Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO (CÍVEL) | ||
Relator: | FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS INTERPRETAÇÃO DA LEI ACORDÃO FUNDAMENTO FOTOCÓPIA OMISSÃO DE FORMALIDADES REJEIÇÃO DE RECURSO REVISTA EXCECIONAL | ||
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Data do Acordão: | 11/26/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NÃO SE TOMA CONHECIMENTO DO RECURSO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, isto é, não finais, só podem ser objecto do recurso de revista no caso de se verificar uma das situações previstas nas alíneas a) e b) do CPCC;
II – A hipótese prevista na alínea a) - nos casos em que o recurso é sempre admissível - não se aplica aos casos previstos na al. d) do nº2 do art. 629º; | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e outros, instauraram no Juízo Central Cível de … acção declarativa comum contra BB e CC, pedindo a condenação dos RR, essencialmente, a: - Reconhecerem o direito de propriedade dos AA sobre o prédio urbano sito em …, que identificam; - Restituírem aos AA o dito prédio, livre de pessoas e bens; - A pagarem-lhes uma indemnização pela ocupação do prédio, que dizem abusiva e ilícita, até efectiva desocupação, bem como uma indemnização por danos morais e numa sanção pecuniária compulsória. Citados, os RR vieram juntar aos autos comprovativo de terem requerido apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e encargos, e de nomeação de patrono oficioso. Face a tal informação, foi declarado interrompido o prazo da contestação. A pretensão de apoio judiciário foi deferida, tendo sido nomeado patrono oficioso aos RR. Os RR apresentaram contestação subscrita por advogada que constituíram para os patrocinar na acção, não pelo patrono nomeado. Os AA apresentaram articulado-resposta onde, além do mais, suscitaram a intempestividade da contestação. Posição que foi acolhida no despacho de 21.10.2019, no qual a Sr.ª Juiz do Juízo Central Cível de …, julgou intempestiva a contestação e ordenou o seu desentranhamento, decisão assim justificada: “Do comportamento dos RR. é possível concluir que não pretendem beneficiar do patrocínio judiciário que haviam requerido, cessando o apoio judiciário nessa modalidade, pelo que também não podem beneficiar da interrupção do prazo para contestar prevista no art. 24.º, n.º 4, da Lei do Apoio Judiciário, norma esta que alude expressamente à modalidade de nomeação de patrono. Obtendo-se a interrupção da contagem do prazo para contestar “com base num pressuposto (a necessidade de obtenção de patrocínio oficioso) do qual se vem a fazer posterior descaso, parece-nos evidente que o benefício dessa suspensão e consequentemente prolongamento do prazo da contestação nela envolvido, perde todo o sentido, emergindo, tão-somente, um efeito que cola a uma situação de fraude à lei. Não se afirma aqui que, conscientemente, tenha sido isso o que pretenderam os RR., mas as coisas valem, neste contexto, objectivamente, pelo fruto bom ou mau que produzem, pelo efeito prático que desencadeiam, independentemente da intenção em que assentaram. Ora, seja como for – seja lá como tenha sido no caso dos RR. –, esse efeito sempre corresponde exactamente ao que por este mesmo meio teria decorrido de um propósito pré-concebido de obter ilegitimamente o prolongamento do prazo legal (normal) de contestar uma acção deste tipo. Justifica-se, pois, a opção do Tribunal a quo de neutralizar o prazo alargado de contestação, concedido que fora esse alargamento em função de uma situação que, por opção dos RR., efectivamente não ocorreu – a necessidade de adjectivar o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.10.2013, relatado por Teles Pereira, publicado in www.dgsi.pt). No caso, os RR. sustentaram apenas, ao rebater a questão da intempestividade da contestação, que o prazo foi interrompido sem condições, pelo que o benefício da interrupção se mantém mesmo no caso de a contestação vir a ser apresentada por mandatário constituído. Ora, acrescenta-se no aresto referido que «para além da injustificada situação de privilégio que seria criada (tolerada) aos RR. aceitando o respectivo entendimento, estar-se-ia a pactuar com uma actuação processual absolutamente indesejável, dada a fortíssima potencialidade que apresenta de ser motivada pelo propósito de ultrapassar normas processuais imperativas, envolvendo uma conduta processual desvaliosa, por implicar um uso de meios processuais legítimos (a formulação de um pedido de nomeação de patrono, necessariamente associada à interrupção do prazo para contestar) em função de um fim processualmente ilegítimo (obter um prazo de contestação mais largo), correspondendo neste caso a uma situação de litigância de má-fé do tipo da prevista no artigo 542º, nº 2, alínea d), do CPC.” No caso em apreço, os RR. não justificaram o seu comportamento processual, defendendo apenas que o novo prazo aproveita ao mandatário constituído porque o despacho declarou a interrupção do prazo sem condições. Ora, sendo assim, e tendo em consideração tudo o que acima se deixou escrito (sobretudo que as condições da interrupção do prazo resultam da lei e têm como pressuposto a nomeação de patrono e a necessidade de um prazo acrescido para este ter conhecimento do processo e preparar a contestação), a existência do perigo de ser propósito dos RR. aquele fim ilegítimo do alargamento do prazo para contestar (não afastada pela defesa que apresentaram, com fundamento na falta de condições restritivas da interrupção do prazo), correspondente à má fé processual comportamental, é aqui relevante, já que o efeito (ilegítimo) associado a essa finalidade seria alcançado pelos RR., a aceitar-se a respectiva contestação nas condições que aqui se configuraram. (…) Portanto, no presente caso, tendo os RR. prescindo dos patronos nomeados, ao constituírem mandatário, não podem beneficiar da interrupção do prazo prevista no artigo 24.º, nº 4, da Lei do Apoio Judiciário, pelo que tendo a contestação dado entrada mais de dois meses após a citação, a mesma é necessariamente intempestiva. Acrescenta-se, ainda, que não está em causa qualquer violação da garantia constitucional prevista no artigo 20.º do CRP, pois nunca foi negado o acesso dos RR. ao direito, tendo-lhe sido oferecidas todas as garantias que são dadas ao comum cidadão confrontado com um processo judicial, designadamente, um prazo razoável para contestar e a possibilidade de lhes ser nomeado um patrono oficioso, prerrogativa esta que, como se viu, os RR. rejeitaram. Deste despacho recorreram os RR para a Relação de …, e com sucesso, pois que aquele Tribunal deu provimento ao recurso, considerando tempestiva a contestação, decisão assim sintetizada: I - A interrupção do prazo em curso na sequência da apresentação na pendência da acção do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, a que alude o art. 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004 de 29.06, não está sujeita à condição resolutiva de o acto processual vir a ser praticado pelo patrono nomeado. II - Aproveita, assim, os efeitos da referida interrupção do prazo o réu que apresente contestação através de mandatário a quem, entretanto, conferiu mandato forense. É a vez dos AA recorrerem de revista, visando a revogação do acórdão recorrido e a manutenção da decisão da 1ª instância, por os Réus não poderem beneficiar da interrupção do prazo prevista no artigo 24º, nºs 4 e 5 da Lei do Apoio Judiciário, sendo a aludida contestação extemporânea, uma vez que deu entrada mais de dois meses após a citação. Nas respectivas conclusões, defendem, em síntese, que não tendo a contestação sido subscrita pelo patrono nomeado, mas sim por um advogado constituído, não podem os RR beneficiar do alongamento do prazo, tal como decidido nos Acórdãos da Relação de …. de 17.12.2008 (Granja da Fonseca), da Relação do …. de 13.09.2011 (António Martins), e da Relação de … de 01.10.2013 (Teles Pereira) e 25.06.2019, (Jaime Ferreira). Contra alegaram os Recorridos, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. /// Como questão prévia, importa saber se o recurso de revista é admissível. No requerimento de recurso a Recorrente limitou-se a dizer que interpunha recurso de revista para o Supremo, e embora tenha invocado o art. 672º do CPCivil não interpôs o recurso como revista excecional. O art. 672º prevê o recurso de revista excecional nos seguintes termos: “1. Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no nº3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.” Dizendo o nº 1 que a revista excecional “cabe do acórdão da Relação referido no nº 3 do art. 671º”, é fora de dúvida que o recurso do art. 672º está previsto para as situações de dupla conforme, nos termos em que é delimitada no nº 3 do art. 671, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pag. 378). Como no caso dos autos não se verifica uma situação de dupla conforme - a Relação revogou a decisão da 1ª instância - o recurso não pode ser tramitado como revista excecional. Não sendo caso de revista excecional, importa saber se o acórdão recorrido admite recurso de revista “normal” (art. 671º). Estatui este preceito: 1. Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos; 2. Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objecto de revista: a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência com ele conforme; 3. (…). 4. (…). O recurso não cabe na previsão do nº1 uma vez que a decisão recorrida não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo. O nº 2 abarca os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, isto é, não finais, que são passíveis de revista nos casos descritos nas suas duas alíneas. A hipótese prevista na alínea b) é de afastar liminarmente: a contradição jurisprudencial aí prevista é com um acórdão do Supremo e a Recorrente invoca contradição do acórdão recorrido com outros da Relação, não com um acórdão do Supremo. (neste sentido os Acórdãos do STJ de 11.02.2020, CJ AcSTJ, 1ª, pag. 68, de 30.04.2020, P. nº 1410/17, (Maria do Rosário Morgado), e a Decisão Singular do Conselheiro Oliveira Abreu, P.nº 6333/15.4T80OER.L1.S1. Resta saber se o recurso cabe na alínea a): os casos em que o recurso é sempre admissível”. O recurso é sempre admissível nas situações previstas nas alíneas a) a d) do nº2 do art. 629º, interessando-nos apenas a hipótese da alínea d): “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.” É entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência que a alínea d) do nº2 do art. 629º prevê os casos em que o recurso para o Supremo é vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento ao recurso reside em outro motivo de ordem legal, como são os recursos interpostos nos processos de jurisdição voluntária (art. 988º/2 do CPC), no processo especial de expropriação (art. 66º/5 do Cód. Expropriações), nas providências cautelares (art. 370º/2 do CPC). E que a alínea a), nº 2 do art. 671º não abrange o caso previsto na alínea d) do nº 2 do art. 629º. Neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Notas ao Novo Código de Processo Civil, II, p. 147: “a norma da alínea a) é inovadora, clarificando a relação entre as disposições sobre o objecto da revista (em matéria de decisões interlocutórias da 1ª instância apreciadas pela Relação, sem pôr fim ao processo), e as disposições em que o recurso é sempre admissível para o Supremo, independentemente do valor da causa e da sucumbência (art. 629º/2). Emerge com clareza do enunciado legal que a irrecorribilidade dos acórdãos da Relação, que apreciando decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, que não ponham fim ao processo – irrecorribilidade que resulta do nº 1 – não se aplica nos casos previstos no art. 629º, nº 2.” Assim decidiu o Acórdão deste Tribunal de 11.02.2020, supra referido: I – O objetivo da alínea d) do nº2 do art. 629º do CPC, é o de possibilitar o acesso ao 3º grau de jurisdição aos casos em que, por determinação legal, tal estaria à partida impedido (por razões estranhas à alçada); II – Pretendeu-se desse modo permitir a revista naquelas situações em que a lei, atendendo à especificidade da matéria (v.g., insolvências, procedimentos cautelares, expropriações), entendeu afastar normalmente a possibilidade de acesso a um 3º grau de jurisdição; III – Afasta-se de tal pressuposto a alínea a) do nº2 do art. 671º do CPC, e daí que a menção que nela se faz “aos casos em que o recurso é sempre admissível” não abranja o caso previsto na alínea d) do nº2 do art. 629º.recursos em E também o já citado Acórdão do STJ de 30.04.2020: “Por razões internas do regime de recursos para o STJ, deve entender-se que a norma da alínea a) do nº 2 do art. 629º do CPC não abrange a situação prevista na alínea d) do nº 2 do art. 629º, sob pena de os requisitos de admissibilidade do recurso para o STJ de uma decisão intercalar serem mais amplos do que o recurso que viesse a ser interposto de uma decisão final.” Em suma, tendo o acórdão recorrido apreciado uma decisão interlocutória, e não se verificando qualquer das hipóteses em que aquela admite recurso de revista, o mesmo não é passível de revista. Acresce que, ainda que se entendesse que o recurso cabe na previsão do art. 629º/nº2, alínea d), ex vi do art. 671º/2, a), do CPC, uma vez que é interposto com fundamento em contradição jurisprudencial, a Recorrente tinha o ónus, de indicar um acórdão fundamento e apresentar cópia, ainda que não certificada, do mesmo, sob pena de imediata rejeição (art. 637º, nº 2 do CPC). O que não fez. Pelas razões expostas, o recurso deve ser julgado extinto não se conhecendo do respectivo objecto. Sumário: I - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, isto é, não finais, só podem ser objecto do recurso de revista no caso de se verificar uma das situações previstas nas alíneas a) e b) do CPCC; II – A hipótese prevista na alínea a) - nos casos em que o recurso é sempre admissível - não se aplica aos casos previstos na al. d) do nº2 do art. 629º; Decisão. Pelo exposto, julga-se extinto o recurso, não se conhecendo do mesmo. Custas pela Recorrente. Lisboa, 26.11.2020 Ferreira Lopes (Relator) Maria dos Prazeres Beleza Olindo Geraldes Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A de 13.03., aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05. o relator declara que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo. |