Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14565/18.7T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO RECORRENTE
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA
Data do Acordão: 10/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC.

II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto.

III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.

IV – Quer o Direito Comunitário, quer o Código do Trabalho permitem a transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica.

V – Neste caso, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores.

VI - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados, e não apenas de meios materiais, que constitua uma unidade produtiva desde que dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.

Decisão Texto Integral:


Processo 14565/18.7T8PRT.P1.S1

*

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1.

AA intentou a presente acção com proceso comum contra MEO – Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A.,  e SUDTEL Tecnologia, S.A., pedindo:

a) Seja declarada a ilicitude da transmissão de estabelecimento, pelo menos na medida em que determinou a transmissão da posição de empregador da A. da 1.ª Ré para a 2.ª Ré;

b) Seja declarado que a 1.ª Ré é o empregador da A;

c) Seja a A. reintegrada na 1.ª Ré, contabilizando-se o tempo de serviço prestado na 2.ª Ré como se o tivesse sido para a 1.ª Ré para todos os efeitos legais e sem prejuízo da antiguidade e condições de trabalho consolidadas na esfera da A. anteriores à transmissão de estabelecimento, bem como daquelas que se constituiriam caso a A. se tivesse mantido ao serviço da 1.ª Ré, nomeadamente para efeitos de avaliação, progressão e remuneração ou atribuição de quaisquer complementos remuneratórios;

d) Seja a 1.ª Ré condenada a pagar à A. a quantia de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais;

e) Seja a 1.ª Ré condenada no pagamento dos respectivos juros de mora calculados à taxa legal em vigor.

Alega[1] que foi admitida ao serviço da Portugal Telecom, S.A., por contrato de trabalho a termo, em 1.8.1996, para prestar tarefas de atendimento telefónico, situação que se manteve até 1.8.1998, altura em que foi dispensada e a relação de trabalho existente cessou.

Na sequência de decisão judicial que considerou ilícito o despedimento e que determinou a sua reintegração, a A. voltou aos quadros da Portugal Telecom, S.A., na condição de contratada por tempo indeterminado, com efeitos a 1.8.1996.

Em setembro de 2004, a Portugal Telecom, S.A. alterou a sua denominação para MEO, S.A.

Em 7.7.2017, a 1.ª Ré emitiu duas declarações nas quais reconhecia, àquela data, que a A. pertencia aos seus quadros desde 1.8.1996, tendo a categoria profissional de Técnico Superior.

Em 2011, a A. passou para a D... para o departamento que à época tinha o nome de P..., Departamento que, dedicado à área da formação/certificação, foi, ao longo do tempo, sofrendo alterações, não apenas na denominação, mas também no desenvolvimento da atividade respetiva, bem como no elenco dos trabalhadores que o compunham, e que manteve este nome até 30.4.2014.

Entre 1.5.2014 e 30.9.2015, este Departamento passou a ser C...; entre 1.10.2015 e 31.12.2016, C...; entre 1.1.2017 e 30.6.2017, D...; e, por fim, entre 1.7.2017 e 21.7.2017, foi Centro...

Ao longo destes anos a 1.ª Ré tem vindo a desenvolver a área de formação/certificação, alargando os meios afetos e a amplitude da respetiva atividade.

Até 2015, a atividade de formação/certificação da 1.ª Ré consistia em submeter os trabalhadores técnicos (da 1.ª Ré e das empresas subcontratadas pela 1.ª Ré) a um conjunto de exercícios de simulação e resolução de problemas. No final da formação, e em caso de avaliação positiva, a 1.ª Ré emitia um certificado atestando a capacidade técnica dos trabalhadores avaliados, num processo interno - e não reconhecido fora do universo da 1.ª Ré - de certificação de competências, que esta mantinha através de procedimentos da sua total responsabilidade.

Em julho de 2015, e após um pedido efetuado junto da D..., esta reconheceu formalmente o departamento de formação/certificação da 1.ª Ré como uma entidade formadora certificada, passando aquele departamento a poder ministrar formação reconhecida pela D... nas áreas de Desenvolvimento Pessoal (formação comportamental), Eletrónica e Automação (formação técnica) e Segurança e Higiene no

Trabalho.

A partir do momento em que a D... reconheceu à 1.ª Ré a qualidade de entidade formadora, passou, então, a haver dois tipos de formação/certificação na empresa: uma formação/certificação interna, dedicada à capacitação técnica dos trabalhadores da 1.ª Ré nas respetivas áreas de trabalho e das empresas subcontratadas pela 1ª Ré, não certificada pela D... e que já vinha sendo prestada na empresa; e uma formação ampla para trabalhadores com e sem vínculo à 1.ª Ré, certificada pela D... e baseada no catálogo de qualificações da ANQ.

Os trabalhadores da área de formação/certificação (onde se incluía a A.) estavam agrupados no C... -, organizados em três departamentos distintos: D...; e D..., encontrando-se dispersos por vários pontos do país, em locais de trabalho da 1.ª Ré, assegurando as competências técnicas, de segurança e comportamentais exigidas aos técnicos, através de procedimentos que lhes permitiam identificar as necessidades formativas dos colaboradores da 1.ª Ré e garantir a formação adequada, contando para o trabalho de gestão e planeamento da formação com uma aplicação informática denominada ....

Todos os trabalhadores da 1.ª Ré afetos à área de formação/certificação respondiam  a BB, líder do C..., e CC, chefia da  G...

Enquanto colaboradora afeta ao departamento de formação/certificação, cabia em concreto à Autora a organização da formação de acordo com o registo do portal ET dos técnicos que necessitavam de formação, planeando e assegurando a realização das ações de formação (reserva de salas, organização das turmas dos formandos, agendamentos dos técnicos em ET, envio de convocatórias para as formações, registo de presenças), sendo ainda da sua responsabilidade a elaboração dos relatórios finais de formação a enviar às chefias e a emissão dos certificados de formação consoante se tratasse de formação interna ou de formação certificada pela D....

A Autora prestava as suas funções no n.º... ..., sob as orientações diretas de DD, cujo local de trabalho ficava na Rua... ..., e BB, chefia do C... e colocada em ....

Para o desempenho das suas tarefas, a Autora tinha à disposição um conjunto de instrumentos de trabalho, como um computador, um telefone, uma impressora, e todo o mobiliário de escritório necessário, e acesso ao portal ET, a aplicação informática que constitui o principal instrumento de trabalho da área de formação/certificação da 1.ª Ré.

No local de trabalho da Autora. (n.º... ...) funcionava, não apenas o seu departamento (Centro...), mas também outros departamentos da 1.ª Ré. Entre eles o S..., que também pertencia ao C...), o que implicava, necessariamente, uma relação de proximidade entre estes departamentos e os trabalhadores que os compunham.

Em 1.7.2017, a 1.ª Ré procedeu a uma alteração da sua organização interna, tendo fundido num único departamento (Centro...) três departamentos existentes  anteriormente: os departamentos D...; D...; e D--- - D..., que deram lugar a um departamento apenas, denominado Centro...

Este Centro... continuou a ter como chefia BB do C... - e, acima desta, EE – Gestão, D... - tendo se mantido integrado na D..., presidida por FF.

Passaram a integrar o Centro... os trabalhadores GG, HH, II, JJ, KK e AA (aqui A.), chefiados por DD, do D...; LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS e TT, chefiados por UU, do D...; e VV e WW, chefiados por XX, do D--- - D....

Para além destes trabalhadores, que vinham de departamentos distintos dentro da D... -, a chefia BB contava com a assessoria direta de YY e ZZ, que também passaram a integrar o Centro... criado em 1.7.2017.

Os trabalhadores AAA (colocado em ...), BBB e CCC (colocadas em ...), que pertenciam ao D... -, não transitaram para o novo departamento denominado Centro..., sem que sejam claras as razões e os critérios pelos quais a 1.ª Ré decidiu proceder desta forma.

Como já antes sucedia nos três departamentos da formação/certificação, os trabalhadores do Centro... estavam colocados em diferentes locais de trabalho (..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...) e tinham tarefas distintas, que iam desde as funções da Autora (tarefas administrativas relacionadas com a gestão e planeamento dos cursos de formação) à responsabilidade por ministrar cursos de formação (por exemplo, JJ) ou proceder a inspeções nas áreas técnica, de segurança e comportamental (por exemplo, GG).

No entanto, a constituição do Centro... em 1.7.2017, correspondendo a uma reorganização de pessoal e funcional decidida pela 1.ª Ré, veio a coincidir com a paralisia da atividade de formação/certificação, pelo menos de acordo com a experiência da Autora, que desde a data de criação do Centro... deixou de realizar as tarefas habituais, não tendo intervindo em nenhum processo de formação/certificação na sua área até à transmissão de estabelecimento que a envolveu e determinou a saída para a 2.ª Ré.

Em 29.6.2017, e apelando ao disposto nos arts. 285.º e ss. do CT, a 1.ª Ré comunicou aos delegado sindicais dos respetivos locais de trabalho uma reorganização funcional, no contexto da qual a “MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A.

(“MEO ou “Transmitente”) se encontra num processo de compra e venda da unidade económica autónoma correspondente à atividade de desenvolvida pelo “Centro...” como sumariamente se descreve, o serviço de certificação de técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental, garantindo a respetiva competência na cadeia de rede – a “Actividade Relevante” -, a qual será incorporada na sociedade SUDTEL TECNOLOGIA, S.A.”

Esta missiva veio acompanhada de uma listagem com o nome dos 22 trabalhadores envolvidos na transmissão de estabelecimento entre as RR., onde se inclui o da Autora.

Do elenco daqueles trabalhadores não consta o nome dos três trabalhadores (AAA, BBB e CCC) que pertenciam à área de formação/certificação – estavam integrados no D... – mas não haviam passado para o Centro... quando este foi criado em 1.7.2017.

Nenhum elemento, material ou imaterial, acompanhou os trabalhadores na transmissão de estabelecimento negociada entre as RR., sendo certo que a Autora (e os seus colegas transmitidos), para cumprirem as suas tarefas, continuaram a depender totalmente da 1.ª Ré, usando as suas instalações e instrumentos de trabalho, sob a sua direção e em seu benefício.

Em resposta à comunicação remetida pela 1.ª Ré em 29.6.2017, a Autora enviou, em 13.7.2017, uma missiva com um conjunto de dúvidas e objeções ao negócio da transmissão e respetivas consequências, tendo a 1.ª Ré respondido em poucas palavras e com a conclusão que “se encontram totalmente preenchidos e verificados os requisitos legais de que depende a transmissão de estabelecimento, pelo que não podemos deixar de refutar liminarmente as considerações aí efectuadas”.

Por seu turno, o sindicato da Autora (SNTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações) também enviou missivas à 1.ª Ré nos dias 13.7.2017 e 21.7.2017, dando conta da insuficiente informação prestada sobre o negócio da transmissão e as muitas dúvidas que se lhe colocavam acerca da sua licitude.

Da 1.ª Ré, a Autora e o seu sindicato não receberam qualquer resposta que tenha  efetivamente tornado mais claras as questões antes colocadas.

Em 18.7.2017, as organizações representativas dos trabalhadores (onde se incluía o sindicato da Autora, o SNTCT) requereram junto da D... a abertura de um processo de prevenção de conflitos que tinha como objeto as transmissões de estabelecimento efetuadas pela 1.ª Ré. Após três reuniões, foi decidido pelo conciliador encerrar o processo, tendo aberto de imediato um outro, que junta a 1.ª Ré e todas as outras empresas  envolvidas nos negócios das transmissões.

A 1.ª Ré recusou sempre prestar os esclarecimentos solicitados, designadamente aqueles que inquiriam sobre os motivos da escolha de determinados trabalhadores e departamentos e não outros, não tendo nunca revelado o teor dos contratos assinados com as transmissárias e que regulavam a transmissão de estabelecimento, o que poderia ajudar a explicar as circunstâncias do negócio.

Em reuniões na D..., a 1.ª Ré assumiu sempre uma postura de total indisponibilidade para tornar mais clara uma transmissão de estabelecimento cuja fundamentação desde o início revelava vícios e incongruências.

As intervenções da 1.ª Ré ao longo dos processos de prevenção de conflitos refugiaram-se, tal como na correspondência escrita, num discurso formalista, esquemático, repleto de frases compostas, mas que deixa por esclarecer os aspetos fundamentais da transmissão.

A explicação da 1.ª Ré não permitiu nunca perceber em concreto as razões pelas quais considerava que os 22 trabalhadores transmitidos constituíam uma unidade económica para efeitos do disposto no art. 285.º do CT.

Ao mesmo tempo que requereram a abertura de um processo na D..., as organizações representativas dos trabalhadores requereram à ACT que esta averiguasse os termos da transmissão de estabelecimento.

Também a ACT proferiu relatório em 25.8.2017, no qual, no que toca à transmissão de estabelecimento, se refere, por um lado, que não foi recolhida matéria de facto suficiente para apreciar convenientemente a eventual prática de contra-ordenações, deixando para as instâncias judiciais uma eventual declaração de invalidade do negócio da transmissão, e, por outro, que as empresas adquirentes não cumpriram o dever de informação previsto no art. 286.º do CT, tendo decidido aplicar-lhes sanções.

As organizações representativas dos trabalhadores solicitaram ainda a intervenção do Parlamento sobre as transmissões de estabelecimento negociadas pela 1.ª Ré no início do verão de 2017, tendo reunido com a Comissão de Trabalho e Segurança Social da Assembleia da República, onde apresentaram e discutiram propostas de alteração ao regime da transmissão de estabelecimento previsto no Código do Trabalho.

Posteriormente, a Lei 14/2018, de 19 de março, aprovada pelo Parlamento, veio alterar o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento, com alteração dos artigos 285.º e 286.º do CT.

As organizações representativas dos trabalhadores requereram igualmente audiências ao Primeiro-Ministro e ao Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, tendo igualmente sido contactado o Provedor de Justiça para que se pronunciasse sobre a transmissão de estabelecimento que se considerava - e considera - um ato abusivo por parte das RR.

O negócio de transmissão de estabelecimento das RR. teve grande impacto mediático, com diversas notícias e reportagens nos principais meios de comunicação social nacionais, para além de variadas ações de contestação (greve, manifestação, concentrações, plenários, etc.) com dimensão pública e publicitada.

Porém, apesar da forte oposição demonstrada pelos trabalhadores e pelas entidades que os representam, a anunciada transmissão de estabelecimento da 1.ª para a 2.ª Ré ficou concluída em 22.7.2017, tendo a Autora acabado por se apresentar ao serviço da 2.ª Ré no dia 24.7.2017, comparecendo, conforme as ordens que lhe foram dadas, num local bem conhecido, o Edifício da MEO no n.º... ..., onde ocupou o mesmo lugar no ... piso, usando o mesmo computador, o mesmo telefone, sentada à mesma secretária na mesma uma cadeira, e com acesso a todas as aplicações informáticas necessárias para desenvolver o seu trabalho na área de formação/certificação, designadamente o portal ET, e para desempenhar as tarefas - que já antes desempenhava no departamento em que estava inserida na 1.ª Ré - de identificação no portal ET dos técnicos que necessitam de formação, assegurando e planeando a realização das ações de formação (reserva de salas, organização das turmas dos formandos, agendamentos dos técnicos em ET, envio de convocatórias para as formações, registo de presenças), cabendo-lhe igualmente a elaboração dos relatórios finais das formações e envio dos certificados respetivos aos trabalhadores e chefias, como se não tivesse havido qualquer transmissão e a Autora ainda estivesse a trabalhar por conta e no interesse da 1.ª Ré.

A Autora manteve como chefia imediata na 2.ª Ré DD, que também foi envolvido na transmissão de estabelecimento negociada entre as RR.

Esta chefia direta da Autora responde, por sua vez, às instruções de DDD, EEE e FFF, a cúpula da 2.ª Ré na área de atividade da Autora, que, por seu turno, respondem a colaboradores da 1.ª Ré que até há bem pouco tempo eram colegas e chefias da Autora, como é o caso de BB ou CC.

Por vezes, acontece ainda que a Autora recebe indicações quanto às suas funções diretamente da 1.ª Ré.

A Autora tem como colega de trabalho no n.º... ..., VV, com as mesmas funções e integrado na mesma área de atividade, e LL e GGG, também afetos à formação/certificação mas com tarefas de formadores, que também foram transmitidos para a 2.ª Ré no negócio que envolveu a Autora, estando sujeito à mesma cadeia hierárquica.

No seu local de trabalho, há trabalhadores pertencentes ao quadro da 1.ª Ré, que prestam serviço em áreas de negócio distintas, mas cujas tarefas estão relacionadas com a atividade desempenhada pela Autora (formação/certificação), como ocorre com HHH, chefia da OBB – Operações Cliente B2B, que contacta com o departamento da A. para indicar os trabalhadores que necessitam de formação.

Como se pode ler na missiva de 29.6.2017 enviada pela 1.ª Ré, a unidade económica a transmitir incluía os estabelecimentos de ..., ... e ..., sendo certo que, no entanto, nenhum dos trabalhadores transmitidos estava colocado nos ... ou na ....

Segundo é do conhecimento da Autora, as chefias responsáveis pela área daformação e certificação nos ... e na ... eram respetivamente III (pertencente ao S... – Operações ...) e ... (pertencente ao S... - Operações ...).

Porém, estes dois colaboradores (ou quaisquer outros com tarefas relacionadas com a área da formação/certificação dos ... ou da ...) não integraram o Centro... criado em 1.7.2017, tendo-se mantido inseridos nos seus anteriores departamentos, não tendo igualmente sido incluídos no grupo de trabalhadores cujos contratos de trabalho foram transmitidos para a 2.ª Ré pelo negócio de transmissão de estabelecimento celebrado entre as RR.

Desempenhando, segundo a própria 1.ª Ré, tarefas de formação/certificação, os estabelecimentos dos ... e da ... foram transmitidos sem qualquer trabalhador e sem que se conheçam quaisquer outros elementos, corpóreos ou não corpóreos, que tenham sido transmitidos.

Tal como anteriormente, quando era trabalhadora do quadro da 1.ª Ré, a Autora continua a receber comunicações desta dirigidas aos seus colaboradores, seja a respeito de questões de funcionamento interno da empresa, mensagens relativas a períodos festivos ou novas promoções de produtos de acesso exclusivo a funcionários da 1.ª Ré.

Refere que o trabalho prestado pela Autora na 2.ª Ré está totalmente enquadrado e orientado pela atividade e direção da 1.ª Ré. A diferença para a sua situação laboral anterior à transmissão prende-se apenas com a introdução de níveis intermédios de chefia da 2.ª Ré, mantendo-se todos os outros aspetos da prestação de trabalho tal como esta era desempenhada ao serviço da 1.ª Ré.

Mais refere que o processo de transmissão de estabelecimento entre as RR, com tudo o que implicou de alterações na sua condição profissional, desde logo com a passagem de uma grande empresa como a 1.ª Ré para uma pequena empresa como a 2.ª Ré, vendo no seu horizonte a perda de um conjunto de benefícios e direitos importantes, como o plano de saúde ou o enquadramento num acordo coletivo de trabalho, e a ameaça mais presente de vir a perder o emprego, atendendo ao volume de negócio e estrutura empresarial da 2.ª Ré, provocou à Autora grande ansiedade e perturbação, deixando-a psicologicamente afetada, tendo passado muitas noites mal dormidas e acumulado discussões e problemas familiares desde a data da transmissão, o que a levou a consultas médicas e a tomar medicação. Até porque a Autora, ao não compreender os critérios usados pela 1.ª Ré para escolher os trabalhadores transmitidos, se considera vítima de um processo discriminatório, o que a faz sentir-se perseguida, humilhada e triste.

Em termos de aplicação do direito, alude ao art.º 286.º-A - que veio prever e regulamentar o direito de oposição do trabalhador nas situações de transmissão de estabelecimento.

Não reclamando a aplicação do novo regime da transmissão de estabelecimento, aprovado já depois do negócio de transmissão celebrado entre as RR., pretende salientar o sentido da alteração do texto da lei.

Com a alteração introduzida pela Lei 14/2018, de 19 de março, pretendeu-se, conforme se pode ler no sumário respetivo, reforçar os direitos dos trabalhadores, tornando mais claras e concretas certas passagens da lei, nomeadamente no que respeita à noção de unidade económica, ao mesmo tempo que, de forma original e inovadora, se veio atribuir expressamente aos trabalhadores envolvidos em determinada transmissão de estabelecimento um direito de oposição à transmissão para o adquirente da posição do empregador.

Considera que, sendo certo que o direito de oposição à transmissão pode encontrar fundamento em diversos fatores, a redação do n.º 1 do art. 286.º-A aponta para um objetivo seguido pelo legislador de travar a transmissão para o adquirente da posição do empregador quando essa sub-rogação legal - que visa proteger a situação do trabalhador envolvido na transmissão de estabelecimento - se revela prejudicial para o trabalhador transmitido. Esta preocupação é amplamente justificada, atendendo aos variados casos ocorridos em que a transmissão de estabelecimento vem surgindo como uma solução jurídica para operações de externalização e terciarização do trabalho em grandes empresas como a 1.ª Ré, funcionando aquela que seria uma garantia dos trabalhadores nos processos de transmissão de estabelecimento (a integração dos seus contratos na unidade económica transmitida) em seu desfavor, ou seja, levando a que, com a mudança ope legis para um empregador com menores condições de trabalho e financeiras, o trabalhador fique numa situação mais desfavorável em relação àquela em que se encontrava antes da transmissão.

Refere que, quanto ao dever de informação que se impunha às RR., nos termos do disposto no n.º 1 do art. 286.º do CT (na versão à data dos factos), houve várias tentativas por parte da Autora e das entidades representativas dos trabalhadores, nomeadamente os sindicatos, de obter mais informação acerca do negócio da transmissão de estabelecimento entre as RR., através de interpelações diretas à 1.ª Ré, mas também no âmbito do processo de conciliação na D... e do processo aberto pela ACT.

No entanto, a 1.ª Ré recusou sempre prestar os esclarecimentos solicitados, designadamente aqueles que inquiriam sobre os motivos da escolha de determinados trabalhadores e departamentos e não outros, não tendo nunca revelado o teor do contrato assinado com a 2.ª Ré que regulava a transmissão de estabelecimento e que poderia ajudar a explicar as circunstâncias do negócio. Em reuniões na D..., a 1.ª Ré assumiu sempre uma postura de total indisponibilidade para tornar mais clara uma transmissão de estabelecimento cuja fundamentação alegada desde o início revelava vícios e incongruências. As intervenções da 1.ª Ré ao longo dos processos de prevenção de conflitos refugiaram-se, tal como na correspondência escrita, num discurso formalista, esquemático, repleto de frases compostas, mas que deixa por esclarecer os aspetos fundamentais da transmissão. A explicação da 1.ª Ré não permitiu nunca perceber em concreto as razões pelas quais considerava que os 22 trabalhadores transmitidos constituíam uma unidade económica para efeitos do disposto no art. 285.º do CT.

Nesta medida, entende que tem de se considerar incumprido o dever de informação previsto no n.º 1 do art. 286.º do CT.

Esse incumprimento, bem como a indisponibilidade da 1.ª Ré para prestar esclarecimentos de forma a tornar claras as questões relativas a estas transmissões de estabelecimento, escudando-se em argumentos formais, evidenciam o seu carácter fraudulento, contribuindo de sobremaneira para criar a convicção de que o objetivo desta transmissão era, acima de tudo, fazer cessar os contratos dos trabalhadores abrangidos - entre os quais a Autora - mas de forma a que a 1.ª Ré pudesse continuar a usufruir da sua prestação de trabalho sem, no entanto, que tivesse as obrigações inerentes à qualidade de empregador.

Quanto ao preenchimento do requisito da unidade económica, entende que o mesmo também não se encontra preenchido, uma vez que a Autora e os seus colegas que foram transmitidos para a 2.ª Ré foram a única parcela da unidade económica, que era o recém-criado Centro... Ré, que foi objeto do negócio de transmissão de estabelecimento em discussão nos autos.

Só considerando que esses 22 trabalhadores transmitidos poderiam constituir, por si só, uma unidade económica autónoma, estável e capaz de manter a sua identidade após a transmissão é que se poderia admitir ponderar sobre a licitude da transmissão de estabelecimento que envolveu a Autora. No entanto, essa ponderação fica irremediavelmente prejudicada quando se percebe que os 22 trabalhadores que foram transmitidos são apenas uma parte da unidade económica constituída pelo Centro..., como se comprova pelo facto de a Autora e os seus colegas transmitidos, para cumprirem as suas tarefas, continuarem a depender totalmente da 1.ª Ré, usando as suas instalações e ferramentas de trabalho, num quadro de orientação e supervisão da sua anterior entidade empregadora, que é, afinal, a principal beneficiária do trabalho prestado pela A. ao serviço da 2.ª Ré.

O Centro... como unidade económica que pode ser objeto de uma transmissão de estabelecimento era formado por um complexo de bens humanos, materiais e imateriais, dos quais o conjunto de trabalhadores que o compunha era apenas uma parte.

Mantendo-se na esfera da 1.ª Ré todos os restantes elementos dessa unidade económica - o local da prestação, os instrumentos e procedimentos de trabalho, a clientela, e, especialmente relevante, a direção da execução das tarefas - não parece possível afirmar que os 22 trabalhadores, por si só, possam cumprir o requisito previsto no n.º 1 do art. 285.º do CT no que respeita a constituírem uma unidade económica.

Considera que a transmissão de estabelecimento negociada entre as RR. teria incumprido um pressuposto fundamental do instituto da transmissão de estabelecimento tal como ele está configurado no Código do Trabalho (art. 285.º, n.ºs 1 e 5), constituindo, nessa medida, um ato contrário à lei, nulo nos termos do disposto no art. 294.º do Código Civil (negócios celebrados contra a lei).

Entende ainda que houve “fraude na transmissão de estabelecimento celebrada entre as RR.” num processo de abuso e manipulação de normas jurídicas e de factos com o objetivo de fazer sair dos quadros da 1.ª Ré um conjunto de trabalhadores.

No quadro legal vigente, a transmissão de estabelecimento - cuja regra que impõe a sub-rogação na posição do empregador do transmitente para o transmissário foi criada com o fito de proteger os trabalhadores – torna-se um instrumento que pode ser útil a estratégias empresariais ilícitas de redução de efetivos, indicando vários autores, na doutrina, que alertam para esta possibilidade fraudulenta.

A descrição da situação laboral da Autora - no que toca às funções exercidas sob a direção funcional da 1.ª Ré, local e instrumentos de trabalho, e integração na esfera de comunicação interna da 1.ª Ré - revela um quadro laboral que contraria a ideia de que ocorreu a transmissão de uma unidade económica enquanto unidade produtiva, autónoma, estável e capaz de manter a sua identidade após a transmissão. Tudo quanto expôs sobre a prestação de trabalho da Autora antes e depois da transmissão impõe a conclusão de que as RR. simularam um negócio de transmissão, agindo de forma a beneficiar de um regime jurídico que não tem o seu âmbito de aplicação em hipóteses como a dos autos, com os trabalhadores como principais prejudicados dessa simulação, sendo transmitidos para uma empresa - a 2.ª Ré - com condições de trabalho radicalmente diferentes para pior e uma posição no mercado que não inspira muita confiança.

O modo como a 1.ª Ré procedeu a uma reorganização dos departamentos, com a criação do Centro..., cerca de um mês antes do negócio da transmissão ter sido concluído, é incompreensível e contraditório com a realidade dos factos, apresentando-se como mais um indício da fraude operada pelas RR.

Indício esse que se soma ao já referido, quanto ao modo e circunstâncias em que a Autora e os seus colegas vêm prestando serviço, nomeadamente sob a orientação da 1.ª Ré, num espaço desta e com as suas ferramentas de trabalho, partilhada com trabalhadores da 1.ª Ré que desenvolvem atividade na mesma área de atividade mas não foram transmitidos, ficando claramente demonstrado que não ocorreu a transmissão de uma unidade económica mas apenas de um punhado de trabalhadores, numa cedência ilícita de força de trabalho que, ainda por cima, só o foi no plano formal, com a mudança de empregador da 1.ª para a 2.ª Ré, uma vez que, do ponto de vista substantivo, a Autora e os seus colegas que foram transmitidos se mantiveram a prestar a sua atividade por conta e no interesse da 1.ª Ré.

Considera que, não tendo havido efetivamente a transmissão de uma unidade económica, o que se verificou foi, na realidade, um processo fraudulento de terciarização, externalização, do trabalho na 1.ª Ré.

A utilização do instituto da transmissão de estabelecimento pela 1.ª Ré permitiu-lhe reduzir o seu quadro de trabalhadores escapando ilicitamente às limitações da lei, ao mesmo tempo que, colocando esses trabalhadores, com formação e experiência adequadas, na 2.ª Ré, uma empresa sua subcontratada, vai continuar a poder beneficiar do seu trabalho, embora com menos custos, beneficiando a 1.ª Ré não apenas em função da subcontratação, mas também pelo facto de se libertar, face aos trabalhadores transmitidos, de obrigações relevantes, como as relacionadas com o plano de saúde PT-ACS.

Considera que é manifestamente óbvio que estamos perante uma situação de “exteriorização do emprego”, e que na situação sub judice verifica-se que há um “fraccionamento entre a entidade que assume juridicamente a posição de empregador e aquela que é a beneficiária directa da prestação de trabalho”; e que, se é certo que os “os

interesses jurídico-económicos em causa podem ser (...) perfeitamente válidos”, na situação em apreço, tal não se afigura possível, porquanto é indubitável que a razão subjacente à utilização desta figura jurídica traduz-se numa “incessante procura de despojamento da qualidade de empregador”, indicando vários autores, na doutrina, que alertam para a possibilidade de fraude à lei em situações de transmissão de estabelecimento.

Conclui que, em face de tudo quanto se referiu relativamente às circunstâncias do negócio de transmissão de estabelecimento efetuado entre as RR., este negócio constituiu uma fraude à lei, a qual, com base no art. 280.º CC ou no art. 294.º CC, deverá ser sancionada com a nulidade do próprio negócio e de todas as suas consequências e efeitos.

Invoca danos não patrimoniais, referindo que, de tudo o que se referiu sobre o modo abusivo e fraudulento como as RR. conduziram este processo e as consequências para a vida da A., esta deve ser indemnizada na quantia de € 2.500,00.

2.

Realizada audiência de partes e gorada a conciliação, contestaram as Rés[2]:

- A Ré SUDTEL, Tecnologias, SA, refere que não assiste razão à A.

Traz à colação a Diretiva 77/187/CEE, do Conselho, de 14/02, que regulou pela primeira vez o instituto da transmissão da empresa ou estabelecimento, tendo sido alterada pela Diretiva 98/50/CE, do Conselho, de 29/06, e mais tarde revogada pela Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12/03. Esta última Diretiva (2001/23/CE) foi transposta pelo Código do Trabalho (CT) de 2003, e posteriormente pelo de CT 2009.

Todas as referidas Diretivas consagram uma transferência automática dos contratos de trabalho, independentemente do consentimento dos trabalhadores, bem como do cedente ou do cessionário.

O direito de oposição à transmissão do contrato de trabalho, foi colocado pela primeira vez, por um acórdão do então Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (adiante TJCE), conhecido por acórdão “Katsikas” (Ac. do Tribunal de Justiça de 16/12/1992, em cujo sumário pode ler-se: “As disposições do n. º 1 do artigo 3.º da Diretiva 77/187 (…) devem ser interpretadas no sentido de que não obstam a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa, na aceção do n.º 1 do artigo 1.º da Diretiva, se oponha à transferência do seu contrato ou da sua relação laboral para o cessionário. A diretiva não obriga, no entanto, os Estados-membros a prever que, na hipótese de o trabalhador decidir livremente não manter o contrato ou a relação laboral com o cessionário, o contrato ou a relação de trabalho se mantém com o cedente. Também não se opõe a isso.

No caso vertente, compete aos Estados-membros determinar o destino reservado ao contrato ou à relação laboral com o cedente”.

Resulta claro do referido acórdão do TJCE, que a Diretiva não impede a oposição do trabalhador à transferência do seu contrato. Mas também resulta claro que, não deu qualquer orientação sobre os efeitos do exercício deste direito de oposição no contrato de trabalho dos trabalhadores em apreço, deixando essa tarefa aos Estados-membros.

Acresce que, do disposto no n.º 1 do art.º 285 do CT, resulta que, o instituto da transmissão da empresa ou estabelecimento opera ope legis, sem necessidade do consentimento do trabalhador. Assim, por mero efeito da transmissão, transmitem-se para o adquirente todos os contratos de trabalho existentes à data da transmissão.

A transmissão do estabelecimento é um ato translativo de propriedade da empresa ou estabelecimento, que ocorre independentemente da vontade dos trabalhadores.

Por outro lado, o regime jurídico aplicado à transmissão de estabelecimento foi alterado pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, com alteração dos artigos art.º 285.º, 286.º e adicionado o art.º 286.º- A.

Sucede que, esta Lei não tem efeitos retroativos, apenas tem  aplicação para atos posteriores à sua entrada em vigor, e por isso, não se aplica à transmissão operada entre as RR. e, consequentemente, não produz os efeitos que os trabalhadores pretendiam quando solicitaram a intervenção do parlamento sobre as transmissões dos estabelecimentos.

Deste modo, inexistindo fundamentos que sustentem o direito de oposição da Autora à transmissão da Unidade económica, verifica-se a exceção prevista no n.º 3 do art.º 576 do CPC, com todas as legais consequências.

No restante, praticamente impugna toda a factualidade alegada pela Autora.

-  A Ré MEO – Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A. contestou invocando a incompetência material do Tribunal de Trabalho para conhecer da nulidade do negócio de transmissão do estabelecimento entre as Rés.

Excepcionou ainda com a inexistência do Direito de Oposição da Autora à transmissão do estabelecimento uma vez que a Lei, à data da produção de efeitos da transmissão de estabelecimento – 22 de Julho de 2017 -, não prescrevia qualquer direito de oposição de que se pudessem arrogar os colaboradores abrangidos por uma transmissão de estabelecimento, e a legislação comunitária sobre a matéria também não reconhece que o trabalhador se possa opor à transmissão do vínculo, pelo simples facto de não querer continuar com a entidade adquirente, forçando a manutenção do contrato com o empregador original.

Refere que a 1ª Ré acedeu na rescisão por mútuo acordo dos contratos de trabalho celebrados com os colaboradores abrangidos pela transmissão de estabelecimento em análise, com direito a uma compensação. Fê-lo, com todos aqueles que a abordaram nesse sentido e com os quais chegou a acordo.

Por conseguinte, quanto aos restantes colaboradores, aqui se incluindo a ora A., outra conclusão se não pode retirar que não seja a de que se assistiu a uma aceitação tácita da transmissão de estabelecimento.

Refere ainda que no dia 22 de julho de 2017 verificou-se um negócio jurídico autónomo – transmissão de estabelecimento - envolvendo colaboradores da 1ª Ré.

Foi transmitida a Unidade..., para a transmissária e também Ré – SUDTEL Tecnologia, S.A.

A transmissão da referida Unidade Económica foi acompanhada da transmissão dos bens corpóreos e incorpóreos integrantes da mesma, os quais foram devidamente identificados no Anexo II ao Contrato de Transmissão de Unidade Económica celebrado entre as partes, conforme documento que junta. Assim como foram também transmitidos os vários colaboradores afetos à atividade transmitida, os quais também seguiam devidamente identificados no Anexo II ao Contrato de Transmissão de Unidade Económica celebrado entre as partes, conforme o mesmo documento.

A Unidade Económica transmitida desenvolvia, e continua a desenvolver, uma atividade económica de modo estável, que mantém a sua identidade, e constitui uma unidade económica.

Entende que, contrariamente ao que pretende fazer crer a Autora ao longo de todo o seu articulado, não se verificou qualquer violação das regras que subjazem à figura da transmissão de estabelecimento.

A Autora não ignora que o motivo que a leva a intentar a presente ação nada tem que ver com a defesa de um bem jurídico como a “estabilidade e segurança no emprego”.

Princípio, este, que não foi posto em causa com a transmissão de estabelecimento identificada, repudiando que a operação de transmissão de estabelecimento operada entre as R.R. “tenha consubstanciado uma forma perversa e abusiva de recurso ao instituto da transmissão de estabelecimento”, com o único intuito “de fazer cessar os contratos dos trabalhadores abrangidos – entre os quais a A. – mas de forma a que a 1.ª Ré pudesse continuar a usufruir da sua prestação de trabalho sem, no entanto, que tivesse as obrigações inerentes à qualidade de empregador”.

Refere que os colaboradores abrangidos pela transmissão de estabelecimento não viram cessar os seus contratos de trabalho, os quais se mantêm em vigor na entidade transmissária, com total respeito pelos dispositivos legais aplicáveis à matéria. O verdadeiro intuito da aqui Autora é o de não querer perder, a qualquer custo, o vínculo jurídico-laboral com a 1ª Ré, como se os colaboradores abrangidos pela transmissão identificada estivessem protegidos por um qualquer vínculo de perpetuidade.

Uma vez que não houve qualquer violação das regras que regulam a transmissão de estabelecimento por parte da aqui 1ª Ré, terá a transmissão de estabelecimento de ser julgada válida e eficaz com todas as consequências legais, designadamente a transferência dos contratos de trabalho dos colaboradores abrangidos pela transmissão de estabelecimento para a Ré transmissária, aqui incluindo a Autora.

Impugna, por fim, a factualidade invocada pela Autora.

3.

Convidada a A a concretizar a alegação de que, com a transmissão em causa, ficou numa posição mais desfavorável em termos de estabilidade no emprego, a A apresentou novo articulado, que foi sujeito ao contraditório.

4.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que  julgou a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu as Rés MEO – Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A., e  SUDTEL Tecnologia, S.A da totalidade dos pedidos formulados pela Autora.

5.

Não conformada, a A interpôs a pertinente apelação, que motivou, tendo as Rés junto as competentes contra-alegações.

6.

O Tribunal da Relação do Porto[3] decidiu:

I) Alterar a redação dos pontos 54, 131 e 134 dos factos provados, que passam a ter a seguinte redação:

54. Quatro dos trabalhadores referidos em 52 (KK, MM, ZZ e QQ) rescindiram o seu contrato de trabalho com a MEO, por documento com data anterior à da produção de efeitos da transmissão de estabelecimento e, por conseguinte, não chegaram a integrar os quadros da referida 2ª Ré.

131. Os espaços físicos/edifícios localizados em ..., ..., ..., ..., ... e ... foram afetos contratualmente à 2ª Ré transmissária (cfr. cópia de Contrato de Arrendamento junto como doc. nº 9 com a contestação da 1.ª Ré, dado por reproduzido).

134. Esta afetação direta à 2ª Ré transmissária não veio a concretizar-se, tendo as partes negociado, em alternativa, que a partir da data de produção de efeitos da transmissão de estabelecimento – 22 de julho de 2017 – a 2ª Ré suportaria todos os custos inerentes à utilização dos mencionados veículos, como suportou aqueles a que se refere a fatura cuja cópia foi junta como Doc. nº 10 com a contestação da 1.ª Ré, aqui dada por reproduzida.

II) Manter no mais, o decidido na sentença recorrida.

7.

Novamente inconformada, a A traz a presente revista, apresentando as seguintes conclusões:

a) Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual, com fundamentação essencialmente semelhante e um voto de vencido, confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

b) A Recorrente fundamenta-se o seu recurso de Revista no disposto nos arts. 80.º, n.º 1 e 81.º, n.º 1, do CPT, e 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, als a) e b), 675.º, n.º 1, e 676.º, n.º 1, do CPC.

c) A Recorrente discorda da forma como o acórdão do Tribunal da Relação interpreta e aplica a lei de processo, nomeadamente os arts. 5.º e 640.º do CPC, que considera consubstanciar um erro de julgamento e, em consequência, um incumprimento do disposto no art. 662.º do CPC, que será também causa de nulidade nos termos do previsto pelo art. 195.º, n.º 1, do mesmo diploma.

d) Acresce que o acórdão do Tribunal da Relação contraria o estabelecido pelo art. 674.º, n.º 1, al. a),do CPC tendo violado lei substantiva por erro de interpretação e, consequentemente, de aplicação da norma aplicável à transmissão de estabelecimento, o art. 285.º do CT.

e) Nestes termos, o presente recurso tem por objecto questões que se incluem na previsão das als. a) e b) do n.º 1 do art. 674.º do CPC, incidindo sobre matéria relacionada com a “violação de lei substantiva”, como a que se prende com a aplicação do art. 285.º do CT, e a “violação ou errada aplicação da lei de processo”, como acontece com a aplicação dos arts. 5.º e 640.º do CPC.

f) No âmbito do julgamento da matéria de facto, a livre apreciação do juiz está vinculada a regras de ciência e raciocínio, bem como a máximas de experiência, convocando-se um espírito que seja capaz de interpretar criticamente a lei e a realidade, relacionando o fenómeno concreto em apreço com um contexto mais alargado.

g) A análise dos elementos de prova e dos aspectos caracterizadores da unidade económica alvo de transmissão não podia contentar-se com uma contabilidade pouco criteriosa de indícios, ficando-se pela mera aparência da validade do negócio celebrado, tendo o Tribunal da Relação, por essa via, incumprido o disposto no art. 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, do CPC.

h) Traduzindo de forma esquemática a factualidade trazida aos autos e validada pelos elementos de prova, os «pontos» da matéria de facto são itens numerados numa listagem que fixa o acervo factual angariado, constituindo uma exigência formal que contribui para clarificar a decisão final e o processo lógico que lhe subjaz.

i) Os «pontos» da matéria de facto não se confundem com os factos do processo, são objectos distintos, servindo, os primeiros, propósitos de sistematização no âmbito da elaboração da decisão e, os segundos, enquanto a sua base material.

j) A Recorrente identificou concretamente os factos, os «pontos» da matéria de facto e os meios probatórios, tendo igualmente cumprido o ónus de apresentar as redacções que resultam da nova factualidade, explicando de forma exaustiva o seu raciocínio, pelo que considera ter cumprido todas as exigências legais quanto ao modo de impugnação da matéria de facto, designadamente o estabelecido no art. 640.º do CPC.

k) Os pontos 22, 23, 25, 26, 32, 38 e 41 dos factos provados e pontos 1, 4 e 12 dos factos não provados referem-se ao modo como a actividade de formação/certificação era desenvolvida na MEO antes da transmissão.

l) A factualidade que integra cada um destes pontos cruza-se, sobrepõe-se, com a dos restantes, sucedendo em certos casos que alguns pontos complementam, desenvolvem, o que consta de outros pontos.

m) Os meios probatórios indicados neste ponto da impugnação sobre o modo como a actividade de formação/certificação era desenvolvida na 1.ª Ré MEO antes da transmissão são, em consequência da forma como a Recorrente configurou a prova, comuns a todos os pontos da matéria de facto impugnados, o mesmo é dizer que toda a prova invocada neste ponto serve para todos os pontos da matéria de facto.

n) Se é certo que a Recorrente optou por um tratamento conjunto destes pontos da matéria de facto, fê-lo por considerar que não se justificava um tratamento individual do ponto de vista lógico-argumentativo e que essa individualização implicaria repetições de texto sem qualquer vantagem daí decorrente.

o) A recusa pelo Tribunal da Relação de rever esta matéria de facto carece de fundamento legal, contrariando o que tem sido o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça acerca da interpretação a dar ao art. 640.º do CPC.

p) A exigência da al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC deve, de acordo com o Supremo Tribunal de Justiça, ser interpretada numa lógica de concentração da argumentação probatória do recorrente por forma a que o erro de facto que se pretende invocar seja percetível e concreto.

q) Desta forma, estando preenchidos os requisitos legalmente exigidos pelo n.º 1 do art. 640.º do CPC, deveria o Tribunal da Relação ter apreciado a impugnação da matéria de facto requerida pela Requerente.

r) Ao errar na aplicação do disposto nesse art. 640.º do CPC, o Tribunal da Relação acabou igualmente por incumprir o disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

s) Esta recusa do Tribunal da Relação configura uma nulidade por violação do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

t) No que toca ao ponto 54 dos factos provados, a Recorrente considera que os factos que pretende aditar são instrumentais e não complementares, sendo certo, porém, que, em qualquer caso, deveriam ter sido incluídos na matéria dada como assente.

u) Caso se considerasse que são factos complementares, o pressuposto previsto na al. b) do n.º 2 do art. 5.º do CPC de que sobre eles as partes tenham tido possibilidade de se pronunciar está cumprido, pelo que nada obstaria à sua consideração.

v) No mesmo sentido, se se qualificassem estes factos como instrumentais, como pretende a Recorrente, então, nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 5.º do CPC, deveriam igualmente esses factos ter sido considerados.

w) Nesta medida, a decisão do Tribunal da Relação em recusar a alteração do ponto 54 nos termos propostos pela Recorrente assenta numa errada aplicação da lei de processo, concretamente o art. 5.º do CPC, incumprindo dessa forma o art. 662.º, n.º 1, do CPC, incorrendo em nova nulidade por violação do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

x) O critério que levou à junção dos pontos 92, 131 e 134 dos factos provados e ponto 3 dos factos não provados num tema e ao tratamento conjunto na relação com os meios probatórios é o mesmo que se seguiu a propósito dos pontos relativos ao modo como a actividade de formação/certificação era desenvolvida na MEO antes da transmissão, ou seja, considera-se que existe uma interligação entre os factos constantes desses pontos e entre os meios probatórios indicados que justificam que sejam tratados de forma combinada e articulada.

y) Também quanto a estes pontos, a Recorrente considera que cumpriu o ónus de alegação no caso de impugnação da matéria de facto, preenchendo os pressupostos do art. 640.º do CPC, remetendo para o que referiu atrás sobre a interpretação a dar ao disposto neste preceito e em defesa da sua metodologia.

z) A Recorrente entende que a forma como apresentou os meios probatórios e estabeleceu a relação entre eles e os factos impugnados foi absolutamente clara, não deixando margem para dúvidas sobre as suas concretas divergências e no que toca aos concretos fundamentos das alterações propostas.

aa) Estando cumpridos os requisitos legalmente exigidos pelo n.º 1 do art. 640.º do CPC, deveria o Tribunal da Relação ter apreciado a impugnação da matéria de facto requerida pela Requerente.

bb) Ao errar na aplicação do disposto nesse art. 640.º do CPC, o Tribunal da Relação acabou igualmente por incumprir o disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.

cc) O que configura outra nulidade, por violação do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

dd) No que respeita ao ponto 92 dos factos provados, não tem razão o Tribunal da Relação, que acolhe a motivação apresentada na sentença, quando de tal texto não resulta que os objectos em causa tenham sido efectivamente transmitidos.

ee) A proposta de redação para o ponto 92 apresentada pela Recorrente respeita a prova produzida, limitando-se à factualidade segura.

ff) Se os bens corpóreos em causa foram efectivamente incluídos transmissão é matéria que não ficou demonstrada, pelo que não poderia o Tribunal da 1.ª Instância decidir como decidiu, errando o Tribunal da Relação ao defender e manter essa apreciação.

gg) Assim sendo, o Tribunal da Relação não aplicou correctamente o disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, padecendo também esta decisão de nulidade, por violação do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

hh) No que toca ao ponto 131 dos factos provados, o Tribunal da Relação acabou por alterar a sua redacção no sentido apontado pela Recorrente, sem, contudo, aceitar a redacção por esta proposta.

ii) A prova produzida impunha que se nomeasse os espaços efectivamente referidos no contrato de arrendamento junto aos autos, como também não podia deixar de se aludir à circunstância desse arrendamento ter incidido sobre m2 de espaços da 1.ª Ré Meo.

jj) Nestes termos, Recorrente entende que o Tribunal da Relação errou ao não cumprir o previsto pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC, com a consequência de nulidade da sua decisão sobre este ponto, de acordo com o estabelecido no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

kk) Relativamente ao ponto 134 dos factos provados, o Tribunal da Relação alterou a redação que lhe tinha sido dada pelo Tribunal da 1.ª Instância mas contra o que foi a proposta da Recorrente.

ll) Com efeito, a manutenção do primeiro segmento do ponto 134 não resulta da prova produzida, tais as divergências entre os vários depoimentos prestados, estando apenas certo o teor do documento n.º 10 junto com a contestação da 1.ª Ré.

mm)      Errou, por isso, o Tribunal da Relação ao não aceitar a redacção proposta pela Recorrente, desrespeitando o disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, o que consubstancia uma nulidade por violação do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

nn) No que concerne ao ponto 3 dos factos não provados, a Recorrente considera que os depoimentos das testemunhas e os documentos juntos aos autos confirmam o teor da proposta que se pretende ver aditada à lista dos factos provados.

oo) Em particular sobre o portal ET, as próprias Rés admitem que esta plataforma informática não foi incluída no negócio de transmissão.

pp) Acresce que, atendendo à listagem de bens corpóreos do ponto 92, bem como ao que consta dos novos pontos 131 e 134, entende a Recorrente que efectivamente nenhum bem corpóreo relevante foi incluído no negócio da transmissão.

qq) Em face do exposto, também neste ponto errou o Tribunal da Relação ao recusar a impugnação da Recorrente, violando o disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, do qual resulta a nulidade deste trecho decisório por violação do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

rr) A respeito do ponto 103 dos factos provados, a alteração proposta pela Recorrente não importa a consideração de factos essenciais não alegados mas tão somente de factos instrumentais.

ss) Mesmo que se considerassem estes factos como complementares ou concretizadores, foram cumpridos os pressupostos do disposto na al. b) do n.º 2 do art. 5.º do CPC, o que implica que nesse quadro a alteração da Recorrente deveria ter sido admitida, consubstanciando a respectiva recusa um outro erro do Tribunal da Relação, por violação do disposto no art. 662.º do CPC, constituindo nova nulidade nos termos do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

tt) Aceitando que o ponto 2 dos factos não provados tem uma natureza essencialmente conclusiva, tal poderia não constituir um obstáculo à sua inclusão na matéria de facto, uma vez que há factos bastantes para sustentar aquela afirmação.

uu) Acresce que o Tribunal da 1.ª Instância recusa dar como provado este ponto por considerar que está em contradição com o disposto nos pontos 93 a 101 e 102 a 110 dos factos provados, alegação que não faz o menor sentido.

vv) Com efeito, é precisamente a partir desses factos, e de uma caracterização da unidade económica compreensiva, que se depreende a importância e indispensabilidade da plataforma ET para o desenvolvimento da actividade desenvolvida pela unidade transmitida.

ww)       A alegação da Recorrente a este respeito é completa e clara, justificando, de acordo com a prova produzida, a inclusão deste ponto na matéria de facto dada como provada, o que, não tendo acontecido, constitui outro erro do Tribunal da Relação.

xx) Também relativamente a este ponto, incumpriu o Tribunal da Relação o disposto no art. 662.º do CPC, incorrendo na nulidade prevista pelo n.º 1 do art. 195.º do CPC.

yy) No que toca aos pontos 118 dos factos provados e pontos 9, 10 e 13 dos factos não provados o Tribunal da Relação aceita a interpretação do Tribunal da 1.ª Instância, desvalorizando as declarações da Autora e das testemunhas citadas pela Recorrente e sobretudo o teor dos documentos juntos à petição como docs. n.º 35 a 41.

zz) A Recorrente nunca considerou que os “prints de mails” possam “por si só” permitir retirar grandes conclusões.

aaa)      A Recorrente apresenta uma fundamentação extensa, apelando a diferentes meios probatórios, testemunhais e documentais, de forma crítica, fazendo apelo a regras de experiência e de lógica.

bbb)      Esses “prints de mails” são ordens e instruções de natureza laboral e, combinados com a restante prova e com um juízo compreensivo desta matéria, impunham a alteração que se veio propor, pelo que errou mais uma vez o Tribunal da Relação ao não aceitar a alteração de facto apresentada pela Recorrente.

ccc)        Impunha-se ao Tribunal da Relação, nos termos do previsto no art. 662.º do CPC, que alterasse a matéria de facto, o que, não tendo acontecido, não só implica a violação daquele preceito, como acarreta tal incumprimento uma nulidade processual, segundo o que estabelece o n.º 1 do art. 195.º do CPC.

ddd)      Admitindo o carácter conclusivo do ponto 5 dos factos não provados, a verdade é que o Tribunal da 1.ª Instância assim não considerou, tendo-o incluído na selecção da matéria de facto como um ponto não provado.

eee)       Constam dos autos documentos e depoimentos que impunham que este ponto fosse aditado à matéria dada como provada, pelo que, ao decidir contra este entendimento, errou o Tribunal da Relação, violando o disposto no art. 662.º do CPC, um incumprimento que determina nova nulidade processual, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 195.º do CPC.

fff) O ponto 6 dos factos não provados respeita à informação prestada pela 1.ª Ré Meo no momento da transmissão de estabelecimento, que a Recorrente considera ter sido insuficiente para cumprir o disposto no art. 286.º do CT, na redacção vigente à data daquele negócio.

ggg)      Desde logo, a Recorrente considera que o Tribunal da Relação fez uma enorme confusão com esta matéria de facto, tendo feito corresponder os pontos 72 a 75 dos factos dados como provados, que se referem a diligências adoptadas pelos sindicatos e representantes dos trabalhadores junto de entidades diversas, não aludindo à conduta das Rés, e os arts. 61.º a 66.º da p.i., que, esses sim, dizem respeito à recusa das Rés em prestar os esclarecimentos solicitados pelos trabalhadores e pelas suas organizações representativas.

hhh)      Ora, o ponto 6 dos factos não provados respeita a estes arts. 61.º a 66.º, não estando relacionado com os pontos 72 a 75 dos factos provados.

iii) Os meios de prova indicados pela Recorrente a este propósito no seu recurso de Apelação, bem como a análise que fundamenta esta impugnação, deveriam ter levado à alteração da matéria de facto nos termos propostos, pelo que, não tendo assim decidido o Tribunal da Relação, incorreu na violação do art. 662.º do CPC, dando azo a outra nulidade processual por violação do disposto no n.º 1 do art. 195.º do CPC.

jjj) No que à impugnação da matéria de facto diz respeito, a Recorrente entende que o Tribunal da Relação errou na aplicação de lei processual, nomeadamente os arts. 5.º, 640.º e 662.º do CPC, nos termos acima expostos, o que, ao abrigo do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC, consubstancia várias nulidades processuais (uma por cada facto erradamente julgado).

kkk)       O acórdão de que agora se recorre deve, consequentemente, ser declarado nulo na parte da impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente que se debruça sobre os pontos da matéria de facto antes citados, julgando-se o recurso de Apelação que aquela interpôs procedente quanto a esta matéria.

lll) A Recorrente considera que a factualidade que foi dada como provada pela sentença e marginalmente revista no acórdão de que agora vem recorrer é suficiente para se apreciar a transmissão de estabelecimento operada entre as Rés, permitindo, da mesma forma, concluir pela sua invalidade.

mmm)  Pelo que a Recorrente fundamentou a sua discordância com a decisão de que agora se recorre com base nos mesmíssimos factos que o Tribunal da Relação considerou.

nnn)      Tanto a jurisprudência como a doutrina maioritárias apontam, ao contrário do que defende o Tribunal da Relação no acórdão que agora se recorre, para a ideia de que uma unidade económica que pode ser transmitida tem de se mostrar como uma organização produtiva estruturada e com autonomia.

ooo)      Tendo por referência a estrutura que transitou para a 2.ª Ré Sudtel, entende a Recorrente que essa unidade económica não o é verdadeiramente, não dispondo de autonomia nem suficiência de meios.

ppp)      Desde logo, o facto de nem a trabalhadora responsável pela gestão da formação e coordenação pedagógica, a chefia do C..., BB, nem a sua chefia directa e a quem cabia a direcção geral da actividade de formação/certificação no quadro do G..., CC, terem sido incluídos na transmissão representa uma decapitação da unidade económica, retirando-lhe capacidade, experiência e conhecimentos particulares, que nenhum dos trabalhadores transmitidos podia colmatar.

qqq)      A não inclusão da trabalhadora BB, para além de ter retirado à estrutura produtiva a sua efectiva gestão e coordenação da actividade, teve ainda como consequência a inexistência de um gestor de formação reconhecido como tal pela D... no quadro de trabalhadores que transitaram para a 2.ª Ré Sudtel.

rrr) Sendo certo que, à data da transmissão a 2.ª Ré Sudtel não estava reconhecida na D... como entidade formadora certificada, o que aquela requereu depois da transmissão e foi acreditado já em fevereiro de 2018.

sss)        Tendo em conta que a 1ª Ré Meo havia investido nos últimos anos em formação e para que a sua actividade formativa fosse certificada pela D..., não deixa de ser estranho e revelar fraca lógica e coerência o facto de a 1.ª Ré Meo ter “cedido” a sua actividade de formação/certificação reconhecida pela D... a uma empresa, a 2.º Ré Sudtel, que não tinha essa acreditação nem sequer qualquer experiência nesta área.

ttt) Sabe-se, contudo, que a 2.º Ré Sudtel, apesar de só ter sido reconhecida pela D... como entidade formadora certificada em fevereiro de 2018, deu formação com atribuição de certificado desde julho de 2017, o que, para além de constituir uma fraude perante a D... e os formandos, só pôde acontecer com o conhecimento e conivência da 1.ª Ré Meo.

uuu)      Acresce que a não inclusão de todos os trabalhadores das áreas técnicas que participavam na concepção e elaboração dos conteúdos formativos ministrados através do C... no negócio de transmissão de estabelecimento celebrado entre as Rés constituiu outra amputação grave da unidade económica transmitida.

vvv)       Com efeito, tendo estes trabalhadores funções de elevada especialização técnica, não existente no C..., a sua ausência representa uma diminuição das competências e do âmbito de actividade da estrutura produtiva transmitida.

www)   Note-se, ademais, que não houve nenhum trabalhador transmitido que estivesse colocado nos ... ou na ..., onde supostamente o Centro... tinha actividade e cujos estabelecimentos foram incluídos no negócio de transmissão que envolveu as Rés.

xxx)       A respeito dos locais de trabalho, diga-se que a Recorrente manteve o seu local de trabalho, no mesmo andar, na mesma sala, com a mesma secretária, telefone, computador e restante material de escritório.

yyy)       Esta solução foi possível, segundo a tese das Rés, por via de um contrato de arrendamento de m2 em imóveis pertencentes à 1.ª Ré, sendo certo que esse arrendamento cobre apenas uma pequena parte dos espaços onde decorria a actividade de formação/certificação.

zzz)        A actividade de formação decorria em diversos espaços, nomeadamente em ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., Parede, ..., ..., ... e ..., sendo que os m2 arrendados pela 1.ª Ré Sudtel são apenas em ..., ..., ..., ..., ... e ..., sendo de destacar, desde logo, a ausência de arrendamento em espaços situados nos ... ou na ....

aaaa)   Entre os trabalhadores transmitidos há alguns que prestavam a sua actividade em locais que não foram incluídos no contrato de arrendamento, designadamente os dois trabalhadores que estavam colocados em ....

bbbb)   É, então, claro que não foram transmitidos todos os locais que estavam afectos e são necessários ao desenvolvimento autónomo da actividade de formação por parte da 2.ª Ré Sudtel e que o acesso desta a esses espaços, para lá do que prevê o contrato de arrendamento precário que se juntou aos autos e que respeita apenas a uma parte dos locais usados na actividade de formação/certificação, está totalmente dependente da vontade da 1.ª Ré Meo.

cccc)      Note-se que o contrato de arrendamento foi celebrado por apenas um ano, tendo sido fixados prazos curtos para a oposição à renovação e denúncia de 60 dias. Diz-se ainda que a 1.ª Ré Meo pode fazer cessar o contrato a todo o tempo em caso de cessação do contrato celebrado entre a 1.ª Ré Meo e a 2.ª Ré Sudtel para prestação de serviços de formação.

dddd)   Este desequilíbrio contratual constitui a 2.ª Ré Sudtel numa posição de grande precariedade e subalternidade em relação à 1.ª Ré Meo, comum contrato de curta duração e prazos também curtos de resolução.

eeee)     No que toca aos instrumentos de trabalho, e com a excepção de algum material específico de certas formações de segurança e técnica, as tarefas da actividade formação/certificação requerem essencialmente equipamento de escritório, em particular computador e assim acontece com a Recorrente

ffff)       O processo de formação/certificação passa pela plataforma ET, que concentra informação e distribui tarefas relacionadas com esta actividade, permitindo à 1.ª Ré Meo controlar e validar as competências dos trabalhadores ao seu serviço.

gggg)   Toda a actividade de formação/certificação está enquadrada e registada nesta plataforma informática, sendo através dela que se faz a gestão das necessidades formativas e se agendam e programam as acções de formação/certificação.

hhhh)   A importância e indispensabilidade desta ferramenta para o desenvolvimento da actividade é tal que a 1.ª Ré Meo criou um acesso especial (“perfil”) para que os trabalhadores da 2.ª Ré Sudtel pudessem aceder ao portal ET e introduzirem a informação decorrente da sua actividade, uma vez que essa plataforma não foi transferida com o negócio celebrado entre as Rés.

iiii) O portal ET serve de base a toda a actividade de formação/certificação MEO, pelo que não pode a 2.ª Ré Sudtel desenvolver o seu negócio sem aceder a essa ferramenta.

jjjj) Mesmo não considerando o portal ET como a principal ferramenta da actividade de formação/certificação desenvolvida pela unidade económica transmitida, sempre se terá de considerar esta aplicação informática como uma ferramenta decisiva, indispensável, para a prossecução da actividade em causa, sem a qual a mesma não é possível.

kkkk)     As viaturas usadas na actividade de formação/certificação estão, enquanto ferramentas de trabalho e meios da unidade económica transmitida, a prazo, no sentido de que não foram efectivamente adquiridas pela 2.ª Ré Sudtel, que está dependente de um acordo com a 1.ª Ré para as poder utilizar, e que a qualquer momento poderá deixar de ter essa possibilidade.

llll) Os conteúdos da formação e modelos de certificação são definidos pela 1.ª Ré Meo, que é a entidade que desenvolve as novas tecnologias, que é detentora do know-how e que define as skills que são necessárias, os parâmetros de avaliação e os modelos de certificação.

mmmm)              Nesta medida, a unidade económica que na 1.ª Ré Meo também elaborava conteúdos deixou de o fazer, limitando-se agora à mera operacionalização, com todas as insuficiências no plano logístico atrás demonstradas.

nnnn)   Para esta redução do âmbito de actividade da unidade económica transmitida contribuiu a não inclusão na transmissão dos trabalhadores das áreas técnicas que, com o seu conhecimento específico, participavam na elaboração dos programas formativos, bem como das pessoas responsáveis pela direcção e gestão da actividade de formação/certificação na 1.ª Ré Meo, CC e BB.

oooo)   Sabe-se que a unidade económica dedicada à actividade de formação/certificação na 1.ª Ré Meo dispunha de um conjunto de meios específicos que lhe conferiam valor e capacidade que a unidade existente na 2.ª Ré Sudtel não alberga.

pppp)   Desde logo, a nível de meios humanos, a 1.ª Ré Meo tinha dois trabalhadores com vasta experiência em formação/certificação, nomeadamente, as pessoas que impulsionaram o desenvolvimento desta área e depois ficaram com a responsabilidade pela sua gestão e coordenação da equipa respectiva, CC e BB, que não foram incluídas no negócio.

qqqq)   No caso de BB, a sua ausência é particularmente grave, na medida em que era esta a pessoa que, junto da D..., tinha sido dada como gestora da formação e coordenadora pedagógica, faltando à unidade económica transmitida, portanto, o trabalhador que reunia as competências do ponto de vista formal para que esta unidade pudesse ser reconhecida pela D... como entidade formadora certificada.

rrrr)       Os trabalhadores com competência técnicas específicas que pertenciam a outros departamentos da 1.ª Ré Meo que não o C... e que participavam na elaboração de conteúdos formativos não integraram a unidade transmitida.

ssss)      A unidade económica que transitou para a 2.ª Ré Sudtel perdeu trabalhadores decisivos para a fase de concepção e elaboração programática da actividade de formação/certificação, vendo o seu papel tendencialmente reduzido à operacionalização da actividade e a sua capacidade de inovar e criar conteúdos formativos fortemente limitada.

tttt) A criação do Centro..., já depois de comunicada a transmissão, não se tratou de um mero ajustamento da unidade económica, tendo sido posta em causa a estabilidade da estrutura produtiva, com a não inclusão dos trabalhadores com responsabilidades de chefia e coordenação, bem como dos trabalhadores com conhecimentos técnicos especiais.

uuuu)   Com efeito, a unidade económica dedicada à área de formação/certificação tinha nestes elementos meios fundamentais e decisivos para o exercício desta actividade, pelo que a sua não inclusão constituiu uma redução relevante da sua capacidade e competência técnica, que, necessariamente, teve repercussões negativas sobre a sua estabilidade, pondo em crise, de modo inquestionável, a sua própria identidade.

vvvv)     A criação deste departamento pela 1.ª Ré Meo visou dar uma aparência de unidade económica a um conjunto de trabalhadores através da formalização de um departamento, sendo certo que os negócios de transmissão de estabelecimento têm como objecto uma unidade económica e não um departamento ou uma actividade, com os quais aquela pode ou não ser coincidente.

wwww) Acresce que este Centro..., a suposta unidade económica que viria a ser transmitida, viu quatro trabalhadores rescindirem com a 1.ª Ré Meo antes que a transmissão de estabelecimento se efectivasse.

xxxx)     Numa unidade económica que depende essencialmente do factor trabalho, isto é, do capital humano que a integra, perder quatro de um total de 22 trabalhadores por decisão unilateral da 1.ª Ré Meo teve implicações na viabilidade dessa estrutura produtiva.

yyyy)     A fase de operacionalização da actividade de formação/certificação não pode ser autonomizada, correspondendo a um momento de uma actividade que apenas combinado com outros momentos pode dar azo a uma estrutura independente e suficiente por si mesma, o que não se verificou no caso concreto.

zzzz)      Acresce que não foi incluído no negócio de transmissão um dos instrumentos de trabalho mais decisivos e fundamentais para o desenvolvimento da actividade de formação/certificação desta unidade económica, o portal ET.

aaaaa) Não pode a Recorrente perceber como o Tribunal da Relação entende que o portal ET tem um papel muito relevante no exercício da actividade de formação/certificação e, ao mesmo tempo, considerar que sua retirada dos meios transmitidos não contende com a integridade que a unidade económica deve conservar após a transmissão.

bbbbb) Do mesmo modo, não compreende a Recorrente como pode o Tribunal da Relação dar por autónoma e suficiente a unidade económica transmitida quando não foram incluídos no negócio de transmissão os espaços físicos necessários à prossecução da actividade de formação/certificação em causa.

ccccc)    Na mesma linha se pode argumentar a respeito das viaturas que eram utilizadas no desenvolvimento da actividade de formação/certificação antes do negócio de transmissão de estabelecimento que envolveu as duas Rés e que não transitaram para a esfera da 2.ª Ré Sudtel.

ddddd) É ainda de salientar que os formadores da 2.ª Ré Sudtel seguem conteúdos elaborados e actualizados pela 1.ª Ré Meo, até porque é esta a principal beneficiária desta actividade formativa, no sentido de que os formandos são seus trabalhadores ou trabalhadores de empresas que lhe prestam serviços.

eeeee)  A unidade transferida perdeu capital humano essencial, como as chefias responsáveis pela direcção e coordenação (CC e BB) ou os trabalhadores com conhecimentos especiais que participavam na elaboração dos conteúdos formativos.

fffff)      Ficou sem uma ferramenta absolutamente indispensável, como o portal ET, e sem os espaços físicos adequados a certos tipos de formação ou as viaturas usadas no serviço.

ggggg) Mas, mais grave, a unidade económica perdeu aquela que era provavelmente a maior mais valia da unidade económica que existia na 1.ª Ré Meo, a capacidade de criação e actualização de conteúdos.

hhhhh) A formulação “suficiente autonomia funcional” respeita, acima de tudo, a questões de hierarquia e direcção da actividade e por referência ao momento anterior à transmissão de estabelecimento.

iiiii)         O acórdão do TJUE citado pelo Tribunal da Relação desenvolve este conceito a partir de um caso específico e em protecção dos trabalhadores transmitidos.

jjjjj)       Da perspectiva da Recorrente, a noção de suficiente autonomia funcional não pode ser interpretada como uma diminuição da exigência de autonomia que uma unidade económica que pode ser objecto de transmissão deve conservar e que terá de assentar sobre os principais elementos que a estruturam.

kkkkk)  A ideia de suficiente autonomia funcional prende-se com esse mínimo de meios e recursos que uma unidade económica autónoma deve manter para preservar a sua integridade e independência.

lllll)         De todo o exposto, a Recorrente não pode senão concluir que a unidade económica transmitida da 1.ª Ré Meo para a 2.ª Ré Sudtel não tem, após a transmissão, os meios humanos e materiais para poder funcionar de forma autónoma e suficiente.

mmmmm) Acentua esta relação de dependência o facto da 1.ª Ré Meo ser o principal cliente da 2.ª Ré Sudtel, representando a quase totalidade da facturação desta.

nnnnn) Na ausência da 1.ª Ré Meo e do seu input, intelectual e material, em matéria de formação/certificação, a 2.ª Ré Sudtel não tem conteúdos formativos para oferecer, não tem um programa de controlo e gestão da formação/certificação, não tem espaços físicos adequados, não tem viaturas, não tem, em suma, negócio nesta área, o que é bastante esclarecedor acerca da insuficiência e falta de autonomia da unidade económica que transitou da 1.ª Ré Meo para a 2.ª Ré Sudtel.

ooooo) Nesta medida, entende a Recorrente que errou o Tribunal da Relação ao manter no fundamental a decisão do Tribunal da 1.ª Instância, julgando improcedente o recurso de Apelação interposto.

ppppp) De acordo com o disposto no art. 285.º do CT vigente à data do negócio de transmissão celebrado entre as Rés, exigia-se, com a interpretação consolidada entre jurisprudência e doutrina, que a unidade económica transmitida conservasse a sua autonomia e integridade após a transmissão, o que, na opinião da Recorrente, não se verificou no caso concreto.

qqqqq) Pelo que, nos termos supra expostos, se impõe a revogação da decisão do Tribunal da Relação e a procedência do presente recurso.

rrrrr)      A insuficiência da informação prestada, nomeadamente quanto ao teor do contrato de transmissão, é um indício do que pode ter sido um acto simulado e fraudulento.

sssss)    Para além da recusa por parte da 1.ª Ré Meo em prestar informações sobre o conteúdo do contrato de transmissão, há outros indícios (criação do Centro..., rescisão de trabalhadores, não inclusão de qualquer trabalhador ou espaço físico dos ... ou da ..., o regime de co work ou o facto de a 2.ª Ré Sudtel não ser uma entidade formadora certificada pela D...) que, conjugados, apontam para a prática de um eventual negócio simulado e fraudulento.

ttttt)      De acordo com o disposto no art. 280.º, n.º 1, do CC, é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.

uuuuu) Por seu turno, o art. 294.º do mesmo CC prevê que “Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.

vvvvv)  A Recorrente considera que as Rés simularam um negócio de transmissão de uma pretensa unidade económica autónoma e suficiente, visando, na realidade, a redução de efectivos por parte da 1.ª Ré Meo através do veículo 2.ª Ré Sudtel.

wwwww) O que acabou por ser transmitido foi um punhado de trabalhadores com os seus computadores e impressoras, quanto muito, e nenhuma unidade económica independente e estável.

xxxxx)   Para esse efeito, as Rés lançaram mão de um conjunto de artimanhas e artifícios para prosseguirem com a sua conduta ilícita, procurando criar uma aparência de conformidade ao regime legal.

yyyyy)  A operação de transmissão em discussão nos presentes autos inseriu-se numa estratégia mais vasta que envolveu outras transmissões de estabelecimento, que levaram, inclusivamente, à alteração do Código do Trabalho, traduzindo-se numa terciarização das relações de trabalho, em que a 1.ª Ré Meo mantém o controlo da actividade, reduzindo a sua massa salarial.

zzzzz)    Embora a regra que impõe a sub-rogação na posição do empregador do transmitente para o transmissário no quadro dos negócios de transmissão de estabelecimento tenha sido criada com o fito de proteger os trabalhadores, têm-se sucedido as situações de abuso por parte de empresas que se servem do que era uma garantia e homenagem ao direito constitucional à segurança no trabalho (art. 53.º da CRP) tornando-o um instrumento muito útil em lógicas de redução de efectivos.

aaaaaa)              De tudo quanto se expôs sobre a transmissão deste Centro... e o modo como a 2.º Ré Sudtel “prosseguiu” com a actividade transmitida, não pode senão concluir-se que as Rés simularam um negócio de transmissão de estabelecimento, agindo de forma a beneficiar de um regime jurídico que não tem o seu âmbito de aplicação em hipóteses como a dos autos, enquanto se eximiam ao cumprimento de obrigações legais que lhes seriam aplicáveis caso não agissem em fraude à lei.

bbbbbb)              Em face de tudo quanto se referiu relativamente às circunstâncias do negócio de transmissão de estabelecimento efectuado entre as Rés, considera a Recorrente que o Tribunal da Relação errou ao não decidir pela existência de um negócio simulado, em fraude à lei, o qual, com base no art. 280.º CC ou no art. 294.º CC, deveria ter sido sancionado com a nulidade do próprio negócio e das consequências e efeitos respectivos.

cccccc)  Sendo fundamento da indemnização de danos morais a ilicitude e pressupondo a Recorrente a procedência do pedido relativo à nulidade da transmissão do contrato de trabalho, vem aquela pedir a revogação da sentença na parte dos danos morais e, em substituição, a atribuição do montante pedido na p.i., nos termos do disposto nos arts. 483.º e 496.º do CC.

8.

Contra alegou a Sudtel, apresentando as seguintes conclusões:

1. Entendeu a recorrente que «a forma como o acórdão do Tribunal da Relação interpreta e aplica a lei de processo, nomeadamente os arts. 5.º e 640.º do CPC, é fundamento do presente recurso de Revista, na medida em que consubstancia um erro de julgamento e, em consequência, um incumprimento do disposto no art. 662.º do CPC em vários pontos da matéria impugnada, que será também causa de nulidade nos termos do previsto pelo art. 195.º, n.º 1, do mesmo diploma»(!!!).

2. Não tem razão a recorrente (NENHUMA), pois, como já deveria ter percebido, e, pelos vistos, não quer perceber, como se defendeu e analisou na muito bem fundamentada decisão recorrida, nos termos do disposto no nº 1 do art.º 640º do CPCivil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida…;

3. E, nos termos do n.º 2, a) “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

4. O que a recorrente fez, foi transcrever depoimentos de testemunhas suas e declarações dela própria, que, em seu entender, deveriam ter determinado uma conclusão diferente por parte do Tribunal recorrido!

5. Ou seja, a recorrente não respeitou/não observou NADA do que se dispõe na supra referida norma legal, facto que, salvo melhor entendimento, deveria ter determinado a imediata REJEIÇÃO do seu recurso!

6. Ou seja, quer, porque, NENHUMA razão de facto lhe assistia, quer, por total inobservância do que se dispõe no art.º 640 do CPCivil, o recurso apresentado não podia ter merecido outro destino, que não fosse a sua rejeição imediata, e/ou, como veio a suceder, a sua total improcedência.

7. Com exceção dos pontos 54, 131 e 134 dos factos provados, que foram objeto de alteração pelo Tribunal da Relação do Porto, a restante matéria de facto assente pela primeira instância, e mantida pelo Tribunal da Relação do Porto, não pode ser sindicada neste recurso, uma vez que os poderes deste Supremo Tribunal de Justiça não lhe permitem voltar a analisar/sindicar toda a matéria de facto assente pela primeira instância, e mantida pelo Tribunal recorrido!

8. De resto, no que á matéria de facto respeita, também o Ministério Público junto do Tribunal de recurso, entendeu que se deveria manter a decisão proferida sobre a matéria de facto, devidamente fundamentada a fls. 780 e segs., por estar em conformidade com a globalidade da prova produzida.

9. Mais concretamente: “Acresce que não resultam tais factos infirmados pelo teor dos excertos dos depoimentos transcritos pela recorrente.

Mantendo-se inalterada a matéria de facto, improcederá o recurso, pois os factos provados conduzem aquela solução de Direito decidida na sentença.

Em caso similar já este TRP se pronunciou sobre esta matéria – acórdão de 18.01.2021, proferido no processo n.º 16209/18.8T8PRT.P113.

Tratando-se de caso similar, em ação propostas contra as mesmas RR, as questões a decidir são também idênticas.

Por se concordar com aquela decisão, para ela se remete.

Também o parecer do Ministério Público foi no mesmo sentido de negar provimento ao recurso e manter-se o decidido.

Na verdade, e citando o referido acórdão – de 18.01.2021, proferido no processo n.º 16209/18.8T8PRT.P1 – “anteriormente às alterações introduzidas no Código do Trabalho (aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro), nomeadamente, com o aditamento do art.º 286º-A (pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, que alterou o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento e reforça os direitos dos trabalhadores), em situações de válida transferência de uma Unidade Económica, a única forma de os trabalhadores se oporem à transmissão dos seus contratos de trabalho era através do instituto da resolução do seu contrato de trabalho com a cedente invocando justa causa”.

10. Ora, considerando que o recurso apresentado a este Supremo Tribunal de Justiça, reproduz praticamente tudo o que já havia sindicado, junto do Tribunal recorrido, com a diferença de fazer sua “bandeira” a única matéria relativamente à qual este Tribunal não foi unânime, não pode, em nosso entender, naturalmente, ignorar-se, além do mais, os seus vícios no que respeita à gritante inobservância do disposto no art.º 640 do CPCivil.

11. Cumpre, pois, analisar/dissecar o voto de vencido, que está na origem/possibilitou este recurso ordinário!

Refere o Exm.º Desembargador que votou vencido, que:

“Na verdade, a mesma questão - “Transmissão de unidade económica” - foi apreciada e decidida em sentido negativo por acórdão proferido no processo n.º 862/18,5T8PNF.P1, no qual figuravam onze autores e uma diferente empresa satélite, o qual subscrevi como 1.º Adjunto.

[Registo que nesse processo, as rés apresentaram apenas recurso de revista e não também recurso excepcional, que, em substituição da Exma. Colega Relatora, não admiti e as rés conformaram-se, tendo a decisão transitado em julgado].

Nesse acórdão foram tidos em conta os vários índices que o TJUE tem indicado para se chegar à conclusão, ou não, da existência de uma Unidade Económica e da sua transferência, pelo que foi negado o pedido do reenvio prejudicial.

Em síntese:

O conceito «de suficiente autonomia funcional» é um «caldeirão» onde «tudo e nada cabe».

No caso em apreço, estando provado que a 2.ª ré funciona nas mesmas instalações da ré “MEO”, empresa dominante, que também controla o Portal ET, através do seu Departamento de Tecnologias de Informação (“DIT”), certificando os resultados obtidos pela 2.ª ré, ou seja, estando provado que a 2.ª ré não só não tem instalações próprias e autónomas, como, sobretudo, não tem o domínio exclusivo do Portal ET, é de concluir pela inexistência da suficiente autonomia funcional que sustente a transmissão de unidade económica decidida no acórdão por maioria.

No meu entender, não estando, pois, verificados os requisitos previstos no artigo 285º do Código do Trabalho que consubstanciem a transmissão da unidade económica em causa, decidiria pela procedência do recurso e consequente procedência da acção”.

12. Olvidou-se, foi, que ESTA MESMA MATÉRIA, também já foi objeto de outras decisões contrárias à que defende no mesmo Tribunal da Relação do Porto, como, aliás, se identifica no supra referido Parecer do Ministério Público, junto desse Venerando Tribunal, e, sobretudo, e especialmente, de uma decisão DIFERENTE da que preconiza, pelo Supremo Tribunal de Justiça, onde essa mesma matéria já foi muito bem escrutinada, e superiormente analisada, em sentido oposto ao seu voto de vencido!

13. Efetivamente, ignorou aquele voto de vencido, a decisão da 4.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, proferida no âmbito do processo n.º 1946/17.2T8TMR.E1.S1, a fls. 21 a 35, já se tinha pronunciado sobre essa mesma matéria Transmissão de unidade económica, concluindo que: «Em caso de transmissão da titularidade de parte de empresa que constitua uma unidade económica, a continuação da utilização pela adquirente, que presta serviços à transmitente de certificação de técnicos, de uma plataforma informática concebida e que continua a ser atualizada pela transmitente, para o processo de certificação dos seus técnicos, não impede que se possa concluir que ocorreu transmissão para a adquirente da referida unidade económica que, apesar de utilizar a referida ferramenta informática, mantém a sua autonomia, apoiada num conjunto de meios organizados que permitem prosseguir a sua atividade económica».

14. Além de que, se acrescenta que no referido voto de vencido se ignorou toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (e da prova documental constante dos autos), relativamente aos bens corpóreos e incorpóreos inerentes e afetos à atividade transmitida, e que foram, efetivamente, transmitidos, assim se tendo permitido a continuidade da atividade, mas, agora, pelas mãos da transmissária, como de resto se encontra devidamente descrito nas motivações, e já havia sido objeto de resposta ao recurso apresentado pela recorrente para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. o que a este propósito é alegado nas motivações a respeito dos factos dados como provados em 54.º, 131 e 134 dos factos assentes, que aqui se dá por integralmente reproduzida, para todos os legais efeitos).

15. Quanto aos demais factos dados como provados, a aqui recorrida dá por reproduzido TUDO o que sobre os mesmos foi decidido (exemplarmente) pelo Tribunal recorrido, o que naturalmente significa, que não assiste razão à recorrente, mesmo que minimamente.

16. E reforçando, como (também) supra mencionado no Parecer do Ministério Público, sobre os mesmíssimos factos em discussão nestes autos, (embora respeitantes a outros trabalhadores das RR.), já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, Secção Social, em acórdão proferido em 18/01/2021, no âmbito do Processo n.º 16209/18.8T8PRT.P1, Juiz Desembargadora Relatora “Rita Romeira”, (SEM QUALQUER VOTO DE VENCIDO), que, mantendo a decisão proferida pela 1.ª instância, considerou estarem totalmente verificados os requisitos de que depende a existência de uma unidade económica (Centro...) e considerou válida a transmissão.

9.

Contra alegou a Ré Meo com as seguintes conclusões:

O douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo devendo manter-se nos seus exactos termos;

Contrariando o voto de vencido da douta Decisão recorrida atente-se na decisão proferida por Acórdão, datado de 03.03.2021, da 4ª Seção desse douto Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo com o n.° 1946/17.2T8TMR.E1.S1, a respeito, precisamente, da mesma transmissão de estabelecimento - U... - com a Rés MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, SA e Sudtel Tecnologia, SA, e que de­cidiu que “(...) estão preenchidos os pressupostos previsto no artigo 285º do Código do Tra­balho, quanto à transmissão de unidade económica, com as respetivas consequências no que concerne à transmissão dos contratos de trabalho que vinculavam os A.A. à MEO, SA. para a adquirente Studel SA." - (negrito e sublinhado nosso).

Das Alegações de Recurso apresentadas resulta evidente (i) a adoção de uma técnica de impugnação por “blocos de pontos de facto” que não satisfaz as exigências decorrentes do artigo 640.° n.° 1 alínea b) do NCPC; a que acresce (ii) uma indicação também genérica e “em bloco” dos meios de prova e sem efetuar a necessária correspondência e referência dos meios de prova a cada um dos factos em concreto, o que impede o douto Tribunal recorrido de efetuar o percurso e raciocínio lógico-jurídico que a Recorrente terá feito e, consequentemente, que determina a inadmissibilidade do recurso apresentado;

Acresce que sob a indicação de “matéria de facto”, o que a Recorrente fez foi interpretar os factos dados como provados e como não provados e os factos que alegou na petição inicial para concluir de forma distinta daquela que veio a fazer o douto Tribunal a quo mas não pretendendo uma verdadeira alteração da decisão da matéria de facto.

Da factualidade provada resultou que a Unidade Económica transmitida se apresenta como um complexo organizado de bens e de pessoas com vista à prossecução da atividade económica, inexistindo qualquer transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, ou que não são essenciais ou destinados à prossecução da atividade económica transmitida;

Acresce que os elementos corpóreos e incorpóreos que compunham a unidade económica e que foram transmitidos - pontos da matéria de Factos Provados 50 a 52; 87; 92 a 110; 113 a 121 e 123 a 134 e Factos Não Provados 2; 3; 5; 9 e 10 - se revelaram como os essen­ciais à prossecução da atividade pela unidade económica transmitida;

Da factualidade provada também resultou inexistir qualquer poder de direção da parte dos colaboradores da MEO sobre os colaboradores transmitidos (pontos da matéria de facto provada 111 e 112 e 115 a 120 e depoimentos de VV, GG e SS as quais confirmaram a manutenção dos locais de trabalho, e referiram-se às respetivas chefias dentro da Recorrida, Sudtel), sendo, aliás, a própria Recorrente quem, quando questionada sobre quem lhe dava ordens, responde: “O DD” e, ainda, quando questionada diretamente “se responde perante o CC e BB”, responde: “Ai não. São da MEO. Não”, ou “se a partir do dia 24 de Julho 2017 se recebia orientações da MEO”, responde “recebia pedidos, não vou dizer sejam orienta­ções”.

Os próprios e-mails juntos com a P.I. com os n.ºs 36 a 42, tratam-se antes de meras comu­nicações institucionais, inclusivamente a própria Recorrente referiu que o e-mail que cons­titui o Doc. 42 é de carácter geral e não apenas dirigido a ela, assim como os documentos 44 e 45 juntos com a petição inicial.

No que respeita ao Portal de Excelência Técnica (ET), ficou provado que o mesmo não era “o principal instrumento de trabalho da área de formação/certificação”, servindo, apenas, para identificar as necessidades de formação dos técnicos ao seu serviço, consubstanciando-se numa base de dados tendo, inclusivamente, deixado de ser utilizado pelos traba­lhadores transmitidos, e os mesmos passado a aceder com um perfil de utilizador da Sudtel e à plataforma “Place”.

O tipo de serviço vendido pela Sudtel à MEO, com a execução dos serviços desenvolvidos por esta por meio da unidade económica em causa, é uma atividade formativa “à medida” da pretensão do cliente e por isso é natural que seja a MEO que tem capacidade e know-how técnico para identificar as necessidades formativas que são necessárias, e, assim, in­dique quais as formações de que necessita.

Da factualidade provada resulta que a atividade transmitida é desenvolvida pela Sudtel, de forma autónoma e independente, sem prejuízo da relação de cliente/fornecedor exis­tente entre ambas as sociedades.

A Recorrente carece de razão quando invoca que nunca existiu uma Unidade Económica na Recorrida do Centro... e que a MEO se limitou a ceder alguns trabalha­dores para uma empresa de pequena dimensão, mera prestadora de serviços e sua depen­dente. A Unidade Económica não tem de revelar autonomia enquanto integrada na em­presa ou estabelecimento de que era parte assumindo, sim, relevância que a parte do esta­belecimento destacada forme uma unidade económica própria, dotada da organização ne­cessária para que nela se continue a atividade idêntica/semelhante à que vinha sendo exer­cida na Transmitente - o que sucedeu no caso dos autos.

Não é necessário que sejam transmitidos todos os meios, ferramentas ou equipamentos do cedente para o cessionário, bastando que sejam retomados pelo cessionário os meios ma­teriais essenciais à prossecução da atividade pela unidade económica transmitida.

O sentido da doutrina e jurisprudência sobre a autonomia da Unidade Económica é o seguinte:

Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, “(... ) o critério a ter em conta não deve ser o da organização formal da empresa (em secções ou serviços), mas antes o critério eco­nómico da possibilidade de individualização de uma parte da sua actividade numa unidade negocial autónoma." - (sublinhado nosso).

David Carvalho Martins “A unidade económica deve ser suficientemente estruturada e autónoma, mas não inclui necessariamente meios corpóreos ou incorpóreos significativos. Por forma a não privar os trabalhadores de determinados setores de proteção do instituto, designadamente aqueles caracterizados pela utilização essencial de mão-de-obra (por exem­plo, a segurança e vigilância privadas e a limpeza), a judicatura europeia considera que os elementos da unidade económica podem ser reduzidos à sua expressão mais simples, assen­tando a atividade essencialmente na mão-de-obra.” (...). Em suma, não será essencial saber se a unidade económica transmitida tinha autonomia enquanto esteve integrada na empresa ou estabelecimento de que era parte, pois é natural que essa integração implicasse a existên­cia de actividades comuns aos diversos ramos ou núcleos do negócio a que se dedica o transmitente. Relevante é sim que a parte do estabelecimento destacada forme uma unidade eco­nómica própria, dotada da organização necessária para que nela se continue a desenvolver a mesma ou equivalente actividade produtiva, agora levada a cabo pelo transmissário."

Pedro Furtado Martins, “(...). Decisivo é que o conjunto de bens e serviços destacados, uma vez transmitidos, permitam ao transmissário continuar a exercer a mesma ou equiva­lente atividade a que o transmitente se dedicava através da utilização desse mesmo conjunto organizado de bens e serviços destacado do estabelecimento. (...) Em suma, não será essen­cial saber se a unidade económica transmitida tinha autonomia enquanto esteve integrada na empresa (..,). Relevante é sim que aparte do estabelecimento destacada forme uma unidade económica própria, dotada da organização necessária para que nela se continue a desenvol­ver a mesma ou equivalente actividade produtiva, agora levada a cabo pelo transmissário”- (sublinhado nosso).

Acórdão do Tribunal de Justiça o seguinte: “(...) não é a manutenção da organização específica que o empresário impõe aos diversos fatores de produção transferidos, mas sim do nexo funcional de interdependência e complementaridade entre esses fatores, que constitui o elemento pertinente para concluir pela conservação da identidade da entidade transferida.

(...) Assim, a manutenção desse nexo funcional entre os diversos fatores transferidos permite que o cessionário os utilize, mesmo que sejam integrados, depois da transferência, numa nova e diferente estrutura organizativa, afim de prosseguir uma atividade económica idêntica ou análoga. (...) Neste contexto, a apreciação da existência de uma entidade económica, na acepção do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 2001/23, impõe que se verifique se os meios de ex­ploração transferidos pelo cedente constituíam para ele um conjunto operacional suficiente por si só para permitir a prestação dos serviços característicos da actividade económica da empresa sem recorrer a outros meios de exploração significativos ou a outras partes da em­presa.” (sublinhado nosso).

e) “O artigo 1.°, n. 1, alínea a), da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «transferência [...I de uma empresa ou de um 1 estabelecimento», na aceção desta disposição, uma situação em que um contratante resolveu o contrato de pres­tação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma em­presa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indis­pensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa.” - (sublinhado nosso).

                Carece de qualquer fundamento de facto e de Direito a argumentação de acordo com a qual o negócio celebrado entre as Recorridas é um “mero negócio simulado e nulo”, apenas porque entende a Recorrente que a 2ª Ré é uma pequena sociedade comercial que faz parte integrante do universo ALTICE, e uma mera prestadora de serviços da MEO. Inexiste e também não foi provada qualquer fraude à lei, tampouco que a MEO tenha agido em abuso de posição dominante, em abuso de poder, abuso de direito, desvio de poder e em fraude à lei.

A transmissão de estabelecimento pressupõe a prossecução da atividade recebida de forma estável e autónoma pelo transmissário e, a verdade é que, já mais de quatro anos volvidos, desde que produziu efeitos a transmissão da Unidade Económica em causa e a respetiva atividade continua a ser desenvolvida na e pela Sudtel de forma estável e duradoura, e os trabalhadores transmitidos, continuam a fazer parte da mesma.

Por último, não se encontrando fundamento para qualquer alteração à douta decisão re­corrida, também não se encontra fundamento para sustentar qualquer compensação por alegados danos morais a favor da Recorrente.

10.

Neste STJ o MP emite parecer defendendo “não padecer o acórdão das nulidades invocadas pela autora e ter-se verificado uma transmissão válida da unidade económica em causa (...)”.

11.

Apesar das extensas conclusões apresentadas nas quais a Recorrente, para além de concluir, o que deveria fazer apenas, e só, mas também argumenta, são apenas 4 as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:

Quando impugnou a matéria de facto por blocos, por opção sua, a Recorrente identificou os concretos factos que pretendia impugnar e os meios probatórios que permitem a alteração da matéria de facto;

Há determinados pontos da matéria de facto (que identifica) que terão de ser alterados;

Não houve transmissão de uma qualquer unidade económica porque, para esta poder ser transmitida, tem de mostrar ser uma organização produtiva estruturada e com autonomia, o que não sucede com a Ré Sudtel;

As RR simularam um negócio jurídico pois que apenas foi transmitido um “punhado” de trabalhadores com os seus computadores e impressoras.

II – Fundamentação

De facto

1.

A 1ª Instância considerou provada a seguinte factualidade, alterada em 3 pontos pelo TR do Porto (alteração consignada no local próprio):

1. A Autora foi admitida ao serviço da Portugal Telecom, S.A., por contrato de trabalho a termo, em 1.8.1996, para prestar tarefas de atendimento telefónico, situação que se manteve até 1.8.1998, altura em que a Autora foi dispensada e a relação de trabalho existente cessou.

2. Na sequência de decisão judicial que considerou ilícito o despedimento da Autora e que determinou a sua reintegração, esta voltou aos quadros da Portugal Telecom, S.A., na condição de contratada por tempo indeterminado, com efeitos a 1.8.1996.

3. Em setembro de 2004, a Portugal Telecom, S.A. alterou a sua denominação para MEO, S.A., aqui 1.ª Ré.

4. A MEO, na sua generalidade, dedica-se à conceção, construção, gestão e  exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas; à prestação de serviços  de comunicações eletrónicas, dos serviços de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e à atividade de televisão (cfr. cópia da Certidão Permanente junta com a contestação da Ré MEO, sob Doc. nº 2, aqui dada por reproduzida).

5. Em 7.7.2017, a 1.ª Ré emitiu duas declarações nas quais reconhecia, àquela data, que a Autora pertencia aos seus quadros desde 1.8.1996, tendo a categoria profissional de Ténico Superior, bem como os departamentos, desde a sua reintegração na Portugal Telecom, S.A. em 1999 e até 2017, por que a Autora passou na empresa (cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos).

6. Em 2011, a Autora passou para a D..., para o departamento que à época tinha o nome de P... (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido).

7. Departamento que, dedicado à área da formação/certificação, foi, ao longo do tempo, sofrendo alterações, não apenas na denominação, mas também no desenvolvimento da atividade respetiva, bem como no elenco dos trabalhadores que o compunham.

8. Até 30.4.2014, o departamento manteve o nome de P...; entre 1.5.2014 e 30.9.2015, passou a ser C...;

entre 1.10.2015 e 31.12.2016, C...; entre 1.1.2017 e 30.6.2017, D...; entre 1.7.2017 e 21.7.2017, Centro... (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial, aqui dado por reproduzido).

9. Ao longo destes anos a 1.ª Ré tem vindo a desenvolver a atividade de formação/certificação.

10. A MEO desenvolveu um programa de qualificação dos seus técnicos, que se adequasse aos objetivos de diferenciação da empresa e, sobretudo, às necessidades dos seus clientes.

11. Teve início no ano de 2011, o projeto criado pela 1ª Ré, que com a finalidade de validar os conhecimentos e competências dos técnicos MEO (internos e externos) criou um programa designado “Certificação MEO”.

12. Este programa sujeitava os vários técnicos MEO (internos e externos) a uma diversidade de provas teóricas e práticas, na sequência, ou não, de ações de formação, os quais, após aproveitamento, obtinham a aprovação “Certificação MEO”.

13. Aquando da transmissão de estabelecimento em análise a Certificação MEO atestava a conclusão com sucesso, por parte do técnico, de formação nas componentes: técnica, de segurança e comportamental.

14. A Certificação MEO na componente técnica atestava, através de um processo sistemático de validação de competências / skills dos técnicos, a capacidade para realização de um maior número de atividades no mesmo período de tempo e sem necessidade de correções – “Fazer Mais e Melhor”.

15. A Certificação MEO na componente segurança atestava e tinha como principal objetivo promover comportamentos seguros e reduzir a sinistralidade.

16. E a Certificação MEO na componente comportamental era uma ferramenta essencial no sentido de garantir que os técnicos que entram em contacto com os clientes estão habilitados a promover a fidelização / lealdade dos clientes, potenciando a afinidade emocional com a marca MEO.

17. A multiplicidade de tecnologias utilizadas na área das telecomunicações levou a que, em conjunto com as respetivas áreas operacionais, fossem desenvolvidos diversos modelos de certificação atendendo às diferentes especialidades, os quais iam sendo atualizados de acordo com a evolução tecnológica que se registasse e as regras de negócio da MEO.

18. Podiam, e podem identificar-se vários modelos de certificação, como: MEO Cobre; MEO Fibra MEO Satélite, entre tantos outros.

19. Para um técnico da especialidade MEO Fibra obter a “Certificação MEO” tem de concluir com sucesso:

- Prova teórica e prova prática da área técnica – certificação técnica;

- Formação, prova teórica e prova prática na área de segurança – certificação segurança;

- Formação e prova teórica na área comportamental – certificação comportamental;

20. A atividade de formação e certificação MEO nas componentes técnica, de segurança e comportamental, era desenvolvida na MEO atendendo à seguinte estrutura organizativa: uma “Direção...” ou D...(“D...”), composta por vários Departamentos, de entre os quais o Departamento de G....

21. O Departamento de GDC era composto pelas seguintes estruturas: (i) Controlo... (“C...”); (ii) Planeamento... (“P...”), (iii) C... (“C...”); (iv) ... e ... (“...”); (v) D... (“D...”) e a (vi) C... (“C...”).

22. Era na estrutura da C... (“C...”), que se vinha desenvolvendo a atividade de operacionalização dos modelos de formação/certificação interna dos técnicos MEO, nas componentes de S..., Técnica e de Segurança.

23. A estrutura da C... (“C...”) integrava o Centro..., composto pelas áreas ... – D...;  ... – D... (cfr. Doc nº 3 junto com a contestação da 1.ª Ré, aqui dado por reproduzido).

24. Esta atividade era desenvolvida a nível nacional, concretamente nos estabelecimentos de ..., ... e ... e respetivas salas de formação existentes no país.

25. O Centro... de técnicos MEO, desenvolvia a atividade de:

(i) ações de transferência de conhecimentos e validação de competências nas vertentes técnica, comportamental e de segurança, garantindo a estandardização de práticas que permitam conhecimentos atualizados e ferramentas adequadas, as quais incluem provas práticas, teóricas e simulações de casos reais e entrega dos competentes relatórios de avaliação e certificado interno de competências;

(ii) validação de componente logística (equipamentos de medida, ferramentas, fardamento, viaturas, Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC); e

iii) Inspeção e substituição de EPI, incluindo a sua verificação e ensaio.

26. As principais componentes da atividade de formação/certificação MEO de técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental podem descrever-se nos seguintes termos:

- A definição e promoção da aquisição de competências essenciais à prestação de serviço de qualidade e diferenciador do serviço a prestar ao Cliente, na área tecnológica, segurança e interação com o Cliente;

- A elaboração das provas de certificação e respetivos planos assegurando a sua operacionalização;

- A criação/atualização de conteúdos de formação técnica, em articulação com as operações do cliente;

- A gestão de todos os centros/locais onde se desenvolve a certificação;

- A colaboração no cumprimento do regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho através de ações de formação;

- Propositura de ações de formação na área da segurança, para técnicos das operações, desenvolvimento dos respetivos conteúdos de formação;

- Inspeção de EPI anti queda dos técnicos das operações e garantir a permanente atualização de competências dos inspetores internos para o efeito;

- Proceder à elaboração dos planos de formação nas áreas: tecnológica, segurança e soft skills e assegurar a sua operacionalização;

- Proceder à emissão de certificados e garantir a atualização das competências, na área tecnológica, segurança e desenvolvimento pessoal dos técnicos das operações;

- Proceder à definição das soft skills a desenvolver nos técnicos das operações, no âmbito da sua interação com o Cliente;

- Desenvolver e atualizar conteúdos de formação na área de soft skills, em  articulação com as operações;

- Garantir o conhecimento por parte das operações dos produtos e serviços do Cliente.

27. Em julho de 2015, e após um pedido efetuado junto da D..., esta reconheceu formalmente o departamento de formação/certificação da 1.ª Ré como uma entidade formadora certificada (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial que dá por integralmente reproduzido).

28. Passando aquele departamento a poder ministrar formação reconhecida pela D... nas áreas de Desenvolvimento Pessoal (formação comportamental), Electrónica e Automação (formação técnica) e Segurança e Higiene no Trabalho.

29. A referida certificação foi reconhecida à MEO, nas áreas 090, 562, 861, em julho  de 2015, e a aqui 1ª Ré, enquanto entidade empregadora já desenvolvia formação nas  respetivas áreas, mesmo antes, e independentemente, da referida certificação.

30. A formação ministrada antes e depois da c... era exatamente a mesma, semelhante e registada, toda ela, na plataforma SIGO, não se baseando no catálogo de qualificações da A...- Associação....

31. Os técnicos titulares da “Certificação MEO” são reconhecidos pela MEO como  cumprindo com um determinado padrão de qualidade, que a MEO – por mera gestão - impõe a todos os técnicos que atuem no terreno, em seu nome,  independentemente de serem seus colaboradores, ou prestadores de serviços.

32. A atividade de Centro... desenvolve-se na concretização ou operacionalização de eventos de formação da field force técnica MEO e, bem assim, a inspeção de EPI’s.

33. Esta operacionalização dos eventos de formação abrange três áreas distintas: (i) a técnica; (ii) a de segurança e a (iii) comportamental, as quais corporizam o programa “Certificação MEO”.

34. O Centro... (nas suas componentes de Competência Técnica, Competência Segurança e Desenvolvimento de Soft Skill) abrange toda a field force técnica MEO, i.e., todos os técnicos (sejam colaboradores MEO ou colaboradores externos/prestadores de serviços), que prestem trabalho ao serviço da MEO.

35. A MEO requereu a sua certificação junto da D... por forma a poder desenvolver e ministrar formação, também, a entidades terceiras.

36. Nesse âmbito, e excluindo a formação “Certificação MEO” da field force técnica MEO, a qual integra as componentes técnica, segurança e comportamental, e que é operacionalizada pelo Centro..., a MEO também promove – enquanto entidade devidamente certificada pela D... – formação para outras entidades terceiras.

37. Para poder ser entidade formadora devidamente certificada pela D..., a MEO necessita de ser titular de um C....

38. Os trabalhadores da área de formação/certificação (onde se incluía a Autora) estavam agrupados no C..., organizados em três departamentos distintos: D...; e D... (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial e que dá por integralmente reproduzido).

39. Encontrando-se dispersos por vários pontos do país, em locais de trabalho da 1.ª Ré, assegurando as competências técnicas, de segurança e comportamentais exigidas aos técnicos, através de procedimentos que lhes permitiam identificar as necessidades formativas dos colaboradores da 1.ª Ré e garantir a formação adequada.

40. Contando para o trabalho de gestão e planeamento da formação com uma aplicação informática denominada ... (cfr. doc. 7 junto com a  petição inicial que dá por integralmente reproduzido).

41. Todos os trabalhadores da 1.ª Ré afetos à área de formação/certificação respondiam a BB, líder do C..., e CC, chefia da G... – Gestão, D... (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial que dá por integralmente reproduzido).

42. Enquanto colaboradora afeta ao departamento de formação/certificação, cabia em concreto à Autora a organização da formação de acordo com o registo do portal ET dos técnicos que necessitavam de formação.

43. Sendo ainda da sua responsabilidade a elaboração dos relatórios finais de formação a enviar às chefias e a emissão dos certificados de formação.

44. Em concreto, e essencialmente, eram as seguintes as tarefas desempenhadas pela A.: (i) DTP – dossier técnico-pedagógico; (ii) reserva de salas; (iii) folhas de presença, sumários e avaliações; (iv) emissão certificados SIGO; (v) relatórios das ações.

45. A Autora procedia ainda ao envio de convocatórias para as formações e registo de presenças.

46. A Autora prestava as suas funções no n.º... ..., sob as orientações diretas de DD, cujo local de trabalho ficava na Rua ... ..., e BB, chefia do C... e colocada em ....

47. Para o desempenho das suas tarefas, a Autora tinha à disposição um conjunto de instrumentos de trabalho, como um computador, um telefone, uma impressora, e todo o mobiliário de escritório necessário, e acesso ao portal ET.

48. No mesmo edifício onde se encontrava o local de trabalho da Autora (n.º... ...) funcionavam outros departamentos da 1.ª Ré.

49. Entre eles o S..., que também pertencia ao C....

50. Em 29.6.2017, e apelando ao disposto nos arts. 285.º e ss. do CT, a 1.ª Ré comunicou aos delegados sindicais dos respetivos locais de trabalho uma “reorganização funcional”, referindo: “(…) a MEO - S..., SA. (“MEO ou  “Transmitente”) se encontra num processo de compra e venda da unidade económica  autónoma correspondente à atividade de desenvolvida pelo “Centro...” como  sumariamente se descreve, o serviço de certificação de técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental, garantindo a respetiva competência na cadeia de rede – a “Atividade Relevante” -, a qual será incorporada na sociedade SUDTEL TECNOLOGIA, S.A. (“SUDTEL” ou “Transmissário”) “(cfr. documento ...0 junto com a petição inicial, que dá por integralmente reproduzido).

51. Nessa comunicação, pode ainda ler-se que:

“A compra e venda referida é operada nos termos e com os seguintes fundamentos:

I – Motivos e objetivos da Compra e Venda

A Compra e Venda fundamenta-se na necessidade de reorganizar o “Departamento de G...”, transmitindo a unidade económica autónoma “Centro...” - composto pelos estabelecimentos de ..., ... e ... – o qual tem como principal missão a certificação de técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental, garantindo a competência daqueles técnicos que atuam na cadeia da rede, pretendendo-se, ao presente, descontinuar de forma interna essa atividade.

Como principais razões que conduziram à operação identificada, podem apontar-se, em linhas gerais, os seguintes pontos:

a) Razões de natureza organizacional: a desmaterialização da atividade do “Centro...” justifica-se na MEO, uma vez que já existe uma estandardização dos produtos, serviços, ferramentas e tecnologias e certificações na força de trabalho, também esta já com estabilidade formativa, deixando de fazer sentido, ao presente, um modelo de serviço que pressupunha a manutenção de um Centro... No que se refere ao Transmissário, irá receber a atividade do Centro... que lhe permitirá focar na certificação dos seus técnicos e clientes, nas skills relacionadas com a fibra ótica e ainda na atualização das certificações técnicas, de segurança e comportamental, com vista à estandardização e apdronização de soluções tipo para o ... (B2B) e para o ... (B2C) que ainda não foi alcançada;

b) Obtenção de sinergias funcionais e comerciais: a integração da Atividade Relevante na SUDTEL, Transmissário, vai possibilitar a maximização do valor da empresa;

c) Maximização dos recursos e resultados: otimização dos recursos (humanos, técnicos e comerciais) através da reorganização do “Departamento...- G...” e transmissão do negócio da “U...”, uma vez que a estandardização dos produtos e serviços, ferramentas e tecnologias presentemente existentes na MEO e, ainda, a estabilidade formativa dos seus técnicos em skills técnicas, de segurança e comportamentais, fazem com que, ao presente, deixe de ser necessário a manutenção em modelo de serviço permanente e efetivo de um Centro... pela MEO, o qual sendo transmitido para terceiros permitirá à MEO deixar de assegurar internamente a referida atividade.”

“II – Efeitos da Compra e Venda ao nível dos Contratos de Trabalho”

Na sequência da compra e venda acima enunciada, a unidade económica autónoma – a Atividade Relevante - é transmitida para a SUDTEL (Transmissário), para a qual se transferem a globalidade dos elementos patrimoniais adequados ao suporte do exercício da referida atividade, designadamente (I) o ativo fixo, inventários e créditos a ela afeto; (ii) e o passivo economicamente relacionado com a Atividade Relevante – incluindo, sem limitação, o resultante das responsabilidades decorrentes dos contratos, designadamente de natureza laboral, abrangendo os colaboradores identificados no Anexo I à presente comunicação, o que implicará a consequente cessação integral e definitiva da atividade da unidade económica autónoma na Sociedade Transmitente.

Face ao exposto, e por força da compra e venda, conforme disposto no n.º 1 do artigo 285.º do CT, é igualmente transmitida para a SUDTEL, Transmissário, a posição atual de Entidade Empregadora da MEO, nos contratos de trabalho objeto de transmissão com os seus trabalhadores.

A transmissão de posição contratual acima referida produzirá os seus efeitos a partir da primeira hora do dia 22 de julho de 2017, concluída a operação de compra e venda, data a partir da qual a SUDTEL passa a assumir a posição de Entidade Empregadora nos contratos de trabalho objeto de transmissão celebrados com a MEO.

Deste modo, e face à aludida transmissão de posição contratual, todos os atuais trabalhadores da unidade económica autónoma identificada da MEO serão incorporados e integrados, de acordo com as respetivas categorias profissionais, nos quadros e departamentos da SUDTEL, mantendo aqueles todos os direitos adquiridos, decorrentes das respetivas relações laborais de base, incluindo designadamente, direito a férias, direito a subsídio de férias e a retribuição de férias, direito a subsídio de Natal, e ainda a respetiva antiguidade. Informa-se que na presente data com a referida transferência não se encontram previstas quaisquer medidas decorrentes da transmissão que tenham impacto no enquadramento laboral dos trabalhadores abrangidos pela transmissão, com exceção dos necessários processos de integração nas políticas sociais e procedimentos da SUDTEL, não tendo sido projetadas quaisquer outras medidas que afetem a manutenção dos vínculos laborais.

De igual modo, conforme disposto e nos exatos termos constantes do artigo 498.º do    CT, não obstante a compra e venda e a consequente transmissão, para a SUDTEL, da posição contratual da MEO nos contratos de trabalho afetos à unidade económica autónoma transferida, o Acordo Coletivo de Trabalho atualmente vigente na MEO, mantém a sua aplicação plena às relações laborais no âmbito das quais a mencionada transmissão da posição contratual ocorre.”

52. Aquela missiva veio acompanhada de uma listagem com o nome dos 22 trabalhadores envolvidos na transmissão de estabelecimento entre as RR., onde se inclui o da ora Autora:

1. VV

2. GG

3. HH

4. II

5. LL

6. MM

7. JJ

8. NN

9. GGG

10. ZZ

11. KK

12. OO

13. PP

14. AA

15. QQ

16. UU

17. WW

18. XX

19. DD

20. RR

21. SS

22. TT

53. Do elenco de trabalhadores do anexo transcrito, não consta o nome dos três trabalhadores AAA, BBB e CCC.

54. Quatro dos trabalhadores referidos em 52 rescindiram o seu contrato de trabalho com a MEO, por documento com data anterior à da produção de efeitos da transmissão de estabelecimento e, por conseguinte, não chegaram a integrar os quadros da referida 2ª Ré.

Redacção da Relação do Porto:

Quatro dos trabalhadores referidos em 52 (KK, MM, ZZ e QQ) rescindiram o seu contrato de trabalho com a MEO, por documento com data anterior à da produção de efeitos da transmissão de estabelecimento e, por conseguinte, não chegaram a integrar os quadros da referida 2ª Ré

55. Esta transmissão de estabelecimento foi comunicada, por escrito, à comissão de trabalhadores (cfr. Doc. 6 junto com a contestação da 1.ª Ré, que se dá integralmente reproduzido).

56. A MEO convocou os trabalhadores abrangidos pela transmissão de estabelecimento em causa, através do envio de e-mail, solicitando a sua comparência nas instalações da MEO, ou não sendo possível, para se juntarem à reunião por videoconferência disponibilizada pela empresa para esse efeito (cfr. Doc nº 7 junto com a contestação da 1.ª Ré, que se dá integralmente reproduzido).

57. Nos dias 30 de junho e 7 de julho, ambos de 2017, tiveram lugar as referidas reuniões da transmitente com a transmissária, nas quais foi comunicada pela MEO aos trabalhadores a intenção da empresa transmitir a unidade económica em causa no decurso do mês de julho de 2017.

58. Foram ainda comunicados os motivos da transmissão; quais os ativos que incluíam essa transmissão/venda; as consequências para os trabalhadores abrangidos pela mesma; a garantia de que o vínculo laboral dos trabalhadores continuaria, agora, com a transmissária, e o teor das medidas projetadas.

59. Apresentada a transmissária 2ª Ré Sudtel, nas pessoas dos seus representantes legais, estes partilharam a atividade desenvolvida pela empresa e a garantia de que o conjunto de atividades/serviços comprados pela transmissária continuariam a ser assegurados, nos mesmos termos, pelos trabalhadores incluídos na transmissão.

60. Foi dada oportunidade aos trabalhadores de colocarem as suas questões, quer à MEO na pessoa da sua ..., JJJ, quer na pessoa dos Responsáveis da área FF, e ainda aos representantes das transmissárias.

61. Estiveram, igualmente presentes, representantes dos vários Sindicatos representativos dos trabalhadores e membros da comissão de trabalhadores.

62. Decorreram várias reuniões com as ..., no sentido de esclarecer as dúvidas colocadas e assegurar o cumprimento dos respetivos requisitos legais (cfr. Acta das reuniões junto como Doc nº 8 da contestação da 1.ª Ré, que se dá integralmente reproduzido).

63. Decorreu um processo de resolução de conflito junto da D..., em resposta a um pedido SNTCT – Sindicato Nacional Trabalhadores Correios e Telecomunicações, e outros.

64. Em resposta à comunicação remetida pela 1.ª Ré em 29.6.2017, a A. enviou, em 13.7.2017, uma missiva com um conjunto de dúvidas e objeções ao negócio da transmissão e respetivas consequências (cfr. doc. 11 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).

65. Tendo a 1.ª Ré respondido que “se encontram totalmente preenchidos e verificados os requisitos legais de que depende a transmissão de estabelecimento, pelo que não podemos deixar de refutar liminarmente as considerações aí efectuadas” (cfr. doc. 12 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).

66. O sindicato da A. (SNTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações) enviou missivas à 1.ª Ré nos dias 13.7.2017 e 21.7.2017, dando conta da insuficiente informação prestada sobre o negócio da transmissão e as muitas dúvidas que se lhe colocavam acerca da sua licitude (cfr. docs. 13 e 14 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos).

67. Em 18.7.2017, as organizações representativas dos trabalhadores (onde se incluía o sindicato da A., o SNTCT) requereram junto da D... a abertura de um processo de prevenção de conflitos que tinha como objeto as transmissões de estabelecimento efetuadas pela 1.ª Ré (cfr. doc. 15 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).

68. Após três reuniões, foi decidido pelo conciliador encerrar o processo, tendo aberto de imediato um outro, que junta a 1.ª Ré e todas as outras empresas envolvidas nos negócios das transmissões (cfr. docs. 16, 17 e 18 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos).

69. Ao mesmo tempo que requereram a abertura de um processo na D..., as organizações representativas dos trabalhadores requereram à ACT que esta averiguasse os termos da transmissão de estabelecimento.

70. A ACT proferiu relatório em 25.8.2017, no qual, no que toca à transmissão de estabelecimento, refere que “(…) a ACT analisou, caso a caso, a posição de todos os trabalhadores abrangidos, não tendo reunido matéria de facto, no período em referência, que permita sustentar, em termos contraordenacionais, a não transmissão da posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores abrangidos.” (cfr. doc. 20 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).

71. No que diz respeito à informação e consulta dos trabalhadores refere “(…) as empresas adquirentes não deram cumprimento integral a estas obrigações previstas no artigo 286.º do Código do Trabalho, pelo que foram objeto do competente procedimento contraordenacional (…).” (cfr. doc. 20 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).

72. As organizações representativas dos trabalhadores solicitaram ainda a intervenção do Parlamento sobre as transmissões de estabelecimento negociadas pela 1.ª Ré no início do verão de 2017.

73. Tendo reunido com a Comissão de Trabalho e Segurança Social da Assembleia da República, onde apresentaram e discutiram propostas de alteração ao regime da transmissão de estabelecimento previsto no Código do Trabalho (cfr. doc. 21 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).

74. As organizações representativas dos trabalhadores requereram audiências ao Primeiro-Ministro e ao Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (cfr. docs. 22 e 23 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos).

75. Tendo sido contactado o Provedor de Justiça para que se pronunciasse sobre a transmissão de estabelecimento (cfr. doc. 24 junto com a petição inicial que dá por  integralmente reproduzido).

76. O negócio de transmissão de estabelecimento das RR. teve grande impacto mediático, com diversas notícias e reportagens nos principais meios de comunicação social nacionais (cfr. docs. 25 a 29 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos).

77. Para além de variadas ações de contestação (greve, manifestação, concentrações, plenários, etc.) com dimensão pública e publicitada (cfr. docs. 30 a 35 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos).

78. A anunciada transmissão de estabelecimento da 1.ª para a 2.ª Ré ficou concluída em 22.7.2017.

79. Em 1.7.2017, a 1.ª Ré procedeu a uma alteração da sua organização interna, tendo fundido num único departamento (Centro...) três departamentos existentes anteriormente.

80. Os departamentos D..., D... e D... deram lugar a  um departamento apenas, denominado Centro...

81. Tendo-se mantido integrado na ... – Direcção de Field Operations, presidida por FF (cfr. doc. 9 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).

82. Passaram a integrar o Centro... os trabalhadores GG, HH, II, JJ, KK e AA (aqui A.),  chefiados por DD, do D....

83. LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS e TT, chefiados por UU, do D....

84. E VV e WW, chefiados por XX, do D--- - D....

85. Para além destes trabalhadores, que vinham de departamentos distintos dentro da D..., YY e ZZ, também passaram a integrar o Centro... criado em 1.7.2017.

86. Os trabalhadores AAA (colocado em ...), BBB e CCC (colocadas em ...), não transitaram para o novo departamento denominado Centro...

87. Como já antes sucedia nos três departamentos da formação/certificação, os trabalhadores do Centro... estavam colocados em diferentes locais de trabalho (..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...) e tinham tarefas distintas, que iam desde as funções da Autora (tarefas administrativas relacionadas com a gestão e planeamento dos cursos de formação) à responsabilidade por ministrar cursos de formação (por exemplo, JJ) ou proceder a inspeções nas áreas técnica, de segurança e comportamental (por exemplo, GG).

88. A constituição do Centro... em 1.7.2017, correspondendo a uma reorganização de pessoal e funcional decidida pela 1.ª Ré, veio a coincidir com a paralisia da atividade de formação/certificação.

89. Não tendo a Autora intervindo em nenhum processo de formação/certificação na sua área até à transmissão de estabelecimento que a envolveu e determinou a saída para a 2.ª Ré.

90. Durante esse período, a área da Autora – o desenvolvimento de competências em segurança - esteve sem atividade de formação.

91. Por altura dos meses de verão, em concreto a 2ª quinzena de julho, mês de  agosto e 1ª quinzena de setembro, a atividade de formação é propositadamente parada ou reduzida a mínimos, o que acontece por motivo de os técnicos (destinatários da formação) estarem de férias ou, não estando (e atendendo ao número mais reduzido de profissionais ao serviço neste período de férias) estarem no terreno e, consequentemente, não poderem ser chamados para formação sob pena de não haver técnicos disponíveis para o exercício das funções no terreno.

92. A transmissão referida em 55 e 56 foi acompanhada da transmissão dos bens corpóreos que constam do Anexo II ao Contrato de Transmissão de Unidade Económica celebrado com a Ré, podendo enumerar-se, por exemplo, os seguintes:

- PCs dos colaboradores;

- Telemóveis;

- EMMs, - Equipamentos de Medida e Monitorização;

- Equipamentos de Proteção Individual;

- Projetores;

- Impressoras;

- Equipamentos de casa do cliente e de rede;

- VDIs – Virtual Desktop Infrastructure;

- TVs – Televisões.

(cfr. doc. com a contestação da Ré MEO, a fl.s 229ss dos autos, que se dá por integralmente reproduzido).

93. A plataforma ET – Excelência Técnica consubstancia uma aplicação corporativa da MEO que foi desenvolvida e que se encontra sobre a responsabilidade do seu Departamento de T... (“D...”).

94. Esta aplicação trata-se de uma base de dados de gestão da mão-de-obra a operar na MEO (seja ela interna ou externa), e sua respetiva qualificação.

95. A referida aplicação ainda alimenta outra ferramenta de gestão da 1ª Ré - MEO “Click Software” (gestão de atividades das operações) – a qual, por meio de um sistema de geolocalização dos técnicos disponíveis, gere a afetação de um técnico, em detrimento de outro, à realização de determinada atividade.

96. O “Click Software” – que também é uma aplicação corporativa da PT - faz a gestão de pedidos (como por exemplo: instalações e manutenções de redes e serviços ao cliente), e entrega as referidas atividades, através de um algoritmo interno, nos Assistentes Pessoais Digitais dos técnicos, vulgo, “PDA” ou Personal Digital Assistant.

97. O portal Excelência Técnica indica ao “Click Software” quem são os técnicos, as skills e o número do respetivo PDA.

98. O Portal Excelência Técnica está subdividido em três grandes áreas/funcionalidades: (i) Gestão de Técnicos, (ii) Gestão documental e comunicação e (iii) Certificação.

99. Sempre que um técnico ingressa na field force MEO, i.e., sempre que um técnico (seja ele colaborador MEO ou um qualquer externo ou prestador de serviços) presta trabalho para a MEO é, obrigatoriamente, inserido no portal Excelência Técnica, na área Gestão de Técnicos.

100. Na área de Gestão documental e comunicação é permitido o acesso, em modo de consulta, a todos os utilizadores da plataforma ET, a toda a documentação que aí se encontra arquivada, relevante para as operações.

101. Na área de Certificação permite-se que os vários avaliadores que efetuam as avaliações dos técnicos (teóricas e práticas), registem os resultados de cada técnico/evento.

102. Aos avaliadores – funcionários da 2ª Ré Sudtel – é permitido o acesso à funcionalidade da Certificação apenas, para aí registar os resultados de cada técnico nas três vertentes de certificação (técnica, comportamental e de segurança), nas várias formações ou testes em que participem.

103. A 1ª Ré criou um perfil que permite aos avaliadores da Sudtel acederem à área da Certificação para aí introduzirem os resultados de cada técnico nas várias formações.

104. A plataforma ET também permite o apuramento dos vários eventos de formação em que os técnicos no terreno devem ser inscritos, por forma a obter a certificação MEO.

105. Os modelos de certificação são definidos pela MEO, que é a entidade que desenvolve as novas tecnologias, que é detentora do know-how e que define as skills que são necessárias aos técnicos que procedem com a sua implementação no mercado.

106. A 1ª Ré introduziu todos os modelos de certificação na plataforma ET –funcionalidade Certificação – parametrizando-os consoante as várias especialidades.

107. Gerindo e definindo, consoante entenda apropriado, novos requisitos em cada uma das especialidades (modelos de certificação) para a obtenção da Certificação MEO. Por exemplo: alterando as notas mínimas de aproveitamento e incluindo novos temas sobre os quais o técnico da especialidade respetiva deva ser avaliado.

108. Os avaliadores, funcionários da 2ª Ré, quando acedem à plataforma ET (Á...) apenas retiram a informação sobre o número e identificação dos técnicos que necessitam de frequentar determinado número e tipo de formações, por forma a completar e/ou obter a “Certificação MEO”.

109. E com a informação sobre o número de possíveis formandos e tipos de formação a frequentar, programam, organizam e ministram os vários eventos de formação, comunicando ao cliente MEO, o calendário de formação, a identificação dos colaboradores que necessitam de receber formação, e respetivas áreas.

110. Por sua vez, a MEO, atendendo às suas necessidades de operação, verifica internamente com os vários departamentos a que estão afetos os colaboradores listados para receber formação, sobre quantos e quais pode dispensar para frequência das ações de formação no calendário apresentado pela 2ª Ré.

111. A Autora apresentou-se ao serviço da 2.ª Ré no dia 24.7.2017, comparecendo, conforme as ordens que lhe foram dadas, no Edifício da MEO no n.º... ....

112. Onde ocupou o mesmo lugar no ... piso, usando o mesmo computador, o mesmo telefone, sentada à mesma secretária na mesma uma cadeira, e com acesso a todas as aplicações informáticas necessárias para desenvolver o seu trabalho na área de formação/certificação, designadamente o portal ET.

113. Foi decidido entre as partes, que os colaboradores abrangidos pela transmissão de estabelecimento ora em análise, permaneceriam, na generalidade das situações, nos mesmos espaços físicos / edifícios em que se encontrassem no momento anterior à data da transmissão, uma vez que é também aí que se encontram instaladas e em funcionamento, as ferramentas próprias ao exercício da atividade transmitida, designadamente para efeitos de operacionalização da certificação técnica e da certificação de segurança, os espaços técnicos com simuladores reais de redes e serviços MEO.

114. E, ainda, por mero efeito de centralização dos procedimentos no fluxo de trabalho da atividade a desenvolver pela Sudtel.

115. Após a transmissão a Autora continuou a desempenhar as tarefas que já antes desempenhava no departamento em que estava inserida na 1.ª Ré, de identificação no portal ET dos técnicos que necessitam de formação, assegurando e planeando a realização das ações de formação (reserva de salas, organização das turmas dos formandos, agendamentos dos técnicos em ET, envio de convocatórias para as formações, registo de presenças).

116. Cabendo-lhe igualmente a elaboração dos relatórios finais das formações e envio dos certificados respetivos aos trabalhadores e chefias.

117. A Autora manteve como chefia imediata na 2.ª Ré DD, que também foi envolvido na transmissão de estabelecimento negociada entre as RR.

118. Esta chefia direta da Autora responde, por sua vez, às instruções de DDD, EEE e FFF, a cúpula da 2.ª Ré na área de atividade da Autora.

119. A Autora tem como colega de trabalho no n.º... ..., VV, com as mesmas funções e integrado na mesma área de atividade, e LL e YY, também afetos à formação/certificação mas com tarefas de formadores.

120. Que também foram transmitidos para a 2.ª Ré no negócio que envolveu a Autora, estando sujeitos à mesma cadeia hierárquica.

121. Os colegas da Autora, que a acompanharam na transmissão para a 2.ª Ré, não tinham todos o mesmo local de trabalho nem desempenhavam as mesmas tarefas.

122. O local de trabalho de sete dos trabalhadores transmitidos situava-se na Avenida ..., em ...; quatro na Rua ..., no ...; três na Rua ..., em ...; dois no Largo ..., em ...; um na Rua ..., em ...; dois na Avenida ..., em ...; um na Rua ..., em ... e um na Rua ..., em ... (cfr. doc. 10 junto com a petição inicial).

123. Do mesmo modo que havia quem fizesse a gestão e planeamento dos cursos de formação, como a Autora, havia ainda trabalhadores que davam formação (por exemplo, DD), procediam a inspeções de EPI – equipamentos de proteção individual (por exemplo, GG) ou faziam auditorias no terreno nas áreas técnica, de segurança e comportamental (por exemplo, YY).

124. Nenhum dos trabalhadores transmitidos estava colocado nos ... ou na ....

125. As chefias responsáveis pela área da formação e certificação nos ... e na ... eram respetivamente III (pertencente ao S... – Operações ...) e ... (pertencente ao S... - Operações ...).

126. Estes dois colaboradores (ou quaisquer outros com tarefas relacionadas com a área da formação/certificação dos ... ou da ...) não integraram o Centro... criado em 1.7.2017, tendo-se mantido inseridos nos seus anteriores departamentos (cfr. docs. 8 e 9 juntos com a petição inicial, dados por reproduzidos).

127. Não tendo igualmente sido incluídos no grupo de trabalhadores cujos contratos de trabalho foram transmitidos para a 2.ª Ré pelo negócio de transmissão de estabelecimento celebrado entre as RR.

128. A certificação técnica era desenvolvida pela 1.º Ré nas instalações de ..., ..., ..., ..., ... e ..., as quais possuem espaços técnicos com simulação real de redes e serviços MEO.

129. A certificação de segurança era desenvolvida pela 1.º Ré nas instalações de ..., ..., ..., Parede, ..., ..., ... e ..., as quais possuem espaços técnicos com plataformas de formação com postes e câmaras de visita permanente onde se ministra e avalia a componente prática.

130. A certificação comportamental desenvolvida pela 1.º Ré, era desenvolvida em sala de formação tradicional, com mesas, cadeiras e projetor.

131. Todos os referidos espaços físicos / edifícios foram afetos contratualmente à 2ª Ré transmissária (cfr. cópia de Contrato de Arrendamento junto como doc. nº 9 com a  contestação da 1.ª Ré, dado por reproduzido).

Redacção da Relação do Porto:

. Os espaços físicos/edifícios localizados em ..., ..., ..., ..., ... e ... foram afetos contratualmente à 2ª Ré transmissária (cfr. cópia de Contrato de Arrendamento junto como doc. nº 9 com a contestação da 1.ª Ré, dado por reproduzido).

132. Os valores decorrentes de despesas de administração, fornecimento de água e eletricidade, elevadores, serviços de vigilância, consumíveis, assistência e manutenção de extintores de incêndio e deteção de intrusão, recolha de resíduos depositados nos contentores próprios para o efeito, incluindo a manutenção das áreas ajardinadas e outras próprias do condomínio, de acordo com a permilagem do Local Arrendado relativamente ao Edifício, encontram-se refletidas no valor da renda mensal a pagar pela transmissária à 1ª Ré.

133. Os veículos automóveis não são propriedade da 1ª Ré, tendo sido inicialmente acordado entre a 1ª e 2ª Ré que os veículos automóveis seriam afetos contratualmente à 2ª Ré transmissária.

134. Esta afetação direta à 2ª Ré transmissária não veio a concretizar-se, tendo as partes negociado, em alternativa, que a partir da data de produção de efeitos da transmissão de estabelecimento – 22 de julho de 2017 – a 2ª Ré suportaria, como vem suportando, todos os custos inerentes à utilização dos mencionados veículos (cfr. cópia das faturas juntas como doc. nº 10 com a contestação da 1.ª Ré, aqui dadas por reproduzidas).

Redacção da Relação do Porto:

. Esta afetação direta à 2ª Ré transmissária não veio a concretizar-se, tendo as partes negociado, em alternativa, que a partir da data de produção de efeitos da transmissão de estabelecimento – 22 de julho de 2017 – a 2ª Ré suportaria todos os custos inerentes à utilização dos mencionados veículos, como suportou aqueles a que se refere a fatura cuja cópia foi junta como Doc. nº 10 com a contestação da 1.ª Ré, aqui dada por reproduzida.

135. Tal como anteriormente, quando era trabalhadora do quadro da 1.ª Ré, a Autora continuou a receber comunicações desta dirigidas aos seus colaboradores, seja a respeito de questões de funcionamento interno da empresa, mensagens relativas a períodos festivosou novas promoções de produtos de acesso exclusivo a funcionários da 1.ª Ré (cfr. docs. 43 a 50 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos).

136. O processo de transmissão de estabelecimento entre as RR., implicou alterações na condição profissional da Autora.

137. Tendo sofrido alterações no plano de saúde e no enquadramento num acordo coletivo de trabalho.

138. O que provocou à Autora grande ansiedade e perturbação, deixando-a psicologicamente afetada, tendo passado muitas noites mal dormidas e acumulado discussões e problemas familiares desde a data da transmissão.

139. O que a levou a consultas médicas e a tomar medicação (cfr. docs. 51 e 52 que se juntam e dão por integralmente reproduzidos).

140. A Autora não compreendeu os critérios usados pela 1.ª Ré para escolher os trabalhadores transmitidos, o que a faz sentir-se perseguida, humilhada e triste.

141. A Autora é sócia do SNTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (cfr. doc. 53 que se junta e dá por integralmente reproduzido).

142. O capital social da 2.ª Ré é de €50.000,00 e o capital social da 1.ª Ré é de €230.000.000,00 (cfr. certidões de registo juntas aos autos).

143. A 2.ª Ré recorre a outras empresas, em regime de sub-contratação, para assegurar o serviço que lhe é contratado, de que são exemplo a ... - C..., S.A., N... ou a S..., S.A.

144. Embora a 2.ª Ré tenha outros clientes, alguns desses clientes, como sucede com a T..., S.A., presta a sua atividade essencialmente para a 1.ª Ré.

145. Os principais clientes da 2.ª Ré são a 1.ª Ré e terceiros que prestam serviços para essa 1.ª Ré.

146. A 1.ª Ré tem centenas de locais de trabalho espalhados por um território vasto, variadas áreas de atividade e milhares de clientes.

147. A 2.ª Ré tem a sua sede e muitos dos locais de trabalho em imóveis arrendados à 1.ª Ré.

148. Os trabalhadores da 1.ª Ré gozam de um plano de saúde que a 1.ª Ré põe à disposição dos seus trabalhadores (cfr. doc. 2 junto com o requerimento de 07/11/2018).

149. O seguro de saúde da 1.ª Ré prevê o acesso a serviços clínicos que não estão consagrados no plano de saúde da 2.ª Ré (cfr. doc. 3 que se dá por integralmente  reproduzido).

150. Os trabalhadores da 1.ª Ré beneficiam de descontos na aquisição de equipamento, como telemóveis e outros, nas lojas daquela, bem como na contratação de  serviços telefónico, de internet e televisão com a 1.ª Ré.

151. Beneficiam ainda de descontos em restaurantes, hotéis e outros prestadores de serviços (cfr. doc. 4 que se dá por integralmente reproduzido).

152. Os trabalhadores da 1.ª Ré beneficiam continuamente de formação, com a frequência de cursos adequados e o acompanhamento e introdução das inovações específicas nas áreas profissionais respetivas.

153. A Autora ainda não teve qualquer formação dada ou proporcionada pela sua entidade patronal desde que ocorreu a transmissão de estabelecimento.

154. Na data da transmissão a 2.ª R. requereu desde logo à D... – Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, a certificação nas áreas de competência transmitidas, pese embora essa acreditação apenas lhe tenha sido concedida a partir do dia 09/02/2018 (cfr. doc.7 junto com a contestação da 2.ª Ré, aqui dado por reproduzido).

155. A 2.ª R. possui credenciação concedida pela D..., para ministrar cursos de certificação/formação (cfr. doc. 7 e 8 juntos com a contestação da 2.ª Ré, aqui dados por reproduzidos).

156. Desde o dia .../.../2017 que a 2ª Ré Sudtel, entidade que se dedica à atividade da formação, vem promovendo e operacionalizando cursos de formação, habilitando os respetivos formandos, após conclusão, à obtenção do reconhecimento “Certificação MEO” e à inspeção de EPI’s.

2.

Considerou a 1ª Instância que não se provou (com a concordância do TRP):

1. No desempenho das suas funções ao serviço da 1.ª Ré, por vezes, acontecia a

Autora contactar diretamente com EE - Gestão, Desenvolvimento e

Certificação, colocado em ....

2. O Portal ET, consistente numa aplicação informática, constituía o principal  instrumento de trabalho da área de formação/certificação da 1.ª Ré.

3. Nenhum elemento, material ou imaterial, acompanhou os trabalhadores na transmissão de estabelecimento negociada entre as RR.

4. Os trabalhadores AAA, BBB e CCC pertenciam à área de formação/certificação.

5. A Autora (e os seus colegas transmitidos), para cumprirem as suas tarefas, continuaram a depender totalmente da 1.ª Ré, usando as suas instalações e instrumentos

de trabalho, sob a sua direção e em seu benefício.

6. A 1.ª Ré recusou sempre prestar os esclarecimentos solicitados, designadamente aqueles que inquiriam sobre os motivos da escolha de determinados trabalhadores e departamentos e não outros, não tendo nunca revelado o teor dos contratos assinados com as transmissárias e que regulavam a transmissão de estabelecimento, o que poderia ajudar a explicar as circunstâncias do negócio.

7. Em reuniões na D..., a 1.ª Ré assumiu sempre uma postura de total indisponibilidade para tornar mais clara uma transmissão de estabelecimento cuja fundamentação desde o início revelava vícios e incongruências.

8. As intervenções da 1.ª Ré ao longo dos processos de prevenção de conflitos refugiaram-se, tal como na correspondência escrita, num discurso formalista, esquemático, repleto de frases compostas, mas que deixa por esclarecer os aspetos fundamentais da transmissão.

9. Aquando da transmissão, DDD, EEE e FFF, a cúpula da 2.ª Ré na área de atividade da Autora, respondiam a colaboradores da 1.ª Ré que até há bem pouco tempo eram colegas e chefias da A., como é o caso de BB ou CC.

10. Por vezes a Autora recebe indicações quanto às suas funções diretamente da 1.ª Ré.

11. No seu local de trabalho, há trabalhadores pertencentes ao quadro da 1.ª Ré, que prestam serviço em áreas de negócio distintas, mas cujas tarefas estão relacionadas com a atividade desempenhada pela Autora (formação/certificação), como ocorre com HHH, chefia da OBB – Operações Cliente B2B, que contacta com o departamento da A para indicar os trabalhadores que necessitam de formação.

12. Em ... e em ... havia trabalhadores a desempenhar tarefas associadas à atividade desenvolvida pelos trabalhadores transmitidos que não foram incluídos na transmissão.

13. Mantendo-se atualmente a desempenhar tarefas na área da formação/certificação, sendo uma das pessoas da 1.ª Ré que faz a articulação com a 2.ª Ré.

58. Como sucedeu com os trabalhadores KKK (de ...) e LLL (...), que permaneceram nos quadros da 1.ª Ré.

14. O processo de transmissão de estabelecimento entre as RR. representa para a Autora uma ameaça mais presente de vir a perder o emprego, atendendo ao volume de negócio e estrutura empresarial da 2.ª Ré.

15. A 1.ª Ré tem cerca de 9 mil trabalhadores.

16. O total de trabalhadores da 2.º Ré não ultrapassa os 150.

3.

O Tribunal da Relação do Porto, como antes se consignou, alterou a redacção dos itens 54, 131 e 134, que aqui se introduziu nos lugares respectivos:

54. Quatro dos trabalhadores referidos em 52 (KK, MM, ZZ e QQ) rescindiram o seu contrato de trabalho com a MEO, por documento com data anterior à da produção de efeitos da transmissão de estabelecimento e, por conseguinte, não chegaram a integrar os quadros da referida 2ª Ré.

131. Os espaços físicos/edifícios localizados em ..., ..., ..., ..., ... e ... foram afetos contratualmente à 2ª Ré transmissária (cfr. cópia de Contrato de Arrendamento junto como doc. nº 9 com a contestação da 1.ª Ré, dado por reproduzido).

134. Esta afetação direta à 2ª Ré transmissária não veio a concretizar-se, tendo as partes negociado, em alternativa, que a partir da data de produção de efeitos da transmissão de estabelecimento – 22 de julho de 2017 – a 2ª Ré suportaria todos os custos inerentes à utilização dos mencionados veículos, como suportou aqueles a que se refere a fatura cuja cópia foi junta como Doc. nº 10 com a contestação da 1.ª Ré, aqui dada por reproduzida.

DE DIREITO

1.

Trataremos em conjunto as duas primeiras questões: impugnação da matéria de facto feita em bloco e alteração da matéria de facto por este Tribunal.

Começando por aqui.

Segundo o n.º 1 do art.º 674º do CPC, “A revista pode ter por fundamento:

a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;

b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;

c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º”.

Acrescenta o n.º 3: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Sem margem para dúvidas, fazendo a correcta interpretação do preceito transcrito, este mesmo Tribunal[4] vem afirmando que “O STJ, enquanto tribunal de revista, apenas pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, quando houver ofensa expressa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (artigo 729º, n.º 2, do CPC)”.

Atentos os poderes limitados do STJ na questão da matéria de facto, a este Tribunal “está vedada a alteração da decisão sobre a matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa[5] na medida em que lhe cabe “o papel residual de sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos que alcançaram por efeito da mesma[6].

Do que vem de ser dito fácil é concluir que, por um lado, não pode este Tribunal sindicar o modo como a Relação apreciou a impugnação da matéria de facto, que foi sustentada em meios de prova sujeitos à livre apreciação, como é o caso dos depoimentos de testemunhas; e, por outro, não pode ele próprio apreciar esses depoimentos para alterar um qualquer facto[7].

É, destarte, descabida a pretensão do Recorrente que vai no sentido de este Tribunal alterar determinados pontos na matéria de facto com base em depoimentos de testemunhas.

Diferente é a levantada questão da impugnação da matéria de facto em bloco.

A este respeito expendeu a Relação do Porto:

Comecemos, pois, por enquadrar os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre matéria de facto, de modo a ficar claro em que termos é feita essa apreciação no tribunal ad quem e a se poder aferir se foram satisfeitas pela recorrente as exigências estabelecidas pelo legislador.

Há desde logo que ter presente que a generalidade das provas produzidas em audiência de julgamento estão sujeitas à livre apreciação do tribunal (como é o caso dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte), dispondo o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária.

Caso haja impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas.

É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).

Assim, o recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção.

Em conformidade, o legislador, tal como impõe ao tribunal o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova (art.º 607º, nº 4, do Código de Processo Civil), impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo. Com efeito, o art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, o seguinte:

a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (tem que haver indicação clara dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (tem que fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa); e

c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Quanto ao ónus referido na alínea b), manda o legislador (nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil) que se observe o seguinte:

a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Decorre do exposto que o recorrente deverá também (a par da indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios) relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna.

Como se refere no acórdão desta Secção Social do TRP de 23.11.2020, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art.º 640º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada. Não é, pois, admissível a impugnação em bloco ou por temas, com indicação dos meios de prova por referência a esses blocos ou temas e não em relação a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.

No entanto, ainda que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos que se expuseram, o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo.

Importa ainda ter presente que é pacífico que a apreciação a fazer é da questão posta, de saber se houve erro de julgamento sobre a matéria de facto, sem que haja o dever de responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado pelo recorrente.

Feitas estas considerações, há que ver se foram observados pela recorrente os requisitos estabelecidos pelo legislador e/ou se é de alterar o decidido quanto a matéria de facto pelo tribunal a quo, seguindo-se a divisão/agrupamento estabelecida pela recorrente (pontos 1 a 7) para maior facilidade de acompanhamento da impugnação.

1.

Neste primeiro ponto, a recorrente indica concretos pontos de facto que na sua opinião deveriam ter sido objeto de decisão diferente [os pontos 22, 23, 25, 26, 32, 38 e 41 dos factos provados, e pontos 1, 4 e 12 dos factos não provados], e indica concretos meios probatórios [documentos n.ºs ..., ..., ... e ... juntos com a petição inicial, documento nº ... junto com a contestação da 1ª Ré; excertos do depoimento de parte da Autora e depoimentos das  testemunhas VV, YY, BB, UU, XX e CC].

Todavia, a recorrente não faz a articulação entre uns e outros como devia.

Com efeito, a recorrente divide a sua alegação relativa a estes pontos da seguinte forma: começa por transcrever os excertos, passando a fazer uma apreciação geral sobre o que resulta desses elementos de prova (a sua apreciação), e só depois refere os pontos que devem ser alterados individualmente, mas sem fazer a necessária articulação entre ambos, o que nos afasta da pretensão de reponderação do decidido sobre concretos pontos de facto com base nos meios de prova indicados, para nos transportar para uma ponderação geral da prova (ainda que não toda a prova produzida) para assentar factos (ainda que não a totalidade dos factos), ou seja, para nos aproximar da pretensão de que o tribunal ad quem faça um segundo julgamento quando, como se viu supra, não foi o querido pelo legislador ao possibilitar a impugnação da matéria de facto.

Note-se que a recorrente impugna um conjunto de 10 pontos de facto, alegando reportarem-se todos ao «modo como a atividade de formação/certificação era desenvolvido na MEO antes da transmissão», mas o facto de se reportarem todos a um mesmo assunto não desonera a recorrente de fazer a articulação entre cada ponto de facto e os meios de prova que em seu entender impõem decisão diversa.

Na verdade, a impugnação da decisão da matéria de facto destes pontos nos termos em que a recorrente o fez, no rigor das coisas vem a traduzir numa pretensão de reapreciação global e genérica da prova valorada em 1ª instância, ainda que reportada a apenas parte da decisão, o que não se ajusta ao previsto pelo legislador.

Mas vejamos cada ponto da matéria de facto indicado pela recorrente por si:

quanto ao ponto 22 dos factos provados, apenas faz referências genéricas aos excertos dos depoimentos que antes transcrevera como justificativos da alteração de 10 pontos de facto, dizendo que resulta dos depoimentos recordados que…, mas sem dizer quais excertos e/ou qual(is) parte(s) do(s) excerto(s) de onde resulta, pelo que não se pode conhecer o recurso nesta parte.

quanto ao ponto 23 dos factos provados, remete a recorrente para o alegado a propósito do ponto 22, que já se viu não satisfazer as exigências do legislador; refere a recorrente ainda os documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição inicial, mas dizendo o que entende resultar deles sem fazer qualquer correspondência com matéria alegada e/ou discutida em audiência de discussão em julgamento. Sendo assim, também não se pode conhecer o recurso nesta parte.

quanto ao ponto 25 dos factos provados, a recorrente remete para os excertos do depoimento de parte da Autora e depoimentos das testemunhas BB, YY e UU (que antes transcrevera como justificativos da alteração de 10 pontos de facto), sem dizer que parte(s) do(s) excerto(s) é que justificam a alteração propugnada. Assim, também não se pode conhecer o recurso nesta parte.

quanto ao ponto 26 dos factos provados, remete a recorrente para o Anexo I do contrato de transmissão celebrado entre as RR., dizendo que o ponto 26 reproduziu os artigos 134º a 146º da contestação da 1ª Ré, mas aquele Anexo é mais abrangente. Só que, não refere se essa matéria, não alegada, foi discutida em julgamento e sobretudo porque razão justifica ele alterar a matéria de facto. Deste modo, também não se pode conhecer o recurso nesta parte.

quanto ao ponto 32 dos factos provados, alega a recorrente que contém matéria redundante e já impugnada, propondo a eliminação. Todavia não diz porque é assim, logo não se pode atender à pretensão. Subsidiariamente, defende a recorrente a alteração da redação deste ponto, mas remetendo para o antes alegado. Por consequência, não se conhecendo do antes alegado, também não se pode conhecer do recurso nesta parte.

quanto ao ponto 38 dos factos provados, a recorrente remete para o alegado a propósito dos pontos anteriores. Por consequência, não se conhecendo do antes alegado, também não se pode conhecer do recurso nesta parte.

quanto ao ponto 41 dos factos provados, a recorrente não especifica qualquer dos meios de prova que suporte a alteração defendida, pelo que também não se pode conhecer o recurso nesta parte.

quanto ao ponto 1 dos factos não provados, a recorrente alega genericamente que o tribunal a quo errou por recusar dar como provados factos que se sustentam em depoimentos prestados que os confirmam, mas também por, nessa sua recusa, ter tomado uma decisão que, pela insuficiência da motivação apresentada, padece de obscuridade, não permitindo aos destinatários da sentença compreender as razões e o raciocínio que a suportam. Não estando especificado qualquer dos meios de prova que suporte a alteração defendida não se pode conhecer o recurso nesta parte.

A questão que se poderia colocar é se está aqui invocada a nulidade da sentença (sem estar dito expressamente) ao ser referido que se impunha que a decisão proferida estivesse corretamente fundamentada e isenta de obscuridade, deficiência e contradição.

Todavia, a alegação é que no caso não aconteceu (a correta fundamentação) por recusar [o tribunal a quo] dar como provados factos que se sustentam em depoimentos prestados que os confirmam, mas também por, nessa sua recusa, ter tomado uma decisão que, pela insuficiência da motivação apresentada, padece de obscuridade, não permitindo aos destinatários da sentença compreender as razões e o raciocínio que a suportam.

Ora, em face desta alegação genérica, o que se extrai é que o que verdadeiramente está alegado é a discordância da recorrente com o decidido pelo tribunal a quo quanto a este ponto, não estando justificada uma nulidade que, diga-se, não se alcança que exista.

quanto ao ponto 4 dos factos não provados, a recorrente remete para as considerações por si antes feitas, falando no documento nº ... junto com a contestação da 1ª Ré. Face àquela remissão (para alegação que já se viu não obedecer ao exigido pelo legislador), também não se pode conhecer o recurso nesta parte.

quanto ao ponto 12 dos factos não provados, a recorrente novamente remete para as considerações por si antes feitas, pelo que também não se pode conhecer o recurso nesta parte.

Em resumo, quanto a estes pontos da matéria de facto não foram observados os requisitos estabelecidos pelo legislador, pelo que não se conhece da impugnação da decisão sobre a matéria de facto nesta parte”.

Insurge-se o Recorrente contra tal decisão, que entende violadora da lei de processo.

Reconhece, no entanto, que optou por tratamento conjunto de determinados pontos da matéria de facto [alínea n) das conclusões] para o que apresenta determinada justificação. Em todo o caso, adianta, identificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que impõem, decisão diversa.

Carece de razão o Recorrente.

Com efeito, o art.º 640º do CPC põe a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, determinados ónus, assim referenciados:

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 — (…)”.

Nem sempre os Tribunais Superiores têm sido concordantes na interpretação do preceito legal citado. A comprová-lo o recente AUJ que em breve será publicado.

Há posições que se podem qualificar de mais ou menos exigentes no cumprimento dos ónus.

Pela nossa parte sempre entendemos que a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto.

E, não menos importante, não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova.

Como bem refere este Supremo Tribunal[8]A razão de ser do requisito de impugnação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC tem em vista o delineamento, por parte do recorrente, do campo de análise probatória sobre o teor dos depoimentos convocados de modo a proporcionar, em primeira linha, o exercício esclarecido do contraditório, por banda do recorrido, e a servir de base ao empreendimento analítico do tribunal de recurso, sem prejuízo da indagação oficiosa que a este tribunal é legalmente conferida, em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 640.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, e 662.º, n.º 1, do mesmo Código.

Complementarmente, tal exigência constitui um fator de concentração da argumentação probatória do recorrente, numa base substancial, sobre a caracterização do erro de facto invocado, refreando, por outro lado, eventuais tendências para meras considerações de natureza generalizante e especulativa”.

É por isso que, em recente acórdão deste mesmo Tribunal e Secção[9] se decidiu que “Justifica-se a rejeição do recurso de impugnação da decisão em matéria de facto quando a referida impugnação é feita em bloco e se refere a um grande número de factos e sem a menção precisa relativamente a cada um deles da solução alternativa proposta”.

Situação que se verifica no caso em apreço.

O que, só por si, justifica a decisão do TR do Porto.

Mas, e não menos importante (antes pelo contrário), o facto, salientado pelo Ex.mo PGA no seu douto parecer: “Não se verifica, porém, que a impetrante tenha, como era seu ónus, estabelecido uma relação entre o facto concreto impugnado e o segmento ou segmentos dos depoimentos das testemunhas que reproduziu, de forma a permitir determinar, com exatidão, as razões pelas quais, o tribunal a quo deveria ter apreciado aquela matéria.

Comportamento semelhante é tido pela recorrente no que toca a prova documental. Na verdade, sempre que é referenciado qualquer documento ou documentos, a recorrente fá-lo sem estabelecer qualquer relação precisa, entre o facto impugnado e essa documentação”.

O que também justifica a rejeição do recurso quanto à matéria de facto.

Improcede, pois, nesta parte, a tese recursiva.

2.

Importa agora aferir da legalidade da transmissão de estabelecimento operada entre as RR.

Defende a Recorrente que não houve transmissão de uma qualquer unidade económica porque, para esta poder ser transmitida, tem de mostrar ser uma organização produtiva estruturada e com autonomia, o que não sucede com a Ré Sudtel.

Dispõe o art.º 285º do CT, sob a epígrafe “Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento”:

1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.

4 – (...)

5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.

6 – (...)

7 – (...)

8 – (...)

9 – (...)

10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.

11 – (...)

Como é sabido o regime jurídico da transmissão de empresa ou estabelecimento foi altamente influenciado pela Directiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001.

A dita Directiva, no n.º 2 do art.º 2º, prescreve que “a presente directiva não afecta o direito nacional no que se refere à definição de contrato de trabalho ou de relação de trabalho”, o que significa que deixa grande margem de liberdade de actuação ao legislador nacional no que respeita à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos.

Situação que não está em crise nos presentes autos até porque a Recorrente nem demostrou que tivesse prejuízo pessoal com a transferência do estabelecimento.

A alínea b) do n.º 1 do art.º 1º da Directiva considera “transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como o conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.

O n.º 1, I parte, do art.º 3º determina que “os direitos do cedente emergentes de um contrato de trabalho existentes à data da transmissão são, por esse facto, transferidos para o cessionário”.

Pois bem.

O art.º 285º do CT, acima transcrito, transpõe para o Direito Interno a referida Directiva e, assim, “consagra, por imposição comunitária, o princípio da transmissão para o adquirente da empresa ou estabelecimento de todos os con­tratos de trabalho «existentes» nessa data, bem como.de quaisquer «direitos e obrigações» emergentes de tais contratos (art. 3.º, n.º 1). (…)

A noção de «unidade económica, constante do n.º 5, reproduz o art.º 1º, n.º 1, alínea b), Directiva 2001/23.

Muito embora a versão portuguesa da Directiva utilize a expressão «entidade económica», a expressão unidade económica» mostra-se mais conforme com a realidade jurídica. (…)

O Tribunal ... (TJCE) tem entendido a unidade económica como conjunto organizado, não apenas de meios materiais, mas também – e nalguns casos, em razão da natureza da actividade desempenhada, principalmente – de trabalhadores[10].

Face a esta interpretação do TJCE vem sendo entendido que “haverá transmissão de empresa ou estabelecimento, ou das suas partes, sempre que ocorra «a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como o conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória[11].

O Cons. MMM[12], ao que se julga saber, defende que a unidade económica tem que manter a sua identidade, mas não necessariamente a sua autonomia técnico-organizativa para que se possa falar em transmissão; em suma, autonomia e identidade da unidade económica não se confundem.

Como nos parece evidente.

3.

Postas estas breves considerações, importa descer aos autos.

Considerou o Sr. Juiz da 1ª Instância, por referência à matéria de facto apurada (nesta parte não alterada pelo TR do Porto):

Como refere a Ré Sudtel, o direito de oposição à transmissão do contrato de trabalho, foi colocada pela primeira vez, por um acórdão do então Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, conhecido por acórdão “...” (Ac. do Tribunal de Justiça de 16/12/1992, Proc. Apensos C-132/91, C-138/91 e C-139/91, in ...), em  cujo sumário pode ler-se: «As disposições do n. º 1 do artigo 3.º da Diretiva 77/187 (…) devem ser interpretadas no sentido de que não obstam a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa, na aceção do n.º 1 do artigo 1.º da Diretiva, se oponha à transferência do seu contrato ou da sua relação laboral para o cessionário».

Do referido acórdão do TJCE resulta que a Diretiva não impede a oposição do trabalhador à transferência do seu contrato. Mas também resulta que não foi dada qualquer orientação sobre os efeitos do exercício deste direito de oposição no contrato de trabalho dos trabalhadores em apreço, deixando essa tarefa aos Estados-membros.

Pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, foi alterado o regime jurídico aplicado à transmissão de estabelecimento, tendo sido alterados os artigos 285.º e 286.º do Código do  Trabalho, e adicionado o art.º 286.º -A. Porém, esta Lei não tem efeitos retroativos, pelo  que não tem aplicação ao caso concreto destes autos. (...)

Pela Jurisprudência Comunitária tem sido considerado, como elemento determinante dessa definição e reconhecimento de unidade económica, a autonomia de parte da empresa ou do estabelecimento transmitidos. A este propósito pode ver-se o Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, exarado no Proc. C-458/05 (Ac. Jouini), de 13/09/2007, que o Tribunal de Justiça acentuou a necessidade de a unidade económica manter a sua própria identidade no seio do transmissário, o que se revela pela prossecução de um objetivo próprio.

Identidade a aferir pelo conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória – cf. nº 5, do art. 285º, do Código do Trabalho de 2009 -, havendo que avaliar se a unidade económica mantém a sua identidade, se se mostra dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica.

No caso dos autos, no que diz respeito à existência de uma «unidade económica» que pudesse ser transmitida, resulta dos factos provados que a MEO, na sua generalidade, dedica-se à conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas; à prestação de serviços de comunicações eletrónicas, dos serviços de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e à atividade de televisão.

Ao longo dos anos a Ré MEO tem vindo a desenvolver a atividade de formação/certificação, e desenvolveu um programa de qualificação dos seus técnicos, que se adequasse aos objetivos de diferenciação da empresa e, sobretudo, às necessidades dos seus clientes. Teve início no ano de 2011, o projeto criado pela 1ª Ré, que com a finalidade de validar os conhecimentos e competências dos técnicos MEO (internos e externos) criou um programa designado “Certificação MEO”. Este programa sujeitava os vários técnicos MEO (internos e externos) a uma diversidade de provas teóricas e práticas, na sequência, ou não, de ações de formação, os quais, após aproveitamento, obtinham a aprovação “Certificação MEO”. Aquando da transmissão de estabelecimento de que aqui se cuida, a Certificação MEO atestava a conclusão com sucesso, por parte do técnico, de formação nas componentes: técnica, de segurança e comportamental.

A atividade de formação e certificação MEO nas componentes técnica, de segurança e comportamental, era desenvolvida na MEO atendendo à seguinte estrutura organizativa: uma “Direção...” ou D...(“D...”), composta por vários Departamentos, de entre os quais o Departamento de G.... O Departamento de GDC era composto pelas seguintes estruturas: (i) Controlo... (“C...”); (ii) Planeamento,  ... (“...”), (iii) C... (“C...”);  (iv) ... e ... (“...”); (v) Diagnosticar e Otimizar as Operações  (“...”) e a (vi) C... (“C...”).

Era na estrutura da C... (“C...”), que se vinha desenvolvendo a atividade de operacionalização dos modelos de formação/certificação interna dos técnicos MEO, nas componentes de S..., Técnica e de Segurança. A estrutura da C... (“C...”) integrava o Centro..., composto pelas áreas ... – D...; ... – D....

Esta atividade era desenvolvida a nível nacional, concretamente nos estabelecimentos de ..., ... e ... e respetivas salas de formação existentes no país.

As principais componentes da atividade de formação/certificação MEO de técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental podem descrever-se nos seguintes termos:

- A definição e promoção da aquisição de competências essenciais à prestação de serviço de qualidade e diferenciador do serviço a prestar ao Cliente, na área tecnológica, segurança e interação com o Cliente;

- A elaboração das provas de certificação e respetivos planos assegurando a sua  operacionalização;

- A criação/atualização de conteúdos de formação técnica, em articulação com as operações do cliente;

- A gestão de todos os centros/locais onde se desenvolve a certificação;

- A colaboração no cumprimento do regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho através de ações de formação;

- Propositura de ações de formação na área da segurança, para técnicos das operações, desenvolvimento dos respetivos conteúdos de formação;

- Inspeção de EPI anti queda dos técnicos das operações e garantir a permanente atualização de competências dos inspetores internos para o efeito;

- Proceder à elaboração dos planos de formação nas áreas: tecnológica, segurança e soft skills e assegurar a sua operacionalização;

- Proceder à emissão de certificados e garantir a atualização das competências, na área tecnológica, segurança e desenvolvimento pessoal dos técnicos das operações;

- Proceder à definição das soft skills a desenvolver nos técnicos das operações, no âmbito da sua interação com o Cliente;

- Desenvolver e atualizar conteúdos de formação na área de soft skills, em articulação com as operações;

- Garantir o conhecimento por parte das operações dos produtos e serviços do Cliente.

Os trabalhadores da área de formação/certificação (onde se incluía a Autora) estavam agrupados no C..., organizados em três departamentos distintos: D...; e D..., encontrando-se dispersos por vários pontos do país, em locais de trabalho da 1.ª Ré, assegurando as competências técnicas, de segurança e comportamentais exigidas aos técnicos, através de procedimentos que lhes permitiam identificar as necessidades formativas dos colaboradores da 1.ª Ré e garantir a formação adequada.

Todos os trabalhadores da 1.ª Ré afetos à área de formação/certificação respondiam  a BB, líder do C..., e CC, chefia da  G...

Poderemos, pois, concluir, no que diz respeito à atividade de formação e certificação desenvolvida pela MEO, nas componentes de S..., Técnica e de Segurança, constituía um conjunto dos meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, acessória da atividade principal desenvolvida por esta Ré, desenvolvida com autonomia. (...).

Ora, todos estes espaços físicos / edifícios foram afetos contratualmente à 2ª Ré transmissária. Os valores decorrentes de despesas de administração, fornecimento de água e eletricidade, elevadores, serviços de vigilância, consumíveis, assistência e manutenção de extintores de incêndio e deteção de intrusão, recolha de resíduos depositados nos contentores próprios para o efeito, incluindo a manutenção das áreas ajardinadas e outras próprias do condomínio, de acordo com a permilagem do Local Arrendado relativamente ao Edifício, encontram-se refletidas no valor da renda mensal a pagar pela transmissária à 1ª Ré.

Resulta ainda da matéria provada que os veículos automóveis não são propriedade da 1ª Ré, tendo sido inicialmente acordado entre a 1ª e 2ª Ré que os veículos automóveis seriam afetos contratualmente à 2ª Ré transmissária. Esta afetação direta à 2ª Ré transmissária não veio a concretizar-se, tendo as partes negociado, em alternativa, que a partir da data de produção de efeitos da transmissão de estabelecimento – 22 de julho de 2017 – a 2ª Ré suportaria, como vem suportando, todos os custos inerentes à utilização dos  mencionados veículos.

Resulta ainda dos autos que, após a transmissão a Autora continuou a desempenhar as tarefas que já antes desempenhava no departamento em que estava inserida na 1.ª Ré, de identificação no portal ET dos técnicos que necessitam de formação, assegurando e planeando a realização das ações de formação (reserva de salas, organização das turmas dos formandos, agendamentos dos técnicos em ET, envio de convocatórias para as formações, registo de presenças), cabendo-lhe igualmente a elaboração dos relatórios finais das formações e envio dos certificados respetivos aos trabalhadores e chefias. A Autora manteve como chefia imediata na 2.ª Ré DD, que também foi envolvido na transmissão de estabelecimento negociada entre as RR.. Esta chefia direta da Autora responde, por sua vez, às instruções de DDD, EEE e FFF, a cúpula da 2.ª Ré na área de atividade da Autora. A Autora tem como colega de trabalho no n.º... ..., VV, com as mesmas funções e integrado na mesma área de atividade, e LL e YY, também afetos à formação/certificação mas com tarefas de formadores, que também foram transmitidos para a 2.ª Ré no negócio que envolveu a Autora, estando sujeitos à mesma cadeia hierárquica.

Perante esta factualidade, concluímos que a atividade de formação/certificação desenvolvida pela Ré constituía uma unidade económica, um «conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória», desenvolvida com autonomia e que manteve a sua própria identidade no seio do transmissário, aqui segunda Ré (Sudtel), constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica”.

4.

Não foi outro o entendimento do acórdão recorrido, no qual se explanou:

“Feitas estas considerações vejamos o caso concreto, a situação dos autos, começando por ver se houve transmissão de uma unidade económica autónoma, o que passa por ver se os factos provados corroboram o alegado pela recorrente no sentido de que a unidade económica transmitida não corresponde à unidade económica que vinha desenvolvendo a atividade de formação/certificação, e de que a unidade económica não tem autonomia.

Retomando o referido por NNN, diz-se que há que recorrer ao método indiciário para se conseguir averiguar a efetiva manutenção de uma unidade económica, analisando de forma unitária e global se são mantidos os vários elementos corpóreos ou incorpóreos que compõem um estabelecimento comercial, que por sua vez devem ser analisados individualmente e levando em conta a natureza da atividade desenvolvida e que nem todos os elementos (instalações, equipamentos, carteiras de clientes, know how) têm o mesmo grau de importância nas diferentes entidades.

A questão passa também por ver se a transmitente (1ª Ré) criou uma unidade económica (no sentido de alterar unidade económica existente) com o propósito de a transmitir (à 2ª Ré) e dessa forma ceder certos e determinados trabalhadores, reduzindo os seus trabalhadores subordinados, mas apesar disso esses trabalhadores continuaram a prestarem-lhe trabalho subordinadamente, apenas com a aparência de prestarem trabalho subordinado a outrem, empresa que não é autónoma em relação à cedente, falando a recorrente em negócio simulado/fraude à lei.

De referir que, embora o legislador não tenha tratado genericamente a figura de fraude à lei, apenas estando consagrada para as normas de conflitos (direito internacional privado) – art.º 21º do Código Civil –, a mesma pode e deve estender-se a todo o negócio jurídico, desde que os contratantes lancem mão de uma norma de cobertura para ultrapassar, ou incumprir, outra norma (a defraudada), a situações em que, por via indireta, através da prática de um ou vários atos lícitos, se logra obter um resultado que a lei previu e proibiu.

Pode, então, dizer-se que são em fraude à lei os atos que procuram contornar ou circunvir uma proibição legal, tentando chegar ao resultado proibido por via oblíqua, através de uma norma encobridora da ilegalidade assim cometida.

No caso sub judice, a existência de fraude à lei, a verificar-se, traduzir-se-á em que a 1ª Ré, para deixar de observar o regime de trabalho subordinado com a Autora, celebrou com a 2ª Ré contrato de «transmissão de unidade económica autónoma» (do Centro...) que implicou a transmissão da posição contratual de empregadora da Autora, e por via desse contrato continuou a ter a Autora a prestar-lhe trabalho subordinadamente ainda que com a aparência de antes prestar trabalho subordinado à 2ª Ré (a transmissária).

Importa referir que a questão da fraude à lei não é isenta de dificuldades porquanto se traduz em apreciar da eventual existência de patologia numa situação que as empresas utilizam com alguma frequência, como ato que podemos considerar de gestão de empresa, sem qualquer ilicitude, pois como se viu, em princípio, nada obsta a que uma empresa possa transmitir uma unidade económica autónoma.

Todavia, no caso em apreço nada na factualidade assente permite pensar em que tenha sido criada, com a transmissão operada, uma espécie de «antecâmara do desemprego», que fosse visada a redução de pessoal sem recurso a despedimento coletivo, donde não se enquadrar a questão nessa ótica, sendo de realçar que não é o facto de três trabalhadores não terem transitado para o Centro... (pontos 53 e 86 dos factos provados) ou o facto de antes quatro trabalhadores terem optado por rescindir o contrato de trabalho (ponto 54 dos factos provados) que permite falar em qualquer seleção de trabalhadores.

Mas vejamos mais de perto os factos que estão provados[13]. (…)

Em suma, todos os argumentos da recorrente no sentido de não haver transmissão de unidade económica não procedem, pois o Centro... pré existia de modo estável, mostrando-se suscetível de transferência, e continuou a ter uma suficiente autonomia funcional, mantendo a sua identidade, nada apontando para que tenha havido fraude à lei na sua transmissão”.

5.

O acórdão recorrido tem um voto de vencido[14], do seguinte teor:

A questão da «transmissão de estabelecimento» da ré “MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” para uma outra empresa satélite não é nova no Tribunal da Relação do Porto.

Na verdade, a mesma questão - «Transmissão de unidade económica» - foi apreciada e decidida em sentido negativo por acórdão proferido no processo n.º 862/18,5T8PNF.P1, no qual figuravam onze autores e uma diferente empresa satélite, o qual subscrevi como 1.º Adjunto.

[Registo que nesse processo, as rés apresentaram apenas recurso de revista e não também recurso excepcional, que, em substituição da Exma. Colega Relatora, não admiti e as rés conformaram-se, tendo a decisão transitado em julgado].

Nesse acórdão foram tidos em conta os vários índices que o TJUE tem indicado para se chegar à conclusão, ou não, da existência de uma Unidade Económica e da sua transferência, pelo que foi negado o pedido do reenvio prejudicial.

Em síntese:

O conceito «de suficiente autonomia funcional» é um «caldeirão» onde «tudo e nada cabe».

No caso em apreço, estando provado que a 2.ª ré funciona nas mesmas instalações da ré “MEO”, empresa dominante, que também controla o Portal ET, através do seu Departamento de T... (“D...”), certificando os resultados obtidos pela 2.ª ré, ou seja, estando provado que a 2.ª ré não só não tem instalações próprias e autónomas, como, sobretudo, não tem o domínio exclusivo do Portal ET, é de concluir pela inexistência da suficiente autonomia funcional que sustente a transmissão de unidade económica decidida no acórdão por maioria.

No meu entender, não estando, pois, verificados os requisitos previstos no artigo 285º do Código do Trabalho que consubstanciem a transmissão da unidade económica em causa, decidiria pela procedência do recurso e consequente procedência da acção”.

6.

Este mesmo Tribunal e Secção[15] teve oportunidade de apreciar a questão da mesma transmissão de empresa entre as mesmas RR, em acção interposta por outros trabalhadores.

Assim expendeu:

As instâncias convergiram no sentido de que o designado «Centro...» de técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental, atenta a matéria de facto provada, constitui uma unidade económica na aceção prevista no art.º 285.º do CT, na medida em que, segundo o acórdão recorrido «o designado Centro... tem trabalhadores que aí exercem as suas funções, nomeadamente os recorrentes; que aí é exercida uma atividade de certificação dos técnicos da 1ª Ré; que existe uma plataforma informática designada por ET (Excelência Técnica) que é utilizada para a certificação dos técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental; que os trabalhadores utilizam instrumentos como computadores, viaturas e automóveis; e, que existe um local específico destinado ao exercício da atividade».

Na verdade, retira-se dos factos provados que a atividade de certificação dos técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental exige um conjunto de meios organizados que pode funcionar com autonomia.

O cerne da divergência das instâncias respeita à existência ou não da transferência da unidade económica Centro... para a 2.ª Ré.

A 2.ª instância ao concluir pela inexistência da transferência da unidade económica deu relevância à plataforma informática a que se faz alusão na alínea L dos factos provados, na qual se refere que: Para a certificação dos seus técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental, a ré MEO utiliza uma plataforma informática designada por ET (Excelência Técnica), desenvolvida para criar cursos e conteúdos e que constitui também a ferramenta que permite agendar e contactar técnicos para futuros cursos de formação, bem como a extração de indicadores mensais.

Tal posição foi escorada ainda nos factos constantes das alíneas N) e O) que referem: Essa plataforma continua a ser controlada pela R. MEO;

Qualquer desenvolvimento e/ou atualização de conteúdos dessa plataforma continuam a ser controlados e sujeitos a aprovação da R. MEO.

A existência da referida plataforma desenvolvida e atualizada pela Ré MEO, SA. não nos parece determinante para que se possa concluir que não ocorreu a transferência da unidade económica Centro... para a 2.ª Ré.

Ficou provado, na alínea P) dos factos dados como assentes, que a atividade maioritária da R. S... no âmbito da certificação do pessoal técnico é realizada para a R. MEO.

Sendo assim, é natural que a R. MEO, SA. procure que essa ferramenta informática, que é a plataforma ET, tenha um desempenho à medida das suas necessidades, daí que a tenha desenvolvido e continue a atualizar.

O facto de a 2.ª Ré utilizar essa plataforma não significa que não continue a ter um conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer a sua atividade económica, que consistirá em prestar serviços para a 1.ª Ré.

A dita plataforma é apenas um instrumento de trabalho, que até pode ser essencial, mas as suas funcionalidades dependem do acervo de meios organizados constituído pelos trabalhadores, pelos instrumentos de trabalho, tais como computadores, viaturas e telemóveis.

O acórdão recorrido valorizou o facto provado na alínea N) dos factos provados, de a plataforma continuar a ser controlada pela R. MEO, SA., sendo certo que se trata de uma frase conclusiva, cuja concretização não foi além da matéria que consta na alínea O), ou seja, que qualquer desenvolvimento e/ou atualização de conteúdos dessa plataforma continuam a ser controlados e sujeitos a aprovação da R. M... SA.

Ora, como já se referiu, a R. MEO, SA. que contrata serviços que lhe são prestados pela Ré, Studel, SA., é a primeira interessada em fornecer, desenvolver e atualizar, a plataforma com os dados que lhe convenham, bem como dotá-la de um gerenciamento e de ferramentas que permitam o controle da qualidade desses dados, bem como de quaisquer outras funcionalidades que sejam interessantes para o negócio que desenvolve.

Por seu turno, a Ré, Studel, SA., dispondo dessa plataforma concebida e atualizada pela Ré MEO, SA, pode com total autonomia exercer a sua atividade no que concerne à unidade económica Centro... nas componentes técnica, de segurança e comportamental.

O facto de o resultado do serviço que a Ré Studel, SA. presta à MEO, SA. ser moldado de acordo com os dados e perfis fornecidos por esta não significa uma perda de autonomia técnico-organizativa da primeira de modo a se poder concluir que não ocorreu transmissão da unidade económica.

O facto de os trabalhadores (autores) receberem, por e-mail, solicitações da R. MEO também não impressiona, na medida em tais solicitações podem-se inserir no âmbito de uma prestação de serviço entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré.

Conclui-se assim que, atendendo à matéria de facto provada, estão preenchidos os pressupostos previsto no artigo 285.º do Código do Trabalho, quanto à transmissão de unidade económica, com as respetivas consequências no que concerne à transmissão dos contratos de trabalho que vinculavam os A.A. à MEO, SA. para a adquirente Studel, SA”.

7.

Revemo-nos na posição assumida por este Supremo Tribunal e, por isso, a mesma decisão se impõe nos presente autos, atendendo a que, da matéria de facto provada, resulta que a R Meo procedeu a uma alteração da sua organização interna fundindo num único departamento denominado “Centro...”, vários departamentos.

A autora passou a integrar a equipa de trabalhadores desse “Centro...”. Que transferiu na sua quase plenitude para a 2ª Ré.

Como bem refere o Ex.mo PGA no seu douto parecer, “Não resulta da matéria provada que com a fusão dos mencionados departamentos, o «Centro...» tenha perdido a sua identidade. Demonstrou-se (ponto 40) que os trabalhadores da área de formação/certificação ré/MEO contavam, para o trabalho de gestão e planeamento da formação, com uma aplicação informática denominada ..., cabendo à autora, a organização da formação, de acordo com o registo, nesse portal, dos técnicos que necessitavam de formação.

Este Portal ET não foi transmitido para a segunda ré, já que se trata de uma aplicação corporativa da MEO, embora a ré cessionária tenha acesso àquele Portal, mas de forma limitada.

Conforme pontos 105 e 106 da matéria fáctica provada, «Os modelos de certificação são definidos pela MEO, que é a entidade que desenvolve as novas tecnologias, que é detentora do know-how e que define as skilis que são necessárias aos técnicos que procedem com a sua implementação no mercado, tendo introduzido todos os modelos de certificação naquela plataforma, parametrizando-os consoante as várias especialidades, gerindo e definindo, consoante entenda apropriado, novos requisitos em cada um dos modelos de certificação».

Por outra banda, resulta dos factos 108 a 110 que os avaliadores, funcionários da 2.a ré, quando acedem a plataforma ET, limitam-se a retirar a informação sobre o número identificação dos técnicos que necessitam de frequentar determinado número e tipo de formações, por forma a completar e ou/obter a «certificação MEO», após o que, programam, organizam e ministram os vários eventos de formação”.

Porque assim, com aquele Ilustre Magistrado concluímos: “Em face desta matéria assente, mostra-se evidente que o Portal ET se reconduz a um meio de comunicação entre as duas rés o que vaie por dizer, não se verificar, pelo menos no sentido exigido pela lei, a ausência autonomia do «Centro...», relativamente à primeira ré”.

A 2ª Ré, como resulta da factualidade provada, tem organização própria e tem autonomia técnico-organizativa.

Para além disso, a Ré Sudtel conta a Ré MEO como sua cliente; tem a sua sede própria e muitos dos locais de trabalho em imóveis arrendados à MEO.

Não se enxerga qualquer situação de dependência da cessionária em relação à cedente razão pela qual tem de se considerar válida a transmissão dos autos, concluindo-se, como se conclui, pela independência funcional e empresarial.

8.

Finalmente a Recorrente defendeu que o negócio celebrado entre as RR é um negócio simulado ou em fraude à lei.

A matéria de facto provada não permite concluir pela existência de tais vícios negociais.

E nem a Recorrente os demonstra.

Para além de que, ao que parece, deixou cair a questão em sede de revista.

III – DECISÃO

Termos em que se nega a revista

Custas pela Recorrente

Lisboa, 12 de Outubro de 2022

Francisco Marcolino de Jesus (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado

___________________________________________


[1] Sic da sentença da 1ª Instância, que se revela necessário para se entender os fundamentos da acção
[2] Também nesta parte nos socorreremos da sentença da 1ª Instância
[3] Com voto de vencido do hoje Juiz Conselheiro Domingos Morais

[4] Ac do STJ de 29/05/2014, processo 124/07.3TBVFC.L1.S1, in www.dgsi.pt
[5] Ac. do STJ de 16/09/2014, processo 939/11.8T2STC.E1.S1, in www.dgsi.pt

[6] Ac do STJ de 13/01/2015, processo 219/11.9TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
[7] Para aprofundamento da questão, vide Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de processo Civil, 4ª ed., pág. 397 e segs

[8] Ac do STJ de 15/02/2018, processo 134116/13.2YIPRT.E1.S1, in www.dgsi.pt
[9] Ac do STJ de 6/07/2022, processo 231/17.4T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt
[10] Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 10ª edição, pgs 774 e segs.
[11] David Falcão e outro, Lições de Direito de Trabalho, 11ª edição revista e actualizada, pg. 246. No mesmo sentido o Ac. TRC de 23.02.2017.
[12] Algumas Reflexões Críticas Sobre a Lei nº 14/2018, de 19 de março, Prontuário do Direito do Trabalho – Centro de Estudos Judiciários, 2018, número I, págs. 89/90, citado pelo acórdão recorrido.
[13] Os antes referidos, constantes da sentença da 1ª Instância
[14] Do actual Juiz Cons. Domingos Morais
[15] Ac de 3/03/2021, processo 1946/17.2T8TMR.E1.S1, in www.dgsi.pt