Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CONCEIÇÃO GOMES | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PRESSUPOSTOS IDENTIDADE DE FACTOS OPOSIÇÃO DE JULGADOS CONTRAORDENAÇÃO REJEIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/01/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - Um dos fundamentos de ordem substancial para que haja oposição de julgados, para os efeitos do art. 438.º, n.º 2, do CPP, é que a questão decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas e haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito.
II - As decisões proferidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento não partiram de idêntica situação de facto. O que está em causa nos presentes autos é a interpretação e aplicação do art. 81º, n.º 3, al. u), do DL n.º 226-A/2007, de 31-05 (Regime de Utilização dos Recursos Hídricos), tendo o tribunal da Relação do Porto entendido que a água «preta» e «gordurosa» que escorria para a conduta das águas pluviais integra o conceito típico de «águas degradadas» constante desse normativo. Por sua vez, no acórdão fundamento, o Tribunal da Relação de Guimarães não entendeu o contrário, tendo considerado que a sentença enfermava de erro notório na apreciação da prova, atendendo a que, com a factualidade que resultou provada, não se poderia concluir, com “a necessária segurança «que as águas amareladas e com espuma» estavam degradadas”. III - Assim, estamos perante situações de facto distintas, que chegaram a conclusões diferenciadas, não havendo qualquer oposição relativamente à interpretação do art. 81º, n.º 3, al. u), do DL n.º 226-A/2007, de 31-05, pelo que inexistem decisões opostas sobre a mesma questão jurídica. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. A sociedade J..., Lda veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.12.2021 transitado em julgado em 12 de janeiro de 2022 proferido no processo nº 3160/20...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ..., alegando que está em oposição com acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.11.2018 proferido no processo nº 7050/17.6T8GMR.G1, transitado em julgado em 19.11.2018, invocando o disposto no art. 437º, do CPP, concluindo nos seguintes termos: «1. O recurso ora submetido à mui douta e criteriosa apreciação de Vossas Excelências vem do douto acórdão proferido, em 15/12/2021, pela ... Secção do Tribunal da Relação ..., no processo nº. 3160/20...., e transitado em julgado em 12/01/2022. 2. Tal douta decisão encontra-se em manifesta oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão, também já transitado em julgado, proferido em 05/11/2018, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo nº. 7050/17.6T8GMR.G1. 3. Este douto acórdão encontra-se publicado em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/eeec9645917fbe8d8025835100349ba3?OpenDocument (Último acesso em 11/02/2022). 4. Tanto uma como a outra decisão foram proferidas ao abrigo da norma jurídica, concretamente da alínea u), do nº. 3 do artigo 81º. do Decreto-Lei nº. 226-A/2007, de 31 de maio. 5. A redação do citado normativo não sofreu qualquer modificação entre a prolação do acórdão recorrido e o fundamento. 6. É no sentido antes propugnado pelo mui douto acórdão fundamento que a recorrente pretende que a decisão ora impugnada seja substituída. 7. Entendendo-se assim que, o preenchimento do tipo contraordenacional previsto na alínea u), do nº. 3 do artigo 81º. do Decreto-Lei nº. 226-A/2007, de 31 de maio não prescinde da produção de prova consistente, nomeadamente pericial, da água rejeitada para que se possa afirmar que a mesma integra o conceito de “água degradada”. 8. É esta solução, de resto, a única compatível com o princípio da legalidade sancionatória, na sua dimensão de tipicidade previsto no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa. 9. Entre a decisão impugnada e o acórdão fundamento, além da manifesta identidade da questão de direito, existe ainda identidade quanto aos pressupostos de facto que os tornam suscetíveis de ser enquadrados na mesma hipótese normativa. 10. Quer num, quer noutro acórdão, a discussão nuclear é em torno dos elementos de prova mínimos indispensáveis para o preenchimento do conceito de “águas degradadas” para efeitos de imputação da contraordenação prevista na norma legal referida no ponto 7. 11. O acórdão fundamento aprecia e decide um caso de rejeição de águas residuais provenientes do aterro sanitário no solo e linha de água, que se apresentavam com “cor amarelada e bastante espuma”. 12. Na decisão impugnada discute-se igualmente a rejeição de águas provenientes de um lagar de produção de azeite para a vala dos terrenos envolventes e que apresentavam “cor preta e gordurosa”. 13. A matéria de facto é idêntica em ambos os acórdãos, podendo resumir-se, tanto num, como no outro, à ocorrência de um episódio de rejeição de águas, sem mecanismos que assegurem a sua depuração. 14. Já o mesmo não se pode dizer quanto ao sentido da decisão, que é verdadeiramente contraditório. 15. No acórdão fundameno “[…] por não se terem apurado as características das águas rejeitadas e em causa nos autos, cujo apuramento implicava, e repete-se, face às circunstâncias atmosféricas excecionais que se verificavam à data, a existência de prova pericial […]” decide-se que pela “absolvição da recorrente da prática da contraordenação ambiental que lhe era imputada”. 16. Já o acórdão recorrido decide pelo preenchimento dos elementos do tipo, e consequente condenação da arguida, tão-só com a observação que a entidade autuante fez, a olho nu, sem recurso a qualquer análise mais detalhada, do aspeto da água rejeitada. 17. Não restam dúvidas da contradição manifesta entre a decisão impugnada e o acórdão fundamento, quer quanto ao sentido de decisão, quer ainda, e por causa disso mesmo, quanto à fundamentação que sustenta cada uma daquelas decisões. TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES-CONSELHEIROS, DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deve o presente recurso ser admitido e, julgada a questão controvertida no sentido propugnado pela recorrente, ser anulada a douta decisão impugnada, proferindo-se acórdão que conclua que o preenchimento do tipo contraordenacional previsto na alínea u), do nº. 3 do artigo 81º. Do Decreto-Lei nº. 226-A/2007, de 31 de maio impõe a produção de prova consistente, nomeadamente pericial, da água rejeitada para que se possa afirmar que a mesma integra o conceito de “água degradada”, com as legais consequências. Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, farão a costumada JUSTIÇA». 2. O Ministério Público no Tribunal da Relação ... ofereceu resposta, concluindo pela rejeição do recurso. 3. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu Parecer, no sentido da rejeição do recurso, nos seguintes termos: (transcrição) «O acórdão recorrido confirmou a sentença do Juízo de Competência Genérica ... que julgou improcedente a impugnação judicial da sociedade J..., Lda da decisão administrativa da APA que a condenou na coima de 24.000 euros pela prática da contraordenação prevista no art. 81.º, n.º 3, al. u), do DL 226-A/2007, de 31.05, conjugado com o art. 222.º, n.º 4, al. b), da Lei 50/2006, de 29.08. Enquanto arguida e acoimada a recorrente tem, por isso, legitimidade e interesse para recorrer. A recorrente justifica minimamente a oposição que (na sua perspetiva) motiva o conflito de jurisprudência. Ambos os acórdãos transitaram em julgado: o acórdão do TRG de 05.11.2018 (acórdão fundamento) transitou em julgado em 19.11.2018; o acórdão do TRP de 15.12.2021 (acórdão recorrido) transitou em julgado em 12.01.2022. O recurso foi tempestivamente interposto em 11.02.2022. Quanto ao preenchimento dos pressupostos formais nada temos, assim, a apontar. Passando aos pressupostos substanciais. Adiante-se desde que secundamos a posição do MP no TRP de que não existe identidade das situações de facto tratadas nos acórdãos em confronto. Vejamos. No acórdão recorrido, o TRP deparou-se com a seguinte realidade factual assente na 1.ª instância (transcrição do núcleo fundamental): «1. No dia 13 de novembro de 2019, pelas 15h20, uma patrulha da GNR, na sequência de comunicações sobre descarga de águas com tonalidade negra para uma vala localizada nas traseiras de um lagar de produção de azeite existente em ..., ..., ..., deslocou-se ao local. 2. Tendo constatado que se tratava do lagar pertencente a J..., Lda. 3. Verificou-se a existência de uma vala, cuja água apresentava uma coloração preta e em alguns pontos, aspeto gorduroso. (…) 7. Após verificação do processo produtivo realizada ao interior das instalações, foi visualizada a área envolvente constatando-se que perto da entrada do lagar, mais precisamente, onde é rececionada a azeitona dos clientes, existia uma caixa para encaminhamento das águas pluviais, sendo que alguns líquidos provenientes dos reboques de transporte da azeitona eram descarregados pelos clientes junto desta caixa. 8. O bagaço era depositado na parte traseira das instalações, não possuindo o local qualquer cobertura ou barreira que delimitasse a área onde o mesmo é colocado. 9. Junto do bagaço, foram visualizadas várias escorrências para a conduta de receção de águas pluviais não só através da caixa de receção, mas também através de um orifício existente no pavimento localizado junto de outra tampa de acesso à referida conduta. 10. Em paralelo ao depósito de bagaço, encontrava-se implantado o tanque estanque de receção de águas ruças, onde se encontrava a mangueira de sucção destas águas para posterior aplicação nos terrenos agrícolas. 11. Entre a parede do lagar e a parede do tanque das águas ruças, existia uma pequena passagem para onde circulam as águas pluviais, as quais, por sua vez eram direcionadas, através de umas manilhas para uma vala delimitadora de terrenos agrícolas. 12. (…) estas manilhas tinham sido colocadas no ano transato para encaminharem as águas pluviais das instalações para a referida vala que também foi aprofundada e limpa. 13. Ao visualizar atentamente a passagem existente entre a parede do edifício e a parede do tanque, verificou-se que estavam a circular águas com coloração escura (preta) existindo inclusive azeitona. 14. O que motivou o levantamento das tampas de acesso à conduta das águas pluviais, constatando-se igualmente a circulação de água com coloração preta. 15. À saída desta conduta, visualizou-se a descarga das águas pretas para a vala delimitadora de terrenos agrícolas, tendo estas águas alcançado outros terrenos. (…) 18. Nos dias anteriores à deslocação da GNR às instalações do Lagar, ocorreu uma elevada precipitação, sendo que, o facto do bagaço se encontrar exposto às condições climatéricas permitiu a infiltração de água no mesmo. 19. A mistura da água com o bagaço produziu escorrências que por sua vez não são só encaminhadas para a conduta de águas pluviais para a vala, mas também pela existência de desnível do pavimento. 20. A vala em apreço serve para escoar águas pluviais, não se encontrando cartografia na carta militar. (…) 22. A arguida não atuou com o cuidado, a que segundo as circunstâncias devia e de que era capaz, por quanto estando licenciada para a gestão e adequado encaminhamento das águas residuais produzidas na unidade fabril e conhecedora dos requisitos, procedia à rejeição de águas pretas e gordurosas para a vala de terrenos envolventes». E apreciando esta factualidade a propósito de uma das questões suscitadas no recurso (questão da qualificação jurídica dos factos), decidiu: «Quanto à não verificação dos elementos do tipo, no recurso não se mostra adequadamente interpretada a previsão aplicável, e é esquecido que a infração foi praticada a título de negligência. Com efeito alega-se que a factualidade provada é “insuficiente para o preenchimento dos elementos do tipo”, porque é necessário que “da atuação do agente, advenha a rejeição das águas degradadas”, e para além da cor nada mais é referido “quanto às características das mesmas”. Acrescenta-se que «coloração preta» de uma água, só por si, não determina a sua degradação”. Dos factos provados consta que a água que escorria para a conduta de águas pluviais era “preta” e “gordurosa” (aliás, como é próprio dos lagares de azeite), o que integra o conceito de “águas degradadas” (estragadas, alteradas na sua composição e características: “inodora, incolor e insípida”). Perante a matéria de facto provada, mostra-se verificada a previsão do art.º 81 n.º 3 alínea u) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio (Regime de Utilização dos Recursos Hídricos), “a rejeição de águas degradadas diretamente para o sistema de disposição de águas residuais, para a água ou para o solo, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração destas”, contraordenação ambiental muito grave. (…). Quanto ao elemento subjetivo, a contraordenação foi praticada a título de negligência, isto é, foi omitido o dever de cuidado exigível, perante a respetiva atividade e as suas circunstâncias, daí que não tenha cabimento a alegação de que não se verifica o elemento subjetivo porque “só por defeito/avaria no circuito de expulsão de águas – que, à data dos factos, a requerente desconhecia por completo – é que se deu o escorregamento do interior das instalações para o circuito de águas pluviais”. Quanto à invocação do princípio in dubio pro reo, a propósito da qualificação jurídica dos factos, tal mostra-se, igualmente, por completo descabida. O princípio, genericamente denominado “in dubio pro reo” (…) respeita exclusivamente à prova dois factos. Não tem aplicação em matéria de Direito, ou mais especificamente, na subsunção dos factos ao Direito, onde as regras são as da interpretação jurídica, da fixação do sentido e alcance da lei, seja ela favorável ou desfavorável aos interesses do acusado». Por sua vez, no acórdão fundamento operou sobre os seguintes factos essenciais: «1) No dia 26/02/2016, pelas 10.30 horas, foi efetuada uma fiscalização ao Aterro Sanitário ..., ... (…). 2) À data da fiscalização, a arguida era responsável pela gestão do Aterro Sanitário .... 3) No dia, hora e local mencionados em 1), estavam a ser rejeitadas águas degradadas provenientes do aterro sanitário para o solo e linhas de água. 4) As águas rejeitadas apresentavam uma cor amarelada e tinham bastante espuma. 5) O aterro possui dois sistemas autónomos de recolhas de águas: pluviais e residuais. 6) O sistema está montado com dois poços para captação de lixiviados, sendo que cada um destes possui uma bomba que tem por função bombear os lixiviados para o coletor, estando os mesmos ligados através de um bypass. 7) À data da fiscalização a bomba de um dos poços não estava a funcionar. 8) À data da fiscalização os lixiviados não estavam a ser corretamente encaminhados. 9) Ao atuar da forma descrita, a arguida não agiu com o cuidado e diligência com que podia e devia ter atuado no caso concreto de forma a evitar a rejeição de águas degradadas provenientes do aterro diretamente no solo e linhas de água, sem qualquer tipo de mecanismo que assegurasse a depuração das mesmas10) No dia 26/02/2016 foi verificada uma quantidade total de precipitação (RRR) três vezes superior à média diária do primeiro semestre de 2016. 11) À data da fiscalização foram registados na vertente sul do aterro deslizamentos pontuais de terra e escorrimentos forte e contínuos de águas pluviais. (…) 24) O Inverno de 2016 foi extremamente chuvoso, tendo os meses de janeiro e de fevereiro de 2016 registado uma pluviosidade anormal. 25) No dia 26 de fevereiro de 2016, registou-se um período de pluviosidade contínua e extremamente forte, tendo sido, aliás, o segundo dia com maior pluviosidade do primeiro semestre, a qual foi anormalmente elevada, correspondendo ao triplo da média diária. 26) O mesmo se pode dizer de todo o mês de fevereiro de 2016, que, em relação aos últimos dez anos, registou uma pluviosidade na ordem dos 250 % em relação ao período de 1971/2000, tal como resulta evidente da documentação e dos registos de pluviosidade do IPMA, acima referidos. 27) Em resultado da enorme quantidade de água que se abateu sobre a zona, bem como dos fortes ventos que se faziam sentir, em especial no dia 26 de fevereiro de 2016, a vertente sul do Aterro – que se encontra mais exposta aos fenómenos climatéricos intensos e anormais e que é sempre a vertente mais fustigada pelas chuvas e por vento extremamente forte – registou escorregamentos pontuais da terra que cobre as camadas de proteção do Aterro, bem como um forte e contínuo escorrimento de águas pluviais por essa vertente. 28) Nesta zona havia escorrências de águas provenientes da chuva que se fazia sentir naquele dia e àquela hora, e que escorriam de todos os terrenos existentes em redor do Aterro e não apenas do terreno onde o mesmo se localiza. 29) O Aterro está dotado de um sistema de recolha de águas pluviais e de um sistema de recolha de lixiviados, que funcionam em separado. 30) Com efeito, os lixiviados gerados pelo Aterro são encaminhados para dois poços de captação e bombagem de lixiviados, ligados entre si por um bypass, existindo uma bomba em cada poço e passagem dos lixiviados do poço situado mais a Nascente para o poço situado mais a Oeste. 31) Os lixiviados são depois encaminhados, através de uma tubagem, para um ponto de descarga à saída do Aterro, na zona Norte, onde existe um caudalímetro que efetua a medição dos lixiviados que são, neste ponto, descarregados no coletor público gerido pela (...)». E apreciando a mesma factualidade à luz dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP invocados pela recorrente, decidiu: «(…) já o mesmo não podemos dizer quanto ao arguido vício do erro notório na apreciação da prova, por não contendo a lei o conceito de “águas degradadas”, este ter que ser densificado e suficientemente concretizado pela autoridade administrativa ou judicial, de forma, a que não seja violado o princípio da legalidade, que impõe que o tipo incriminador não contenha definições vagas, incertas e insuscetíveis de delimitação, e relativamente às quais apenas é permitida “uma interpretação declarativa lata, compreendida no sentido possível das palavras.” (Ac do TRE de 11/10/2011, relatado pela Senhora Desembargadora Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt). Na verdade, e concordando-se com o vertido neste douto acórdão, de que “águas degradas” não são “águas poluídas” (característica esta que impunha, salvo melhor opinião, a subsunção da rejeição de águas diretamente para o solo, água, ou para o sistema de disposição de águas residuais ao tipo de crime de poluição do art.º 279.º do Código Penal), e que este não prescinde de uma análise qualitativa e quantitativa, o conceito de “águas degradadas” não se encontra suficientemente densificado no caso subjudice com o facto de as águas rejeitadas serem de cor amarelada e terem bastante espuma (facto provado 4) Não se ignorando decisões, como a citada, ou a deste Tribunal de 20/11/2017 (Relatora Senhora Desembargadora Alda Casimiro) e a do TRP de 22/05/2013 (relatora Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias), ambos in www.dgsi.pt, que consideraram integrado o conceito de “águas degradadas” sem a existência de prova pericial, o que é certo é que no caso subjudice, em que a alegada rejeição de águas de um aterro ocorre num dia em que a precipitação foi 3 vezes superior ao normal para a época, e em que pelo menos de uma das vertentes daquele aterro registou escorregamentos de terra que cobria as suas camadas de proteção e fortes escorrimentos por ela de águas pluviais (factos provados 11 e 24 a 28), alguns escorrimentos até provenientes de outros terre-nos, aquela factualidade não chega para concluir, com segurança, que as águas amareladas e com espuma integravam aquele conceito. O direito contraordenacional tal como o direito penal não prescinde da prova da culpa, nas suas vertentes de dolo ou negligência, e o simples facto de havendo, nas instalações da recorrente em causa nos autos dois sistemas autónomos de recolha de águas, pluviais e residuais, e de a bomba de um dos poços se encontrar avariada, ou de os lixiviados não estarem a ser corretamente encaminhados (não se sabendo para onde o eram, e apenas se tendo provado que teriam que ser encaminhados para um coletor público) não permite concluir que as águas rejeitadas fossem `”água degradadas”, por, por exemplo, serem “lixiviados” que teriam que ser descarregadas num coletor público onde seriam depuradas. O tipo contraordenacional imputado à recorrente não pune qualquer rejeição de águas, que é evidente existiu no circunstancialismo de tempo em causa das instalações da recorrente, mas apenas a de “águas degradadas”, que, face aos fenómenos atmosféricos que se verificaram impunham uma prova mais consistente para além da testemunhal, nomeadamente pericial, da água rejeitada, para que se pudesse afirmar, com a necessária segurança, que a mesma tinha aquela característica. Pois que, se os circunstâncias atmosféricas excecionais reconhecidamente têm influência no aspeto e qualidade da água, de tal forma que como resulta do D.L. 236/98, de 1/08 podem permitir derrogar as qualidades exigíveis da água para consumo humano (ver art.º 10.º alínea b) daquele diploma que estabelece as normas, critérios e objetivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade da água em função dos diferentes usos), também influenciam águas residuais, pelo que, no caso concreto, não se podia concluir que as águas referidas em 3 da matéria provada eram “águas degradas”, sem a existência de prova pericial, expressão/conclusão que se retira daquele facto. Assim, e por não se terem apurado as características das águas rejeitadas e em causa nos autos, cujo apuramento implicava, e repete-se, face às circunstâncias atmosféricas excecionais que se verificavam à data, a existência de prova pericial, o tribunal a quo incorreu num verdadeiro erro notório na apreciação da prova, vício previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, e que por já não ser possível apurar a factualidade necessária, impõe não o reenvio dos autos para novo julgamento, mas sim a absolvição da recorrente da prática da contraordenação ambiental que lhe era imputada». Como se pode verificar, as circunstâncias factuais objeto do acórdão recorrido e do acórdão fundamento são diferentes. No acórdão recorrido, vinha assente que a arguida depositava o bagaço de azeitona a céu aberto, sem qualquer cobertura ou barreira, e que por esse motivo, em razão da elevada precipitação ocorrida nos dias anteriores e do desnível do pavimento, as águas da chuva infiltraram-se no bagaço de azeitona e escorreram para a conduta de receção de águas pluviais existente no lagar da recorrente. Diante dessa realidade, dadas as características do bagaço de azeitona ([1]2), o TRP entendeu que a água «preta» e «gordurosa» que escorria para a conduta das águas pluviais integra o conceito típico de «águas degradadas» do art. 81.º, n.º 3, al. u) do DL 226-A/2007, de 31.05. No acórdão fundamento, o TRG não entendeu o contrário. O que entendeu foi que a sentença enfermava de erro notório na apreciação da prova (3)[2] porquanto tendo dado como provado que na data dos factos verificavam-se «circunstâncias atmosféricas excecionais» – precipitação «anormalmente elevada» «três vezes superior à média diária do primeiro semestre de 2016» e «fortes ventos» que causaram «escorregamentos pontuais da terra que cobre as camadas de proteção do Aterro, bem como um forte e contínuo escorrimento de águas pluviais» pela «vertente sul do Aterro» – não podia concluir com a necessária segurança «que as águas amareladas e com espuma» estavam degradadas. O acórdão fundamento é claro nesse aspeto: «O tipo contraordenacional imputado à recorrente não pune qualquer rejeição de águas (…) mas apenas a de “águas degradadas”, que, face aos fenómenos atmosféricos que se verificaram impunham uma prova mais consistente para além da testemunhal, nomeadamente pericial, da água rejeitada, para que se pudesse afirmar, com a necessária segurança, que a mesma tinha aquela característica. (…) Assim, e por não se terem apurado as características das águas rejeitadas e em causa nos autos, cujo apuramento implicava, e, repete-se, face às circunstâncias atmosféricas excecionais que se verificavam à data, a existência de prova pericial, o tribunal a quo incorreu num verdadeiro erro notório na apreciação da prova, vício previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP». Não existe, assim, qualquer dissídio entre os dois acórdãos em confronto quanto à interpretação do art. 81.º, n.º 3, al. u), do DL 226-A/2007, de 31.05. Nenhum deles afirma (acórdão fundamento) ou nega (acórdão recorrido) que o preenchimento do conceito típico «água degradada» constante do mencionado normativo impõe o recurso a «prova consistente, nomeadamente pericial». Sendo distintas as situações de facto não é possível concluir nem que o acórdão recorrido, se fosse chamado a apreciar a questão do preenchimento da contraordenação prevista no art. 81.º, n.º 3, al. u), do DL 226-A/2007, de 31.05, à luz das circunstâncias de facto descritas no acórdão fundamento, teria tomado decisão diferente da que neste foi tomada, nem, por sua vez, que o acórdão fundamento, se confrontado com os factos descritos no acórdão recorrido, teria igualmente decidido de forma diferente da que foi tomada neste. Conforme referido, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência exige a existência de dois acórdãos que, no domínio da mesma legislação, tenham chegado a soluções opostas sobre a mesma questão de direito. A existência de soluções de direito antagónicas pressupõe identidade substancial das situações de facto. In casu essa similitude factual não se encontra verificada. Falecendo, assim, um dos requisitos substanciais do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, emite-se parecer no sentido da rejeição do recurso (arts. 440.º, n.º 3, e 441.º, n.º 1, do CPP). 5. Com dispensa de Vistos, foram os autos à Conferência.
*** II. FUNDAMENTAÇÃO A matéria de facto relevante para a decisão do presente recurso é a seguinte: 1. Por sentença proferida em 04 de maio de 2021 no Juízo de Competência Genérica ..., Comarca ..., foi decidido, na parte que aqui releva: Julgar improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente, J..., Lda. e manter a decisão da autoridade administrativa Agência Portuguesa do Ambiente, que condenou a recorrente pela prática da contraordenação, prevista na alínea u), do nº. 3 do artigo 81º. do Decreto-Lei nº. 226-A/2007, de 31 de maio. Esta sentença veio a ser confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação ..., de 15.12.2021 transitado em julgado em 12 de janeiro de 2022 nos seguintes termos: 3. Consta do acórdão recorrido, na parte que aqui releva o seguinte: «1. No dia 13 de novembro de 2019, pelas 15h20, uma patrulha da GNR, na sequência de comunicações sobre descarga de águas com tonalidade negra para uma vala localizada nas traseiras de um lagar de produção de azeite existente em ..., ..., ..., deslocou-se ao local. 2. Tendo constatado que se tratava do lagar pertencente a J..., Lda. 3. Verificou-se a existência de uma vala, cuja água apresentava uma coloração preta e em alguns pontos, aspeto gorduroso. (…) 7. Após verificação do processo produtivo realizada ao interior das instalações, foi visualizada a área envolvente constatando-se que perto da entrada do lagar, mais precisamente, onde é recepcionada a azeitona dos clientes, existia uma caixa para encaminhamento das águas pluviais, sendo que alguns líquidos provenientes dos reboques de transporte da azeitona eram descarregados pelos clientes junto desta caixa. 8. O bagaço era depositado na parte traseira das instalações, não possuindo o local qualquer cobertura ou barreira que delimitasse a área onde o mesmo é colocado. 9. Junto do bagaço, foram visualizadas várias escorrências para a conduta de receção de águas pluviais não só através da caixa de receção, mas também através de um orifício existente no pavimento localizado junto de outra tampa de acesso à referida conduta. 10. Em paralelo ao depósito de bagaço, encontrava-se implantado o tanque estanque de receção de águas ruças, onde se encontrava a mangueira de sucção destas águas para posterior aplicação nos terrenos agrícolas. 11. Entre a parede do lagar e a parede do tanque das águas ruças, existia uma pequena passagem para onde circulam as águas pluviais, as quais, por sua vez eram direcionadas, através de umas manilhas para uma vala delimitadora de terrenos agrícolas. 12. (…) estas manilhas tinham sido colocadas no ano transato para encaminharem as águas pluviais das instalações para a referida vala que também foi aprofundada e limpa. 13. Ao visualizar atentamente a passagem existente entre a parede do edifício e a parede do tanque, verificou-se que estavam a circular águas com coloração escura (preta) existindo inclusive azeitona. 14. O que motivou o levantamento das tampas de acesso à conduta das águas pluviais, constatando-se igualmente a circulação de água com coloração preta. 15. À saída desta conduta, visualizou-se a descarga das águas pretas para a vala delimitadora de terrenos agrícolas, tendo estas águas alcançado outros terrenos. (…) 18. Nos dias anteriores à deslocação da GNR às instalações do Lagar, ocorreu uma elevada precipitação, sendo que, o facto do bagaço se encontrar exposto às condições climatéricas permitiu a infiltração de água no mesmo. 19. A mistura da água com o bagaço produziu escorrências que por sua vez não são só encaminhadas para a conduta de águas pluviais para a vala, mas também pela existência de desnível do pavimento. 20. A vala em apreço serve para escoar águas pluviais, não se encontrando cartografia na carta militar. (…) 22. A arguida não atuou com o cuidado, a que segundo as circunstâncias devia e de que era capaz, por quanto estando licenciada para a gestão e adequado encaminhamento das águas residuais produzidas na unidade fabril e conhecedora dos requisitos, procedia à rejeição de águas pretas e gordurosas para a vala de terrenos envolventes». E apreciando esta factualidade a propósito de uma das questões suscitadas no recurso (questão da qualificação jurídica dos factos), decidiu: «Quanto à não verificação dos elementos do tipo, no recurso não se mostra adequadamente interpretada a previsão aplicável, e é esquecido que a infração foi praticada a título de negligência. Com efeito alega-se que a factualidade provada é “insuficiente para o preenchimento dos elementos do tipo”, porque é necessário que “da atuação do agente, advenha a rejeição das águas degradadas”, e para além da cor nada mais é referido “quanto às características das mesmas”. Acrescenta-se que «coloração preta» de uma água, só por si, não determina a sua degradação”. Dos factos provados consta que a água que escorria para a conduta de águas pluviais era “preta” e “gordurosa” (aliás, como é próprio dos lagares de azeite), o que integra o conceito de “águas degradadas” (estragadas, alteradas na sua composição e características: “inodora, incolor e insípida”). Perante a matéria de facto provada, mostra-se verificada a previsão do art.º 81 n.º 3 alínea u) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio (Regime de Utilização dos Recursos Hídricos), “a rejeição de águas degradadas diretamente para o sistema de disposição de águas residuais, para a água ou para o solo, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração destas”, contraordenação ambiental muito grave. (…). Quanto ao elemento subjetivo, a contraordenação foi praticada a título de negligência, isto é, foi omitido o dever de cuidado exigível, perante a respetiva atividade e as suas circunstâncias, daí que não tenha cabimento a alegação de que não se verifica o elemento subjetivo porque “só por defeito/avaria no circuito de expulsão de águas – que, à data dos factos, a requerente desconhecia por completo – é que se deu o escorregamento do interior das instalações para o circuito de águas pluviais”. Quanto à invocação do princípio in dubio pro reo, a propósito da qualificação jurídica dos factos, tal mostra-se, igualmente, por completo descabida. O princípio, genericamente denominado “in dubio pro reo” (…) respeita exclusivamente à prova dois factos. Não tem aplicação em matéria de Direito, ou mais especificamente, na subsunção dos factos ao Direito, onde as regras são as da interpretação jurídica, da fixação do sentido e alcance da lei, seja ela favorável ou desfavorável aos interesses do acusado». 4. Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo nº 7050/17.6TBGMR.G1, em 05.11.2018 transitado em julgado em 19.11.2018, foi julgado procedente o recurso interposto pela recorrente e foi a mesma absolvida da prática da contraordenação ambiental que lhe era imputada, prevista na alínea u), do nº. 3 do artigo 81º. do Decreto-Lei nº. 226-A/2007, de 31 de maio. Consta do acórdão na parte que aqui releva o seguinte: «1) No dia 26/02/2016, pelas 10.30 horas, foi efetuada uma fiscalização ao Aterro Sanitário ..., ... (…). 2) À data da fiscalização, a arguida era responsável pela gestão do Aterro Sanitário .... 3) No dia, hora e local mencionados em 1), estavam a ser rejeitadas águas degradadas provenientes do aterro sanitário para o solo e linhas de água. 4) As águas rejeitadas apresentavam uma cor amarelada e tinham bastante espuma. 5) O aterro possui dois sistemas autónomos de recolhas de águas: pluviais e residuais. 6) O sistema está montado com dois poços para captação de lixiviados, sendo que cada um destes possui uma bomba que tem por função bombear os lixiviados para o coletor, estando os mesmos ligados através de um bypass. 7) À data da fiscalização a bomba de um dos poços não estava a funcionar. 8) À data da fiscalização os lixiviados não estavam a ser corretamente encaminhados. 9) Ao atuar da forma descrita, a arguida não agiu com o cuidado e diligência com que podia e devia ter atuado no caso concreto de forma a evitar a rejeição de águas degradadas provenientes do aterro diretamente no solo e linhas de água, sem qualquer tipo de mecanismo que assegurasse a depuração das mesmas10) No dia 26/02/2016 foi verificada uma quantidade total de precipitação (RRR) três vezes superior à média diária do primeiro semestre de 2016. 11) À data da fiscalização foram registados na vertente sul do aterro deslizamentos pontuais de terra e escorrimentos forte e contínuos de águas pluviais. (…) 24) O Inverno de 2016 foi extremamente chuvoso, tendo os meses de janeiro e de fevereiro de 2016 registado uma pluviosidade anormal. 25) No dia 26 de fevereiro de 2016, registou-se um período de pluviosidade contínua e extremamente forte, tendo sido, aliás, o segundo dia com maior pluviosidade do primeiro semestre, a qual foi anormalmente elevada, correspondendo ao triplo da média diária. 26) O mesmo se pode dizer de todo o mês de fevereiro de 2016, que, em relação aos últimos dez anos, registou uma pluviosidade na ordem dos 250 % em relação ao período de 19/01/2000, tal como resulta evidente da documentação e dos registos de pluviosidade do IPMA, acima referidos. 27) Em resultado da enorme quantidade de água que se abateu sobre a zona, bem como dos fortes ventos que se faziam sentir, em especial no dia 26 de fevereiro de 2016, a vertente sul do Aterro – que se encontra mais exposta aos fenómenos climatéricos intensos e anormais e que é sempre a vertente mais fustigada pelas chuvas e por vento extremamente forte – registou escorregamentos pontuais da terra que cobre as camadas de proteção do Aterro, bem como um forte e contínuo escorrimento de águas pluviais por essa vertente. 28) Nesta zona havia escorrências de águas provenientes da chuva que se fazia sentir naquele dia e àquela hora, e que escorriam de todos os terrenos existentes em redor do Aterro e não apenas do terreno onde o mesmo se localiza. 29) O Aterro está dotado de um sistema de recolha de águas pluviais e de um sistema de recolha de lixiviados, que funcionam em separado. 30) Com efeito, os lixiviados gerados pelo Aterro são encaminhados para dois poços de captação e bombagem de lixiviados, ligados entre si por um bypass, existindo uma bomba em cada poço e passagem dos lixiviados do poço situado mais a Nascente para o poço situado mais a Oeste. 31) Os lixiviados são depois encaminhados, através de uma tubagem, para um ponto de descarga à saída do Aterro, na zona Norte, onde existe um caudalímetro que efetua a medição dos lixiviados que são, neste ponto, descarregados no coletor público gerido pela (...)». Na fundamentação de direito, conhecendo dos vícios do art. 410º, do CPP invocados pela recorrente, decidiu: «(…) já o mesmo não podemos dizer quanto ao arguido vício do erro notório na apreciação da prova, por não contendo a lei o conceito de “águas degradadas”, este ter que ser densificado e suficientemente concretizado pela autoridade administrativa ou judicial, de forma, a que não seja violado o princípio da legalidade, que impõe que o tipo incriminador não contenha definições vagas, incertas e insuscetíveis de delimitação, e relativamente às quais apenas é permitida “uma interpretação declarativa lata, compreendida no sentido possível das palavras.” (Ac do TRE de 11/10/2011, relatado pela Senhora Desembargadora Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt). Na verdade, e concordando-se com o vertido neste douto acórdão, de que “águas degradas” não são “águas poluídas” (característica esta que impunha, salvo melhor opinião, a subsunção da rejeição de águas diretamente para o solo, água, ou para o sistema de disposição de águas residuais ao tipo de crime de poluição do art.º 279.º do Código Penal), e que este não prescinde de uma análise qualitativa e quantitativa, o conceito de “águas degradadas” não se encontra suficientemente densificado no caso subjudice com o facto de as águas rejeitadas serem de cor amarelada e terem bastante espuma (facto provado 4) Não se ignorando decisões, como a citada, ou a deste Tribunal de 20/11/2017 (Relatora Senhora Desembargadora Alda Casimiro) e a do TRP de 22/05/2013 (relatora Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias), ambos in www.dgsi.pt, que consideraram integrado o conceito de “águas degradadas” sem a existência de prova pericial, o que é certo é que no caso subjudice, em que a alegada rejeição de águas de um aterro ocorre num dia em que a precipitação foi 3 vezes superior ao normal para a época, e em que pelo menos de uma das vertentes daquele aterro registou escorregamentos de terra que cobria as suas camadas de proteção e fortes escorrimentos por ela de águas pluviais (factos provados 11 e 24 a 28), alguns escorrimentos até provenientes de outros terre-nos, aquela factualidade não chega para concluir, com segurança, que as águas amareladas e com espuma integravam aquele conceito. O direito contraordenacional tal como o direito penal não prescinde da prova da culpa, nas suas vertentes de dolo ou negligência, e o simples facto de havendo, nas instalações da recorrente em causa nos autos dois sistemas autónomos de recolha de águas, pluviais e residuais, e de a bomba de um dos poços se encontrar avariada, ou de os lixiviados não estarem a ser corretamente encaminhados (não se sabendo para onde o eram, e apenas se tendo provado que teriam que ser encaminhados para um coletor público) não permite concluir que as águas rejeitadas fossem `”água degradadas”, por, por exemplo, serem “lixiviados” que teriam que ser descarregadas num coletor público onde seriam depuradas. O tipo contraordenacional imputado à recorrente não pune qualquer rejeição de águas, que é evidente existiu no circunstancialismo de tempo em causa das instalações da recorrente, mas apenas a de “águas degradadas”, que, face aos fenómenos atmosféricos que se verificaram impunham uma prova mais consistente para além da testemunhal, nomeadamente pericial, da água rejeitada, para que se pudesse afirmar, com a necessária segurança, que a mesma tinha aquela característica. Pois que, se os circunstâncias atmosféricas excecionais reconhecidamente têm influência no aspecto e qualidade da água, de tal forma que como resulta do D.L. 236/98, de 1/08 podem permitir derrogar as qualidades exigíveis da água para consumo humano (ver art.º 10.º alínea b) daquele diploma que estabelece as normas, critérios e objetivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade da água em função dos diferentes usos), também influenciam águas residuais, pelo que, no caso concreto, não se podia concluir que as águas referidas em 3 da matéria provada eram “águas degradas”, sem a existência de prova pericial, expressão/conclusão que se retira daquele facto. Assim, e por não se terem apurado as características das águas rejeitadas e em causa nos autos, cujo apuramento implicava, e repete-se, face às circunstâncias atmosféricas excecionais que se verificavam à data, a existência de prova pericial, o tribunal a quo incorreu num verdadeiro erro notório na apreciação da prova, vício previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, e que por já não ser possível apurar a factualidade necessária, impõe não o reenvio dos autos para novo julgamento, mas sim a absolvição da recorrente da prática da contraordenação ambiental que lhe era imputada». *** II. O DIREITO O art. 437º, do CPP, sob a epígrafe “Fundamento do Recurso”, consagra o seguinte: «1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar». «2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.” Relativamente à interposição, o art. 438.º do mesmo Código estabelece: “1 – O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. 2 – No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. 3 - …”. Como tem sido entendimento deste Supremo Tribunal, «Destes preceitos extrai-se, tal como vem afirmando insistente e uniformemente a jurisprudência[3], que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de um conjunto de pressupostos - uns de natureza formal e outros de natureza substancial. São de natureza formal: - A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido; - A identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento) e, se este estiver publicado, o lugar da publicação; - O trânsito em julgado de ambos os acórdãos; - A justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência; e - A legitimidade do recorrente, restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis. Constituem pressupostos de ordem substancial: - A verificação de identidade da legislação à sombra da qual os acórdãos foram proferidos; - As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar “soluções opostas” para a mesma questão fundamental de direito; - A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas; e - Haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, pois só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas. Este último pressuposto, embora não esteja previsto expressamente na lei, resulta da necessidade de tal identidade para aferir da oposição sobre a mesma questão de direito. Por isso, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito, como foi referido no acórdão deste Tribunal, processo n.º 4042/06 – 3.ª Secção, de que nos dá notícia o acórdão do mesmo Tribunal e Secção, de 20/10/2011, proferido no processo n.º 1455/09.3TABRR.L1-A.S1[4]. O mesmo pressuposto da identidade fáctica tem vindo a ser exigido, de forma unânime, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal[5]. Importa, pois, que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes para poder desencadear a aplicação das mesmas normas e relevar na definição da oposição das soluções encontradas. A exigência de uma identidade das situações de facto nos dois acórdãos em conflito decorre de só com ela ser possível estabelecer uma comparação que permita concluir que, relativamente à mesma questão de direito, existem “soluções opostas”, como pressupõe o n.º 1 do citado art.º 437.º. Além disso, a questão decidida em termos contraditórios deve ter sido objeto de decisões expressas. Como se lê no sumário do acórdão deste Supremo Tribunal, de 10 de Fevereiro de 2010, no processo n.º 583/02.0TALRS.C.L1.A.S1[6], “[a] oposição relevante de acórdãos só se verifica quando, nos acórdãos em confronto, existam soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário», sendo que «[a]s soluções de direito devem reportar-se a uma mesma questão fundamental de direito, no quadro da mesma legislação aplicável e de uma mesma identidade de situações de facto”. Acresce que “[s]endo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excecional, é entendimento comum deste Supremo Tribunal (v. desde logo o Ac. de 23 de janeiro de 2003, processo n. 1775/02-5ª), que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso, deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excecionalidade”[7]. No caso sub judice a recorrente veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação ... de 15.12.2021 transitado em julgado em 12 de janeiro de 2022 proferido no processo nº 3160/20...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ..., que considerou face à matéria de facto provada, mostra-se verificada a previsão do art. 81º, n.º 3 alínea u) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio (Regime de Utilização dos Recursos Hídricos), “a rejeição de águas degradadas diretamente para o sistema de disposição de águas residuais, para a água ou para o solo, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração destas”, e por isso a recorrente incorreu na contraordenação ambiental muito grave, alegando que está em oposição com acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.11.2018 proferido no processo nº 7050/17.6T8GMR.G1, transitado em julgado em 19.11.2018, sendo este o apresentado como acórdão fundamento. O presente recurso foi interposto em tempo, pela arguida que tem legitimidade, para o efeito. (art. 446º nº 1 e 2 do CPP). A recorrente justificou a oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que, no seu entender, motiva o conflito de jurisprudência. Assim sendo, mostram-se preenchidos os pressupostos de natureza formal de admissibilidade do recurso. Relativamente aos pressupostos de ordem substancial, os mesmos não se verificam. Com efeito, as decisões proferidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, não partiram de idêntica situação de facto. O que está em causa nos presentes autos é a interpretação e aplicação do art. 81º, n.º 3 alínea u) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio (Regime de Utilização dos Recursos Hídricos). No acórdão recorrido consta do ponto 22 da matéria de facto provada o seguinte: 22. A arguida não atuou com o cuidado, a que segundo as circunstâncias devia e de que era capaz, por quanto estando licenciada para a gestão e adequado encaminhamento das águas residuais produzidas na unidade fabril e conhecedora dos requisitos, procedia à rejeição de águas pretas e gordurosas para a vala de terrenos envolventes». No acórdão fundamento o Tribunal da Relação de Guimarães considerou que o tipo contraordenacional imputado à recorrente não pune qualquer rejeição de águas, que é evidente existiu no circunstancialismo de tempo em causa das instalações da recorrente, mas apenas a de “águas degradadas”, que, face aos fenómenos atmosféricos que se verificaram impunham uma prova mais consistente para além da testemunhal, nomeadamente pericial, da água rejeitada, para que se pudesse afirmar, com a necessária segurança, que a mesma tinha aquela característica» (…) Assim, e por não se terem apurado as características das águas rejeitadas e em causa nos autos, cujo apuramento implicava, e repete-se, face às circunstâncias atmosféricas excecionais que se verificavam à data, a existência de prova pericial, o tribunal a quo incorreu num verdadeiro erro notório na apreciação da prova, vício previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, e que por já não ser possível apurar a factualidade necessária, impõe não o reenvio dos autos para novo julgamento, mas sim a absolvição da recorrente da prática da contraordenação ambiental que lhe era imputada». Ora, como resulta do acórdão recorrido, estava provado que a arguida depositava o bagaço de azeitona a céu aberto, sem qualquer cobertura ou barreira, e que por esse motivo, em razão da elevada precipitação ocorrida nos dias anteriores e do desnível do pavimento, as águas da chuva infiltraram-se no bagaço de azeitona e escorreram para a conduta de receção de águas pluviais existente no lagar da recorrente. Diante dessa realidade, dadas as características do bagaço de azeitona, o TRP entendeu que a água «preta» e «gordurosa» que escorria para a conduta das águas pluviais integra o conceito típico de «águas degradadas» do art. 81.º, n.º 3, al. u) do DL 226-A/2007, de 31.05. No acórdão fundamento, o TRG não entendeu o contrário. O que entendeu foi que a sentença enferma de erro notório na apreciação da prova «porquanto tendo dado como provado que na data dos factos verificavam-se «circunstâncias atmosféricas excecionais» – precipitação «anormalmente elevada» «três vezes superior à média diária do primeiro semestre de 2016» e «fortes ventos» que causaram «escorregamentos pontuais da terra que cobre as camadas de proteção do Aterro, bem como um forte e contínuo escorrimento de águas pluviais» pela «vertente sul do Aterro» – não podia concluir com a necessária segurança «que as águas amareladas e com espuma» estavam degradadas». Neste sentido, não há qualquer oposição relativamente à interpretação do art. 81º, n.º 3 alínea u) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio (Regime de Utilização dos Recursos Hídricos). Como supra se referiu um dos fundamentos de ordem substancial para que haja oposição de julgados, para os efeitos do art. 438º, nº 2 do CPP, é que a questão decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas; e haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito. No caso em apreço, não há conflitualidade entre a solução de direito adotada num e noutro. Com efeito, ao invés, tal como bem salienta o Exmº PGA junto deste Supremo Tribunal, «Nenhum deles afirma (acórdão fundamento) ou nega (acórdão recorrido) que o preenchimento do conceito típico «água degradada» constante do mencionado normativo impõe o recurso a «prova consistente, nomeadamente pericial». Sendo distintas as situações de facto não é possível concluir nem que o acórdão recorrido, se fosse chamado a apreciar a questão do preenchimento da contraordenação prevista no art. 81.º, n.º 3, al. u), do DL 226-A/2007, de 31.05, à luz das circunstâncias de facto descritas no acórdão fundamento, teria tomado decisão diferente da que neste foi tomada, nem, por sua vez, que o acórdão fundamento, se confrontado com os factos descritos no acórdão recorrido, teria igualmente decidido de forma diferente da que foi tomada neste». Do exposto, se concluiu que estamos perante situações de facto diferentes, que chegaram a conclusões diferenciadas, não se verificando a necessária oposição. Neste sentido, uma vez que as situações de facto são diferentes, os acórdãos pretensamente colidentes não se encontram em oposição, inexistindo decisões opostas sobre a mesma questão jurídica. “Para haver idêntica situação de facto e decisões jurídicas opostas mister se tornava, que a situação de facto fosse consensual, considerada identicamente a mesma como bastante na descrição em ambos os acórdãos, para gerar a solução jurídica mas que vieram a gerar soluções jurídicas diferentes”[8]. A discrepância das situações de facto inviabiliza a similitude da consequência jurídica. Inexistindo identidade de situações de facto, conclui-se pela não oposição de julgados. E, concluindo-se pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 441.º do CPP.
*** III. DECISÃO: Termos em que acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s e ao abrigo do disposto no art. 420º, nº3, do CPP, vai condenado no pagamento da importância de 5 (cinco) UC’s. Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP). *** Lisboa, 01 de junho 2022 Maria da Conceição Simão Gomes (relatora) Paulo Ferreira da Cunha Nuno Gonçalves (Presidente da Secção) ________ [1] 2) Biomassa derivada do processo de extração do azeite formada por restos de polpa e caroço esmagado de azeitona |