, da mesma forma, os arguidos limitaram-se a disponibilizar à Colliers P&I os elementos que já haviam acompanhado o pedido de informação prévia apresentado à CM de ... e a memória descritiva sucinta do projecto imobiliário e turísitico pretendido desenvolver;
492) - [Não provado];
493) - [Não provado];
494) - Com base naqueles elementos, a Colliers P&I considerou de forma hipotética que existia um projecto imobiliário turístico e, nessa conformidade, em Março de 2006, avaliou a propriedade Herdade da ... em 31.804.843,006;
495) - Dispondo desta nova avaliação, os arguidos BB e CC decidiram convidar os arguidos GG e HH a figurarem como adquirentes de parte do capital social da B... . S..., de forma a diminuírem na esfera do Grupo BPN/SLN a exposição a eventuais menos-valias futuras que o activo da Herdade da ... poderia representar;
496) - Os arguidos GG e HH, que já tinham colaborado do mesmo modo em outras situações, logo aceitaram figurar como adquirentes e parquear parte das acções da B... . S... numa outra sociedade controlada por si, nos termos já expostos supra;
497) - Os arguidos BB e CC propuseram-se fazer o BPN financiar os arguidos GG e HH, ou uma das sociedades por estes detidas, na aquisição de acções da sociedade e conceder-lhes ainda um ganho financeiro;
498) - Os arguidos GG e HH aceitaram fazer a entidade GER... figurar como adquirente transitória desse activo, aceitando o preço que lhes viesse a ser indicado, uma vez que seria financiado na totalidade pelo BPN, fazendo em simultâneo contrato de venda futura ao BPN por preço ainda superior, concretizando dessa forma os prometidos ganhos financeiros;
499) - Os arguidos BB e CC decidiram proceder ainda a um aumento do capital social da sociedade, que passou de 50.000,006 para 500.000,006, representado por 500.000 acções com o valor nominal de 1,006cada;
500) - Para tanto, os arguidos BB e CC determinaram que a conta n.º ...96 titulada pela PAR... no BPN fosse debitada para crédito na conta da B... . S... (n.º ...01) no montante de 450.000,006, tendo em vista subscrever o aumento de capital;
501) - Assim, os arguidos BB, CC, GG e HH, na sequência do acordado, fizeram introduzir na cadeia de sucessivas titularidades da B... . S... a sociedade “GER... - Compra Venda e Exploração de Imóveis SA”;
502) - Em concretização do plano, com data de 28 de Dezembro de 2007, a PAR..., representada por KKK e JJJ, na qualidade de legítima possuidora das 500.000 acções representativas da totalidade do capital social da B... . S..., vendeu 250.000 acções desta sociedade à entidade GER..., representada no acto por GG e HH;
503) - Os arguidos BB e CC estipularam que a venda seria efectuada pelo preço de 16.875.000,00€, valor que correspondia a 67,50€ por acção;
504) - Os mesmos arguidos incluíram ainda na venda à GER... créditos por suprimentos constituídos na B... . S..., no montante de 400.000,00€;
505)  - O preço total da venda à GER... ficou assim pelo montante de 17.275.000,00€;
506) - No entanto, nos termos acordados, os arguidos GG e HH, através da GER..., não despenderam para o pagamento desse preço qualquer quantia própria, sendo integralmente financiados pelo BPN;
507) - Tal como acordado, os arguidos BB e CC, com a colaboração do FF, determinaram a concessão, através do BPN, de um crédito à GER... no montante de 19.646.100,00€;
508) - Para o efeito, com data de 21-12-2007, os arguidos BB e CC, com a colaboração do FF, determinaram que desse entrada no sistema informático do Banco, a proposta de crédito n.º 47864/2007 através da agência da ..., no P...;
509) - Tal proposta teve o parecer favorável de risco (3.º escalão) por parte de LLL, assumindo a posição de MMM, na sequência da informação que lhe foi dada superiormente e atenta a menção à valia do Grupo empresarial dos arguidos GG e HH que expressamente foi feita constar da proposta de crédito;
510) - Teve ainda o parecer favorável por parte de NNN, como director central da rede de agências, do administrador do pelouro comercial, OOO, bem como  do administrador do pelouro de risco, o arguido FF que se encontrava informado sobre os contornos e a real origem e finalidade da operação;
511) - Como formalização de garantia a GER... deu em penhor as próprias acções da B... . S... que iria adquirir;
512) - O ..., no qual estavam representados, pelo menos, os arguidos FF e BB, em 27-12-2007 aprovou a proposta;
513) - Assim, com data de 28-12-2007 a conta n.º ...21 da GER... no BPN foi creditada com o montante de 19.646.100,00€;
514) - Na mesma data de 28-12-2007, a GER... transferiu para a conta da PAR... o montante de 17.275.000,00€ como forma de pagamento da aquisição das 250.000 acções da B... . S... e suprimentos;
515) - De forma a garantir a remuneração futura dos arguidos GG e HH, naquele mesmo dia 28 de Dezembro de 2007, os arguidos BB e FF, em conjunto com os primeiros, subscreveram em paralelo, um outro contrato promessa de compra e venda de acções e suprimentos;
516) - Neste contrato paralelo, a GER... prometeu vender ao BPN ou a quem este viesse a indicar e os arguidos fizeram declarar o BPN de que pretendia adquirir as mesmas 250.000 acções da B... . S..., pelo preço de 26.000.000,00€;
518) - Ou seja, os arguidos fizeram atribuir, no mesmo dia, uma valorização de 9.125.000,00€ às acções da B... . S... supostamente acabadas de transmitir;
518) - Tal valorização, como acordado com os arguidos BB e CC, incluía o ganho dos arguidos GG e HH por terem intervindo no esquema, que no caso seria nunca inferior a € 4.585.230,79;
519) - No mesmo contrato promessa, os arguidos fizeram constar que, a título de sinal e princípio de pagamento, o BPN se comprometia a entregar à GER..., nos dias 28 de Dezembro dos anos 2008 a 2011, a quantia de 1.750.000,00€, sendo os restantes 19.400.000,00€ pagos na data da operação de compra e venda que ocorreria a 31 de Dezembro de 2012;
520)  - Os arguidos BB e CC celebraram o negócio supradescrito de forma a dotar os arguidos GG e HH dos meios financeiros que lhes permitiriam ao longo da duração do contrato de mútuo pagar ao BPN, em representação da GER..., os inerentes juros e obter os ganhos da sua intervenção;
521) - Com a actuação descrita, os arguidos BB, CC, EE, FF e DD causaram ao BPN um prejuízo directo;
522) - Ao financiarem a GER... no montante de 19.646.100,00€, os arguidos BB, CC e FF, para além dos arguidos GG e HH, lesaram o BPN em montante não concretamente apurado, mas nunca inferior ao supra-referido, porquanto autorizaram aquele montante de financiamento que nunca foi pago por aquela sociedade - crédito entretanto prometido ceder à Parvalorem, a 23-12-2010, que o pagou ao BPN -, quando estava em causa a aquisição de metade do capital social de uma sociedade cujo activos na altura se limitavam à Herdade da ..., cujo valor real nunca foi tido em conta na celebração dos referidos negócios;

IV - A elaboração do Protocolo de Saída
IV.A - A negociação e o estipulado
523) - AA entre 2001 e 2003 adquiriu uma posição societária como accionista da SLN VALOR SGPS, chegando a deter 9,15% do respectivo capital social;
524) - No referido período, o arguido AA tinha relações privilegiadas com o os arguidos BB, EE e CC que lhe conferiam um estatuto especial quer na concessão de financiamentos quer no estabelecimento de parcerias em negócios;
525) - Em resultado de inspecção pelo Banco de Portugal, em particular sobre a carteira de crédito do BPN e de quebra de confiança nas relações comerciais existentes entre os arguidos BB e AA, nos termos decritos no ponto 58), iniciaram-se negociações para a liquidação das posições do arguido AA, quer em sede das parcerias de negócio, quer em sede da liquidação dos financiamentos contraídos em nome do mesmo e das sociedades conexas;
526) - Em meados de 2004, BB e AA acordaram que este último arguido abandonaria todas as posições societárias no Grupo SLN/BPN e liquidaria todas as situações creditícias junto do BPN através da entrega ou venda de activos;
527)  - O arguido BB determinou então que fossem os arguidos EE Caprichoso e CC a negociar os termos desse acordo, fazendo-o este último directamente com AA;
528) - Em 2003 o Banco de Portugal determinou que as dívidas de financiamentos na esfera do BPN contraídas por AA e por empresas do seu Grupo deveriam ser consideradas como dívidas do próprio Grupo BPN/SLN, pelo que a sua subsistência implicaria a necessidade de realizar provisões e implicaria mesmo o consumo de capital próprio do Grupo, podendo levar assim a afectar o “ratio” de solvabilidade do Banco, o que implicaria um eventual aumento de capital;
529) - No âmbito da negociação os arguidos AA, BB, EE e CC elencaram as responsabilidades do arguido AA e do seu grupo de empresas perante o BPN, acordando entre si que as mesmas ascendiam a 63.540.670,17€, aceitando tomar como data de referência o ano de 2004;
530) - Para saldar essas responsabilidades, elencaram activos que estariam na esfera patrimonial de AA que pudessem ser aceites pelo BPN para as compensar;
531) - AA dispôs-se a entregar os seguintes activos de que era titular:
quotas na SLN VALOR SGPS SA;
acções da entidade O..., SA;
participações na entidade AU... Development Corporation,
Unidades de Participação no Fundo I... (BPN);
participação na entidade R... - Sociedade Imobiliária, SA;
participação na entidade Na...;
participação na entidade BA... HOLDINGS LLC; e
participação na entidade G...;
531-A) - Os arguidos CC, EE e BB aceitaram esses activos, sem qualquer processo de avaliação prévia;
532) - Aqueles arguidos foram elaborando minutas de acordo, uma das quais fizeram datar de 31-05-2004, aceitando nessa versão que as responsabilidades atingiam o montante de 60.511.334,10€ e aos activos acima referenciados atribuíram o montante global de 101.500.000,00€;
533) - No decurso das negociações, o arguido AA entendia que os activos que detinha, directa e indirectamente, teriam um valor de 101.500.000,00€, caso incluíssem a entidade BIR..., com o valor de 40.000.000€, activos que poderia entregar para liquidação das suas responsabilidades caso viesse a receber na sua esfera a referida entidade BIR...,  que  tinha como activo um lote de terreno na Quinta ..., identificado como lote AL3;
534) - Em outras versões do mesmo acordo, que os arguidos fizeram datar de 01-06-2004 e de 03-06-2004, foram sendo alterados os valores dos activos a entregar pelo arguido AA ou a deixar na sua esfera, conforme quadro que se segue:


DescritivoProtocolo de Acordo
04/06/2004
VERSÕES PRÉVIAS AO PROTOCOLO DE ACORDO
ACTIVOS A ADOUIRIR PELA SLN
SLN VALOR54.000.000,00 €39.000.000,00 €54.000.000,00€54.000.000,00 €39.000.000,00 C
O…15.000.000,00 €15.000.000,00 €
BA...9.540.670,17 C38.500.000,00 C39.300.000,00 €9.540.670,00 C38.500.000,00 €
AU...
Na...
G...
R... - Sociedade Imobiliária, SA1.000.000,00 €í.ooo.ooo.oo e1.000.000,00 C
UP S8.000.000,00 €7.200.000,00 C8.000.000,00 C
Total Activo? SLN...63.540.670,17 C101.500.000,00 € 101.SOO.000.OOC 63.540.670,00 c 101.500.000,00 C
ACTIVOS A ADQUIRIR POR AA
BIR...2.250 .000,00 € a)40.000.000,00 C
Total Activos RO...2.250.000,00 C0,00 C 0,00 ( 40.000.000,00 C 0,00 C
,i) Activo não valoradcno Protocolo

535) - Nas diferentes versões do acordo, foram também sendo alterados pelos arguidos os montantes apurados a título de responsabilidades a saldar pelo arguido AA e entidades com ele conexas, conforme quadro que se segue:



PASSIVOS DE AA
Descritivo
    Protocolo de Acordo
VERSÕES PRÉVIAS AO PROTOCOLO DE ACORDO
A 31/05/2004B 04/06/2004
    C * 1/06/2004
D 03/06/2004
Contas pessoais34.101.028,43 €34.045.000,00 €34.045.000,00 €34.101.028,43 €34.045.000,00 €
HHH83.259,13 €83.259,13 €
UM...5.944.125,62 €5.943.856,00 €5.943.856,00 €5.944.125,62 €5.943.856,00 €
A... V...3.005.298,97 €3.005.298,97 €
O... LDA13.508.009,46 €13.508.009,46 €
Lis... P... LDA0,00 €0,00 €
P...346.127,56 €346.127,56 €
SLN VALOR3.000.000,00 €3.000.000,00 €3.000.000,00 €3.000.000,00 €3.000.000,00 €
OA... (juros)750.000,00 €750.000,00 €750.000,00 €
OA... + PH...3.552.821,00 3.552.821,00 €
63.540.670,17 €43.738.856,00 €43.738.856,00 €63.540.670,17 €43.738.856,00 €
colaterização (S/N):NSSNS
A... V...2.975.000,00 €2.975.000,00 €2.975.000,00 €
O...11.989.119,00 €11.989.119,00 €11.989.119,00
O...750.000,00 €750.000,00 €750.000,00 €
O...713.762,49 €713.762,49 €713.762,49 €
P...344.596,61 €344.596,61 €344.596,61 €
0,00 €16.772.478,10 €16.772.478,10 €0,00 €16.772.478,10 €
63.540.670,17 € 60.511.334,10 €60.511.334,10 €63.540.670,17 €60.511.334,10 €
Total Passivos …
* Valores indicados noanexo 1 de responsabilidades do documento final do protocolode acordo

536) - Na versão que dataram de 04-06-2004, os arguidos referidos acordaram o texto final do acordo de saída do arguido AA, denominando-o de “Protocolo de Acordo”, nos termos do qual ficaram estabelecidas as condições em que AA cessava as parcerias com o Grupo SLN/BPN e liquidava as responsabilidades junto do BPN;
537) - Nesse documento, que os arguidos fizeram datar de 04-06-2004, os arguidos EE Caprichoso e CC, com o conhecimento e concordância de BB, acordaram com AA que este e o seu conjunto de empresas tinham responsabilidades bancárias resultantes de financiamentos do BPN, no montante global de 56.987.849,17€, distribuídos conforme quadro que se segue, também anexo ao mencionado acordo:


Tipo de crédito
      Titular
      Montante
      C/C/C/
      AA
      1.032.511,65
Desc. DO
      AA
      20.831.593,50
Desc. DO
      AA
      9.096.846,00
Livranças
      AA
      3.140.077,28
      C/C/C/
      A... V...
      3.000.000,00
Desc. DO
      A... V...
      5.298,97
      C/C/C/
      U...
      5.880.827,96
Desc. DO
      U...
      63.297,66
Desc. DOHHH
      83.259,13
Livranças
      O...
      750.000,00
      Mutuo
      O...
      523.737,81
Desc. DO
      O...
      12.234.271,65
Desc. DO
      Palácio ....
      346127,56

538) - Para além dessas dívidas, foram ainda invocadas por parte do Grupo BPN/SLN e admitidas pelo arguido AA, as seguintes dívidas, que ficaram a constar do anexo ao protocolo, com a designação “outras dívidas”:
uma dívida pessoal de AA à SLN VALOR, por uma transferência a seu favor efectuada em 30-11-2001, no montante de 3.000.000,00€;
uma dívida das entidades OA... e da PH... no montante global de 3.552.821,00€;

539) - Consequentemente, o total das responsabilidades imputadas ao arguido AA e suas sociedades atingia o montante de 63.540.670,17€;
540) - No mesmo protocolo de saída, os arguidos estabeleceram que a regularização das dívidas ao BPN seria feita com o produto da entrega ao mesmo BPN de todas as participações que AA detinha nos seguintes activos:

Quotas na SLN VALOR SA;
Acções da entidade O..., SA;
Participações na entidade AU... Development Corporation;
Unidades de Participação no Fundo I... (BPN);
Participação na entidade R... - Sociedade Imobiliária, SA;
Participação na entidade Na...;
Participação na entidade BA... HOLDINGS LLC;
Participação na entidade G...;

541) - Os arguidos EE e CC, com o conhecimento e concordância de BB, aceitaram desde logo comprometer o Grupo BPN/SLN no preço pelo qual seriam adquiridos aqueles activos;
542) - Assim, para a aquisição das acções que adviessem da transformação em sociedade anónima da SLN VALOR, cujas quotas correspondiam naquele momento a 15.000.000,00€, e para as acções da entidade O... SA, acordaram os arguidos fixar um preço global de 54.000.000,00€, independentemente do valor relativo que viessem a atribuir a cada um desses activos;
543) - Os arguidos acordaram ainda e estipularam no referido acordo que todos os restantes activos elecados no protocolo, incluindo participações e unidades de participação no I... pertencentes à OA... e à PH..., independentemente do valor de transacção para terceiros, teriam o valor global “necessário para liquidar o remanescente de todas as dívidas do Senhor AA e das empresas por si controladas”, isto é, de 9.540.670,17€ - (63.540.670,17€ -54.000.000,00€);
544) - Os arguidos BB, EE e CC sabiam que ao aceitarem os supra-referidos activos davam como liquidadas as dívidas do arguido AA e suas empresas ao BPN, acordando ainda ceder ao AA o activo correspondente à entidade BIR... pelo preço remanescente de 2.250.000,00€;
545) - Para o efeito, os referidos arguidos aceitaram mesmo subscrever, em nome do BPN, a obrigação de suportar aquisições de activos por preços que sabiam poder não corresponder ao real valor desses bens;
546) - Ao contrário do estipulado no protocolo, os arguidos BB e CC acabaram por decidir ficar com a referida BIR... e com o seu activo, Lote AL3, na esfera do Grupo BPN/SLN;
547) - [Não provado];
548) - Não obstante a data que os arguidos fizeram constar do referido protocolo de saída, data de 04-06-2004, a sua efectiva execução apenas ocorreu em data posterior, a 20 de Abril de 2005;
549) - Ao aceitarem fazer constar do protocolo a data de 04-06-2004, os arguidos tinham como objectivo fazer estabilizar os montantes em dívida a título de juros com referência àquela data, apesar de assim saberem estar a beneficiar o arguido AA e a lesar o BPN, visando criar uma aparência de resolução da situação do crédito concedido ao AA em Junho de 2004, tal como tinha sido exigido pelo Banco de Portugal;
550) - Quanto ao apuramento das dívidas imputadas à esfera do AA, os arguidos BB, EE e CC não incluíram no âmbito do referido protocolo todos os financiamentos concedidos às diversas entidades do grupo R..., como o montante de 6.222.242,06€, inicialmente concedido pelo Banco Insular à entidade BA...;
551) - Não foi contemplado no protocolo de acordo o montante de 20.517.687,17€ resultantes dos seguintes valores:
1.  12.165.694,00€ concedidos pela entidade V... à entidade PH...;
2.  6.222.242,06€ concedidos pelo Banco Insular à entidade BA...;
3.  2.129.751,11€ relativos às dívidas da OA... e da PH...;
552) - [Não provado];

V - Execução Financeira do Protocolo
V.A - Entrega de 15.000.000,00€ de quotas SLN VALOR
553) - O arguido AA detinha, no final do ano de 2004, directamente, 15 000 000 de acções na SLN VALOR, com o valor nominal de € 1 (um euro) cada, num total de 15.000.000,00€, cujo valor os arguidos não deixaram especificamente determinado no protocolo de saída;
554) - No início da execução do mesmo protocolo, no final de Abril de 2005, os arguidos BB, CC e AA acordaram que em contrapartida da entrega das quotas AA receberia o equivalente a 33.000.000,00€;
555) - Os arguidos CC e BB sabiam, nessa data de Abril de 2005, que o arguido AA não tinha procedido à liquidação das operações financeiras de concessão de crédito que tinham suportado o pagamento do preço da aquisição das referidas quotas na SLN VALOR, isto é, a aquisição das referidas quotas tinha sido feita com base em financiamentos concedidos pelo BPN que não estavam integralmente liquidados;
556) - Os arguidos BB e CC aceitaram a valorização das referidas acções da SLN VALOR detidas por AA, obtendo o controlo do referido activo e afastando este último da detenção de capital social.
557) - As 15.000.000 acções da SLN VALOR SGPS tinham sido obtidas por AA em duas datas distintas, uma quota de 10.000.000,00€, paga em 28-06-2001, e uma quota de 5.000.000,00€ paga em 09-12-2003;

V.A.1 - Aquisição da quota de 10.000.000,00€
558) - Na data de 18-07-2001, AA subscreveu no aumento de capital da SLN VALOR SGPS uma quota de 10.000.000,00€, inscrito no registo comercial em 20-09-2001, com a qual se tornou o principal sócio, com 10,8% de direito de voto nas assembleias;
559) - [Não provado];
560) - AA suportou o preço da subscrição das acções referidas no ponto 558) por transferência a débito de uma conta pessoal;
561) - Na data de 28-06-2001, AA ordenou uma transferência a débito sobre a sua conta pessoal n.º ...01, junto do BPN, no montante de PTE 2.004.820.000$00, para crédito na conta BPN n. º ...31, titulada pela SLN Valor, SGPS, S.A.;
562) - Com esta operação a débito, a referida conta n.º ...01 do AA ficou com um descoberto no montante de PTE 1.999.511.772$00;
563) - Para amortização desse descoberto, autorizaram os arguidos BB e CC, na sequência do acordado com AA, que no dia seguinte, isto é, na data de 29-06-2001, aquela conta n.º ...01 fosse creditada no montante de PTE 2.004.820.000$00, tendo esse movimento como contraparte, a débito, outra conta BPN com o n.º ...02, também titulada por AA;
564) - A conta n.º ...02 titulada por AA junto do BPN ficou com um descoberto autorizado pelos arguidos BB e CC, em igual montante, amortizado, em 30-11-2001, com a quantia de € 2 992 787,38, assim se mantendo a descoberto até à data da execução do protocolo, registando em Abril de 2005 o saldo negativo de 9.560.268,506;

V.A.2 – Aquisição da quota de 5.000.000,00€
565) - Em 2003, a SLN VALOR deliberou aumentar o seu capital social para 164.000.000,00€;
566) - Para participar nesse aumento de capital foi chamado o arguido AA para que consolidasse a sua posição societária;
567) - No âmbito do referido aumento de capital referido o AA subscreveu uma quota de 5.000.000,00€;
568) - [Não provado];
569) - Em Dezembro de 2003, os arguidos BB e CC acordaram com AA financiar a aquisição da referida quota;
570) - Para efectuar o pagamento do preço, o arguido AA, no dia 09-12-2003, fez creditar a conta n.º ...31, titulada pela SLN VALOR, no BPN, através do depósito do cheque n.º ...62, datado de 02-12-2003, no montante de 5.000.000,00€, sacado da sua conta pessoal n.º ...60, junto do BIC;
571) - [Não provado];
572) - Com data de 02-12-2003, sem quaisquer documentos de suporte, os arguidos BB e CC fizeram abrir uma conta junto do Banco Insular, em nome da entidade BA... HOLDINGS LLC, conta à qual foi atribuído o n.º ...;
573) - Os arguidos BB e CC autorizaram a abertura de uma conta corrente caucionada associada à referida conta da BA... HOLDINGS junto do Banco Insular;
574) - A partir dessa conta corrente caucionada, como se de uma operação de crédito normal se tratasse, os arguidos BB e CC mobilizaram fundos a débito da mesma a favor do arguido AA;
575) - Os arguidos BB e CC ordenaram uma operação de transferência a débito, por mobilização de fundos na referida conta corrente caucionada, no montante de 5.000.000,00€, que tiveram como beneficiária a conta da PH... junto do então BIC, conta n.º  ...64, tendo AA solicitado, a partir desta, a emissão de cheque bancário, a seu favor, que foi emitido a débito da referida conta da PH... e foi depositado na sua conta no BIC acima referenciada, conta n.º ...60, a 05-12-2003 com data de 09-12-2003;
576) - Deste modo, o montante pago para subscrição da quota de 5 (cinco) milhões de euros por AA a partir da sua conta pessoal resultou do crédito referido no artigo anterior, ficando o débito efectivo registado na conta da BA..., junto do Banco Insular;
577) - Os arguidos BB e CC visaram, de seguida, ocultar o crédito concedido da forma supradescrita à entidade BA..., retirando a referência a essa operação dos registos oficiais do Banco Insular, pelo que, logo conceberam o plano de transferir para o balcão virtual do mesmo Banco Insular o financiamento à BA...;
578) - Em execução do plano, os arguidos BB e CC, montaram um esquema de concessão de crédito que envolveu a abertura de uma outra conta no Banco Insular, mas no balcão virtual ou seja, fora de registo, fazendo a BA... abrir nesse balcão, a 11-06-2004, a conta n.º ...65;
579) - No âmbito desta conta n.º ...65, os mesmos arguidos autorizaram a abertura de uma conta corrente caucionada, sem documentos de suporte, da qual foram então utilizados os montantes de 5.000.000,00€, 1.111.909,69€, 110.332,37€ e 245.950,64€ que permitiram a amortização, incluindo juros, e encerramento da conta n.º  ... e conta corrente caucionada, titulada pela BA... no balcão oficial;
580) - Face ao meio encontrado de permitir a mobilização de fundos para o arguido AA, sem qualquer registo, os arguidos BB e CC vieram ainda a determinar os movimentos a débito da referida conta junto do Balcão Virtual, do Banco Insular;
581) - A referida mobilização de verbas sobre a conta n.º ...65 do Banco Insular, balcão virtual, titulada pela BA..., permitiu ainda a aquisição de 555.556 acções da SLN SGPS;
582) - A referida conta n.º ...65 do Banco Insular, Balcão Virtual, só foi liquidada na data de 31-07-2007, quando registava um saldo devedor, saldo negativo, no montante de 6.889.411,30€;

V.A.3 - Entrega das quotas de 15.000.000,00€ no âmbito do protocolo
583) - Os arguidos BB, CC e EE sabiam das circunstâncias em que AA havia adquirido a titularidade das quotas/acções da SLN VALOR, tendo aceite que a entrega das mesmas entrasse em acerto de contas entre ambas as entidades, sem acautelar a regularização dos montantes devedores que continuavam a registar-se;
584) - Os referidos arguidos aceitaram igualmente fazer o BPN valorizar cada uma das acções por um preço que sabiam poder não corresponder ao valor de mercado;
585) - Os arguidos BB e CC deliberaram a aquisição de tais acções através de uma operação que envolveu a entidade UR... e um accionista da SLN, o PPP;
586) - A UR... como entidade participada a 100% da SLN VALOR SGPS estava legalmente impedida de adquirir acções ou quotas da SGPS a que pertencia (art. 11.º do DL 495/88 de 30-12);
587) - Não obstante, os arguidos BB e CC fizeram com que, na data de 20-04-2005, a sociedade UR..., representada no acto por BB, adquirisse a AA as 15 000 000 acções da SLN VALOR SGPS, com o valor nominal de € 1 (um euro) cada, pelo preço fixado de 33.000.000,00€;
588) - Na referida data, de 20-04-2005, a SLN VALOR já havia passado a assumir a forma de sociedade anónima, por deliberação de 28-05-2004, registada a 03-09-2004, e havia convertido as quotas representativas do capital social em acções e feito depositar as acções representativas do seu capital nas contas dos clientes BPN seus accionistas;
589) - Com data de dois dias antes, isto é, 18-04-2005, BB, representando a UR..., subscreveu um contrato de compra e venda com PPP, através do qual vendeu a este 15.000.000 de acções, que iria comprar a AA, pelo preço total de 33.000.000,00€;
590) - No dia 21-04-2005, a conta da UR... junto do BPN, com o n.º 99... .001, foi creditada com o montante de 33.000.000,00€, proveniente da conta BPN n.º ...01 titulada por PPP, que deste modo saldou o preço;
591) - Na mesma data, os arguidos BB e CC determinaram a UR... a transferir para a conta n.º ...01, titulada por AA no BPN, o mesmo montante de 33.000.000,00€;
592) - Porém, três dias antes, isto é, com data de 18 de Abril de 2005, a SLN VALOR, representada por BB, e PPP, em nome pessoal, celebraram um “contrato de opção de venda e de opção de compra de acções”, nos termos do qual a SLN VALOR se compromete a adquirir-lhe 10.000.000 de acções da SLN VALOR, em três lotes:
um de 3.000.000 acções ao preço unitário de €2,56, após 31 Maio de 2007 e antes de 30 de Junho de 2007;
um de 4.000.000 de acções a €2,75 por acção, após 31 Maio de 2008 e antes de 30 de Junho de 2008;
um de 3.000.000 acções ao preço unitário de €2,96, após 31 Maio de 2009 e antes de 30 de Junho de 2009;
593) - Este contrato de opção, a ser concretizado na totalidade, corresponderia a um desembolso da SLN VALOR de 27.560.000,00€, mas apenas relativo a 10.000.000 de acções;
594) - Isto é, os arguidos BB e CC fizeram comprometer a SLN VALOR a pagar uma remuneração ao PPP no montante total de 5.560.000,00€, apenas para conseguir que este aceitasse comprar à UR... as 15 milhões de acções SLN VALOR pelo montante de 33 milhões de euros, necessário para entregar ao AA;
595) - Com efeito, essa remuneração de 5.560.000,00€ resulta da circunstância de a SLN VALOR se comprometer a pagar os 27.560.000,00€ por um conjunto de 10 milhões de acções que, proporcionalmente ao preço pago pelo PPP à UR... pelo lote total de 15 milhões de acções, lhe custaram 22.000.000,00€;
596) - Só após o recebimento do montante de 33.000.000,00€ o arguido AA procedeu à liquidação do remanescente do financiamento de 10.000.00,00€ que havia contraído para a aquisição da quota com o mesmo valor da SLN VALOR;
597) - Porém, o financiamento à entidade BA..., que tinha sido utilizado para pagar a quota de 5.000.000,00€, permaneceu então sem pagamento;
598) - Os arguidos BB e CC aceitaram que o montante de 33 milhões de euros por si admitido para as acções da SLN VALOR detidas pelo arguido AA poderia ser excessivo face ao valor com que tais acções seriam normalmente transaccionadas;
599) - O montante pago, 33 milhões de euros, correspondia a um preço de 2,20€ por acção;
600) - Atendendo ao Relatório e Contas da SLN VALOR relativo ao ano de 2004, no qual se demonstra que o capital social é de 164.000.000,00€ e a situação líquida é de 184.378.860,00€, a cada uma das acções correspondia então o valor contabilístico de 1,124€;
601) - Atendendo às demais transacções do título, relativa ao ano de 2005, verifica-se que a primeira transacção de acções da SLN VALOR SGPS SA, após 20-04-2005, foi realizada ao valor de 1,05€ por acção, não tendo existido quaisquer alterações significativas na situação líquida da empresa nem qualquer elemento que tivesse gerado alterações patrimoniais que levassem à valorização dos títulos;
602) - [Não provado];
603) - [Não provado];

V.B – Acções da entidade O..., SA
604) - No âmbito do protocolo de saída, os arguidos BB, CC, EE e AA estabeleceram que este último transmitia para a SLN a sua participação na sociedade O... SA;
605) - A sociedade O... SA, com o NIPC ..., é uma pessoa colectiva de direito nacional, tendo sido constituída em 13 de Abril de 2000;
606) - À data da celebração do Protocolo, o capital da O... estava distribuído pelos seguintes accionistas:


      Accionistas
N.º de AcçõesValor
      Percentagem
      Ca...
150.000750.000€
      60,0%
AA
50.000250.000€
      20,0%
PPP d’
48.000240.000€
      19,2%
      QQQ
2.00010.000€
      0,8%
      TOTAL
250.0001.250.000€
      100%


607) - No ano de 2004, o património da sociedade era constituído pela titularidade, como promitente compradora, de um contrato de promessa de compra e venda de uma herdade no concelho ..., celebrado no ano 2000, a designada “Herdade ...”, e pela totalidade do capital social da sociedade NI... - GESTÃO, PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS, SA, sendo esta detentora de um terreno contíguo à dita herdade;
608) - A contabilidade da O... registava já como imobilizado a “Herdade ...”, pelo valor de 17.877.683,54€ e a detenção da NI... - GESTÃO, PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS, pelo valor de 1.739.180,65€;
609)  - A mesma contabilidade considerava como passivo o montante total de 19.232.373,34€;
610) - Conhecedores dos valores contabilísticos supra-referidos, os arguidos BB, CC e EE viabilizaram a aquisição da participação na O... detida pelo arguido AA, aquisição que seria realizada através de uma entidade do Grupo BPN/SLN, a PART... - Prestação de Serviços, S.A, pelo preço de 3 (três) milhões de euros;
611) - Com data de 06-07-2005, entre AA e a referida PART..., foi assinado um “Contrato de Compra e Venda de Acções”, em que o primeiro outorgante vendeu ao segundo as 50.000 acções que detinha na O..., pelo montante global de 3.000.000,00€, valor que seria pago, com data-valor do mesmo dia, mediante transferência bancária para a conta bancária n.º ...05 de AA, junto do BPN;
612) - Em resultado da venda da participação dos 20% na O..., pelo montante de €3.000.000,00, AA utilizou-o para liquidação de responsabilidades em descoberto autorizado e utilizado, que o mesmo tinha na conta bancária n. º ...05, junto do BPN;

V.C - Entrega da participação na AU...
V.C.1 - A AU... e os seus activos
613) - No protocolo de saída ficou ainda estabelecido, que AA entregava a sua participação na entidade AU..., sem que tenha sido determinado o valor atribuído à participação nem qual a percentagem de capital detida pelo mesmo;
614) - Os termos dessa entrega ficaram delimitados na clausula 2ª do protocolo de saída, onde se refere que na data em que a SLN adquira a AU..., esta deverá transmitir para a sociedade OA... “como contrapartida do preço de aquisição das participações referidas na clausula 1ª supra e no nº 2 desta clausula todas as acções, bem como todos os suprimentos que a AU... Development Corporation detiver e tiver prestado, à sociedade BIR..., proprietária do lote AL3 da Quinta ..., livre de quaisquer ónus e encargos, e sem qualquer endividamento”, ficando a OA... obrigada a pagar €2.250.000 na data da aquisição das acções e suprimentos da BIR...;
615) - A entidade AU... está registada no Offshore das Ilhas Virgens Britânicas e era controlada pela SLN, através da entidade M...;
616) - Havia um acordo entre AA e BB nos termos do qual AA era detentor de 50% do capital da AU... e a SLN dos restantes 50%;
617)  - À data da efectiva execução do protocolo de saída, a entidade AU... detinha nos seus activos as entidades BIR... LIMITED, CH... LLC e BRI... LLC, adquiridas pela mesma, a primeira entre 19-12-2001 e 31-12-2001 e as segunda e terceira em 31-12-2001, à entidade Bay... LIMITED, pelo preço global de £27.000.000 libras esterlinas;
618) - A BIR... celebrou a 31-12-2001 com a entidade QUINTA DO LAGO EMPREENDIMENTOS MOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS LDA um contrato promessa de compra e venda através do qual prometeu adquirir a Parcela AL3, sita na Quinta ..., pelo preço de £6.500.000 libras esterlinas;
619) - A CH... celebrou a 31-12-2001 com a entidade QUINTA DO LAGO EMPREENDIMENTOS MOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS LDA um contrato promessa de compra e venda através do qual prometeu adquirir a Parcela ET3, sita na Quinta ..., pelo preço de £3.400.000 libras esterlinas;
620) - A BRI... celebrou a 31-12-2001 com a entidade QUINTA DO LAGO EMPREENDMENTOS MOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS LDA um contrato promessa de compra e venda através do qual prometeu adquirir a Parcela AL1, sita na Quinta do Lago, pelo preço de £3.600.000 libras esterlinas;
621) - A aquisição das entidades BIR..., CH... e BRI..., no montante de 27.000.000£ foi paga pela AU... à BAY... em duas tranches de 13.500.000£ cada uma, a primeira em Janeiro de 2002 e a segunda em Setembro de 2003;
V.C.2 - O pagamento da primeira tranche
622) - Para pagamento da primeira tranche, o arguido BB, por solicitação da entidade vendedora, a referida BAY..., autorizou que sobre a conta titulada pela AU... junto do BPN CAYMAN com o n.º ...5, na data de 08-01-2002, fossem emitidos e entregues, três cheques bancários nos montantes respectivos de £6.500.000, £6.500.000 e de £500.000, a que correspondeu, à data, o valor em euros, de €21.897.810,22;
623) - A conta da AU... no BPN Cayman havia sido aberta dias antes e o pagamento daqueles três cheques ocorreu sem que na mesma existissem quaisquer fundos previamente depositados;
624) - Na data de 06 de Março de 2002, na sequência de alerta do Dr. RRR, que mereceu a concordância do arguido BB, foi entendido que o financiamento de €21.897.810,22 concedido à AU... era excessivo face aos limites de financiamento por cliente e aos capitais próprios do BPN Cayman, pelo que foi decidida a repartição do crédito por quatro entidades: a própria AU... Development Corporation, a BIR... LMITED, a BIRD... INVESTMENTS LLC e a CHA... SERVICES LLC, com as inerentes aberturas de conta junto do BPN Cayman;
625) - Assim, na data de 31-05-2002 a conta da AU... domiciliada no BPN-CAYMAN n.º ...0, que se encontrava com um saldo negativo determinado pela emissão dos cheques bancários supra-referidos, foi creditada com quatro verbas:
€5.476.750,12 - por débito na entidade BIRD... INVESTMENTS LLC, com origem na sua conta n.º ...45 no BPN Cayman;
€5.476.750,12 - por débito na entidade CHA... SERVICES LLC, com origem na sua conta n.º ...65, no BPN Cayman;
€5.476.200,12 - por débito na entidade BIR... LIMITED, com origem na sua conta n.º ...32, no BPN Cayman;
€5.476.250,00 por débito na própria entidade AU..., numa Conta Corrente Caucionada, correspondente à conta n.º ...0 do BPN Cayman;
626) - Deste modo, o descoberto bancário causado na conta n.º ...0, pela emissão dos três cheques bancário referidos ficou saldado;
627) - Em contrapartida, foram financiadas as entidades AU... DEVELOPMENT CORPORATION, a BIR... LIMITED, a BIRD... INVESTMENTS LLC e a CHA... SERVICES LLC, cujas novas contas, acima referidas, no BPN Cayman, passaram a suportar o correspondente débito, igualmente a descoberto bancário;
628) - Porém, os arguidos BB e CC não queriam que os financiamentos às entidades AU... Development Corporation, BIR... LIMITED, BIRD... INVESTMENTS LLC e CHA... SERVICES LLC se mantivesse nos registos do BPN Cayman;
629) - Assim, com o intuito de ocultar aquelas operações do respectivo balanço, procederam à transferência da totalidade do crédito para o Banco Insular;
630) - Com efeito, com data de 29-04-2003, no que respeita às entidades BIRD..., CHA... e BIR..., e 10-04-2003, no que concerne à AU..., foram utilizadas quatro contas no Banco Insular, balcão oficial, em nome de cada uma das entidades que tinham creditado a AU..., cujos números a seguir se indicam;
631) - Em cada uma dessas contas junto do Banco Insular foram efectuadas operações de transferência de verbas a débito, sem que qualquer delas tivesse fundos depositados, para crédito nas respectivas contas dessas entidades no Banco BPN Cayman, balcão oficial:


      ENTIDADE
N.º da conta Banco Insular,
balcão oficial
Montante transferido para as
respectivas contas no BPN CY
      AU...
      ...25
      3.091.735,44€ 2.384.514,56€
      BIR...
      ...38
      5.476250,00€
      BIRD...
      ...51
      5.476.800,00€
      CHA...
      ...65
      5.476.800,00€
      Total
      21.906.100,00€


632) - Deste modo, os arguidos fizeram com que cada uma das entidades saldasse o financiamento no BPN Cayman, transferindo o financiamento para o balcão oficial do Banco Insular;
633) - Porém, no sentido de manter a ocultação desses financiamentos, aqueles arguidos determinaram ainda que o financiamento viesse a ser transferido para o balcão virtual do Banco Insular;
634) - Assim, determinaram a abertura ou utilização de contas naquele balcão, nas quais, através de descoberto bancário, nas datas de 30-05-2003, quanto à AU... e à BIR..., 03-12-2003, quanto à BIRD... e à CHA..., e ainda 29-12-2003 quanto à BIR..., ordenaram operações a débito, para crédito nas respectivas contas no balcão oficial, dos montante necessários ao pagamento do capital e encargos entretanto vencidos, conforme quadro que se segue:

      ENTIDADE
N.º da conta Banco Insular, balcão virtualMontante transferido para as respectivas contas no Banco Insular oficial
      A...
      ...26
      5.660.721,33€
      BIR...
      ...04
      4.245.201,11€ 1.734.265,52€
      BIRD...
      ...17
      5.979.496,60€
      CHA...
      ...30
      5.696327,00€
      Total
      23.316.011,56€


635)  - Assim, a primeira tranche do preço da aquisição das entidades que detinham os Lotes na Quinta ..., as referidas BIR..., CH... e BRI..., prestação no montante de 13.500.000£, correspondeu a um financiamento inicial à AU... de 21.897.810,22€, que, em poucos meses, incrementou o seu valor para 23.316.011,56€, para alcançar o objectivo de ser camuflado no balcão virtual do Banco Insular e disperso por quatro entidades;
V.C.3 – Pagamento da segunda prestação
636) - A entidade AU..., em Setembro de 2003, procedeu ao pagamento da segunda tranche do preço de aquisição das entidades BIR..., CH... e BRI... à entidade BAY...;
637) - Para tal, com data de 12-09-2003, BB ordenou que da mesma conta BPN CAYMAN n.º ...5 titulada pela AU... se emitisse a favor da BAY... um cheque bancário no montante de £13.500.000 libras esterlinas a que correspondeu, à data, o valor, em euros de 19.162.526,61€;
638) - Dado que a AU... não dispunha de fundos na referida conta, à semelhança do ocorrido com a primeira tranche, BB e CC começaram por autorizar um descoberto bancário sobre a referida conta da AU..., mas, de seguida, ordenaram a transferência deste financiamento, junto do BPN Cayman, para o Banco Insular, balcão virtual, deixando por esta via, de estar reflectido no BPN Cayman;
639) - Assim, com data de 16-09-2003, os arguidos mandaram creditar na conta AU... junto do BPN Cayman, conta n.º ...0, os montantes de €8.200.000,00 e de €11.000.000,00, tendo como contrapartida o movimento global a débito no montante de 19.200.000,00€, lançado na já referida conta n.º ...26, aberta pela AU... no Banco Insular, balcão virtual, na qual ficou alojado o financiamento da segunda tranche;
640) - Na data de 17-12-2004, no ... Cartório Notarial ..., foram realizadas as escrituras de compra dos lotes, sendo as entidades adquirentes, as referidas BIR..., CH... e BRI..., sido representadas no acto por RRR;

V.C.4 - Operações relacionadas com a dívida da AU...
641) - À data do início da execução financeira do protocolo, em Maio de 2005, a AU... e os veículos utilizados neste negócio apresentavam um valor em dívida junto do Banco Insular, balcão virtual, de 49.847.535,77€, conforme quadro seguinte:


Sociedade
da conta
Balcão
    Data de

    Abertura

Valor em Divida
AU…
…26
2001
30-05-2003
27.854.842,99
BIR…
…04
2001
28-04-2003
8.249.885,25
CH…
…91
2001
28 12 2004
39.483,63
BRI…
…07
2001
28-12-2004
41.792,44
BIR…
…17
2001
2^04 2003
6.856.670,66
CH…
…30
2001
28-04-2003
6.804.860,80
Total ....
49.847.535,77


642) - Em data que se desconhece, mas perto de finais de 2006, os arguidos BB e CC tomaram a decisão de reunir numa só conta da entidade AU..., todos os financiamentos dispersos relativos à aquisição das entidades BIR..., CH... e BRI..., numa lógica de, no futuro, separar contas entre cada uma das três entidades;
643) - Assim, com data de 29-12-2006 ordenaram que se realizassem operações a débito sobre a conta da AU... junto do Banco Insular, n.º ...26.10.1, para crédito nas contas da BIRD...,CHA...  e B..., no  montante  global de 25.211.490,80€, conforme o quadro abaixo:

ContaData MovimentoTitularesDescriçãoDébitoCrédito
...17 .10.1
INSULAR
29-12-2006BIRD... INVESTMENT LLCTransfe.0,008.062.06 8,65
...30 .10.1
INSULAR
29-12-2006CHA... SERVICES LLCTransfe.0,007.559.09 9,41
...04 .10.1
I...
29-12-2006BIR... LIMITEDTransfe.0,009.590.322,74
...26 .10.1
INSULAR
29-12-2006AU...DEVELOPMENT
CORPORATION
Transfe.8.062.06 8,650,00
...26 .10.1
INSULAR
29-12-2006AU...DEVELOPMENT
CORPORATION
Transfe.7.559.09 9,410,00
...26 .10.1
INSULAR
29-12-2006AU...DEVELOPMENT
CORPORATION
Transfe.9.590.322,740,00


644) - Através das referidas operações, os arguidos BB e CC fizeram com que as contas das sociedades BIRD... e CHA... ficassem saldadas;
645) - Com data de 27-12-2006, determinaram tais arguidos que fosse aberta uma nova conta pela entidade AU... junto do Banco Insular, Balcão virtual, à qual foi atribuído o n.º ...61;
646) - E na data de 29-12-2006, ordenaram os mesmos arguidos que fossem realizadas operações a débito naquela conta ...1-10 para crédito nas contas do Banco Insular tituladas pelas entidades que tinham tido financiamentos para aquisição das acções das três sociedades offshores, detentoras dos lotes de terreno (AL1, AL3 e ET3);
647) - Deste modo o financiamento da entidade AU... passou a estar concentrado na sua conta n.º ...1-10, junto do balcão virtual do Banco Insular;
648) - Até à data destes factos, a entidade AU... Development Corporation tinha o seu capital social representado por 50.000 acções ao portador controladas pela SLN, embora, por acordo, 50% da sociedade pertenceria a AA;
649) - Em Janeiro de 2007, devido a alterações legislativas nas ..., a AU... teve de emitir títulos nominativos, pelo que, na data de 24-01-2007, todos os 50.000 títulos passaram a ser detidos formalmente pela entidade D... LIMITED;
650)  - A entidade D... LIMITED, está registada no Offshore das ... e tem como beneficiária a entidade offshore M... HOLDINGS LLC;
651) - Em 08-05-2007, a sociedade D..., representada pelo seu Director, como beneficiária efectiva da sociedade AU..., vendeu à sociedade Q... LDA, com o NIPC ..., as acções representativas da totalidade do capital social da entidade AU..., bem como os suprimentos nesta realizados, pelo preço global de 112.000.000,00€;
652) - Tal contrato de compra e venda das acções da AU... havia sido antecedido pela celebração de um contrato promessa, na data 22-01-2007, data na qual, a referida sociedade Q... pagou, a título de sinal, o montante de 11.200.000,00€, pagando na data da escritura o remanescente do preço, no total de 100.800.000,00€;
653) - A partir do montante de 112.000.000,00€, assim recebido, os arguidos BB e CC, determinaram a D... à realização, entre outros, dos seguintes movimentos:

Depósito numa conta titulada pela própria D..., no Investec Bank, na Suíça, das verbas 5.600.000,00€ e 96.800.000,00€;
Pagamento ao Estado, a título de IMT, do montante de 3.103.248,23€;
Utilização da verba de 896.751,77€, para uma conta na CGD (escrow account) e para contingências fiscais;
Transferência do montante de 5.600.000,00€ para pagamento de comissão na venda;
654) - Ainda por determinação dos mesmos arguidos, a entidade D..., com os fundos depositados na sua conta do Investec Bank, transferiu para crédito na conta n.º .... .10.001 titulada pelo BNI - Banco de Negócios Internacional, junto do BPN Cayman, o montante de 88.000.000,00€, procurando fazer crer que visavam pagar um financiamento naquele Banco;
655) - Porém, a partir da conta n.º .... .10.001, do referido BNI, nas datas de 29-06-2007 e 31-07-2007, determinaram os mesmos arguidos a realização de duas operações a débito, para crédito na conta titulada pela AU... com o n.º ...1-10 junto do Banco Insular, Balcão virtual, respectivamente, nos montantes de 60.000.000,00€ e 23.000.000,00€;
656) - À data de 29-06-2007 a AU..., tinha em dívida no Banco Insular, balcão virtual, associada à aquisição das entidades BIR..., CH... e BRI... a quantia de 58.409.069,10€, que incluia os financiamentos, despesas e juros;
657) - Assim, com a referida transferências de 60.000.000,00€, os arguidos BB e CC fizeram a AU... proceder à liquidação do montante em dívida, de 58.409.069,10€, tendo ficado com um saldo positivo de 1.590.9 30,90€;
658) - Com o recebimento da transferência de 23.000.000,00€, em 31-07-2007, os arguidos BB e CC determinaram a AU... a realizar os seguintes movimentos:

Creditar a conta n.º ...0, titulada pela JA... CAPITAL SA junto do Banco Insular, balcão 2001 (virtual), no montante de 11.759.847,88;
Creditar a conta n.º ...0, titulada pela BA... HOLDINGS junto do Banco Insular (balcão virtual), no montante de 6889.411,30€;
Creditar a conta n.º ...0, titulada pela OA... junto do Banco Insular (balcão virtual), no montante de 6650.440,58;
659) - Estes últimos movimentos determinados pelos referidos arguidos totalizam o montante de
25.299.669,76€.


V.C.5 - Do valor atribuído à participação na AU... no âmbito do Protocolo
660)   - No âmbito do protocolo de saída, os arguidos BB, CC EE e AA fizeram constar que este último entregava a sua participação na AU..., com a contrapartida de receber a sociedade BIR... (proprietária do lote AL3), livre de quaisquer ónus ou encargos;
661) - Dado o valor relativo dos lotes, a entidade BIR... era a detentora do imóvel de maior valor que, na prática, correspondia a cerca de 48% do valor dos activos da AU..., conforme sinteticamente se apura no quadro abaixo:

SociedadeLotePagamentosvalor das acções



£câmbio
A...100,00%
BIR...AL3 48,15%AL3


lQPgt 23pgt6.500.000
6.500.000
13.000.000
1,622 1,41910.543.390,11
9.226.401,70
19.769.791,81
CH... BRI...ET3 ALI
51,85%
ET3 + ALI


l«pgt
2?pgt
7.000.000
7.000.000
14.000.000
1,622 1,41911.354.420,11
9.936.124,91
21.290.545,02
Totais ...100,00% 27.000.000 41.060.337


662) - A BIR... detinha um activo cujo valor de aquisição tinha ascendido a 19.769.791,81€ e tinha associado à aquisição do mesmo um passivo não concretamente apurado mas seguramente no valor aproxidado a 20.000.000€, reflectido na conta da AU... junto do Banco Insular;
663) - Os arguidos BB, CC e EE haviam acordado com AA que o referido activo da BIR... teria um valor de mercado de cerca de 40 milhões de euros, acabando aqueles dois primeiros arguidos por decidir derrogar o acordado no protocolo e ficar com o activo da BIR... na esfera do Grupo BPN/SLN;

V.D – Entrega de Unidades de Participação no Fundo I...
V.D.1 - A constituição do I...
664) - Os fundos de investimento imobiliário são patrimónios autónomos, pertencentes em regime especial de comunhão, a uma pluralidade de pessoas singulares ou colectivas;
665) - As sociedades gestoras dos fundos de investimento imobiliário têm por objecto principal a administração, em representação dos participantes;
666) - Os participantes de um Fundo de Investimento Imobiliário são detentores de Unidades de Participação, cujo valor resulta da divisão do património líquido pelas Unidades de Participação emitidas;
667) - Os fundos de investimento imobiliário são considerados fechados quando as Unidades de Participação são em número fixo;
668) - Na data de 28-12-2001, o BPN IM..., como sociedade gestora, constituiu um fundo de investimento imobiliário fechado, que designou de Fundo I..., representado por 125.000 Unidades de Participação no valor global de 125.000.000,00€;
669) - Este fundo foi idealizado pelos arguidos BB e EE e funcionou como meio de aquisição de activos relativos a projectos imobiliários que o Grupo BPN/SLN detinha em parceria com AA, nos quais a participação do grupo correspondia, em regra, a 65% do valor e a participação de AA correspondia a 35%;
670) - Na sua constituição, os mesmos arguidos fizeram integrar no Fundo I... os seguintes activos:

ActivoValor €Participação da
SLN
Participação de AA
Monte ....45.000.000,0065%35%
Quinta dos ....
27.500.000,0065%35%
Aq...
12.500.000,0065%35%
As...
19.000.000,0065%35%
Palácio …
7.481.968,00------- 100%
Disponibilidades
de tesouraria
13.718.032,00100%
TOTAL125.200.000,00


671) - Sendo um fundo fechado, tinha um número fixo de unidades de participação, 125.000,
que, na data da sua constituição, tinham os seguintes titulares:

TitularUnidades
BPN Vida7.869
R...3.569
SA V… F…2.000
PH...13.750
L... SA1.496
Na...7.480
...2.500
BPN38.395
Contas de Investimento47.941
TOTAL125.000


V.D.2 – A subscrição das unidades de participação
672) - Na data da constituição do Fundo I..., a entidade PH... subscreveu 13.750 Unidades de Participação, pelo preço global de 13.750.000,00€;
673) - Para pagamento dessa subscrição, na data de 31-12-2001, mas com data-valor de 28-12-2001, foi ordenado um movimento a débito sobre a conta n.º ...57 titulada pela PH..., no BPN Cayman, no montante de 13.750.000,00€, com o descritivo “...”, que corresponde à subscrição das 13.750 UP do Fundo I...;
674) - [Não provado];
675)   - O montante de que a PH... dispôs para pagamento das UP teve na sua origem duastransferências a crédito provenientes de operações a débito nas entidades offshore V... e OA...:
a) Na data-valor de 31-12-2001 recebeu uma transferência cujo ordenante era a conta da V... com o n.º ...11, junto do BPN Cayman, no montante de 12.165.694,00€;
b) Na data-valor de 31-12-2001 aquela conta da PH... no BPN Cayman recebeu outra transferência cujo ordenante era a conta titulada pela OA... junto do BPN Cayman, com o n.º ...24, no montante de 1.931.964,00€;
676)   - As duas transferências efectuadas perfizeram o total de €14.097.658,00, com o qual de seguida foram efectuadas as seguintes utilizações:
174.579,26€ - para pagamento parcial da aquisição de uma participação na G... SA;
173.079,26€ - para realizar o aumento de capital da R... - Sociedade Imobiliária, SA - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA SA;
V.D.3 - Financiamento da PH... por transferência proveniente da V...
677) - A entidade offshore V..., era detida pela SLN, através da entidade M... e servia o propósito dos arguidos BB, CC e EE para a detenção de uma conta junto do BPN Cayman, a partir da qual eram sacados, a descoberto, fundos destinados a financiar os negócios pretendidos desenvolver no âmbito do grupo BPN/SLN;
678) - O movimento de transferência de fundos da conta da V... para a conta da PH..., no referido montante de 12.165.694,00€, foi previsto e autorizado pelos referidos arguidos BB, CC e EE;
679) - A transferência para a conta da PH..., no montante de 12.165.694,00€, aumentou no mesmo valor o descoberto bancário na conta V..., a qual após este movimento apresentava um saldo negativo de 185.529.268,58€;
680) - O pagamento realizado pela V... a favor da PH... correspondia, conforme reconhecido pelos arguidos BB, CC e EE, ao montante de 10.879.239,00€, relativo a 35% das mais-valias geradas através da realização de várias operações de compra e venda da sociedade Monte ... e ao montante de 1.750.000,00€, relativo a 35% da mais-valia gerada pelo negócio relacionado com o terreno Aq... aquando da sua aquisição pelo Fundo I...;
681)   - Em 28-12-2001 AA não tinha efectiva participação naquelas entidades;

V.D.3.a) - As mais-valias geradas com a sociedade Monte ...
682) - Na data de 18-10-2000, a sociedade R... - Sociedade Imobiliária, SA, representada no acto por AA e DD, adquiriu a totalidade do capital social da sociedade “Monte da ... (Propriedades) SA”, representado por 1.520.000 acções, sendo vendedoras as entidades offshore LA... TRADING LIMITED e POR... INVESTMENTS LIMITED, pelo preço de 24.629.223,07€ (PTE 4.937.715.900$00), resultado de um preço estipulado por acção de 16,20€;
683) - À data, a entidade Monte ... detinha os activos que constam do contrato de compra e venda, que incluía 100% do capital social da sociedade “G... SA”, NIPC ..., com sede na Quinta ..., ...;
684) - Dois meses após a aquisição, na data de 27-12-2000, a R... - Sociedade Imobiliária, SA, representada no acto por EE e alegadamente por AA vendeu à SLN VALOR, representada no acto por BB, 1.368.000 acções do capital social da sociedade Monte ..., correspondente a 90% do capital, pelo preço de PTE 2.520.000.000$00 (12.569.707,01€), resultado de um preço estipulado por acção de 9,188€;
685) - Com data de 29-12-2000, a R... - Sociedade Imobiliária, SA, representada no acto por EE e alegadamente por AA, vendeu à sociedade LU... - Gestão, Comércio e Aluguer de Automóveis SA, representada no acto por SSS e TTT, as restantes 152.000 acções do capital social da sociedade Monte ... pelo preço de PTE 280.000.000$00 (1.396.634,11€), também resultado de um preço estipulado por acção de 9,188€;
686) - Com estas duas operações de venda de 100% do capital social da sociedade Monte ..., a R... - Sociedade Imobiliária, SA realizou uma menos-valia de 10.662.881,95€[8], que a mesma registou contabilisticamente como custos extraordinários;
687) - Os arguidos BB, CC e EE ao fazerem celebrar os negócios referidos nos pontos 684) e 685) agiram de forma a fazer sair a titularidade da MONTE ... da sociedade R... - Sociedade Imobiliária, SA de modo a gerar uma menos-valia, tanto mais que a Monte ... continuou a ser transaccionada e controlada entre e por entidades do Grupo BPN/SLN;
688) - Com efeito, os arguidos pretendiam utilizar essa menos-valia para obter ganhos fiscais em negócios seguintes, uma vez que, logo no ano de 2001, a R... - Sociedade Imobiliária, SA realizou a venda do activo “Quinta ...” pelo preço de 27.500.000,00€, operação que gerou um ganho de 10.274.791,50€;
689) - Com esta alienação, como já era esperado e desejado pelos arguidos BB, CC e EE, a R... - Sociedade Imobiliária, SA obteve assim uma mais-valia de valor idêntico à menos-valia gerada com a alienação da sociedade Monte ...;
690) - Desta forma a R... - Sociedade Imobiliária, SA, com a contabilização da menos-valia de 10.662.881,95€ no ano de 2000 obteve um prejuízo a deduzir em exercícios seguintes, valor que foi deduzido ao lucro tributável do ano 2001, ano em que realizou uma mais-valia de 10.274.791,50€ com a alienação do “Quinta ...”;
691) - Deste modo, a R... - Sociedade Imobiliária, SA obteve de um ganho em IRC que correspondente à não tributação da mais-valia gerada pela venda da “Quinta ...”, mais-valia essa de 10.274.791,50€, por via da contabilização de um prejuízo no valor de 10.662.881,95€;
692) - Por outro lado, ainda no ano de 2001, a 28 de Dezembro, a sociedade Monte ... veio a ser vendida ao fundo I..., depois de ser integralmente detida pela SLN VALOR e pela SLN SGPS, pelo montante de 44.999.980,00€, gerando então uma mais-valia de 20.370.756,93€, na sequência de diversas operações de sucessivas vendas dentro do Grupo, mas sendo a mais-valia final para as referidas sociedades accionistas;
693) - [Conclusivo];
694) - [Conclusivo];

V.D.3.b) - As mais-valias com o negócio do Terreno Aq...
695) - À data de 30-11-2001, o activo constituído pelo Lote 1.B.1.1 descrito na CRP ...
sob o n.º 04...0/120991 da freguesia ..., aqui designado “Terreno Aq...”, era detido
pela entidade Na..., por sua vez detida pela R... - Sociedade Imobiliária, SA, que, por sua vez era detida a 35% pelo AA e a 65% pela SLN;

696) - Na data de 30-11-2001, a Na... prometeu vender o Terreno Aq... à entidade Urbi..., pelo preço de 7.500.000,00€, dando-se o pagamento do preço a 31-12-2001, bem como a tradição do imóvel, tendo a escritura de venda apenas sido celebrada a 28-02-2002;
697) - No entanto, após a celebração do referido contrato promessa, a 28-12-2001, as participações que a R... - Sociedade Imobiliária, SA detinha na Na... foram feitas transferir para entidades veículo detidas pelos mesmos accionistas, AA e SLN, através da OA... e da J..., respectivamente, nas mesmas proporções de 35% e de 65%;
698) - Para esta aquisição, a OA... foi financiada pelo BPN, no montante de 4.015.323,07€, na conta junto do Banco Insular n.° ...66, dívida que não foi incluída directamente no acordo de saída e que veio a ser assumida pelo Grupo BPN/SLN, que a liquidou já em 2007 com o resultado da venda da sociedade AU... por 112 milhões, conforme descrito no ponto 651);
699) - Quando, a 31-12-2001, se dá o pagamento da Urbi... pela aquisição do terreno Aq..., já a Na... era detida directamente pela OA... e pela J...;
700) - O mesmo terreno Aq... foi depois prometido vender pela Urbi..., na data de 28-12-2001, ao Fundo I..., pelo preço de 12.500.000,00€, que realizou o pagamento no dia 31 de Dezembro de 2001, com data-valor de 28-12-2001;
701) - Deste modo, a Urbi... realizou uma mais-valia no montante de 5.000.000,00€, relativamente a um bem com referência ao qual ainda não tinha realizado escritura nem disposto de capital, dado que pagou o preço à Na... na mesma data em que recebeu do Fundo I...;
702) - Assim, a mais-valia foi apenas gerada na esfera da Urbi... e não na da sociedade Na..., que era a que se integrava na esfera do arguido AA;
703) - Os arguidos BB, CC e EE ao ordenarem a transferência da V... para a PH... no montante de 1.750.000,00€[9] limitaram-se a reconhecer o valor correspondente a 35% das mais-valias relativas ao negócio da venda do Terreno Aq... pela Urbi... ao Fundo I...;
704) - A venda do Terreno Aq... ao fundo I... foi realizada depois de o imóvel ter deixado a esfera patrimonial da R... - Sociedade Imobiliária, SA e indirectamente de AA;

V.D.4 – Financiamento da PH... com origem na OA...
705) - Tal como acima descrito no ponto 675), a PH... recebeu também o montante de 1.931.964,00€, com origem na conta da entidade OA...;
706) - A entidade OA... HOLDINGS CORP foi constituída no offshore das ..., sob o n.º de registo ...36;
707) - O arguido AA, no âmbito das parcerias com o Grupo BPN/SLN, utilizava a entidade OA... para deter, entre outros activos, uma participação correspondente a 35% da sociedade As..., a qual foi alienada ao Fundo I..., na data da constituição deste, pelo montante, relativo à totalidade do capital social, de 19.000.000,00€, correspondendo à OA... o montante equivalente a 35%, no total de 6.650.000,00€;
708)  - O montante pago pelo I... à OA..., relativo à aquisição da As..., isto é, o referido montante de 6.650.000,00€, foi transferido para a conta da própria OA... n.º ...24, junto do BPN Cayman, na data-valor de 28-12-2001, tendo sido determinada a utilização desses fundos para liquidar valores que ali existiam a descoberto;
709) - O remanescente do montante recebido na conta da OA..., foi então utilizado para realizar a transferência para a conta da PH..., acima referenciada, no montante de 1.931.964,00€;
710) - Assim, o pagamento parcial das referidas unidades de participação no I... foi realizado com montantes oriundos do próprio fundo I..., mas a que AA tinha direito por via da venda da sua participação na As... ao referido fundo;
711) - Do montante global de 13.750.000,00€ pago pela PH... pela aquisição das Unidades de Participação no Fundo I... apenas 1.931.964,00€ corresponde a reinvestimento da venda realizada directamente por AA dos seus activos ao Fundo;

V.D.5 – Entrega das UP do fundo I...
712) - De acordo com o Protocolo de Saída, o arguido AA entregou ao Grupo BPN/SLN, como contrapartida da regularização das suas responsabilidades, o activo constituído pelas Unidades de Participação no Fundo I..., detidas através da PH...;
713) - Acontece que, como bem sabiam os arguidos, na data da efectiva execução do Protocolo, por volta de Abril de 2005, já a PH... não detinha 6.998 das unidades de participação no Fundo I... que inicialmente havia subscrito e que atingiam o total de 13750;
714) - Com efeito, com data de 07-10-2003, a entidade PH..., representada por AA, havia solicitado a venda, para colocação junto dos clientes do BPN titulares de contas de investimento, de um total de 6.998 unidades de participação, pelo preço global de 7.500.569,07€;
715) - O arguido AA ordenou que o produto da venda dessas 6998 unidades de participação fosse creditado na conta domiciliada no BIC - Banco Internacional de Crédito, com o NIB  ...6, titulada pela PH..., com data-valor de 07-10-2003;
716) - Já em 2004, o AA deu ordem para que da conta do BIC fosse efectuada uma operação a débito no montante de 3.000.000,00€, para crédito na conta n.° ...60, junto do Banco Espirito Santo, titulada pelo próprio AA;
717) - O restante montante apurado com a venda das referidas 6998 UPs veio, de igual forma, a ser aplicado e disperso por contas do arguido AA ou por si controladas, designadamente por meio de cheque emitido sobre a conta e pago por caixa, no montante de 250.000,00€, cheque n.º ...90, na data de 25-10-2004, e por transferência para uma conta da Compagnie Bancaire Espírito Santo S.A., no Banco Ing Belgium, na Bélgica, no montante de 1.400.000,00€, em 05-05-2005;
718) - Na data da efectiva execução financeira do protocolo de acordo, dia 21-04-2005, a entidade PH..., representada por AA, alienou as restantes 6 752 Unidades de Participação pelo preço global de 7.136540,58€, cujo montante foi creditado pelo Fundo I... na conta n.º ...57, titulada pela PH... junto do BPN Cayman;
719) - Com esta operação a PH... obteve um ganho de 384.540,58€, face ao valor inicial de subscrição das UPs, conforme descrito no ponto 672);
720) - Com o montante realizado com a venda das 6 752 unidades de participação, no montante de €7.136540,58, AA ordenou que se efectuasse uma transferência de 7.000.000,00€ para a sua conta n.º ...05 junto do BPN e, em 22-04-2005, outra transferência no montante de 100.000,00€, para despesas próprias relativas ao pagamento da prestação de serviços jurídicos;
721) - Tal montante de 7 (sete) milhões de euros transferido para a conta BPN n.º ...05, foi mobilizado para o pagamento de responsabilidades associadas a essa mesma conta e à conta corrente caucionada n.º ...01 titulada pela Lis... P... junto do BPN;
722) - AA alienou as 13.750 unidades de participação no I..., pelo montante de 14.637.109,65€, mas desse montante apenas utilizou 7.000.000,00€ para liquidação de responsabilidades associadas à sua conta n.º ...05 junto do BPN e à conta corrente caucionada n.º ...01 titulada pela Lis... P... junto do BPN;

V.E - Entrega da participação na sociedade R... - Sociedade Imobiliária, SA
723) - No protocolo de saída, ficou igualmente acordado que o arguido AA entregava a sua participação na R... - Sociedade Imobiliária, SA, como contrapartida da regularização das responsabilidades creditícias junto do BPN/SLN;
724) - No entanto, os arguidos não fizeram constar do referido protocolo qualquer valor atribuído para o referido activo;
725) - A R... - Sociedade Imobiliária, SA - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA SA, com o NIPC ... e sede na Rua ..., …, tinha à data, o capital social de €500.000,00, representado por 500.000 acções ao portador, de €1,00 cada;
726) - Em Abril de 2005, o capital social da R... - Sociedade Imobiliária, SA era detido em 65% pela sociedade VAL... F... SGPS SA, sociedade detida pela SLN Imobiliária, e em 35% por AA;
727) - No exercício de 2004, a R... - Sociedade Imobiliária, SA, que já então não tinha actividade, apresentava:

Resultados transitados negativos de €2.232.080,00;
Resultado líquido do exercício negativo de €44.861,23;
Activos no montante de €101.225,11;
Passivos que ascendiam a €2.375.582,82, sendo a verba de maior peso os suprimentos concedidos pela sociedade VAL... F... SGPS SA, no montante de €2.200.000,00;
Capitais próprios negativos de €2.274.357,71;
Registo como únicos movimentos no exercício o resgate de 1.848 Unidades de Participação do FUNDO I... e a utilização desses fundos para liquidação de uma conta corrente caucionada no mesmo montante;
728) - Face aos valores das demonstrações financeiras da sociedade, os arguidos BB, CC e EE sabiam que a sociedade R... - Sociedade Imobiliária, SA não tinha qualquer valor de mercado, nem apresentava no seu balanço elementos que permitissem fundar a expectativa de valorização futura;
729) - Os arguidos BB, CC e EE sabiam assim, que a entrega deste activo por AA não tinha qualquer efeito financeiro na amortização de responsabilidades;

V.F - Entrega da participação na entidade Na...
V.F.1 - Activos e transmissão da Na...
730) - No protocolo de saída ficou ainda estipulado, na sequência do acordo entre os arguidos BB, CC e EE e AA, que este último entregava ao BPN a sua participação na Na... como forma de saldar as suas obrigações creditícias;
731) - Os arguidos não fizeram atribuir um valor a este activo, do qual o arguido AA apenas detinha 35%;
732) - A entidade Na...- Limited, está registada no offshore da Ilha ..., com o capital social representado por 2000 acções de uma libra esterlina cada e era inicialmente detida pela entidade “LIB... - Desenvolvimento Imobiliário Lda.”;
733) - Com data de 12-09-2000, a entidade LIB..., celebrou um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual esta entidade prometeu vender a totalidade do capital social da Na... à entidade R... - Sociedade Imobiliária, SA, representada no acto por AA e DD, pelo preço de PTE 2.232.150.000$00 (11.133.917,26 €);
734) - No contrato, os outorgantes afirmaram que a Na... era dona e legítima possuidora de um activo, o imóvel designado por Terreno Aq..., já acima referido, o qual tinha aprovado um projecto de construção destinado a comércio, habitação e estacionamento;
735) - A aquisição da Na... e o desenvolvimento do projecto imobiliário para o terreno Aq..., era mais um dos negócios apresentados pelo arguido AA ao Grupo BPN/SLN e que tinha merecido o interesse por parte dos arguidos BB, CC e EE, razão pela qual todos os arguidos tinham decidido fazer entrar o negócio no âmbito da R... - Sociedade Imobiliária, SA, onde a repartição do envolvimento entre o Grupo BPN/SLN e o arguido AA se situava em 65% e em 35%, respectivamente;
736) - Para pagamento da aquisição da Na... à LIB..., os arguidos fizeram a sociedade R... - Sociedade Imobiliária, SA emitir três cheques sobre a sua conta n.º ...26, nos montantes de PTE 432.150.000$00, PTE 1.500.000.000$00 e PTE 225.250.000$00, totalizando a verba, efectivamente paga, de PTE 2.157.400.000$00 (correspondente a € 10.761.065,83), sendo que duas últimas parcelas foram pagas em 23-02-2001 e 26-02-2001, respectivamente;
737) - Na data de 28-12-2001, os arguidos BB, EE, CC e DD fizeram a R... - Sociedade Imobiliária, SA vender a totalidade do capital social da Na..., pelo montante global de 11.472.351,63€, às entidades J... e OA..., conforme quadro que se segue:

Entidade vendedoraEntidade com pradoraNúmero de acçõesPreço
R...J... SA1300 (65%)7.457.028 ,56€
R...OA... Holdings Corp700 (35%)4.015.323 ,07€


738) - Tais transmissões das acções da NA... correspondem a uma decisão dos arguidos referidos no artigo anterior no sentido de, mantendo a mesma proporção de participações entre o Grupo BPN/SLN e AA, autonomizar a entidade Na..., retirando-a da inclusão na R... - Sociedade Imobiliária, SA, pelo que as entidades que figuraram como adquirentes continuavam a representar os mesmos interesses do Grupo BPN/SLN e do arguido AA e na mesma proporção;
739) - Com efeito, a entidade JA... CAPITAL SA, que está registada no offshore das ..., tinha como beneficiária final a SLN SGPS, que detinha na sua esfera as acções ao portador representativas do capital desta entidade;
740) - Deste modo, a entidade Na..., a partir de 28-12-2001, por via da venda pela R... - Sociedade Imobiliária, SA, passou a ser detida em 65% pela SLN SGPS, através da J..., e em 35% por AA, através da OA...;

V.F.2 – Pagamento da J... pela compra de 65% da Na...
741) - Para pagamento do preço devido pela J..., na data de 31-12-2001, os arguidos BB, EE e CC determinaram que sobre a conta n.º ...17, titulada por aquela entidade no BPN Cayman, fosse efectuado um movimento a débito no montante de 7.457.028,56€;
742) - Tal movimento a débito, ainda segundo instruções dos arguidos referidos no artigo anterior, gerou um movimento a crédito, no mesmo montante, na conta n.º ...26, titulada pela R... - Sociedade Imobiliária, SA, no BPN;
743) - Este movimento a débito sobre a conta da J... foi realizado, por determinação dos mesmos arguidos, sem que existissem fundos suficientes depositados na conta, a qual ficou com um saldo negativo de igual montante, 7457.028,56€;
744) - Na data de 21-04-2005, a J..., por acumulação de débitos, designadamente a título de juros, tinha um encargo total em sede de dívidas de financiamentos que ascendia a 9.582.705,85€, encontrando-se na altura tal dívida já transferida para o Banco Insular, conta n.º ...27, do balcão virtual;
745) - Com efeito, os arguidos BB, EE e CC decidiram que, em 29-11-2002, o financiamento concedido à J..., por descoberto bancário no BPN Cayman fosse transferido para o Banco Insular;
746) - Em execução do plano, na data de 29-11-2002, determinaram a abertura de uma conta bancária em nome da J... no balcão oficial do Banco Insular à qual foi atribuído o n.º ...63;
747) - Nessa conta, CC, EE e BB deram indicações para que fosse associada uma conta corrente caucionada, de forma a permitir que, em nome da J..., fossem mobilizados fundos, como se fosse a concessão de um crédito, até ao montante de 6.019.313,39€;
748) - Nessa mesma data de 29-11-2002, os arguidos BB, EE e CC determinaram a mobilização desses fundos, em nome da J..., através de uma transferência a débito naquela conta, utilizando a conta corrente caucionada, para crédito na conta n.º ...17 junto do BPN Cayman, também da J..., amortizando parcialmente o descoberto bancário;
749) - [O texto duplica o já afirmado noutros artigos da pronúncia];
750) - Nessa sequência, nas datas de 24-03-2003 e 30-06-2003, determinaram os arguidos BB, EE e CC duas transferências por débito na conta do Banco Insular com o n.º ...63, para crédito na conta BPN Cayman com o n.º ...17, no montante respectivo de 186.057,21€ e 2.087.100,00€, permitindo assim, saldar a referida conta da J... junto do BPN Cayman;
751) - Actuando deste modo, os arguidos fizeram com que o crédito concedido à J..., no âmbito do BPN Cayman, se transferisse para a conta da mesma entidade junto do Banco Insular, com incremento do montante utilizado, sem quaisquer garantias;
752) - Dado que os arguidos BB, EE e CC não pretendiam contabilizar o financiamento em nome da J... no balcão oficial do Banco Insular, com data de 02-12-2003, ordenaram a abertura de uma nova conta em nome da J... no balcão virtual do Banco Insular, à qual foi atribuído o n.º ...27;
753) - Após a abertura desta conta, com data de 03-12-2003, determinaram tais arguidos que sobre a mesma fosse efectuada uma transferência a débito para crédito na conta n.º ...63 do balcão oficial, no montante de 8.538.688,57€;
754) - Com data de 31-12-2003, determinaram os arguidos BB, EE e CC uma nova operação de transferência, ainda por débito nesta conta n.° ...27, para crédito na conta n.° ...63, no montante de 349.537,27€, saldando assim a conta que estava registada junto do balcão oficial do Banco Insular;
755) - Actuando deste modo, tal como pretendiam, conseguiram os arguidos BB, EE e CC que o crédito inicialmente concedido à J..., por descoberto bancário no montante de 7.457.028,56€, ficasse alocado ao balcão virtual do Banco Insular, o qual, em 31-12-2003, com os fluxos financeiros narrados atingiu o montante de 8.888.225,84€;
756) - Por via dos encargos gerados com tal operação, o montante devedor acumulado, a descoberto na conta ...27 atingiu, na data de 30-07-2007, o montante de 11.759.847,88€;
757) - Tal montante em dívida, veio a ser regularizado, por determinação dos arguidos BB e CC, na data de 31-07-2007, por uma transferência para a mesma conta n.º ...27, realizada a débito da conta da AU..., conta n.º ...1.10.1, que, nessa mesma data, havia sido creditada pela quantia de 23 (vinte e três) milhões de euros, relativa à venda dos lotes de terreno na Quinta ..., conforme descrito no ponto 655);
758) - Deste modo, os arguidos BB e CC acabaram por utilizar os fundos gerados através dos activos da AU... para realizar os pagamentos referidos, continuando a lesar os interesses do BPN;

V.F.3 - Pagamento da aquisição de 35% da Na... pela OA...
759) - Os arguidos BB, EE, CC e DD haviam determinado a venda pela R... - Sociedade Imobiliária, SA das acções da NA..., tendo 35% sido adquiridas através da OA..., pelo preço de 4.015.323,07€;
760) - No entanto, os arguidos BB, EE e CC acertaram que seria o BPN a suportar o pagamento do preço de 4.015.323,07€ à R... - Sociedade Imobiliária, SA, pela aquisição, em nome da OA..., da referida participação de 35% na Na...;
761) - Para tal, os referidos arguidos combinaram que determinariam a execução de um esquema de fluxos financeiros de triangulação entre várias entidades de forma a disponibilizar à OA... os montantes necessários, ainda que à custa do BPN;
762) - Os referidos arguidos determinaram que fosse a entidade PH... a intervir inicialmente e a assumir o pagamento;
763) - Com efeito, logo no dia 31-12-2001, foi ordenado que sobre a conta da PH... com o n.º ...57, junto do BPN Cayman, fosse feita uma transferência a débito para crédito na conta n. º ...26 titulada pela R... - Sociedade Imobiliária, SA no BPN, no montante de 4.015.323,07€, saldando desta forma o preço das acções adquiridas em nome da OA...;
764) - A aludida operação foi efectuada, com autorização dos arguidos BB, EE e CC, sem que a PH... tivesse na sua conta fundos suficientes, provocando deste modo um descoberto bancário no mesmo montante;
765) - Tal como os referidos arguidos tinham combinado, tal financiamento concedido sob a forma de descoberto, sobre a conta da PH..., haveria de ser transferido para outra entidade, no caso a OA...;
766) - Assim, os arguidos BB, EE e CC fizeram autorizar a movimentação a descoberto da conta nº ..., titulada pela OA..., junto do BPN Cayman, a partir da qual, usando tal autorização de descoberto, foi determinada uma transferência a débito para crédito na conta da PH... com o n.º ...57, no mesmo montante de 4.015.323,07€, na data de 28-01-2002, com data valor de 25-01-2002;
767) - Desta forma, o descoberto inicialmente gerado na conta da PH... para pagamento à R... - Sociedade Imobiliária, SA ficou liquidado;
768) - O financiamento por descoberto foi assim transferido para a OA..., cuja conta no BPN Cayman ficou com saldo negativo acumulado, nessa data de 28-01-2002, de 4.057.815,25€;
769) - Em continuação do esquema, os arguidos BB, EE e CC deram indicações para se proceder à abertura de uma conta em nome da OA... junto do balcão oficial do Banco Insular, conta à qual foi atribuído o n.º ...66;
770) - Nesta conta, os arguidos BB, EE e CC autorizaram a abertura de uma conta corrente caucionada, permitindo a utilização de fundos no montante de 4.708.587,75€;
771) - E, na data de 29-04-2003, com data-valor de 21-04-2003, determinaram que fosse efectuada uma operação de transferência por débito na mencionada conta, para crédito na conta ...24.10, titulada pela OA..., no BPN Cayman, no montante de 4.708.587,75€;
772) - Desta forma, os referidos arguidos fizeram liquidar o valor em dívida na conta da OA..., junto do BPN Cayman, transferindo o financiamento para a conta do Banco Insular, balcão oficial, com incremento do montante dado em crédito e sem garantias;
773) - Do mesmo modo já anteriormente descrito, também este financiamento junto do Banco Insular foi depois colocado no balcão virtual, através da abertura de uma nova conta, por determinação dos arguidos BB, EE e CC;
774) - Foi então aberta junto do balcão virtual do Banco Insular uma nova conta em nome da OA..., à qual foi atribuído o n.º ...75;
775) - Associada a esta conta foi autorizada por aqueles arguidos a abertura de uma conta corrente caucionada no montante de 4.782.878,80€;
776) - Na data de 29-12-2003, os arguidos determinaram uma transferência por débito na referida conta n.º ...75, do balcão virtual, para crédito na conta n.º ...66, no Balcão oficial, do Banco Insular, no montante de 4.782.878,80€, amortizando parcialmente a dívida;
777) - Em 31-12-2003, por determinação dos arguidos referidos no ponto 773), foi efectuada nova operação de transferência da mesma natureza, no montante de 332.662,77€, valor que, juntamente com o referido no artigo anterior, permitiu liquidar a totalidade da conta n.º ...66 aberta no Balcão Oficial do Banco Insular e conta corrente caucionada associada;
778)  - Deste modo, o financiamento inicialmente obtido através da PH... foi sendo incrementado por causa dos fluxos financeiros descritos, atingindo, a 21-04-2005, o montante de 5.506.674,77€;
779) - O montante em dívida, assim gerado, junto da conta do balcão virtual do Banco Insular, nunca foi pago pelo arguido AA, nem poderia ser, pelo que, na data de 31-07-2007, atingia o total de 6.650.440,58€, por acumulação de encargos, vindo a ser liquidado com fundos provindos da SLN obtidos com a alienação da AU...;
780) - A aquisição do activo constituído pela entidade Na... à R... - Sociedade Imobiliária, SA custou ao Banco Insular e por consequência ao BPN, à data de 31-07-2007, a quantia total de 18.410.288,46€;

V.F.4 - Transferência do activo detido pela Na...
781) - Em 30-11-2001, os arguidos BB, CC e EE trataram de retirar da Na... o seu activo que era o designado Terreno Aq..., conforme já enunciado;
782) - Com o produto da alienação do terreno Aq..., no total de 7.500.000,00€, os mesmos arguidos fizeram a Na... subscrever 7.500 unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário BPN I..., por débito na sua conta n.º ...870 junto do BPN Cayman;
783) - [Não provado];
784) - Com a operação de venda do activo da Na... à Urbi... os referidos arguidos fizeram com que a posterior subscrição pela Na... de unidades de participação no fundo I... acabasse por ser realizada com fundos originados num pagamento realizado pelo próprio Fundo, apenas com a intermediação da Urbi...;
785) - [Não provado];
786) - Por carta datada de 21-04-2005, assinada pelo arguido AA, em representação da Na..., foi solicitado ao BPN que procedesse à venda de 7.500 unidades de participação do Fundo I... e que fosse creditado o respectivo contravalor na conta Be... Investment com o n.º ...24, tendo sido depositado na referida conta, a 22-04-2005, o montante de 7.927.140,75€;
787) - O arguido AA era o último beneficiário da entidade Be...;
788) - Em execução do pedido, a 22-04-2005, com data-valor de 20-04-2005, o montante referido foi depositado na conta da Be... com o n.º ..., junto do BPN Cayman;
789) - De seguida, na mesma data 21-04-2005, o arguido AA solicitou a transferência de 6.207.425,28€ para a conta da entidade ...., conta com o n.º ...58, junto do BPN Cayman;
790) - Com data de 21-04-2005, o arguido AA, em nome da entidade U..., solicitou que o montante de 6.207.425,28€ fosse utilizado para liquidação integral das responsabilidades dessa sociedade junto do BPN, tendo sido liquidado o passivo de -283.992,25€ que a conta n.º ...58 registava junto do BPN Cayman, realizada uma transferência no montante de 5.880.827,9 6€, com o descritivo de operação “Tranferencia Conta Corrente” e pagos juros no valor de 42 605,07€;
790-A) - O anexo 1 ao protocolo de acordo, com o elenco de responsabilidades do arguido AA, contempla uma dívida de conta corrente caucionada da U... no valor de 6 5.880.827,96;
791) - O arguido AA ordenou a partir da conta da Be..., a transferência da quantia de 1.719.678,066, para uma conta não identificada na Bélgica, operação que foi realizada a 24-11-2005, utilizando em seu proveito o referido montante;
792) - [Não provado];
793) - O custo para o BPN foi de 18410.288,46€, resultante da dívida da OA..., no montante de 6650.440,586, e da J..., no montante deli.759.847,886;
V.G - Entrega da participação na entidade BA...
794) - [Não provado];
795) - Com data de 28-11-2003, AA celebrou com a BA... HOLDINGS LIMITED um contrato de compra e venda de acções, pelo qual o primeiro vendeu à segunda 2.464.701 acções da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., ao valor de 2,456 cada, pelo preço global de 6.038.517,456, tendo AA, a 30-04-2004, dado instruções de venda dessas mesmas acções, as quais ficaram alocadas, em nome da BA..., a conta de valores mobiliários do Banco Insular junto do Montepio Geral;
796) - A BA... HOLDINGS LIMITED é uma entidade offshore, registada no ...;
797) - Na data de 23-06-2004, a BA... deu ordem de subscrição de 555.556 acções da SLN SGPS, no âmbito de um aumento de capital que estava a decorrer;
798) - Com esta subscrição a entidade BA... passou a detentora de 3.020.257 acções da SLN SGPS as quais ficaram depositadas no Montepio Geral, conta do Banco Insular, associadas à conta no Banco Insular da entidade BA...;
799) - Para a aquisição das 555.556 acções, os arguidos CC e BB colocaram em execução um esquema de operações bancárias que permitiriam efectuar o pagamento;
800) - Assim, por autorização de BB foi utilizada a conta n.º ...65, titulada pela BA..., no balcão virtual do Banco Insular e a conta corrente caucionada já aberta à mesma anexa;
801) - A partir dessa conta n.º ...0, foi realizado na data de 22-07-2004 (com data-valor de 01-07-2004 e 05-07-2004), um conjunto de quatro operações a débito no montante total de 1.001.560,80€, para pagamento da subscrição das acções SLN, montante que a 29-11-2004, com data-valor de 28-11-2004, foi transferido para a conta corrente caucionada associada à referida conta à ordem;
802) - Assim, o financiamento de que a BA... dispôs para aquela aquisição ficou lançado fora do sistema de registo de operações do Banco Insular e foi integralmente financiada pelo mesmo Banco;
803) - [Não provado];
804) - No dia 20-04-2005, o arguido AA solicitou, de acordo com instruções irrevogáveis transmitidas pela BA..., a transferência para a sua conta pessoal n.º ...05, no BPN, de 2.464.701 acções da SLN SGPS que havia transmitido, por contrato de 28-11-2003, à BA..., alegando não ter sido realizada para a referida conta a transferência de 6.038.517,45€;
805) - Estas 2.464.701 acções da SLN SGPS voltaram a ser registadas na carteira de títulos do arguido AA junto do BPN na data de 29-04-2005;
806) - Com data de 22-04-2005, o arguido AA celebrou com a BA... HOLDINGS LIMITED um contrato de compra e venda de acções pelo qual o primeiro comprou à segunda as referidas 555.556 acções da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. que esta detinha por via da subscrição do aumento de capital, pelo preço global de 1.361.112,206;
807) - No final de Abril de 2005, AA tinha assim, na sua esfera pessoal, na carteira de títulos junto do BPN, um total de 3.020.257 acções da SLN SGPS;
808) - No dia 29-04-2005, o mesmo arguido AA, com o acordo do arguido BB, procedeu à venda das referidas 3.020.257 acções da SLN SGPS à entidade UR... - Sociedade Imobiliária, SA, pelo preço de 7.399.629,25€;
809) - O arguido AA utilizou esse montante, depois de o receber na sua conta pessoal junto do BPN, conta n.º ...05, para amortizar responsabilidades que estavam associadas à mesma conta;
810) - Permaneceu associado à entidade BA..., mesmo depois de transferida a dívida para a conta n.º ...0 e conta corrente caucionada associada no Banco Insular, balcão virtual, um montante em dívida, que em Maio de 2005 ascendia a 6.222.242,06€ e que foi liquidado pelo próprio Grupo SLN/BPN em Julho de 2007, com o produto da venda da AU..., quando atingia já o montante de 6.889.411,30€,
811) - Os arguidos BB e CC, ao fazerem financiar, através do Banco Insular, o arguido AA, via entidade BA..., no montante global de €6.222.242,06, permitiram ao mesmo a aquisição de uma quota de €5.000.000,00 na SLN VALOR, em 2003, posteriormente transformada em 5.000.000 acções, e a subscrição de 555.556 acções da SLN SGPS, em 2004, activos que depois vieram a integrar no próprio Grupo, pagando um preço superior atentos os custos do financiamento;

V.H - Entrega da participação na entidade G...
812) - Os arguidos BB, CC, EE e AA fizeram também constar do protocolo de saída que o arguido AA entregava ao BPN a sua participação na entidade G...;
813) - A G... SA, com o NIPC ..., é uma sociedade de direito nacional e, em 2004, a totalidade do seu capital social era detido pela sociedade Monte ..., a qual, desde 18-10-2000, era detida pela sociedade R... - Sociedade Imobiliária, SA;
814) - A G... tinha, pelo menos até Novembro de 2001, como activo, um terreno com projecto de construção, denominado “G...”, sito na Quinta ..., correspondente ao artigo matricial n. º 5866, da freguesia ..., ...;
815) - Por contrato datado de 15-03-2004, a sociedade Monte ... alienou a totalidade do capital social da G..., pelo preço de € 1.750.000, à entidade SA... ENTERPRISES LTD, registada no offshore da Ilha ..., cujo beneficiário final é a entidade RIV...;
816) - Na data de 22-09-2004, com a concordância dos arguidos AA, BB, CC e EE, a RIV... alienou a SA... a uma outra entidade offshore, denominada ASH... DEVELOPMENTS LMITED, detida então pelo cidadão irlandês UUU, pelo preço de 5.000.000,00€;
817) - Na sequência deste negócio, foi depositado na conta BPN nº ...16, titulada por AA e por DD, na agência de ..., o montante de 3.250.000,00€;
818) - À data da efectiva execução do protocolo de acordo (20-04-2005) já a G... não era detida por AA;
819) - Os arguidos BB, CC, EE e AA fizeram constar do protocolo de saída a entrega da sociedade G..., entidade que foi aceite negociar nos termos descritos;
VI - Negócios posteriores ao protocolo de saída
820) - [Não provado];
821) - A Mel... Investments Limited, entidade offshore com registo em ... detinha um imóvel sito na Quinta ..., em ..., correspondente ao artigo matricial n.º 11235, da freguesia ..., concelho ...;
822) - O arguido AA detinha o controlo da referida MEL... através da entidade Be... Investments Limited, já referida, de que o arguido era o beneficiário final, detendo esta Be... a totalidade das acções da primeira, a mencionada MEL...;
823) - O arguido AA fez chegar ao Grupo BPN/SLN a sua pretensão de vender este activo, detido através da MEL..., pretendendo receber pela entrega do mesmo a quantia de 4 milhões de euros;
824) - Tal prédio veio a ser avaliado, já no final de 2007, pela avaliadora
EURO/ENGINEERING SERVIÇOS TÉCNICOS LDA, pelo montante de 2.380.000,00€;

825) - Os arguidos BB e CC, conhecedores da pretensão do arguido AA quanto a activo, acabaram por aceitar realizar o pagamento pretendido para a sua aquisição;
826) - Para efeito da aquisição, os arguidos BB e CC, não cuidando de apurar o preço de mercado do referido imóvel à data, resolveram recorrer, de novo, à aquisição através de uma entidade em offshore, que não expusesse directamente o Grupo, e à montagem de mais um financiamento junto do Banco Insular,
827) - Para figurar como adquirente, os arguidos BB e CC fizeram obter a disponibilidade de uma entidade em offshore, no caso a T... LLC, com registo no ..., nos ..., a qual era detida através da entidade M..., já atrás identificada como instrumento da própria SLN;
828) - Assim, os arguidos BB, CC e AA viabilizaram que, na data de 20-02-2006, a entidade T... viesse a adquirir à entidade Be..., através de um escrito assinado apenas pelos directores das entidades offshore, a totalidade das acções da entidade MEL..., passando assim a controlar o único activo desta última entidade;
829) - O preço fixado para tal aquisição das acções da MEL... foi o já referido montante de 4 (quatro) milhões de euros, exigido pelo AA;
830) - Para pagamento do referido preço, os arguidos BB e CC fizeram realizar, no dia 07-03-2006, uma transferência, no mesmo montante de 4 (quatro) milhões de euros, a débito da conta da T... junto do BPN Cayman, conta n.º ...42, tendo como beneficiária uma conta da entidade Be..., no ING Beligum SA/ NV Bruxelles, através da Compagnie Bancaire Espírito Santo SA, Lausanne, conta n.º 1...155, controlada pelo arguido AA, que assim fez seu o referido montante;
831) - Para suportar tal mobilização de fundos a partir da conta da T... junto do BPN Cayman, os arguidos BB e CC montaram uma operação de financiamento junto do Banco Insular, em benefício da mesma T...;
832) - Assim, veio a ser aberta no Banco Insular, logo junto do balcão virtual, isto é fora de balanço, a conta n. º ...65, que tinha como titular a referida T..., à qual foi associada uma conta corrente caucionada, de forma a permitir a utilização de fundos no montante pretendido de 4 (quatro) milhões de euros;
833) - Tal financiamento junto do Banco Insular, balcão virtual, em nome da T..., foi concedido sem suporte contratual e sem garantias, permitindo a mobilização dos 4 (quatro) milhões de euros, que foram assim transferidos da conta do Banco Insular n.º ...65 para a conta do BPN Cayman n.º ...42, ambas da T..., de forma a gerar, nesta última, fundos para o pagamento supra-referido, em benefício último de AA, através da Be...;
834) - Tal operação veio apenas a ser formalizada junto do Banco Insular, balcão oficial, em 26-06-2008, com data valor de 01-06-2008, através da abertura da conta n.º ...69 e de conta corrente associada, a qual permitiu vir a ser recebida nova transferência com origem na conta do BPN Cayman, conta n.° ...42, agora pelo montante de 4.437.292,61€, de forma a liquidar os financiamentos pendentes e juros junto do Banco Insular, que então se encontrava em liquidação;
835) - O financiamento à T... permaneceu assim no BPN Cayman, onde nunca veio a ser pago, gerando encargos que até ao início de 2009 atingiam o montante em dívida de 4.437.292,61€, que vieram a ser assumidos pelo BPN, tendo o crédito sido transferido para a PARVALOREM;
836) - Desta forma, os arguidos BB e CC fizeram lesar os interesses do grupo BPN/SLN, fazendo gerar no BPN um crédito incobrável que, em Janeiro de 2009, atingia o montante de 4.437.292,61€;
VII - A utilização da B... . S... para pagamento da AU...
837) - Os arguidos BB, CC, EE e AA  fizeram constar do protocolo de saída, datado de 04-06-2004, que o activo daquele último que se traduzia no direito a 50% do capital da AU... seria pago com a entrega à entidade OA... de todas as acções, bem como todos os suprimentos que a AU... DEVELOPMENT Corporation detiver e tiver prestado, à sociedade BIR..., proprietária do lote AL3 da Quinta do ..., livre de quaisquer ónus e encargos e sem qualquer endividamento, pagando a OA..., em contrapartida a quantia de 2.250.000,00€;
838) - No entanto, os arguidos BB e CC decidiram proceder à venda conjunta de todos os activos da AU..., que se traduziam na detenção de três sociedades veículo, as referidas BIR... LIMITED, CH... LLC e BRI... LLC, cada uma delas detentora de direitos sobre um lote de terreno sito na Quinta ...;
839) - A BIR... detinha direitos sobre o mais valioso dos três Lotes, no caso o Lote AL3, sito na Quinta ..., que havia sido prometido adquirir pelo preço de £6500.000 libras esterlinas, pese embora a AU... tenha adquirido as acções da BIR... pelo preço de £13.000.000,00, de libras esterlinas;
840) - Na realidade, as três referidas entidades veículo estavam a ocultar a verdadeira detenção de bens imóveis pela AU..., de forma a facilitar e permitir a obtenção de vantagens fiscais em futuras transacções desses imóveis, que seriam transformadas em meras detenções de participações sociais;
841) - Como já referido, os três lotes e consequentemente as três sociedades vieram a ser vendidos pela SLN, num mesmo negócio, apenas consumado na data de 08-05-2007, através da venda da totalidade das acções representativas da AU..., que continuava a deter as três entidades, à sociedade Q... LDA, pelo preço global de 112.000.000€;
842) - [Não provado];
843) - [Não provado];
844) - [Não provado];
845) - [Não provado];
846) - [Não provado];
847) - A B... . S... detinha então como activos uma moradia sita no ..., um andar na ... e a propriedade Herdade da ...;
848) - [Não provado];
849) - Foram contratadas duas entidades avaliadoras nos termos referidos nos pontos 467) e 490);
850) - [Não provado];
851) - [Não provado];
852) - Por comunicação datada de 21-11-2003, AA informou, pelo menos, BB que estimava que a Herdade da ... teria um valor € 6 000 000 (seis milhões de euros);
853) - Os outros dois imóveis, como descrito no ponto 455), vieram a ser vendidos a terceiros, já no ano de 2007, pelo preço total de 1.465.000,00€;
854) - [Não provado];
855) - Foram realizadas as avaliações da Herdade da ..., já anteriormente referidas nos pontos 467) e 490), a primeira através da REN..., solicitada pelo AA, ainda em 2005, e a segunda solicitada no âmbito do grupo SLN, por indicação dos arguidos BB e CC, já no ano de 2006, à entidade COLLIERS P&I, as quais obtiveram preços de avaliação de 60.200.000,00€, quanto à primeira, e de 31.804.843,006quanto à segunda avaliação;
856) - [Não provado];
857) - [Não provado];
858) - A venda da B... . S... pelo referido preço de 32,5 milhões de euros veio a ser consumada, na data de 02 de Maio de 2005, entre o arguido AA e a sociedade PAR..., do Grupo SLN, designada pelos arguidos BB e CC, que determinaram a intervir nos contratos o arguido DD;
859) - O arguido AA recebeu o montante de 32,5 milhões de euros, pago por cheque emitido sobre a conta BPN n.º ...01, titulada pela PAR..., emitido à sua ordem e que depositou, integrando tal montante na sua esfera pessoal;
860) - [Não provado];
861) - O arguido AA declarou em sede de IRS, com referência ao ano de 2005, a obtenção de mais-valias accionistas;
862) - [Não provado e parcialmente conclusivo];
863) - [Não provado];
864) - [Não provado];
865) - Os arguidos BB, CC, EE e DD sabiam que a sua colaboração com AA lhes poderia trazer pedidos de explicação, em sede da supervisão a que estava sujeito o Grupo BPN/SLN, atento o montante do pagamento realizado, razão pela qual fizeram subscrever duas versões do contrato de aquisição da B... . S..., uma das quais com o estipular de uma cláusula de condição resolutiva do negócio, destinada a apresentar perante o Banco de Portugal, conforme atrás descrito nos pontos 475) e 476);
VIII - Apropriação pelos arguidos GG e HH de juros creditados nas contas das empresas
Estão excluídos da factualidade provada e não provada os arts. 866." a 885.°, 903º e 904." da pronúncia por respeitarem a matéria subjacente à imputação do crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do CPenal, relativamente ao  qual foi julgada extinta a responsabilidade criminal dos arguidos, por verificação dos pressupostos do art. 206.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, conforme decisão de 20-02-2017.
IX - Prejuízos e vantagens gerados pelos financiamentos concedidos aos arguidos GG e HH
886) - Os arguidos BB, CC e EE, na sequência da decisão de financiarem os arguidos GG e HH, decidiram fazer montar operações opacas quanto à real origem dos fundos, fazendo variar a sua forma entre operações de descoberto bancário, contas correntes caucionadas e contratos de mútuo, e fazendo envolver um conjunto de entidades com fluxos financeiro cruzados, entre si;
887) - Nesse âmbito, abrangendo quer os financiamentos concedidos a título pessoal quer às sociedades do Grupo P... F..., relativamente aos diversos negócios acima narrados, os arguidos GG e HH obtiveram dos arguidos BB, CC e FF a disponibilização dos seguintes montantes de capital, dentro do universo BPN e que não foram por si pagos, conforme tabela seguinte:


      Entidade
      Capital mutuado
      “Palácio ....” (inclui Terrenos de ...)
      14.299.041,44€
      AT...
      3.850.000,00€
      AT... II
      8.250.000,00€
      “B... . S...”
      19.646.100,00€
      TOTAL
      46.045.141,44€


888) - Por outro lado, os arguidos GG e HH e sociedades por si controladas obtiveram ainda financiamentos junto do Banco Insular, que foram depois transferidas para o BPN e posteriormente prometidas ceder à Parvalorem, que os pagou, permanecendo em dívida os seguintes montantes por créditos concedidos, sem garantias de pagamento:



      Devedor
      Negócio
Montante em dívida (na data de 16-02-2009)
“R... V...”
terreno da ...
5.662.606,13€
Capital inicial de 4.000.000,00+292.484,00
GG
terreno da ...
      4.886.479,87€
      HH
terreno da ...
      4.890.698,06€
“P... F...”
terreno da ...
      1.558.137,00€
      TOTAL
      16.997.921,06€


X – Financiamentos e dívidas de AA e sociedades conexas

889) - [Não provado];
890) - Em resultado da execução do protocolo de saída, conforme factos descritos, o arguido AA obteve o acordo dos arguidos BB, CC e EE para que o Grupo BPN/SLN viesse a adquirir activos que estavam na esfera do AA e sociedades conexas;
891) - [Não provado];
892) - [Não provado];
893) - [Não provado];
XI – O propósito dos arguidos
894) - Os arguidos BB e CC actuaram sempre com o propósito de induzir em erro o regulador, Banco de Portugal, quanto à titularidade dos activos que colocavam na posse de terceiros e na titularidade de entidades veículo, aceitando para tal lesar o Grupo BPN/SLN com a realização de pagamentos excessivos e indevidos a esses terceiros, em remuneração da tarefa de parqueamento dos activos, para além de aceitarem realizar financiamentos não cobertos por garantias eficazes, aceitando o risco, que se consumou, do não pagamento desses financiamentos, com o consequente aumento do prejuízo do Grupo BPN/SLN;
895) - Na elaboração e execução desse propósito participou o arguido EE, que tinha conhecimento da angariação e aprovava projectos de negócios que eram ocultados da titularidade do Grupo BPN/SLN, de forma a encenar perante o regulador a existência de um crédito concedido a terceiros, quando na realidade sabia estar em causa um activo e um custo que deveria ser contabilizado no Grupo;
896) - O arguido AA colaborou com os referidos arguidos nos termos descritos, enquanto parceiro de negócios no ramo imobiliário, visando obter ganhos.
897) - O arguido EE, nos termos descritos, participou na actividade de encenação aceitando lesar financeiramente o BPN e proporcionar vantagens indevidas a terceiros, procurando não revelar a exposição do Grupo BPN/SLN a riscos de negócios próprios na área não financeira, em particular no sector imobiliário;
898) - Numa segunda fase, os arguidos BB e CC insistiram em ocultar perante o regulador a titularidade do grupo BPN/SLN relativamente a negócios e a operações com a compra e venda de activos, obtendo a adesão dos arguidos GG e HH;
899) - Os arguidos GG e HH aderiram ao propósito de encenar a existência de investidores externos ao Grupo BPN/SLN, sabendo que estavam a ludibriar as entidades de regulação, visando obter um ganho, através da disponibilidade de fundos e de activos, que aproveitaram para seu próprio proveito, e para obterem ganhos ilegítimos, designadamente em sede fiscal;
900) - Os arguidos BB e CC contaram ainda com a colaboração dos arguidos DD e FF no sentido de permitirem a montagem e execução dos negócios e remuneração dos arguidos que aparentavam ser investidores externos ao grupo BPN/SLN;
901) - O arguido DD colaborou na aquisição da sociedade B... . S..., sabendo que estava a realizar uma operação de fachada, destinada a ocultar verdadeiros negócios que o Grupo BPN/SLN não pretendia reflectir nas suas contas;
902) - O arguido FF colaborou, nos termos descritos, e para além do mais, nos contactos com os arguidos GG e HH e nas operações de financiamento a favor dos mesmos, bem como no desenvolvimento de esquemas destinados a garantir a remuneração dos mesmos arguidos, actuando sempre de acordo com a vontade dos arguidos BB, EE e CC;
903) - [Excluído pelas razões expostas quanto aos arts. 866 º a 885.º da pronúncia];
904) - [Excluído pelas razões expostas quanto aos arts. 866 º a 885. º da pronúncia];
905) - Os arguidos GG e HH, nos termos descritos, como responsáveis da sociedade AMPLIMÓVEIS, determinaram a mesma à realização de uma operação forjada, traduzida, para além do mais, na venda de um imóvel por um preço inferior ao da aquisição, realizada poucos dias antes, de forma a gerarem artificialmente uma menos-valia, a que fizeram atribuir relevância fiscal através da montagem de uma pretensa provisão por depreciação de existências, apenas visando obter uma vantagem ilegítima em sede fiscal, no âmbito da arguida AMPLIMÓVEIS;
906) - [Não provado];
907) - [Não provado];
908) - Os arguidos actuaram, nos termos descritos, livre e conscientemente, sabendo os arguidos BB, CC, EE, DD, FF, GG e HH que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

Mais se provou quanto às condições pessoais, sociais e económicas dos arguidos
CC

910) - O arguido é filho único e cresceu no seio de uma família tradicional, surgindo o pai como o responsável pelos proventos económicos, enquanto a mãe abandonou a profissão de enfermeira para se dedicar aos cuidados domésticos e ao filho.
A situação económica da família era estável e decorrente dos lucros do negócio do pai, comerciante de eletrodomésticos, em sociedade com o tio paterno.
Com a morte do pai, quando o arguido tinha treze anos, a mãe assumiu o negócio de família, tendo o arguido passado também a ajudar na loja.
Ao nível do seu percurso escolar, completou o 12.º ano, sem reprovações.
Após o ingresso no ..., o arguido não concluiu nenhum dos dois cursos que frequentou naquele estabelecimento, apesar de ter permanecido no mesmo durante aproximadamente onze anos.
Pela sua filiação a um partido político acabou por ser convidado para o desempenho de actividade político-partidária, destacando-se as funções exercidas durante cinco anos, entre os vinte e oito e os trinta e três anos de idade, no ... Governo Constitucional, no Ministério da ..., onde chegou a ter o cargo de adjunto e depois de Chefe de Gabinete do ....
Após um período de três anos como assessor na área da ... do ..., aos trinta e seis anos de idade, foi convidado pelo então Presidente do Banco ... para integrar o mesmo, passando a dispor de um vínculo como funcionário do Banco, com a categoria de ... e função de Chefe de ..., auferindo um vencimento mensal líquido de 3000 a 3500 euros mensais.
Aos quarenta e quatro anos o arguido integrou o curso de ..., que há cerca de quatro anos.
Em termos familiares, o arguido casou aos quarenta e um anos de idade, encontrando-se divorciado há cerca de dois anos.
Desde Novembro de 2002 que o arguido passou a ser ... da Sociedade Lusa de Negócios (SLN), vendo aumentado o seu vencimento para 15 000 euros mensais líquidos.
Não tinha um pelouro definido e que continuava a exercer as mesmas funções de organização de Gabinete do ....
Em 2008 deixou de ser ... da SLN, mantendo o vínculo de funcionário do Banco, como ..., bem como o ordenado de 3000 euros, embora sem desempenho profissional, sendo desvinculado em 2012, na sequência de um processo de despedimento encetado pela Parvalorem. Recorreu da decisão e posteriormente celebrou um acordo laboral recebendo uma indemnização entre os € 30 000 e os € 40 000 euros.
Desde 2004 que o arguido é sócio da empresa de tecnologia e informação Lin..., Lda., da qual tem uma quota de 30 %. A empresa dedica-se sobretudo à programação informática, com outsoursing dirigido às necessidades informáticas de empresas ou entidades públicas. Tem um capital social de 65.000 euros e um volume de negócios de aproximadamente um milhão de euros por ano, contando com cerca de 40 colaboradores e quatro sócios-gerentes.
Nessa empresa o arguido é responsável pela parte de recursos humanos, organização e área comercial.
Actualmente, aufere aufere um ordenado de aproximadamente € 1600 euros mensais.
Tem como despesas fixas a amortização de duas casas e de um crédito pessoal, no valor total de € 500 euros mensais, a que acrescem as despesas correntes com a habitação onde vive, no valor de 100 euros por mês.

EE

911) - O arguido é natural do distrito ..., VVV e oriundo de um agregado de média condição socioeconómica, constituído pelos pais e oito irmãos mais novos.
O seu processo de desenvolvimento decorreu num ambiente familiar coeso e numa dinâmica harmoniosa que permitiu o atendimento das necessidades básicas de todos os elementos. O pai era chefe de estação ... e a mãe doméstica, tendo o agregado, por motivos laborais do pai, fixado residência em ... quando o arguido tinha 3 anos de idade.
Apresenta um trajeto escolar de sucesso, tendo frequentado de forma regular o ensino público. Após a conclusão do ensino secundário completou o grau de bacharelato no Instituto de .... Posteriormente, e sob o estatuto de trabalhador estudante, obteve o grau de licenciatura no Instituto ... que frequentou durante dois anos.
Após o cumprimento do serviço militar (entre 1973 e 1975), iniciou a carreira profissional tendo exercido funções como ... no ensino secundário. Entre 1977 e 1993 trabalhou na ..., alcançando a posição de Director de ....
Assumia este cargo quando em 1993 se retirou com licença sem vencimento por tempo indeterminado e integrou nessa altura a consultora internacional ... na qual trabalhou como especialista tributário e consultor até 1997, e desde então, e até 1999, já como sócio da empresa.
No período de 1990 a 1995, foi ... tendo lecionado cadeiras nas áreas da contabilidade e auditoria na Universidade ... e no Instituto ....
De 1999 a 2007 foi ... da Sociedade Lusa de Negócios (SLN - Sociedade Gestora de Participações Sociais), que detinha o Banco Português de Negócios, tendo saído em situação de pré-reforma, ainda que se tivesse mantido com remuneração até 2009.
Casou com 22 anos de idade e divorciou-se decorridos 25 anos de casamento, mantendo bom relacionamento com a ex-mulher.
Do casamento nasceram duas filhas, atualmente com ... e ... anos de idade, ambas autonomizadas e com situações socio laborais estáveis.
Há cerca de 15 anos estabeleceu novo relacionamento afectivo, em união de facto, com II, relacionamento que terminou no final do ano de 2012, mantendo com a mesma um os enteados um bom relacionamento.
No período a que se reportam os factos dos autos o arguido residia com II e os dois enteados, em habitação arrendada localizada no centro da cidade .... Detentor de uma situação profissional estável e diferenciada, tal como a companheira, ... o casal usufruía de uma condição socioeconómica estável.
A passagem à condição de pré reforma, e sobretudo desde 2009 quando deixou de ser remunerado e o envolvimento com a justiça acarretou para o arguido um decréscimo nas suas condições económicas e um decréscimo da possibilidade de envolvimento em novas atividades profissionais, ainda que tenha mantido sociedade em três empresas dos ramos da restauração, imobiliário e de transação de acções.
Actualmente recebe pensão de reforma, no montante de € 2460 euros mensais, sendo esta a sua única fonte de rendimento.
Actualamente vive na localidade de ..., no concelho ..., onde habita sozinho uma moradia de que é proprietária de uma sociedade da qual é detentor de 20% do capital, tendo como encargo mensal a respetiva renda mensal no valor de € 500 euros.

FF

912) - FF experimentou uma vivência familiar em meio rural, inserido num agregado numeroso - o mais novo de oito irmãos -, de condição sócio económica desfavorecida, cuja principal actividade económica, garante da subsistência da família, era a agricultura, à qual se dedicava todo o grupo familiar, com exceção do pai, por padecer de limitações de natureza física.
O processo educativo do arguido obedeceu a critérios de exigência no cumprimento das regras familiares e assentou na transmissão de um quadro de valores no qual se releva a importância do trabalho.
Impossibilitado de prosseguir a frequência escolar por constrangimentos de natureza económica escolar, aos treze anos de idade o arguido inicia-se na atividade agrícola, no pequeno comércio, transacionando gado bovino e comercializando leite produzido domiciliarmente.
Em 1961 deslocou-se para Lisboa, ingressou na ....
No período de quase sete anos em que permaneceu naquele ramo das forças armadas portuguesas, cumpriu o serviço militar obrigatório e investiu na sua formação escolar, assim como estabeleceu um conjunto de relacionamentos com pessoas com estatuto socioeconómico e profissional de relevo e com visibilidade pública.
Em março de 1969 foi convidado a ingressar no ... (...), entidade bancária que o acolheu até 31 de dezembro de 1994.
Entre 1987 e 1994, já titular da licenciatura em economia, exerceu funções, em regime de requisição, de presidente do ... do Hospital ... e posteriormente do Hospital ..., este último a convite do então ....
Retornou ao ... e, pouco depois, a convite de BB, assumiu funções de ... coordenador da área comercial do ..., onde permaneceu até 1997, data em que transitou para o BPN
Desempenhou entre Janeiro de 1998 e Março de 2000 funções de ..., transitando posteriormente para o cargo de ... nas área comercial e património.
FF permaneceu no BPN até Julho de 2008.
Concomitantemente, e desde 1982, o arguido associou ao seu desempenho profissional principal o exercício de funções ..., no Instituto ... (1982-1988) e no Instituto Superior ... (1983-2006).
FF dispõe de um enquadramento familiar estável, alicerçado numa relação de casamento com 46 anos de vivência conjugal e quase tantos de paternidade, tendo dois filhos, com idades muito próximas e já autonomizados.
Reside desde 2004 em apartamento de tipologia 3, propriedade do casal, localizado na zona de ....
O arguido aufere mensalmente cerca de € 1550 relativos a duas prestações de reforma (I... e extinto ...) ao que se somam € 2209,06 da prestação de reforma do cônjuge (docente do ensino secundário). Os encargos regulares de teor mais expressivo reportam-se ao pagamento mensal de serviços jurídicos (€ 1500), medicação (€ 230), água e eletricidade (€ 100) seguro automóvel (€ 950/ano).
O ano de 2008 surgiu como um período conturbado na história de vida do arguido: abandonou o BPN com perda de estatuto sócio-económico e profissional, o genro (CC) viveu um contexto de divórcio de gestão complexa, ao que se associou, em Julho, a situação de desemprego daquele (... de formação) e da ex-mulher, ambos quadros do BPN.
Simultaneamente, em novembro, o arguido é diagnosticado com ... crónica e mais recentemente com ..., observando terapêutica farmacológica em conformidade e radioterapia.
Apesar deste contexto, o arguido manteve um quotidiano estruturado, ocupando funções de presidente do ... de contas do Sindicato dos Bancários ... entre 2009 e abril de 2014.
Manteve-se ainda e simultanemanete como vogal da T..., SGPS, SA, onde cumpriu um mandato de três anos.

GG

914) - GG é oriundo de um meio rural, nascido numa família tradicional de classe média.
Aos 16 anos o arguido deslocou-se para Lisboa, onde foi acolhido por familiares, com o objetivo de dar continuidade aos estudos, ingressando no Instituto Superior ... (I...) e concluindo a licenciatura em sociologia.
No plano profissional, o arguido teve a sua primeira experiência laboral aos 18 anos, como administrativo nos serviços da Caixa de Previdência, tendo um ano depois sido admitido na ... como operador de som.
Terminada a licenciatura, o arguido iniciou atividade na área dos recursos humanos como dirigente em empresas privadas, entre 1971 e 1976, sendo que entre 1973 e 1976 pertenceu ao quadro de pessoal da empresa S..., SA, com o cargo de chefe do departamento de pessoal.
Em 1973 o arguido constituiu o seu núcleo familiar, tendo do casamento nascido duas filhas.
A mulher era trabalhadora do centro de documentação da ..., sendo a dinâmica familiar gratificante e estável.
Após o 25 de Abril de 1974 e na sequência da alteração da organização política do país, o arguido iniciou a sua carreira político-partidária. Em 1980 assumiu o seu primeiro cargo governativo no poder local com a eleição para Presidente da Junta de Freguesia ..., sendo mais tarde, entre 1986 e 1989, eleito ... da Câmara Municipal ... e ainda para deputado à Assembleia da República, cargo que exerceu por pouco tempo. Em 1989 foi nomeado para desempenhar funções governativas como ... e seguidamente, em 1990, como ..., cargo do qual veio a ser exonerado na sequência de uma remodelação ministerial em 1994. Nesta sequência o arguido retomou as atividades anteriormente exercidas, como alto cargo na administração pública, nomeadamente na ..., ... ... e IP..., tendo permanecido neste último na qualidade de administrador até à sua extinção em 2002.
Foi no contexto de extinção do I... que o arguido e HH se tornaram sócios, constituindo a empresa “Sociedade G..., SA”, que tinha como objetivo o desenvolvimento de projectos imobiliários, e bem assim constituindo outras empresas na mesma área, que terão tido sucesso entre 2002 e 2008.
O colapso do BPN/SLN levou à falta de liquidez das empresas e consequentemente à estagnação dos negócios.
O arguido reside com a mulher, mantendo o casal um nível económico confortável. A mulher do arguido encontra-se reformada mas ativa, sendo proprietária de uma loja de .... Economicamente o casal tem como fontes fixas de rendimentos as suas reformas, correspondendo a do arguido a cerca de € 3600/mês.
Apesar de aposentado desde os 65 anos de idade, o arguido continua a dedicar-se com o seu sócio HH à empresa “Sociedade G..., SA”, que mantém um quadro de pessoal de três trabalhadores, pese embora o fraco volume de negócios.
No plano pessoal, o arguido apresenta-se como uma pessoa cordata, sociável e solidária, participando ao longo do seu percurso de vida em diversas actividades cívicas e políticas em prol da comunidade, quer a nível individual, quer coletivo.
A inibição de acesso a crédito bancário que lhe foi aplicada determina que o volume de negócios não tenha significado, mas mantém a expectativa de, resolvida esta fase da vida, aumentar o volume de negócios na área da reabilitação urbana, reorganizando o tecido empresarial, recuperando a confiança dos mercados financeiros e empresariais e nessa sequência retomar um papel mais ativo ao nível da gestão, de acordo com as suas capacidades, considerando a sua idade.

HH

915) - O arguido é oriundo de um agregado familiar de estatuto socioeconómico modesto, residente numa aldeia do concelho ..., constituído pelos pais e os quatro filhos do casal.
O agregado vivia dos rendimentos obtidos pelo pai, pequeno comerciante, e a educação pautou-se por valores de cariz religioso.
O arguido frequentou a escola comercial, onde veio a concluir o curso comercial, aos quinze anos de idade, com um bom desempenho.
Cumulou a frequência escolar com o exercício da atividade laboral como empregado de escritório na F..., Lda., que iniciou aos quinze anos de idade, devido às necessidades de cariz económico da família e aos princípios defendidos pelo progenitor. Devido ao seu interesse na formação escolar e por sua iniciativa, o arguido candidatou-se a uma bolsa de estudo da Fundação ... - organismo com o qual mantinha contacto através da ... - de modo a poder dar continuidade aos estudos.
Com a atribuição da referida bolsa de estudo, ingressou no Instituto ... no curso de Contabilidade, em ..., obtendo a equivalência ao antigo sétimo ano.
Aos dezanove anos de idade ingressou na faculdade, no Instituto Superior ....
Para ajudar a custear as despesas inerentes à sua permanência em Lisboa e aos estudos, o arguido arranjou trabalho no ..., das 21 horas às 24 horas, cumulando esta atividade com os estudos e até ao seu ingresso na Força Aérea, como voluntário (aos dezanove anos de idade).
A sua permanência na base de ..., no posto de alferes, permitiu-lhe concluir mais três anos dos cinco do curso superior, devido à flexibilidade de horários e ao vencimento de que usufruía.
Nos anos de 1969 e 1970, e em período de férias, o arguido deslocou-se, à boleia, a Paris e a Londres, com o objetivo de viver e conhecer os movimentos políticos e sociais que se formavam nas principais cidades da Europa. Em 1971 passou à disponibilidade na Força Aérea e após a frequência do último ano da faculdade o arguido desempenhou a função de assistente universitário.
Depois da conclusão da licenciatura, através de convite e conhecimentos pessoais, o arguido entrou nos quadros de uma empresa, a ... - ..., com o objectivo, entre outros, de concretizar um projeto de urbanização de uma quinta, em ..., onde tinha a função de economista na área de urbanismo. Durante este período de tempo em que permaneceu na referida empresa e até Abril de 1974, a arguido alcançou condições económicas que lhe permitiram adquirir habitação e viatura própria, bem como ajudar os irmãos a fixar residência em ..., para realização das respetivas licenciaturas.
Após a revolução de 1974 o arguido HH foi convidado para desempenhar o cargo de vice-presidente na ..., organismo que dependia à data do Ministério da Economia, tendo de seguida passado a desempenhar a função de Presidente. Interrompeu esta atividade para fazer parte do ... Governo Provisório, como ..., nomeadamente de Março a Setembro de 1975 - data em que caiu o Governo que então vigorava -, após o que retomou a função de Presidente da ..., pese embora nunca tenha tomado posse deste cargo. Com o 25 de novembro de 1975 foi afastado das suas funções, continuando, contudo, a receber a remuneração inerente à função de Vice-presidente durante cerca de um ano.
Em 1976, durante dois meses, o arguido foi trabalhar gratuitamente para a ..., nos ..., pertencentes ao PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, como consultor do ..., tendo como missão a agregação de duas organizações - ... e ....
Dado o seu interesse em ser funcionário das Nações Unidas, e através do convite por parte de um político ..., deslocou-se a ... onde se tornou funcionário da FAO - Food and Agriculture Organization, na .... Um ano depois, devido a doença não diagnosticada, teve de regressar a Portugal, não voltando a renovar o contrato de trabalho, por sua opção.
Na situação de desempregado candidatou-se ao I... - ..., onde veio a ingressar com a função de Técnico Economista de 3ª Classe. Permaneceu naquele instituto durante 26 anos, até à sua extinção em 2002. À data da sua saída, o arguido desempenhava a função de Administrador da Sociedade G... S.A., empresa que tinha sido criada por si, em 1998, e que veio a adquirir em finais de 2002, em sociedade com um dos coarguidos no presente processo, GG, e com recurso a financiamento do BPN. A empresa adquirida tinha como principal objetivo a gestão e venda de património.
O arguido casou em 1981, sendo a mulher terapeuta da fala, por conta de outrem e por conta própria. A mulher tinha duas filhas de um casamento anterior e o casal teve dois filhos, atualmente com ... e ... anos de idade.
À data dos factos, o acumulava também a função de Presidente não executivo da Qui..., função que exercia desde 2002 e que deixou de exercer por exoneração do cargo, depois da sua constituição como arguido no presente processo.
Em 2009 o HH reformou-se e, desde então, usufrui de uma pensão de reforma no valor de € 3300 euros/mês.
Vive com a mulher em vivenda própria, situada em ..., desde há 25 anos. Os dois filhos são autónomos, sendo que o filho, licenciado em ..., pela Universidade ..., permanece emigrado desde os 18 anos, encontrando-se há cerca de ... anos na S.... A filha, licenciada em ..., é proprietária de uma loja de venda de artigos de ....
A mulher do arguido é reformada e recebe como pensão de reforma cerca de 300 euros/mês, acrescendo a este valor uma renda de um imóvel adquirido por herança, que lhe rende cerca de 600 euros/mês.
O relacionamento familiar é solidário.

DD

916) - O arguido nasceu em 1948 no seio de uma família da alta burguesia de V..., sendo o seu pai industrial, com actividade que se expandia para além do território nacional, e dedicando-se a mãe à gestão do espaço doméstico.
O arguido é o segundo filho de uma fratria de cinco elementos, tendo o seu ambiente familiar, na infância e adolescência, sido enquadrado por valores tradicionais e de inspiração católica, tendo chegado a frequentar um Seminário, para o qual entrou aos 11 anos de idade com o propósito de vir a seguir a carreira eclesiástica.
O arguido abandonou o Seminário ao fim de dois anos, por falta de vocação, e entrou para o Colégio ..., onde veio a completar o, então, 5. º ano do ensino liceal.
Após a conclusão do 5.º ano dos liceus, o arguido realizou uma prova de aferição para entrar no I..., no curso de ..., onde veio a ingressar aos 17 anos de idade.
Passou, assim, a sua infância e juventude num contexto de província, no seio de uma família com condições socio-económicas acima da média e com relações sociais privilegiadas, o que lhe viria a permitir concretizar sem dificuldades o seu projeto de vida.
Aos 21 anos de idade, estava, então, no 3º Ano do curso de Engenharia, foi incorporado no Serviço Militar Obrigatório (SMO), onde permaneceu cerca de três anos, um ano na cidade ... e outros dois na ..., recebendo condecorações pela excelência dos serviços aí prestados.
Terminado o cumprimento do SMO regressou ao I..., tendo concluído o curso em 1974.
Com o advento da indústria dos plásticos, em meados dos anos 60, os negócios paternos perdem a sua expressão de prosperidade.
Em 1975, após a conclusão do curso de Engenharia, o arguido transferiu-se para a cidade ..., tendo a sua primeira residência sido um quarto arrendado, onde viveu até à data do casamento.
Em ..., iniciou actividade laboral no, então, .../..., a convite do seu Vice-Presidente, onde teve um cargo de assessoria junto do Ministro.
Em 1977 saiu do ... e fundou com aquela que viria a ser sua cunhada, uma empresa de gestão de projetos de engenharia e arquitetura designada 'S...', cuja área de negócios era direcionada para a construção civil.
Em 1980 casa-se com WWW, que ainda hoje mantém como cônjuge, e um ano após o seu casamento nasce a sua primeira e única filha.
Transfere-se, à data, do quarto para um apartamento arrendado, em ..., onde reside com a sua família, cerca de 3 anos.
Em 1981 abandona a empresa 'S...', em parte pelo facto da atividade desta empresa se estar a redirecionar para o ramo da arquitetura, e funda uma outra empresa com a mulher, a PART..., também esta com ramo de negócios na área da gestão de projetos de construção civil, tendo realizado obras na cidade ....
Em 1983 adquire casa própria na ..., através de uma C... para a qual prestava serviços como gestor da construção.
Em 1986 adquire um novo imóvel, uma moradia com cerca de 400m2, com um terreno circundante de 4400m2, casa que manteve como morada de família, pese embora tenha deixado de ser o seu proprietário em 2008.
Em 2000 entrou, a convite de BB, para a Sociedade Lusa de Negócios (SLN) como vogal da empresa “I... S.A.” e nesse mesmo ano cede 80% da empresa PART... à SLN.
Em 2002 aceitou o cargo de presidente da PAR..., onde permaneceu até Setembro de 2005, saindo por motivos de saúde, nomeadamente um ... e problemas associados à ....
Entre 2005 e 2008 exerceu actividade como consultor na área da gestão de projetos para uma outra empresa do grupo SLN, a O..., também através de convite de BB, mantendo, à data, a remuneração mensal que já auferia anteriormente, no valor de € 11 680 e regalias, como sejam cartão de crédito e viatura pessoal.
Paralelamente, manteve atividade empresarial a título pessoal e em sociedade com a mulher, entre essas empresas a B... M... e a Sca... - Construção Civil, as quais vieram a ser declaradas como insolventes, a primeira em 2009 e a segunda no início de 2010.
Criou, ainda, a empresa H... - Construção, que também se tornou insolvente.
À data da sua constituição como arguido, vivia com a mulher e a filha, encontrando-se esta actualmente autonomizada e a viver na ... com o marido e os filhos.
A dinâmica familiar e promotora de estabilidade e gratificação.
O arguido viveu entre 1986 a Julho de 2014 na casa adquirida para morada de família como seu proprietário e, após ser declarado insolvente e ter vendido a casa, como arrendatário, sendo o montante da renda de € 1370.
Em Julho de 2014 transferiu-se para um outro imóvel na cidade ..., pelo qual pagava de renda € 565/mês e no início de 2015, aproveitando a circunstância de a sua filha se encontrar a residir na ..., transferiu-se para casa desta em C..., contribuindo com € 600/mês como comparticipação de parte do pagamento mensal devido à entidade credora, cuja mensalidade é de € 1700/mês, acrescido de pagamento de condomínio no valor de € 195/mês.
Em 2009, na sequência da extinção do seu posto de trabalho na O..., o arguido cessou a sua atividade laboral por conta de outrem, mantendo apenas a sua atividade empresarial em nome
 pessoal e solicitou a atribuição de Subsídio de Desemprego, o qual lhe veio a ser concedido, sendo o montante atribuído de € 1100/mês, encontrando-se 1/3 desta quantia cativado para liquidação de dívidas.
Presentemente, o agregado familiar subsiste com base na pensão de reforma de que o arguido passou a beneficiar desde os 65 anos de idade, no valor mensal de € 3111, encontrando-se parte deste montante (€ 1848) cativado em função da insolvência. A mulher do arguido continua inactiva.
918)   - Nenhum dos arguidos regista antecedentes criminais.

Das contestações crime
Da contestação crime do arguido BB

919) - O arguido BB detinha mais de 18 000 000 acções da SLN SGPS, S.A., com o valor nominal de € 1 (um euro) cada;
920) - E participava indirectamente no capital da mesma através da detenção de mais 5 000 000 de acções da SLN Valor, SGPS, S.A.;
921) - Ao iniciar o processo de dinamização das diversas áreas de actividade o arguido BB tinha como pressuposto que a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. não seria abrangida pelas regras da supervisão do Banco de Portugal, situação que foi objecto de troca de correspondência com o Banco de Portugal, o qual impôs a sua interpretação no sentido de esta dever ser considerada uma companhia financeira;
922) - O arguido AA era à data dos factos um reputado empresário do ramo imobiliário;
923) - O arguido AA tinha profundos conhecimentos da área imobiliária e era reconhecido como um homem capaz de proporcionar e obter, através da detecção de oportunidades de negócio, elevadas mais-valias da área do imobiliário;
924) - Nos anos a que se referem os factos e, desde logo, a partir de 2000 os grandes grupos económicos portugueses e, designadamente, os financeiros, atenta as mais-valias proporcionadas pelo mercado imobiliário passaram a ter interesse no desenvolvimento dessa área de negócio;
925) - E por não terem conhecimentos específicos nessa área de negócio, passaram a socorrer-se de parcerias com pessoas ou sociedades que detinham o know how, sendo esse o caso do arguido AA;
926) - Todos os negócios imobiliários celebrados através de parcerias com o arguido AA enquadraram-se sempre numa estratégia de obtenção de mais-valias;

927) - As negociações do protocolo de acordo foram demoradas e quezilentas, sendo acompanhadas, em representação do arguido AA, por XXX, advogado do mesmo, que tentou alcançar para o seu constituinte o melhor acordo possível;
928) - Os arguidos GG e HH são pessoas competentes e com conhecimentos específicos na área do imobiliário, capazes de desenvolver projectos de valorização de activos imobiliários e de os promover e colocar no mercado com significativas mais-valias;
929) - Sempre foi reconhecido pela sua competência profissional, honestidade, altruísmo, dedicação ao trabalho e respeitado por superiores e subordinados;
930) - No processo executivo n.º 112/12.8... junto do ... Juízo do Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão de ... acima identificado foi cumulada a execução para cobrança coerciva da coima de € 300.000,00 aplicada ao arguido no âmbito do processo de contra-ordenação do Banco de Portugal n. º 17/14.8... (PCO n.º 13/09/CO), por decisão proferida em 24-09-2013;

Da contestação crime do arguido CC

931) - O arguido integrou como vogal o ... da SLN, SGPS, S.A. entre 29-11-2002 e 17-06-2008;
932) - O arguido assistia regularmente às reuniões do ... do banco antes e depois da sua nomeação como vogal do ... da SLN SGPS S.A.;

Da contestação crime do arguido EE

(Não são apresentados factos a elencar como provados);

Da contestação crime do arguido FF

933) - Em 29-05-2006 e 26-07-2006 o arguido já não tinha a seu cargo o pelouro da área
comercial norte.

934) - Cabia ao administrador com o pelouro comercial apresentar em ... as propostas de crédido e quando se tratava de proposta da crédito a conceder a entidade   do grupo esta era explicada directamente por BB;
935) - BB, em reunião de ..., descreveu a sociedade AT... de forma entusiástica, como empresa com grande potencial de desenvolvimento, responsável pela resolução de problemas graves na administração pública, designadamente no âmbito dos concursos para colocação de professores promovidos pelo Ministério da Educação,
936) - As propostas de descobertos bancários acima descritos foram sempre introduzidas pela área comercial e, após os pareceres favoráveis que sobre as mesmas recaíram, foram formalmente submetidas à aprovação do ..., constando de cada uma a aposição do carimbo “Autorizado em C.A.”.

Da contestação crime do arguido AA

937) - AA conheceu BB quando este era presidente do Finibanco, S.A.;
938) - A AA era cliente do Finibanco, sendo seu gestor de conta EEE, que posteriormente transitou para o BPN, onde continuou a ser gestor de conta de AA;
939)- O BPN financiou um projecto de AA de aquisição da sociedade H... & A..., S.A., detentora de um imóvel conhecido como “...” a ser realizado, em 15 de Maio de 1998;
940) - AA era e é promotor imobiliário;
941) - Como promotor imobiliário sempre foi seu objetivo identificar oportunidades de negócio, comprando o mais barato que fosse possível imóveis nos quais visse potencial de desenvolvimento urbanístico - ainda que a longo prazo -, desenvolver projetos que pudessem nos mesmos ser implantados, executá-los, promovendo a sua alienação nas fases de desenvolvimento e pelos preços que entendesse adequados no momento;
942) - Para o desenvolvimento da sua actividade, o arguido socorreu-se de financiamentos obtidos junto de várias instituições financeiras, sendo que em determinado período o BPN, S.A. foi o seu principal financiador;
943) - Foi o arguido AA quem descobriu, através da mediadora imobiliária de YYY, que o terreno da ... estava para venda;
944) - O terreno da ... foi comprado depois de o arquitecto ZZZ ter ido à Câmara Municipal ... e nesta ter recolhido informação em como o terreno teria capacidade construtiva;
945) - BB deu autorização para adquirir o terreno da ... num negócio em que a participação do Grupo seria de 65% e a de AA de 35%.;
946) - A R... - Sociedade Imobiliária, SA tinha como participantes a própria SLN (65%) e AA (35%);
947)  - AA renunciou em 31-12-2002 ao cargo de vogal do conselho de administração da R... - Sociedade Imobiliária, SA;
948) - AA pagou a aquisição dos 100% do capital social da STA... através do cheque sacado sobre o BIC;
949) - A O..., para garantia do pagamento do remanescente do preço devido à No... acordou entregar uma garantia bancária on first demand emitida pelo Banco Internacional de Crédito no montante de € 432.766,39;
950)  - Tendo igualmente celebrado um acordo parassocial segundo o qual a O... entregaria, a título de suprimentos à AT..., um montante até € 350.000,00 para garantia das necessidades de liquidez de tesouraria da AT...;
951)  - A O... efetuou suprimentos à AT... no montante global de € 218.750,00, a saber:
- a 17-09-2004 emitiu um cheque de € 175.000.00 sacado sobre o BIC à ordem da AT...;
- A 08-10-2004 emitiu um cheque de € 43.750.00 sacado sobre o BIC à ordem da AT...;
952) - Os referidos suprimentos no montante de € 218.750,00 foram devolvidos à O... em 02-11-2006;
953) - A AT... veio a prestar serviços dentro da sua área de actuação ao BPN;
954) - Em 15-11-2005, a GRUPO R..., SGPS, efectuou um suprimento à AT... no montante de € 140.000,00, emitindo para o efeito um cheque naquele montante sacado sobre o BES;
955) - Em 27-10-2006 a AT... veio a proceder à devolução dos € 140.000,00 que a GRUPO R..., SGPS, nela aplicou a título de suprimentos;
956) - Segundo relatório elaborado pela Crimson Consulting, a pedido da Microsoft, e datado de 2010, o produto Forms2Net (sistema de migração de dados entre linguagens informáticas incompatíveis) desenvolvido pela AT... tinha um potencial de mercado para tecnologia de migração de, pelo menos, cerca de 40 milhões de dólares;
957) - Também a IBM encetou negociações com a AT..., na pessoa do Eng. XX;
958) - Quando decidiu alienar as participações detidas na AT... pelas sociedades O... e GRUPO R..., SGPS, aos compradores que lhe foram apresentados pelo arguido BB o arguido AA fê-lo pelo montante que considerou ser o adequado à realidade que conhecia da empresa e à rentabilização dos investimentos que havia realizado para a aquisição das mesmas e em suprimentos prestados;
959) - Acordou ainda que o contrato prometido de venda das referidas 12 525 acções viria a ocorrer entre 01 e 30 de Março de 2009 contra o pagamento do remanescente do preço (€14.285,00), momento em que se procederia à transmissão de tais participações sociais para a esfera dos compradores;
960) - Celebrou o contrato prometido a 23-03-2009, recebeu o remanescente do preço e comunicou a ordem de transferência das participações nos termos que haviam ficado a constar do contrato promessa;
961) - Com a criação da AT... II a AT... licenciou à primeira os direitos tecnológicos que detinha;
962) - A participação de AA (diretamente ou através da GRUPO R..., SGPS,) no capital social da AT... II correspondeu a 16 625 acções e implicou um custo financeiro por parte de AA de € 5.000,00, a que acresce o investimento de € 11.625,00 através da GRUPO R..., SGPS,;
963) - AA por estava convicto do enorme potencial de valorização das tecnologias que a AT... II estava a desenvolver e mercados potenciais;
964) - A 30-10-2006 a GRUPO R..., SGPS, celebrou contrato de aquisição de 4313 acções da AT... II ao sócio XX e mulher, AAAA, pelo preço de € 616.000,00, que pagou;
965) - A 30-10-2006 a GRUPO R..., SGPS, celebrou contrato de aquisição de 1437 acções da AT... II ao sócio YY, pelo preço de € 205.000,00, que pagou;
966) - Em 10-08-2009 foi registado um aumento de capital da AT... II no montante de €950.000,00, passando a sociedade AT... II a ter um capital social de €1.000.000,00;
967) - Nesse aumento de capital a GRUPO R..., SGPS, investiu € 316.000,00;
968) - Os acionistas HH e GG decidiram não subscrever o aumento de capital, tendo AA aceitado subscrevê-lo, assim aumentando significativamente a sua participação na empresa;
969) - A K... transferiu a quantia de 570 mil contos (ou € 2.843.148,01) para a conta titulada pela G... junto do BPN Cayman, sendo certo que tal quantia foi transferida na mesma data para a conta da SLN Investimento para pagamento do preço fixado entre AA e  e BB em negócio não apreciado nestes autos;
970) - A posterior transmissão das mesmas à PE..., pela K..., visou apenas repor a real situação de titularidade das participações da Palácio .... S.A., concentrando-as em veículo utilizado por AA;
971) - Para pagamento do preço de aquisição dos Terrenos de ... a O... sacou três cheques (no montante de €500.000,00 dois deles e o terceiro de €100.000,00) sobre a conta de que era titular no BPN, cheques esses descontados e depositados na conta pessoal do arguido AA junto do BES;
972) - O arguido AA pretendia desencadear um projecto PIN para viabilizar a construção de projecto de urbanização na Herdade da ...;
973) - AA pediu um financiamento para adquirir uma quota de € 5.000.000 da SLN Valor, SGPS, S.A., não tendo determinou, decidido ou sido informado da origem e trajeto dos fundos utilizados para adquirir tais participações sociais;
974) - Em Maio de 2005, a Colliers P&I estimou o valor de mercado da Herdade ... em € 21.866.948;
975) - Em Fevereiro de 2006 a PART... indica, em memorando sobre a O..., que o valor estimado do projeto seria de cerca de 35 milhões de euros;
976) - Em 02-10-2003, AA, através da Lis... P..., adquiriu ao Fundo I... o terreno Aq..., pelo valor de € 14 100 000;
977) - Em Novembro de 2001, a Colliers P&I considerou que o valor de mercado do terreno com projecto denominado G..., era de € 3 817 984;

Da contestação crime dos arguidos GG, HH e Amplimóveis, S.A.

978) - A par do contrato referido no ponto 147) da factualidade assente, os arguidos GG e HH subscreveram, com a mesma data de 12-12-2003, outros dois contratos de mútuo, nos quais o Banco Insular figurava como mutuante, um no valor de € 7 000 000, sendo mutuária a Amplimóveis, S.A., e outro no valor de € 5 750 000, sendo mutuária a P... F....

Da contestação crime do arguido DD

Os factos alegados na contestação crime deste arguido estão todos abrangidos pela excepção ao seu elenco, conforme nota-de-rodapé.

*

Dos pedidos de indemnização civil
Do pedido de indemnização apresentado pelo Ministério Público em representação do Estado a fls. 7637 a 7640 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) [Artigo parcialmente remissivo para a factualidade descrita nos arts. 157.º a 181.º da acusação, devendo ter-se em atenção a factualidade da pronúncia acima enunciada como provada neste segmento] - Os arguidos GG, HH e Amplimóveis lesaram o Estado Português através da provocação ardilosa de perdas na esfera do sujeito passivo AMPLIMÓVEIS, de tal forma que, relativamente ao ano de 2003, fizeram esta entidade omitir o pagamento do IRC relativo aos ganhos realmente alcançados;
2) - Os arguidos GG, HH e AMPLIMÓVEIS, forjaram de forma ilícita a existência de menos valias nesta última e privaram assim o Estado de uma receita fiscal que lhe era devida em sede de IRC e derrama, relativo ao ano de 2003, no montante de 1.981.545,72;
3) - [Artigo parcialmente remissivo para a factualidade descrita nos arts. 837º e seguintes da acusação, devendo ter-se em atenção a factualidade da pronúncia acima enunciada como provada neste segmento];
4) - [Não provado];
5) - [Não provado];
6) e 7) - [Artigos de desenvolvimento da argumentação jurídica e pedido].

Do pedido de indemnização formulado pela Galilei Imobiliária, SGPS, S.A. apresentado a fls. 7874 a 7911 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) - [Artigo remissivo para a factualidade da acusação, devendo ter-se em atenção a factualidade da pronúncia acima enunciada como provada];
2) - A Galilei Imobiliária, SGPS, S.A. é uma sociedade que tem por objecto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas, podendo, ainda, nos termos do contrato a celebrar para o efeito, prestar serviços técnicos de administração e gestão a qualquer das sociedades em que possua participações, bem como arrendar a estas mesmas para sua instalação bens imóveis de que seja proprietária;
3) - No âmbito do objecto social da Galilei Imobiliária, SGPS, S.A., os arguidos BB, EE, CC, e DD determinaram, por contrato de compra e venda de acções em que aquela estava representada pelos dois últimos, a aquisição da totalidade do capital social da “B... . S... - Sociedade Imobiliária, S.A.” ao arguido AA;
4) - A sociedade B... . S..., com o NIPC ..., foi constituída em 9 de Novembro de 2000, com o capital social de € 50.000,00, dividido em 50.000 acções de € 1,00, cada uma.
5) - A sociedade B... . S... tinha como objecto a promoção imobiliária, construção de imóveis e celebração de negócios de compra, compra para revenda de imóveis, gestão de imóveis próprios e prestação de serviços de administração imobiliária;
6) - A aquisição da sociedade B... . S... pelo arguido AA teve como objectivo, entre outros, a transmissão, para o seu património, da denominada Herdade da ..., sita no Concelho ..., então detida pela sociedade “A..., Unipessoal, Limitada”, descrito na Conservatória Predial ... sob o n.º 00...8/121288, da freguesia ...;
7) - A sociedade B... . S..., para além da Herdade da ..., procedeu ainda à aquisição de outros imóveis, a saber:
a) Um prédio sito no ... (freguesia ... - Lisboa), descrito sob o n.º 892 na Conservatória do Registo Predial ..., adquirido em 11 de Maio de 2004 à O..., pelo preço de € 1.000.000,00;
b) Uma fracção autónoma sita em ... (Freguesia ... - ...), adquirida pelo preço de € 57.361,56;
8) - Em 02 de Maio de 2005, o arguido AA, em nome pessoal, celebrou um contrato de compra e venda com a PAR... Imobiliária SGPS, S.A., representada no acto pelos ... DD e CC, através do qual vendeu a esta, com efeitos
imediatos, as 50.000 acções representativas da totalidade do capital social da sociedade B... . S..., pelo preço de € 32.500.000,00;
9) - Para pagamento do preço, os arguidos CC e DD assinaram o cheque n.º ...65 sobre a conta BPN n.º ...01, titulada pela PAR... Imobiliária, no montante de € 32.500.000,00 à ordem de AA;
10) - O pagamento deste cheque foi autorizado a descoberto pelo arguido BB, uma vez que na conta da Lesada não existiam fundos suficientes, ficando desse modo com saldo negativo de € 32.415.571,22;
11) - Os arguidos BB, CC, EE e  DD fizeram com que o BPN entregasse a AA € 32.500.000,00 pela totalidade do capital social da B... . S...;
11-A) - A REN..., Consultoria e Avaliação, Lda. ” elaborou uma avaliação da Herdade da ... sustentada em projecto imobiliário que não mereceu aprovação junto da Câmara Municipal ... por violação do respectivo Plano Director Municipal;
12) - Em 20 de Junho de 2007, a fracção autónoma sita em ... foi vendida pelo preço de € 145.000,00;
13) - No dia 21 de Julho 2007 o prédio sito no ... foi vendido à sociedade “H... M... - Compra e Venda de Imóveis, S.A.”, pelo preço de € 1.320.000,00;
14) - Os arguidos BB e CC decidiram proceder a um aumento do capital social da sociedade B... . S..., que passou de € 50.000,00 para € 500.000,00, representado por 500.000 acções com o valor nominal de € 1,00 cada;
15) - Tendo, para tanto, os arguidos BB e CC determinado que a conta n.º ...96 titulada pela então PAR... Imobiliária no BPN fosse debitada para crédito na conta da B... . S... (n.º ...01) no montante de € 450.000,00, para efeitos de subscrição do dito aumento de capital;
16) - Em 28 de Dezembro de 2007, a PAR... IMOBILIÁRIA SGPS, SA, representada por KKK e JJJ, na qualidade de legítima possuidora das 500.000 acções representativas da totalidade do capital social da B... . S..., vendeu 250.000 acções desta sociedade à GER..., representada no acto pelos arguidos GG e HH;
17) - Os arguidos BB e CC estipularam que a venda das referidas acções seria efectuada pelo preço de € 16.875.000,00;
18) - Os mesmos arguidos incluíram ainda na venda à GER... créditos por suprimentos constituídos na B... . S..., no montante de € 400.000,00;
19) - O preço total da venda à GER... importou em € 17.275.000,00;
20) - Na mesma data, 28 de Dezembro de 2007, a GER... transferiu para a conta da PAR... o montante de € 17.275.000,00 como forma de pagamento da aquisição das 250.000 acções representativas do capital social da B... . S... e dos suprimentos;
21) - Foram levadas a cabo avaliações à Herdade da ..., tendo a REN... atribuído, em 30 Junho de 2005, o valor de € 60.200.000,00 e a “Colliers P&l”, em Março de 2006, o valor de € 31.804.843,00, no pressuposto de ter sido aprovado o projecto imobiliário que para ali havia sido idealizado;
22) a 29) - [Artigos de desenvolvimento da argumentação jurídica];

Do pedido de indemnização formulado pelo Banco BIC Português, S.A. apresentado a fls. 8560 a 8643 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) - O “BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.” foi incorporado, por fusão, no banco “BPN -BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A.” (doravante abreviadamente designado por BPN), com sede social sita na Av. António Augusto de Aguiar, n.º 132, 1050-020 Lisboa, Freguesia de São Sebastião da Pedreira, Concelho de Lisboa, com o capital social de € 300.228.000,00 (trezentos milhões, duzentos e vinte e oito mil euros), número único de matrícula e pessoa colectiva 503 159 093, conforme projecto de fusão por incorporação e aumento de capital, aprovado no dia 25 de Junho de 2012;
2) - Tal acto mostra-se inscrito no registo comercial com data de 07 de Dezembro de 2012;
3) - Em resultado da fusão por incorporação e nos termos da mesma, a Assistente passou a adoptar a firma “BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.”.
4) - [Artigo remissivo para a factualidade da acusação, devendo ter-se em atenção os factos da pronúncia acima enunciados como provados];
a) Do negócio do terreno da ...
5) - Em 21 de Junho de 2000, os arguidos AA e DD, em representação da sociedade “R... - Sociedade Imobiliária, SA - Sociedade Imobiliária, S.A.” (doravante abreviadamente designada por   “R... - Sociedade Imobiliária, SA”), celebraram com a sociedade não residente Min...Limited (doravante abreviadamente designada por “MIN...”), representada por SS e QQ, um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual esta entidade prometia vender à R... - Sociedade Imobiliária, SA um lote de terreno, com o número de polícia ...1, sito na localidade ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 1365, conhecido como terreno da ..., pelo preço de Esc: 1.200.000.000$00, no contravalor de € 5.985.574,76 (cinco milhões, novecentos e oitenta e cinco mil, quinhentos e setenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos);
6) - Ficou acordado entre as partes contratantes que o referido preço seria pago em três
prestações:

a) a primeira, no valor de cem milhões de escudos, na data da celebração do contrato promessa;
b) a segunda, no valor de setecentos milhões de escudos, na data em que a promitente vendedora entregasse à promitente compradora uma procuração irrevogável conferindo poderes para outorgar em nome daquela a escritura de compra e venda; e
c) a terceira, no valor de quatrocentos milhões de escudos, no prazo de seis meses a contar da entrega da procuração irrevogável, garantidos por uma garantia bancária à primeira solicitação, válida por seis meses;

7) - Em 21 de Junho de 2000, para cumprimento do referido plano de pagamentos e conforme o combinado, os arguidos AA e DD emitiram o cheque n.º ...18, sobre a conta n.º ...01 titulada pela R... - Sociedade Imobiliária, SA no BPN, no montante de Esc: 100.000.000$00, a favor da MIN...;
8) - Tal cheque foi pago, apesar de na conta da R... - Sociedade Imobiliária, SA não existirem fundos depositados suficientes, uma vez que havia sido deferida uma operação de crédito, que os arguidos BB e CC fizeram conceder, em nome do BPN, à mesma R... - Sociedade Imobiliária, SA;
9) - De forma a gerar o pressuposto para o pagamento da segunda prestação, no dia 28 de Junho de 2000, as fiduciárias da MIN... constituíram legítimo procurador da sociedade, TT, conferindo ao mesmo a possibilidade de substabelecer, para representar aquela entidade em todos os actos relacionados com a compra e venda do terreno da ..., pelo preço de Esc: 800.000.000$00;
10) - No dia 4 de Julho de 2000, TT, já na qualidade de procurador da MIN..., substabeleceu, sem reserva, no arguido EE todos os poderes que lhe tinham sido conferidos na referida procuração;
11) - Com a entrega da procuração a EE ficou preenchida a condição para pagamento da segunda prestação no contrato promessa de compra e venda;
12) - Assim, no mesmo dia 04 de Julho de 2000, os arguidos AA e DD emitiram outro cheque visado, este com o n.º ...11, sobre a conta bancária da R... - Sociedade Imobiliária, SA acima referida, no montante de Esc: 700.000.000$00 a favor da MIN...;
13) - Também este cheque foi pago, apesar de na conta da R... - Sociedade Imobiliária, SA não existirem fundos depositados suficientes, uma vez que havia sido deferida uma operação de crédito, que os arguidos BB e CC fizeram conceder, em nome do BPN, à mesma R... - Sociedade Imobiliária, SA;
14) - Para garantia do pagamento da terceira prestação do preço, na mesma data de 04 de Julho de 2000, o arguido BB e CC fez o BPN emitir as Garantias Bancárias n.º 7.../2000/S e 7..../2...00/S, ambas a favor da MIN..., no montante de duzentos milhões de escudos, cada uma;
15) - O pagamento dos remanescentes Esc: 400.000.000$00 veio apenas a ser realizado em 04 de Janeiro de 2001, tendo os arguidos EE, BB e CC determinado que JJ, responsável financeiro das empresas que integravam o grupo, desse instruções para que fosse debitada a conta junto do BPN Cayman da entidade offshore V..., conta n. º ...11, no referido montante de Esc: 400.000.000$00, por contrapartida de crédito de igual montante na conta junto do BPN Cayman, da entidade offshore CA... CAPITAL CORPORATION, conta n. º ...95;
16) - Os mesmos arguidos, ainda através do JJ, fizeram emitir instruções para que, de seguida, a mesma conta da Ca... fosse debitada por transferência, no mesmo montante de Esc: 400.000.000$00, a favor da conta BPN Cayman n.° ...01, titulada pela referida MIN...;
17) - Por outro lado, em 09 de Agosto de 2000, reuniu o Conselho de Administração da “Companhia de Seguros R.., S.A.” (doravante abreviadamente designada por R...), tendo estado presentes BB, EE, MM, OO e LL;
18) - Nessa reunião, os arguidos BB e EE fizeram aprovar uma deliberação no sentido de vender ou prometer comprar a terceiros o designado terreno da ..., atribuindo a qualquer um dos administradores da R... os necessários poderes para, cada um por si só, nos termos e condições que julgar convenientes, entre outros, vincular a sociedade, outorgando uma procuração irrevogável a favor da sociedade “Sta... - Sociedade Imobiliária S.A.” (doravante abreviadamente designada por STA...), atribuindo a esta última os necessários poderes para vender ou prometer vender o mencionado terreno, pelo preço e condições que entendesse;
19) - Por escritura datada de 26 de Setembro de 2000, a MIN..., representada pelo seu procurador EE, vendeu à sociedade R..., representada no acto pelo administrador MM, o terreno da ..., pelo preço de oitocentos milhões de escudos (Esc: 800.000.000$00), com o contravalor de € 3.990.380,00;
20) - A MIN... declarou no contrato já ter recebido a totalidade do preço de Esc: 800.000.000$00, sendo certo que relativamente ao montante de Esc: 400.000.000$00 possuía apenas as garantias bancárias acima mencionadas;
21) - Para pagamento do preço de Esc: 800.000.000$00, a R... efectuou uma transferência naquele montante, no dia 16 de Outubro de 2000, a favor da conta n.º ...26, junto do BPN, titulada pela R... - Sociedade Imobiliária, SA;
22) - Liquidando desta forma junto da R... - Sociedade Imobiliária, SA o montante que esta já tinha pago à MIN...;
23) - Paralelamente, os arguidos AA e EE contactaram um empresário espanhol, de nome UU, que exercia actividade na área de construção civil, a quem fizeram a proposta de participar com eles num negócio que consistia na aquisição do terreno da ... para posterior edificação de um empreendimento imobiliário;
24) - Assim, no dia 20 de Julho de 2000, (data em que o terreno da ... ainda era propriedade da entidade MIN...), EE, AA e UU reduziram a escrito o acordado entre todos, definindo os termos da parceria, que visava desenvolver a promoção e venda da edificabilidade do terreno, em C...;
25) - Na reunião em que UU participou juntamente com AA e EE ficou acordado que a parceria no negócio proposto se traduziria em 60% a ficarem detidos por UU, por si ou através de uma empresa;
26) - Tal parceria foi assim concretizada, na sequência de decisão dos arguidos EE, BB e CC, através da utilização da aludida sociedade STA...;
27) - A entrada no capital da STA..., em conformidade com os termos da parceria acordada, foi formalizada no dia 09 de Outubro de 2000, pela P..., representada por EE e II, através de três contratos de venda de acções, nos seguintes termos:
a) Com a sociedade “R... - IMOBILIÁRIA LDA.”, representada por UU, com a venda de um lote de 30.000 acções representativas de 60% do capital social da STA..., pelo preço de € 30.000,00;
b) Com a SLN - Imobiliária SGPS, S.A (doravante designada abreviadamente por SLN Imobiliária), representada pelos arguidos EE e CC, com a venda de um lote de 12.500 acções, representativas de 25% do capital social da STA..., pelo preço de € 12.500,00; e
c) Com a venda de um lote de 7.500 acções representativas de 15% do capital social da STA..., pelo preço de €7500,00, figurando como titular AA;

28) - Os arguidos EE, BB e CC aceitaram fazer emitir, em nome do BPN, uma garantia bancária, de forma a servir de colateral num financiamento que aquele UU obteve junto do Banco Popular Espanhol, em nome da STA...;
29) - Deste modo, no dia 11 de Outubro de 2000, a R..., representada por LL, subscreveu, como vendedora, um contrato promessa de compra e venda do terreno da ..., com a sociedade STA..., representada pelos seus administradores, UU e AA;
30) - Através do referido contrato, UU aceitou prometer comprar, através da STA..., o terreno da ... à R... pelo preço de Esc: 2.106.000.000$00, o que representava um incremento face ao preço de aquisição pela R... de Esc: 1.306.000.000$00;
31) - O pagamento à R... veio a ocorrer no dia 13 de Outubro de 2000;
32) - O montante do preço pago à R... pela STA... foi obtido mediante crédito concedido a esta última sociedade pelo Banco Popular Espanhol, através de contrato de abertura de crédito por descoberto em depósito à ordem, assinado em nome da STA..., pelos arguidos AA e DD, no dia 11 de Outubro de 2000;
33) - Pese embora tenha aceite realizar o pagamento integral do preço com base no contrato promessa, UU fez constar do clausulado do mesmo contrato promessa que o preço aceite tinha como pressuposto a autorização no terreno da ... de 16.200m2 de construção habitacional acima do solo, devendo o preço final da venda ser ajustado em função do projecto que viesse a ser aprovado pela Câmara Municipal ...;
34) - Mais ficou consignado no referido contrato promessa que, na eventualidade da Câmara Municipal ... apenas aprovar para o terreno uma área de construção acima do solo igual ou inferior a 10.000m2 ou se o projecto de arquitectura não estivesse aprovado no prazo de dezoito meses a contar da data daquele contrato, a promitente compradora - a STA... - poderia rescindir o contrato, obrigando-se a promitente vendedora, a R..., a devolver a totalidade do preço recebido, acrescido dos juros pagos à entidade financiadora e demais despesas, até ao limite de Esc 2.300.000.000$00 (dois mil e trezentos milhões de escudos);
35) - O pagamento da quantia devida em caso de rescisão ficou assegurado pela R..., promitente vendedora, que, para o efeito, entregou à promitente compradora a garantia bancaria com esse valor de Esc 2.300.000.000$00 e o n.º 280/2000-S, emitida pelo BPN em 10 de Outubro de 2000, a favor do Banco Popular Espanhol;
36) - O pagamento do preço devido pela STA... à R... foi consumado através de transferência com origem no Banco Popular Espanhol SA, em 13 de Outubro de 2000, para a conta da R..., junto do BPN, no montante de Esc: 2.106.000.000$00, no contravalor de € 10.504.683,71, representando, assim, uma valorização do terreno da ... em 263%;
37) - Por conta deste negócio, a R... pagou, em 03 de Novembro de 2000, uma comissão de mediação imobiliária cobrada por uma entidade feita intervir pelo arguido AA, a “H..., Lda.”[10], no montante de Esc: 44.352.360$00, muito embora a escritura de compra e venda só se tenha realizado em 16 de Dezembro de 2003, tendo essa sociedade imobiliária entregue ao mesmo AA cerca de um terço do montante recebido a título de comissão;
38) - Sem prejuízo, e antevendo a possibilidade da Câmara Municipal ... não aprovar a volumetria de construção prevista no contrato promessa de compra e venda celebrado entre a R... e a STA..., os arguidos CC, BB, EE e DD decidiram, numa primeira fase, transferir para a SLN Imobiliária o eventual encargo que resultaria para a R... da rescisão do contrato, de forma a não perderem o efeito pretendido de alavancagem dos resultados desta última;
39) - Com data de 10 de Dezembro de 2001, por instrução do arguido BB, a SLN Imobiliária, representada pelos arguidos DD e CC, celebrou um acordo designado de garantia de reembolso com a R..., representada pelos seus administradores NN e LL;
40) - Nos termos desse acordo, a SLN Imobiliária comprometeu-se a assumir o pagamento de quaisquer quantias que viessem a ser exigidas pela STA... à R..., em caso de rescisão do contrato relativo ao terreno da ..., nos termos fixados entre estas duas entidades, até ao montante máximo de Esc: 2.300.000.000$00;
41) - Assim, no dia 8 de Maio de 2002, o arguido BB fez o BPN emitir uma ordem de pagamento no valor de € 11.566.986,30 a favor do Banco Popular Espanhol, a fim de liquidar o empréstimo concedido por aquele banco espanhol à STA... e respectivos juros;
42) - Tal ordem de pagamento teve como contrapartida o débito de igual montante na conta BPN n.º ...12, titulada pela STA..., que assim ficou a descoberto, com saldo negativo, no mesmo montante de € 11.566.986,30;
43) - Neste sentido, o arguido BB fez autorizar, em 08 de Maio de 2002, um pedido de financiamento a favor da STA..., no montante de € 11.566.986,30, com base numa proposta de crédito apresentada, com data de 02 de Maio de 2002, em nome da Administração da STA...;
44) - Tal financiamento por descoberto concedido à STA... só veio a ser regularizado em 16 de Dezembro de 2003, através de novas operações financeiras montadas pelos arguidos, que vieram a dar origem às seguintes três transferências:
a)  A primeira, no valor de € 2.225.000,00, a título de suprimentos efectuados pelasociedade “Amplimóveis - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.” (doravante abreviadamente designada por Amplimóveis);
b) A segunda, no montante de € 10.004.684,00€, proveniente da Amplimóveis, na sequência do acordo de revogação com a R...;
c) A terceira, no valor de € 500.000,00, proveniente da R...;

45) - No decorrer do ano de 2002, face à não aprovação por parte da Câmara Municipal ... do índice de construção previsto e acordado no contrato promessa, foram trocadas cartas entre a STA... e a R..., tendo em vista a prorrogação do prazo inicial de 18 meses para celebração da escritura pública de compra e venda;
46) - Na sequência dessas cartas, em 09 de Dezembro de 2003, a R... e a STA... acordaram revogar o contrato promessa, recorrendo a STA... às prerrogativas decorrentes das cláusulas constantes do contrato promessa;
47) - No acordo de revogação, a R..., tal como se havia obrigado no contrato promessa de compra e venda, comprometeu-se a pagar à STA... a importância de € 10.504.684,00 (Esc: 2.106.000.000$00) correspondente à devolução da totalidade das importâncias já recebidas;
48) - Porém, para evitar o pagamento daquele montante indemnizatório por parte da R... ou da SLN Imobiliária, os arguidos BB, EE e CC decidiram fazer introduzir na cadeia de sucessivas titularidades do terreno da ... mais um novo interveniente, a quem iriam também financiar, de forma a substituir a intervenção da STA..., aceitando novo custo de financiamento por parte do BPN;
49) - Nesse sentido, a R... e a STA... rescindiram o contrato promessa em 09 de Dezembro de 2003 e, paralelamente, os arguidos GG e HH fizeram a Amplimóveis adquirir a totalidade do capital social da STA... pelo preço de € 50.000,00 a AA, que entretanto se tornara o detentor de 100% das acções representativas do capital social daquela; e
50) - Os arguidos GG e HH fizeram ainda a Amplimóveis adquirir à R... o terreno da ... pelo preço de € 10.004.684,00;
51) - Tal preço de aquisição foi fixado pelos arguidos BB, CC e EE por corresponder ao montante necessário para devolver à STA..., tendo os arguidos GG e HH aceite em nome da Amplimóveis o referido preço, apesar de saberem ser superior ao valor de mercado do terreno da ..., uma vez que lhes estava garantido o financiamento;
52) - Todos os referidos arguidos sabiam que o terreno da ... não tinha o valor pelo qual a Amplimóveis o declarou adquirir, tanto mais que o terreno foi avaliado com o valor de mercado de € 3.743.300,00;
53) - Para efeito do referido financiamento, os mesmos arguidos fizeram a Amplimóveis proceder à abertura da conta n. º  ...01, junto do Banco Insular;
54) - Dando execução ao projectado, os arguidos BB, EE e CC fizeram autorizar a concessão de crédito à Amplimóveis, através da abertura de uma conta corrente caucionada, associada a conta supra-referida, até ao montante de € 12.750.000,00;
55) - Tal financiamento foi formalizado em contrato de mútuo, que os arguidos fizeram datar de 12 de Dezembro 2003, tendo sido assinado por PP, em representação do Banco Insular, e pelos arguidos GG e HH, em representação da Amplimóveis, prevendo a libertação de fundos no montante de € 12.750.000,00, pelo prazo de 12 meses, sem que tivesse sido estipulada a prestação de qualquer garantia;
56) - Com data-valor de 15 de Dezembro de 2003, os arguidos GG e HH utilizaram a totalidade do montante da conta corrente caucionada, sacando-o em três transferências de € 7.000.000,00, € 2.875.000,00 e 2.875.000,00€, respectivamente, para outras contas tituladas pela Amplimóveis, fora do universo BPN;
57) - Já a débito de uma destas contas, os arguidos GG e HH efectuaram o pagamento de € 50.000,00 ao arguido AA relativo à aquisição da participação social na STA...;
58) - E ainda, conforme o acordado com os arguidos BB, CC e EE, o pagamento de suprimentos da STA..., no montante global de € 2.225.000,00;
59) - Ainda conforme o acordado entre todos, os arguidos GG e HH pagaram ainda à R... a quantia de € 10.004.684,00;
60) - Assim, a R... recebeu a maior parte dos fundos necessários para proceder ao pagamento da quantia devida à STA..., razão pela qual, seguindo indicações dos arguidos BB, CC e EE a R... endossou à STA... os cheques que titulavam esse pagamento, tendo esta última, por sua vez, depositado os mesmos na conta n.º ...12, titulada por si, no BPN;
61) - O remanescente da devolução devida pela R... à STA..., no montante de € 500.000,00, foi feito transferir pela R..., em 16 de Dezembro de 2003, para a conta n.º ...12, titulada pela STA... junto do BPN;
62) - Deste modo, a conta da STA... acima aludida, que tinha ficado com um descoberto bancário de € 11.625.390,95, após a operação de financiamento acima explanado, ficou saldada;
63) - Os arguidos BB, CC e EE conseguiram assim salvaguardar a mais-valia gerada na R..., fazendo, no entanto, o BPN proceder a uma segunda operação de financiamento;
64) - Por outro lado, uma vez adquirido o terreno ... pela Amplimóveis, nas condições supra-expostas, os arguidos GG e HH decidiram utilizar o mesmo terreno para nova operação imobiliária, de modo a aproveitar o preço inflacionado pelo qual o tinham adquirido, para gerar uma menos valia da qual pudessem tirar vantagem fiscal;
65) - Para o efeito, os arguidos GG e HH formularam o propósito de fazer com que a Amplimóveis procedesse a uma venda do terreno da ... por um preço inferior ao da aquisição à R..., escolhendo como entidade adquirente uma sociedade controlada pelo arguido GG e família, a sociedade “R... V... Sociedade de Gestão e Exploração de Propriedades, Lda.” (doravante abreviadamente designada por R... V...);
66) - Neste sentido, em 26 de Dezembro de 2003, os arguidos GG e HH determinaram a sociedade Amplimóveis, que dez dias antes havia adquirido o terreno da ... por € 10.004.684,00, a celebrar um contrato promessa de compra e venda do mesmo terreno com a sociedade R... V..., nos termos do qual a primeira prometeu vender o referido imóvel à segunda, pelo preço de € 4.000.000,00;
67) - Só em 28 de Abril de 2004 foi celebrada a escritura de compra e venda entre a Amplimóveis e a R... V... decorrente do mesmo contrato promessa; mas
68) - Os arguidos GG e HH não tiveram que despender qualquer quantia sua ou das suas empresas na aquisição do referenciado terreno da terreno da ...;
69) - Com efeito, o montante de € 4.000.000,00 de que a R... V... se municiou para pagar o preço à Amplimóveis veio a ser colocado à disposição da primeira através da concessão de mais um crédito através do Banco Insular;
70) - Com efeito, foi concedido um novo financiamento, desta feita à R... V..., através do dito Banco Insular, através da conta corrente caucionada com o n.º ..., titulada pela mesma R... V..., junto do mesmo, até ao montante de € 4.000.000,00;
71) - O arguido GG, em acordo com o arguido HH, solicitou a mobilização, com data de 30 de Dezembro 2003, do referido montante de € 4.000.000,00, e a sua transferência para a conta ..., titulada pela R... V..., no Montepio Geral;
72) - O arguido GG, em acordo com o arguido HH, fez então mobilizar a referida quantia para pagamento à Amplimóveis, para o que a referida conta junto do Montepio Geral foi debitada com a emissão do cheque n.º ...11, assinado pelo arguido GG, a favor da Amplimóveis;
73) - Tal cheque sobre a conta do Montepio Geral veio a ser depositado, conforme o acordado entre os arguidos BB, CC, GG e HH na conta da Amplimóveis junto do Banco Insular, acima referida;
74) - Através desse depósito, a R... V... pagou à Amplimóveis o preço devido pela aquisição do terreno da ..., permitindo a esta última sociedade amortizar o financiamento obtido anteriormente através de conta corrente caucionada, reduzindo a sua dívida para o montante de € 8.750.000,00;
75) - No entanto, o montante de crédito concedido, sem quaisquer garantias, para salvaguardar a operação de benefício da R... permaneceu inalterado, sendo apenas repartido entre a Amplimóveis, devedora de € 8.750.000,00, e a R... V..., devedora de € 4.000.000,00, totalizando a quantia inicialmente concedida apenas à Amplimóveis de € 12.750.000,00;
76) - Os arguidos BB, CC, GG e HH acordaram em fazer liquidar, já no ano de 2004, as operações de crédito montadas a favor da Amplimóveis, que então tinha uma dívida de capital de € 8.750.000,00, através da montagem de novos financiamentos junto do Banco Insular;
77) - Assim, os mesmos arguidos procederam, em 23 de Março de 2004, à montagem de um novo financiamento junto do Banco Insular a favor da Amplimóveis e através de uma nova conta corrente caucionada, numa conta paralela com o n.º ..., permitindo a utilização de fundos até ao montante de € 3.000.000,00, sem que fosse prevista a prestação de qualquer garantia;
78) - Conforme combinado com os arguidos GG e HH, foi mobilizado de imediato o referido montante de € 3.000.000,00, que foi transferido para a conta n.º  ...01 da Amplimóveis no Banco Insular, amortizando parcialmente naquele montante, a quantia em dívida;
79) - Os créditos concedidos à sociedade R... V... foram montados junto do Banco Insular;
80) - Com data de 27 de Abril de 2004, os arguidos BB e CC, com o acordo do arguido GG, montaram e fizeram aprovar nova operação de crédito junto do Banco Insular, a favor da R... V..., através da abertura de nova conta corrente caucionada, conta n.º ...1.40.2, possibilitando a utilização de fundos até ao limite de € 292.484,00, montante que o arguido GG necessitava para pagamento de juros gerados naquela conta;
81) - Tal quantia de € 292.484,00 foi de imediato mobilizada a favor da conta à ordem da R... V..., onde viriam a ser lançados os juros devedores da operação de crédito anterior;
82) - No entanto, esse montante não foi utilizado para liquidar os juros vencidos da R... V... e vincendos sobre os financiamentos concedidos, mas foi sim utilizado para outros fins, designadamente para pagamento das despesas decorrentes da celebração da escritura de compra a Amplimóveis;
83) - Deste modo, a entidade R... V... ficou exposta ao crédito no Banco Insular no montante global de € 4.292.484,00;
84) - Ainda de forma a eliminar o financiamento pelo BPN relativamente à Amplimóveis, os arguidos BB, CC, GG e HH decidiram, já em 2004, transferir tais operações de crédito para outra entidade, tendo escolhido a sociedade “P... F... - Sociedade de Gestão e Exploração Imobiliária, Lda.” (doravante abreviadamente designada por P... F...), também pertença daqueles dois últimos arguidos;
85) - Assim, os arguidos montaram e fizeram aprovar junto do Banco Insular nova operação de crédito sob a forma de conta corrente caucionada, agora a favor da sociedade P... F..., titular da conta n.º ...4.40.1, onde lhe foi concedida a possibilidade de utilização de fundos até ao montante de € 5.750.000,00, sem que qualquer garantia tivesse sido apresentada;
86) - Em 23 de Março de 2004, foi mobilizada a totalidade do montante disponibilizado, € 5.750.000,00, na conta da P... F..., e feita transferir para a conta da Amplimóveis, também junto do Banco Insular, conta n.º ...41, onde foi creditado com data-valor de 12 de Março de 2003, amortizando, assim, naquela quantia a respectiva conta corrente caucionada e  eliminando o vencimento de juros pelo lançamento com data-valor pretérita;
87) - Ainda conforme o acordado, no sentido de libertar a exposição da Amplimóveis ao crédito concedido e garantir o pagamento dos juros vencidos no financiamento anterior, os mesmos arguidos lançaram mão de nova operação de crédito a favor da P... F..., de novo junto do Banco Insular, onde, a 27 de Outubro de 2006, montaram e fizeram aprovar novo financiamento sob a forma de conta corrente caucionada, conta n.º ...4.10.1, titulada pela entidade P... F..., onde concederam a possibilidade de utilização de fundos até ao montante de € 3.366.725,25;
88) - Quantia de que os arguidos necessitavam para pagamento de juros gerados na conta corrente caucionada daquela entidade junto do Banco Insular e amortizar o saldo da Amplimóveis no Banco Insular, no montante de € 3.000.000,00;
89) - Os arguidos GG e HH fizeram mobilizaram, de imediato, na mesma data de 26 de Outubro de 2006, a totalidade do referido montante de € 3.366.752,25, que foi debitado por transferência na conta a ordem da P... F...;
90) - O referido montante de € 3.366.752,25 foi creditado na conta da Amplimóveis junto do Banco Insular, com o n.º ...41, permitindo a liquidação de € 3.000.000,00 de dívida de capital, o pagamento de 283.079,75€ de juros já vencidos e o pagamento de € 83.646,00 de juros vincendos, pelo que a conta ficou definitivamente saldada;
91) - No entanto, por outro lado, este expediente incrementou em € 3.666 752,25 o montante em dívida pela sociedade P... F...;
92) - Assim, em Março de 2007, era a entidade P... F... que tinha uma exposição total a crédito, junto do Banco Insular, no montante de € 9.116.752,25, resultante da soma dos dois financiamentos anteriormente referidos de € 5.750.000,00 e de € 3.366 725,25;
93) - Naquela data, parte dos referidos financiamentos passaram para a esfera dos arguidos de GG e HH;
94) - Assim, em Março de 2007, o arguido GG abriu conta e assinou o contrato de mútuo com o Banco Insular, representado por PP, nos termos do qual obteve um crédito a utilizar sob a forma de conta corrente caucionada até ao montante de € 5.125.000,00, a creditar na conta aberta no mesmo Banco em nome do mesmo arguido, com o n.º ...36, sem que tenham sido previstas quaisquer garantias;
95) - Conforme acordado com o arguido GG, foi então ordenada, com data de 19 de Março de 2007, a utilização de crédito e a transferência do montante de € 4.375.000,00 para a conta n.º ...4.40.1, titulada pela P... F... no Banco Insular;
96) - Da mesma forma e com o mesmo fim, também em Março de 2007, o arguido HH procedeu igualmente à abertura de conta junto do Banco Insular, com o n.º ...9.10.1, e assinou contrato de mútuo com o mesmo Banco Insular, representado por PP, nos termos do qual obteve um crédito a utilizar sob a forma de conta corrente caucionada até ao montante de € 5.125.000,00, conta corrente caucionada com o n.º ..., sem que tenham sido previstas quaisquer garantias;
97) - Ainda de igual modo, o arguido HH procedeu de imediato à utilização do montante de € 4.375.000,00 e ordenou a transferência do mesmo montante para a conta ...4.40.1, titulada pela P... F... no Banco Insular;
98) - Na sequência das duas referidas transferências, a conta da P... F... junto do Banco Insular, com o n.º ...4.10.1, foi creditada pelo montante total de € 8.750.000,00, permitindo liquidar parcialmente, no mesmo montante, a dívida de capital da mesma sociedade;
99) - A parte restante do capital em dívida, no montante de € 366.725,00, associado à utilização da conta corrente caucionada n.º ...4.40.2, permaneceu em dívida pela P... F...;
100) - Assim, até Fevereiro de 2009, data em que os créditos abertos pelo Banco Insular foram transmitidos ao BPN, permaneceu em aberto junto do Banco Insular o montante de € 9.409.209,25, conforme se ora descrimina:
a) R... V...: € 292.484,00;
b) GG: € 4.375.000,00;
c) HH: € 4.375.000,00 e
d) P... F...: € 366 725,25;

101) - Deste modo, foram os arguidos BB, CC e EE que levaram à concessão de financiamentos e que determinaram fossem colocados junto do Banco Insular, sem a prestação de quaisquer garantias, em benefício dos arguidos GG e HH e das sociedades pelos mesmos detidas, no montante total de, pelo menos, € 9.409.209,25, apenas com referência aos negócios que envolveram o terreno da ... e para justificar e fazer gerar na R... uma mais-valia ficcionada pela compra e venda do terreno;
102) - A actuação dos arguidos BB, CC, EE, GG e HH resultou na concessão pelo BPN e pelo Banco Insular de créditos não pagos nem garantidos no montante de € 11.404.400,84, a que acrescem os correspectivos juros de mora e respectivos encargos bancários;
b) Negócio das sociedades AT... e AT... II
103) - A sociedade “AT... - Software, S.A.” (NIPC ... - doravante abreviadamente designada por AT...), tinha como objecto social, entre o mais, a programação informática e teve a sua sede na Rua ..., em ..., e posteriormente na Rua ..., em Lisboa;
104) - A sociedade AT... teve o capital social inicial de € 50.100,00, dividido em 50.100 acções, sendo os seus accionistas os seguintes:
a) No... Consulting - Consultoria, Desenvolvimento e Operações de Sistemas Informáticos S.A. (doravante designada abreviadamente por No...), com 12.525 acções;
b) XX, com 25.050 acções;
c) YY, com 12.525 acções;

105) - O arguido AA, no início do ano de 2004, por intermédio de um accionista e do advogado de ambos, teve conhecimento de que a accionista No... estaria disponível para vender as acções que detinha na sociedade AT...;
106) - [Não provado];
107) - O arguido AA adquiriu a totalidade das acções detidas pela No... e parte das acções detidas por YY;
108) - O referido accionista encetou então negociações com a No..., através da representante desta, ZZ, tendentes à venda de acções;
109) - Assim, com data de 17 de Setembro de 2004, o arguido AA determinou que a sociedade “O... - Organização e Investimentos Imobiliários, S.A.” (doravante abreviadamente designada por O...), por si controlada, celebrassem dois contratos, a saber:
a) um de promessa de compra e venda de 5.010 acções pertencentes a YY pelo valor de € 125.000,00 e
b) um de compra e venda de 12.525 acções pertencentes à No... pelo valor de € 507.766,58;
110) - Em 17 de Setembro de 2004, a estrutura accionista da AT... ficou definida da seguinte forma:
a) O... com 17.535 acções;
b) XX com 25.050 acções; e
c) YY com 7.515 acções;

111) - Com data de 30 de Dezembro de 2004, o arguido AA determinou que a O... vendesse à sociedade “GRUPO R..., SGPS,, S.A.”, sociedade controlada pelo mesmo arguido, um total de 5.010 acções da AT..., pelo preço total de € 850.000,00;
112) - No ano de 2004, os arguidos BB e AA determinaram, para efeito de liquidação das dívidas deste último perante o Grupo BPN/SLN, a aquisição dos activos detidos em nome do mesmo AA;
113) - O arguido AA determinou que, com data de 21 de Abril de 2005, a O... vendesse à GRUPO R..., SGPS, um conjunto de 7515 acções, estipulando então o preço total € 1.000.000,00, a que corresponde o preço de € 133,0672 por acção;
114) - Para pagamento deste montante, AA ordenou, ainda a 21 de Abril 2005, uma transferência de 8,5 milhões de euros, com origem na conta n.º 3154581.10.00,1 titulada pela entidade GRUPO R..., SGPS, junto do BPN, para a conta n°. ...01, titulada pela O... junto do BPN, sendo certo que aquela primeira conta havia sido creditada, na mesma data, pela quantia de € 18.500.000,00, os quais tiveram origem na venda de activos ao BPN no âmbito do protocolo de saída;
115) - Os arguidos BB e CC contactaram os arguidos GG e HH, a quem solicitaram a colaboração, idêntica a outra ocasião anterior, de virem a assumir formalmente a aquisição da participação na AT...;
116) - Com data de 20 de Fevereiro de 2006, o arguido AA determinou as entidades O... e Grupo R... a vender e prometer vender, respectivamente, aos arguidos GG e HH as acções da sociedade AT..., tendo sido firmados os contratos relativos às seguintes participações sociais e intervenientes, no montante de € 3.800.000,00, nos moldes seguintes:
a) O... vendeu a GG e HH 5010 acções por € 1.085.715,00;
b) Grupo R... prometeu vender a GG e HH 12 525 acções por € 2.714.285,00;

117) - O BPN financiou, em 2006, os arguidos GG e HH no montante de € 3.800.000,00, de forma a adquirirem uma participação accionista na AT..., que havia adquirida em 2004 por um montante de € 632.766,58;
118) - Os arguidos BB, CC e AA fizeram gerar na esfera deste último uma mais-valia total de € 3.167.233,42;
119) - Para pagamento do preço das acções por parte de GG e HH, os arguidos CC, FF e BB fizeram autorizar um financiamento por descoberto bancário, na conta BPN n.º ...74, titulada pelos primeiros arguidos, até ao montante de € 3.900.000,00;
120) - Tal autorização de descoberto permitiu o pagamento de dois cheques bancários que os arguidos fizeram sacar sobre a conta ... .10.001, nos montantes de € 1.085.715,00 e de € 2.700.000,00, respectivamente, no valor global de € 3.785.715,00, com datas de Fevereiro de 2006;
121) - Assim, do montante total do descoberto autorizado, no total de € 3.900.000,00, os arguidos GG e HH apenas utilizaram € 3.785.715,00, quantia que deu origem a saldo negativo de igual valor na referida conta;
122) - Tal saldo negativo foi transferido para a conta n.º  ...02 em Março de 2006, através de uma transferência que amortizou o descoberto na conta n.º ... .10.001 e gerou um descoberto naquela primeira conta;
123) - Com data de 19 de Maio de 2006, os arguidos GG, HH, CC, FF e BB formalizaram um contrato de mútuo no montante de € 3.850.000,00;
124) - Na mesma data-valor de 19-05-2006 o montante de € 3.850.000,00 foi creditado na conta aberta junto BPN com o n.º ... .10.001, da co-titularidade de GG;
125) - Desse montante, foi mandada transferir, na mesma data, para a conta BPN n.º ... .10.2, a quantia de € 3.830.750,00, saldando desta forma, na sua maior parte, o descoberto aí utilizado, que, com juros, atingia o montante de € 3.861.007,97;
126) - Com aquela operação, o descoberto bancário gerado na conta BPN n.º ... .10.2, ficou saldado, passando o débito a ser de € 3.850.000,00 na conta de crédito-rendas BPN n.º ...02 e titulado por aquele contrato de mútuo ao BPN;
127) - Tal montante de financiamento nunca veio a ser pago;
128) - Em 25 de Março de 2009, os arguidos GG e HH efectuaram o pagamento do remanescente do preço das acções da AT..., no montante de € 14.285,00;
129) - Com esta operação, o BPN, através da actuação de BB, CC, FF, GG e HH, transferiu para a esfera patrimonial de AA o montante de € 3.167.233,42, através das mais-valias geradas;
130) - Por via dos financiamentos concedidos aos arguidos GG e HH, o BPN suportou a concessão de crédito sem garantias, que nunca foi pago, no montante total de € 4.410.388,89;
131) - Por outro lado, no decorrer do ano de 2005, os sócios da entidade AT..., definiram a estratégia de separação entre a área tecnológica e a área de serviços, que até então constituíam o objecto global daquela entidade;
132) - Para tanto, em 27 de Julho de 2005, procederam à criação de uma nova sociedade que denominaram “AT... II - Tecnologias de Software, SA (doravante abreviadamente designada por AT...
 II);
133) - A qual tinha por objecto social “a elaboração, produção e venda de tecnologias de software, bem como a prestação nos domínios de consultoria, formação, investigação e desenvolvimento nas áreas de sistemas de informação em Portugal e no estrangeiro" e sede na Rua ..., em ...;
134) - A sociedade foi constituída com o capital social de € 50.000,00 dividido em 50.000 acções, subscrito da seguinte forma:

- YY, 7.125 acções;
- XX, 23.750 acções;
- AT... Software, S.A., 2.500 acções;
- grupo R... - RO SGPS, S.A., 11 625 acções; e
- AA, 5.000 acções;

135) - Volvidos três meses sobre a constituição da AT... II, os arguidos GG e HH aceitaram figurar como adquirentes temporários desse activo, sendo, para o efeito, financiados na totalidade pelo BPN, sendo, em simultâneo, celebrado um contrato de venda futura das mesmas acções ao BPN, por preço ainda superior;
136) - Com data de 22 de Dezembro de 2005, o arguido AA celebrou com GG e HH um contrato promessa de compra e venda relativo a 5.000 acções que detinha na sociedade AT... II, pelo preço de € 496,24 por acção, no montante global de € 2.481.187,50;
137) - Nos termos desse contrato, a quantia de € 1.714.275,00 seria paga na data do contrato promessa e a quantia de € 766.912,50 seria paga na data da celebração do contrato definitivo;
138) - Na mesma data, o arguido AA, em representação da entidade Grupo R..., celebrou com GG e HH outro contrato promessa de compra e venda relativo a 11.625 acções que aquela entidade detinha na sociedade AT... II, pelo preço de € 496,24 por acção, no montante global de € 5.768.812,50;
139) - Segundo o aí estipulado, a quantia de € 3.985.725,00 seria paga na data do contrato promessa e a quantia de € 1.783.087,50 seria paga na data da celebração do contrato definitivo;
140) - Em 24 de Novembro 2003, os arguidos GG, fazendo coincidir a operação financeira com outra contratada para efeitos de financiamento da já referida Amplimóveis, constituíram uma conta corrente caucionada, através de uma conta de investimento, associada à conta no BPN n.º ... .10.001, no montante de € 2.700.000,00, sem terem realizado qualquer esforço financeiro próprio para realizar esse capital;
141) - Para a liquidação da referida conta corrente caucionada, ainda conforme o acordado com os arguidos BB e CC, estes fizeram conceder aos arguidos GG e HH um outro financiamento pessoal, sob a forma de “descoberto bancário”, na sua conta n.º ... .10.1, no montante de 3.000.000,00€, com início a 31 de Dezembro de 2003 e vencimento a 01 de Janeiro de 2004;
142) - Em 31 de Dezembro 2003, os arguidos GG e HH fizeram transferir essa mesma quantia para a conta BPN n.º ...8.40.1, titulada pela Amplimóveis, permitindo assim saldar aquela conta corrente caucionada;
143) - Através destas operações, a dívida inicial constituída na Amplimóveis foi transferida para a conta pessoal de GG e HH;
144) - Porém, no dia 01-01-2004, os arguidos BB, CC e FF fizeram autorizar que os arguidos GG e HH voltassem a mobilizar a mesma conta corrente caucionada, aberta na Amplimóveis, e que ordenassem a transferência de novo montante de € 3.000.000,00 para a sua conta pessoal, acima referida;
145)  - Desta forma, os arguidos GG e HH saldaram o descoberto bancário que haviam realizado em 31 de Dezembro de 2003, na sua conta pessoal, transferindo-se a dívida novamente para a conta da Amplimóveis;
146) - A referida conta corrente caucionada da Amplimóveis foi sendo renovada sucessivamente por intervenção dos arguidos BB e CC e em dia 27 de Dezembro 2005 foi creditada pelo valor de € 3.000.000,00, tendo como como contraparte a conta BPN n.º ...01, titulada pela sociedade P... F... sociedade também controlada pelos arguidos GG e HH;
147) - A utilização dos ditos € 3.000.000,00 da conta corrente caucionada, com o n.º ...01, titulada pela P... F..., veio apenas a ser amortizada em 25 de Julho de 2006;
148) - Sem prejuízo, os pagamentos iniciais realizados a AA por conta das acções que o mesmo detinha na AT... II atingiram a quantia de € 5.700.000,00, o que permitiria liquidar um descoberto bancário na conta por si titulada junto do BPN n.º ...05;
149) - Ou seja, através desta operação de venda de acções da AT... II a GG e HH, os arguidos BB, CC, com a anuência do arguido FF, forneceram a AA os montantes de que este necessitava para amortizar os financiamentos anteriores, devidos ao próprio BPN;
150) - Através destas operações, os arguidos BB e CC, com a colaboração do arguido FF, apenas aumentaram o montante de crédito concedido a terceiros, nalguns casos sem garantias, aceitando conceder novos financiamentos na esfera dos arguidos GG e HH no montante total de € 5.711.895,00;
151) - Os contratos definitivos de venda das acções da AT... II aos arguidos GG e HH vieram a ser celebrados com data de 22 de Setembro de 2006;
152) - Com a celebração dos contratos definitivos, os arguidos GG e HH procederam ao pagamento do remanescente dos preços estipulados;
153) - Assim, para pagamento do restante preço das 5.000 acções a AA, o arguido GG emitiu o cheque n.º ...22, emitido a descoberto sobre a sua conta BPN n.º ... .10.1 no montante de € 766.912,50, datado de 22 de Setembro de 2006;
154) - Para pagamento do restante preço das 11.625 acções da Grupo R..., o arguido GG emitiu o cheque n.º ...21, sobre a sua conta BPN n.º ... .10.1, no montante de 1.783.087,50€, datado de 22 de Setembro de 2006;
155) - O pagamento dos dois referidos cheques foi autorizado por intervenção dos arguidos BB, CC e FF que fizeram autorizar um descoberto bancário na conta BPN n.º ... .10.1, até ao montante máximo de € 2.554.000,00€, com início a 21 de Setembro de 2006 e fim a 3 de Outubro de 2006;
156) - Tal crédito por descoberto bancário foi sucessivamente renovado pelos mesmos arguidos até ao montante de € 17.000.000,00, com início a 05 de Março de 2007 e fim a 05 de Maio de 2007, ainda com referência à conta BPN n. º ... .10.1;
157) - Os arguidos fizeram constar da proposta de crédito que tal descoberto tinha como origem a emissão de cheques bancários no montante global € 16582.169,88, visando atribuir liquidez, à custa de financiamentos pelo BPN, para o pagamento das quantias de € 766.912,50 e de € 1.783.087,50 relativas ao negócio da AT... II e para o pagamento das quantias de € 902.169,88, de € 3.150.000,00 e de € 9.980.000,00 relativas ao negócio de aquisição da “Sociedade de Administração Imobiliária Palácio ...., S.A.” (doravante abreviadamente designada por Palácio ....) e dos Terrenos de ...;
158) - Porém, apesar dessa referência, os arguidos BB, CC e FF vieram de novo a alargar os montantes de crédito concedido aos arguidos GG e HH, de tal forma que os montantes relativos ao pagamento do remanescente do preço no negócio da AT... II, necessários para liquidar o descoberto bancário, não foram mobilizados com suporte neste descoberto bancário de € 17.000.000,00;
159) - Com efeito, logo na mesma data de 02 de Maio de 2007, os mesmos arguidos fizeram elaborar mais uma proposta de ratificação de descoberto, no montante de € 2.700.000,00, a que atribuíram nova vigência para um período entre os dias 05 de Maio de 2007 e 04 de Junho de 2007;
160) - Sempre com intervenção dos mesmos arguidos - BB, CC e FF -, essa autorização de descoberto bancário foi sendo sucessivamente renovada;
161) - Com data-valor de 01 de Dezembro 2007, os arguidos BB, CC e FF fizeram aprovar a favor dos arguidos GG e HH um novo crédito a título pessoal, titulado por um contrato de mútuo no montante de € 2.752.000,00, o qual serviu para amortizar o descoberto de € 2.700.000,00;
162) - Como garantia deste último mútuo, os arguidos fizeram constar a favor do BPN um penhor sobre as acções das entidades AT... Software, SA e AT... II Tecnologias de Software, S.A.;- No entanto, os arguidos BB, CC e FF tinham conhecimento de que as acções dadas em penhor já tinham sido objecto de contrato promessa de compra e venda, em 20 de Fevereiro de 2006, nos termos do qual GG e HH as tinham prometido vender ao BPN, ou seja, a entidade beneficiária da garantia já era titular de um direito sobre os activos que serviam de garantia;
163) - Aquela quantia mutuada, no montante de capital de € 2.752.000,00, nunca foi paga ao BPN, sendo que por via deste negócio de venda de acções da AT... II o arguido AA obteve um ganho de € 8.233.375,00;
164) - Por outro lado, em 22 de Dezembro de 2005, os arguidos GG e HH subscreveram um contrato promessa de compra e venda das 16.625 acções representativas do capital social da AT... II com o BPN, representado no referido contrato por BB e FF;
165) - Conforme estipulado no referido contrato, os arguidos BB, CC e FF aceitaram pagar aos arguidos GG e HH, na data da compra das acções, o preço de € 8.742.385,00;
166) - Tal valor nunca veio a ser pago pelos arguidos, assim como o relativo à aquisição de acções da AT... pelo BPN;
c) Negócio da Sociedade Palácio ....
168) - A “Sociedade de Administração Imobiliária Palácio ....”, com o NIPC ..., era detentora de um único activo, constituído por um imóvel conhecido pelo mesmo nome de Palácio ...., sito na Rua ..., em ...;
169) - O negócio de aquisição da sociedade Palácio .... e do seu único activo foi abordado entre o arguido AA e o BPN, através dos arguidos BB e CC, que aceitaram financiar a aquisição da sociedade, tendo em vista participar no futuro desenvolvimento de um empreendimento imobiliário no referido imóvel, projecto que merecia também a concordância do arguido EE;
170) - No ano de 2000, o arguido AA negociou a aquisição de uma participação social na sociedade Palácio .... - que então ainda assumia a designação de Sociedade Agrícola da ... -, contactando com os anteriores sócios daquela sociedade;
171) - O arguido AA pretendia e obteve acordo para entrar no capital social da Palácio ...., procedendo ao aumento do mesmo e convertendo-a em sociedade anónima, vindo simultaneamente a adquirir a totalidade do capital social;
172) - Com efeito, em 27 de Dezembro de 2000, entre a Sociedade Agrícola da ..., Lda., representada pelo sócio-gerente AAA, e as sociedades O... e “A... V... Sociedade Imobiliária Lda.” (abreviadamente designada por A... V...), representadas pelo arguido AA, foi outorgada uma escritura pública através da qual:
a) Foram admitidas como sócias da Sociedade Agrícola da ... Lda. as sociedades O... e A... V..., que ficaram detentoras, respectivamente, de 32 075 acções e 17 000 acções;
b) Por via da entrada destas sócias, foi aumento o capital social da sociedade de Esc.: 174.000$00 para Esc.: 10.024.100$00;
c) A sociedade passou a assumir a forma de sociedade anónima, com o capital social de € 50.000,00€, representado por 50.000;
d) A sociedade passou a usar a firma “Sociedade de Administração Imobiliária Palácio ...., S A.”;

173) - Na mesma data em que foi transformada a sociedade - em 27 de Dezembro de 2000 -, o arguido AA adquiriu aos anteriores sócios do Palácio .... um total de 925 acções, representativas do restante capital social, pelo preço global de Esc: 679.999.997$00, no contravalor de € 3.391.825,69;
174) - Para figurar como adquirente desta participação social, o arguido AA utilizou a entidade offshore “Be... Investments Limited” (doravante abreviadamente designada por Be...), da qual o próprio AA era o beneficiário final e que o mesmo representou no contrato de aquisição da participação social;
175) - Com a realização deste contrato, o capital social do Palácio .... ficou distribuído pelas entidades O..., com 32.075 acções, A... V..., com 17.000 acções, e Be... com 925 acções, pelo que o capital social passou a ser integralmente detido por sociedades controladas pelo arguido AA;
176) - Para pagamento do preço de Esc: 679.999.997$00, o arguido AA, na qualidade de beneficiário da entidade Be..., contou com a concessão de financiamento do BPN, decidido pelos arguidos BB e CC, no caso montado sob a forma de conta corrente caucionada, cuja utilização viria a creditar a conta então aberta em nome da entidade Be... junto do BPN Cayman, conta n. º ...24;
177) - Com base nesse financiamento, o arguido AA veio a proceder ao pagamento do preço devido aos anteriores sócios da Palácio .... através da solicitação, junto do balcão BPN da Av. ..., em ..., da emissão de 15 cheques bancários, no referido valor total de Esc: 679.999.997$00, sobre a conta nº ...24, titulada pela Be..., junto do BPN Cayman;
178) - Os referidos cheques bancários foram emitidos e pagos, em 27 de Dezembro de 2000, por autorização do arguido BB, dirigida ao então gerente da agência da Av. ..., EEE;
179) - A concessão de financiamento à Be..., sob a forma de conta corrente caucionada, foi até ao montante de Esc: 780.000.000$00;
180) - Tal financiamento, no montante de Esc:780.000.000$00, foi autorizado por BB, sem que tenha sido objecto de análise e parecer pela área de avaliação de risco de crédito do BPN;
181) - Em 28 de Dezembro de 2000, o arguido AA determinou a venda de acções da Palácio .... a favor do próprio AA e da entidade G... Properties LTD (doravante abreviadamente designada por G...), por si controlada, nos seguintes termos:

a) A O... vendeu à G... 31.875 acções;
b) A O... vendeu a AA, 100 acções;
c) A A... V... vendeu à G... 16.900 acções;

182) - Tais transacções foram efectuadas pelo valor nominal das acções, mas às mesmas não correspondeu qualquer movimentação financeira;
183) - Em 28 de Dezembro de 2000, o arguido AA determinou que a entidade G... vendesse à entidade K... - entidade offshore detida pela SLN, representada no acto por FFF e sob instruções do arguido EE -, um conjunto de 2.500 acções da Palácio ...., pelo preço de Esc.: 570.000.000$00;
184) - Para efectuar o pagamento dessas acções, arguido EE, de acordo com o estabelecido com os arguidos BB e CC, autorizou e diligenciou que se efectuasse a transferência de Esc.: 570.000.000$00, da conta n. º ...37 titulada pela K... junto de BPN Cayman, a favor da conta BPN Cayman n. º ...28, titulada pela G...;
185) - Deste modo, em 28 de Dezembro de 2000, a estrutura accionista da sociedade Palácio .... era constituída da seguinte forma:
a) O... com 100 acções;
b) A... V... com 100 acções;
c) Be... com 925 acções;
d) AA com 100 acções;
e) G... com 46.275 acções e
f) K... com 2500 acções;

186) - Em 02 de Maio de 2005 os accionistas O..., A... V..., G... e AA celebraram contratos de compra e venda de acções da Palácio ...., a favor da sociedade offshore “PE... INVESTMENTS LLC ” (doravante abreviadamente designada por PE...), utilizada pelo arguido AA, pelo preço global de € 46.575;
187) - Todas as vendas de acções à PE..., que tiveram origem como vendedoras nas entidades O..., AA, A... V..., G... e K..., não tiveram correspondência em movimentações financeiras, isto é, não se realizou qualquer pagamento do preço;
188) - As 2500 acções da Palácio .... que foram vendidas pela G... à K... e depois por esta à PE... apenas geraram efectivo pagamento quando se deu a venda à K...;
189) - As referidas acções foram apenas formalmente parqueadas num veículo offshore detido pela SLN, a K..., como justificativo para esta fazer um pagamento de Esc: 570.000.000$00 para a esfera do arguido AA relativo a um outro negócio;
190) - [Não provado];
191) - Com a celebração dos contratos mencionados, em 21 de Maio de 2001, o capital social da Palácio .... era representado pela Be... com 925 acções e pela PE... com 49 075 acções;
192) - Por outro lado, em finais de 2001, foi constituído o Fundo de Investimento Imobiliário BPN I..., gerido pelo BPN IM..., com o objectivo de aí parquear activos pertencentes a AA e entidades por estas detidas;
193) - Em 31 de Dezembro de 2001, a sociedade Be... surge como transmitente ao Fundo de Investimento Imobiliário BPN I..., representado pelo BPN IM..., da totalidade das 925 acções da Palácio .... que aquela detinha, pelo preço de Esc: 679.999.997$00, no contravalor de € 3.391.825,69;
194) - Na mesma data, foi determinado que a sociedade PE... procedesse à venda ao BPN I... da totalidade das 49.075 acções da Palácio .... que aquela detinha, mas fixado neste caso o preço de Esc: 820.000.003$00, no contravalor de € 4.090.142,77, gerando uma mais-valia de € 1.200.419,76;
195) - Os arguidos BB, CC e EE fizeram suportar pelo fundo BPN I... o referido preço, tendo desencadeado os seguintes pagamentos:

a) Transferência de Esc: 679.999.997$00, no contravalor € 3.391.825,69, debitado na conta titulada pelo BPN I... e creditado na conta n.º  ...01 titulada pela Be... junto do BPN Cayman; e
b) Transferência de € 4 090.142,77da conta do fundo BPN I... para a conta n.º  ...01 titulada pela PE... junto do BPN Cayman;
196) - A totalidade do preço pago pelo BPN I... pelas acções da sociedade Palácio ...., no valor de € 7.481.968,46, foi depositado na conta da entidade Be... e ficou, assim, à disposição do arguido AA;
197) - Em 08 de Outubro de 2003, as 6998 unidades de participação do fundo BPN I... foram vendidas pela PH... HOLDINGS LIMITED (doravante abreviadamente designada por PH...) e compradas pelas contas investimento do BPN, pelo montante de € 7.500.000,00;
198) - Em 21 de Abril de 2005, o arguido AA determinou que a entidade O... vendesse à GRUPO R..., SGPS, a totalidade das acções da Sociedade Palácio ...., pelo preço de € 7.500.000,00, pago com fundos oriundos da venda de activos ao BPN; e
199) - Em 07 de Fevereiro de 2006, o mesmo arguido AA determinou que a GRUPO R..., SGPS,, representada no acto por HHH e HHH, respectivamente mulher e filha de AA, vendesse 100 % da Palácio .... à sociedade A... V..., representada no acto por este arguido, pelo preço de € 10.300.000,00;
200) - Em 08 de Fevereiro de 2006, foi celebrado um aditamento àquele contrato de compra e venda de acções nos termos do qual se incluiu no preço de € 10.300.000,00 o montante de € 902.201,49, a título de suprimentos;
201) - Em 19 de Dezembro de 2006, o arguido AA determinou que a A... V... vendesse aos arguidos GG e HH a totalidade do capital social da sociedade Palácio ...., pelo preço de € 9.980.000,00;
202) - Na mesma data, foi ainda celebrado entre aquelas partes um outro contrato de cessão de suprimentos, nos termos do qual a A... V... cedeu aos adquirentes, GG e HH, um crédito sobre a sociedade, relativo a suprimentos, no valor de € 902.169,88, atingindo um total de € 10.882.169,88;
203) - Os arguidos BB, EE e CC, para permitir o pagamento do referido montante, fizeram autorizar um descoberto bancário, sem prestação de garantias, até ao montante de € 17.000.000,00€, com fim a 05 de Maio de 2007, na conta BPN n.º ... .10.1, titulada pelos arguidos GG e HH no BPN;
204) - A aprovação foi concedida com base numa proposta apresentada pelos arguidos GG e HH, nos termos previamente acordados com os demais arguidos, pelo que fizeram constar da proposta que o descoberto bancário deveria permitir a emissão de dois cheques bancários no montante global € 2.550.000,00 (€ 766.912,50 + € 1.783.087,50), que seriam destinados ao negócio da AT... II e ainda à emissão de mais três cheques bancários, dos montantes de € 9.980.000,00, € 902.169,88 e € 3.150.000,00, destinados ao pagamento do preço relativo à aquisição da sociedade Palácio .... e ainda ao pagamento da aquisição de três imóveis em ...;
205) - Com o objectivo de diminuir o montante que se encontrava a negativo na conta  ..., foi apresentada uma proposta de crédito em nome dos arguidos GG e HH - proposta n. º ...07 - afirmando a pretensão de transformar uma parte do descoberto num financiamento sob a forma de contrato de mútuo, mantendo inalterado o montante total em dívida;
206) - Tal proposta foi aprovada e, com data de 31 de Julho de 2007, os arguidos GG e HH subscreveram um contrato de mútuo com o BPN, sem prestação de quaisquer garantias, nos termos do qual obtiveram a disponibilidade por crédito em conta de € 14.299.041,44, com termo a 15 de Fevereiro de 2009;
207) - No dia 22 de Dezembro de 2006, os arguidos GG e HH celebraram um contrato promessa de venda ao BPN da totalidade das acções da Palácio .... e suprimentos, sendo estabelecido o preço total de € 12.535.000,00, sendo a quantia de € 11.495.000,00 relativa às acções e a quantia de € 1.040.000,00 relativa aos suprimentos;
208) - No dia 30 de Dezembro de 2006, os mesmos arguidos GG e HH celebraram um aditamento aos contratos anteriores, nos termos do qual a sociedade A... V... assumiu e liquidou um financiamento contraído pela Palácio .... junto do BES, no montante de € 119.328,50, com referência a 28 de Dezembro de 2006, convencionando os arguidos que a referida importância seria acrescida ao valor dos suprimentos adquiridos;
209) - Deste modo, o preço pago pelos arguidos pela aquisição das 50.000 acções da Palácio .... foi de € 9.860.671,50 e o dos suprimentos foi de € 1.021.498,38, ou seja, o mesmo total de € 10.882.169,88, os quais não pagaram ao BPN;

c) Negócio dos Terrenos de ...
210) - O arguido AA detinha, através de uma entidade offshore de que era beneficiário, denominada GE... HOLDINGS LLC (doravante designada abreviadamente por Ge...), a propriedade dos seguintes três prédios rústicos sitos na área de ...:
- Prédio rústico sito em Vale ..., com 13.750 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. º 0-4475;
- Prédio rústico sito em ..., com 6.800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 0-8510;
- Prédio rústico sito em Vale ..., com 3.600 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. º 0-4888;

211) - Em 22 de Dezembro de 2003, o arguido AA, determinou que a sociedade Ge..., vendesse os mencionados terrenos à O... pelo preço total de € 1.100.000,00;
212) - Em 18 de Agosto de 2004 a O... solicitou à Câmara Municipal ... a autorização para construção de um hotel nos referidos terrenos;
213) - Com data de 20 de Abril de 2006, a O... foi notificada pela Câmara Municipal ... do indeferimento do pedido;
214) - Os arguidos BB, EE e CC aceitaram comprar os mencionados terrenos, através da intervenção de terceiros;
215) - Para o efeito, os arguidos BB, EE, CC e AA acordraram atribuir aos Terrenos de ... o valor de € 3.250.000,00, representando uma mais-valia de € 2.150.000,00 por referência ao preço de aquisição dos mesmos;
216) - Os arguidos BB, EE e CC, fizeram então intervir os arguidos GG e HH que aceitaram figurar nos contratos como adquirentes dos terrenos;
217) - Os arguidos BB, EE e CC aceitaram fazer com que a operação de compra da sociedade do AA fosse integralmente financiada por parte do BPN, aceitando, por outro lado, que este último se comprometesse pela via contratual com a compra dos mesmos terrenos;
218) - Os arguidos GG e HH aceitaram, por seu turno, figurar como adquirentes dos referidos terrenos, aceitando o pagamento do preço que lhes fosse determinado pelos arguidos BB, EE e CC, uma vez que o mesmo seria integralmente financiado pelo BPN;
219) - Neste sentido, em 15 de Dezembro de 2006, foi celebrado um contrato de promessa de compra e venda daqueles três terrenos sitos em ..., pelo preço total de € 3.250.000,00, entre a O..., na qualidade de promitente vendedora, e GG e HH, na qualidade de promitentes-compradores;
220) - De acordo com o contrato, na mesma data, foi efectuada a primeira parte do pagamento, no montante de € 3.150.000,00, através de cheque sacado sobre a conta n. º ...74, junto do BPN, titulada por GG e HH;
221) - Tal cheque foi pago apesar de na conta sacada não existirem fundos suficientes para garantir a sua provisão, tendo tal pagamento a descoberto sido autorizado pelo arguido BB;
222) - De facto, a mesma conta dos arguidos GG e HH só veio a ser provisionada na data de 20 de Março de 2007, com data-valor de 31 de Janeiro de 2007, na sequência dos contratos de mútuo já acima referidos e também relacionados com a aquisição das participações na sociedade Palácio ...., tendo então a referida conta sido creditada com uma transferência no montante de € 14.299.041,44;
223) - Na data de 23 de Janeiro de 2007, o arguido AA, em representação da O..., na qualidade de vendedora, outorgou a escritura de compra e venda dos três terrenos em ..., figurando como adquirente, por determinação dos arguidos GG e HH, a sociedade GER..., de que os mesmos eram sócios e que representaram no acto;
224) - O pagamento do remanescente do preço, no montante de € 100.000,00, ocorreu através de cheque sacado sobre a conta BPN n.º ...74, titulada por GG e HH;
225) - A semelhança da primeira parte do pagamento, também este cheque foi pago apesar de na conta sacada não existirem fundos suficientes para garantir a sua provisão, tendo tal pagamento a descoberto sido autorizado pelo arguido BB;
226) - Em 22 de Dezembro de 2006, os arguidos GG e HH, por um lado e o arguido BB, por outro lado, celebraram um contrato promessa em que comprometiam o BPN na aquisição dos três referidos terrenos, fixando o preço de tal compra no montante de € 3.750.000,00;
227) - Nos termos de tal contrato promessa, o pagamento do referido preço seria efectuado na data da escritura pública, a qual deveria ocorrer até ao dia 31 de Janeiro de 2009, consumando-se então um ganho de € 500.000,00 para os arguidos GG e HH, atenta a diferença de preço entre a aquisição ao arguido AA, ainda que integralmente financiada, e a venda para a esfera do BPN;
228)   - Tal escritura definitiva nunca veio a ser outorgada; d) Negócio da Sociedade B... . S...
229) - A sociedade “B... . S... - Sociedade Imobiliária, S.A.” (doravante abreviadamente designada por B... . S...), com o NIPC ..., foi constituída em 09 de Novembro de 2000, com o capital social de € 50.000,00, dividido em 50.000 acções, do valor nominal de € 1,00, cada uma;
230) - A sociedade B... . S... tinha como objecto a promoção imobiliária, construção de imóveis e celebração de negócios de compra, compra para revenda de imóveis, gestão de imóveis próprios e prestação de serviços de administração imobiliária;
231) - No início de Maio de 2005, a totalidade do capital social da B... . S... era detido pela “PAR... Imobiliária, SGPS. S.A.” (doravante abreviadamente designada por PAR...);
232) - Os arguidos BB e CC decidiram proceder a um aumento do capital social da sociedade B... . S..., que passou de € 50.000,00 para € 500.000,00, representado por 500.000 acções com o valor nominal de € 1,00, cada uma;
233) - Para tanto, os arguidos BB e CC determinaram que a conta n.º ...96 titulada pela PAR... no BPN fosse debitada para crédito na conta da B... S...
 , com o n.º ...01, no montante de € 450.000,00, para realização do aumento de capital subscrito;
234) - Após o que os arguidos BB, CC, GG e HH, nos termos de estratégia acordada, fizeram introduzir na cadeia de sucessivas titularidades da B... . S... a sociedade GER...;
235) - Em 28 de Dezembro de 2007, a PAR..., representada por KKK e JJJ, na qualidade de legítima titular das 500.000 acções representativas da totalidade do capital social da B... . S..., vendeu 250.000 acções desta sociedade à GER..., representada no acto por GG e HH;
236) - Os arguidos BB e CC estipularam que a venda seria efectuada pelo preço de € 16.875.000,00;
237) - Os mesmos arguidos incluíram ainda na venda à GER... créditos por suprimentos constituídos na B... . S..., no montante de € 400.000,00;
238) - O preço total da venda à GER... ficou, assim, pelo montante de € 17.275.000,00;
239) - No entanto, os arguidos GG e HH, através da GER..., não despenderam para o pagamento desse preço qualquer quantia própria, sendo integralmente financiados pelo BPN;
240) - Com efeito, os arguidos BB e CC, com a colaboração do arguido FF, determinaram a concessão, através do BPN, de um crédito à GER... no montante de € 19.646100,00;
241) - Assim, em 21 de Dezembro de 2007, os arguidos BB, CC, com a colaboração de FF, determinaram que desse entrada no sistema informático do BPN a proposta de crédito n. º 47....4/2007, através da agência da ..., no P...;
242) - Tal proposta teve o parecer favorável na avaliação de risco, na sequência de informação que foi dada;
243) - Teve ainda o parecer favorável por parte de NNN, na qualidade de director central da rede de agências, bem como do administrador do pelouro comercial, OOO, e do administrador do pelouro de risco, o arguido FF, que foi informado sobre os contornos e a real origem e finalidade da operação;
244) - Em garantia do financiamento, a GER... deu em penhor as próprias acções da B... . S... que iria adquirir;
245) - O Conselho de Administração do BPN, no qual tinham assento os arguidos FF e BB aprovou a proposta em 27 de Dezembro de 2007;
246) - Assim, em 28 de Dezembro de 2007 a conta n.º ...21 da GER... no BPN foi creditada com o montante de € 19.646100,00;
247) - Este financiamento nunca foi pago pela Ger... ao BPN;
248) a 250) - [Artigos de desenvolvimento da argumentação jurídica];

Do pedido de indemnização formulado pela Parvalorem, S.A. apresentado a fls. 8674 a 8784
(é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) - [Artigo remissivo para a factualidade da acusação, devendo ter-se em atenção a factualidade da pronúncia acima enunciada como provada];
2) - A Parvalorem, S.A. é uma sociedade que tem por objecto social a prestação de serviços de consultoria; aquisição para a sociedade de títulos ou de créditos e correlativa gestão de carteira de títulos ou de créditos pertencentes à sociedade; aquisição de imóveis para revenda no âmbito destas actividades;
3) - Por contrato de cessão de créditos celebrado entre o "BPN - Banco Português de Negócios, S.A." (BPN) e a Parvalorem, S.A. foram cedidos por aquele a esta diversos créditos sobre vários devedores, entre os quais se encontram os créditos cujo pagamento é reclamado e de que foi titular o “Banco Insular (IFI), SARL (BI), sociedade de direito cabo-verdiano, com sede em Conjunto Residencial, lote 8, bloco D, na ... de Santo António, registado na Conservatória do Registo Comercial ... sob o n. º 619;
4) - Os créditos objecto do contrato referido no artigo anterior haviam sido adquiridos pelo BPN Cayman e pelo Banco Português de Negócios (IFI), S.A., mediante dação em pagamento, por contrapartida da extinção das dívidas que o BI tinha perante aqueles por descobertos bancários a eles concedidos;
5) - Os mesmos créditos foram cedidos pelo BPN Cayman e pelo BPN (IFI) ao BPN, mediante contratos de cessão de créditos celebrados em 13 de Março de 2009;
6) - O BI para pagar ao BPN IFI e ao BPN Cayman esses descobertos entregou-lhes a totalidade do seu activo, correspondente aos créditos sobre os seus clientes;
7) - Entre os créditos assim sucessivamente cedidos encontram-se, em parte, os que se acham descritos na acusação formulada nos presentes autos, de que era formalmente titular o Banco Insular;
8) - De entre os diversos créditos de que a Parvalorem, S.A. é actualmente titular encontra-se o emergente do financiamento concedido à sociedade “K... Limited” (doravante abreviadamente denominada por K...);
9) - Com efeito, a K..., sociedade offshore, surge como adquirente a outra da mesma natureza, a G..., de um conjunto de 2.500 acções representativas de capital da “Sociedade de Administração Imobiliária Palácio ...., S.A.” (doravante abreviadamente designada por Palácio ....), pelo preço de Esc: 570.000.000$00, equivalentes a € 2.843.148,01;
10) - Para que a K... tivesse fundos para proceder ao pagamento do preço das 2.500 acções da Palácio ...., os arguidos EE, BB e CC autorizaram a abertura de conta (n.º ...37) e respectivo financiamento daquela junto do BPN Cayman pelo montante de € 2.843.148,01[11];
11) - O referido crédito nunca foi pago apesar das acções que eram detidas pela K... terem sido transferidas para a sociedade offshore “PE... INVESTMENTS LLC”, utilizada pelo arguido AA;
12) - [Artigo conclusivo, imputando responsabilidades pelo pagamento da quantia de € 2.843.148,01];
13) - Por outro lado, os arguidos BB e CC acordaram a venda pela “R... - Sociedade Imobiliária, SA - Sociedade Imobiliária, S.A.” (doravante abreviadamente designada por “R... - Sociedade Imobiliária, SA”) de acções representativas de 35% do capital da “Na... Limited” (doravante abreviadamente designada por “Na...”) pela sociedade “OA... HOLDINGS CORP” (doravante abreviadamente designada por "OA...”) pelo preço de € 4.015.323,07, integralmente suportado por financiamento concedido pelo BPN;
14) - Para efeitos de concretização daquela (re)venda, o respectivo pagamento à R... - Sociedade Imobiliária, SA foi triangulado, tendo sido realizado por intermédio da sociedade “PH... LLC” (doravante abreviadamente designada por “PH..."), utilizada por AA;
15)  - Em 31 de Dezembro de 2001 foi ordenado que sobre a conta da PH... com o n.º ...57, junto do BPN Cayman, fosse feita uma transferência a débito para crédito na conta n.º ...26 titulada pela R... - Sociedade Imobiliária, SA no BPN, no montante de € 4.015.323,07, saldando desta forma o preço das acções adquiridas pela OA...;
16) - Esta operação financeira foi concretizada, com autorização dos arguidos BB e CC, sem que a conta da PH... estivesse devidamente provisionada para o efeito, provocando, consequentemente, um descoberto bancário no mesmo montante;
17) - Tal financiamento, concedido sob a forma de descoberto, sobre a conta da PH..., foi transferido para a conta n. º  ... da OA..., junto do BPN Cayman, a partir da qual foi determinada, em 28 de Janeiro de 2002, uma transferência a débito para crédito na conta da PH... com o n.º ...57, no mesmo montante de € 4.015.323,07;
18) - Desta forma, o descoberto inicialmente gerado na conta da PH... para pagamento à R... - Sociedade Imobiliária, SA ficou liquidado;
19) - Os arguidos BB e CC e AA determinaram a abertura de nova conta da OA..., desta feita junto do Banco Insular, à qual foi atribuído o n.º ...66;
20) - Nesta conta, foi autorizado pelos arguidos BB e CC a abertura de conta corrente caucionada, permitindo a utilização de fundos no montante de € 4.708.587,75;
21) - Em 29 de Abril de 2003 foi determinada uma transferência por débito na mencionada conta, para crédito na conta ..., titulada pela Oa... no BPN Cayman, no montante de € 4.708.587,75;
22) - Desta forma, os arguidos fizeram liquidar o valor em dívida na conta da OA..., junto do BPN Cayman, transferindo o financiamento para a conta do Banco Insular, balcão oficial, com incremento do montante dado em crédito e sem garantias.
23) - Do mesmo modo, este financiamento junto do Banco Insular foi depois transferido para o seu balcão virtual, através da abertura de uma nova conta;
24) - Assim, foi aberta junto do balcão virtual do Banco Insular uma nova conta da OA..., à qual foi atribuído o n.º ...75;
25) - Associada a esta conta foi autorizada por aqueles arguidos a abertura de uma conta corrente caucionado no montante de € 4.782.878,80;
26) - Em 29 de Dezembro de 2003, os arguidos determinaram uma transferência por débito na referida conta n.º ...75, do balcão virtual, para crédito na conta n.º ...66, no balcão oficial, do Banco Insular, no montante de € 4.782.878,80, amortizando parcialmente a dívida;
27) - Em 31 de Dezembro de 2003, por determinação dos mesmos arguidos, foi efectuada nova operação de transferência da mesma natureza, no montante de € 332.662,77, permitindo liquidar a totalidade da conta corrente caucionada aberta na conta do balcão oficial do Banco Insular;
28) - Deste modo, o financiamento inicialmente obtido através da PH... foi sendo incrementado por causa dos fluxos financeiros supra descritos, atingindo, em 21 de Abril de 2005, o montante de € 5.506 674,77;
29) - O montante em dívida assim gerado junto da conta do balcão virtual do Banco Insular nunca foi pago pelo arguido AA, pelo que, em 31 de Julho de 2007, atingia o total de € 6650.440,58, por acumulação de encargos;
30) - Por outro lado, os arguidos BB, CC e EE trataram de retirar da Na... o seu único activo, que era o designado Terreno Aq..., constituído pelo Lote 1.B.1.1, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º 04...0/120991, da freguesia ...;
31) - Com o produto da alienação do terreno Aq..., no total de € 7.500.000,00, os mesmos arguidos determinaram a subscrição pela Na... de 7.500 unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário BPN I..., por débito na sua conta n.º ...870 junto do BPN Cayman;
32) - Por carta datada de 21 de Abril de 2005, o arguido AA, agindo em representação da Na..., solicitou o resgate da totalidade das unidades de participação detidas por esta entidade, obtendo assim o montante de € 7.927.140,75;
33) - O montante do resgate das unidades de participação foi depositado na conta “Be... Investments Limited” (doravante abreviadamente designada por Be...), com o n.º ..., junto do BPN Cayman;
34) - No mesmo dia, o arguido AA solicitou a transferência de € 6.207.425,28 para a conta da sociedade “Um... Managment Corp.”, conta com o n.º ...58, junto do BPN Cayman;
35) - O arguido AA ordenou ainda, a partir da conta da Be..., a transferência da quantia de € 1.719.678,06 para uma conta não identificada na Bélgica;
36) - A venda da Na... representou um custo para o BPN de € 18.410.288,46;
37) - Em 20 de Fevereiro de 2006, a sociedade “T..., LLC” - cujo beneficiário era a M... Limited que, por sua vez, tinha como último beneficiária a SLN - adquiriu as partes sociais representativas do capital da sociedade “Mel... Investments Limited” (doravante abreviadamente designada por MEL...),a qual era proprietária dum prédio urbano sito na Quinta ..., inscrito sob o artigo matricial n.º 11235 da freguesia ..., concelho ..., pelo preço de € 4.000.000,00;
38) - A referida MEL... era, por sua vez controlada pela sociedade Be..., cujo último benificiário era o arguido AA;
39) - Para proceder ao pagamento do referido preço, os arguidos BB e CC fizeram realizar, no dia 07 de Março 2006, uma transferência, no mesmo montante de € 4.000.000,00, a débito da conta da T... junto do BPN Cayman, com o n.º ...42, tendo como beneficiária uma conta da entidade Be..., atravé da Compagnie Bancaire Espírito Santo, Lausanne, com o n.º 1...155, controlada pelo arguido AA, que assim fez seu o referido montante;
40) - Tal valor teve origem em financiamento concedido à T..., mediante abertura de conta junto do Banco Insular, no balcão virtual, com o n. º ...65;
41) - Este financiamento junto do Banco Insular foi concedido sem suporte contratual e sem garantias, permitindo a mobilização dos € 4.000.000,00, que foram assim transferidos da conta do Banco Insular n.º ...65 para a conta do BPN Cayman n.º ...42, ambas da T..., de forma a gerar, nesta última, fundos para o pagamento supra-referido, em benefício último de AA;
42) - Esta operação veio apenas a ser formalizada junto do balcão oficial do Banco Insular em 26 de Junho de 2008, através da abertura da conta n.º ...69 e de uma conta corrente a ela associada, na qual veio a ser recebida nova transferência com origem na conta do BPN Cayman, com o n.º ...42, agora pelo montante de € 4.437.292,61, de forma a liquidar os financiamentos pendentes e os juros junto do Banco Insular, que então se encontrava em liquidação;
43) - O financiamento à T... permaneceu no BPN Cayman, onde nunca veio a ser pago e posteriormente foi transferido para a esfera da Parvalorem, mediante cessão créditos realizada em 23 de Dezembro de 2010, à data com o valor de € 4.449.851,00;
44) - [Artigo conclusivo, imputando responsabilidades pelo pagamento da quantia de €
4.449.851,00];


Das contestações aos pedidos de indemnização civil
Da contestação cível do demandado BB aos pedidos de indemnização apresentados pelo Ministério Público, pela Galilei Imobiliária, SGPS, S.A., pelo Banco BIC Português, S.A. e pela Parvalorem, S.A. apresentada a fls. 12 458 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) - [Artigo único de impugnação genérica e remissivo para a contestação crime apresentada, devendo ter-se em atenção a factualidade que desta foi considerada como provada];

Da contestação cível do demandado CC aos pedidos de indemnização apresentados pelo Ministério Público, pela Galilei Imobiliária, SGPS, S.A., pelo Banco BIC Português, S.A. e pela Parvalorem, S.A. apresentada a fls. 12 687 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) - [Artigo único de impugnação genérica e remissivo para a contestação crime apresentada, devendo ter-se em atenção a factualidade que desta foi considerada como provada];

Da contestação cível do demandado EE aos pedidos de indemnização apresentados pelo Ministério Público, pela Galilei Imobiliária, SGPS, S.A., pelo Banco BIC Português, S.A. e pela Parvalorem, S.A. apresentada no final da contestação crime a fls. 12 711 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
110) - [Artigo único de impugnação genérica e remissivo para a contestação crime apresentada, devendo ter-se em atenção a factualidade que desta foi considerada como provada];

Da contestação cível do demandado FF aos pedidos de indemnização apresentados pela Galilei Imobiliária, SGPS, S.A. e pelo Banco BIC Português, S.A. apresentada a fls. 12 504 a 12 506 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) a 3) - [Artigos de análise jurídica das contestações];
4) - [Artigo único de impugnação genérica e remissivo para a contestação crime apresentada no que respeita à intervenção do arguido nos negócios da AT... e AT... II, devendo ter-se em atenção a factualidade que deste segmento daquela contestação foi considerado como provado];

Da contestação cível do demandado AA ao pedido de indemnização apresentado pelo Banco BIC Português, S.A., constante de fls. 11 907 a 11 912 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) - [Artigo único de impugnação genérica e remissivo para a contestação crime apresentada, devendo ter-se em atenção a factualidade que desta foi considerada como provada];
2) a 11) - [Artigos de análise jurídica do pedido de indemnização];

Da contestação cível do demandado AA ao pedido de indemnização apresentado pelo Ministério Público em representação do Estado Português, constante de fls. 11 913 a 11 919 (é
mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1), 2), 9) e 10) - [Artigos de impugnação genérica, sendo os segundo e último remissivos para a contestação crime apresentada, devendo ter-se em atenção a factualidade que desta foi considerada como provada];
3) a 8) e 11) a 18) - [Artigos de análise jurídica do pedido de indemnização];

Da contestação cível do demandado AA ao pedido de indemnização apresentado pela Galilei Imobiliária, SGPS, S.A., constante de fls. 11 934 a 11 940 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) a 7) e 15) a 23) - [Artigos de análise jurídica do pedido de indemnização];
8) a 14) - [Artigos de impugnação, sendo os primeiro e último de impugnação genérica e remissivos para a contestação crime apresentada, na parte respeitante ao negócio da B... . S..., devendo ter-se em atenção a factualidade que desta, neste segmento, foi considerada como provada];

Da contestação cível do demandado AA ao pedido de indemnização apresentado pela Parvalorem, S.A., constante de fls. 11 941 a 11 945 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) - [Artigo único de impugnação genérica e remissivo para a contestação crime apresentada, devendo ter-se em atenção a factualidade que desta foi considerada como provada];
2) a 11) - [Artigos de análise jurídica do pedido de indemnização];

Da contestação cível dos demandados GG, HH e Amplimóveis, S.A. ao pedido de indemnização apresentado pelo Ministério Público em representação do Estado Português, constante de fls. 12 719 a 12 727 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) a 18) - [Artigos de argumentação jurídica de defesa por excepção];
19) a 23) - [Factualidade já abordada no elenco dos factos provados e não provados da pronúncia];
24) - A R... V... continuou a deter o lote de terreno da ... na sua posse e propriedade, aguardando instruções do BPN;
25) - Em carta que, em 07 de Maio de 2009, dirigiu ao BPN, como resposta à notificação da cessão de créditos feita entre o Banco Insular e o BPN, após ter esclarecido que o Banco Insular jamais lhe houvera entregue as quantias em causa, a R... V... comunicou ao BPN o seguinte:
“O que acaba de ser dito não prejudica o reconhecimento da existência de um negócio com o BPN, relativo à aquisição de um prédio, sito em C..., que, inicialmente, se encontrava registado em nome da R..., aquisição essa que visava, como visa, dado o objecto social desta sociedade, “trabalhar” o referido prédio e colocá-lo no mercado em condições que mereçam a concordância do BPN, sendo o produto da venda destinado a regularizar as responsabilidades contraídas para esse fim, os encargos, designadamente financeiros e fiscais, bem assim como a remunerar os serviços prestados por esta sociedade.
A R... V... aguarda que o BPN defina se o referido prédio deverá ser recolocado no mercado e, em caso afirmativo, as respectivas condições de venda”;
26) - [Artigo de impugnação genérica];

Da contestação cível dos demandados GG e HH ao pedido de indemnização apresentado pelo Banco BIC Português, S.A., constante de fls. 12 728 a 12 751 (é mantida a numeração do articulado em questão por facilidade de análise e comparação)
1) a 29) - [Artigos de argumentação jurídica de defesa por excepção];
30), 31, 38), 39), 41), 44), 47), 50) a 52), 59), 61) a 65), 72), 73) e 83) - [Artigos de argumentação e análise jurídica];
32), 33), 40), 53) a 56), 60), 66) a 69), 82) e 86) - [Artigos de impugnação];
34) - Relativamente à quantia de € 12.500.000,00, em 12-12-2003, foram assinados 3 contratos de mútuo distintos com o Banco Insular;
35) - Um pela Amplimóveis e pela quantia de € 12.500.000,00;
36) - Um segundo contrato também, em 12-12-2003, e igualmente pela Amplimóveis, pela quantia de € 7.000.000,00;
37) - Um terceiro contrato também, em 12-12-2003, desta feita pela P... F... Lda. e pela quantia de € 5.750.000,00;
42) - No que respeita à transferência de 2.875.000.00€ para conta de DO da Amplimóveis no BCP, BBBB da Direcção de Operações do BPN solicita a CCCC / DDD da Unidade Off-Shore do BPN o seguinte:
“Conforme instruções recebidas procede hoje por débito da conta do Banco Insular junto do BPN Cayman a seguinte transferência: Ordenante : Banco Insular Beneficiário : AmpliMóveis Banco : Banco Comercial Português N.º Conta :  ...05 Montante : 2.875.000,00€ (...) Data-Valor : 2003-12-15”;
43) - Em 15-12-2003, a Divisão de Operações Off-Shore do BPN emite a Nota Interna n.º UEO S0005CYMD em que se diz o seguinte:
“Conforme Instruções em anexo, queiram proceder ao DÉBITO da conta “Nostro” do BPN Cayman Limited junto do BPN Lisboa n.°  ...01 (EUR):
N/Cliente - BPN Cayman ; Montante-EUR 2.875.000,00";
45) - No que respeita à transferência de 7.000.000.00€ para conta de DO de Amplimóveis no Montepio Geral, BBBB da Direcção de Operações do BPN solicita a CCCC / DDDD da Unidade Off-Shore do BPN o seguinte:

“Conforme instruções recebidas procede hoje por débito da conta do Banco Insular junto do BPN Cayman a seguinte transferência:

Ordenante : Banco Insular
Beneficiário : AmpliMóveis
Banco : Montepio Geral
Nº Conta :  ...69
Montante : 7.000.000,00€ (...)
Data-Valor : 2003-12-1”;

46) - Em 15-12-2003, a Divisão de Operações Off-Shore do BPN emite a Nota Interna n.° UEO S0003CYMD em que se diz o seguinte:
“Conforme Instruções em anexo, queiram proceder ao DÉBITO da conta “Nostro” do BPN Cayman Limited junto do BPN Lisboa n.º 2972338,10.OO1(EUR):
N/Cliente - BPN Cayman;
Montante - EUR 7.000.000,00”;
48) - Com referência à transferência de 2.875.000.00€ para conta de DO de Amplimóveis na Caixa Geral de Depósitos, BBBB da Direcção de Operações do BPN solicita a CCCC / DDDD da Unidade Off-Shore do BPN o seguinte: “Conforme instruções recebidas procede hoje por débito da conta do Banco Insular junto do BPN Cayman a seguinte transferência:

Ordenante: Banco Insular Beneficiário : AmpliMóveis Banco : Caixa Geral de Depósitos Nº Conta :  ...68 Montante : 2.875.000,00€ (...) Data-Valor : 2003-12-15”;

49) - Em 15-12-2003, a Divisão de Operações Off-Shore do BPN emite a Nota Interna n.° UEO S-0004CYMD em que se diz o seguinte:
“Conforme Instruções em anexo, queiram proceder ao DÉBITO da conta “Nostro” do BPN Cayman Limited junto do BPN Lisboa n.º  ...01(EUR):
N/Cliente – BPNCayman - Montante-EUR 2.875.000,00”;
57) e 58) - O cheque n.º ... ...11, no valor de 4.000.000,00€, que R... V... emitiu sobre a respectiva conta no Montepio Geral a favor de Amplimóveis, para pagamento do preço de compra do lote de terreno da ..., veio a ser depositado, em 30-12-2003, na conta n.º  ...01 do BPN Cayman junto do BPN em Lisboa;
70) - A R... V... continuou a deter o lote de terreno da ... na sua posse e propriedade, aguardando instruções do BPN;
71) - Em carta que, em 07 de Maio de 2009, dirigiu ao BPN, como resposta à notificação da cessão de créditos feita entre o Banco Insular e o BPN, após ter esclarecido que o Banco Insular jamais lhe houvera entregue as quantias em causa, a R... V... comunicou ao BPN o seguinte:
“O que acaba de ser dito não prejudica o reconhecimento da existência de um negócio com o BPN, relativo à aquisição de um prédio, sito em C..., que, inicialmente, se encontrava registado em nome da R..., aquisição essa que visava, como visa, dado o objecto social desta sociedade, “trabalhar” o referido prédio e colocá-lo no mercado em condições que mereçam a concordância do BPN, sendo o produto da venda destinado a regularizar as responsabilidades contraídas para esse fim, os encargos, designadamente financeiros e fiscais, bem assim como a remunerar os serviços prestados por esta sociedade.
A R... V... aguarda que o BPN defina se o referido prédio deverá ser recolocado no mercado e, em caso afirmativo, as respectivas condições de venda”;
74) - Os arguidos são sócios e accionistas de várias sociedades que operam no ramo da actividade imobiliária;
75) - O Banco BPN conhece, desde Março de 2003, as empresas de que os arguidos são sócios e/ou accionistas e que os mesmos gerem e administram, bem como os imóveis de que essas sociedades são donas e possuidoras;
76) - Pois, em 28 de Março de 2003, o Banco BPN celebrou com uma das sociedades que faz parte do referido grupo, denominada Pousa Flores - Sociedade de Gestão e Exploração Imobiliária Lda, um contrato de abertura de crédito até ao montante de 20.000.000,00€;
77) - As outras sociedades que fazem parte de tal grupo e que também intervieram nesse contrato de abertura de crédito, como contratantes "GARANTES", são as seguintes:

Sociedade G..., SGPS, SA, NIPC ...;
Su... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis SA, NIPC ...;
Imóveis C... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis SA, NIPC ...;
Amplimóveis - Compra, Venda e Exploração de Imóveis SA, NIPC ...;
Ger... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis SA, NIPC ...; 78), 80) e 81) - [Contextulização do art. 79.º];
79) - [Não provado]; 84) - [Não provado];
*

Factos   assentes   resultantes (e constantes) da declaração confessória das demandantes civis, apresentada no dia 13 de maio de 2020, referência Citius ...57, após despacho proferido nos autos para indicar os valores concretos que foram pagos:
1 - (16.) (..) a Demandante desistiu e deu integral quitação aos Demandados GG e HH das quantias por si peticionadas no presente Pedido de Indemnização Civil.
2 - (18.) Para concretização do acordo, além do contrato promessa existente nos autos, a 07/11/2019 a Demandante BANCO BIC transmitiu os créditos da sua titularidade para a Demandante PARVALOREM.
3 - (20.) Tal acordo, conforme referem os Demandados, passou pela dação em pagamento por via da entrega de acções de sociedades, imóveis objeto dos negócios e entrega de imóveis dos Demandados, alheios aos negócios objecto dos autos, além da entrega de quantitativos monetários destes, não sendo conhecidos aos Demandados quaisquer outros bens aos Demandados, à data da celebração do acordo.
4 - (21.) Os Demandados GG e HH, entregaram à Demandante, todos os activos que tinham em sua posse, bem como os activos detidos por sociedades consigo relacionadas, a saber, Sociedades P... F... - Sociedade de Gestão e Exploração Imobiliária, Lda; Sociedade G... de Projectos Imobiliários e Serviços, SGPS, S.A.; Ger... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.;
Imóveis C... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, SA; R... V... -Sociedade de Gestão e Exploração de Propriedades, Lda., Sociedade Imobiliária Palácio ..., SA. e Su... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.
5 - (22.) Através das referidas dações em pagamento, os Demandantes ressarciram a totalidade do prejuízo apurado pela primeira instância quanto ao Negócio do terreno da ..., no total de € 9.409.209,25, a cujo pagamento foram condenados (ainda que solidariamente com outros Demandados).
6 - (23.) Porém, os Demandados não entregaram à Demandante a totalidade dos montantes correspondentes aos prejuízos apurados nos presentes autos, ainda que, conforme se referiu, tenham extinguido a totalidade dos prejuízos no pagamento dos quais foram condenados pela primeira instância.
7 - (25.) (...) para celebração do acordo em apreço foram, de facto, contemplados todos os negócios celebrados entre os aqui Demandados e o BPN, a saber: Negócio do terreno da ..., AT... I e II, Palácio ...., Terrenos de ... e B... . S....
8 - (26.) Todavia, os Demandados não entregaram bens e quantias no valor total correspondente aos prejuízos apurados pela primeira instância, excluindo-se o terreno da ... (sendo que apenas neste negócio foram civilmente demandados e condenados).
9 - (27.) Ao invés, os Demandados operaram a dação de todos os activos que de dispunham pessoalmente, bem como de sociedades consigo relacionadas, razão pela qual a Demandante lhes deu integral quitação das dívidas relacionadas com os negócios objecto dos presentes autos.
10 - (30.) Quanto ao Negócio do terreno da ..., da quantia de € 9.409.209,25, a cujo pagamento foram condenados, pela primeira instância, os Demandados GG, HH, BB, CC e EE, os Demandados GG e HH liquidaram a totalidade daquele montante, nada mais sendo devido por qualquer dos Demandados a este respeito.
11 - (31.) Por conta dos negócios do Palácio .... e Terrenos de ..., da quantia de € 14.299.041,44, a cujo pagamento foram condenados, pela primeira instância, apenas os Demandados BB, CC, EE e FF, os Demandados GG e HH liquidaram, através das referidas Dações em pagamento, os seguintes valores:


Dação em pagamento das Acções da Sociedade Imobiliária Palácio ... (proprietária do imóvel Palácio ....), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 5.261.320,18 (cinco milhões duzentos e sessenta e um mil, trezentos e vinte euros e dezoito cêntimos).
Dação em pagamento dos Terrenos de ..., pelo valor total de € 500.000,00 (Quinhentos mil euros);

12 - (33.) Por conta no negócio da B... . S... (Herdade da ...), da quantia de € 19.646.100,00, a cujo pagamento foram condenados pela primeira instância apenas os Demandados BB, CC, EE e FF, os Demandados GG e HH liquidaram, através das referidas Dações em pagamento, os seguintes valores:
Dação em pagamento das acções da B... S...- Sociedade Imobiliária, SA. (proprietária do imóvel Herdade da ...), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 2.617.021,00 (dois milhões seiscentos e dezassete mil e vinte um euros).
Dação em Pagamento de prédio urbano sito em ..., ..., pelo valor de € 2.799.001,77 (dois milhões setecentos e noventa e nove mil e um euro e setenta e sete cêntimos);

13 - (35.) No que respeita ao negócio das sociedades AT... I e II, atendendo à situação de insolvência daquelas sociedades, as participações sociais das mesmas não têm qualquer valor, nem têm as mesmas qualquer activo, razão pela qual a Demandante prescindiu de receber os títulos representativos do seu capital social, permanecendo em dívida a totalidade do montante de € 9.017.196,51, a cujo pagamento foram condenados os Demandados BB, CC e FF, solidariamente.


III

Fundamentação

(De Direito)

A

Questões Processuais Preliminares


1. Delimitação do Objeto

É consensual que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certas questões legalmente determinadas – artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2 e 3 do CPP – é pelas Conclusões apresentadas em recurso que se recorta ou delimita o âmbito ou objeto do mesmo (cf., v.g., artigo 412.º, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, p. 316; jurisprudência do STJ apud Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Relator: Conselheiro Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Relator: Conselheiro Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Relator: Conselheiro Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos; de 29/04/2009, Proc. 77/00.9GAMUR.S1, Relator: Conselheiro Santos Cabral).

2. Das alegações ao Thema decidendum

De modo resumido, brevitatis causa, são as seguintes as questões invocadas nas alegações de recurso apresentadas pelos recorrentes:


B) - CC


i. No que respeita à admissibilidade do recurso, invoca que:
a) o recurso deverá ser admitido, mesmo quando as penas parcelares aplicadas sejam inferiores a oito anos de prisão, quando se verifiquem os vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, emergentes do próprio texto da decisão;
b) é materialmente inconstitucional a interpretação e aplicação do artigo 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, no sentido de limitar o objeto do recurso à matéria da pena única aplicada pelo Tribunal recorrido, por violar o princípio da hierarquia dos tribunais e o princípio da boa administração da justiça, consagrados nos artigos 202.º, 209.º, n.º 1, al. a) e artigo 210.º da CRP, bem como o princípio da proibição do excesso e o princípio da necessidade em matéria criminal acolhidos no artigo 29.º n.º 1 e artigo 32.º n.º 1 da CRP.

ii. No que respeita aos fundamentos apresentados no recurso penal, refere que:
a) o objeto do presente processo apresenta-se em manifesta sobreposição com o do processo n.º 4910/08...., numa clara violação do princípio ne bis in idem;
b) o acórdão recorrido padece da nulidade de insuficiência da matéria de facto para a decisão, prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP;
c) Assistiu-se a uma alteração factual face aos factos dados como provados pelo tribunal em 1.ª instância, padecendo o acórdão proferido de nulidade, por falta absoluta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 425.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º n.º 2 do CPP;
d) A interpretação normativa das normas previstas no artigo 412.º, n.º 3 e 4 do CPP, acolhida pelo Tribunal de recurso, padece de inconstitucionalidade material na medida em que limita o direito ao recurso constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
e) O acórdão é nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por ausência de análise crítica da prova produzida e especificada pelos recorrentes nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP;
f) Não se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo de crime em apreço;
Mesmo que tal não se considere,
g) Não se verifica realização plúrima de crimes capaz de permitir a condenação do recorrente pela prática de dois crimes de burla qualificada, devendo a atuação do ora recorrente ser qualificada como crime de execução continuada;
h) As penas parcelares aplicadas ao arguido devem ser reduzidas;
i) O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71º do Código Penal, ao considerar circunstâncias que fazem parte do tipo penal imputado ao arguido, valorando-as, novamente, em sede de determinação da medida concreta da pena de cada um dos crimes de burla;
j) O Tribunal a quo não analisa a medida da pena única aplicada, limitando-se a aderir à decisão da 1.ª instância, verificando-se, assim, a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia;
k) Caso, porém, não venha a ser assim entendido, afigura-se, em todo o caso, que a fixação da pena única de dez anos de prisão efectiva não respeita os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, não se mostrando adequada à ponderação da culpa concreta global e às exigências preventivas.

iii. No que respeita ao acórdão proferido a 23 de junho de 2021:
a) o mesmo padece de manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão;
b) bem como de falta absoluta de fundamentação;
c) invoca a inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 425.º n.º 4, conjugado com o artigo 379.º, n.º 1 al. c) do CPP, interpretadas no sentido de se considerar fundamentação suficiente pelo tribunal de recurso a afirmação de que o tribunal de 1.ª instância indagou todos os factos que lhe competia investigar, verificando-se que a matéria de facto apurada, objectivamente analisada, suporta e é suficiente para a solução jurídica encontrada, sem permitir ao destinatário de tal decisão compreender em concreto o percurso valorativo do julgador, deverão ser julgadas materialmente inconstitucionais por tal interpretação normativa contender com as garantias de defesa asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 1 da CRP nas quais se integra o direito ao recurso e o direito à tutela jurisdicional efetiva, violando, ainda, o princípio do processo justo e equitativo consagrado no artigo 20.º n. 4 da CRP e artigo 6.º da CEDH;

iv. Relativamente ao pedido de indemnização civil:
a) Entende não estarem verificados os elementos integradores do crime de burla qualificada por que foi condenado;
b) Não existe prejuízo na esfera jurídica do BIC que imponha a obrigação de indemnização;
c) O prejuízo sofrido pelo BPN, S.A. nos negócios que envolvem o ora recorrente, corresponde, no fundo, ao montante dos financiamentos concedidos aos arguidos GG, HH e sociedades por estes controladas,
d) Os créditos emergentes dos mencionados financiamentos foram pagos, como expressamente reconhecido no Acórdão proferido pela 1.ª instância e mantido pelo Tribunal recorrido, pela Parvalorem, já em 2010;
e) O acórdão recorrido conhece da responsabilidade contratual emergente dos financiamentos concedidos, extravasando a sua competência;
f) Deixa por determinar em cada um dos negócios a que directamente as indemnizações fixadas se reportam, o momento em que se consumou o eventual prejuízo, ou mesmo como é que determinou o prejuízo e, sobretudo, a que momento é que o determinou, padecendo, nesta sede, o acórdão recorrido, de nulidade por falta absoluta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP;
g) Muito embora o acórdão recorrido haja determinado que seja tomado em consideração no quantum indemnizatório fixado pelo tribunal em 1.ª instância os valores entretanto recebidos, entregues pelos co-arguidos que beneficiaram dos financiamentos concedidos, a verdade é que apenas manda atender apenas ao valor imputado a parte dos bens que foram entregues e não a todos os bens entretanto já entregues;
h) Não se mostra apurado nos autos o valor entregue por estes arguidos que não emergia directamente dos bens envolvidos nos negócios que constituem o objecto dos autos;
i) O Tribunal a quo deveria ter retirado consequências jurídico-penais, perante a prova da reparação parcial dos danos;
j) A interpretação do artigo 431.º do CPP acolhida pelo Tribunal a quo no sentido de não poder o tribunal de recurso dar como provados factos novos provados por documentos supervenientes ao encerramento do julgamento de 1.ª instância comprovativos da reparação parcial do prejuízo sofrido pelo lesado de crime de natureza patrimonial, apresenta-se como materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e das garantias de defesa do arguido acolhido no artigo 32.º, n.º 1, da CRP;
k) A interpretação do artigo 431.º do CPP, acolhida pelo Tribunal a quo, no sentido de a reparação parcial dos danos sofridos pelas vítimas de crimes patrimoniais ocorrida na fase de recurso e comprovada nos autos por documento não ter qualquer relevância em sede de ponderação da responsabilidade penal se apresenta como materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e das garantias de defesa do arguido acolhido no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
l) Existe erro de julgamento por violação das normas que regem a responsabilidade civil extracontratual no que se reporta à existência de prejuízo a indemnizar, e, subsidiariamente, no que respeita ao cálculo dos danos a indemnizar.
m)  Ainda no que respeita ao pedido de indemnização civil deduzido pela Parvalorem cumpre antes de mais sublinhar que a mesma deduziu um pedido de indemnização suportado na prática de um crime sendo que a mesma é apenas titular de um crédito de natureza contratual, em virtude de contrato de cessão de créditos celebrada com o Banco BIC, sendo que o crédito em causa, adquirido por via do mencionado contrato de cessão de créditos, não é nem nunca foi um crédito sobre o ora arguido.

C) - EE

i. O Arguido EE entende que o recurso agora interposto é legalmente admissível, invocando, para tanto, a inconstitucionalidade da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, nas seguintes vertentes:
- por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP, no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando, nesta última, obrigado ao limite mínimo da mais elevada das penas concretamente aplicadas pela Relação aos vários crimes;
- por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a nulidade da decisão condenatória prevista no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do CPP;
- o artigo 379.º, n.ºs 1, al. b) e 2, do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a nulidade imputada à decisão da Relação emergente da condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, por violação do princípio dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP;
- artigos 379.º, n.ºs 1, al. a) e 2 e 374.º, n.º 2, do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a nulidade imputada à decisão da Relação emergente da ausência de fundamentação da decisão condenatória, por violação do princípio dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 205.º, da CRP;
- os artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do CPP, interpretado no sentido de não poder ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão da Relação sobre irregularidade processual tempestivamente arguida, com referência à decisão condenatória daquele Tribunal que aplique pena superior a 8 anos de prisão, emergente da insuficiência de fundamentação quanto a um argumento inovador do Tribunal de recurso, por violação do princípio dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 205.º, da CRP;
- na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o segmento decisório que faça parte do Acórdão que a haja aplicado relativo ao ne bis in idem, por violação dos princípios da segurança e da intangibilidade do caso julgado (implicitamente consagrado na Constituição da República, nomeadamente nos seus artigos 2.º, 210.º, n.º 2 e 282.º, n.º 3, da CRP), do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e dos artigos 29.º, n.º 5 e 32.º n.º 1 da CRP;
- na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o segmento decisório (que faça parte do Acórdão que a haja aplicado) relativo à apreciação da violação do caso julgado, por violação dos princípios da segurança e da intangibilidade do caso julgado (implicitamente consagrado na Constituição da República, nomeadamente nos seus artigos 2.º, 210.º, n.º 2 e 282.º, n.º 3, da CRP), do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e dos artigos 29.º, n.º 5 e 32.º n.º 1da CRP.

    ii. No que respeita aos fundamentos do recurso penal propriamente dito, são, os mesmos, em suma, os seguintes:
a) Incumprimento do dever de fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no que respeita à invocada violação do princípio do ne bis in idem e extinção do procedimento por caso julgado;
Subsidiariamente,
b) Violação pelo acórdão condenatório do princípio ne bis in idem, atendendo:
- ao caso julgado formado no processo n.º 41/12.5..., que correu termos junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, os quais são idênticos e ou indissociáveis daqueles que são objecto dos presentes autos;
- a que os factos destes autos e os do processo criminal n.º 4910/08.... são coincidentes, pelo que não poderão, no que concerne ao arguido, continuar a ser julgados processos penais simultâneos;
c) Violação do caso julgado formado pelo despacho do TCIC, de 17.02.2014;
d) Nulidade por insuficiência da matéria de facto para a decisão condenatória do arguido pela prática de dois crimes de burla qualificada, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa alterado a construção jurídica adotada no acórdão de 1.ª Instância, modificando a interpretação efetuada por este quanto à entidade que terá – afinal – sido co-enganada com a conduta dos Arguidos;
e) Nulidade do acórdão, prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, por violação dos artigos 358.º, 359.º e 424.º, n.º 3, desse diploma legal, e 217.º, n.º 1, do Código Penal;
f) Impossibilidade legal de a burla ser praticada por administrador do sujeito passivo do crime/da interpretação materialmente inconstitucional extraída do artigo 217.º, n.º 1, do CP;
g) Ausência de elementos objectivos para a prática dos crimes de burla;
h) Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia/violação do princípio da necessidade e da proibição do excesso e das garantias de defesa do arguido;
i) O crime de burla deverá ser juridicamente tratado como sendo de execução continuada ou (sem conceder) do crime continuado;
j) Da ausência (e também incorreta) ponderação das circunstâncias atenuantes/do excesso das penas singulares e da pena única (resultante do cúmulo) aplicadas ao arguido.

            iii. Quanto ao pedido de indemnização civil, entende o recorrente:
a) não ter praticado qualquer crime de burla e, adicionalmente a isso, não ser sequer parte nos contratos de mútuo que o BPN, S.A. invoca não terem sido pagos, pelo que o Tribunal a quo, ao condenar o Arguido no pagamento dos valores em dívida daí resultantes, violou os artigos 217.º, n.º 1, do CP e 483.º, n.º 1, do Código Civil;
b) que tendo o BPN confessado nos autos que cedeu à Parvalorem, S.A. os créditos cujo valores não pagos foram considerados como prejuízo a indemnizar (com base no artigo 483.º, n.º 1, do CC), deveria o Tribunal a quo ou ter relegado a fixação da indemnização para execução de sentença (artigo 609.º, n.º 2, do CPC) ou, alternativamente (nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC), modificado a matéria de facto (após notificação ao Demandante BPN, S.A. para juntar a escritura de cessão dos créditos em causa – com base nos artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1, do CPC), nela considerando o valor recebido pelo BPN, S.A. pela cessão dos créditos em causa, determinando a sua subtração ao valor indemnizatório anteriormente fixado;
c) Os artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1, 609.º, n.º 2 e 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 483.º, n.º 1, do Código Civil, interpretados (como foram) no sentido de o Tribunal de recurso não dever, ou dar como provados factos novos, com base em documentos supervenientes (não apreciados em primeira instância, ainda que para tal ordenando oficiosamente a sua junção) comprovativos do (entretanto ocorrido) desaparecimento ou redução do prejuízo sofrido pelo lesado, ou relegar para execução de Sentença a determinação do efectivo prejuízo deste, antes devendo fixar a indemnização com base no prejuízo anteriormente julgado como provado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da justiça na administração dos conflitos entre privados (ínsito nos artigos 9.º, al. a) e 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP) e do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP).

            iii. Relativamente ao acórdão proferido a 23 de junho de 2021, invoca o recorrente:
a) a sua anulação, por ter indeferido a arguição da nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP (por referência à insuficiente matéria factual para condenar o recorrente pela prática como autor material de dois crimes de burla qualificada, mesmo à luz do entendimento, agora inovadoramente adotado pelo TRL, de que o BPN e o BdP seriam cumulativamente os enganados e o BPN quem sofreria o prejuízo patrimonial emergente das burlas);
b) a nulidade, a enquadrar no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, por contradição insanável entre os fundamentos e a decisão nele tomada;
c) a nulidade, por falta de fundamentação, considerando que o acórdão declara “não provadas” as nulidades arguidas pelo Recorrente, decisão esta que corresponde a um conhecimento de fundo das mesmas, não elencando as razões de facto e de direito que permitem o respectivo indeferimento;
d) No que se refere às irregularidades processuais subsidiariamente arguidas, face ao disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, ao omitir o conhecimento das mesmas, incorreu o Tribunal a quo na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.


D) - FF

i. O Tribunal a quo alterou os factos apurados pela 1.ª instância de forma dissimulada, com o intuito de procurar assim reunir os factos necessários à verificação da tipicidade do crime de burla;
ii. A decisão padece de nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, por não existirem factos provados capazes de suportarem a decisão proferida;
iii. O Tribunal recorrido acolheu uma interpretação normativa do artigo 424.º, n.º 3, do CPP que se apresenta como materialmente inconstitucional, dispensando o exercício do contraditório perante a aquisição de novos factos com recurso a presunções judiciais extraídas dos factos provados;
iv. Verifica-se nulidade do douto acórdão proferido, prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por ausência de análise crítica da prova produzida e especificada pelos recorrentes nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, em violação do disposto neste artigo, mas igualmente do artigo 374.º, n.º 2, do CPP;
v. A interpretação normativa acolhida pelo tribunal a quo das normas previstas no artigo 412.º, n.os 3 e 4, do CPP, padece de inconstitucionalidade material na medida em que limita o direito ao recurso constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP;
vi. No que respeita ao pedido de indemnização civil, entende que o Banco BIC não sofreu qualquer prejuízo por ter havido uma cessão dos créditos emergentes dos financiamentos e contratos celebrados com GG, HH e a sociedade Amplimóveis, tendo sido dessa forma ressarcido do valor que à data da cessão se mostrava em dívida.;
vii. Também a Parvalorem não sofreu qualquer dano em virtude dos actos ilícitos praticados pelos aqui arguidos, tendo o crédito que lhe foi cedido natureza exclusivamente contratual e não delitual;
viii. Entende, ainda, o arguido que o valor atribuído no acordo celebrado a parte dos ativos que foram entregues pelos coarguidos não lhe é oponível, sendo que não foi tomada em consideração para apuramento dos danos que se mostrariam ainda por reparar a totalidade dos valores entregues, mas apenas os ativos que se relacionavam diretamente com cada um dos negócios celebrados.

E) - GG e HH

Vêm os recorrentes GG e HH recorrer do acórdão proferido a 23 de junho de 2021, que decidiu que as questões suscitadas pelos arguidos não deveriam proceder porquanto o Acórdão proferido não se acha viciado por qualquer uma das nulidades invocadas.

Alegam, assim, em suma, que:


i. Quanto às nulidades arguidas, funciona este Supremo Tribunal como um 2.º grau de jurisdição, posto que as questões foram suscitadas e analisadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa em primeira linha (funcionando este como 1.º grau);
ii. Pelo que em respeito do dispositivo constitucional constante do artigo 32.º e, concretamente, do princípio da dupla jurisdição do recurso, têm os Arguidos direito a apresentar o presente recurso, apenas e só daquelas questões apreciadas pela primeira vez pelo Tribunal da Relação de Lisboa;
iii. O acórdão do Tribunal da Relação é nulo, por ter omitido pronúncia sobre questão que deveria conhecer, ao não ter efetuado um controlo efetivo da matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, por confronto desta com a documentação em acta da prova produzida oralmente na audiência;
iv. O acórdão proferido a 2 de junho de 2021 é nulo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, por ter efetuado uma alteração substancial dos factos, sem observação do disposto no artigo 359.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Da mesma forma, caso se considere que a alteração é não substancial, a decisão é, também, nula, ao não ter observado o disposto no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Invocam, ainda, inconstitucionalidades, quanto à interpretação destes normativos;
v. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa é nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, por se ter substituído ao Tribunal de primeira instância, tomando conhecimento de uma prova cuja valoração é agora diversa.
vi. A interpretação dos normativos ínsitos nos artigos 410.º, n.º 1 e 2, 426.º n.º 1 e 431.º, todos do Código de Processo Penal, segundo a qual a valoração e avaliação da prova que foi realizada pelo tribunal a quo com base no Relatório pericial (prova vinculada ou tarifada – artigo 163.º n.º1 e 2 do Código de Processo Penal), quando alterada a sua valoração pelo tribunal ad quem no sentido de ficar sujeita à livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal), ao não reenviar os autos para aquele Tribunal se pronunciar, substituindo-se o Tribunal de recurso ao Tribunal de primeira instância na decisão, é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
vii. Em sede de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi apresentada prova por documento pela qual os Arguidos/Demandados Reclamantes, por acordo com os Assistentes/Demandantes, colocaram fim ao PIC. Mas também, como parte deste acordo, foi feita prova por documento da entrega dos bens, não apenas aqueles que se relacionam com os factos deste processo, mas também bens imóveis que nada têm que ver com os contratos celebrados no âmbito das relações dos Reclamantes com o BPN, e o completo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da prática dos crimes. Ora, o Tribunal da Relação de Lisboa omitiu expressamente pronúncia, por ter entendido que a apreciação desta questão lhe estava vedada, pelo que é nulo o acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal. A interpretação dos artigos 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicável por força do estatuído no artigo 4.º do Código de Processo Penal, artigos 431.º e 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, segundo a qual o Tribunal de Recurso não pode apreciar documentos supervenientes, com vista à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material, é inconstitucional por violação do estatuído no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

           

3. Questão prévia

Não obstante as questões supra referidas consubstanciarem o objeto do presente recurso, antes de mais, teremos de nos debruçar sobre uma questão prévia que veio a ser desencadeada pelo Ministério Público, tanto na Relação, como no Supremo Tribunal de Justiça, onde se suscitou a irrecorribilidade do acórdão quanto à parte criminal, no que respeita às penas inferiores a 8 anos de prisão, e todas as questões processuais ou de substância a estas relativas, ficando a recorribilidade circunscrita à questão da medida da pena única dos recorrentes CC e EE.

           
4.  Iter dos principais atos processuais e condenações

Desde logo, importa esquematizar as principais decisões ocorridas nos presentes autos a fim de, primeiramente, se analisar da recorribilidade – ou não – do(s) acórdão(s) proferido(s) pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Assim, por acórdão prolatado pelo Juiz ... do Juízo Central Criminal ..., no dia 12 de novembro de 2018, foram os recorrentes condenados, no que à parte criminal respeita, nos seguintes termos:
a) o arguido CC pela prática, como coautor, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles, e, em cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 10 (dez) anos de prisão;
b) o arguido EE pela prática, como coautor, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos de prisão;
c) o arguido FF pela prática, como cúmplice, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
d) o arguido GG pela prática, como coautor, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, ais. a) e d), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; pela prática, como coautor, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 6.º, 103.º, n.º 1, ais. b) e c), e 104.º, n.ºs 1, ais. d), e) e g), e 2, do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
e) o arguido HH pela prática, como coautor, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. a) e d), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; prática, como coautor, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 6.º, 103.º, n.º 1, als. b) e c), e 104.º, n.ºs 1, als. d), e) e g), e 2, do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

Interpostos recursos dessa decisão de 1.ª instância, foi proferido acórdão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 2 de junho de 2021, confirmando integralmente o acórdão em causa, mantendo, em consequência, as referidas condenações.

Nessa sequência, veio o EE, no dia 15 de junho de 2021, arguir nulidades e irregularidades processuais referentes ao mencionado acórdão. No mesmo sentido, foram apresentados requerimentos, por parte dos recorrentes HH, GG, CC e FF, a 16 de junho de 2021.

Como tal, a 23 de junho de 2021, foi proferido novo acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se decidido «julgar não provadas as nulidades invocadas pelos arguidos EE, DD, HH, GG, CC e FF».


B

Questões de Recorribilidade em geral


1. O Recurso, garantia penal constitucionalmente consagrada

Todo o penalista recordará uma tese fundamental do nosso ordenamento jurídico, ínsita com clareza no texto constitucional: é o texto do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, especialmente in fine:

“O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.”

Desde logo, o Tribunal Constitucional tem tido necessidade de esclarecer que não há, no nosso ordenamento jurídico, como por vezes se pensa e se alega, três necessários graus de jurisdição, ou seja, um direito sempre presente de dois níveis de recurso.

Uma síntese clara é a de Amâncio Ferreira, no seu Manual. Para ele, os recursos visam
“a eliminação ou correção de decisões judiciais inválidas, erradas ou injustas, pela devolução do seu julgamento a um órgão jurisdicional hierarquicamente superior (no caso dos recursos ordinários) ou sem devolução do seu julgamento a outro órgão, por a reponderação (ou o reexame) da decisão competir ao próprio órgão jurisdicional que a proferiu (caso dos recursos extraordinários)”[12].

2. Do Recurso em processo penal  

Segundo o art. 432.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pode-se recorrer para o STJ (inter alia, naturalmente, centrando-nos no que agora importa): “b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.

Ninguém ignora, na comunidade jurídica, que o art. 400.º, n.º 1, do Código de Processo Penal veda a recorribilidade para o STJ de decisões de dupla conformidade condenatória em que a pena aplicada não seja superior a 8 anos de prisão, conforme refere a alínea f), preceituando a inadmissibilidade de recurso: “f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

Se todas as penas em que um recorrente foi condenado forem inferiores à aludida fasquia dos 8 anos de prisão, não pode haver recurso de nenhuma delas.

Têm sido várias vezes citadas na jurisprudência deste Tribunal algumas sínteses jurisprudenciais (com dimensão doutrinal), com importância para a concreta interpretação dos poderes de cognição.

Diz-se, com efeito, no Acórdão deste STJ, de 11.03.2020 (Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves):
“só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico. Irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dúbio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à matéria de facto ou à aplicação do direito, confirmadas pelo acórdão da Relação, conquanto a pena aplicada, parcelar ou conjunta, não seja superior a 8 anos de prisão. Trata-se de jurisprudência uniforme destes Supremo Tribunal, adotada e seguida no recente Ac. de 19/06/2019, desta mesma secção, onde se decidiu: “As questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal”.

E ainda se aduz no Acórdão deste STJ, de 16-03-2021 (Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves):
“I- A norma dos artigos 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, consagra a irrecorribilidade de acórdãos da Relação que confirmem a decisão condenatória da 1.ª instância, contanto não tenha sido aplicada pena superior a 8 anos de prisão.
 II - Salvo disposição legal expressa, as mesmas questões já duplamente apreciadas e uniformemente decididas por tribunais de duas instâncias, não podem legitimar mais uma reapreciação em 2.º grau recurso, pelo STJ.
III - Irrecorribilidade extensiva a todas as questões relativas à actividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a matéria de facto, nulidades, vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica, a escolha das penas e a respectiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais.”.

Atente-se ainda no Acórdão deste STJ, de 11-03-2021, Relatora Conselheira Helena Moniz:
“II - Tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, segundo a jurisprudência deste STJ, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância.”.

E finalmente analise-se o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2018, proferido no Proc.º n.º 22/08.3JALRA.E1.S1 (Relator: Conselheiro Lopes da Mota), de que retomamos a seguinte passagem:

           
“1. Só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, limitado ao reexame de matéria de direito, de acórdãos das Relações proferidos em recurso que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso de prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.
2. O regime de recursos para o STJ definido pelas normas dos artigos 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, al. b), do CPP, efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais). O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, de um duplo grau de recurso, em relação a quaisquer decisões condenatórias.
3. Garantido o duplo grau de jurisdição em matéria de facto e em matéria de direito, têm os sujeitos processuais à sua disposição duas vias possíveis de exercer o direito ao recurso: querendo impugnar a decisão em matéria de facto (incluindo a arguição dos vícios da decisão a que se refere o artigo 410.º do CPP) e em matéria de direito, devem usar a via de recurso para o tribunal da Relação (artigos 427.º e 428.º do CPP), qualquer que seja a pena aplicada; limitando o recurso a matéria de direito, a lei impõe caminhos distintos, consoante a pena aplicada, que define o critério de competência dos tribunais superiores: se a pena não exceder 5 anos de prisão, o conhecimento do recurso é da competência do tribunal da Relação (artigo 427.º do CPP); se for superior a 5 anos, tal competência pertence ao STJ (artigos 432.º e 434.º do CPP), o qual, em caso de concurso de crimes, deve conhecer de todas as questões, de direito, relativas às penas aplicadas a cada um deles e à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017).
4. O conhecimento do recurso implica que o tribunal ad quem aprecie e decida, oficiosamente ou a pedido do recorrente, todas as questões de direito relacionadas com o objecto e âmbito do recurso da sua competência, incluindo das nulidades relativas à decisão recorrida que constitui o objecto do recurso, as quais, sendo admissível recurso, nele devem ser arguidas (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).
5. Como tem sido afirmado na jurisprudência do STJ, estando este, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, está também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP, respectivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e aspectos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relativas à apreciação da prova, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos ou de penas parcelares de medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como de questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito.

                                    (…)”



C
Recorribilidade dos Acórdãos em apreço

1. Da recorribilidade do acórdão proferido a 2 de junho de 2021

Recordando e sublinhando as bases para a apreciação: o direito ao recurso é um direito constitucionalmente consagrado sendo que, relativamente às ações penais, o mesmo encontra-se densificado nos artigos 399.º e seguintes do Código de Processo Penal. O princípio geral previsto nesse normativo é, precisamente, a de que se pode recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos, salvo nos casos expressamente excetuados por lei.

Por sua vez, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas pelas relações, em recurso, que não sejam irrecorríveis, nos termos do artigo 400.º do mesmo diploma legal.

Acresce que o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Decisões que não admitem recurso», dispõe, precisamente, que:

«1. Não é admissível recurso:

            (…)
f) - De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

Verifica-se, assim, que o legislador elegeu, como critério de recorribilidade, a pena concretamente aplicada, tendo reservado o acesso a um triplo grau de jurisdição – ou duplo grau de recurso – apenas às situações em que está em causa a aplicação de uma pena mais gravosa – superior a 8 anos de prisão[13].

Nesta medida, o artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal estabelece a irrecorribilidade dos acórdãos condenatórios proferidos em recurso, que confirmem a decisão da 1.ª instância, quando a pena aplicada é não superior a 8 anos.

Ora, nos presentes autos, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou totalmente o que havia sido decidido em 1.ª Instância a nível criminal, mantendo inalterados os factos, a qualificação jurídica e as condenações dos recorrentes, pelo que se verifica existir uma dupla conforme perfeita[14].

Deste modo, não relevará, para aferição de uma situação de dupla conforme, a circunstância de o tribunal da Relação adotar uma fundamentação diferente da consignada na decisão da 1.ª Instância, se a mesma não resultar em qualquer subsunção ou consequência criminal distinta[15]. Assim, uma alteração factual para efeitos de afastamento de dupla conforme terá de ser relevante, em termos de tipicidade, e com reflexo na decisão final[16].

Ora, muito embora, nas suas alegações de recurso, os recorrentes defendam que o Tribunal da Relação operou uma alteração de factos oculta, a verdade é que tal alteração dos factos, mesmo que tivesse ocorrido, sempre seria irrelevante, a não ser que elevasse a medida da pena.

É manifesto que as duas decisões em confronto, de 1.ª e 2.ª Instância, são coincidentes, não havendo qualquer alteração relevante para efeitos de aferição da dupla conforme. Pelo que estamos, efetivamente, perante uma situação de dupla conforme perfeita, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal.

Por sua vez, no que respeita às penas concretamente aplicadas, as mesmas são todas inferiores a 8 anos, com exceção da pena única em que os recorrentes CC e EE foram condenados, que se situa nos 10 anos de prisão.

Nesta medida, importará distinguir estas duas realidades – a condenação nas penas parcelares, inferiores a 8 anos de prisão, com todas as questões que estão na sua base, nomeadamente de preenchimento dos tipos legais de crimes ou eventuais nulidades que pudessem existir, matéria que não poderá ser novamente apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça; e a medida da pena única em que recorrentes CC e EE foram condenados, esta, por sua vez, superior a 8 anos de prisão, matéria que, em face disso, será recorrível nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, a contrario.

Nestas situações, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido unânime em considerar a irrecorribilidade de todas as questões relacionadas com a prática do crime e determinação das penas parcelares, bem como nulidades e inconstitucionalidades que eventualmente se verificassem, não consubstanciando exceção ao presente entendimento a circunstância de estarem em causa eventuais vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou nulidades da decisão, ao contrário do entendimento avançado pelos recorrentes CC e EE.

Existe, na verdade, uma irradiação da impossibilidade de conhecimento a partir da verificação da irrecorribilidade referida.

Neste sentido, cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de maio de 2018, processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1 (Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos), onde se pode ler, no respetivo sumário, que

«I - Sendo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, e tendo sido integralmente confirmadas no acórdão da relação de que se recorre, verifica-se a existência de dupla conforme, pelo que as mesmas são insusceptíveis de recurso em conformidade com o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f), a contrario e art. 432.º, n.º 1, al, b), ambos do CPP. 
II - Abrangidos pelo caso julgado firmado e inerente irrecorribilidade, estão igualmente as questões que se prendem com a decisão de perdimento a favor do Estado dos valores e dos veículos automóveis referidos. Abrangido pela irrecorribilidade, igualmente fica prejudicado o conhecimento das alegadas nulidade das escutas telefónicas, da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por erro notório na apreciação da prova ou por omissão de pronúncia e da alegada violação do princípio in dubio pro reo. 
III - A restrição assinalada quanto à impossibilidade de o STJ conhecer da medida das penas parcelares aplicadas quando se está perante penas de prisão inferiores a 8 anos e foram confirmadas em recurso pelo tribunal da relação vale igualmente para as situações em que são arguidos vícios como os alegados pelo recorrente, consubstanciados no erro de julgamento da matéria de facto provada, relativos à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou ao erro notório na apreciação da prova, previstos no art. 410.º, n.º 2, als. a) e c), do CPP».

Estando, por razões de competência, o Supremo Tribunal de Justiça impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se do mesmo modo defeso de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão.

Estão também excluídos da apreciação vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP - nulidades e aspetos relacionados com o julgamento dos crimes que constituem o seu objeto, aí se incluindo a apreciação da prova, a qualificação jurídica dos factos e a determinação da pena, inter alia.

Sintetizando: não cabe (nem é legalmente possível), neste contexto, curar de quaisquer questões subjacentes ou emergentes, sejam elas substantivas, processuais, ou mesmo de constitucionalidade, desde que evidenciem com o cerne da questão decidida (que é, na verdade, res judicata) uma conexão tão profunda que como que se acolham à sombra da decisão já tomada, confirmativa da decisão proferida em 1.ª Instância.

Dito noutra clave, na formulação do Acórdão do STJ de 26.06.2014, apud Acórdão do STJ de 27.05.2015, Proc.º n.º 352/13.2 PBOER.L1.S1. (Relator: Conselheiro Raul Borges):
«[t]oda a decisão referente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, incluindo questões conexas como a violação do princípio in dubio pro reo, invalidade das provas, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violação do n.º 2 do art. 30.º do CP, qualificação jurídica dos factos, consumpção entre os crimes em concurso, violação do princípio da proibição da dupla valoração, reincidência e medida das penas parcelares, já conhecidas pela Relação, não são susceptíveis de recurso para o STJ, por força dos arts. 400.º, n.º 1, als. c) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP».

Atente-se ainda, mais recentemente, no seguinte ponto (III) do Sumário do Acórdão do STJ, de 24-02-2021, proferido no Proc.º n.º 7447/08.2TDLSB.L1.S1 (Relator: Conselheiro Sénio Alves).
“Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares. A não apreciação dessas questões elencadas pelo reclamante é, portanto, consequência directa da rejeição do recurso, quanto às penas parcelares.”

A recorribilidade da decisão verifica-se, assim, a priori, tendo em conta os dois fatores anteriormente referidos – a confirmação (ou não) da decisão da 1.ª Instância e, ainda, a pena concretamente aplicada. Não são fatores de apreciação da recorribilidade os fundamentos, em concreto, invocados pelos recorrentes, ou quaisquer nulidades que eventualmente viciem a referida decisão.

A opção legislativa é manifesta no sentido de entender que os casos que representam uma menor relevância criminal, em face da pena em causa, e que já tenham sido apreciados – e confirmados – por uma Instância de recurso, não poderão beneficiar de um terceiro grau de jurisdição, independentemente de qualquer fundamento recursivo ou vício que tais decisões padeçam (ou se crê que assim possa ocorrer). Assim sendo, a
«eventual nulidade do acórdão da Relação prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, não constitui pressuposto ou critério de recorribilidade para o STJ, o qual se afere, pela pena aplicada»[17].

Não estabelecendo a Lei qualquer tipo de exceção a esse nível, nunca poderia ser o Tribunal a, casuisticamente, interpretar e decidir quais os vícios ou inconstitucionalidades arguidos pelos recorrentes que poderiam merecer a necessidade de nova apreciação e correção, não sendo, sequer, adequado avançar, introduzindo-nos pelo mérito de tais arguições, em face de, no momento prévio de apreciação dos pressupostos de recorribilidade, estes não se encontrarem verificados.

Neste sentido, nomeadamente, cf. o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 2 de dezembro de 2015[18], onde se pode ler que:
                         «[n]a formulação do art. 400.º , n.º 1, al. f), do CPP, na redação introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o STJ de acórdão de tribunal da relação que confirme decisão de 1.ª instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1.ª instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância».

Por sua vez, e no que respeita, concretamente, à dualidade de irrecorribilidade das penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão e da recorribilidade da pena única, se superior àquele limite, veja-se o acórdão deste Tribunal, proferido a 13 de abril de 2016[19], onde consta que
«[s]e houve confirmação pela Relação da decisão da 1.ª instância - a chamada dupla conforme - não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na nova redacção introduzida pela Lei 48/2007, sobre as penas parcelares, não superiores a 8 anos de prisão, apenas sendo possível o recurso quanto à pena única em que os mesmos arguidos foram condenados».

Da mesma forma decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de dezembro de 2019[20], entendendo que

«[r]ege o art. 400.º, na al. f) do seu n.º 1 do CPP que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Esta norma estabelece, assim, dois pressupostos de irrecorribilidade: o acórdão da Relação confirmar a decisão de 1ª instância e a pena aplicada na Relação não ser superior a 8 anos de prisão. 
II - Ainda de acordo com esta disposição, nos casos de julgamento por vários crimes em concurso em que, em 1ª instância, por algum ou alguns ou só em cúmulo jurídico, haja sido imposta pena superior a 8 anos e por outros a pena aplicada não seja superior a essa medida, sendo a condenação confirmada pela Relação, o recurso da decisão desta para o STJ, só é admissível no que se refere aos crimes pelos quais foi aplicada pena superior a 8 anos de prisão e à operação de determinação da pena única. Isto é, havendo uma decisão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1ª instância que aplicou penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão – a chamada dupla conforme – o recurso para o STJ só é admissível quanto à medida da pena única caso esta exceda 8 anos de prisão. 

                        (…)
IV - Irrecorribilidade que, como é jurisprudência consolidada, respeita não só às penas propriamente ditas mas também a toda a actividade decisória que subjaz e conduziu à sua condenação. A irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a tais crimes) tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, os vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, as nulidades das decisões (arts. 379.º e 425.º, n.º 4) e os aspetos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova, à qualificação jurídica dos factos e à determinação das penas parcelares.»

           

No mesmo sentido, e mais recentemente, o acórdão proferido em 11 de março de 2021[21], no qual se decidiu que
«[t]endo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, segundo a jurisprudência deste STJ, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância».

           

Inexistem, assim, quaisquer dúvidas, que o regime legal vigente não permite a interposição de recurso, quando estejam em causa situações de dupla conforme, relativas a penas inferiores a 8 anos de prisão. Todavia, os recorrentes CC e EE, invocam a inconstitucionalidade desse normativo.

Entende, assim, o recorrente CC que «a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal na dimensão normativa de havendo uma pena única superior a oito anos, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares aplicadas inferiores a oito anos de prisão, viola o princípio da hierarquia dos tribunais e o princípio da boa administração da justiça, consagrados nos artigos 202.º, 209.º, n.º 1, al. a) e art. 210.º da CRP, bem como o princípio da proibição do excesso e o princípio da necessidade em matéria criminal acolhidos no artigo 29.º n.º 1 e artigo 32.º n.º 1 da CRP».

           

Por seu turno, o recorrente EE invoca o seguinte:
«491. O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha ponderado na fixação das penas parcelares, como circunstância agravante da conduta, factos  pelos quais o Arguido foi já julgado pela prática de contra-ordenação, por decisão judicial transitada em julgado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.
492.     O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha ponderado na fixação das penas parcelares, como circunstância agravante da conduta, factos pelos quais o Arguido foi já criminalmente julgado e condenado, por decisão não transitada em julgado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.

(…)
496.    Os artigos 77.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, al. b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), do CP, conjugados com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretados no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha ponderado como circunstância agravante, na determinação da medida das penas parcelares, o valor do prejuízo patrimonial causado emergente da prática de crimes de burla qualificados pelo seu “valor consideravelmente elevado”, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.

(…)
517.     O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação não tenha valorado a favor do Arguido, em sede de determinação da medida das penas parcelares, com base em documentos supervenientes (não apreciados em primeira instância) o ressarcimento integral e ou parcial (realizado na fase de recurso) do prejuízo emergente de crimes de natureza patrimonial, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.

(…)
523.     O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha considerado que o decurso do tempo, em mais de uma década sobre a data dos factos, não constitui em casos complexos, uma circunstância atenuante da pena, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.

(…)
546.    Os artigos 71.º, n.º 1, 72.º, n.ºs 1 e 2, al. d), 73.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 e 2, do CP, conjugados com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretados no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que o seja e delas resulte, ficando obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a medida da pena parcelar mais alta que o integre, em casos em que a Relação tenha considerado que não integra a previsão “Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.” o decurso de mais de uma década sobre a prática dos factos em casos em que, segundo o respectivo CRC, o Arguido se tenha abstido de (nesse período) praticar quaisquer ilícitos penais, não lhe sendo, por isso, a aplicável nem o artigo 73.º, n.º 1, do CP, nem qualquer atenuante da medida de pena parcelar, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP.

(…)
559. (…) o artigo 77.º, n.º 1 e 2, do CP, conjugado com o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpretado no sentido de o STJ não ser competente para reapreciar as penas parcelares inferiores a oito anos, mas apenas a pena única que delas resulte, ficando, nesses casos, obrigado a respeitar como limite mínimo do cúmulo a dosimetria da pena parcelar mais alta que integra o cúmulo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e dos artigos 27.º, n.º 1, 29.º, n.º 5, da CRP, 32.º, n.º 1 e 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP».

           

Ora, como já se disse em sede geral, dispõe o artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que «[o] processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».

Entende-se, assim, que
«[a] LC nº 1/97 incluiu expressamente como candidato positivo das garantias de defesa o direito ao recurso (nº 1, II parte). Trata-se de explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas. Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto»[22].

           

Tal direito ao recurso encontra-se, também, reconhecido em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, das Nações Unidas, e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, do Conselho da Europa, que, na sua formulação, deixam aos Estados-Partes margem de conformação nesta matéria)[23].

Tal normativo consagra a necessidade de ser assegurado o direito ao recurso, mas do seu teor não resulta que tenha de existir um triplo grau de jurisdição, conforme é, aliás, jurisprudência unânime do Tribunal Constitucional[24]. Assim, das normas constitucionais não decorre, em nenhum momento, a obrigatoriedade de haver lugar a um duplo grau de recurso, independentemente dos termos do processo que esteja em causa e dos concretos fundamentos de recurso, permitindo-se ao legislador ordinário uma margem de discricionariedade para definir os limites do acesso a esse triplo grau de jurisdição.

Assim, e conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de março de 2020,
«[e]ncontrando-se, constitucionalmente, assegurado o direito ao recurso limitou a sua expansão, concedendo ao legislador ordinário a possibilidade de limitar/organizar, em função de valorações e graduações jurídico-institucionais e de arquitectura do regime orgânico-processual os patamares de recurso que a lei disponibiliza para defesa adequada dos direitos dos intervenientes no processo, ponderados os interesses relativos que, em cada caso, se planteiam.
(…) A premência de racionalidade do sistema aditada à urgência em conferir peremptoriedade às decisões confirmadas (em duplo grau) pelos órgãos jurisdicionais traduz-se numa consolidação das decisões judiciais de que decorre uma firmeza do julgado e consequente impérvia de a decisão firmada (vale dizer, irrecorrível) poder vir a ser objecto de apreciação em outra sede (jurisdicional) de recurso»[25].

           

No mesmo sentido, o acórdão proferido em 11 de abril de 2012[26], em cujo sumário se lê que:
«I - É admissível recurso para o STJ nos casos contemplados no art. 432.º do CPP, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o art. 433.º do mesmo diploma legal.
II - Com a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos das decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para o STJ, no caso de dupla conforme, apenas a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos (cf. art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP).
III - Esta solução quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1.ª instância não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do art. 32.º da CRP. De facto, o direito ao recurso em matéria penal, inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa, está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a CRP se bastar com um duplo grau.»

           

Nesta medida, e concretamente quanto à limitação prevista no artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal,
«(…) mostra-se salvaguardada a CRP, nomeadamente garantido o direito ao recurso, o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional e o princípio da igualdade. A limitação do acesso ao STJ mostra-se, por isso, razoável»[27].

Da mesma forma, o Tribunal Constitucional, designadamente no acórdão n.º 186/2013[28], decidiu não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1 do artigo 400. º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão. Nesse aresto pode, então, ler-se que
«o legislador ordinário elegeu, no sistema de recursos vigente em processo penal, a gravidade da pena aplicada como critério primordial para que seja admissível 'um triplo grau de jurisdição' (duplo grau de recurso), reservando, desta forma, o acesso ao STJ para os casos de, no seu entendimento, maior importância e gravidade. No caso em apreço - artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP - o legislador, no âmbito dos seus poderes de conformação, tendo subjacente a norma resultante do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, entendeu que, na interpretação impugnada - “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” -, não é admissível recurso para o STJ, afigurando-se-nos que não resulta à evidência que tal limitação possa ser considerada excessiva ou intolerável e, consequentemente, injustificável, havendo, por isso, que ser considerada conforme à Constituição. (…)  Não é de excluir, na verdade, que a referência à “pena de prisão” que nele se encontra possa ser entendida tanto como “pena devida pela prática de um único crime”, quanto como “pena parcelar em caso de concurso de crimes”. Na realidade, este sentido revela-se – ainda assim – tolerável à luz do teor verbal do preceito, resultando a solução hermenêutica encontrada da conjugação dessa tolerância ou cabimento com outros elementos da interpretação, designadamente com o elemento sistemático. Este elemento baseia-se “no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 13.ª reimpressão, Almedina, 2002, p. 183). Tal postulado sustenta a interpretação normativa contestada, vedando a incoerência ou irracionalidade que resultaria da circunstância de se admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, quando a pena conjunta seja superior a 8 anos de prisão, e não se admitir tal recurso quando esteja em causa pena de prisão não superior a 8 anos devida pela prática de um único crime. (…) al cisão, com efeito, tem respaldo no direito penal positivo – artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal – (cfr., ainda, artigo 403.º, do Código de Processo Penal), circunstância que reforça cabalmente a possibilidade de a recorribilidade que a contrario se infere da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º valer quer para penas superiores a 8 anos devidas pela prática de um único crime, quer para penas conjuntas superiores a 8 anos obtidas através de cúmulo jurídico, mas apenas no que às operações do cúmulo respeite.
Daí que cumpra concluir pela não inconstitucionalidade da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.»

No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 301/2021[29], em que se decidiu
“[n]ão julgar inconstitucional a norma do artigo 400. º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, no sentido de que estabelece a irrecorribilidade de acórdão da Relação que confirma decisão da 1.ª instância e aplica pena não superior a oito anos, mesmo quando não se pronuncia sobre todas as questões suscitadas pelos arguidos no recurso”.

Entendendo-se, assim, que o acesso a um segundo grau de recurso resulta da plena liberdade do legislador, a sua limitação, nomeadamente através da gravidade das penas aplicáveis e o instituto da dupla conforme, não ofende o direito ao recurso que se encontra constitucionalmente garantido.

Não havendo tal imposição constitucional de existência de um terceiro grau de jurisdição, não haverá qualquer inconstitucionalidade, independentemente das circunstâncias, em concreto, que fundamentam o recurso e dos termos constantes da decisão recorrida. Não é, assim, violador de qualquer norma constitucional, nomeadamente do referido artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, ou dos demais princípios referidos pelo recorrente EE - «princípio da necessidade e da proibição o excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da culpa (artigos 1.º e 32.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da hierarquia dos Tribunais (artigo 210.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do artigo 27.º, n.º 1, da CRP» - a circunstância de o tribunal superior reapreciar a pena única, estando, contudo, vinculado à moldura penal que advém da fixação das penas parcelares, independentemente das concretas circunstâncias que foram tidas em consideração pelo tribunal para determinação das mesmas, bem como a inexistência de possibilidade de recurso, mesmo quando são invocados os vícios constantes do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Como tal, conclui-se inexistir qualquer inconstitucionalidade que deva ser declarada, relativamente à norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, em qualquer uma das vertentes invocadas pelos recorrentes.


***


Desta forma, em face de todo exposto, considerando a medida das penas aplicadas no acórdão da 1.ª Instância, que foram integralmente confirmadas no acórdão recorrido, verifica-se existir uma dupla conforme perfeita.

Assim sendo, e nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 420.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, o recurso apresentado pelos recorrentes CC, EE e FF, referente à matéria criminal, é inadmissível, irrecorribilidade que se estende às questões relativas à atividade decisória que subjaz e conduz à condenação, sejam, designadamente, questões de constitucionalidade, substantivas ou processuais, nulidades, qualificação jurídica dos factos, determinação das penas parcelares e únicas inferiores a 8 anos de prisão, confirmadas pelo acórdão da Relação[30], rejeitando-se os mesmos, quanto a essa matéria.

           

2. Da recorribilidade do acórdão proferido a 23 de junho de 2021

Nos recursos apresentados, os arguidos CC, EE, HH e GG manifestam a pretensão de recorrer do acórdão proferido ulteriormente, a 23 de junho de 2021, que indeferiu as nulidades e irregularidades processuais invocadas pelos arguidos, referentes ao acórdão anteriormente prolatado, a 6 de junho de 2021.

As nulidades da sentença encontram-se previstas no artigo 379.º do Código de Processo Penal, sendo que o n.º 2 desse normativo regula o regime de conhecimento e de arguição dessas nulidades, aí se estabelecendo que estas «devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º».

Nesta senda, temos duas hipóteses autónomas, consoante a concreta recorribilidade da decisão cujas nulidades se pretende arguir – admitindo-se o recurso dessa decisão, as nulidades deverão ser arguidas nessa sede; não o sendo, deverão ser invocadas perante o tribunal que proferiu a sentença. Assim,
«[a] possibilidade de arguição das nulidades eventualmente existentes em acórdãos insusceptíveis de recorribilidade constitui uma garantia do “núcleo fundamental do poder de reacção contra as decisões dos tribunais, assegurado pelas garantias de defesa consagradas no art. 32.º, n.º 1, da CRP”, na linha do defendido pelo TC, no acórdão 112/2007».

Naturalmente que a decisão que venha a apreciar essas mesmas nulidades não é passível de recurso, nos termos do artigo 400.º do Código de Processo Penal. Sendo irrecorrível a decisão que lhe serve de base, naturalmente que não poderia, nessa sequência, ser recorrível a que aprecia as nulidades a ela referentes, sob pena de inversão total do sistema dos recursos legalmente previsto.

Está fora de causa vir a ficcionar uma nova decisão, sobre a qual poderia ser interposto um novo recurso. Ademais, não se tratando de um acórdão que ponha termo à causa, pois que é posterior a esse momento, tal decisão sempre será irrecorrível, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

Assim,
«[a] recorribilidade (ou irrecorribilidade) está referida a “processo” e não a decisões mais ou menos contingentes sobre incidências processuais, não sendo admissível recurso para o STJ de uma decisão proferida num processo para cuja decisão final a irrecorribilidade está expressamente estabelecida.
(…) Estando em causa um processo em que foi proferida já decisão final que não admite recurso para o STJ, não pode, por segunda via e lateralmente, transformar-se a irrecorribilidade da decisão sobre a culpabilidade e a pena em recorribilidade de uma decisão sobre nulidades arguidas posteriormente.
(…) A garantia constitucional do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa previstas no art. 32.º, n.º 1, da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal deve prever a organização de um modelo de impugnação das decisões que possibilite, de modo efectivo, a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, ou a reapreciação das decisões proferidas num processo que afectem, directa, imediata e substancialmente, direitos fundamentais, como sejam as decisões relativas à aplicação de medidas de coacção privativas da liberdade.
(…) Salvaguardados estes limites que definem o núcleo do direito, a garantia constitucional não impõe, nem um determinado modelo de recursos (por exemplo, um segundo grau de recurso), nem a recorribilidade total, estratificada e avulsa, de todas as decisões, nomeadamente as que não definem a culpabilidade ou a pena, como são todas as decisões que não ponham termo à causa, ou as proferidas posteriormente à decisão final, proferida em recurso, e irrecorrível»[31].

           

No mesmo sentido, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça[32], onde se entendeu que
«(…) a circunstância de serem invocadas nulidades do acórdão recorrido não torna este sindicável perante o Supremo Tribunal, ou seja, estando em causa um processo em que já foi proferido acórdão final que não admite recurso para o STJ, não pode, por segunda via e lateralmente, transformar-se a irrecorribilidade da decisão sobre a culpabilidade e a pena em recorribilidade de uma decisão sobre nulidades.»

           

Finalmente, de referir o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[33], em que se decidiu que
«[t]endo sido opostas nulidades à decisão condenatória e irrecorrível, a decisão (acórdão do tribunal recorrido) que se pronuncia sobre as opostas nulidades não é passível de recurso, por se tratar de decisão ancilar e funcional da decisão que decide (de mérito)».

           

Assim sendo, tratando-se de decisão irrecorrível, a mesma é obviamente definitiva. Contrariamente, tratando-se de decisão recorrível, o modo processualmente adequado para invocar os seus vícios é fazê-lo perante o tribunal de recurso, pelo que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, que aprecie os vícios ou nulidades de acórdão anteriormente proferido por si, não será também passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


****


Nesta medida, em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, rejeitam-se os recursos apresentados, na parte em que versam sobre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no dia 23 de junho de 2021, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.


D

Do recurso apresentado pelo arguido EE relativamente à medida da pena única


Vem o recorrente EE, nas alegações de recurso apresentadas, invocar um conjunto de nulidades e inconstitucionalidades respeitantes à determinação da medida da pena única, alegando, ainda, de modo subsidiário, que a mesma se reputa excessiva, face às exigências de prevenção e à moldura da culpa.

Ora, tendo em conta a estrutura processual penal, a natureza e objetivo dos recursos, é entendimento unânime que os mesmos consubstanciam verdadeiros “remédios jurídicos”, no sentido em que o seu único objetivo é apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Como tal, em consequência, não se destinam os recursos a conhecer questões novas, que não tenham sido anteriormente apreciadas pelo tribunal recorrido[34].

Nesta medida, o recurso permite a reapreciação (e não apreciação ex novo) de decisões de uma instância inferior, ou seja, numa
«fórmula impressiva, no recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas que tenham já sido objecto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que um interessado pretende ver reapreciadas»[35].

Assim, os recursos visam alterar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, pelo que, no recurso que seja interposto para este Supremo Tribunal, de acórdão que tenha sido proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, os recorrentes não poderão, de forma inovatória, colocar questões perante o Supremo Tribunal de Justiça que não foram alegadas no âmbito do recurso anterior, interposto para a Relação[36], só podendo este recurso basear-se
«na discordância perante os fundamentos que sustentam o decidido neste acórdão, e os que constam da decisão da 1.ª instância, já sufragados pelo tribunal superior, posto que os recursos visam o reexame da decisão impugnada e não da decisão que foi objecto de reexame pela decisão impugnada»[37]

Desta forma,
«[c]onstitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, o qual em processo penal se define e delimita através das conclusões formuladas na motivação de recurso»[38].

Tendo em consideração o recurso interposto pelo arguido EE do acórdão proferido pela 1.ª Instância para o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente não faz qualquer menção às penas aplicadas – sejam as parcelares, seja a única – pugnando, apenas pela sua absolvição. Vistas e revistas, verdadeiramente perscrutadas, assim, as suas alegações, conclui-se que nada é referido quanto a esta matéria e quanto à adequação das penas em que foi condenado, ou os seus fundamentos.

De facto, nesse recurso, o recorrente impugnou a factualidade dada como provada e a sua qualificação jurídica, não tendo posto em causa, nem a título subsidiário, as penas que lhe haviam sido aplicadas.

Não obstante pretender a sua absolvição, era aquele o momento processualmente adequado para atacar a medida concreta da pena em que havia sido condenado, fossem as penas parcelares, fosse a única, por forma a que o Tribunal da Relação, caso não julgasse procedente nenhum dos demais fundamentos recursivos, procedesse, também, a essa apreciação – à semelhança, aliás, do que fizeram os demais recorrentes, o que conduziu a que, no acórdão recorrido, tivesse, efetivamente, sido feita uma análise das penas aplicadas aos arguidos, na sequência das questões por eles levantadas nas suas alegações de recurso.

Nesta medida, o que o recorrente EE peticionou no âmbito das suas alegações de recurso é matéria autónoma face à medida da pena, como decorre dos termos do artigo 403.º, n.º 2, alínea f) do Código de Processo Penal, questão que deveria, assim, ter sido invocada, em todas as vertentes pretendidas pelo arguido (nulidades, inconstitucionalidades ou excesso da pena aplicada) e, consequentemente, decidida pelo Tribunal da Relação. 

Como tal, não tendo impugnado perante o Tribunal da Relação a medida da pena única aplicada, tal questão encontra-se vedada ao conhecimento ulterior pelo atual Tribunal de recurso, não podendo o recorrente vir agora, em recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, suscitar a mesma[39], pois que, se assim não fosse, estar-se-ia a abrir a porta ao julgamento de uma questão nova, ao invés de indagar da legalidade e adequação da decisão proferida pelo tribunal inferior[40].

Nesta senda,
«[c]aso o recorrente suscite perante o Supremo Tribunal tão-só uma questão nova, a medida da pena, de todo em todo inexistente no recurso interposto para o tribunal recorrido, não podendo censurar-se este da respectiva decisão naquele domínio e tendo transitado em julgado a matéria ora suscitada pelo recorrente, cumpre entender que o recurso ora interposto para o STJ carece de objecto relevante, e por isso, deve ser rejeitado, por manifesta improcedência - arts. 493.º, n.º 2, e 494.º, al. i), do CPC»[41].

           

Da mesma forma, não é possível entender que tal impugnação da medida da pena possa ter sido feita, de modo tácito, em virtude de o recorrente ter peticionado, no recurso interposto da decisão da 1.ª instância, a sua absolvição. De facto, tal questão tem de ser diretamente invocada e incluída em sede de conclusões pois que, se assim não for, não poderá ser apreciada pelo tribunal de recurso, uma vez que este apenas deverá debruçar-se sobre a matéria alegada pelas partes ou de conhecimento oficioso[42], o que, manifestamente, não é o caso. Na verdade, o recorrente, deparando-se com a condenação de que foi alvo, e não obstante entender que deveria ter sido absolvido, tinha o ónus de invocar todas as questões que pretendesse ver analisadas, nomeadamente a título subsidiário.

Teria, necessariamente, de colocar a hipótese de as suas alegações não serem procedentes, não vingando a tese absolutória, pelo que, entendendo que, em caso de condenação, deveria ver a sua pena diminuída, aquele era o momento processualmente adequado para invocar os seus fundamentos, também quanto a essa matéria, para que o tribunal de 2.ª Instância se pronunciasse relativamente aos mesmos.

Não sendo provido o seu recurso, e sendo a respetiva decisão recorrível, poderia, então, o recorrente, invocar os fundamentos da sua discordância, perante o teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, para a mesma fosse sindicada pelo tribunal superior.

Assim, e na esteira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2005[43],
«(…) se o recorrente J não questionou perante o tribunal da Relação a medida concreta da pena em que foi condenado (não sendo de considerar que o fez implicitamente por ter pedido a absolvição por falta de provas da sua participação nos factos), tal problemática não pode agora ser apreciada».           

No mesmo sentido, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de abril de 2007[44], aí se referindo, expressamente, que
«[s]e as questões apresentadas pelo recorrente no seu recurso para o STJ, relativas à aplicação do regime penal especial para jovens e à medida da pena, não integravam o objecto do recurso para a Relação, sendo por isso questões novas, não integram os poderes de cognição deste Supremo Tribunal».

Nesta medida, verificando-se que as questões invocadas pelo recorrente não foram objeto de apreciação e decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa – não o podendo ser, porquanto nunca foram invocadas e não consubstanciam matéria que seja de conhecimento oficioso – trata-se de matéria totalmente nova, nunca anteriormente suscitada, quando o poderia ter sido feito. Assim, ao fazê-lo nesta sede, ou seja, pretendendo, nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ver a pena que lhe foi aplicada ser reanalisada, não recorre da decisão proferida em 2.ª Instância, pelo Tribunal da Relação, mas antes da decisão da 1.ª Instância, pois foi apenas neste âmbito que a pena aplicada foi apreciada.            


****


Desta forma, o recurso interposto pelo recorrente, relativo à medida da pena única, é inadmissível, por consubstanciar uma questão nova que, como tal, extravasa os poderes de cognição deste Supremo Tribunal[45].

Assim, rejeita-se o recurso apresentado pelo recorrente, por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.


 E

DO MÉRITO

Recurso sobre medida da pena única, uma questão comum:

Bases Gerais


1. Parâmetro enquadrador

Importará salientar que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sublinha que a sua intervenção no controle da proporcionalidade com que há que pesar os crimes e as penas não é ilimitada e que o quantum da pena se deve manter quando se revele, em geral, o acerto dos vários enfoques analíticos e judicatórios em questão (v.g. Ac. STJ, Proc. n.º 14/15.6SULSB.L1.S1 - 3.ª Secção, 19-09-2019).

2. Alusão aos sistemas de punição do concurso de crimes

É sabido que nos diferentes países não vigora uma mesma técnica de apuramento da punição do concurso de crimes[46]. Entre nós, não temos um sistema de pura e simples acumulação material, de adição pura e simples das penas. Entretanto, em alguns países, a comunicação social, para além da prisão perpétua (e em certos casos, até, da pena de morte), relata casos de condenados em dezenas e dezenas de anos.

3. Sendas para a determinação da pena única

A pena única deve determinar-se pela ponderação de fatores do critério que consta do art. 77.º, n.º 1, in fine, do Código Penal:
“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

Há assim que considerar as necessidades de prevenção no caso em concreto (maiores ou menores), e o respetivo grau de culpa e de ilicitude (que também têm graduação). A pena única de modo algum poderá exceder um quadro de razoabilidade e proporcionalidade e deve revelar-se como potencialmente adequada e necessária para se cumprirem as finalidades preventivas. A apreciação do STJ, parcimoniosa e prudente, como se disse, deve ponderar se a pena atribuída se conforma com estes parâmetros, ou se deles se aparta muito notoriamente, de forma a tornar-se irrazoável, desproporcionada (e não proporcional), pela sua severidade. Já que a indulgência ou magnanimidade não poderão ser corrigidas in pejus[47].

Sínteses deste matéria são, nomeadamente:

A do Acórdão do STJ de 12-02-14, em que foi relator o Conselheiro Pires da Graça:

«O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adotando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspetiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.

Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstrato, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspetiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela atividade».

E recentemente, no Acórdão do STJ de 26-10-2022 (Relatora: Conselheira Conceição Gomes):

“(…) quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.”

4. Outros aspetos

Refira-se, finalmente, neste ponto, que não é infrequente que a gravidade dos factos (agora tratados em cúmulo, considerando o “facto global” e a respetiva “culpa global”) e a personalidade do arguido necessitem, em prevenção especial, de uma censura não laxista, que o desmotive de voltar a delinquir no futuro, e de molde ainda a que a comunidade se não sinta ameaçada e descrente nas capacidades reconstitutivas da paz social do sistema jurídico (agora em prevenção geral).

Evidentemente que se entrelaçam as duas prevenções e apontam ambas para uma punição que não contribua para a trivialização destas condutas.  Há crimes que não só causam repulsa e alarme sociais profundos na comunidade circundante, como, sendo mediaticamente noticiados, criam no conjunto da sociedade (que é também o destinatário se não mesmo partícipe da ordem jurídica) sentimentos de anomia. Além disso, não se trata apenas de um sentimentos subjetivo ou de comoção de massas de algum modo superficial, mas, pelo contrário, estão em causa bens jurídicos valiosos, que constituem insofismavelmente pilares da ordem social e da consciência jurídica geral, tendo, assim, uma componente ético-social. São alguns dos mínimos do ordenamento jurídico de que fala Jorge de Figueiredo Dias (que também nos recorda a importância da culpa, outro relevante elemento ético-penal), neste passo aliás sempre habitualmente citado, mas que de novo se deve recordar:
“(2) a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite, máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico” (Direito Penal, vol. I, p. 84 e Direito Penal, vol. II, pp. 227-228” .

Mas importa matizar as questões. Como tem assinalado Claus Roxin, entre outros, o que não deixa de ser recordado, entre nós por Figueiredo Dias, há também uma compreensão social de situações de diminuição da culpa, e a aceitabilidade comunitária de que possa existir uma menor exigibilidade, em certos casos, da tutela de bens jurídicos[48]. Mas nunca poderá estar em causa (em nenhum crime grave, ou, pelo menos de uma certa gravidade, a ponderar com bem calibrada balança) cogitar-se a aplicação de uma pena única que pudesse vir a ser tão baixa que colocasse em risco os limites mínimos de prevenção. Como seria o caso de uma pena que consentisse a suspensão da sua execução, como tantas vezes pretendido pelos recorrentes.

Mandando a lei atender aos factos e à personalidade do agente, há que ter em conta, na consideração dos factos, várias vertentes ou vetores, avultando a condição pessoal e económica do arguido.

A personalidade dos arguidos (pesem todas as invocações e alguns elementos que podem algo atenuar a culpa) não é, muitas vezes, de molde a tranquilizar a comunidade quanto ao seu comportamento futuro (que, obviamente, se deseja venha a ser normativo, aproveitando da possibilidade de “repensar a sua vida”, em reclusão, normalmente), reclamando-se quer em prevenção especial quer em prevenção geral, e não ultrapassando a sua culpa, uma pena não abaixo do razoável para manter as expetativas sociais de defesa da legalidade. É um ponto de ponderação relativamente frequente. Em que se acredita nas virtualidades do sistema, nomeadamente prisional. Pelo menos, no esforço social para a regeneração e ressocialização, que, porém, pode ser aproveitado ou não.

Enfim, tendo em atenção a moldura penal em concreto, a pena aplicada não se deve revelar desproporcional nem contrária às regras da experiência, nem às exigências de prevenção e não pode exceder a culpa do arguido.

Assim, não podendo afirmar-se existir desproporcionalidade no quantum da pena do cúmulo jurídico operado, será a mesma de manter, confirmando-se o Acórdão recorrido. Caso contrário, o Supremo Tribunal de Justiça pode baixar a pena, e tem-no feito, nos casos em que tal se tem mostrado legal e justificável, para que se faça Justiça.


F

ENQUADRAMENTO DE QUESTÕES LEVANTADAS PELO RECORRENTE CC

Omissão de Pronúncia e Proporcionalidade e afins.


1. Omissão de pronúncia, efetiva, real, verdadeira e própria é só a autêntica inexistência de pronúncia, não se confundindo com outras situações. De algum modo, relembra, no âmbito das invalidades, a figura da inexistência ou nulidade absoluta, para a qual o grande romanista Sebastião Cruz, no seu ensino oral em Coimbra, fazia um paralelo com uma passagem cremos que do Quijote, de Miguel de Cervantes (que foi algum modo retomada pelo Barão de Itararé): “que es una cosa nula? Es um cujillo que no tiene lámina ni cabo”. Só uma faca sem lâmina nem cabo é verdadeiramente inexistente, ou omisso. Palavra que, aliás, recentemente se tem vindo a aplicar noutros domínios (v.g.: progenitor omisso, professor omisso, governo omisso).

Como foi explanado, inter alia, no Acórdão do STJ proferido no Proc. nº 35/18.7GBVVC. E1.S1, de 10-02-2020, a completude e cabal fundamentação e decisão de um Acórdão não dependem de uma exauriente análise de todos e quaisquer argumentos (ou mesmo eventuais excursos e obter dicta) das alegações das partes, mas de uma resposta clara, compreensível, lógica e fundamentada às questões efetivamente fundantes colocadas, já de si resumidas nas Conclusões. Deve haver uma resposta direta e cabal ao thema decidendum. Por uma questão, desde logo, de economia processual, celeridade na resposta e omissão devida de atos inúteis. Havendo profusa jurisprudência que o atesta.

Já Santi Romano, num texto certeiro[49], chamava a atenção para o caráter fastidioso e inútil, além de juridicamente imprudente (e contrário ao caráter da nossa disciplina), a dissecação microscópica (“de um cabelo em três”), para além da exatidão e precisão e da visão sintética e integral. Não poupa essa “subtileza”. E já Loysel, nas clássicas Institutes coutumières, dizia que quem melhor sintetiza prova melhor: qui mieux abreuve, mieux preuve

Com efeito, a omissão de pronúncia, geradora até de nulidade da decisão (e justamente, quando realmente se verifique) está em correspondência direta com o dever imposto ao juiz no sentido de o mesmo ter de resolver todas as questões que os sujeitos processuais tenham submetido à sua apreciação, excetuadas (v.g.) aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução (ou resposta) dada a outra.

Tal não significa, porém, que o juiz se tenha de ocupar de todas as considerações feitas pelos sujeitos processuais, já que são coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer; e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida nos autos.

Em consequência, a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que a omissão de conhecimento, relativamente a cada questão efetiva e recortadamente (nas Conclusões) suscitada, é absoluta, ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelos sujeitos processuais (e não, por exemplo, quando a apreciação das questões fundamentais à justa decisão da lide tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Vejam-se, neste sentido, a título meramente exemplificativo, os arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 07-04-2016, Proc. 6500/07.4TBBRG.G2.S3, de 31-05-2016, de 15-02-2017, Proc. 3254/13.9TBVCT.G1.S1, e de 22-01-2019, Proc. 432/15.0T8PTM.E1.S1.

2. Dispõe o artigo 379º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal que
 “é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.

Abarca o normativo, evidentemente, quer a omissão de pronúncia quer a situação (simétrica), do excesso de pronúncia.

Por sua vez, preceitua o artigo 374.º do mesmo diploma legal, relativamente ao conteúdo da sentença, que a mesma se inicia por um relatório, ao qual se segue
a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (n.º 2).

Ademais, dispõe o artigo 425.º, n.º 4, do CPP que é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto no artigo 379.º do mesmo diploma.

Face aos normativos atrás enunciados, e para o que agora interessa,
“a omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual” (cf. Ac. deste STJ de 24 de outubro de 2012, processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1).

3. Assim, estando em causa uma decisão, as exigências de pronúncia e fundamentação dos acórdãos devem sofrer as devidas adaptações em função do objeto e do âmbito do recurso, pelo que a omissão de pronúncia apenas ocorrerá quando o tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia ter apreciado, seja a mesma suscitada pelos recorrentes, ou de conhecimento oficioso (artigos 425.º, n.º 4 e 379.º do Código de Processo Penal).

Nesta senda,
“as questões a decidir não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido. Não ocorre a nulidade, por omissão de pronúncia, se não forem consideradas, na sentença, linhas de fundamentação jurídica que as partes hajam invocado”. (Ac. deste STJ de 9 de dezembro de 2014, Revista n.º 75/07.1TBCBT.G1.S1 - 1.ª Secção, acessível in www.stj.pt/jurisprudencia/sumários de acórdão/ Civil - Ano de 2014).

Não se pode, assim, confundir, cabal decisão e fundamentação do quid sub judicio com facúndia, e prolixidade. Nem decisão clara e suficiente (em termos gerais, e pressupondo um auditório generalizado) com persuasão concreta por parte do recorrente.

Ora,

o dever de fundamentação, na dimensão que lhe é conferida enquanto princípio fundamental decorrente do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, e como manifestação do direito a um processo equitativo, nos termos do artigo 6.º da CEDH, implica que o tribunal de recurso, conhecendo das questões que lhe são colocadas, explicite os motivos pelos quais julga procedente ou improcedente o recurso.

Este dever de fundamentação insere-se numa exigência do moderno processo penal, com dupla finalidade: extraprocessualmente, ao constituir condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que a determinaram, e intraprocessualmente,  ao realizar o objectivo de reapreciação da decisão por via do sistema de recursos.

[…] E sobretudo, prosseguindo:

“A falta de fundamentação não se confunde, ou não pode ter a mesma dimensão compreensiva, da falta de convencimento que essa fundamentação opera no destinatário. Para este, a fundamentação pode não ser suficiente para os fins que prossegue e que anseia da decisão do órgão jurisdicional, mas esta perspectiva não pode obumbrar o fim constitucional do dever de fundamentação” (Ac. deste STJ de 23 de maio de 2018, proferido no Proc.º n.º 630/13.0PBGMR.1.S2 - 3.ª secção, sumário disponível em www.stj/jurisprudência/acórdãos/sumários de acórdãos/Criminal - Ano de 2018.” (Ac. deste STJ de 14 de maio de 2020, proferido no Proc.º n.º 498/18.0YRLSB.S1).

4. Do mesmo modo que, frequentemente, se alegam violações do princípio in dubio pro reo embora inexistindo por completo, em qualquer momento do iter judicatório, quaisquer dúvidas (ainda que leves e meramente de escrúpulo) no tribunal (pensando contudo que haveria ou deveria haver dúvidas, de acordo com a sua opinião subjetiva), assim também ocorre, quiçá por uma ordem de ideias com qualquer semelhança de base com essa primeira situação, que se invoca por vezes a omissão de pronúncia com base em um qualquer tipo de insatisfação do recorrente com a cabal resposta do Tribunal aos problemas suscitados, nomeadamente, apenas, por eventual ausência de diálogo com o pormenor ou a totalidade de argumentos invocados. São, em ambos os casos, manifestações não de uma objetividade de situações decorrente de forma fática dos acórdãos postos em crise, mas de uma interpretação do recorrente, apenas. Não raro se trata, meramente, de manifestação de discordância com os factos, com a fundamentação ou com a sentença, envolta de argumentação que afirma desconsideração do in dubio pro reo, ou omissão de pronúncia.  

5. Passemos brevemente a linhas gerais sobre a questão da proporcionalidade e afins.

Como sublinhou Aristóteles, e recordou, por exemplo, um Michel Villey, o próprio Direito (Dikaion) já é, em si, uma razão, uma proporção. Sendo algo de proporcional, um analogon, e uma igualdade “geométrica”[50]. Assim sendo, a proporcionalidade é algo que deve decorrer da própria essência da juridicidade. Não se trata de um princípio exógeno, mas de algo que decorre da própria natureza do Direito.

Num tempo em que se tem falado da idade ou era da proporcionalidade[51], sobretudo no âmbito do Direito Constitucional e dos Direitos Fundamentais em especial, não deixa de ser salutar constatar que a proporcionalidade não é uma novidade absoluta, nem predominante de um dado ramo, mas uma categoria que impregna, ou deveria impregnar, o próprio Direito tout court.

Atentem-se, antes de mais, nos parâmetros essenciais convocados no Acórdão do STJ de 19-01-2022, proferido no Proc.º n.º 327/17.2T9OBR.S1 (Relator: Nuno Gonçalves).
“Sustenta-se no Acórdão de 30/11/2016, deste Supremo Tribunal, [17- Proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/Jstj.] que: “a medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.
Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese (…)”.
A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação da gravidade dos crimes do concurso (enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente neles revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a dimensão da medida das penas parcelares e da pena conjunta no ordenamento punitivo.
“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.
Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.
“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.
Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta. Tanto porque a moldura penal resultante da soma das penas aplicadas a cada um dos crimes do concurso pode assumir amplitude enorme e/ou atingir molduras com limiar superior muito elevado, não raro, iguais ao máximo de pena consentida, quanto porque os crimes englobados no concurso podem incluir-se apenas na pequena criminalidade, “uma das manifestações típicas das sociedades modernas”, tratando-se de uma realidade distinta da criminalidade grave, quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme coletivo que provoca. Por isso, não poderá deixar de ser diferente, numa e na outra, não só a espécie como também a medida concreta da reação formal. O legislador deixou claramente expressa a vontade de conferir tratamento distinto àquelas fenomenologias criminais.”

Têm estas considerações plena aplicação em tela de fundo. Podendo também convocar-se, no mesmo registo, a explicitação constitucional sobre as várias dimensões ou modalidades de que se reveste a proporcionalidade (designadamente nos Acórdãos nº 632/2008, n.º 187/2001 e Acórdão n.º 634/93 do Tribunal Constitucional).

A lição de síntese do referido Acórdão do STJ de 19-01-2022, proferido no Proc.º n.º 327/17.2T9OBR.S1 (Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves), pela sua clareza, merecerá ser recordada, pelo menos no início do Sumário:
“I - No vigente regime penal, a função primordial do direito penal é a de tutelar os bens jurídicos tipificados, de modo a assegurar a paz jurídica dos cidadãos.
II - A culpa na execução do facto, estabelece o limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando à «paz» comunitária a dignidade humana do agente.
III - Entre aquele limiar mínimo e este limiar máximo, o modelo de individualização da pena judicial completa-se com a finalidade de prevenção especial de socialização (nota nossa:[52] ). (…)

Convoque-se ainda nesta sede geral, brevitatis causa[53], Jürgen Schwabe[54]:
“A aplicação do critério da proporcionalidade como limite dos limites não se confunde com uma ponderação de bens, interesses ou valores jurídicos, mas representa a busca ‘do’ meio necessário de intervenção, assim entendido ((como)) o meio adequado de intervenção (adequado ao propósito da intervenção) que seja, em face da liberdade atingida, o menos gravoso. Aplicar o critério da proporcionalidade significa, portanto, interpretar e analisar o propósito perseguido pelo Estado e o meio de intervenção em si, no que tange às suas admissibilidades e à relação entre os dois. Esta deve poder ser caracterizada como uma relação de adequação e necessidade, nos seus sentidos técnico-jurídicos.”.

É, pois, num sentido técnico-jurídico rigoroso, já seguido pela jurisprudência e acolhido pela doutrina, que se encara a proporcionalidade, e jamais como uma vaga imagem da régua de Lesbos (não a original, referida por Aristóteles nas Éticas a Nicómaco), quiçá entre a equidade e alguma modalidade de pensamento tópico-problemático, em que, no limite, podem entrar considerações de pura subjetividade.

6. A lei, ao mandar atentar nos factos e na personalidade do agente, remete para uma consideração global, em que uns e outros dialogam no seu diferente sentido e peso relativo.

Jorge de Figueiredo Dias (e vária jurisprudência com ele é concorde) aponta também para um critério holístico na escolha da medida da pena única. Assim,
“(…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.  (…) De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”[55] .

Ainda na perspetiva holística, note-se o Acórdão deste STJ de 06.02.2019, proferido no Proc.º n.º 71/15.5JDLSB.S1:
“(…) impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação deverá indagar se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade, para tanto devendo considerar múltiplos factores, entre os quais a amplitude temporal da actividade criminosa, a diversidade dos tipos legais praticados, a gravidade dos ilícitos cometidos, a intensidade da actuação criminosa, o número de vítimas, o grau de adesão ao crime como modo de vida, as motivações do agente, as expectativas quanto ao futuro comportamento do mesmo».

A questão de se saber se se trata da expressão de uma tendência criminosa (uma parafilia), ou uma simples pluriocorrência (ou pluriocasionalidade) de factos criminosos é deveras relevante. Deve ponderar-se que o número elevadíssimo de crimes e o largo tempo em que foram praticados não pode deixar de ser fator a considerar, de um lado, ou, de banda contrária, a situação de crimes escassos e ocasionalmente praticados apenas.

Parece útil e relevante que o Acórdão recorrido tenha uma argumentação consistente, com dados e referências significativas. Nomeadamente invocando pertinentes referências doutrinais e jurisprudenciais (não meramente adjacentes ou eruditas, mas com interesse prático e objetivo para a decisão da causa), explicitando convincentemente as razões da pena atribuída, com clareza, e evidenciando equilíbrio e prudência. A sentença proferida deve ser justa, adequada, proporcional e necessária.

Importa ver o “facto global” a partir muitas vezes de factos singulares plúrimos, vendo-se o tipo de ilicitude e de culpa.

Por exemplo, na reiteração criminosa não se encontrará sistematicamente uma espécie de “meia desculpa” – mas, pelo contrário, há casos em que houve muitas ocasiões de refletir e de perseverar (perseverare diabolicum, como diria a formulação de Bernardo de Claraval) na grave atitude criminosa.


G

Da alegada omissão de pronúncia, no recurso de CC


Invoca o recorrente CC que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, conjugado com o artigo 425.º, n.º 4, desse diploma legal. Para tanto alega, em suma, que o tribunal não analisou a medida da pena única aplicada, limitando-se a aderir à decisão da 1.ª instância, não se encontrando qualquer fundamentação acerca da aplicação da pena de 10 anos de prisão efetiva.

           

Face aos normativos atrás enunciados, e para o que agora interessa,
“a omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual”[56].

Desta forma,
 «a falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou o problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão»[57].

Assim, estando em causa uma decisão, as exigências de pronúncia e fundamentação dos acórdãos devem sofrer as devidas adaptações em função do objeto e do âmbito do recurso, pelo que a omissão de pronúncia apenas ocorrerá quando o tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia ter apreciado, seja a mesma suscitada pelas partes em recurso ou de conhecimento oficioso (artigos 425.º, n.º 4 e 379.º do Código de Processo Penal).

Nesta senda,
“as questões a decidir não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido. Não ocorre a nulidade, por omissão de pronúncia, se não forem consideradas, na sentença, linhas de fundamentação jurídica que as partes hajam invocado[58].

Ora, em sede de alegações de recursos, o recorrente insurgiu-se quanto à pena única.

Como se referiu supra, a omissão de pronúncia implica que tenha havido uma ausência total de tomada de decisão do tribunal, quanto à matéria em causa. Não se impõe que, na sua fundamentação, se aprecie de forma exaustiva os argumentos invocados pelas partes, nem se debruce, em concreto, quanto aos mesmos. É necessário que o tribunal aprecie e decida quanto à questão colocada, in casu, se as penas aplicadas pelo tribunal a quo, tanto as parcelares como a única, são adequadas.

Perscrutando a fundamentação do Tribunal da Relação, é manifesto que houve pronúncia quanto à matéria em causa, conforme se depreende do excerto transcrito supra, tendo sido feita uma apreciação global da determinação da pena única, a qual se concluiu como sendo adequada e proporcional, face à factualidade assente.

No acórdão proferido é fundamentada, de forma absolutamente completa e compreensível, a decisão de manutenção da pena única aplicada pelo tribunal de primeira instância, com recurso a factos concretos, não havendo, assim, qualquer omissão de pronúncia.

É certo que o acórdão remete, de forma parcial, para as considerações mais aprofundadas, levadas a cabo na decisão de 1.ª instância, por concordar com as mesmas, sendo jurisprudência pacífica
«que a fundamentação por remissão para outra peça nada tem de ilegítimo, se se concordar inteiramente com o que consta das partes para onde se remete e se estas responderem a todas as questões em discussão, de tal modo que o visado fique a conhecer todas as razões pelas quais vê improceder a sua pretensão»[59].

Pelo exposto, entende-se que o acórdão reclamado emite pronúncia inequívoca sobre o sentido da decisão e justifica-a de forma clara e sucinta.


H

Da medida da pena única do recorrente CC


1. Insurge-se o recorrente quanto à medida da pena única aplicada, entendendo que a mesma é manifestamente excessiva.

Por sua vez, o Ministério Público, tanto na Relação e no Supremo, pronunciou-se no sentido de serem confirmadas as penas únicas aplicadas.

Ora, nos termos do artigo 77.º do Código Penal:
«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.»

Seria aqui o lugar para renovar as considerações de enquadramento teórico já produzidas supra, sobre esta questão, para que se remete.

Em face do disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, e tendo em consideração as penas parcelares fixadas, a moldura de punição situa-se entre os 6 anos e 6 meses e os 13 anos de prisão.

Ora, tendo em consideração a fundamentação adotada em ambos os acórdãos, a determinação da medida da pena única encontra-se bem alicerçada nos factos assentes, a par das concretas condições pessoais do recorrente CC.

Nesta medida, no acórdão proferido pela 1.ª Instância ponderou-se, nomeadamente, a avaliação global do facto, refletida na sua elevada ilicitude, atendendo:

- ao longo período temporal em que se prolongou a atividade criminosa;

- ao prejuízo patrimonial originado pela mesma, muito elevado;

- à obstinação do(s) arguido(s) em manter condutas contrárias aos seus deveres funcionais, motivados pela ganância e pelo enriquecimento rápido do grupo SLN/BPN;

- o desprezo pela obrigação de respeito e salvaguarda do dinheiro dos depositantes;

- o desprezo das repercussões económicas das suas condutas;

- cada um dos crimes de burla qualificada concentra um conjunto extenso e complexo de ações, aglomeradas em vários negócios.

Relativamente às condições pessoais e o seu contexto de vida, o tribunal entendeu que a sua inserção profissional e social deverá ser valorada de forma desfavorável, porquanto é incompreensível que alguém com cargos de topo, como o aqui recorrente, com uma correspondente retribuição pecuniária – muito avultada – se venha a dedicar à prática de crimes como os que se encontram aqui em causa.

Contrariamente, a ausência de antecedentes criminais determina uma diminuição das exigências de prevenção.

Por sua vez, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, considerou-se que o tribunal a quo havia valorado adequadamente todas as circunstâncias para aferição da pena única, tendo considerado que, efetivamente, a formação académica e profissional do recorrente lhe permite ter as capacidades para agir de modo diferente, ter rendimentos suficientes para viver sem angústia ou, não tendo qualquer necessidade de praticar crimes para assegurar a sua sobrevivência, ou ainda porque não tivesse conhecido outro modus vivendi.

Aqui está-se perante aquela situação que em Criminologia se chama criminalidade do “upperworld”, por contraposição a essa outra, que é a criminalidade do “underworld”. Torna-se óbvio que a criminalidade do primeiro tipo de modo algum implica (em geral, no seu Idealtypus weberiano) rudeza de trato, boçalidade, violência física, falta de instrução e desemprego, ociosidade, e até vícios de adição correspondentes, história familiar desestruturada ou disfuncional, antecedentes criminais, etc. Poderá, aqui e ali, neste ou naquele caso, englobar um ou outro aspeto próprio do segundo tipo (que se não vislumbra no caso vertente, porém), mas em geral é uma criminalidade própria de um estrato superior, cujo enquadramento social e motivacional é o correspondente. Nas palavras de Albert Morris, explicitando o conceito,
“Sugere-se a expressão ‘criminosos do mundo superior’ para definir o grupo numeroso, mas nunca claramente identificado, de criminosos cuja posição social, inteligência e técnica criminal permite que eles se movam entre seus concidadãos virtualmente imunes ao reconhecimento e acusação como criminosos.”.[60]

Na verdade, o paradigma comum do criminoso não coincide com a aparência de conformidade à Lei de muitos dos criminosos ditos também de “colarinho branco”.

Entendeu, ainda, nesta linha, o Tribunal da Relação que a ausência de antecedentes criminais não constitui um fator extraordinário que deva ser tido em consideração para exigir uma pena menor. Nesta medida, validou em absoluto o juízo efetuado pelo Tribunal de 1.ª Instância, entendendo que as penas aplicadas se mostravam adequadas e suportadas nos factos apurados em termos de dolo, ilicitude e culpa, mantendo, assim, as condenações, nos seus precisos termos.

Ora,
«[n]o que respeita à decisão sobre a pena, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, e o STJ só intervém na medida da pena, alterando-a, quando deteta incorreções na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais, não decidindo como se o fizesse ex novo. O recurso não visa e não pode eliminar alguma margem de atuação livre do juiz de julgamento enquanto componente individual do ato de julgar»[61].

Tendo por base tal entendimento, desde já se adianta que, tendo em consideração as exigências gerais de culpa e de prevenção e os argumentos constantes dos acórdãos recorridos, a pena única aplicada ao recorrente deverá ser integralmente mantida.

Na verdade, o Tribunal da 1.ª Instância fundamentou de forma adequada e exaustiva as circunstâncias que conduziram à aplicação da pena única de 10 anos de prisão, o que veio a ser reiterado e aprofundado no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.

 Assim, e à semelhança do que foi entendido nessas Instâncias, avaliando o ilícito de forma global, não podemos deixar de concluir que o mesmo assume uma elevada gravidade, pelo que a pena única não poderia nunca encontrar-se próxima do seu limite mínimo. De facto, é de considerar que estamos perante uma atuação reiterada no tempo, não se esgotando a prática destes crimes num único momento temporal. Ora, esse longo período em que o recorrente manteve a atividade criminosa é, nesta medida, revelador de uma forte e prolongada intenção de praticar os factos criminosos em causa, sendo que, cada um dos crimes em concurso, como refere a 1.ª Instância, envolve «um conjunto extenso e complexo de acções, aglomeradas em vários negócios, os quais, cada um deles, se encontram no limiar da autonomia enquanto ilícito penal».

Finalmente, é de valorar, ainda, negativamente, o valor muito significativo dos prejuízos gerados, acima dos 60 milhões de euros.

Por outro lado, são também intensas as necessidades de prevenção geral, conforme amplamente explicitado no acórdão em causa. Acresce que é de considerar as consequências do crime cometido, pois que os efeitos da sua conduta não se repercutiram apenas num único ofendido, num meio delimitado e num concreto momento temporal, antes sendo as mesmas amplamente sentidas, na comunidade em geral, no sector bancário e financeiro, durante um período muito alargado, que tudo indica ainda não terminou.

2. No plano estritamente matemático (sabendo-se embora que não são os números que podem, neste âmbito, prevalecer), passando a pena pelo crivo, por exemplo, da perspetiva de Paulo Pinto de Albuquerque, o que teríamos?

Com efeito, sintetiza Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na anotação nº 3 do artigo 77º
“Em regra, a ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita nos seguintes termos: tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou, em casos excepcionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso, tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave um terço( ou, em casos excepcionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso.”

Recorde-se que CC foi condenado pela prática, como co-autor, de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. a) e d), do CPenal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles. A pena mais grave de CC foi, assim, 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Não poderá a pena descer a menos que 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Sendo a sua personalidade gravemente antinormativa, somar-se-ia a este valor metade das demais penas – ou seja, mais 3 anos e 3 meses, num total de 9 anos e 9 meses.

Se se considerasse, porém, que a personalidade do agente seria apenas menos gravemente desconforme ao Direito, em geral seria determinada uma pena que à maior somaria 1/3 da mesma. Ou seja, mais dois anos e dois meses, num total de 8 anos e 8 meses, eventualmente menos, em casos excecionais.

Ora, a pena única aplicada foi de 10 anos de prisão, e as considerações sobre a personalidade do arguido situam-se claramente no nível superior de reprovação. Assim, diz o Acórdão recorrido, de forma geral, mas muito impressiva:

«O Direito Penal protege os bens jurídicos mais importantes na sociedade, punindo os comportamentos desconformes com o dever ser jurídico com maior ou menor severidade consoante a relevância ou importância do bem jurídico protegido pela norma e violado pelo comportamento ilícito, típico e culposo. Deste modo, as penas previstas para os diversos comportamentos típicos criminais visam proteger os bens jurídicos que se encontram na base da norma incriminadora, sem que, no entanto, o agente seja esquecido porquanto a culpa constitui sempre o limite da pena e esta destina-se também à sua ressocialização.

Pretende a lei que a pena alcance estes dois objetivos: proteja a sociedade, através da proteção dos bens jurídicos essenciais, e (re)socialize o agente do crime (art.º 40.º do CP).

A prevenção geral tem de se traduzir em prevenção positiva, de integração, ressocializadora e de reforço da consciência jurídica comunitária, do seu sentimento de segurança e força da lei face à sua violação.

Igualmente, a prevenção especial, enquanto relacionada com o agente do crime, materializa-se na sua (re)socialização, informando a pena no seu papel de reintegração do agente na comunidade.

Estas duas razões de prevenção chocam por vezes, sobressaindo a culpa que limitará e definirá o limite da pena a aplicar.

E é dentro deste quadro que devem ser interpretados e aplicados os critérios de determinação da medida concreta da pena inscritos no art.º 71º do CPenal.

No caso, as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita ao sentimento face à violação das normas pelos arguidos, intimamente relacionados com as funções que exerciam, como bem se nota no Acórdão recorrido; As condutas em causa geraram um forte alarme social, tendo em conta as funções que os arguidos exerciam, como se disse, mas também o facto de anteriormente a estes factos terem granjeado reconhecimento público por parte de cidadãos e instituições, decorrentes desde logo das funções públicas que desempenharam e que igualmente se encontram descritas na matéria de facto provada e ponderadas devidamente pelo tribunal a quo na determinação das penas.

Se atentarmos no elenco, exemplificativo, das circunstâncias que o tribunal deve ponderar na determinação da medida da pena (art.º 71.º citado) verificamos que o tribunal a quo o cumpriu, valorando depois na determinação da pena única relativamente a todos os arguidos, com exceção dos arguidos FF, DD e Amplimóveis, S.A., porque apenas punidos pela prática de um crime, sem mácula, o que deve ser valorado.

Uma palavra apenas no que respeita à ausência de antecedentes criminais e à situação de plena integração social e familiar dos arguidos: como bem se valorou na decisão em análise, as habilitações literárias, percurso profissional, inserção social e familiar não podia deixar de ser valorado contra os arguidos. Com efeito, não nos encontramos perante pessoas que por ausência de formação académica, exclusão profissional ou social ou pobreza, revele dificuldades por via dessas circunstâncias de se autodeterminar de acordo com as regras vigentes, máxime as penais que protegem os bens jurídicos mais importantes de uma sociedade, sendo o seu último reduto; Não. Estamos perante pessoas com formação que lhes permite ter as capacidades para agir de modo diferente, que lhes permitia auferir rendimentos suficientes para viver sem angústia ou que tivessem que praticar crimes para assegurar a sua sobrevivência, ou ainda porque não tivessem conhecido outro modus vivendi; A verdade é que a formação académica e nível social dos arguidos não justifica de modo algum a prática dos factos nem contribui para uma qualquer diminuição da ilicitude ou a culpa da conduta que desenvolveram. Antes pelo contrário, já que são, por tudo isso, pessoas de quem se deve exigir uma especial obediência à lei. Todos a devem cumprir. Inquestionável. Mas uns estão ainda mais obrigados que os outros. Exercem ou exerceram funções públicas ou de grande relevância pública, lançando com a sua conduta uma onda de desconfiança sobre o exercício de funções semelhantes e de descrédito de quem as exerce.

Acresce que a ausência de antecedentes criminais não constitui um fator extraordinário

que deve ser tido em consideração para de algum modo atenuar a culpa e por via disso exigir uma pena menor. Essa ausência de antecedentes é o que se espera do cidadão cumpridor. O que deve ser valorado são os antecedentes criminais, quando existam pois podem ser suscetíveis de revelar uma personalidade mais desconforme com o dever ser jurídico.

(…)

O tribunal de recurso analisa do bem fundado e do acerto ou não da decisão recorrida tendo em conta os elementos factuais com base nos quais a mesma foi proferida. E com base nos factos apurados a pena encontrada para cada um dos arguidos não merece ser alterada porquanto em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei (Ac. STJ, de 05-11-2020, Proc. n.º 114/18.2TELSB.S1, Relator António Clemente Lima)866.

Acresce que o prejuízo provocado pelos actos praticados pelos arguidos não se limitou aos diretamente deles decorrentes e quantificáveis em dinheiro, como facilmente se percebe; os efeitos foram muito mais nefastos desde logo porque os factos foram praticados por pessoas muito conhecidas, e na situação em particular como acontece com o arguido GG.

Finalmente, o tempo decorrido desde a prática dos factos. Os factos praticados têm já vários anos. A investigação foi complexa e demorada bem como o julgamento dos autos, ao qual antecedeu a fase facultativa da instrução. Entendemos que o decurso do tempo, essencialmente decorrente da necessidade de investigar, instruir e julgar, possa beneficiar os arguidos sob pena de a complexidade na maior parte das vezes intimamente relacionada com a gravidade do crime cometido ou do modo como foi cometido beneficiasse os seus autores.

Por outro lado, não se pode dizer que o decurso do tempo aliviou as exigências de prevenção geral, exigências prementes e bem explicitadas no acórdão recorrido.

Dito isto, e porque seguimos a jurisprudência unânime segundo a qual as penas fixadas apenas devem ser alteradas quando as mesmas se mostrem efetivamente desajustadas às razões de prevenção que as legitimam e à culpa do agente que a limita, como resulta já do exposto, e as penas fixadas pelo tribunal a quo encontram-se devidamente suportadas nos factos apurados em termos de dolo, ilicitude e culpa, tendo-se ponderado os aspetos relativos à pessoa867 e condições familiares, laborais e sociais dos recorrentes, em termos de prevenção especial, sendo que a prevenção geral não se satisfaria com penas mais baixas que as aplicadas, nada cumpre alterar.

Assim, carecem os recorrentes de razão quando defendem que as penas aplicadas são demasiado elevadas. Termos em que improcedem os recursos interpostos igualmente nesta parte.»

Compreende-se perfeitamente assim que a pena se encontre aritmeticamente um pouco acima da indicativa e generalizadora aritmética de Paulo Pinto de Albuquerque, entendendo-se o ligeiro acentuar de alguns meses relativamente às contas pela culpa grave, pelo dolo intenso, pelo alarme social, pelo escândalo mesmo, desta criminalidade económico-financeira que é reputada por muita vox populi ficar impune. E, por outro lado, não se olvide que, segundo outra aritmética, a da lei, o que teríamos? Recordando o artigo 77.º do Código Penal, no seu n.º 2: A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…), ou seja, 13 anos de prisão. 10 anos e não 13 anos representam já o manifestar concreto da consideração de alguns elementos não agravantes, alguma esperança ressocializadora, alguma indulgência, mas não tanta que pusesse em risco a confiança na justiça, e viesse de algum modo a dar crédito às narrativas sobre o laxismo da justiça penal, e mais ainda em matéria económica, obviamente não fazendo aceção positiva ou negativa de pessoas, atividades ou crimes.

3. No que respeita aos efeitos jurídico-penais do acordo celebrado entre os demandados GG e HH e as demandantes civis, nos termos do qual os primeiros procederam à entrega de bens e valores tendentes ao pagamento das suas responsabilidades, tendo, nessa sequência, as demandantes vindo a desistir do pedido civil contra aqueles arguidos e a sociedade Amplimóveis, desistência que veio a ser homologada, insurge-se o recorrente alegando que:

«(…) o Tribunal não veio tirar qualquer consequência em sede de valoração da responsabilidade penal dos arguidos, entre os quais o recorrente, por entender que o facto de ter ocorrido já na fase de recurso lhe retira relevância em termos jurídico-penais.

Nesta sede, afigura-se que a interpretação do artigo 431º do CPP acolhida pelo Tribunal a quo no sentido de não poder o tribunal de recurso dar como provados factos novos provados por documentos supervenientes ao encerramento do julgamento de 1.ª instância comprovativos da reparação parcial do prejuízo sofrido pelo lesado de crime de natureza patrimonial se apresenta como materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e das garantias de defesa do arguido acolhido no artigo 32.º n. 1 da CRP.

Afigura-se, ainda que a interpretação do artigo 431º do CPP acolhida pelo Tribunal a quo no sentido de a reparação parcial dos danos sofridos pelas vítimas de crimes patrimoniais ocorrida na fase de recurso e comprovada nos autos por documento não ter qualquer relevância em sede de ponderação da responsabilidades penal se apresenta como materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e das garantias de defesa do arguido.»

Não obstante tal matéria seja invocada no âmbito do recurso respeitante ao pedido de indemnização civil, a verdade é que se encontra relacionada com a medida da pena pelo que se entende que o recorrente, embora de forma pouco direta, pretende impugnar a circunstância de tal ressarcimento não ter sido considerado como fator de ponderação da pena única.

O acórdão do Tribunal da Relação, quanto a esta matéria, pronunciou-se nos seguintes termos:
«Relativamente à circunstância dos arguidos GG e HH terem procedido à entrega dos bens a que respeitam os factos em causa nestes autos e bem assim de outros bens da sua propriedade para ressarcimento dos prejuízos decorrentes da prática dos mesmos, importa sublinhar que a sua prática já nesta fase de recurso lhe retira relevância em termos jurídico-penais concretamente no que à determinação da pena concreta diz respeito.
O tribunal de recurso analisa do bem fundado e do acerto ou não da decisão recorrida tendo em conta os elementos factuais com base nos quais a mesma foi proferida. E com base nos factos apurados a pena encontrada para cada um dos arguidos não merece ser alterada porquanto em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei (Ac. STJ, de 05-11-2020, Proc. n.º 114/18.2TELSB.S1, Relator António Clemente Lima).

Acresce que o prejuízo provocado pelos actos praticados pelos arguidos não se limitou aos diretamente deles decorrentes e quantificáveis em dinheiro, como facilmente se percebe; os efeitos foram muito mais nefastos desde logo porque os factos foram praticados por pessoas muito conhecidas, e na situação em particular como acontece com o arguido GG».

Entendeu, assim, o tribunal recorrido que o acordo extrajudicial alcançado, não obstante ter efeitos civis – razão pela qual aditou à factualidade assente os factos respetivos – não teria efeitos penais, nomeadamente em sede de determinação da medida da pena, em virtude de o mesmo apenas ter tido lugar já em sede de recurso. Como tal, e sendo o recurso um “remédio jurídico”, não cumpria ter em consideração novas circunstâncias ocorridas após a decisão da 1.ª Instância, momento em que se procedeu à decisão sobre a medida da pena, mas apenas aferir da legalidade e adequação desse processo decisório.

Ora, nos termos do artigo 124.º do Código de Processo Penal:
«1 - Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.
2 - Se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objecto da prova os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil.»

Por seu turno, dispõe o artigo 165.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «[q]uando podem juntar-se documentos», que:
«1 - O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
2 - Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.

3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência.»

Decorre, deste modo, dos referidos normativos legais que, por um lado, os factos que fundamentam a determinação da medida da pena são, também, objeto de prova, assim como que a junção de documentos é possível, excecionalmente, até ao encerramento da audiência. Como tal, a circunstância de um documento ter sido produzido após o decurso do inquérito ou da instrução, poderá fundamentar a sua junção em momento processualmente inadequado. Contudo, a mesma nunca poderá ir além do limite temporal previsto na parte final do n.º 1 do artigo 165.º do Código de Processo Penal – o encerramento da audiência. Tal é absolutamente consentâneo com as demais regras e espírito do processo penal, uma vez que é nesse marco que termina a produção de prova, fazendo-se o apuramento dos factos que resultaram ou não assentes, tendo em consideração os meios probatórios disponíveis, não podendo ser valoradas provas que sejam apresentadas após esse momento de apreciação da matéria de facto[62].

Nesta senda,
«[a] junção de documentos é, assim, possível, até ao encerramento da audiência, mas a título excepcional, como tem sido entendido jurisprudencialmente, quando se alegue e prove que não foi possível até esse momento juntar o documento. (…)
O encerramento da audiência tem, pois, de ser considerado o limite temporal máximo para a apresentação de documentos em processo penal: para os documentos que constituam elementos de prova, excepcionalmente (Cf. no entanto para situações extremas de documentos supervenientes em que estejam em causa as garantias de defesa, Acórdão do STJ de 11/12/2009, Proc. n.º 119-04.9GCALQ.S1, e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, este no âmbito da renovação da prova – anotações ao art. 430.º, ponto 9.)»[63].

A exceção contemplada no acórdão proferido no processo n.º 119/04.9GCALQ.S1, referido pelo recorrente, respeita à circunstância de ter sido junto, posteriormente à decisão prolatada pela 1.ª Instância, um relatório de onde resultava a inimputabilidade da arguida. Nessa sede fez-se, então, constar, que
 «[c]om a junção da motivação, o documento perde, em princípio, utilidade ante este STJ, pois a matéria de facto já se mostra fixada, só não sendo assim se, excepcionalmente, se demonstrar que o documento não pode ter sido incorporado nos autos até àquele momento e tiver indiscutível virtualidade para influenciar a decisão da causa, por o princípio da investigação, resultante da estrutura acusatória do processo, e da descoberta da verdade dos factos, se dever sobrepor ao da auto-responsabilidade dos sujeitos processuais, nos termos do art. 340.º, do CPP, observando-se sempre o devido contraditório».

Sucede que o documento em causa – um acordo de pagamento – que poderia relevar, eventualmente, em termos de fator de ponderação da medida concreta da pena, mais particularmente por respeitar à conduta posterior ao facto, não tem a aptidão de alterar a decisão da causa, não contribui para a descoberta da verdade criminal nem contende com as garantias do recurso, pelo que nunca poderia, nem sequer apenas teoricamente, integrar tal situação absolutamente excecional, contemplada no referido aresto.

Acresce que, como já se referiu supra, qualquer questão nova que seja invocada não poderá ser apreciada pelo tribunal de recurso, pois que os recursos consubstanciam «remédios jurídicos», que apreciam a legalidade e adequação das decisões proferidas, não visando decidir sobre matéria inovatória.

Neste sentido,
«[p]roferido o acórdão na 1.ª instância ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal de 1.ª instância quanto à matéria da causa (n.º l do art. 666.º do CPC) e o tribunal superior não pode conhecer de questão nova não abordada na decisão recorrida, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida, e no domínio penal, à luz dos documentos juntos até ao encerramento da audiência em 1.ª instância.
IV - A estipulação daquele termo final constitui um corolário do chamado princípio da imediação da prova: se todas as provas em que assenta a convicção do tribunal devem ser produzidas e examinadas em audiência, necessário se torna concluir que só relevam as apresentadas até então, sendo que a audiência que marca o termo final de apresentação de documentos há-de ser aquela em que seja produzida prova relevante à fixação da matéria de facto»[64].

Nesta senda,
«[a] jurisprudência dominante considera que os documentos se destinam a fazer prova de factos e dado que para a formação da convicção probatória só relevam as provas que forem produzidas ou examinadas em audiência (cf. art. 355.º, n.º 1, do CPP), os documentos apresentados depois deste limite temporal não podem estar a coberto daquele normativo processual expressivo do princípio fundamental da imediação (cf. Acs. do STJ de 25-03-2004, Proc. n.º 463/04 - 5.ª, e de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/08 - 3.ª).
IV - Também se tem considerado que o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida (cf. Acs. do STJ de 11-04-2002, Proc. n.º 1073/02 - 5.ª, e de 21-02-2006, Proc. n.º 260/06 - 5.ª).
V - No caso, o documento foi junto com a motivação do recurso para a Relação, portanto manifestamente fora do momento temporal (encerramento da audiência de julgamento) em que a lei permite a sua apresentação (…)»[65].

Nesta medida, o documento ora junto, não obstante possa ter relevância civil, como efetivamente teve, não poderá ter influência na factualidade criminal já fixada, atendendo ao momento processual em que foi junto.

Da mesma forma, e à semelhança do decidido pelo Tribunal da Relação, o controlo feito relativamente às penas aplicadas é efetuado tendo por base os factos e a fundamentação do Tribunal de 1.ª Instância, pois que só assim se realiza um escrutínio da adequação da decisão, não podendo ter-se em consideração novas circunstâncias ocorridas posteriormente.

Assim,
«[o]s documentos para serem operativos no julgamento penal a que se dirigem, devem ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, devem sê-lo até ao encerramento da audiência, não podendo o Tribunal Superior, em recurso, conhecer de questão nova não abordada na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida, e no domínio penal, à luz dos documentos juntos até ao momento assinalado.
5 - A análise da relevância da relevância de documento junto posteriormente e do facto que refere cabe exactamente no recurso extraordinário de revisão que só é admitido de sentença transitada em julgado.»[66].

Mas mesmo que assim não fosse, entende-se que o pagamento em causa, levado a cabo pelos arguidos HH e GG, nunca poderia relevar em sede de determinação da medida concreta da pena do recorrente CC.

De facto, a circunstância de os mencionados demandados terem liquidado a dívida relativamente à qual eram solidariamente responsáveis – e não só – poderia ser importante, enquanto conduta ulterior ao facto, caso o tivessem feito antes do encerramento da audiência de julgamento, por terem procedido ao ressarcimento do prejuízo económico que os seus atos ilícitos geraram, o que, naturalmente, relevaria a seu favor. Contudo, o recorrente CC não procedeu a qualquer pagamento, pretendendo beneficiar indiretamente do esforço monetário feito por terceiros, reduzindo-se a pena que lhe foi aplicada.

Ora, como é bom de ver, tratando-se de um pagamento a que é absolutamente alheio, de tal ato não resulta uma diminuição das necessidades de prevenção especial, não consubstanciando um fator que devesse ser tido em consideração na determinação da sua medida da pena única.

 Entende-se, ainda, que o entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação, e confirmado no presente acórdão, em nada contende com os princípios e direitos constitucionais, inexistindo qualquer violação, nomeadamente, do princípio da necessidade e das garantias de defesa do arguido, porquanto a referida estruturação do processo penal, com a limitação temporal do momento em que devem ser juntos os meios de prova relevantes, e o sistema de recursos se encontram em absoluta consonância com as normas constitucionalmente previstas.


***


Assim, em face do exposto, entende-se que o acórdão proferido respeitou os princípios gerais e as regras subjacentes à determinação da medida única legalmente impostas.

Nesta medida, tendo em consideração o ilícito global, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, entende-se que a pena única aplicada, de 10 anos de prisão, não se mostra excessiva, mas antes adequada, necessária e proporcional às finalidades de prevenção, à culpa e à personalidade do recorrente, circunstâncias que foram corretamente ponderadas, pelo que o acórdão recorrido não merece qualquer intervenção.

I
Inadmissibilidade dos recursos na parte relativa às indemnizações por danos emergentes dos crimes

                              

Na decisão proferida pela 1.ª Instância, os recorrentes haviam sido condenados no pagamento de indemnizações, por danos emergentes dos crimes, nos seguintes termos:

«s) - condenar os demandados GG, HH e Amplimóveis, S.A. a pagar solidariamente ao demandante Estado Português a quantia de € 1 981 545,72 (um milhão novecentos e oitenta e um mil quinhentos e quarenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos), a título de indemnização civil por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da prática dos factos e vincendos até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;

(…)

v) - condenar os demandados BB, CC, EE, GG e HH a pagar solidariamente ao demandante Banco BIC Português, S.A. a quantia de € 9 409 209,25 (nove milhões quatrocentos e nove mil duzentos e nove euros e vinte e cinco cêntimos) e ainda os três primeiros a quantia remanescente até perfazer o total de € 11 404 400,84 (onze milhões quatrocentos e quatro mil quatro centos euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos ao negócio do terreno da ..., acrescida de juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;

(…)

y) - condenar os demandados BB, CC e FF a pagar solidariamente ao demandante Banco BIC Português, S.A. a quantia de € 9 017 196,51 (nove milhões dezassete mil cento e noventa e seis euros e cinquenta e um cêntimo), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos aos negócios das sociedades AT... e AT... II, acrescida de juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;

(…)

z) - condenar os demandados BB, CC, EE e FF a pagar solidariamente ao demandante Banco BIC Português, S.A. a quantia de € 14 299 041,44 (catorze milhões duzentos e noventa e nove mil quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos aos negócios da Palácio .... e dos Terrenos de ..., acrescida de juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;

(…)
bb) - condenar os demandados BB, CC e FF a pagar solidariamente ao demandante Banco BIC Português, S.A. a quantia de € 19 646 100,00 (dezanove milhões seiscentos e quarenta e seis mil e cem euros), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos ao negócio da B... . S..., acrescida de juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar;
(…)
dd) - condenar os demandados BB e CC a pagar solidariamente à demandante Parvalorem, S.A. a quantia de € 4 449 851 (quatro milhões quatrocentos e quarenta e nove mil oitocentos e cinquenta e um euros), a título de indemnização civil por danos patrimoniais relativos ao negócio da T..., acrescida de juros de mora calculados sobre o valor de € 4 000 000 (quatro milhões de euros), vencidos desde a data de notificação do pedido até efectivo e total pagamento, à taxa de 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 08-04), se outra taxa não for entretanto de aplicar.»

O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, decidiu, no que à matéria cível importa:

«- Julgar não providos os recursos apresentados pelos arguidos, devendo, contudo, ser tomado em consideração no quantum indemnizatório fixado, os valores entretanto recebidos nos termos expostos supra, concretamente:
i.- Relativamente aos factos que tiveram por objeto o terreno da ..., encontra-se satisfeito o valor do prejuízo, nada mais sendo devido.
ii.- Quanto à indemnização pelos actos que tiveram por objeto o Palácio .... e os Terrenos de ... foram entregues:
Acções da Sociedade Imobiliária Palácio ... (proprietária do imóvel Palácio ....), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 5.261.320,18 (cinco milhões duzentos e sessenta e um mil, trezentos e vinte euros e dezoito cêntimos).
Dação em pagamento dos Terrenos de ..., pelo valor total de € 500.000,00 (Quinhentos mil euros);
No valor total de 5.761.320,18, o qual deve ser abatido ao valor da indemnização fixada pela primeira instância.
iii- Relativamente à indemnização fixada para reparação dos danos decorrentes dos autos praticados que envolveram a B... . S... (Herdade da ...):
Dação em pagamento das acções da B... S...- Sociedade Imobiliária, SA. (proprietária do imóvel Herdade da ...), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 2.617.021,00 (dois milhões seiscentos e dezassete mil e vinte um euros).
Dação em Pagamento de prédio urbano sito em ..., ..., pelo valor de € 2.799.001,77 (dois milhões setecentos e noventa e nove mil e um euro e setenta e sete cêntimos);
No total de 5.416.022,77, a qual deve ser abatida ao valor da indemnização fixada na primeira instância.
No mais mantém-se na íntegra a decisão de primeira instância.»

Ora, quanto aos pedidos de indemnização civil, a 1.ª Instância fundamentou a decisão do seguinte modo:

«Tal matéria será, nos termos do disposto no art. 129.º do CPenal, regulada pela lei substantiva civil, sendo certo que em sede de processo penal deve apreciar-se o pedido civil ainda que a sentença penal seja absolutória (art. 377.º, n.º 1, do CPP).


*

Antes de iniciarmos a análise do pedidos de indemnização identificados, importa apreciar as questões quanto aos mesmos colocados em requerimentos vários apresentados pelo arguido e demandado civil AA.

Assim, por requerimentos entrados em juízo em 20-06-2016 e 22-06-2016, a fls. 16 127 a 16 128 e a fls. 16 144 a 16 145 dos autos principais (vol. 44) foi suscitada a questão da tempestividade dos pedidos de indemnização civil apresentados pelo BPN, actualmente BIC, e pela Parvalorem.

A Parvalorem pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido por não ter sido invocada a irregularidade em causa, no limite, no prazo da contestação. Juntou DUC de pagamento de multa por apresentação da referida peça no segundo dia subsequente ao prazo.

O Banco Bic pronunciou-se no mesmo sentido.

Assiste inteira razão aos demandantes.

A lei não determina a nulidade da admissão, errónea, de pedido de indemnização como tempestivo quando o mesmo é extemporâneo e muito menos nulidade susceptível de invocação em qualquer altura.

Fora destas situações, a prática de actos com violação de disposições da lei processual penal, constituindo mera irregularidade, sana-se se não forem invocados no prazo previsto na lei – arts. 118.º a 123.º do CPPenal.

No caso concreto, porque aos intervenientes (demandados) ainda é conferido prazo para contestarem o pedido incorrectamente admitido, essa invocação, entendemos, cabe ainda no prazo da contestação. Mas decorrido este a instância estabiliza. Salvo se for apresentado recurso.

É exactamente o que acontece com um recurso extemporâneo. Desde que admitido no Tribunal de Superior e não seja suscitada qualquer vício no prazo próprio, a instância estabiliza-se. Sendo impensável que essa questão pudesse ressurgir a qualquer momento enquanto o recurso não é decidido.

Nem se compreende, até por uma questão economia processual e repudio de prática de actos inúteis, que seja admissível o desenvolvimento de todo um conjunto de diligências de provas e outras se a todo o tempo pode ser ressuscitada a questão da continuidade do pedido de indemnização por uma mera questão formal.

E essa incompreensibilidade sobressai bem no caso dos autos, com mais de um ano de produção de prova intensiva, mesma da parte cível, antes que esta questão fosse suscitada.

Acresce a tal apreciação o argumento espelhado na decisão do STJ857 citado pelos demandantes nas suas respostas, no sentido de que:

«I - O pedido de indemnização fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo (art. 71.º do CPP), mantendo, para além da sua autonomia substancial relativamente à acusação penal, processualmente, a sua individualidade (arts. 71.º e ss.), com pedido e contestação distintos (arts. 77.º e 78.º).

II - Omissa a regulamentação específica acerca do momento próprio para a dedução, pelos demandados, das excepções oponíveis ao pedido, a integração das correspondentes lacunas deve ser encontrada nas «normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal» (art. 4.º do CPP).

III - Nos termos do art. 489.º, n.º 1, do CPC «toda a defesa deve ser deduzida na contestação», norma que se harmoniza com a autonomia substancial e a individualidade adjectiva da acção indemnizatória em processo penal, tanto mais que esta dispõe de contestação própria, cujo paralelismo com a contestação ordinária forçou o legislador a intervir – no n.º 3 do art. 78.º do CPP – para a especialidade de, na acção civil enxertada no processo penal, «a falta de contestação não implicar confissão dos factos».»

Assim, por ausência de fundamento legal para deferir ao requerido nesta fase do processo, não se analisa a requerida questão da extemporaneidade dos pedidos de indemnização apresentados pelos demandantes Banco BIC Português, S.A. e Parvalorem.

Pelo mesmo arguido e demandado civil, por requerimentos entrados em juízo em 27-04-2017 e 29-05-2017, a fls. 18 336 a 18 343 e a fls. 18 633 a 18 635 dos autos principais (vols. 51 e 52) foi suscitada a questão da prescrição do direito de indemnização dos demandantes Banco BIC Português, S.A., Parvalorem, Galilei Imobiliária e Estado Português, requerendo, em consequência a absolvição do demandado das instâncias cíveis respectivas.

Aderiram ao último dos requerimentos, relativo ao pedido de indemnização apresentado pelo Ministério Público em representação do Estado Português, os arguidos BB e DD.

O Ministério Público pronunciou-se nos termos constantes de fls. 18 621 a 18 622 e 18 701 a 18 703, defendendo a extemporaneidade da invocação.

Esta questão já foi analisada por via da apreciação das questões oportunamente suscitadas pelos arguidos GG, HH e Amplimóveis, S.A. na sua contestação.

Esse era, de facto, o momento correcto para a invocação desta excepção de natureza marcadamente substantiva e como tal sujeita à lei civil, nos termos do disposto no art. 129 do CPenal.

E de acordo com o art. 303.º do CCivil, sob a epígrafe “Invocação da prescrição”:

«O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.»

Essa invocação só se pode entender correctamente formulada em cumprimento dos parâmetros fixados para as acções cíveis, sob pena de total adulteração da remissão operada pelo art. 129.º do CPenal.

Por isso, tem toda a razão o Ministério Público quando refere que «em processo penal, os princípios processuais civis da concentração da defesa e da preclusão, tal como decorrem do art. 573.º do C. P. Civil, deverão considerar-se aplicáveis à invocação duma excepção como o é a prescrição, tendo para além do mais em conta aquilo que especificamente prevê a tal respeito o art. 303º do C. Civil.» e que deve «tal excepção ser invocada aquando da contestação ao pedido Cível formulado e apenas podendo sê-lo posteriormente, segundo o princípio pasmado no nº 2 do art. 573º do C. P. Civil, quando os fundamentos nos quais se baseie “sejam supervenientes” ou, pelo menos, de conhecimento superveniente.

Sobre o princípio da preclusão, veja-se António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do processo Civil, Almedina, 1997, págs. 46 e 47.

De outro modo, estar-se-ia a atribuir ao demandante em processo penal uma possibilidade substantiva de análise do mérito que o demandante em acção cível não dispõe, não se vendo fundamento legal para tal distinção.

Nem se vendo qualquer problema na circunstância de a prescrição da responsabilidade penal poder ser apreciada a todo o momento e a prescrição da responsabilidade civil ficar circunscrita às regras mais rígidas de apreciação que são aplicáveis às acções cíveis.

A possibilidade de desfasamento entre a análise criminal e a análise civil está consagrada no art. 377.º, n.º 1 do CPPenal, não sendo obrigatório que as decisões de uma e outra natureza andem emparelhadas.

No caso em apreço, verificando-se que não tendo o arguido e demandado civil AA suscitado nas suas contestações tais questões, tal como não o fizeram os arguidos BB e DD, viram precludida a possibilidade de no decurso, quase no final, do julgamento as invocar e ver apreciadas.

Como tal, não se conhece da questão da prescrição do direito de indemnização dos demandados.


*

            Retomando a análise dos pedidos de indemnização civil

Dispõe o art. 483.º, n.º 1, do CCivil que «aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legalmente destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado de todos os danos resultantes da violação».

Deste modo, exige a lei, para que nasça a obrigação de indemnizar, que se verifiquem os seguintes pressupostos:
- facto voluntário e ilícito do agente;
- nexo de imputação do facto ao agente;
- danos;
- nexo de causalidade entre o facto e o dano.

No âmbito da factualidade já mencionada resultou provado que todos os arguidos, à excepção do arguido AA praticaram os factos ilícitos apreciados nestes autos, de natureza criminal e civil, e que agiram desse modo livremente determinadoa, ciente de que as suas condutas eram punidas por lei.

         Verificado está, pois, o primeiro dos requisitos.

O nexo de imputação do facto ao agente, verifica-se sempre que, perante as circunstâncias concretas da situação a analisar, o agente podia e devia ter agido que forma diversa, evitando como tal o resultado.

No âmbito da apreciação da responsabilidade civil por acto ilícito tal conduta deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família – art. 487.º, n.º 2, do CCivil.

A imputação é analisada atendendo não ao concreto agente que praticou a acção ou omissão, mas por referência ao comportamento que, naquela concreta situação, teria um homem/mulher de particular sentido de responsabilidade, de apurado zelo, previdente, cuidadoso e preocupado.

No caso concreto, uma pessoa com essas características nunca teria agido nos termos apurados e expostos nesta decisão.

Por outro lado, o dano e o nexo que tem que existir entre este e o facto, é elemento essencial para que alguém possa ser responsabilizado perante terceiro pelos danos que sofreu.

O art. 563.º do CCivil prevê e regula a verificação deste nexo, não de forma naturalística, mas por recurso a um juízo de adequação.

É, hoje, comummente aceite que a teoria da causa adequada é aquela que melhor salvaguarda os interesses em jogo. De acordo com tal orientação, “é necessário que o evento danoso seja causa provável desse efeito” – Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I pág. 579.

Na base desta doutrina está um juízo de prognose, segundo o qual, se um homem médio, colocado na posição do agente, com os seus concretos conhecimentos da situação, teria previsto ou poderia prever como causa provável da sua conduta o resultado verificado, deverá o mesmo ser responsabilizado pelos danos que provocou.

Também neste ponto nos parece inequívoco resultar dos autos um nexo entre o facto e os danos verificados quanto aos demandantes e adiante concretizados, já que era previsível, em face da conduta dos arguidos e demandados civis, a ocorrência dos prejuízos patrimoniais apurados.

        Vejamos cada caso em concreto.

O demandante Estado Português, em termos indemnizatórios, baseia o seu pedido na prática pelos arguidos dos factos que enquadram o crime de fraude fiscal.

Considerando o conjunto da factualidade dada como provada e não provada mostra-se inequívoco que o pedido deve proceder quando aos demandados GG, HH e Amplimóveis, S.A., que efectivamente cometeram o referido ilícito, devendo ser condenados ao pagamento solidário da quantia de € 1 981 545,72, correspondente à vantagem obtida, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da prática dos factos.

Tal só assim não acontecerá se proceder alguma das questões suscitadas na sua contestação cível.

Quanto à questão da prescrição do crime de fraude fiscal remete-se para o já analisado a tal propósito, apenas se acrescentando que, nos termos do disposto no art. 498.º, n.º 3, do CCivil, se o facto ilícito constituir crime o prazo de prescrição do direito de indemnização é aquele que a lei estabelece para ele caso seja mais longo.

Daqui se retira que o prazo de prescrição do direito à indemnização acompanha o prazo de prescrição do crime.

Nada obstando à condenação dos demandados, deve então proceder nesta parte o pedido de indemnização deduzido contra os demandados GG, HH e Amplimóveis, S.A..

Já no que respeita ao pedido de indemnização formulado em que são demandados AA, BB, CC e DD, também ele fundado na prática pelos referidos arguidos de um crime de fraude fiscal, que prejudicou o Estado no montante de € 10 000 000, deve o mesmo improceder por não se ter demonstrado a prática de tal ilícito penal.

A demandante Galilei Imobiliária, SGPS, S.A., em termos indemnizatórios, fundamenta o seu pedido no negócio que foi levada a celebrar e que consistiu na aquisição da B... . S... a AA em condições desfavoráveis, sendo o valor da lesão da Galilei Imobiliária, SGPS, S.A. igual ao valor pago a AA pela compra da totalidade das participações sociais da “B... . S...” com substracção dos valores recebidos pela venda da fracção autónoma sita em ..., venda do prédio sito no ..., venda de metade das participações sociais representativas de metade do capital social da “B... . S...” à “GER...” e o valor da Herdade da ... em 02-05-2005, único activo detido pela “B... . S...”.

O raciocínio que fundamenta este pedido mostra-se correcto mas é falacioso.

É correcto que a aquisição da B... . S... pela PAR... a AA foi determinada de forma não rigorosa e inadequada no que à avaliação dos activos respeita, para além de que foi realizada com puro engano, desde logo, da PAR..., do BPN e do Banco de Portugal, porque foi apresentado oficialmente um contrato que não era o que correspondia à realidade, convencendo-se terceiros, desta forma, de que estavam salvaguardados os interesses do grupo SLN/BPN na medida em que era possível reverter o negócio.

O prejuízo invocado pode existir, mas pressupunha que a demandante demonstrasse que o valor actual da Herdade da ... era inferior ao valor pelo qual foi adquirido este activo, acrescido do valor dos juros de mora sobre tal montante até à data da apresentação do pedido.

E pressupunha ainda que a demandante demonstrasse qual o correcto valor de mercado da Herdade da ... à data da sua aquisição (Maio de 2005).

E só demonstrando ambos os pressupostos poderia ter direito a uma indemnização, pelo valor resultante dos cálculos que apresenta: valor de aquisição menos valor de venda dos outros dois activos, que a PAR... recebeu, menos valor de venda de 50% da B... . S..., que a PAR... recebeu, menos valor actual de mercado da Herdade da ....

Pois caso o actual valor da Herdade da ..., que a demandante não avançou, seja igual (ou melhor, semelhante, pois não se trata de uma ciência exacta) ou superior ao valor de aquisição inexiste qualquer prejuízo, não havendo, sequer, condições para uma condenação no que se vier a liquidar em execução de sentença.

Acresce ainda, relativamente ao arguido AA, o facto de não estar demonstrada a prática de qualquer crime que sustentasse a condenação no pedido de indemnização apresentado.

Assim, por não ter demonstrado a existência do prejuízo invocado, ainda que não determinado, que se aceitaria para liquidar em execução de sentença, há que julgar totalmente improcedente o pedido, dele absolvendo todos os demandados.

O demandante Banco BIC Português, S.A. (anteriormente BPN – Banco Português de Negócios, S.A.) formulou vários pedidos parcelares com referência aos vários negócios que foram celebrados e analisados nestes autos.

Assim, quanto ao negócio do terreno da ..., resulta demonstrada, no essencial, a factualidade alegada, que tem na sua base a prática de um crime de burla qualificada, nos termos já apreciados, estando provada a verificação dos danos patrimoniais invocados no valor de € 11 404 400,84, sendo € 9 409 209,25 de parte dos créditos que permaneceram em aberto no Banco Insular em nome da R... V..., da P... F... e dos arguidos GG e HH e PTE 400 000 000$00, isto é, € 1 995 191,59, do valor que também ali permanece em dívida pago à MIN... (arts. 15.º e 16.º do PI).

Também relativamente a este pedido de indemnização os arguidos GG e HH suscitaram na respectiva contestação algumas questões que, em seu entender, inviabilizam a procedência do pedido.

São elas:
- inviabilidade jurídica de se adquirir a posição de lesado em processo penal através
de negócio jurídico;
- o pedido de indemnização cível destina-se à reparação de danos ocasionados pela prática crimes e não à reclamação do pagamento de prestações emergentes de
contratos, cuja validade jurídica não é posta em causa, quer pela acusação do
- Ministério Público, quer pelo próprio demandante/reclamante dessas prestações contratuais;
- nulidade dos contratos de mútuo assinados com o Banco Insular;
- preterição de cláusula contratual compromissória;
- o recebimento, por parte do BPN/BIC, das quantias que reclama dos arguidos, através do pagamento que já lhe foi efectuado pela “Parvalorem, S.A.”.

Quanto à primeira questão, não vemos como o BPN – Banco Português de Negócios, S.A., actualmente Banco BIC Português, S.A. não possa ser considerado lesado, posto que, em função das regras de direito bancário a que estava sujeito, o financiamento disperso por entidades pertencentes ao grupo SLN/BPN, como era o caso do Banco Insular, que até certa altura (abrangendo o período da prática dos factos) se mantive na opacidade para não consolidar, passou a repercutir-se nas suas contas e os riscos a essas operações associados passaram a ser riscos do BPN, consumindo na razão inversa do seu crescimento os capitais próprios do banco.

Mas ainda que assim não se considere, importa lembrar que em processo penal não está impedida a ocorrência de incidentes de instância e a intervenção de pessoas com responsabilidade meramente civil.

A situação dos autos é semelhante àquelas em que uma seguradora vem deduzir pedido de indemnização em processo crime, reclamando o pagamento de quantias que “adiantou” ao ofendido.

O fundamento do pedido tem de ter sempre na sua base o facto gerador do dano provocado ao ofendido, por exemplo, uma perna partida num acidente de viação, por culpa do arguido que determinou custos hospitalares ao ofendido.

O facto basilar do pedido é o acidente, a culpa do arguido e o dano no lesado, dos quais a seguradora tem de fazer a prova.

Mas se o lesado não pagou os custos dos tratamentos ou se os pagou e depois foi ressarcido pela seguradora, ela pode pedir que aquele dano patrimonial lhe seja atribuído e não ao lesado, desde que demonstre para além daqueles factos essenciais que também pagou os prejuízo inerentes.

Neste caso, o pagamento à seguradora exonera o responsável do pagamento perante o ofendido.

A situação dos autos é no fundo idêntica a esta. Desde que demostrada a lesão patrimonial provocada directamente no Banco Insular, se este já não é o titular do direito à cobrança, esta deve ser feita por quem assumiu a sua posição.

Sobre cessão de créditos dispõe o art. 577.º do CCivil, sob a epígrafe “Admissibilidade da cessão” que:
«1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.»

E «Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente» - art. 582.º, n.º 1, do CCivil.

Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 583.º, n.º 1, do CCivil:
«1. A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.
2. Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão.»

E não deixa o devedor de poder «opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão» - art. 585.º do CCivil.

Todas as referidas condições de eficácia da cedência de verificam nos autos, pelo que, também por esta via, fruto dos contratos que constam de fls. 5049 a 5109 – à semelhança do que ocorre quando existe contrato de seguro –, o BPN tem legitimidade para reclamar os valor em causa.

Relativamente à segunda questão não vemos pertinência na sua invocação, pois o pedido funda-se na prática de crime e não reclama o pagamento de prestações contratuais. O facto de o prejuízo coincidir com o valor das prestações contratuais não significa que a causa de pedir não seja o facto ilícito e sim a responsabilidade contratual.

Assim, improcede também, nesta parte o alegado pelos referidos demandados civis.

E é precisamente por não se tratar de questão contratual que as duas questões que se seguem – nulidade dos contratos de mútuo assinados com o Banco Insular e preteriação de cláusula compromissória – não têm cabimento no âmbito de apreciação de aqui cumpre fazer, pelo que quanto às mesmas nada mais cumpre dizer.

Por fim, a questão relativa ao pagamento das quantias aqui reclamadas pelo BPN/BIC que já lhe teria sido adiantado pela Parvalorem.

Conforme resulta de fls. 6353 a 6368 dos autos principais o BPN prometeu ceder à Parvalorem um conjunto de créditos, onde se inserem os créditos referidos neste pedido, tendo esta já pago o valor respectivo.

Ao alegarem esta questão, como se de impedimento ao pagamento reclamado se tratasse, das duas uma: ou os demandados entendem que esse pagamento [pela Parvalorem] os exonera da sua responsabilidade ou, assim não entendendo, o que parece a opção mais lógico, deviam ser consequentes e pedir a intervenção da Parvalorem, de modo a poderem pagar a quem consideram que tem direito a receber.

A verdade é que a obrigação de indemnizar dos demandados é um direito que recai sobre o BPN/BIC, que neste momento é o único titular dos créditos referidos, seja por se considerar ofendido directo, seja por ter assumido civilmente os créditos do ofendido supra apreciados.

A Parvalorem tem apenas uma expectiva de aquisição desses créditos, independentemente de já os ter pago ou não.

A verdade é que, enquanto parte neste processo, a mesma não colocou qualquer obstáculo à reclamação deste valor pelo demandante BIC.

E essa é uma questão que só ao Banco BIC Português, S.A. e à Parvalorem cabe resolver, não recaindo sobre os demandados a responsabilidade de defenderem os interesses de terceiros.

Assim, pelas razões indicadas, também, improcede a invocada questão.

Concluindo-se pela obrigação de indemnizar, importa perceber se todos os demandados a ela estão sujeitos.

O arguido DD foi despronunciado da prática do crime de burla qualificada que sustenta o dever de indemnizar, pelo que quanto a si o pedido tem de improceder.

Por outro lado, o arguido AA não participou na prática dos factos que sustentam a imputação de tal crime de burla, pelo que também em relação a este demandado o pedido deve ser julgado improcedente.

De igual modo, o arguido FF, embora tenha praticado o crime de burla qualificada onde se incluem os factos respeitantes a vários negócios, não teve intervenção em todos, designadamente no âmbito do negócio do terreno da ..., pelo que quanto ao mesmo também deve improceder o pedido.

Os arguidos BB, CC e EE, pelo conjunto dos factos em que participaram, são solidariamente responsáveis pelo pagamento da quantia global peticionada, e os arguidos GG e HH são solidariamente responsáveis com os demais arguidos pelo pagamento da quantia de € 9 409 209,25.

Sobre estas quantias vencem-se juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de notificação do pedido, conforme peticionado.

No que concerce ao negócio das sociedades AT... e AT... II peticiona o demandante o pagamento dos financiamentos concedidos para aquisição de acções destas sociedades, no montante de € 9 017 196,51.

Resulta do conjunto a factualidade provada não só que na base deste negócios se encontra a prática de um crime de burla qualificada, nos termos já apreciados, como ainda que por conta dos financiamentos realizados nesse âmbito dos negócios referentes à AT... ficou em dívida a quantia de € 3 850 000 e por conta dos financiamentos à AT... II ficou em dívida a quantia total de € 8 250 000, o que dá um total de € 12 100 000.

O montante peticionado é inferior ao prejuízo apurado, pelo que deve ser julgado procedente o pedido, sendo os demandados BB, CC e FF solidariamente responsáveis pelo pagamento da quantia de € 9 017 196,51, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de notificação do pedido, conforme peticionado.

O demandado EE não teve intervenção neste concreto negócio, pelo que, não obstante ter praticado o crime de burla qualificada por via da prática de factos respeitantes a outros negócios, não pode ser responsabilizado pelos valores indicados.

Assim, nesta parte, improcede o pedido.

No que concerne ao negócio da Palácio .... peticionada o demandante, alicerçado na factualidade subjacente à prática do crime de burla qualificada cometido nos termos já analisados, a quantia de € 10 882 169,88, que não foi paga, correspondente ao valor de venda das acções e suprimentos.

Peticiona ainda o demandante, com fundamento semelhante mas referente ao negócio dos Terrenos de ... o pagamento da quantia de € 14 299 041,44 que se encontra em dívida.

Estes dois pedidos, contudo, mostram-se sobrepostos.

Com efeito, o que resulta demonstrado dos autos é que do conjunto das operações de financiamento de ambos dos negócios (Palácio .... e Terrenos de ...) realizadas em conjunto, ficou por pagar a quantia de € 14 299 041,44.

Analisados ambos os pedidos como se de um se tratasse, pois assim também foram tratadas as operações bancários, concluímos que o conjunto do montante peticionado excede em € 10 882 169,88 o prejuízo patrimonial apurado, devendo nesta parte ser julgado improcedente.

Os demandados BB, CC, EE e FF, enquanto comparticipantes (co-autores os três primeiros e cúmplice o último) do crime de burla qualificada cometido por via da prática dos factos respeitantes ao conjunto dos factos apurados quanto aos negócios da Palácio .... e dos Terrenos de ... são solidariamente responsáveis pelo pagamento da quantia de € 14 299 041,44, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de notificação do pedido, conforme peticionado.

Já o demandado DD que foi despronunciado da prática do referido crime deve ser absolvido do pedido, não se verificando quanto ao mesmo a obrigação de indemnizar.

Por fim, no que respeita ao negócio da B... . S... (Herdade da ...) peticiona o demandante o pagamento da quantia de € 19 646 100, correspondente ao valor do financiamento realizado à GER... por conta deste negócio, montante que ficou em dívida.

Em face do conjunto da factualidade dada como assente quanto a este negócio, a qual integra a prática do crime de burla qualificada supra-analisado, mostram-se verificados os apontados danos patrimoniais.

Os demandados BB, CC e FF, enquanto comparticipantes (co-autores os dois primeiros e cúmplice o último) do crime de burla qualificada cometido por via da prática dos factos respeitantes ao conjunto dos factos apurados, designadamente, quanto ao negócio da B... . S... são solidariamente responsáveis pelo pagamento da quantia de € 19 646 100, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de notificação do pedido, conforme peticionado.

Já os demandados EE e DD apenas tiveram intervenção neste concreto negócio na sua primeira fase, mas já não no momento em que ocorre a transmissão de 50% do capital social da B... . S... para PAR... para a GER..., geradora do financiamento em dívida, não obstante terem praticado o crime de burla qualificada por via da prática de outros factos respeitantes a este negócio.

Assim, nesta parte, não podem ser responsabilizados pelos valores indicados, devendo ser absolvidos do pedido.

Por último, a demandada Parvalorem, S.A. apresenta um pedido de indemnização pelo valor global de € 32 353 728,05, respeitante a vários negócios que geraram financiamentos no Banco Insular, créditos que foram depois cedidos à demandante.

O primeiro respeita ao valor de um financiamento à sociedade “K... Limites” no montante de € 2 843 148,01 (dois milhões oitocentos e quarenta e três mil cento e quarenta e oito euros e um cêntimo), entendendo serem responsáveis por esta dívida os arguidos e demandandos cívis BB, CC e AA.

Ora, resulta da factualidade provada quanto a esta parcela do negócio da Palácio .... que os fluxos monetários em causa tinham subjacentes não o indicado negócio objecto destes autos, mas sim um outro, que aqui não foi apreciado e analisado.

Como tal, e independentemente da desconformidade entre o negócio real (o outro) e o aparente (o da venda de acções da Palácio ....), inexiste fundamento para responsabilizar qualquer um dos demandados por tal valor, pois o mesmo não corresponde qualquer prejuízo resultante de negócio efectivamente julgado no processo e por cuja prática os demandados sejam enalmente responsabilizados também neste processo.

        Assim, nesta parte, deve improceder o pedido.

O segundo respeita a um financiamento, por descoberto bancário, à sociedade “PH... LLC”, sucessivamente transferido para outras contas, no valor, reportado a 31-07-2007, de € 6 650 440,58 (seis milhões seiscentos e cinquenta mil quatrocentos e quarenta euros e cinquenta e oito cêntimos), ligado à aquisição de 35% do capital social da Na... pela OA..., sendo responsáveis por esta dívida, segundo alega, os arguidos e demandandos cívis BB, CC e AA. Ora, quanto a esta dívida, como resulta provado do ponto 658), o produto da alienação da AU... permitiu liquidar este montante, o que foi feito através do crédito de igual valor realizado na conta da OA... ainda em 2007.

Sendo uma dívida que já existe, que foi liquidada com o produto dos próprios negócios realizados pelo grupo SLN/BPN não se mantém o alegado prejuízo patrimonial.

A terceira situação que fundamenta o pedido da Parvalorem envolve um negócio também relativo à Na..., que representou para o BPN um custo de € 18 410 288,46 (dezoito milhões quatrocentos e dez mil duzentos e oitente e oito euros e quarenta e seis cêntimos), entendendo serem responsáveis por esta dívida os arguidos e demandandos civis BB, CC, EE e AA.

Este pedido está formulado de forma bastante confusa, pois apesar de apresentar este valor como prejuízo patrimonial, relaciona-o também com a venda do terreno Aq....

Ora, o valor de € 18 410 288,46 que é peticionado corresponde ao prejuízo global apurado em virtude da aquisição do activo constituído pela Na... à R... - Sociedade Imobiliária, SA, conforme ponto 789) na matéria de facto provada.

E tal valor, que ficou em débito durante bastante tempo, veio a ser liquidado em 2007 através de movimentos a crédito nas contas da J... e da OA..., nos montantes respectivos de € 11 759 847,88 e € 6 650 440,58 (aqui em repetição, porque referido na anterior situação), sendo para tanto usado o produto da venda da AU... (um dos negócios do protocolo de acordo), conforme ponto 658) da factualidade apurada.

Nenhum dos apontados valores se detecta no contrato de cessão de créditos que sustenta o pedido da demandante, conforme fls. 8695 a 8784 dos autos principais (vol. 20).

Nem tão-pouco aí se detecta o valor correspondente ao produto da venda do terreno Aq... (€ 7 927 140,75), que gerou fluxos pouco claros mas ainda assim não se fez prova de uma apropriação por parte de AA e, por via disso, do destino que parte substancial dessa quantia pode ter tido.

Assim, pelas razões expostas, é também de julgar improcedente esta parte do pedido.

A última situação respeita a um financiamento à “T..., LLC”, no valor de € 4 449 851 (quatro milhões quatrocentos e quarenta e nove mil oitocentos e cinquenta e um euros), sem suporte contratual ou garantias, sendo responsáveis por esta dívida, segundo alega, os arguidos e demandandos cívis BB, CC, EE e AA.

Fundamenta este pedido o chamado negócio da T... cuja factualidade foi considerando integrante da prática pelos arguidos BB e CC, únicos que podem ser responsabilizados pelo pagamento deste valor em débito, já que o arguido EE não teve intervenção nestes autos e a do arguido AA não determinou a prática pelo mesmos de qualquer ilícito penal ou civil.

Assim, devem os demandados ser condenados a pagar à Parvalorem a quantia de € 4 449 851 (quatro milhões quatrocentos e quarenta e nove mil oitocentos e cinquenta e um euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data de notificação do pedido, conforme peticionado, calculados sobre o valor de € 4 000 000, correspondente ao montante financiado.»

Por sua vez, o Tribunal da Relação, relativamente aos pedidos de indemnização civil, decidiu, em recurso, nos seguintes termos:

«Ora, como bem se decidiu na primeira instância, os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, enunciados, mostram-se preenchidos. Na verdade, está apurado o facto ilícito voluntário, o nexo de imputação do facto ao agente, neste caso a título de dolo, a existência de danos, e a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano, como se verifica da matéria de facto apurada.
O tribunal a quo motivou a decisão de forma que não merece qualquer censura. Senão vejamos:
O arguido EE impugnou igualmente por via do recurso a condenação na indemnização Civil, nos seguintes termos:
F) Por último, o Acórdão recorrido condenou o aqui Recorrente a pagar ao demandante Banco BIC Português, S.A. (i) a quantia de € 9.409.209,25, solidariamente com os arguidos BB, CC, GG e HH, a titulo de indemnização civil por danos patrimoniais relativos ao negócio do terreno da ... e (ii) a quantia de € 14.299.041,44, solidariamente com BB, CC, e FF, por danos patrimoniais relativos aos negócios do Palácio .... e dos Terrenos de ...;
DDDDD) Condenação essa sem fundamento fático ou jurídico porquanto, conforme se deixou acima explanado através da impugnação da matéria de facto e de direito, não estão reunidos todos os elementos objetivos do tipo relativamente aos dois crimes de burla por que vem condenado;
EEEEE) De todo o modo, não deixa de se recordar, no tocante aos referidos pedidos de indemnização deduzidos pelo BANCO BIC PORTUGUÊS S.A., (i) que o Arguido não praticou qualquer ato relativo aos referidos negócios, (ii) que não existe nos autos qualquer prova de que tenha havido qualquer prejuízo e (iii) que a simples prova disso mesmo é a Decisão judicial de absolvição proferida em 18.06.2018 no processo n.º 1194/13.... que correu termos no Juiz ... do Juízo de Comércio do Tribunal de Comarca ..., numa ação que havia sido intentada justamente pelo Banco BIC sobre a mesma matéria (cfr. doc. n.º 1 que aqui se juntou);
Como se verifica do que se analisou e decidido até este momento, os recursos que os arguidos apresentaram, e não apenas o arguido EE, colocando em causa a decisão de facto da primeira instância improcederam, quer relativamente às nulidades invocadas, quer às questões de facto quer ainda quanto qualificação jurídica dos factos.
Assim, o pressuposto em que o arguido EE fundamentou esta parte do seu recurso, procedência da impugnação de facto, caiu como se disse, assim apenas nos resta analisar a decisão de enquadramento jurídico realizada pelo tribunal a quo de modo a apreciar se se verificam ou não preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e consequentemente da obrigação de indemnizar a cargo dos arguidos que no seu pagamento foram condenados.
O arguido FF igualmente defende não se mostrarem reunidos os pressupostos da obrigação de indemnizar defendendo ainda que tendo o mesmo sido condenado como cúmplice, que a obrigação de indemnização imposta ao recorrente, chamado pelo acórdão impugnado a responder civilmente nos exactos termos pelos quais os autores respondem, viola o princípio da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
Salvo o devido respeito por esta leitura, olhando para os factos e a subsunção dos factos ao direito realizada pelo tribunal a quo não há como não concluir pelo acerto do decidido também nesta cede, já que se mostram preenchidos todos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar decorrente da prática de actos ilícitos, no caso criminal. Quanto à invocada diminuição da culpa e seu reflexo na responsabilidade indemnizatória, pese embora a culpa, aliada neste caso à participação desigual dos arguidos na prática dos factos, tenha relevância na obrigação de indemnizar, a mesma apenas respeita e tem influência nas relações entre os obrigados e não relativamente ao credor da indemnização, como se verifica do disposto no art.º 497.º, n.º 2 do CC (O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis).
Assim, a culpa releva na determinação da responsabilidade concreta de cada responsável solidário entre eles para efeitos de direito de regresso.
Neste processo discutiu-se a responsabilidade civil dos arguidos, decorrente da prática de actos ilícitos criminais, perante as demandantes civis. Apenas. Isto porque nos termos do citado art.º 497.º, n.º 1 dos credores têm o direito de exigir de qualquer dos responsáveis solidários o pagamento integral da prestação. Os responsáveis depois, entre eles, e caso satisfaçam mais do que o correspondente à sua quota parte, seja qual for a que entendam corresponder, podem solicitar aos demais co-obrigados solidários o pagamento do mais que satisfizeram, através do seu direito de regresso.

Defende ainda FF que ao identificar o prejuízo às responsabilidades emergentes de contratos de financiamento não cumpridos pelos mutuários o Tribunal de 1ª instância está no fundo a conhecer da responsabilidade civil contratual, para o que não tem competência. Mas sem razão. Aliás, no acórdão recorrido esta questão é abordada e refutada uma vez que a responsabilidade que aqui está em causa não tem na sua fonte uma qualquer relação contratual mas sim a prática de factos ilícitos. De todo o modo, uma vez que foram celebrados contratos como desenvolvimento da estratégia adotada para astuciosamente criar o engano, contratos que justificavam as saídas de valores, é natural que na determinação do quantum da indemnização se tenha em atenção os ditos contratos.

Invoca ainda FF que o acórdão recorrido deixou em aberto o momento da consumação do prejuízo, não sendo isso indiferente dada a sua intervenção nos autos, que defende apenas ocorreu em momentos determinados. Salvo o devido respeito, a tese que defende não tem qualquer fundamento. Como resulta da análise da matéria de facto, o prejuízo para o BPN consumou-se com o momento da verificação os descobertos bancários, na maioria das situações anteriores à data da sua aprovação, no momento da entrega dos valores supostamente mutuados, ou seja, no momento em que entregou disponibilidade monetária aos terceiros que agiram simuladamente nos negócios, ou em que assumiu as suas responsabilidades.
AA igualmente suscita questões nas respostas que apresentou ao recurso do MP e dos demandantes civis; todavia, dado que o mesmo não tem intervenção em qualquer dos factos ilícitos julgados nestes autos, geradores da responsabilidade civil que aqui está em causa, está prejudicado o seu conhecimento.
Os arguidos GG, HH e Amplimóveis, SA. não concordam com a condenação no pagamento dos danos patrimoniais no valor de € 1.981.545,72 (um milhão, novecentos e oitenta e um mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos desde a data da prática dos factos e vincendos até efetivo e integral pagamento, a favor do demandante Estado Português [s) do dispositivo do Acórdão].

Relativamente à condenação do pagamento da indemnização civil a favor do assistente e demandante civil Banco BIC Português, S.A. entretanto cedido à demandante civil Parvalorem, S.A., no valor de € 9.409.209,25 (nove milhões, quatrocentos e nove mil, duzentos e nove euros e vinte e cinco cêntimos), solidariamente com o falecido BB, CC e EE, o assistente/demandante civil BIC e a demandante civil Parvalorem vieram aos autos informar que os arguidos GG e HH procederam ao pagamento da quantia de € 9.409.209,25, correspondente à condenação a que se refere a primeira parte de v) do dispositivo do Acórdão de primeira instância e consequentemente desistir do pedido contra eles formulado e em cujo pagamento os mesmos foram condenados.
A desistência do pedido foi objeto de homologação judicial, como já referido, assim ficam prejudicadas as questões suscitadas pelos arguidos GG e HH relacionadas com estes pedidos cíveis.
No que respeita ao pedido de indemnização civil formulado pelo Estado, uma vez que a defesa dos arguidos, GG, HH e Amplimóveis, S. A., se fundava no não preenchimento dos pressupostos do ilícito de fraude fiscal, por não o terem cometido e subsidiariamente por não se mostrarem verificadas as circunstâncias agravantes e ter decorrido o prazo de prescrição relativamente ao crime de fraude fiscal simples, tendo naufragado a impugnação quer de facto quer de direito que defenderam, tendo este tribunal de recurso mantido a condenação nos precisos termos em que o tribunal a quo decidiu, falecem em absoluto os pressupostos em que os argumentos aduzidos pelos arguidos se baseavam. Assim, e porque a subsunção dos factos ao direito realizada pelo tribunal a quo no que respeita ao pedido cível formulado pelo Estado, não merece qualquer censura, improcede na íntegra o pugnado pelos arguidos.
O arguido CC impugna igualmente a sua condenação no pedido de indemnização civil nos seguintes termos:
1. No que respeita ao pedido de indemnização civil deduzido pela Parvalorem, cumpre, antes de mais, sublinhar que a mesma deduziu um pedido de indemnização suportado na prática de um crime, sendo que a mesma é titular de um crédito com natureza contratual, em virtude de contrato de cessão de créditos,
2. E, assim, o crédito em causa, adquirido por via do mencionado contrato de cessão de créditos, não é, nem nunca foi, um crédito sobre o ora arguido.
3. A Parvalorem é, assim, cessionária de um crédito cuja fonte é um contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com a T..., entidade do Grupo SLN/BPN,
4. Não é lesada por qualquer acto ilícito e culposo praticado pelo recorrente, de que derive a sua responsabilidade civil extracontratual.
5. Pelo que se impõe reconhecer que não assiste legitimidade à Parvalorem para reclamar indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual.
6. Não se podendo desconsiderar que o financiamento visou a aquisição de activo para o Grupo, o que foi concretizado, constando dos autos relatório de avaliação elaborado em 2007, que fixa o valor do imóvel, a essa data, em dois milhões trezentos e oitenta mil euros,
7. O que revela a falta de fundamento legal da obrigação de indemnização em que o recorrente foi condenado.

De qualquer forma, entende o recorrente que não incorreu na prática dos crimes que lhe foram imputados, impondo-se assim a sua absolvição dos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos.

Salvo o devido respeito pela tese defendida, afastada pelo tribunal a quo e bem, dos factos resulta de forma inequívoca que a responsabilidade civil, e respetiva obrigação de indemnizar, que aqui está em causa emerge da prática do crime de burla, no seu caso.
Os contratos que são referidos ao longo da matéria de facto, como resulta da sua leitura, constituíram o meio para a prática do crime que aqui está em causa.

Relativamente à cessão de créditos nada mais cumpre acrescentar para além do que se mostra decidido pelo tribunal a quo, tendo as cessionárias legitimidade para demandar o pagamento dos prejuízos causados e decorrentes da prática do acto ilícito, verificados que estão todos os seus pressupostos.

A defesa apresentada por este arguido, que invoca que não se verifica prejuízo porque os mesmos foram pagos pela Parvalorem e ainda que não foram considerados no valor do prejuízo o valor das garantias é completamente destituído de fundamento, como aliás já resulta do que se expôs anteriormente.
Os factos não permitem outra leitura que não seja a que foi realizada pelo Tribunal a quo, razão pela qual se mantém a decisão na totalidade, mostrando-se prejudicado o conhecimento de toda e qualquer questão contrária ao entendimento aqui vertido.

*

Resta apenas tomar em conta no quantum indemnizatório os valores recebidos indicados pelas demandantes civil, que se aditaram à matéria de facto provada. Os factos são os seguintes:
1 - (16.) (..) a Demandante desistiu e deu integral quitação aos Demandados GG e HH das quantias por si peticionadas no presente Pedido de Indemnização Civil.
2 - (18.) Para concretização do acordo, além do contrato promessa existente nos autos, a 07/11/2019 a Demandante BANCO BIC transmitiu os créditos da sua titularidade para a Demandante PARVALOREM.
3 - (20.) Tal acordo, conforme referem os Demandados, passou pela dação em pagamento por via da entrega de acções de sociedades, imóveis objeto dos negócios e entrega de imóveis dos Demandados, alheios aos negócios objecto dos autos, além da entrega de quantitativos monetários destes, não sendo conhecidos aos Demandados quaisquer outros bens aos Demandados, à data da celebração do acordo.
4 - (21.) Os Demandados GG e HH, entregaram à Demandante, todos os activos que tinham em sua posse, bem como os activos detidos por sociedades consigo relacionadas, a saber, Sociedades P... F... - Sociedade de Gestão e Exploração Imobiliária, Lda; Sociedade G... de Projectos Imobiliários e Serviços, SGPS, S.A.; Ger... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.; Imóveis C... -Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A; R... V... - Sociedade de Gestão e Exploração de Propriedades, Lda., Sociedade Imobiliária Palácio ..., S.A. e Su... -Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.
5 - (22.) Através das referidas dações em pagamento, os Demandantes ressarciram a totalidade do prejuízo apurado quanto ao Negócio do terreno da ..., no total de € 9.409.209,25, a cujo pagamento foram condenados (ainda que solidariamente com outros Demandados).
6 - (23.) Porém, os Demandados não entregaram à Demandante a totalidade dos
montantes correspondentes aos prejuízos apurados nos presentes autos, ainda que, conforme
se referiu, tenham extinguido a totalidade dos prejuízos no pagamento dos quais foram
condenados.

7 - (25.) (…) para celebração do acordo em apreço foram, de facto, contemplados todos os negócios celebrados entre os aqui Demandados e o BPN, a saber: Negócio do terreno da ..., AT... I e II, Palácio ...., Terrenos de ... e B... . S....
8 - (26.) Todavia, os Demandados não entregaram bens e quantias no valor total correspondente aos prejuízos apurados, excluindo-se o terreno da ... (sendo que apenas neste negócio foram civilmente demandados e condenados).
9  - (27.) Ao invés, os Demandados operaram a dação de todos os activos que de dispunham pessoalmente, bem como de sociedades consigo relacionadas, razão pela qual a Demandante lhes deu integral quitação das dívidas relacionadas com os negócios  objecto dos presentes autos.
10 - (30.) Quanto ao Negócio do terreno da ..., da quantia de € 9.409.209,25, a cujo pagamento foram condenados os Demandados GG, HH, BB, CC e EE, os Demandados GG e HH liquidaram a totalidade daquele montante, nada mais sendo devido por qualquer dos Demandados a este respeito.
11 - (31.) Por conta dos negócios do Palácio .... e Terrenos de ..., da quantia de € 14.299.041,44, a cujo pagamento foram condenados apenas os Demandados BB, CC, EE e FF, os Demandados GG e HH liquidaram, através das referidas Dações em pagamento, os seguintes valores:

• Dação em pagamento das Acções da Sociedade Imobiliária Palácio ... (proprietária do imóvel Palácio ....), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 5.261.320,18 (cinco milhões duzentos e sessenta e um mil, trezentos e vinte euros e dezoito cêntimos).

• Dação em pagamento dos Terrenos de ..., pelo valor total de € 500.000,00
(Quinhentos mil euros);

12 - (33.) Por conta no negócio da B... . S... (Herdade da ...), da quantia de € 19.646.100,00, a cujo pagamento foram condenados apenas os Demandados de BB, CC, EE e FF, os Demandados GG e HH liquidaram, através das referidas Dações em pagamento, os seguintes valores:
Dação em pagamento das acções da B... S...- Sociedade Imobiliária, SA. (proprietária do imóvel Herdade da ...), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 2.617.021,00 (dois milhões seiscentos e dezassete mil e vinte um euros).
Dação em Pagamento de prédio urbano sito em ..., ..., pelo valor de € 2.799.001,77 (dois milhões setecentos e noventa e nove mil e um euro e setenta e sete cêntimos);

13  - (35.) No que respeita ao negócio das sociedades AT... I e II, atendendo à situação de insolvência daquelas sociedades, as participações sociais das mesmas não têm qualquer valor, nem têm as mesmas qualquer activo, razão pela qual a Demandante prescindiu de receber os títulos representativos do seu capital social, permanecendo em dívida a totalidade do montante de € 9.017.196,51, a cujo pagamento foram condenados os Demandados BB, CC e FF, solidariamente.
Assim, ao montante das obrigações fixadas pela primeira instância devem ser abatidos os valores referidos, mantendo-se inalterado no mais o ali decidido atenta a improcedência dos recursos apresentados.»


*

Ora, no que respeita à condenação civil, dispõe o artigo 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que
«[s]em prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada». Acresce que, nos termos do n.º 3 desse normativo, se estabelece que «[m]esmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.»

A redação de tal normativo foi efetuada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, diploma que, para além de acrescentar a expressão «só», fez constar uma nova exigência anteriormente não existente – a de que o valor do pedido tem de ser superior à alçada do tribunal recorrido[67].

Por sua vez, o n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal veio estabelecer a autonomia das regras respeitantes à admissibilidade dos recursos civis face às dos penais, podendo aqueles ser admitidos, não obstante exista irrecorribilidade em termos criminais. Tal normativo foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, constando da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que lhe deu origem, que
«[p]ara garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal».

É, assim, manifesto que mesmo não sendo admissível o recurso penal, nos termos do artigo 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, as partes, poderão recorrer da decisão em matéria civil, ficando a ação civil independente da penal.

Como tal, e não dispondo expressamente o Código de Processo Penal os termos relativamente aos quais os recursos cíveis são admissíveis, necessariamente se terá de recorrer às regras constantes do Código de Processo Civil, nomeadamente o artigo 671.º do Código de Processo Civil, em conformidade com o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.

Nesta medida,
«[c]omo a recorribilidade da decisão em matéria cível deixou de estar dependente da recorribilidade da decisão relativa à matéria penal, o acesso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no CPC, pois que o legislador processual penal, ao aditar o mencionado n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, não definiu normas próprias de admissibilidade do recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve conduzir o julgador, perante esta lacuna, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil. Citando Pereira Madeira (comentário ao artigo 400.º em Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2016, p. 1202): “Por força do disposto no artigo 4.º do CPP, e uma vez que a acção civil se autonomiza dos destinos da causa penal, importa ter em conta que a admissibilidade de recurso não está condicionada apenas pelas circunstâncias do n.º 2 do artigo 400.º. A pretendida igualação com o regime de recursos da acção civil importa, com efeito, que os casos de admissibilidade previstos no artigo 721.º do Código de Processo Civil na redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto, nomeadamente o de «dupla conforme», previsto no n.º 3, sejam aqui aplicáveis”».

           

Nesta senda, preceitua, então, o artigo 671.º do Código de Processo Civil que:
«1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

(…)
3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.»

           

No que respeita ao requisito da dupla conforme, a mesma verifica-se sempre «que tenha havido coincidência integral das decisões de cada uma das instâncias»[68], concordância decisória que nos conduz à conclusão de que se tratará de uma decisão adequada e correta.

Para além de tal circunstância, que não suscitará dúvidas relevantes, a dupla conforme também existirá quando o Tribunal de 2.ª Instância profere uma decisão mais favorável, relativamente ao recorrente, face à decisão de 1.ª Instância. Tal melhoria da situação jurídica do recorrente consubstancia uma confirmação in mellius que será, também, impeditiva do conhecimento do recurso, porquanto deve entender-se que
“a dupla conforme contida no artigo 671.º, n.º 3 do CPC, que obsta à admissão do recurso, se considera verificada não só quando há total coincidência decisória, mas também quando, para o recorrente, se configure uma situação de «confirmação in mellius»”[69].

           

Como tal, haverá possibilidade de recurso quando as decisões proferidas sejam em sentido contrário, bem como quando o recorrente vê a sua posição agravada, desde que, naturalmente, preenchidos os demais requisitos legais.

Por sua vez, mesmo existindo dupla conforme, poderá o recurso ser admissível quando estejamos perante uma fundamentação essencialmente diferente, aqui se fazendo referência a «uma diversidade de percurso na fundamentação»[70], ou seja,
«[p]ara que a dupla conforme deixe de atuar como obstáculo à revista, torna-se necessário, uma vez verificada a decisão confirmatória da sentença apelada, sem voto de vencido, a aquiescência, pela Relação, do enquadramento jurídico suportado numa solução jurídica inovatória, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados na sentença proferida em 1.ª instância»[71].

           

Assim, a existência de dupla conforme não é posta em causa por
«discrepâncias marginais, secundárias ou periféricas, que não representem um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de um outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância.»[72].

           

Como tal, entende-se que
“só está afastada a dupla conforme quando a fundamentação é essencialmente diferente, mas já não quando a fundamentação é apenas diferente e defende-se que só se verifica uma «fundamentação essencialmente diferente» quando o tribunal da Relação assenta a sua decisão num enquadramento normativo absolutamente distinto do ponderado pela 1.ª instância”[73].

           

Ora, compulsados os acórdãos constantes nos presentes autos, de 1.ª e 2.ª Instâncias, o que se verifica existir é uma total coincidência no sentido da decisão, tendo o Tribunal da Relação confirmado os termos em que a decisão de 1.ª Instância foi proferida, com, precisamente, os mesmos fundamentos, remetendo, inclusivamente, para o texto da mesma. Desta forma, e mesmo que os requisitos de admissibilidade constantes do artigo 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal se pudessem considerar verificados, torna-se evidente a existência de dupla conforme, nos termos previstos no artigo 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

Verifica-se, assim, que ambos os acórdãos apreciaram da mesma forma os pressupostos da responsabilidade civil dos aqui recorrentes, considerando-os verificados, em face da factualidade assente, o que conduziu necessariamente à sua condenação, nos termos já transcritos. A fundamentação utilizada aplica de forma uniforme o mesmo quadro legal, convergindo em absoluto.

Nesta medida, não existindo qualquer voto de vencido, nem uma fundamentação essencialmente diversa, necessariamente se conclui que o acórdão do Tribunal da Relação veio confirmar a condenação anterior pelo que, também em termos civis, estamos perante uma situação de dupla conforme que, em conformidade com o disposto no artigo 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, obsta à admissão do recurso, relativamente a todas as matérias já apreciadas pelas duas instâncias.

Sem prejuízo do ora exposto, importa, contudo, debruçarmo-nos relativamente ao único aspeto distintivo entre as duas decisões, que respeita à circunstância de o Tribunal da Relação ter procedido a uma redução do montante indemnizatório, em virtude de ter havido uma liquidação parcial dos montantes em dívida, posterior à decisão de 1.ª Instância, que o Tribunal da Relação fez refletir no dispositivo, o que não resulta, contudo, de qualquer fundamentação ou enquadramento jurídico diferente, mas tão-só de uma reparação parcial dos danos, verificada enquanto o recurso se encontrava pendente.

Nesta sequência, a Relação aditou os factos referentes a tal acordo, obtido entre a Demandante Banco BIC e os demandados civis GG e HH, que conduziu à desistência do pedido relativamente aos referidos demandados, judicialmente homologada, nos seguintes termos:

«Factos assentes resultantes (e constantes) da declaração confessória das demandantes civis, apresentada no dia 13 de maio de 2020, referência Citius ...57, após despacho proferido nos autos para indicar os valores concretos que foram pagos:
1 - (16.) (..) a Demandante desistiu e deu integral quitação aos Demandados GG e HH das quantias por si peticionadas no presente Pedido de Indemnização Civil.
2 - (18.) Para concretização do acordo, além do contrato promessa existente nos autos, a 07/11/2019 a Demandante BANCO BIC transmitiu os créditos da sua titularidade para a Demandante PARVALOREM.
6 - (20.) Tal acordo, conforme referem os Demandados, passou pela dação em pagamento por via da entrega de acções de sociedades, imóveis objeto dos negócios e entrega de imóveis dos Demandados, alheios aos negócios objecto dos autos, além da entrega de quantitativos monetários destes, não sendo conhecidos aos Demandados quaisquer outros bens aos Demandados, à data da celebração do acordo.
7 - (21.) Os Demandados GG e HH, entregaram à Demandante, todos os activos que tinham em sua posse, bem como os activos detidos por sociedades consigo relacionadas, a saber, Sociedades P... F... - Sociedade de Gestão e Exploração Imobiliária, Lda; Sociedade G... de Projectos Imobiliários e Serviços, SGPS, S.A.; Ger... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.; Imóveis C... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, SA; R... V... -Sociedade de Gestão e Exploração de Propriedades, Lda., Sociedade Imobiliária Palácio ..., SA. e Su... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.
8 - (22.) Através das referidas dações em pagamento, os Demandantes ressarciram a totalidade do prejuízo apurado pela primeira instância quanto ao Negócio do terreno da ..., no total de € 9.409.209,25, a cujo pagamento foram condenados (ainda que solidariamente com outros Demandados).
9 - (23.) Porém, os Demandados não entregaram à Demandante a totalidade dos montantes correspondentes aos prejuízos apurados nos presentes autos, ainda que, conforme se referiu, tenham extinguido a totalidade dos prejuízos no pagamento dos quais foram condenados pela primeira instância.
10 - (25.) (...) para celebração do acordo em apreço foram, de facto, contemplados todos os negócios celebrados entre os aqui Demandados e o BPN, a saber: Negócio do terreno da ..., AT... I e II, Palácio ...., Terrenos de ... e B... . S....
10 - (26.) Todavia, os Demandados não entregaram bens e quantias no valor total correspondente aos prejuízos apurados pela primeira instância, excluindo-se o terreno da ... (sendo que apenas neste negócio foram civilmente demandados e condenados).
11 - (27.) Ao invés, os Demandados operaram a dação de todos os activos que de dispunham pessoalmente, bem como de sociedades consigo relacionadas, razão pela qual a Demandante lhes deu integral quitação das dívidas relacionadas com os negócios objecto dos presentes autos.
12 - (30.) Quanto ao Negócio do terreno da ..., da quantia de € 9.409.209,25, a cujo pagamento foram condenados, pela primeira instância, os Demandados GG, HH, BB, CC e EE, os Demandados GG e HH liquidaram a totalidade daquele montante, nada mais sendo devido por qualquer dos Demandados a este respeito.
13 - (31.) Por conta dos negócios do Palácio .... e Terrenos de ..., da quantia de € 14.299.041,44, a cujo pagamento foram condenados, pela primeira instância, apenas os Demandados BB, CC, EE e FF, os Demandados GG e HH liquidaram, através das referidas Dações em pagamento, os seguintes valores:

Dação em pagamento das Acções da Sociedade Imobiliária Palácio ... (proprietária do imóvel Palácio ....), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 5.261.320,18 (cinco milhões duzentos e sessenta e um mil, trezentos e vinte euros e dezoito cêntimos).
Dação em pagamento dos Terrenos de ..., pelo valor total de € 500.000,00 (Quinhentos mil euros);

12 - (33.) Por conta no negócio da B... . S... (Herdade da ...), da quantia de € 19.646.100,00, a cujo pagamento foram condenados pela primeira instância apenas os Demandados BB, CC, EE e FF, os Demandados GG e HH liquidaram, através das referidas Dações em pagamento, os seguintes valores:
Dação em pagamento das acções da B... S...- Sociedade Imobiliária, SA. (proprietária do imóvel Herdade da ...), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 2.617.021,00 (dois milhões seiscentos e dezassete mil e vinte um euros).
Dação em Pagamento de prédio urbano sito em ..., ..., pelo valor de € 2.799.001,77 (dois milhões setecentos e noventa e nove mil e um euro e setenta e sete cêntimos);
14 - (35.) No que respeita ao negócio das sociedades AT... I e II, atendendo à situação de insolvência daquelas sociedades, as participações sociais das mesmas não têm qualquer valor, nem têm as mesmas qualquer activo, razão pela qual a Demandante prescindiu de receber os títulos representativos do seu capital social, permanecendo em dívida a totalidade do montante de € 9.017.196,51, a cujo pagamento foram condenados os Demandados BB, CC e FF, solidariamente.»
  Assim, e em sede de fundamentação de direito, referiu apenas este Tribunal que «ao montante das obrigações fixadas pela primeira instância devem ser abatidos os valores referidos, mantendo-se inalterado no mais o ali decidido atenta a improcedência dos recursos apresentados».
 Ora, tratando-se de factualidade nova, assente em sede de recurso, não poderá considerar-se que a mesma é abrangida pelo instituto da dupla conforme pelo que, relativamente a essa matéria, entende-se ser de admitir os recursos interpostos pelos arguidos, quanto à sua condenação civil.

Sem prejuízo do ora exposto, importa, contudo, debruçarmo-nos relativamente ao único aspeto distintivo entre as duas decisões, que respeita à circunstância de o Tribunal da Relação ter procedido a uma redução do montante indemnizatório, em virtude de ter havido uma liquidação parcial dos montantes em dívida, ulterior à decisão de 1.ª Instância, que o Tribunal da Relação fez refletir no dispositivo. O que não resulta, contudo, de qualquer fundamentação ou enquadramento jurídico diferente, mas tão-só de uma reparação parcial dos danos, verificada enquanto o recurso se encontrava pendente.

Em conformidade, a Relação aditou os factos referentes a tal acordo, obtido entre a Demandante Banco BIC e os demandados civis GG e HH, que conduziu à desistência do pedido relativamente aos referidos demandados, judicialmente homologada, nos seguintes termos:


«Factos assentes resultantes (e constantes) da declaração confessória das demandantes civis, apresentada no dia 13 de maio de 2020, referência Citius ...57, após despacho proferido nos autos para indicar os valores concretos que foram pagos:
1 - (16.) (..) a Demandante desistiu e deu integral quitação aos Demandados GG e HH das quantias por si peticionadas no presente Pedido de Indemnização Civil.
2 - (18.) Para concretização do acordo, além do contrato promessa existente nos autos, a 07/11/2019 a Demandante BANCO BIC transmitiu os créditos da sua titularidade para a Demandante PARVALOREM.
3 - (20.) Tal acordo, conforme referem os Demandados, passou pela dação em pagamento por via da entrega de acções de sociedades, imóveis objeto dos negócios e entrega de imóveis dos Demandados, alheios aos negócios objecto dos autos, além da entrega de quantitativos monetários destes, não sendo conhecidos aos Demandados quaisquer outros bens aos Demandados, à data da celebração do acordo.
4 - (21.) Os Demandados GG e HH, entregaram à Demandante, todos os activos que tinham em sua posse, bem como os activos detidos por sociedades consigo relacionadas, a saber, Sociedades P... F... - Sociedade de Gestão e Exploração Imobiliária, Lda; Sociedade G... de Projectos Imobiliários e Serviços, SGPS, S.A.; Ger... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.; Imóveis C... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, SA; R... V... -Sociedade de Gestão e Exploração de Propriedades, Lda., Sociedade Imobiliária Palácio ..., SA. e Su... - Compra, Venda e Exploração de Imóveis, S.A.
5 - (22.) Através das referidas dações em pagamento, os Demandantes ressarciram a totalidade do prejuízo apurado pela primeira instância quanto ao Negócio do terreno da ..., no total de € 9.409.209,25, a cujo pagamento foram condenados (ainda que solidariamente com outros Demandados).
6 - (23.) Porém, os Demandados não entregaram à Demandante a totalidade dos montantes correspondentes aos prejuízos apurados nos presentes autos, ainda que, conforme se referiu, tenham extinguido a totalidade dos prejuízos no pagamento dos quais foram condenados pela primeira instância.
7 - (25.) (...) para celebração do acordo em apreço foram, de facto, contemplados todos os negócios celebrados entre os aqui Demandados e o BPN, a saber: Negócio do terreno da ..., AT... I e II, Palácio ...., Terrenos de ... e B... . S....
8 - (26.) Todavia, os Demandados não entregaram bens e quantias no valor total correspondente aos prejuízos apurados pela primeira instância, excluindo-se o terreno da ... (sendo que apenas neste negócio foram civilmente demandados e condenados).
9 - (27.) Ao invés, os Demandados operaram a dação de todos os activos que de dispunham pessoalmente, bem como de sociedades consigo relacionadas, razão pela qual a Demandante lhes deu integral quitação das dívidas relacionadas com os negócios objecto dos presentes autos.
10 - (30.) Quanto ao Negócio do terreno da ..., da quantia de € 9.409.209,25, a cujo pagamento foram condenados, pela primeira instância, os Demandados GG, HH, BB, CC e EE, os Demandados GG e HH liquidaram a totalidade daquele montante, nada mais sendo devido por qualquer dos Demandados a este respeito.
11 - (31.) Por conta dos negócios do Palácio .... e Terrenos de ..., da quantia de € 14.299.041,44, a cujo pagamento foram condenados, pela primeira instância, apenas os Demandados BB, CC, EE e FF, os Demandados GG e HH liquidaram, através das referidas Dações em pagamento, os seguintes valores:

• Dação em pagamento das Acções da Sociedade Imobiliária Palácio ... (proprietária do imóvel Palácio ....), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 5.261.320,18 (cinco milhões duzentos e sessenta e um mil, trezentos e vinte euros e dezoito cêntimos).
• Dação em pagamento dos Terrenos de ..., pelo valor total de € 500.000,00 (Quinhentos mil euros);
12 - (33.) Por conta no negócio da B... . S... (Herdade da ...), da quantia de € 19.646.100,00, a cujo pagamento foram condenados pela primeira instância apenas os Demandados BB, CC, EE e FF, os Demandados GG e HH liquidaram, através das referidas Dações em pagamento, os seguintes valores:
• Dação em pagamento das acções da B... S...- Sociedade Imobiliária, SA. (proprietária do imóvel Herdade da ...), e créditos de suprimentos sobre a sociedade, pelo valor total de € 2.617.021,00 (dois milhões seiscentos e dezassete mil e vinte um euros).
• Dação em Pagamento de prédio urbano sito em ..., ..., pelo valor de € 2.799.001,77 (dois milhões setecentos e noventa e nove mil e um euro e setenta e sete cêntimos);
12 - (35.) No que respeita ao negócio das sociedades AT... I e II, atendendo à situação de insolvência daquelas sociedades, as participações sociais das mesmas não têm qualquer valor, nem têm as mesmas qualquer activo, razão pela qual a Demandante prescindiu de receber os títulos representativos do seu capital social, permanecendo em dívida a totalidade do montante de € 9.017.196,51, a cujo pagamento foram condenados os Demandados BB, CC e FF, solidariamente.»

Assim, e em sede de fundamentação de direito, referiu apenas este Tribunal que «ao montante das obrigações fixadas pela primeira instância devem ser abatidos os valores referidos, mantendo-se inalterado no mais o ali decidido atenta a improcedência dos recursos apresentados».

Verifica-se, assim, que o Tribunal da Relação alterou o anteriormente decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância, reduzindo o montante indemnizatório a liquidar, em decorrência de uma alteração factual efetuada em sede de recurso. Não obstante tal segmento decisório ser benéfico para os demandados, a verdade é que os factos assentes foram alterados, de modo significativo, em virtude de fundamentação absolutamente diferente, porquanto a ocorrência que a ela subjaz – o acordo alcançado – é superveniente face à decisão a 1.ª Instância, tendo sido esse o acontecimento que conduziu, precisamente, à modificação da decisão cível em recurso, alterando os termos em que os demandados haviam sido anteriormente condenados.

Nesta medida, entende-se que, tratando-se de factualidade absolutamente nova com manifesto relevo para o sentido da decisão final, nunca anteriormente alegada ou discutida, e assente apenas em sede de recurso, não poderá considerar-se que a mesma é abrangida pelo instituto da dupla conforme, pois que não foi “duplamente” apreciada pelos Tribunais, mas tão-só pelo Tribunal da Relação, que a aditou inovatoriamente.

Como tal, considera-se que, relativamente a essa matéria, não havendo dupla conforme, será de admitir os recursos interpostos pelos arguidos, quanto à sua condenação civil.

  Nesta medida, verifica-se, então, em suma, que:
- o demandado CC alega que o Tribunal apenas manda atender ao valor imputado a parte dos bens entregues e não a todos, bem como que não se mostra apurado nos autos o valor entregue por estes arguidos que não emergia diretamente dos bens envolvidos nos negócios que constituem o objeto dos presentes autos, não obstante a sua manifesta relevância para o cômputo dos danos já indemnizados;
- o demandado FF entende que o valor atribuído no acordo celebrado não lhe é oponível, sendo que, no âmbito desse acordo, os arguidos entregaram ainda outros ativos, os quais não foram tidos em consideração para apuramento dos danos que ainda se mostrariam por reparar;
- o demandado EE considera que:
· tendo havido uma cessão de créditos anunciada pelo BPN e a Parvalorem, apenas dada a conhecer pelas assistentes na pendência do recurso, dever-se-ia ter apurado o respetivo preço, no sentido de o mesmo ser igualmente subtraído ao valor do prejuízo do BPN ou, no limite, ser determinado que o mesmo devia ser liquidado em execução de sentença;
· Os artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1, 609.º, n.º 2 e 662.º, n.º 1, do CPC e 483.º, n.º 1, do CC, interpretados (como foram) no sentido de o Tribunal de recurso não dever, ou dar como provados factos novos, com base em documentos supervenientes (não apreciados em primeira instância, ainda que para tal ordenando oficiosamente a sua junção) comprovativos do (entretanto ocorrido) desaparecimento ou redução do prejuízo sofrido pelo lesado, ou relegar para execução de Sentença a determinação do efectivo prejuízo deste, antes devendo fixar a indemnização com base no prejuízo anteriormente julgado como provado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da justiça na administração dos conflitos entre privados (ínsito nos artigos 9.º, al. a) e 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP) e do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP).

Na verdade, os aqui recorrentes não põem em causa que tais factos tenham sido considerados provados, não tendo, em nenhum momento, alegado que o acervo factual deveria ter sido diferente.

O que invocam é, no fundo, que ao terem sido entregues outros ativos, deveria ter-se indagado o seu preço, a fim de, eventualmente, se proceder a um desconto superior. Sucede que, como é bom de ver, tal acordo extrajudicial, celebrado com os demandados HH e GG, encontra-se na plena liberdade das partes que o subscrevem.

Não se alega qualquer erro no sentido de o tribunal ter incorrido em algum erro quanto ao desconto a que procedeu, em face dos termos do acordo, antes pretendendo os recorrentes pôr em causa as suas concretas cláusulas, não obstante não terem tido qualquer intervenção no mesmo.

De facto, os recorrentes apenas são reflexamente favorecidos pela sua celebração, por terem sido entregues ativos com vista ao ressarcimento de uma dívida de que eram solidariamente responsáveis com os arguidos HH e GG.

Acresce que estes arguidos entregaram ainda outros bens com o objetivo de liquidar, parcialmente, outras obrigações, relativamente às quais não eram responsáveis. Nesta medida, os aqui recorrentes beneficiam de modo indireto da celebração deste acordo, sendo certo que, como é manifesto, não têm qualquer legitimidade para se imiscuir no mesmo, nomeadamente no sentido de terem de saber qual o valor dos bens que foram entregues. O clausulado desse acordo é apenas da responsabilidade de quem o subscreve pelo que, pretendendo os arguidos HH e GG entregar bens sua propriedade que possam (ou não) ser de valor superior ao montante que se encontrava em dívida e que vão liquidar, em nada contende com os direitos dos demais demandados, que apenas são indiretamente beneficiados por ter havido um pagamento de valores da sua responsabilidade.

Assim sendo, ao contrário do que os recorrentes invocam, nenhuma obrigação pode recair sobre o tribunal no sentido de aferir se tal acordo é ou não adequado ou se os bens entregues são ou não de valor superior ao montante considerado liquidado, pois que tal extravasa em absoluto os seus poderes de atuação. Não podemos, nesta sede, vir discutir os termos do acordo em causa, porquanto não integra o objeto dos presentes autos aferir da adequação do clausulado de um acordo extrajudicial, que conduziu a uma desistência do pedido, já judicialmente homologada.

Paralelamente, e no que respeita à cessão de créditos que possa ter ocorrido entre o Banco BIC e a Parvalorem, também os aqui demandados são totalmente alheios. Não cumpre averiguar qual o valor desse negócio e, concretamente, qual o montante recebido pelo Banco BIC, porquanto se trata de relações externas que em nada contendem com a responsabilidade dos demandados.

Na verdade, e à semelhança do já decidido na 1.ª Instância, o pedido de indemnização civil foi deduzido pelo ofendido que havia sofrido um prejuízo, tendo a condenação sido adequadamente determinada. Os demandados não foram condenados a pagar em duplicado, a pessoas diferentes, em virtude do mesmo facto, pelo que um eventual acerto de contas que cumpra efetuar será apenas entre o Banco BIC e a Parvalorem, não influenciando a responsabilidade civil dos aqui demandados. Qualquer acordo de cedência de créditos que tenha havido entre aquelas duas entidades não levará a um “desconto” no montante indemnizatório da responsabilidade dos demandados, cuja obrigação de pagamento resulta do prejuízo resultante da prática de um crime.

Desta forma, e porque tal negócio não afeta o montante indemnizatório devido, nada haveria a determinar oficiosamente, nem a alterar, aos termos da condenação.

Finalmente, é de referir que o demandado EE invoca a inconstitucionalidade dos artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1, 609.º, n.º 2 e 662.º, n.º 1, do CPC e 483.º, n.º 1, do CC, nomeadamente se for fixada a indemnização com base no prejuízo anteriormente julgado como provado, por violação do princípio da justiça na administração dos conflitos entre privados (ínsito nos artigos 9.º, al. a) e 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP) e do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP).

Ora, sem prejuízo de se considerar tal invocação vaga, pouco percetível e insuficiente em termos de invocação de inconstitucionalidade, sempre se diga que o procedimento adotado pelo tribunal da Relação não coloca em causa qualquer um dos princípios constitucionais referidos.

Mais concretamente, o artigo 9.º, alínea a) da Constituição da República Portuguesa prevê que «[s]ão tarefas fundamentais do Estado garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam».

Por seu turno, o artigo 202.º estabelece que:
«1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.»

Finalmente, o artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República dispõe que
«[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».

           

Ora, tais princípios constitucionais não foram minimamente desrespeitados com o procedimento agora adotado, sendo que, não tendo o recorrente aprofundado de forma adequada a sua alegação, resta apenas indeferir a mesma, por falta de fundamento legal.

Assim, e porque a decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior, são os presentes recursos rejeitados, nos termos das disposições conjugadas do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal, e dos artigos 400.º, n.º 3, 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.º 3 e 432.º, todos do Código de Processo Penal, na parte respeitante à apreciação dos pedidos de indemnização civil.

Relativamente aos factos aditados pelo Tribunal da Relação, são os recursos apresentados julgados improcedentes.


IV

Dispositivo


Face ao exposto, acorda-se na ... Secção (Criminal) do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Rejeitar o recurso dos arguidos CC e FF, na parte referente às penas parcelares, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, al. f), do Código de Processo Penal,
b) Rejeitar os recursos apresentados pelos recorrentes EE, HH e GG, relativamente ao acórdão proferido a 23 de junho de 2021, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal;
c) Rejeitar o recurso do arguido EE, quanto à medida da pena única, por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal;
d) e julgar improcedente o recurso apresentado pelo recorrente CC, quanto à medida da pena única;
e) Rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto do acórdão recorrido, quanto à matéria dos pressupostos do pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e, ainda, julgar os mesmos improcedentes, na restante parte cível.


Sendo assim integralmente confirmada a decisão recorrida.

Cada recorrente é condenado em 10 UCS de taxa de justiça nos termos da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, e em 9 UCs (importância a que se refere o nº 4 do artigo 420.º do CPP).

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de março de 2023

Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator)
Dr. Sénio Alves (Juiz Conselheiro 1.º Adjunto)
Dr.ª Ana Barata de Brito (Juíza Conselheira 2.ª Adjunta)

______
[1] Transcrição do dispositivo.
[2] Transcrição do dispositivo.
[3] Referem-se a este requerimento do Arguido, apresentado em 15.05.21, todos os documentos indicados nas conclusões seguintes.
[4] Acórdão do TRL junto aos presentes autos com requerimento do co-Arguido José de Oliveira Costa, entregue via citius, em 26 de Junho de 2018, cuja jurisprudência expressamente se invoca.
[5] Leia-se, por efeito da medida da pena parcelar mais alta normativamente imposta como limite mínimo do cúmulo. 
[6] Por   lapso,  escreveu-se  na  acusação e  pronúncia HBO  quando  se   pretendia   escrever  HBA,  identificação  que  resulta clara dos documentos mencionados nesta decisão a propósito desta sociedade e foi oportunamente corrigida.
[7] Nos termos do art. 380, n.ºs 1, al. b), e 3, do CPPenal, corrigiu-se o lapso de escrita relativo ao nome da offshore, substituindo-se Manegement por Management, como consta, por exemplo, da procuração de constitui fls. 16 a 22 do doc. 19 da busca 3
[8] A que corresponde o valor de PTE 2 137 715 900$00.
[9] Nos termos do art. 380, n°s 1, ai. b), e 3, do CPPenal, corrigiu-se o lapso de escrita relativo ao valor indicado no art.° 703° da pronúncia como sendo 1.750.000,99€, diferentemente do consignado no art. 680° da mesma peça e nos documentos constantes dos anexos IV.4.20 e IV.4.21 do apenso temático AA (2o vol.), substituindo-se aquele valor pelo montante de 1.750.000,00€, que se mostra correcto de acordo com os referidos elementos.
[10] Por lapso, escreveu-se no pedido, tal como constava da acusação e pronúncia “HBO” quando devia ter sido escrito “HBA”, identificação que resulta clara dos documentos mencionados nesta decisão a propósito desta sociedade, lapso que foi corrigido relativamente à pronúncia e se deve entender extensivo ao facto supranarrado.
[11] Equivalentes a PTE 570 000 000$00.
[12] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 74, apud Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, p. 464.
[13] Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2022, processo n.º 1991/18.0GLSNT.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Orlando Gonçalves: «[c]om as alterações introduzidas pela Reforma de 2007 deixou de ser a moldura abstrata da pena, a pena aplicável, a estabelecer o critério da irrecorribilidade nas alíneas e) e f) do n.º1 do art.400.º do C.P.P., e passou a ser a pena concreta, a pena aplicada ao caso concreto.
      Da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 77/XII, que está na origem da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que introduziu nova alteração ao regime de recursos, resulta que o legislador quis com esta nova Reforma promover o equilíbrio «…entre, por um lado, a necessidade de celeridade e eficácia no combate ao crime e defesa da sociedade e, por outro lado, a garantia dos direitos de defesa do arguido», justificando a opção legislativa, no respeitante ao direito ao recurso, com a preocupação, mais uma vez, de preservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça «para os casos de maior gravidade».
[14] Nos termos constantes do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de janeiro de 2018, processo n.º 589/15.JABRG.G1.S3, «a confirmação ou dupla conforme é perfeita, quando o tribunal de recurso (Relação) mantém a pena e o tipo de crime».
[15] De acordo com o disposto no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de setembro de 2017, processo n.º 548/10.9GAMCN.P1.S1, «I – Para efeitos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, a “confirmação” não pode confundir-se com coincidência ou identidade absoluta entre as decisões das instâncias. “Confirmação” significa uma identidade essencial, mas não necessariamente total, entre as duas decisões.
II – Desde logo, não é necessária a identidade da fundamentação da condenação, ou seja, a mesma e precisa decisão pode ser fundamentada em termos diferentes.»
[16] Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de maio de 2017, processo n.º 52/15.9PEEVR.E1.S1.
[17] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de janeiro de 2018, processo n.º 589/15.0JABRG.G1.S3, relatado pelo Conselheiro Vinício Ribeiro.
[18] Processo n.º 5887/05.8TBALM.L1.S1, Relatado pelo Conselheiro João Silva Miguel, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o acórdão proferido a 2 de maio de 2018, processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Augusto de Matos, disponível em www.dgsi.pt, constando do respetivo sumário que «[s]endo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, e tendo sido integralmente confirmadas no acórdão da relação de que se recorre, verifica-se a existência de dupla conforme, pelo que as mesmas são insusceptíveis de recurso em conformidade com o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f), a contrario e art. 432.º, n.º 1, al, b), ambos do CPP.
II - Abrangidos pelo caso julgado firmado e inerente irrecorribilidade, estão igualmente as questões que se prendem com a decisão de perdimento a favor do Estado dos valores e dos veículos automóveis referidos. Abrangido pela irrecorribilidade, igualmente fica prejudicado o conhecimento das alegadas nulidades das escutas telefónicas, da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por erro notório na apreciação da prova ou por omissão de pronúncia e da alegada violação do princípio in dubio pro reo».
[19] Processo n.º 294/14.4PAMTJ.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt.
[20] Processo n.º 29/17.0GIBJA.E1.S1, relatado pela Conselheira Margarida Blasco, disponível em www.dgsi.pt.
[21] Processo n.º 809/19.1T9VFX.E1.S1, relatado pela Conselheira Helena Moniz, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Cfr. CANOTILHO, Gomes / MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 516.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de outubro de 2019, processo n.º 455/13.3GBCNT.C2.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 64/2006, de 24 de janeiro de 2006, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, 659/2011, de 21 de dezembro de 2011, relatado pelo Conselheiro João Cura Mariano e 290/2014, de 26 de março de 2014, relatado pelo Conselheiro João Cura Mariano.
[25] Processo n.º 473/16.0JAPDL.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Gabriel Catarino.
[26] Processo n.º 1042/07.0PAVNG.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Raul Borges, disponível em www.dgsi.pt.
[27] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de julho de 2007, processo n.º 2427/07, relatado pelo Conselheiro Soreto de Barros.
[28] Publicado no D.R. n.º 89, Série II, de 09/05/2013.
[29] De 3 de maio de 2021, relatado pela Conselheira Maria José Rangel de Mesquita.
[30] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de abril de 2020, processo n.º 63/17.0T9LRS.L1. S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Gonçalves, e de 6 de julho de 2022, processo n.º 77/12.6GTCSC.L1.S1, relatado pela Conselheira Helena Fazenda, disponíveis em www.dgsi.pt).
[31] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de fevereiro de 2007, processo n.º 4462/06, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
[32] De 11 de julho de 2007, processo n.º 2427/07, relatado pelo Conselheiro Soreto de Barros.
[33] De 11 de março de 2020, processo n.º 473/16.0JAPDL.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Gabriel Catarino, disponível em www.dgsi.pt.
[34] Neste sentido, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de março de 2007, processo n.º 447/07, relatado pelo Conselheiro Simas Santos.
[35] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2007, processo n.º 1243/07, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça.
[36] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de janeiro de 20015, processo n.º 3216/04, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte.
[37] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2007, processo n.º 1243/07, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça.
[38] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2007, processo n.º 1239/07, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes.
[39] Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de abril de 2005, processo n.º 3434/04, relatado pelo Conselheiro Silva Flor, bem como os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2007, processo n.º 4551/06. Relatado pelo Conselheiro Costa Mortágua, e do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de outubro de 2005, processo n.º 2642/05, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte, onde se lê que «[o] recorrente que na impugnação que apresenta junto do tribunal da Relação apenas contesta a decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto está impedido de, sob pena de rejeição, por respeitar a questão nova, suscitar em novo recurso interposto perante o STJ a questão da medida da pena». No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de janeiro de 2007, processo n.º 4093/06, relatado pelo Conselheiro Soreto de Barros, podendo ler-se no sumário respetivo que «[c]onforme resulta expressamente da lei (art. 434.º do CPP) e é inerente à natureza e finalidade do recurso, só pode integrar o seu objecto o reexame da matéria de direito e não o exame de questões novas, salvo se inerentes às colocadas ou apreciadas na decisão recorrida, ou delas decorrentes.
      VI - É, aliás, jurisprudência corrente neste STJ que, não suscitando os recorrentes no recurso para a Relação uma questão decidida na 1.ª instância, está-lhes vedado depois, no recurso interposto da decisão da Relação para o Supremo, impugnar a decisão da 1.ª instância quanto a essa questão. 
      VII - É, pois, de rejeitar, o segmento do recurso em que o recorrente vem questionar a medida da pena que lhe foi imposta, se não suscitou tal questão no recurso para a Relação.»
[40] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de maio de 2005, processo n.º 1122/05, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte, e de 23 de junho de 2005, processo n.º 1274/05, relatado pelo Conselheiro Quinta Gomes. Neste sentido, ainda, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de junho de 2005, processo n.º 3992/04, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, onde consta que «[u]ma questão que não foi objecto de conhecimento pelo acórdão recorrido é uma questão nova de que o Supremo não pode conhecer em recurso, que, como se sabe, é um meio de corrigir o que foi decidido e, não, um processo de obter decisões novas».
[41] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de junho de 2005, processo n.º 1842/05, relatado pelo Conselheiro Costa Mortágua.
[42] Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de fevereiro de 2007, processo n.º 35/07, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, onde consta que «I - Constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, o qual em processo penal se define e delimita através das conclusões formuladas na motivação de recurso.
II - Daqui decorre que o tribunal de recurso só possa conhecer as questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação do recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas ou o devessem ter sido na decisão recorrida, razão pela qual lhe está vedado pronunciar-se sobre questões que, muito embora hajam sido decididas no processo, não tenham sido objecto de conhecimento na decisão impugnada, sendo que a fazê-lo incorre em nulidade por excesso de pronúncia – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP».
[43] Processo n.º 2893/05, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte.
[44] Processo n.º 796/07, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
[45] Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de março de 2017, processo n.º 783/09.2TAPTM.E1.S1, relatado pela Conselheira Helena Moniz, bem como os de 26 de setembro de 2019, processo n.º 28/14.3TAMUR.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, em que se refere que «[s]uscitando-se, no recurso para o STJ, uma questão relativa à decisão da 1.ª instância não suscitada no recurso para o tribunal da Relação, que dela não conheceu no acórdão recorrido para o STJ, tal questão constitui uma «questão nova» sobre a qual este Tribunal não pode pronunciar» e de 18 de maio de 2017, processo n.º 85/15.5PDAMD.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Arménio Sottomayor, onde se lê que «V - Não tendo a arguida posto em causa, no recurso que interpôs para a Relação, a medida da pena fixada pela 1ª instância, tendo-se limitado a impugnar pontos da matéria de facto, a considerar não preenchidos os elementos do crime de homicídio qualificado e a defender que foi violado o princípio in dubio pro reo, a Relação não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar, sobre a medida da pena, por tal lhe não ter sido pedido. VI - No recurso para o STJ, a questão da medida da pena apresenta-se como uma questão nova não susceptível de reexame, vedado estando à recorrente suscitar o reexame de tal questão». 
[46] Recentemente, cf. a síntese de FERREIRA DA CUNHA, Maria da Conceição — As Reações Criminais no Direito Português, Porto, Universidade Católica Editora, 2022, p. 187 ss..
[47] FERREIRA DA CUNHA, / FERRA, Andreia Valadares — Em torno do princípio da proibição da reformatio in pejus. Entre Justiça e Segurança, “Revista do Ministério Público”, vol. 169, janeiro- março 2022, pp. 203-219.
[48] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de — Direito Penal, vol. I, p. 83 e Direito Penal, vol. II, p. 230, e ainda SIMAS SANTOS / LEAL-HENRIQUES — Noções de Direito Penal, cit., p. 188.
[49] Santi Romano, Glissez mortels, n’appuyez pas, no seu Frammenti di un Dizionario Giuridico, Milão, Giuffrè, 1947, p. 11.
[50] ARISTÓTELES — Ética a Nicómaco, livro V; VILLEY, Michel — Philosophie du droit. I. Définitions et fins du droit, 3.ª ed., Paris, Dalloz, 1982, p. 73 ss..
[51] JACKSON, Vicki C. — Constitutional Law in an Age of Proportionality, “The Yale Law Journal”, Vol. 124, n.º 8, junho de 2015, cujo início do significativo resumo (abstract) nos permitimos citar: “Proportionality, accepted as a general principle of constitutional law by many countries, requires that government intrusions on freedoms be justified, that greater intrusions have stronger justifications, and that punishments reflect the relative severity of the offense. Proportionality as a doctrine developed by courts, as in Canada, has provided a stable methodological framework, promoting structured, transparent decisions even about closely contested constitutional values. Other benefits of proportionality include its potential to bring constitutional law closer to constitutional justice, to provide a common discourse about rights for all branches of government, and to help identify the kinds of failures in democratic process warranting heightened judicial scrutiny. Earlier U.S. debates over "balancing" were not informed by recent comparative experience with structured proportionality doctrine and its benefits. (…)”.
[52] Cf. com a teorização de TAIPA DE CARVALHO, Américo — Direito Penal. Parte Geral, Porto, Universidade Católica Editora, 2016, p, 79 ss. $104 ss.. Taipa de Carvalho, ao contrário de Figueiredo Dias, entende que a prevenção geral já está espelhada na moldura legal. Cf. ainda Maria da Conceição Ferreira da Cunha, op. cit., p. 146 ss..
[53] Para maiores desenvolvimentos, FERREIRA DA CUNHA, Paulo — Em torno do princípio da proporcionalidade, “Revista do Ministério Público”, n.º 168, outubro-dezembro de 202, pp. 95-120.
[54] SCHWABE, Jürgen[54] (coletânea original) / MARTINS Leonardo (organização e introdução da ed. em português) — 50 Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, Montevideo, Fundação Konrad Adenauer, 2005, p. 89.
[55] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de — Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, p. 291.      
[56] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de outubro de 2012, processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[57] Mendes, Oliveira, “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 4.ª edição, anotação ao art. 379.º, página 1167.
[58] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de dezembro de 2014, processo n.º 75/07.1TBCBT.G1.S1.
[59] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 2011, processo n.º 161/09.3GCALQ.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Braz.
[60] MORRIS, Albert – Criminals of the Upperworld, in White-Collar Criminal. The Offender in Business and the Professions, ed. por Gilbert Geis, New Brunswick / Londres, Aldine Transaction, 2007, p. 35 (traduzimos).
[61] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de setembro de 2021, processo n.º 549/20.9JABRG.G1.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, disponível em www.dgsi.pt.
[62] Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de fevereiro de 2006, processo n.º 260/06, relatado pelo Conselheiro Simas Santos.
[63] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de outubro de 2010, processo n.º 72/06.4GACBT.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, disponível em www.dgsi.pt.
[64] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de fevereiro de 2006, processo n.º 260/06, relatado pelo Conselheiro Simas Santos.
[65] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de outubro de 2010, processo n.º 72/06.4GACBT.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, disponível em www.dgsi.pt.
[66] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de abril de 2002, processo n.º 02P1073, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, disponível em www.dgsi.pt
[67] Nos termos do artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a alçada dos tribunais de 1.ª instância é de € 5.000,00, sendo a da Relação de € 30.000,00.
[68] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de janeiro de 2017, processo n.º 3931/12.1TBBCL.G1.S1, relatado pelo Conselheiro João Bernardo.
[69] Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de dezembro de 2021, processo n.º 923/09.1T3SNT.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, disponível em www.dgsi.pt, citando, nesse aresto, para sustentar tal afirmação «(…) na doutrina, entre outros, Miguel Teixeira de Sousa, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), Quid Juris, 91-92, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil (novo regime – DL 303/2007, de 24-08), 2.ª ed., Almedina, 339-342, e Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., 2018, Almedina, 371-374 e Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), novembro de 2013, Quid Juris, 88-89]. Também a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a seguir um conceito de dupla conforme na sua interpretação mais ampla, abrangendo a confirmação in mellius (neste sentido, entre outros, os acórdãos de 25-01-2017, proc. n.º 1729/08.0JDLSB.L1.S1, de 24.05.2018, revista n.º 37/09.4T2ODM-B.E2.S1, de 22.03.2018, revista n.º 3705/11.7TBSTS.P1.S1, de 08.02.2018, revista n.º 22083/15.9T8PRT.P1.S1, de 27.04.2017, revista n.º 805/15.8T8PNF.P1.S1, de 19.04.2016, revista n.º 540/11.6TVLSB.L2.S1, de 07.04.2016, revista n.º 397/09.7TBPVL.G1.S1, de 04.06.2015, revista n.º 7412/08.0TBCSC.L1.S1, em www.dgsi.pt.
[70] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de julho de 2016, processo n.º 850/09.2TVLSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Bettencourt de Faria.
[71] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de maio de 2021, processo n.º 1097/16.7 T8FAR.E2.S1, relatado pelo Conselheiro Oliveira Abreu.
[72] Geraldes, Abrantes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, pág. 413. 
[73] Geraldes, Abrantes, ob. cit..