Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2300/22.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: ACÓRDÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
DIREITO DE HABITAÇÃO
ADJUDICAÇÃO
EX-CÔNJUGE
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 05/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário :
Determina o artigo 613.º, n.º 1, do CPC que “[p]roferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. Já depois de proferido, nos presentes autos, em 3.04.2025 Acórdão por este Supremo Tribunal de Justiça, veio o requerido AA requerer a este Tribunal o seguinte:

Aquando do divórcio do casal, por comum acordo, foi a casa de morada de família dos ex-cônjuges, sita na Rua do ..., em ..., atribuída ao Requerido até ao decretamento da partilha dos bens comuns do casal.

Em 27 de janeiro de 2022, a Requerente intentou a presente ação de alteração do regime de atribuição da casa de morada de família contra o Requerido, ao abrigo do disposto nos artigos 1793.º, n.º 3, do Código Civil (doravante, “CC”), e 990.º, n.º 1, do Código do Processo Civil (doravante, “CPC”), peticionando a atribuição da casa de morada de família a seu favor.

Em 19 de fevereiro de 2024, foi proferida sentença nos presentes autos, que julgou procedente o pedido formulado pela Requerente, determinando a atribuição da casa de morada de família à mesma.

Sucede, porém, que a atribuição da casa de morada de família constitui uma medida de natureza provisória, destinada a regular temporariamente o uso do bem até à partilha do património comum do casal.

Paralelamente, correu termos o processo de inventário n.º 12570/22.8..., instaurado pelo ora Requerido no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízos de Família e Menores de ..., Juiz ..., que visou a partilha e a consequente extinção da comunhão de bens entre os ex-cônjuges.

No âmbito desta ação de inventário, foi proferida sentença homologatória da partilha em 28 de fevereiro de 2025 (cfr. Doc. n.º 1, que se junta e se dá por integralmente reproduzido), nos termos do artigo 1122.º, n.º 1, do CPC, tendo sido adjudicado ao Requerido o imóvel em apreço, o que ditou a extinção da comunhão conjugal sobre o bem.

A referida sentença transitou em julgado, conferindo definitividade e executoriedade à adjudicação do imóvel ao Requerido.

Com a partilha e adjudicação definitiva do bem, extinguiu-se o direito de habitação provisoriamente atribuído à Requerente nos presentes autos, cessando, consequentemente, a utilidade e o objeto da decisão anteriormente proferida nos presentes autos.

Nestes termos, deve ser declarada extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil”.

2. A requerente respondeu nos seguintes termos:

1. Por Sentença proferida nestes autos, e já transitada em julgado, foi atribuído à Requerente o direito à casa morada de família do dissolvido casal constituído pela mesma e pelo Requerido, e cujo casamento foi dissolvido por divórcio decretado em 17/10/2008 na ...ª Conservatória do Registo Civil de ....

2. Por outro lado, no âmbito dos autos de inventário, que correm termos neste mesmo Juízo sob o n.º12570/22.8..., foi adjudicado, ao Requerido, em sede da Conferência de interessados, que teve lugar no dia 27 de Abril de 2024, o imóvel onde se encontra instalada a casa morada de família do ex-casal, ou seja, o seguinte prédio:

“Prédio urbano sito na Rua do ..., da freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .89 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo .66.”

3. No âmbito dos autos de inventário - não obstante, não ter ainda o Requerido liquidado o valor das tornas que são devidas à Requerente - foi proferida Sentença, a qual, homologou o mapa de partilha, nos termos do disposto no art. 1122.º, n.º1 do CPC, e adjudicou ao Requerido e ai cabeça de casal, o referido bem imóvel.

4. Tal sentença transitou em julgado em 09/04/2025.

5. Com tais fundamentos, a que acrescenta a alegação de que a atribuição da casa morada de família constitui - e cita-se - “uma medida de natureza provisória, destinada a regular temporariamente o uso do bem até à partilha do património comum do casal”,

6. Conclui, o Requerido no requerimento junto aos autos, ao qual se apresenta a presente resposta que:

“Com a partilha e adjudicação definitiva do bem, extinguiu-se o direito de habitação provisoriamente atribuído à Requerente nos presentes autos, cessando, consequentemente, a utilidade e o objeto da decisão anteriormente proferida nos presentes autos.”

7. Peticionando, em face da argumentação apresentada, que seja extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC.

8. Não assiste, no entanto, razão ao Requerido, o qual lavra em manifesto erro de julgamento, no que respeita à natureza do direito à casa morada de família atribuído à Requerente, por Sentença proferida nestes autos, e já transitada em julgado.

9. O qual não tem natureza provisória, mas definitiva.

10. E que, como tal, subsiste para além da partilha do bem, que, em sede de processo de inventário, foi adjudicado ao Requerido.

11. Com efeito, a adjudicação do imóvel ao Requerido apenas alterou a titularidade, no que respeita à propriedade do mesmo, que deixou de ser bem de ambos, e passou a pertencer, em exclusivo, ao Requerido.

12. Uma coisa é o destino da casa morada de família, no que diz respeito à titularidade ou propriedade do imóvel, ainda que, em compropriedade ou comunhão de ambos, e outra, totalmente diferente, a regulamentação voluntária ou judicial da sua utilização.

13. Vejamos.

14. A atribuição da casa morada de família, ao contrário do que sustenta o Requerido, não tem sempre natureza provisória, e não se extingue, necessariamente, com a partilha dos bens do património comum do casal.

15. Nomeadamente, quando a mesma se encontra instalada em imóvel que integrava até à partilha o património comum do dissolvido casal.

16. Casos há, em que tal direito tem natureza definitiva, subsistindo, por isso, para além da partilha de tal bem.

17. A atribuição provisória da casa morada de família encontra-se expressamente prevista no art.931º, n.º9 do CPC, o qual estatui o seguinte:

“Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessária.”

18. Este processo difere do processo de atribuição da casa de morada de família a título definitivo previsto no artigo 990.º do CPC e nos artigos 1105.º e 1793.º do CC, que visa a definição duradoura do regime de ocupação da morada do ex-casal, a vigorar subsequentemente à decisão final de divórcio,

19. E, destinando-se, a atribuição provisória da casa morada de família apenas a acautelar a proteção da habitação de um dos cônjuges durante o processo de divórcio, ou até à partilha dos bens comuns do ex-casal.

20. Como refere Miguel Teixeira de Sousa em artigo publicado no Blog do IPPC, https://blogippc.blogspot.com/ , em Janeiro de 2017 (Jurisprudência 541) ,

“O que a referida tutela provisória assegura é uma tutela imediata dos interesses de um dos cônjuges (por exemplo, o interesse em possuir uma habitação onde possa residir), não a utilidade da decisão definitiva (relativa, por exemplo, à atribuição a um dos ex-cônjuges da antiga casa de morada da família)”,

Acrescentando que “O critério de definição do regime provisório é um critério de discricionariedade (ou de conveniência), o que nada tem em comum com o critério de decretamento de providências cautelares;

O regime provisório destina-se a vigorar até ao que seja decidido na sentença final da acção de divórcio; está excluída qualquer necessidade de confirmação da tutela provisória através de uma acção respeitante à tutela definitiva;”

21. A este propósito, veja-se ainda, SANDRA CRISTINA MARTINS MORGADO MARQUES, in “A TRANSMISSÃO DA CASA DE MORADA DA FAMÍLIA”, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, pág. 20 e seguintes, Coimbra, 2014, disponível para consulta em https://www.oa.pt/upl/%7B198b13e5-ab4f-47aa-80e3-5e9268214f88%7D.pdf, e onde se refere o seguinte:

“Com grande relevância e aplicabilidade prática, importa salientar que na inexistência de acordo dos cônjuges, prescreve o artigo 931º, nº 7 do CPC, a fixação pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento das partes e quanto tal se revelar necessário, de um regime provisório quanto a alimentos, regulação do exercício das responsabilidades parentais e utilização da casa de morada da família. Para o efeito pode o juiz, previamente, ordenar a realização das diligências que considere necessárias (cfr. Acórdão do STJ de 17/01/2013, acessível em www.dgsi.pt).

22. A propósito da distinção entre a atribuição a título provisório da casa morada de família, ou a título definitivo, veja-se, por todos, o Acórdão do STJ de 26/04/2012, igualmente, disponível em www.dgsi.pt, e onde se lê o seguinte:

“São questões diferentes, a relativa à atribuição provisória da casa de morada de família durante o período da pendência do processo de divórcio (art. 1407º, nºs 2 e 7 do CPC) e a de constituição de arrendamento da casa de morada de família, regulada, como processo de jurisdição voluntária, no art. 1413º do CC, e prevista, como efeito do divórcio, nos arts. 1793° e 1105° do CC. (...) No plano dos princípios, não disciplinando a lei, de forma específica, como efetuar a atribuição provisória da casa de morada de família (bem comum dos ex-cônjuges) na pendência do divórcio - in casu, até à adjudicação dos bens aos ex-cônjuges - nada impede, tudo aconselhando, ao invés, que nos socorramos, como pano de fundo, do regime arrendatício fixado no citado art. 1793º e dos índices de referência aí contidos”.

23. A atribuição, a título definitivo, da casa morada de família, consiste num processo de jurisdição voluntária, o qual se mostra expressamente previsto no art. 990.º do CPC, que dispõe o seguinte:

“Artigo 990.°

Atribuição da casa de morada de família

- Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.

- O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 931º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293º- Haja ou não contestação, o juiz decide depois de proceder às diligências necessárias, cabendo sempre da decisão apelação, com efeito suspensivo.

- Se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido é deduzido por apenso.”

24. Tal preceito legal terá, sempre que ser conjugado com o art. 1793.º do Código Civil, o qual estatui o seguinte:

“ARTIGO 1793.°

(Casa de morada da família)

Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.

3 - O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.”

25. Como se sustenta no Acórdão da Relação do Porto de 27.03.2023, disponível no seguinte link https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/06d854b6593f1fe3802589b b002e08f2?OpenDocument, a finalidade deste processo é a definição, com carácter duradouro, do regime de utilização da casa de morada de família, e distingue-se da providência destinada a estabelecer um regime provisório para essa utilização, com duração limitada ao período da pendência do processo de divórcio”.

26. O Tribunal Constitucional no Acórdão n.º127/13 proferido no Proc. n.º 672/2012, no qual julgou não inconstitucional o artigo 1793.º, n.º 1 do CC, na parte em que, em caso de divórcio, permite a constituição, por decisão judicial, de uma relação de arrendamento da casa de morada da família a favor de um dos ex-cônjuges, quando o imóvel seja um bem próprio do outro cônjuge e contra a vontade deste, fundamentou-se, na parte que aqui releva, nos seguintes termos:

“Emerge da relação conjugal e da constituição do bem como “casa de morada de família”, qualidade em que o sujeito que vê a sua esfera jurídica afetada voluntariamente ingressou e situação para que contribuiu, e que tem como beneficiários o outro cônjuge e os filhos. De acordo com o regime legal em que o segmento normativo agora questionado se insere e da qual não pode ser isolado para compreensão da questão que neste recurso é colocada, esta específica vinculação da propriedade só existe por causa da família e poderá deixar de subsistir quando circunstâncias supervenientes o justificarem. Na verdade, é da essência do vínculo conjugal - só desse modo de constituição da família aqui cuidamos - afetar a situação pessoal e patrimonial dos cônjuges, gerando direitos e deveres que podem perdurar para além da sua dissolução, designadamente em matéria de alimentos, que é o efeito mais próximo daquele que agora analisamos. Nesta perspetiva, que é a que corresponde à razão determinante da medida legislativa em causa, trata-se de norma conformadora do estatuto jurídico de um bem (aquele em que a família estabeleceu o centro da vida familiar) por ter sido afetado pelos cônjuges a uma determinada finalidade que se entende exigir proteção especial, no contexto da relação familiar e por causa dela, mesmo depois da dissolução do vínculo. Não se trata de um sacrifício imposto ao titular em nome de uma genérica hipoteca social da propriedade, mas de manter uma situação emergente dos efeitos do casamento e que vai para além dele. Aliás, os direitos de cada um dos cônjuges sobre o bem em que o casal estabelece o centro da vida familiar sofrem compressão noutros aspetos, designadamente, na alienação ou oneração (artigo 1682º-A do CCv), na disposição do direito ao arrendamento (1782º-B) do CCv).

Assim, encontrando legitimação na defesa de um elemento constitucionalmente proclamado como elemento fundamental da sociedade, sendo meio idóneo a prosseguir essa finalidade e de modo algum podendo ser acusada de “reduzir a nada” os poderes de disposição, fruição e utilização, a solução normativa questionada não viola a garantia constitucional do artigo 62º da Constituição. É uma norma de vinculação da propriedade, mas enquanto incidente sobre um bem em especial e de um tipo de proprietário e beneficiário: a casa de morada de família e o ex-cônjuge relativamente ao outro. Cabe, atendendo à imposição constitucional de proteção da família, nos poderes de determinação legislativa do conteúdo da propriedade “nos termos da Constituição”»

27. Como se deixou sumariado no Acórdão da Relação de Guimarães de 17.09.2020

“(…)

IV - O processo de jurisdição voluntária de atribuição da casa de morada de família, não se

caracteriza pela provisoriedade que é própria do incidente de atribuição da casa de morada de

1 Cfr. Nota de rodapé n.º43, pág. 29, da Dissertação de Mestrado de Sandra Morgado Marques, supra citada.

2 Cfr. Acórdão disponível para consulta no seguinte link https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/8977d540d02324a1802585ed004b890 d?OpenDocument família na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, podendo tal atribuição ser, apenas, alterada, conforme previsto no n.º 3 do artigo 1793º do Código Civil, o que é próprio dos processos desta natureza (art. 988.º do CPC).” - sublinhado nosso.

28. No caso dos presentes autos, Requerente e Requerido subscreveram em 12/08/2008, ou seja, em data anterior ao seu divórcio, um documento destinado a regulamentar o destino da casa morada de família, do seguinte teor:

“BB e AA, pretendendo divorciar-se por mútuo consentimento, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º1 do art. 1419.º do Código de Processo Civil, alínea f) do n.º1 do artigo 272.º do Código de Registo Civil e alínea b) do n.º1 do art.5.º do DL 272/01, de 13.10, relativamente ao destino da casa morada de família, sita na Rua do ..., ..., acordam, entre si, o seguinte:

A casa de morada de família sita na morada supra indicada fica durante o período da pendência do processo de divórcio adstrita à habitação própria, permanente do Requerente marido e até à partilha dos bens comuns do casal. Em virtude da utilização exclusiva da habitação, o Requerente marido assume sozinho o pagamento da prestação mensal relativa ao crédito hipotecário, que incide sobre o imóvel em causa.”

29. Por via, de tal acordo, pretenderam assim os ex-cônjuges - ora Requerente e Requerido -regular a utilização da casa morada de família, durante a pendência do seu processo de divórcio e até que os bens comuns do casal fossem partilhados.

30. Sucede, que em 27/01/2022, a Autora deu entrada em Tribunal da presente acção de Alteração do Regime de Atribuição da Casa Morada de Família, pedido que fundamentou no disposto nos art. 990.º do CPC e 1793.º, n.º3 do CPC, invocando uma alteração de circunstâncias supervenientes à outorga do acordo de atribuição da casa de morada de família assinado pelos ex-cônjuges,

31. Nomeadamente, o facto do Requerido ter deixado de residir no imóvel, pretendendo a Requerente habitar no imóvel com a filha de ambos, por ser quem dela mais carecia, atendendo ao facto da sua condição financeira ser manifestamente inferior à do Requerido, e requerendo que a renda que viesse a ser fixada fosse de valor simbólico, a fim de repor alguma equidade na situação de ambos os ex-cônjuges.

32. Por Sentença proferida nestes autos, e já transitada em julgado, foi atribuída a casa morada de família à Requerente, tendo, o Tribunal optado por não fixar uma renda, mas estabelecer como contrapartida que assegurasse a Requerente sozinha o pagamento da prestação mensal relativa ao crédito hipotecário que incide sobre o imóvel em causa.

33. Em consequência do acordo escrito celebrado entre as partes quanto ao destino da casa morada de família do ex-casal, e que foi junto aos autos pela Requerente com a Petição Inicial como doc. n.º2, não poderão subsistir dúvidas, que, por força do mesmo, foi atribuído ao Requerido a casa morada de morada de família, a título provisório.

34. Tal atribuição viria a cessar antes da data da partilha, por força da decisão proferida nestes autos, e que atribuiu tal direito à Requerente,

35. Mas sendo a natureza do mesmo, desta vez, não provisória, mas definitiva.

36. É o que resulta da leitura conjugada do pedido formulado pela Requerente em sede dos presentes autos, da causa de pedir em que fez assentar o mesmo, e das normas legais em que fundamentou o seu pedido: o artigo 990.º do CPC e o art. 1793.º, n.º3 do Código Civil.

37. A considerar haverá, ainda, o teor da sentença proferida nos mesmos autos, a qual deferiu o pedido da Requerente, estabeleceu o valor da contrapartida a suportar pela mesma pela utilização da casa morada de família, mas não fixou a duração de tal utilização, ou seja,, do seu direito a utilizar a casa morada de familia.

38. Pelo que, não tendo tal direito natureza provisória, conforme sustentado pelo Requerido, mas definitiva, não se extinguiu com a adjudicação do imóvel onde a casa está instalada ao mesmo, em sede de partilha, tal direito concedido à Requerente judicialmente.

39. Com efeito, e como se sustenta no Acórdão do STJ de 08/05/2013, disponível para consulta no seguinte link https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2013:1064.11.7TBSYM.P1 .S1.0B?search=kim7XyO1 MK6s 1R4SPSE:

7 - O direito constituído por acordo feito no processo de divórcio por mútuo consentimento entre a ré e o seu ex-marido que teve por objecto a utilização da casa de morada de família, destinando esta à habitação da ré tendo em conta (e por medida) as suas necessidades e da sua família ao tempo em que o divórcio foi decretado, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação (arts. 1484.º, 1485º e 1490º CC). II - Este direito não se extinguiu com a transferência do direito de propriedade sobre o imóvel para os autores: por um lado, porque o direito de propriedade se transmitiu para a sua esfera jurídica onerado ou limitado pelo direito de habitação anteriormente constituído a favor da ré; por outro lado, porque no título constitutivo do direito de habitação, que foi o acordo referido em I), homologado pela sentença proferida na

acção de divórcio, nada se dispôs, quer acerca do seu tempo de duração, quer sobre os factos conducentes à respectiva extinção.”

Pelo Que,

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa., doutamente suprirá, deverá ser indeferida a pretensão do Requerido, quanto à extinção da presente instância, por inutilidade superveniente da lide”.


*


Determina o artigo 613.º, n.º 1, do CPC que “
[p]roferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.

De acordo com o disposto n.º 2 do mesmo preceito, pode, porém, haver lugar à arguição de nulidades nos termos do artigo 615.º do CPC.

Estas disposições são aplicáveis no âmbito do recurso de revista, ex vi dos artigos 666.º, n.ºs 1 e 2, e 685.º do CPC.

No caso em concreto, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, nos presentes autos, por Acórdão de 3.04.2025, não tendo sido arguidas nulidades.

Com a prolação do Acórdão de esgotou-se definitivamente o poder jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça.


*

DECISÃO

Pelo exposto, não se conhece do presente requerimento.


*

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

*

Lisboa, 28 de Maio de 2025

Catarina Serra (relatora)

Carlos Portela

Orlando Nascimento