Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | LUIS ESPIRITO SANTO | ||
| Descritores: | RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE CADUCIDADE CONHECIMENTO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA PARTILHA DOAÇÃO NEGÓCIO JURÍDICO PRESSUPOSTOS INTERPRETAÇÃO LEI ADMISSIBILIDADE CONTAGEM DO PRAZO PREJUÍZO PATRIMONIAL MASSA INSOLVENTE MÁ FÉ | ||
| Data do Acordão: | 10/07/2025 | ||
| Nº Único do Processo: | |||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
| Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
| Sumário : | I – O conhecimento relevante do administrador da insolvência que determina o início do prazo previsto no artigo 123º, nº 1, do CIRE pressupõe que o mesmo se possa aperceber dos contornos essenciais dos negócios a resolver (in casu, contrato de partilha e do contrato de doação), possibilitando-o agir conscienciosamente, dado ter então na sua posse todos os elementos pertinentes e necessários para a resolução em favor da massa insolvente, não bastando, para este efeito, o seu mero conhecimento da simples celebração desses negócios jurídicos. II – Com efeito, sempre seria excessivo impor-lhe um prazo de seis meses contados a partir do mero conhecimento da existência do acto e não de todos os seus contornos essenciais, quando é perfeitamente natural que se depare com um conjunto de actuações mais ou menos complexo por parte do devedor, não sendo sempre evidente ou manifesto o prejuízo para a massa ou a má-fé do terceiro, quando estes sejam pressupostos para a resolução. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível). I - RELATÓRIO. Nos autos instaurados por apenso ao processo de insolvência de AA, veio BB demandar a Ré Massa Insolvente impugnando a resolução em benefício da massa que foi operada pela respectiva administradora. Essencialmente alegou: Por carta registada com aviso de recepção, datada de 17 Outubro de 2022, a Administradora de Insolvência procedeu pelos motivos aí aduzidos à resolução da escritura de partilha subsequente ao divórcio outorgado em 17 de Setembro de 2020 pelos seus pais – o insolvente e a mãe da autora - bem como à resolução da doação outorgada em 7 de Setembro de 2021, em que a aqui a mãe da autora lhe doou, entre o mais, uma fracção autónoma destinada a habitação com lugar de aparcamento, e veículo automóvel que identifica. O acto resolutivo foi extemporâneo, porque foi praticado para além do prazo de seis meses estabelecido no n.°1 do artigo 123° do CIRE, e havia sido precedido por outra comunicação endereçada à sua mãe, nula porque não foi comunicada à autora. A autora não teve qualquer intervenção nos actos praticados, sendo uma terceira de boa-fé. Existe falta de fundamentação da resolução operada pela Administradora de Insolvência e não se encontram preenchidos os pressupostos para a resolução em benefício da massa insolvente, designadamente a existência de acto resolúvel, a prejudicialidade para a Massa Insolvente. Concluiu pedindo que se julgue procedente a excepção de caducidade; procedentes as nulidades invocadas quanto à resolução impugnada; a não ser assim entendido, se julgue procedente por provada a impugnação, com total ineficácia da resolução impugnada e a condenação da R. a tal reconhecer. A Réu Massa contestou. Essencialmente afirmou a tempestividade do acto resolutivo, uma vez que só muito depois, em 8 de Junho de 2022 é que a administradora da insolvência teve conhecimento dos elementos essenciais dos negócios a resolver. Manteve, no essencial, a versão constante da carta para resolução do negócio realizado. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, datada de 28 de Fevereiro de 2024, que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, manteve a validade da resolução em benefício da massa insolvente do acto de partilha pós divórcio do acervo do casal em que é partilhante o insolvente AA, em que, para além de bens móveis, foi partilhado um prédio urbano, composto de fracção autónoma, designada pelas letras "BM", que é uma habitação no primeiro piso com o nº 14, bloco F, entrada pelo Rua 1 e lugar de aparcamento identificado pelas letras "BM" no piso menos dois, entrada pelo nº ... da mesma Rua, inscrito na matriz sob o art.º ..... BM, com o valor patrimonial de € 284.305,8 e atribuído de igual valor, inscrito seu favor pela inscrição 2.124 de 13/06/2013, descrito na CRP do Porto integrado num prédio urbano constituído em propriedade horizontal sob o nº ...22. Mais determinou a inoponibilidade relativamente à Massa Insolvente de AA do acto de doação celebrada em 7 de Setembro de 2021, em que a aqui a mãe da aqui Autora lhe doou entre o demais: fração autónoma designada pela letra "BM" destinada a habitação, no primeiro piso com o número catorze, bloco F, entrada pelo Rua 1 e lugar de aparcamento identificado pela letra "BM" no piso menos dois, entrada pelo nº ... da freguesia de Ramalde, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número mil novecentos e vinte e dois, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo ....BM. A A. interpôs recurso contra essa decisão, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão datado de 8 de Outubro de 2024, julgado improcedente o recurso e confirmado a sentença. A A. apresentou recurso de revista excepcional, com as seguintes conclusões: A. Nos presentes autosverifica-se a dupla conforme, uma vez que a decisão da 1ª instância foi confirmada pelo acórdão da Relação sem voto de vencido e sem uma fundamentação essencialmente diferente – artigo 671º, nº 3 do Cód. Processo Civil; B. A Recorrente na ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente dos atos de partilha e doação arguiu a exceção de caducidade da referida resolução nos termos do artigo 123º, nº 1 do CIRE, que não mereceu acolhimento na decisão da 1ª instância, pelo que inconformada recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que veio a pronunciar-se no mesmo sentido; C. Coincidiram as instâncias nas suas decisões sobre a referida exceção, com fundamento em que o prazo de caducidade se inicia não com o conhecimento do ato pelo Administrador de Insolvência, mas com o conhecimento por este dos pressupostos do ato que lhe permitam fundamentar a comunicação de resolução a favor da massa insolvente, nos termos do artigo 123º, nº 1 do CIRE; D. A Recorrente vem, interpor o presente Recurso de Revista Excecional com fundamento na contradição de Acórdãos, nos termos do artigo 672º, nº 1, al. c) do C.P.C. entre o Acórdão fundamento proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 12/05/2014, processo nº 3324/10.5TBSTS-F.P1, e o Acórdão recorrido; E. Alega a Recorrente que a questão de direito no Acórdão-fundamento e no Acórdão recorrido é a mesma: Saber se o direito à resolução a favor da massa insolvente havia ou não caducado à data da comunicação de resolução pelo Administrador de Insolvência; F. Factualmente os fundamentos do Acórdão-fundamento e do Acórdão recorrido são no essencial os mesmos, respetivamente, partilha subsequente a divórcio outorgada pelo insolvente e partilha subsequente a divórcio, outorgada pelo insolvente, outorgada a 17 de setembro de 2020 e subsequente doação feita pela ex-cônjuge a favor da filha, outorgada a 17 de outubro de 2022, aqui recorrente; G. Já no que tange às respetivas massas insolventes, estas vieram, resolver os respetivos atosde partilha, comfundamentoemque estes atossãoprejudiciaisà massa insolvente; H. Motivo pelo qual, em ambos os arestos está em causa a interpretação/aplicação do artigo 123º do CIRE, sendo a questão de direito que se coloca a de saber qual é o momento a partir do qual se inicia o prazo de caducidade; I. Do conhecimento do ato, “tout court” como entende a recorrente e o Acórdão-fundamento ou a partir do momento em que o Administrador de Insolvência tem conhecimento dos pressupostos de facto do negócio a resolver, como o Acórdão recorrido; J. O Acórdão recorrido, aceita que a Administradora de Insolvência teve conhecimento dos atos objeto de resolução quando foi Administradora Judicial no PEAP que precedeu o processo de insolvência, isto é, no parecer que emitiu e juntou àqueles autos em 18.01.2022. - Alínea F) dos Factos Provados; K. Este parecer, foi junto aos autos com a petição inicial e não foi impugnado. L. No entanto, o Acórdão recorrido conclui “que a resolução foi atempadamente efetivada porque, pese embora o AI possa ter tido conhecimento da existência deste negócio logo em 18.01.2022averdade é que amesma só em 08.06.2022é que aAIteve conhecimento dos elementos essenciais do negócio a resolver, através de um requerimento de um credor, que iniciou um processo de qualificação de insolvência, juntando elementos documentais, tais como, escritura de partilha e doação.”; M. Apesar de, em 25.03.2022, quando foi nomeada a Sra. Administradora de insolvência ter já conhecimentodos atose,mais,das partesedascircunstânciasdesde18deJaneiro de 2022. N. Subscrevendo na integra a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância no sentido “de que o prazo de seis meses só se deve contar a partir do conhecimento pelo administrador do ato na sua integra e, portanto, dos pressupostos de que depende o exercício do direito de resolução.” O. Ao contrário o Acórdão-fundamento “valorou o documento constante de fls. 48/49 da autoria do Sr. Administrador. P. E continua afirmando “E, tal valoração é de subscrever, pois que, não tendo sido impugnado nem quanto ao seu teor e autoria, forçosamente haveria que dela fazer uso para prova do citado facto, uma vez que o Sr. administrador aí consignou, além do mais, o seguinte: “Na sequência desse divórcio, efectuou a partilha com a ex-cônjuge no dia 30 do mesmo mês, tendo os bens sido adjudicados à ex-mulher e o Insolvente recebeu tornas no valor de 81.102,52 euros, ficando ainda com as quotas e acções das sociedades de M…, Lda, N…, Lda, O…, S.A., Q…, S.A., P…, Lda e outras” Q. Portanto, o que se perguntava é se a Administrador, a partir do início de funções, podia conhecer os elementos existentes no processo. R. Ora, esta resposta era intuitiva. De facto, a partir do momento em que alguém é nomeado Administrador de Insolvência o processo fica inteiramente disponível para consultanasecção de processos, sendo, aliás, redundante perguntar-se se, apartirdessa nomeação, podia tomar conhecimento de todos os elementos e documentos existentes no processo.” S. “E, neste ponto factual não estava perguntado se a Administradora conhecia, como pretende a recorrente, o que se perguntava, como já se afirmou, é se podia conhecer.” T. “Portanto, o citado normativo ao estabelecer o prazo de seis meses, a contar do respectivo conhecimento por parte do Administrador, para que este exerça o direito potestativo de resolver os actos prejudiciais à massa, visa, em nosso modesto entendimento, abreviar o estado de sujeição decorrente do mesmo, estabelecendo, pois, atento o que acima ficou exposto, um prazo de caducidade.” U. O normativo em questão refere expressamente “(…) seis meses seguintes ao conhecimento do acto”. Com vista à determinação do seu sentido e alcance que não se cinge à letra da lei, importa, evidentemente, entrar em linha de conta com a chamada mens legis, ou se quisermos, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que ela foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada de acordo com o artigo 9.º, n.º 1, do CCivil.” V. “Todavia, o limite é o de que não pode ser considerado um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. artigo 9.º, n.º 2, do CCivil), devendo, todavia, o intérprete presumir haver o legislador consagrado as soluções mais acertadas e expressado o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do mesmo diploma legal).” W. Aportando estes ensinamentos para o caso concreto, não existem elementos nomeadamente históricos, que nos levem a concluir que não nos atenhamos ao sentido que melhor corresponde ao significado natural da expressão utilizada, isto é, que o prazo de caducidade se conta a partir do conhecimento do acto puro e simples, ou seja, do conhecimento das partes nele intervenientes, da sua data, do seu objecto e das obrigações dele resultantes para cada uma delas.” X. A adoptar-se aquela interpretação, do preceito em análise, seria colocar nas mãos do administrador da insolvência um instrumento de fácil e indefinida dilação do prazo, o que contrariaria, em absoluto, os princípios da segurança e da estabilidade dos negócios jurídicos que o legislador quis proteger. Posto isto: Y. Os prazos constantes do artigo 123º do CIRE são prazos de caducidade; Z. Na opinião da Recorrente o prazo iniciou-se em 25.03.2022 com a aceitação do cargo pela Administradora de Insolvência; AA. Porque quando o prazo se iniciou em 25.03.2022 a Sra. Administradora da Insolvência tinha já conhecimento dos atos e, mais, das partes e circunstâncias, desde, em 18.01.2022; BB. Ou seja, a Sra. Administradora da Insolvência tinha desde 18.01.2022 conhecimento dos pressupostos dos atos em virtude das suas funções de Administradora Judicial no PEAP que precedeu o processo de insolvência; CC. Entende-se, por conseguinte que a Sra. Administradora da Insolvência teve conhecimento dos negócios e dos pressupostos dos mesmos em 18.01.2022, pelo que, o prazo deve ser contado desde o momento em que aquela podia agir, isto é, 25.03.2022; DD.Razão pela qual em 26.10.2022, data do envio da comunicação de resolução à Recorrente, aquele prazo já havia caducado; EE. O Tribunal da Relação do Porto, elaborou uma interpretação dos factos e das datas, no que respeita ao início da contagem do prazo de resolução, ignorando completamente que os pressupostos dos negócios já eram conhecidos desde 25.03.2022, desvirtuando a realidade objetiva da lei. FF. E, mesmo que se admita a hipótese sem, contudo, se aceitar que a Sra. Administradora da Insolvência, para resolver os negócios de que tinha conhecimento desde a referida data de 18 de janeiro de 2022, já tinha de exercer o seu poder/dever e solicitar as escrituras ao insolvente, pese embora, o facto de serem atos sujeitos a registo obrigatório e como tal públicos. GG.Factos que o Tribunal “ad quem”, não analisou, nem ponderou as datas referidas nos factos dados como provados na sentença da 1ª instância – Facto “C”, dos Factos Provados; HH.Nem tão-pouco considerou que a Sra. Administradora da Insolvência não foi diligente no exercício das suas funções, não podendo por isso escudar-se no desconhecimento dos pressupostos de facto, como faz a decisão recorrida; II. A seguir-se o entendimento adotado no Acórdão colocado em crise, que aceita que o início do prazo para resolver os negócios de partilha e doação é 8 de junho de 2022, porque foi nessa data que a Sra. Administradora da Insolvência tomou conhecimento dos negócios e requisitos é deturpar a verdade dos factos e não sancionar um comportamento no mínimo negligente da AI; JJ. No entender da Recorrente o prazo de caducidade conta-se a partir o momento em que A Administradora de insolvência teve conhecimento dos factos, 18.01.2022 e não 08.06.2022, data da entrega das escritura, pelo que em 26.10.2022, data em que a Recorrente recebeu a comunicação de resolução, o direito de a exercer já havia caducado em 25.09.2022; KK. Ao decidir como decidiu o douto Acórdão recorrido violou entre outros o artigo 123º do CIRE. Não houve resposta. Por acórdão da Formação neste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18 de Junho de 2025, foi admitido o recurso de revista excepcional nos seguintes termos: “Estatui o artigo 123.º do CIRE que “a resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência”. Os arestos em confronto detiveram-se, ambos, sobre a questão prévia do momento a partir do qual se deve iniciar a contagem do prazo de caducidade previsto no artigo 123.º do CIRE, interpretando de forma divergente a letra da lei na parte em que é referido o prazo de seis meses seguintes “ao conhecimento do ato”. Enquanto no acórdão recorrido foi considerado que o prazo de seis meses só se deve contar a partir do conhecimento pelo administrador da insolvência do ato na sua integralidade, i.e. dos pressupostos de que depende a instauração da ação de resolução, no acórdão fundamento foi decidido que o prazo se conta desde o conhecimento do ato, i.e. das partes nele intervenientes, e não desde o conhecimento pelo administrador da insolvência. No acórdão fundamento acrescenta-se que a adoção da interpretação defendida no acórdão recorrido “seria colocar nas mãos do administrador da insolvência um instrumento de fácil de indefinida dilação do prazo, o que contrariaria, em absoluto, os princípios da segurança e da estabilidade dos negócios jurídicos que o legislador quis proteger”, assim se evidenciando a pedra de toque da apontada contradição. Verifica-se, pois, manifestamente, entre os acórdãos em cotejo, dois pronunciamentos divergentes quanto à questão essencial de saber a partir de que momento se deve iniciar a contagem do prazo de caducidade previsto no artigo 123.º do CIRE. Sendo de afirmar uma identidade fáctico-normativa entre os dois acórdãos em cotejo, conducente a resultados decisórios antagónicos quanto à mesma questão fundamental de direito, resta concluir que se encontra verificada a contradição jurisprudencial pressuposta pela norma constante da al. c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC”. II – FACTOS PROVADOS. Encontra-se provado nos autos que: A. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 17 Outubro de 2022, remetida pela Sra. Administradora de Insolvência que procedeu pelos motivos aí aduzidos, à resolução da escritura de partilha subsequente ao divórcio outorgado em 17 de Setembro de 2020 pelos seus pais bem como à resolução da doação outorgada em 7 de Setembro de 2021, em que a mãe da aqui Autora lhe doou entre o demais: • fração autónoma designada pela letra "BM" destinada a habitação, no primeiro piso com o número catorze, bloco F, entrada pelo nº Rua 1 e lugar de aparcamento identificado pela letra "BM" no piso menos dois, entrada pelo nº ... da freguesia de Ramalde, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número mil novecentos e vinte e dois, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo ....BM; • veículo automóvel, da marca Volvo, matrícula V1. B. Comunicação esta que é a repetição da comunicação de resolução datada de 24 de Junho de 2022, que deu origem ao processo que corre termos sob o apenso C, enviada pela Sra. AI à mãe da autora em sua representação, não obstante a Autora naquela data já ter adquirido plena capacidade de exercício de direitos. C. O Insolvente AA foi declarado insolvente no dia 22 de Março de 2022, por sentença proferida nos autos principais. D. Por requerimento aos autos datado de 25 de Março de 2022 junto aos autos principais veio a Sra. Administradora de Insolvência informar que aceitava o cargo. E. A comunicação da resolução do negócio dos autos foi efectuada no dia 17 de Outubro de 2022 e recepcionada a 26 de Outubro de 2022. F. Já aquando da elaboração do seu parecer no PEAP, disponibilizado nos autos a 18 de Janeito de 2022, a Sra. Administradora mencionava o conhecimento dos contratos de partilha e de doação. G. A autora sabe que a relação dos seus pais há largos anos estava deteriorada não obstante o grande esforço que os seus pais fizeram para manter o casamento ao que agora reconhece por si. H. Também sabe, que a sua mãe herdou um acervo hereditário dos seus pais assinalável, composto por bens imóveis e móveis. I. Reconhecendo aos seus avós paternos bens de elevado valor, nomeadamente no interior do país, onde juntamente com as suas tias administra os bens. J. A doação do imóvel aqui em causa e que a sua mãe lhe fez sempre foi um desejo da mesma, fazendo-o de todos os seus bens imóveis, alguns até de maior valor que a fração objecto de resolução, K. A partilha ao que a Autora sabe foi subsequente ao divórcio, tendo a mãe da Autora ficado com a titularidade do imóvel onde viviam. L. Antes do divórcio o pai da Autora já tinha saído de casa. M. A Autora não teve qualquer intervenção nos actos praticados. N. Só em 8 de Junho de 2022 é que a administradora da insolvência teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio a resolver, através de um requerimento de um credor, que iniciou um processo de qualificação de insolvência, juntando elementos documentais, tais como escritura de partilha do insolvente e doação. O. Na carta de resolução, relativamente à partilha efectuada, diz expressamente que: "Tomou a A. I. conhecimento dos factos relativos à escritura de partilha pós divórcio, do acervo do casal em que é partilhante o insolvente AA, juntamente com Vª. Exª., através de escritura de partilha celebrada em 17 de Setembro de 2020 no Cartório Notarial de Vizela - notária CC, da cidade e concelho de Vizela, em que, para além de bens móveis, foi partilhado um prédio urbano, composto de fracção autónoma, designada pelas letras "BM", que é uma habitação no primeiro piso com o nº ..., bloco F, entrada pelo nºRua 1 e lugar de aparcamento identificado pelas letras "BM" no piso menos dois, entrada pelo nº ... da mesma Rua, inscrito na matriz sob o artº ..... BM, com o valor patrimonial de € 284.305,8 e atribuído de igual valor, inscrito seu favor pela inscrição ...24 de 13/06/2013, descrito na CRP do Porto integrado num prédio urbano constituído em propriedade horizontal sob o nº ...22. Tal imóvel foi, no entanto, comprado pelo insolvente e V*. Ex--. por € 450.000,00 e tem um valor venal atual não inferior a € 600.000,00. Em tal partilha, o referido prédio foi adjudicado a Vª. Exª., DD, mais uma quota nominal da firma "Sociedade Agrícola da Quinta do Reguengo, Ida." de € 5.000,00 e um veículo automóvel marca Volvo, matrícula V1 a que foi atribuído o valor de € 1.000,00 tendo sido adjudicado ao insolvente AA apenas uma quota nominal de uma sociedade Avoutiz, S.A, sem valor real, uma vez que a sociedade foi declarada insolvente, 17,5% de acções da sociedade Glacierweek, Lda., que não tem qualquer actividade tendo os seus sócios sido declarados insolventes e ainda o recheio do referido imóvel, a que atribuíram o valor de € 200.000,00, mas que não tem um valor real superior a € 10.000,00. Ora, tais factos indicam, de forma clara, que estamos perante uma partilha em que ao insolvente AA foram adjudicados bens de pouco ou nenhum valor e de fácil sonegação, cabendo a Vª. Exª o imóvel de valor muito superior ao declarado, visando, de forma clara, frustrar o pagamento de credores desviando, de forma ilegítima, o seu património da insolvência. Acresce que, posteriormente, em 07 de Setembro de 2021, por documento escrito autenticado, Vª. Exª., DD, doou o supra mencionado imóvel, pelo valor patrimonial atua! de € 286.438,26, à sua única filha e do insolvente, EE, ainda menor, com o intuito evidente de afastar o património mais valioso dela e do insolvente da insolvência, frustrando os interesses dos credores. Sendo certo que tanto o insolvente, como Vª. Exª., a sua ex cônjuge e a sua filha menor vivem actualmente juntos no referido imóvel. Assim, tais actos são prejudiciais à massa insolvente, pois visaram impedir que o supra referido prédio constasse do património do insolvente, o que provoca uma diminuição, ou mesmo frustração, da satisfação dos credores da insolvência, os quais, com este acto, vêem desaparecer da esfera patrimonial do insolvente um bem que responderia pelas suas dívidas e, consequentemente, satisfaria os seus créditos, mesmo que parcialmente. Factos julgados não provados: 1. Que a partilha foi realizada antes da situação de insolvência do insolvente e que ainda não era conhecida qualquer situação de insolvência. III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER. Caducidade do direito à resolução do negócio sub judice em favor da massa insolvente nos termos do artigo 123º, nº 1, do CIRE. Momento do conhecimento relevante por parte do administrador da insolvência para a prática do acto resolutivo. Passemos à sua análise: O objecto do presente recurso de revista circunscreve-se unicamente à questão de saber se se verifica, ou não, a excepção peremptória de caducidade alegada pela A. Ou seja, discute-se qual o momento temporal em que terá ocorrido o conhecimento relevante do negócio a resolver por parte do administrador da insolvência (pretensamente superior a seis meses tendo por referência a posterior prática do acto resolutivo em causa, nos precisos termos do artigo 123º, nº 1, do CIRE). Entende a recorrente, respaldando-se no acórdão que apresentou como fundamento da presente revista excepcional, que tal momento coincide com o mero conhecimento pelo administrador da insolvência da simples existência da celebração dos negócios a resolver. Diferentemente, o acórdão recorrido considerou que o momento relevante para o início do prazo de caducidade previsto no artigo 123º, nº 1, do CIRE não é o do conhecimento da existência do negócio, nem o da aceitação do cargo por parte do administrador de insolvência, mas antes e apenas aquele em que o administrador da insolvência tem conhecimento das concretas e essenciais condições do negócio. Perfilhamos a interpretação da disposição legal em causa realizada no acórdão recorrido. Sobre esta temática enfatizou-se, de forma assaz clarividente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2018 (relator José Rainho), proferido no processo nº 195/14.6TYVNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt., a posição que se tornou amplamente maioritária neste tocante sendo, a nosso ver, a correcta, e que, pela sua importância e plena oportunidade para o caso em análise, aqui se transcreve: “(…) tem-se entendido reiteradamente que o prazo de caducidade em causa se conta a partir do conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução. Por se tratar de entendimento já consolidado nesta 6ª Secção (que, nos termos do Provimento n.º 15/2014 do Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, detém competência exclusiva para a apreciação das causas a que alude o art. 128.º da LOSJ), e dado que nada termos a acrescentar de relevante ao mesmo, limitamo-nos a extratar aqui alguns excertos dessa jurisprudência, que subscrevemos. Assim, no acórdão de 27 de Outubro de 2016 (processo n.º 3158/11.0TJVNF-H.G1.S1, relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt, aliás invocado como acórdão fundamento para a admissibilidade da presente revista excecional) concluiu-se (reproduz-se o respetivo sumário) que: “I. Não impondo a lei insolvencial que todo e qualquer acto, praticado pelo devedor, nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, deva ser resolvido pelo administrador da insolvência (AI), antes impondo ao AI que os actos passíveis de resolução sejam “prejudiciais à massa”, bem pode suceder que o AI tenha conhecimento de um acto praticado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, mas não saiba de imediato se esse acto ou actos são prejudiciais à massa insolvente. II. O processo de insolvência é urgente, os seus procedimentos devem ser céleres, uma vez que o interesse dos credores, e do próprio devedor, podem ser severamente prejudicados se não for acautelada a massa insolvente que é garantia, quantas vezes debilitada, da satisfação dos direitos dos credores. III. Tal não justifica que se proceda a interpretação literal da lei, fazendo contar o termo inicial do prazo previsto no art.120º, nº1, do CIRE apenas do conhecimento do acto, não deixando margem para que o AI averigue, e possa avaliar, se o acto praticado no “período suspeito” é prejudicial à massa. Sabendo-se que esse prejuízo nem sempre resulta da aparência de um acto potencialmente lesivo, sendo prudente proceder a averiguações com vista a apurar com a diligência exigível, por exemplo, se o preço da venda de um imóvel é simulado ou não, ou se, através de negócios indirectos, mais ou menos complexos, mais se não visou que salvaguardar os interesses de certos credores em detrimento de outros. IV. A adoptar-se a contagem do prazo, seu termo inicial, a partir do conhecimento do acto, o AI, por cautela, será tentado a resolver todo os actos do devedor enquadrados no “período suspeito” o que levará as declarações resolutivas cegas quanto à existência, ou consistente conhecimento de fundamento resolutivo – a prejudicialidade ou nocividade do negócio em relação à Massa – o que, além de colocar graves problemas aos visados, não deixa de colocar não menos graves dificuldades ao AI, sobretudo, se se entender, como parece ser comum, que sendo a acção de impugnação da resolução uma acção de simples apreciação negativa, não pode o AI, na contestação dessa acção, aduzir outros novos fundamentos tendentes ao preenchimento do requisito “prejudicialidade”. V. Nos termos do art. 9º do Código Civil, a letra da lei não é o único elemento de que o intérprete se deve socorrer para alcançar a mens legis, afigura-se-nos que, nos casos em que exista fundada dilação entre a data do conhecimento do acto praticado, no período temporal fixado no art. 120º, nº1, do CIRE, e o efectivo conhecimento dos fundamentos e conteúdo desse acto, pode o AI comunicar a resolução nos seis meses sequentes a esse conhecimento, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.” No acórdão de 18 de Outubro de 2016 (processo n.º 7/13.8TBFZZ-G.E1.S1, relator Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt) observa-se que: «(…) importa ter presente, desde logo, que os pressupostos para o exercício da resolução em benefício da massa insolvente são muito variáveis. Em princípio, exige-se a má-fé do terceiro (artigo 120.º n.º 4), ainda que esta se presuma nos casos em que tenha participado no acto ou dele tenha beneficiado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, mas em outras situações previstas no artigo 121.º n.º 1 não é requisito para a resolução a má-fé do terceiro (…). Exige-se, também, o carácter prejudicial do acto (n.º 1 do artigo 120.º), mas certos actos presumem-se prejudiciais à massa sem admissão de prova em contrário (n.º 3 do artigo 120.º) e a resolução “incondicional” prescinde por completo de tal requisito. Em resultado, existem situações em que o simples conhecimento do acto praticado pelo devedor e da data em que ocorreu possibilita a resolução do mesmo: pense-se na hipótese de o devedor ter efectuado a doação de um prédio dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência. Embora a eventual boa-fé do donatário tenha interesse em sede dos efeitos da resolução, o simples conhecimento da existência da doação e do seu momento temporal é suficiente para que o administrador possa resolver a doação. Mas mesmo no âmbito do artigo 121.º e do que a lei designa por resolução “incondicional” a situação pode ser muito diversa: assim, mesmo que o devedor tenha vendido um bem no ano anterior à data do início do processo de insolvência o mero conhecimento da venda não é suficiente para que o administrador possa resolver esse contrato. Terá, por exemplo, de averiguar se as obrigações assumidas pelo devedor excedem – e excedem manifestamente (artigo 121.º, n.º 1, alínea h)) – as da contraparte e até qual o modo de pagamento utilizado (artigo 122.º do CIRE). Não será, por conseguinte, suficiente para poder optar pela resolução o mero conhecimento da existência do acto. Esta heterogeneidade de situações tem de ser tida em conta ao interpretar o artigo 123.º n.º 1. Interpretar o preceito como fixando o prazo de seis meses para o exercício do direito de resolução a partir do conhecimento da mera existência do acto teria como resultado um prazo manifestamente excessivo para certas situações (por exemplo, a resolução de uma doação), mas que se poderia revelar muito curto e até insuficiente para outras, em que se torna necessário determinar, designadamente, quem contratou (caso se trate de um contrato) com o devedor, qual a relação entre eles, qual o conteúdo do acto. Partindo da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9.º n.º 3 do Código Civil, que também se refere à presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados) entendemos que a referência ao conhecimento do acto implica o conhecimento da plenitude do mesmo em tudo o que ele releva para efeitos de resolução do contrato (…). (…) A tese que aqui se acolhe – a de que o prazo de seis meses só deve contar a partir do conhecimento pelo administrador do acto na sua íntegra e, portanto, dos pressupostos de que depende o exercício do direito de resolução não representa, ao contrário do que se pretende, uma ameaça excessiva para a segurança jurídica. Em primeiro lugar, porque além do prazo de seis meses a contar do conhecimento do acto pelo administrador da insolvência, há sempre que ter em conta que a resolução nunca pode ter lugar “depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência” (n.º 1 do artigo 123.º do CIRE, parte final). Depois porque a oponibilidade da resolução do acto a transmissários posteriores a título oneroso pressupõe a má-fé destes (n.º 1 do artigo 124.º). Quanto à contraparte do devedor que veio a ser declarado insolvente, se se tratar de um adquirente a título gratuito, a obrigação de restituir só existirá “na medida do seu enriquecimento, salvo o caso de má-fé, real ou presumida” (n.º 6 do artigo 126.º), solução muito criticada pela doutrina mas que permite proteger adequadamente o donatário nos casos, por exemplo, de doação modal ou de doação remuneratória, negócios que a maior parte da doutrina considera serem gratuitos. Relativamente à contraparte a título oneroso – que até pode ser, no caso concreto, a contraparte de um negócio gravemente desequilibrado, como previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 121.º – a sua tutela decorre dos números 4 e 5 do artigo 126.º, Em suma, a protecção da contraparte que adquiriu a título oneroso não deve prevalecer sobre os interesses dos restantes credores e da massa. No acórdão de 27 de Outubro de 2016 (processo n.º 653/13.0TBBGC-F.G1.S1, relator Pinto de Almeida, disponível igualmente em www.dgsi.pt) defende-se que: «O art. 123º, nº 1, do CIRE prescreve que a resolução pode ser efectuada nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência. A questão é essencialmente de interpretação dessa norma legal e, concretamente, sobre o que deve entender-se por "conhecimento do acto (…). É sabido que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei: esta constitui naturalmente o seu ponto de partida, eliminando aqueles sentidos que não tenham aí qualquer correspondência ou dando maior apoio a um dos sentidos possíveis; o objectivo essencial é reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, devendo presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nºs 1 e 3, do Código Civil). O argumento literal não seria, em princípio, decisivo e não parece que o seja efectivamente neste caso. Embora os termos utilizados na norma legal favoreçam aparentemente a referida tese – ao aludir ao conhecimento do "acto", apontaria para os elementos desse acto, em si objectivamente considerados, desatendendo outros elementos com ele relacionados – este factor hermenêutico só permite excluir o sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (ainda que imperfeitamente expresso). Ora, não é este o caso: embora aponte, aparentemente, nesse sentido, a letra da lei não impõe que se considere apenas o conhecimento do "acto puro e simples" que acima se referiu, com exclusão de um sentido mais amplo que contemple o acto em si e outros elementos a ele respeitantes, indispensáveis à efectivação da resolução. Outros factores, como a razão de ser da norma e o elemento sistemático (contexto da lei) contribuem decisivamente para esse sentido. Basta ver que, no regime da resolução condicional, poucas ou nenhumas situações existirão em que seja suficiente, para esse efeito, o mero conhecimento dos termos do negócio; para além disso, pode ter de demonstrar-se elementos que permitam concluir pela satisfação dos requisitos previstos no art. 120º, nºs 1 a 5, do CIRE (prejudicialidade do acto, má fé do terceiro, especial relacionamento com o insolvente, situação de insolvência actual ou iminente do devedor, etc.), o que implica a realização de diligências (na procura de documentação e de informação relevante), para as quais poderá não ser suficiente o prazo de seis meses a contar do conhecimento do simples acto. Por outro lado, como atrás se referiu, esses elementos, pelo menos nos seus pontos essenciais, terão de constar da declaração de resolução, sem que ulteriormente (na contestação da impugnação) seja admissível ao administrador da insolvência suprir qualquer omissão que, a esse respeito, haja sido cometida. Será, pois, parece-nos, pelo menos incoerente exigir que essa fundamentação contenha as razões que determinam a destruição do negócio e, ao mesmo tempo, defender que o simples conhecimento do acto ou negócio é (sempre) suficiente para o administrador se decidir pela resolução, iniciando-se a partir daí o prazo para a efectivação desta. Importa ainda notar que, como decorre do citado art. 123º, nº 1, parte final, a resolução nunca poderá ocorrer depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência. Sobre os efeitos, considerados gravosos, que decorreriam da tese contrária, isto é, do entendimento de que o prazo só se conta a partir do conhecimento pelo administrador dos pressupostos que fundamentam a resolução, importa referir que o início da contagem do prazo não fica dependente apenas da disponibilidade e da vontade do administrador da insolvência. O processo de insolvência e todas as questões que lhe dizem respeito têm natureza urgente, pelo que a cognoscibilidade dos elementos indispensáveis à resolução há de ter por base uma diligência compatível com essa natureza, no âmbito, aliás, de um desempenho criterioso e ordenado (cfr. art. 59º, nº 1, do CIRE). O próprio regime legal supletivo inculca esta ideia: o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder ser exercido (art. 329º do CC), ou seja, no momento em que (logo que) o direito puder ser efectivamente exercido; não no momento em que o titular quiser exercê-lo. Entende-se, por conseguinte, que o “conhecimento do acto” a que alude o art. 123º, nº 1, do CIRE, não se basta com o mero conhecimento do acto ou negócio, exigindo também o conhecimento dos pressupostos necessários para a existência do direito de resolução; sem prejuízo de se poder vir a demonstrar que o administrador da insolvência não actuou com a diligência que lhe era exigível, caso em que se deve contar o prazo desde o momento em que o administrador devia ter conhecido aqueles pressupostos.» Em sentido coincidente com o que fica referido se pronuncia Júlio Gomes (Nótula sobre a Resolução em Benefício da Massa Insolvente, in IV Congresso do Direito de Insolvência, pp. 121 a 123). Expende o autor que: «Importa, parece-nos, ter presente a grande variedade de situações em que o administrador pode resolver atos do devedor em benefício da massa. Em certos casos (…) só é necessário que o administrador da insolvência conheça a existência do ato para o poder resolver. Mas na maior parte das situações o conhecimento da mera existência do ato não será suficiente para o exercício da resolução: mesmo no âmbito do artigo 121.º pode ser necessário, por exemplo para resolver um ato praticado a título oneroso, ter conhecimento do conteúdo do próprio ato e do desequilíbrio das obrigações assumidas pelo devedor e pela sua contraparte (alínea h) do n.º 1 do artigo 121.º); e fora do âmbito do artigo 121.º pode ser necessária a demonstração do prejuízo e da má-fé do terceiro. E daí que haja acórdãos a afirmar que “a referência ao conhecimento do ato implica o conhecimento da plenitude do mesmo em tudo o que ele releva para efeitos de resolução do contrato”, “o conhecimento dos pressupostos que podem fundamentar a resolução, ou seja, o ato em si e outros elementos a ele respeitantes indispensáveis à efetivação da resolução”, “o efetivo conhecimento dos fundamentos [resolutivos] e do conteúdo do ato praticado”. Este entendimento parece ser o que melhor se coaduna com a exigência (…) de que a declaração de resolução seja fundamentada, ao que acresce que não poderão sequer ser invocados novos fundamentos, que não constassem já desta declaração de resolução, na contestação em uma eventual ação de impugnação da resolução (…). Com efeito, e mesmo sem esquecer a necessária diligência com que o administrador deve atuar neste domínio, parece excessivo impor-lhe um prazo de seis meses contados a partir do conhecimento da mera existência do ato, quando este pode deparar-se com um conjunto de atuações mais ou menos complexo por parte do devedor, não sendo sempre evidente ou manifesto o prejuízo para a massa ou a má-fé do terceiro, quando estes sejam pressupostos para a resolução.”. No mesmo sentido, quanto à interpretação do conceito - de forma não estritamente literal - de conhecimento relevante do administrador da insolvência para efeitos do artigo 123º do CIRE, vide igualmente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2019 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 493/12.3TJCBR-K.P1.S2, publicado in www.dgsi.pt.; de 17 de Novembro de 2021 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 2381/19.3T8VNG-E.P1.S1; de 30 de Abril de 2024 (relator Luís Correia de Mendonça), proferido no processo nº 668/16.6T8ACB-AD.C4.S1; de 15 de Dezembro de 2020 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 2925/13.4TBLLE-I.E1.S1 e de 21 de Junho de 2022 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 823/18.4T8VFX-B.L1.S1, publicados in www.dgsi.pt. Ora, na situação sub judice encontra-se dado como provado que: Só em 8 de Junho de 2022 é que a administradora da insolvência teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio a resolver, através de um requerimento de um credor, que iniciou um processo de qualificação de insolvência, juntando elementos documentais, tais como escritura de partilha do insolvente e doação (facto provado sob a alínea N). Pelo que, seguindo a linha jurisprudencial e doutrinária evidenciada supra – largamente maioritária (o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que foi apresentado como fundamento da revista excepcional constitui manifestamente uma decisão totalmente isolada, tomada contra a corrente firmada) é inevitável concluir que não se encontra demonstrada a factualidade subjacente e necessária à procedência da excepção de caducidade, mormente o conhecimento pelo administrador da insolvência há mais de seis meses da factualidade essencial respeitante aos exactos contornos do contrato de partilha e do contrato de doação em apreço, que lhe possibilitasse agir conscienciosamente, tendo na sua posse todos os elementos pertinentes e necessários, no sentido da resolução do negócio em favor da massa insolvente. Logo, foi naturalmente tempestiva a prática dos ditos actos resolutivos e inexiste fundamento para a procedência da excepção de caducidade suscitada. Nega-se, portanto, provimento à revista. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) negar provimento à revista, confirmando a decisão recorrida. Custas da revista pela recorrente. Lisboa, 7 de Outubro de 2025. Luís Espírito Santo (Relator) Maria Olinda Garcia Luís Correia de Mendonça V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |