Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTATIVA OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA COMPETÊNCIA IMPROCEDÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I. Tendo sido proferido acórdão pelo tribunal colectivo e o arguido condenado na pena de 9 anos de prisão e estando apenas em causa matéria de direito (a medida da pena única aplicada), é o Supremo Tribunal o competente para apreciar o recurso nos termos do artº 432º 1 c) CPP II. Na determinação da pena única exige-se uma apreciação dos factos, na sua globalidade, e da personalidade do arguido neles revelada e “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global…” III. E na avaliação da personalidade expressa nos factos importa saber se os factos que praticou traduzem uma tendência (ou mesmo uma carreira) criminosa, ou apenas uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade IV. A pena única, há de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos, e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global a apreciar no momento da decisão. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1 - No Proc. C.C. n.º 461/24.2PZLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Lisboa – juiz 24 em que é arguido AA Foi por acórdão de 4/7/2025 proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo em julgar procedente a acusação publica deduzida e em consequência: I - Condenar o arguido AA: i)pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo Artigo 86.º n.1 c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro na sua actual redação, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; ii) pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo Artigo 143.º do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; iii) pela prática, na pessoa de BB, de um crime de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos Artigos 22.º, 23.º, 131.º, 132.º n.1 e 2 e) todos do Código Penal e Artigo 86.ºn.3 da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro na sua actual redação, na pena de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão; iv) pela prática, na pessoa de CC, de um crime de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos Artigos 22.º, 23.º, 131.º, 132.º n.1 e 2 e) todos do Código Penal e Artigo 86.ºn.3 da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro na sua actual redação, na pena de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão; v) em cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) anos de prisão; vi)No pagamento da quantia de €4.000,00 (quatro mil) à vítima CC, a titulo de reparação, nos termos do disposto no Artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal. vii) No pagamento da quantia de €4.000,00 (quatro mil) à vítima BB, a titulo de reparação, nos termos do disposto no Artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal. viii) Nas custas do processo que se fixam em 2 (duas) unidades de conta e demais encargos. II - Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido e em consequência, condenar o demandado AA: i)no pagamento da quantia de €203, 27 (duzentos e três euros e vinte sete cêntimos) ao demandante Unidade Local de Saúde de Santa Maria, EPE. ii)no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, sobre a quantia fixada em i); à taxa legal anual, desde o trânsito em julgado da presente decisão e até integral e efectivo pagamento. (…)” 2 - Recorre o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: 1º - Na sequência do exposto e bem sabendo que o âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelos recorrentes nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal. Vejamos, 2º - Não pode o arguido, ora recorrente, face à factualidade dada como provada em juízo e subsumida ao Direito aplicável, conformar-se com a pena aplicada, que no seu entender se revela excessiva. 3º- O Acórdão proferido pelo Mmo Juiz do Tribunal Colectivo, que aplica a pena de prisão efectiva de 9(nove) anos de prisão, é recorrível para o Tribunal da Relação, pois este também conhece de direito artigo 428º do C.P.P.. 4º - Da factualidade dada como provada resulta que o Tribunal a quo condenou o arguido, na pena de nove anos de prisão, pela prática de dois crimes de homicídio qualificado e agravado na forma tentada, p. e p. art.º 22º, e 23º, 131º, 132º, nº 1 e 2, alínea e), do Código Penal, e pelo artigo 86, nº 3, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro -Um crime de detenção de arma proibida na forma consumada p. e p. pelo art. 2, nº1, alínea a), 3º, nº4, alínea b), e 86º, nº 1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro -Um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido, pelo artigo 143º, nº 1, do CP 5º– Bem sabemos que o Juiz de julgamento, do Tribunal a quo, tem a árdua tarefa de dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador, determinar dentro da moldura abstracta cabida aos factos dados como provados no processo, encontrar o quantum concreto da pena. 6º – Quanto a nós a pena a aplicar, deverá ser fixada em sete anos de prisão. 7º - No caso vertente as condições socioeconomicas do ora recorrente são do mais fraco possivel. 8º - Inexistem sinais de exteriores de riqueza do recorrente, é pessoa humilde e um bom pai de 5 filhos. 9º- Conforme consta alias do seu relatório social. 10º- A pena de 9(nove) anos de prisão efectiva para o comportamento global do recorrente, é um pouco elevado, não se descortinando a razão pela qual não se optou por pena em 7 anos. 11º - A fixar-se um juízo de censura jurídico-legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade. 12º - A decisão deveria fornecer matéria de facto também suficiente para se poder concluir sobre a real intenção com que o recorrente agiu, e se é que a teve na data dos factos; apurar o circunstancialismo em que os factos ocorreram e assim indagar sobre a forma de dolo e sobre a verdadeira intenção do recorrente; o grau de culpa do recorrente; e os motivos e características da atitude do recorrente. 13º - O tribunal a quo ponderou mal na escolha e determinação da pena que efectuou, com o devido respeito que é muito. 14º – Com a escolha e determinação da pena, no sentido referido, estariam alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigida. 15º - Acontece que, para determinar a medida concreta da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º, nº1 do C.P.. 16º - A determinação da medida concreta da pena deve ser feita em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção geral e especial das penas. 17º - E, a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa! 18º - A cada um dos vectores contidos no artigo 71º, nº1 do C.P., devem-se Imputar os diferentes factores de medida da pena, referidos exemplificadamente no seu nº 2 . 19º- O Tribunal a quo violou assim o disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta (no sentido de insuficiente) aplicação do mesmo, salvo o devido respeito que é mesmo muito. Mesmo que assim não se entenda e sem conceder porém, 20º- Entende ainda o arguido e ora recorrente que a pena, que o Tribunal a quo lhe aplicou é um pouco excessiva, porque quanto a nós se deveria ter situado em pena de 7 anos. 21º - A medida concreta da pena está subordinada aos princípios da necessidade e proporcionalidade e, consequentemente ditada por uma proibição de excesso, fundada no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.. 22º - Violou, por isso, a douta decisão recorrida as normas constantes dos artigos 40º, 71º e 50º do Código Penal, salvo o devido respeito, que aliás, é muito. Termos em que, tendo em conta todo o exposto, deverá este Tribunal da Relação de Lisboa, conceder provimento a presente recurso, o que se requer mui respeitosamente, revogando o acórdão recorrido no quantum da pena a aplicar, situando a mesma em 7 anos de prisão (…)” Respondeu o Mº Pº ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso A Relação de Lisboa, por decisão sumária de 8/10/2025 declarou-se materialmente incompetente para conhecer do recurso e determinou a remessa a este Supremo Tribunal. 3 - Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA foi de parecer que o recurso deve improceder. Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP Não houve rrsposta Colhidos os vistos procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal. Cumpre apreciar. 4 - Consta do acórdão recorrido (transcrição): “II - FUNDAMENTAÇÃO: Discutida a causa e com relevância para a decisão final, resultaram provados os seguintes factos: 1. Em data não concretamente apurada de Outubro de 2022, o arguido adquiriu um revólver de cor cromada, de calibre .32. 2. Desde então, o arguido, sempre que se ausentava da sua residência, levava consigo a mencionada arma de fogo. 3. No dia 7 de Abril de 2024, entre as 10 e as 11 horas, o arguido saiu da sua residência para um convívio com amigos, levando consigo, no interior do casaco que trajava, e conforme habitual, o aludido revólver, municiado. 4. Pelas 21 horas e 45 minutos, o arguido, acompanhado de DD, seu amigo, dirigiu-se ao estabelecimento comercial, denominado ‘M...’, sito na Rua 1, em Lisboa, onde se encontravam BB, proprietário do referido estabelecimento, e CC, EE e FF, funcionários do mesmo. 5. Ao balcão do aludido estabelecimento comercial, o arguido pediu um maço de tabaco, dois cafés e uma raspadinha, que pagou em numerário. 6. Ao receber a referida raspadinha, o arguido, munido de uma moeda, começou a raspar a mesma em cima do balcão, momento em que FF o advertiu de que não poderia fazê-lo em cima do balcão, conforme aviso exposto no estabelecimento, que lhe indicou. 7. Não obstante, o arguido retorquiu em modo não concretamente apurado, e continuou a raspar a raspadinha em cima do balcão. 8. FF dirigiu-se novamente ao arguido, reforçando que este não poderia raspar a raspadinha no balcão. 9. De imediato, e sem que nada o fizesse prever, o arguido agarrou na chávena de café que, momentos antes, lhe haviam servido e arremessou-a em direcção a FF, o qual, de imediato, se baixou, assim se desviando da trajectória da mesma. 10. Face ao sucedido, BB aproximou-se do arguido e explicou-lhe os motivos da regra constante do aviso exposto, relacionados com o propósito de evitar que caiam detritos da raspagem nos bens alimentares ali expostos. 11. Acto contínuo, o arguido desferiu uma chapada na face esquerda de BB, fazendo com o chapéu que o mesmo envergava caísse no solo. 12. Nesse momento, BB pediu ao arguido que saísse do estabelecimento, o que este não acatou. 13. Logo após, DD solicitou ao arguido que se dirigisse para o exterior, o que aquele fez. 14. Segundos volvidos, o arguido surge novamente à porta do referido estabelecimento empunhando, com a sua mão direita, o aludido revólver, que instantes antes retirara do bolso do casaco que vestia. 15. Acto contínuo, o arguido apontou-o na direcção do corpo de CC e efectuou um disparo que o atingiu na região posterior do hemitórax esquerdo, medialmente à omoplata. 16. Imediatamente de seguida, o arguido apontou a mesma arma na direcção do corpo de BB, efectuando novo disparo que o atingiu no lado esquerdo do tórax. 17. Após, o arguido abandonou o estabelecimento, apeado e na posse da aludida arma. 18. Chegado à sua residência, o arguido decidiu desfazer-se do aludido revólver, o que fez, deslocando-se à ponte de Sacavém e atirando-o para o rio Trancão. 19. Na sequência de chapada que o arguido desferiu a BB, este sofreu dores na zona atingida. 20. Em consequência directa e necessária do disparo infligido pelo arguido, CC sofreu ferida compatível com porta de entrada de projéctil na região clavicular externa esquerda, com cerca de um centímetro, com localização do projéctil na região posterior do hemitórax esquerdo e sua posterior remoção; fractura multiesquirolosa da diáfise e epífise distal da clavícula esquerda; afastamento dos topos ósseos em sede lateral; fragmentação óssea ao longo de trajecto linear anteroposterior da esquerda para a direita com focos gasosos no ventre muscular do trapézio; hematoma ao nível do ombro esquerdo; e dor no ombro esquerdo, agravada pela mobilidade articular e esforços físicos. 21.Na sequência de tais lesões, CC ficou incapacitado para o exercício da sua profissão, situação que ainda se mantinha a 29 de Maio de 2024. 22. Em consequência directa e necessária do disparo infligido pelo arguido, BB sofreu ferida de esfacelo com cerca de quatro por um centímetro no hemitórax esquerdo anterior, com porta de entrada na face medial e de saída na face lateral do braço esquerdo; ferida punctiforme com cerca de três/quatro milímetros de maior eixo compatível com porta de entrada na face interna do braço esquerdo; ferida punctiforme com cerca de seis/sete milímetros de maior eixo na face externa do braço esquerdo compatível com porta de saída, com pequena hemorragia de sangue escuro; enfisema subcutâneo e dos planos musculares do braço esquerdo, com trajecto na vertente anterior/lateral e que atravessa os músculos bicipital, braquiorradial e tricípite; e dor no hemitórax esquerdo. 23. De tais lesões provocadas pelo arguido a BB resultaram: -Tórax: solução de continuidade no quadrante ínfero-lateral da região peitoral esquerda, com crosta incipiente, medindo 4 centímetros de comprimento por 0,7 centímetros de largura, com dor à palpação, da qual resultou cicatriz permanente; -Membro superior esquerdo: solução de continuidade no terço médio da face anterior do braço, com crosta incipiente, medindo 1,1 centímetro de comprimento por 0,7 centímetros de largura, da qual resultou cicatriz permanente; solução de continuidade no terço distal da face posterior do braço, com crosta incipiente, circular, medindo 1 centímetro de diâmetro, da qual resultou cicatriz permanente; dor à palpação dos músculos do braço, nomeadamente na região bicipital e tricipital; e dor muscular à flexão e extensão do cotovelo. 24. As referidas lesões causaram a BB vinte dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho em geral e para o exercício da sua profissão. 25.O arguido não é titular de licença de uso e porte de arma. 26. Conhecia as características da arma e das munições que detinha, bem sabendo que a sua detenção lhe não era permitida, e, não obstante, quis detê-las e utilizá-las nas circunstâncias acima descritas, o que fez. 27. O arguido sabia que, ao desferir a aludida chapada na face esquerda de BB, tal conduta era adequada a molestar o corpo e a saúde deste, tendo agido com o propósito, concretizado, de lhe provocar dores na zona atingida. 28. O arguido agiu com o propósito de molestar o corpo e a saúde de BB e CC e de lhes tirar a vida, bem sabendo que os disparos que efectuou com a referida arma de fogo eram aptos a atingir zonas que alojam órgãos vitais dos corpos dos ofendidos e a tirar-lhes a vida, o que apenas não logrou por razões alheias à sua vontade e uma vez que aqueles foram submetidos a urgentes cuidados clínicos. 29. Manteve as aludidas condutas motivado pela sua discordância quanto ao local de raspagem da raspadinha e por ter sido contrariado por BB e CC, motivos esses de todo desadequados a uma explicação racional para o seu acto, o que o arguido bem sabia. 30. Quis, contudo, em todos os momentos, agir da forma descrita. 31. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 32. AA vive com a sua companheira. 33. Tem cinco filhos, com idades compreendidas entre os vinte e um e os sete anos de idade. 34. O alojamento social onde se mantém o núcleo familiar de AA a habitar foi ocupado de forma ilegal em 2010, apenas tendo sido regularizada a sua atribuição à companheira do arguido em agosto de 2024. 35.O rendimento familiar actual é resultado da atribuição de apoios sociais, o Rendimento Social de Inserção no valor de €720,00 e abono dos filhos menores de quase €400,00, a que acresce um valor não especificado resultante do trabalho da companheira do arguido numa cafetaria. 36. AA encontrava-se inativo a nível profissional, realizando alguns serviços ocasionais na área da canalização, ocupando o seu tempo a providenciar os cuidados necessários aos seus descendentes. 37. AA frequentou o ensino regular público, onde concluiu o 4.º ano de escolaridade com cerca de 11/12 anos, tendo nessa altura abandonado a escola. 38. AA iniciou o consumo de bebidas alcoólicas desde os 12/13 anos de idade, além do consumo de produtos estupefacientes, nomeadamente haxixe. 39. Sem registos disciplinares, no presente Estabelecimento Prisional, AA apresenta uma postura adequada e cordial cumprindo as normas instituídas no EP. 40. Do certificado de Registo Criminal do arguido consta a prática: -em 18.1.2006, de um crime de ofensa à integridade física simples, pelo qual foi condenado na pena de 100 dias de multa, por acórdão transitado em julgado no dia 8.1.2007 e proferido no âmbito do processo 689/05.4PZLSB, que correu termos as extintas Varas Criminais de Lisboa. -em 29.6.2009, de um crime de furto qualificado pelo qual foi condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, por sentença transitada em julgado no dia 21.12.2009 e proferida no âmbito do processo abreviado 691/09.7PTLSB, que correu termos no extinto Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa. -em 3.6.2012, de um crime de desobediência, pelo qual foi condenado na pena de 90 dias de multa, por sentença transitada em julgado no dia 2.7.2012 e proferida no âmbito do processo sumário 388/12.0PZLSB, que correu termos no extinto Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa. -em 18.2.2011, de um crime de coacção, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e dois crimes de ofensa à integridade física simples, pelos quais foi condenado na pena única de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova; por sentença transitada em julgado no dia 7.3.2013 e proferida no extinto 3.º Juízo Criminal de Lisboa. -em 3.12.2011, de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova; por sentença transitada em julgado no dia 16.9.2013 e proferida no âmbito do processo 932/11.0PZLSB, que correu termos no extinto 6.º Juízo Criminal de Lisboa. -em 24.9.2015, de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; sujeita a regime de prova, por sentença transitada em jugado no dia 14.9.2017 e proferida no âmbito do processo 1154/15.7PTLSB que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa J2. -em 8.9.2016, de um crime de detenção de arma proibida, pelo qual foi condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, por sentença transitada em julgado no dia 16.5.2019 e proferida no âmbito do processo 611/16.2PZLSB, que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa J4. -em 22.9.2018, de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período; por sentença transitada em julgado no dia 5.1.2022 e proferida no âmbito do processo 92/18.6SVLSB, que corre termos no Juízo Local Criminal de Lisboa J3. 41.A assistência médica prestada a BB pelo Hospital de Santa Maria, ascendeu à quantia de €203,27. * Factos Não provados: Com relevância para a decisão da causa, não se provou que: »Após ter sido repreendido, o arguido tenha retorquido: ‘Eu faço o que eu quiser! Este é o meu país, eu mando aqui, tu não mandas!’ »No momento em que o arguido se dirigiu para o exterior afirmou ‘Hoje vou limpar todos!’. * O demais constante na acusação, pedido de indemnização civil, por irrelevante para a decisão da causa, conclusivo, versando matéria de direito ou reportando-se a meios de prova, não foi considerado na factualidade supra. * Motivação da Matéria de Facto: A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada resulta da conjugação e análise crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento da prova documental e pericial constante dos autos, designadamente: O arguido prestou declarações, em que admitiu ter estado no local dos factos transportando consigo um revolver, de calibre .32. O qual havia adquirido em Outubro de 2022 para defender a sua família, na sequência de terem sido alvo de um ataque com arma de fogo. Relativamente aos factos, não negando ter estado no estabelecimento e os disparos efectuados, apresentou uma versão dos mesmos que não teve suporte na prova produzida, nem se mostrou coerente e lógica em face da normalidade da vida e das regras de experiência comum. Com efeito, declarou o arguido que após um dia de convívio com amigos e em que já estava alcoolizado, se deslocou ao estabelecimento em causa, na companhia do amigo DD, para comprar tabaco. Ai chegado, refere ter pedido cafés, tabaco e uma raspadinha. Momento em que o funcionário que estava atrás do balcão lhe disse: “Olha lá, não podes raspar aí”; ao que o arguido respondeu, “Olha lá, mas pensas que estás a falar com quem?” e começaram num bate-boca. Após o que confirma ter arremessado com a chávena; mas justificando tal comportamento com o facto dele lhe ter arremessado igualmente qualquer coisa. Perante tal, viu o BB a dirigir-se a si e foi quando lhe deu um estalo. Instado a explicar o motivo pelo qual assim agiu, referiu o arguido que ele estava a chegar-se muito perto de si, e que lhe deu um estado para se defender. Pois achou que ia ser agredido. Mais referiu não ter visto qualquer aviso relativo à proibição da raspagem em cima do balcão; negando que BB lhe tivesse explicado o motivo pelo qual não poderia raspar em cima do balcão. Quanto aos disparos, não nega que os tenha efectuado. Explicando as circunstâncias em que os fez. Assim, num primeiro momento, refere que após ter sido empurrado pelo seu amigo DD para o exterior do estabelecimento, viu o rapaz que estava atrás do balcão a ter uma reacção- que não conseguiu explicar qual- e que foi nesse momento que agarrou na pistola para efectuar o primeiro disparo. Apenas para o assustar. Perguntado para onde apontou a pistola, respondeu o arguido “Também estava tão bêbado… que agora… fiz um disparo na direção, mas mais para o lado direito da pessoa”. Após este primeiro disparo, BB vem para se atirar à arma e foi quando refere ter feito o o segundo disparo, para ele se afastar. Referindo que apontou para o braço, estando a cerca de um metro dele. Após os disparos, foi para casa, de UBER, atirou a arma ao rio Trancão e apenas quando ouviu, no dia seguinte, uma noticia na TV quanto ao sucedido é que teve noção da gravidade do que se tinha passado. Ora, a versão apresentada pelo arguido nas suas declarações, não tem decalque nos demais meios de prova. Desde logo, nos depoimentos das testemunhas BB, CC e FF. Estas testemunhas, de modo claro, tranquilo e pormenorizado, descreveram a dinâmica dos acontecimentos. Desde o momento em que o arguido entrou no estabelecimento até aos disparos. Apenas não conseguindo transmitir aquelas que foram as expressões proferidas pelo arguido, o que se deve também à barreira linguística existente. Os depoimentos destas testemunhas, ao contrário das declarações do arguido, mostraram-se consentâneos com as imagens de constantes do auto de visionamento de fls.23 a 35. Tratam-se das imagens de CCTV do estabelecimento e onde se mostra possível observar toda a dinâmica dos acontecimentos. Em concreto, da sequência de imagens de fls.30 e 31, o que se extrai é que logo após o arguido ter arremessado a chávena na direcção de FF, a testemunha BB dirige-se ao arguido, não com uma postura de quem iria agredir alguém; mas pelo contrário, que quer serenar os ânimos. Desde logo, a própria versão do arguido de que havia desferido um estalo em BB, porque este se aproximou de si e pensou que ia ser agredido, não tinha qualquer sustentabilidade lógica. Pois o arguido não conseguiu explicar em que é que essa aproximação se tinha traduzido numa intimidação ou ameaça de agressão. Verificando-se da conjugação do depoimento de BB com as imagens ora enunciadas que, efectivamente, tal versão não corresponde à realidade. Pois como se alcança da conjugação do depoimento deste último com as imagens de fls.31 e 32, o arguido, sem qualquer motivo que o justificasse, desferiu uma chapada na face esquerda de kabir. Também no que se reporta aos disparos efectuados, os elementos de prova constantes dos autos infirmam as declarações do arguido. Relativamente ao primeiro disparo, afirmou o arguido que quando se encontrava no exterior viu o funcionário que estava por de trás do balcão a baixar-se e que entendeu tal comportamento como ameaçador. Pelo que, pretendendo assusta-lo, disparou, apontando para a parede por de trás dele, onde estavam garrafas. Ora, nem dos depoimentos já citados, nem das imagens de fls.33 resulta tal realidade. Pelo contrário. Desde logo, porque o arguido aponta a arma na direcção de CC, que se encontra fora do balcão e no lado contrário ao dos funcionários que estavam dentro do balcão. Também das imagens se retira, sem qualquer margem para dúvidas, de que o arguido empunhou e dirigiu a arma na direcção da parte superior do corpo de CC. A uma distância não superior a cinco metros. Não havendo qualquer margem para considerar que a intenção do arguido não fosse a de atingir esta pessoa com o disparo, por forma a tirar-lhe a vida. Pois que se assim não fosse, as suas acções teriam de ser necessariamente outras. Atendendo à estatura do arguido, querendo atingir a parede, à distância a que se encontrava, bastar-lhe-ia ter dirigido a arma nessa direcção. Empunhando-a em sentido ascendente –ao contrário do que fez- e para a zona livre de pessoas à sua frente, o que lhe era possível. Veja-se a fotografia de fls.240, correspondente ao campo de visão do arguido. Onde se verifica que a parede que este menciona tem garrafas em toda a sua altura, até junto ao tecto. Pelo que o comportamento compatível com a versão que apresentou seria ter apontado a arma para cima, na direcção das prateleiras superiores, onde se encontravam garrafas. Ao invés, empunhou a arma pouco abaixo do nível do seu ombro e na direcção da parte superior do corpo de quem tinha à sua frente. Vindo, efectivamente, a acertar no ombro esquerdo de CC. Como se alcança das fotografias de fls.58 e 59. Quanto ao segundo disparo. Invocou o arguido que BB se lançou na direcção da arma, para a retirar e que disparou apenas para o assustar. Uma vez mais, não é o que resulta do depoimento da testemunha, nem tão pouco da imagem de fls.34. O que se constata de tal imagem e uma vez mais, sem qualquer dúvida, é que BB tão pouco estava a direcionar-se ao arguido. O qual já estava a ser colocado para fora do estabelecimento pelo amigo DD. No entanto, o arguido, empunhando a arma na direcção da parte superior do corpo deste, efectua um disparo na sua direcção, a não mais de dois metros. Inexistiu qualquer motivo ou acção de BB que pudesse, na cabeça do arguido, justificar o disparo. Apenas se podendo concluir, por ser a única conclusão lógica a extrair, que o arguido disparou na direcção do peito de BB, porque o queria atingir e tirar-lhe a vida. Tendo, efectivamente atingido BB, no hemitorax esquerdo, junto ao mamilo e braço esquerdo. Como se observa nas fotografias de fls.56 e 57. Em suma, perante o modo como a arma foi empunhada e direcionada pelo arguido, a curta distância a que estava das vítimas e as zonas do corpo atingidas; apenas pode o tribunal concluir, por ser a única conclusão plausível, lógica, compatível com a prova produzida e com as regras de experiência comum e normalidade da vida, que o arguido quis tirar a vida a BB e CC. E tudo porque não lhe permitiram raspar a raspadinha em cima do balcão. A testemunha DD, amigo que acompanhava o arguido, ainda tentou avançar com uma explicação relacionada com o facto de não se sentirem bem recebidos no estabelecimento. Dizendo que parecia que não os queriam ali. Ora, tal não teve qualquer respaldo na demais prova, nem naquela que foi a dinâmica dos acontecimentos. O arguido e a testemunha foram servidos, nada lhe foi negado, permaneceram junto ao balcão, como se verifica de fls.26 a 29. Tudo tendo começado quando contrariaram o arguido, não lhe permitindo raspar o cartão de jogo em cima do balcão. E tanto assim que, a própria testemunha teve bastante dificuldade em explicar o modo como a dinâmica dos disparos se processou. Falando com meias palavras e sem grande desenvolvimento. Dizendo estar de costas e não ter visto bem o sucedido. Não colhendo o seu depoimento credibilidade, dada a forma pouco espontânea e escorreita com que o prestou. Com muita reserva no relato dos factos, mas fluente naquilo que entendia ser uma justificação para o comportamento do arguido. No que se reporta às lesões sofridas, o tribunal fundou a sua convicção na conjugação dos episódios de urgência de fls.130 a 133v, referente a CC, e de fls.134 a 136 referente a BB, com as perícias medico legais de fls.206 a 209, 210 a 213, 359v a 360. No mais, o tribunal analisou criticamente o auto de notícia de fls.2 (no que se reporta à data, hora e local); auto de inspecção judiciária de fls.5 a 14,; autos de reconhecimento pessoal de fls.64/65, 66/67, 68/69, 70/71; informação da Direcção Nacional da PSP de fls.76, dando informação de que o arguido não era titular de LUPA (licença de uso e porte de arma), nem tinha registo ou manifesto de arma; relatório pericial fls.230 a 235, 237 a 249; exame pericial balístico fls.397 a 401 e factura do Centro Hospitalar fls.471. Os antecedentes criminais do arguido resultaram provados da análise do Certificado de Registo Criminal de fls.534 a 542; as suas condições pessoais e económicas do Relatório Social de fls. 548 a 550.” + 5- O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 este do seguinte teor: “ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo”, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100, constituindo a “revista alargada”, pelo que são as seguintes as questões a conhecer: Competência deste Supremo Tribunal Medida da pena única + 6-Porque prejudicial ao conhecimento das questões recursivas, importa solucionar a questão da competência deste Supremo Tribunal face à declaração de incompetência do Tribunal da Relação para conhecer do recurso. Apreciando. O nosso entendimento é o de que efectivamente é competente o Supremo Tribunal para conhecer do recurso interposto. Na verdade dispõe o artº 432º 1 c) CPP que: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…) c) De acórdãos finais proferidos … pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;” Ora tendo sido proferido acórdão pelo tribunal colectivo e o arguido condenado na pena de 9 anos de prisão e estando apenas em causa matéria de direito (a medida da pena aplicada), é o Supremo Tribunal o competente para apreciar o presente recurso. Pelo que há que considerar competente este Supremo Tribunal + 7- Como flui da motivação e das conclusões do recurso este foi delimitado no seu objecto pelo arguido, o qual questiona apenas a pena única que pretende ver reduzida para 7 anos de prisão, alegando que “a pena aplicada não levou em consideração, suficientemente, as circunstâncias em que os factos ocorreram, a vida do ora recorrente, assim como as condições pessoais do arguido, nomeadamente o total arrependimento …, da sua confissão, do facto de se ter entregue as autoridades” e a sua idade. Conhecendo. O Tribunal recorrido, após integrar os factos nos ilícitos criminais imputados, fazer a opção pela pena de prisão no que aos ilícitos punido com pena de multa e prisão respeita, e determinar a moldura abstracta de cada ilícito e, discorrer sobre as finalidades da pena e a função da culpa como limite superior da pena, sendo a prevenção geral positiva o limite abaixo do qual a pena perde a sua função de dissuasão, sendo que a “ medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando-lhe apenas o mal necessário. (Vd. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão, Coimbra Editora, pág.238 ss).”, aprecia os factos como segue: “Descendo ao caso dos autos, mostram-se muito elevadas as necessidades de prevenção em todos os crimes. Os índices de criminalidade violenta e com recurso a arma de fogo têm vindo a aumentar, a par com o desprezo pela vida e integridade física de terceiros. Sendo crimes que provocam na colectividade sentimentos de insegurança, fazendo com que os cidadãos sintam a sua liberdade de acção limitada. No que diz respeito à prevenção especial, a mesma situa-se igualmente num patamar elevado. Com efeito, o arguido não denotou qualquer interiorização do desvalor da sua conduta. Ou sentido crítico em face da mesma. Antes tentando justificar as suas condutas com acções das vítimas. Denotando, sim, total indiferença para com estas e para com as consequências das suas acções. (…) Na medida concreta das penas a aplicar terão ainda que ser tidos em consideração os seguintes factores, atento o estabelecido no artigo 71 n.2 do Código Penal: Quanto ao crime de detenção de arma proibida: -dolo directo, ilicitude elevada, a sua detenção ao longo de quase dois anos, os antecedentes criminais por crime de idêntica natureza, mas também a sua confissão, ainda que sem qualquer interiorização do desvalor da sua conduta. Quanto ao crime de ofensa à integridade física simples: -dolo directo, a ilicitude elevada em face da ofensa gratuita, a reduzida expressão das lesões provocadas, os antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza, bem assim como a falta de interiorização do desvalor da sua conduta. Quanto ao crime de homicídio qualificado agravado: -dolo directo, a ilicitude elevada porquanto os factos tiveram lugar num estabelecimento comercial em funcionamento, com outras pessoas no seu interior, as concretas lesões provocadas e o tempo de cura das mesmas, a falta de interiorização do desvalor da sua conduta, bem assim como os seus antecedentes criminais e condições pessoais. (…) Do cúmulo das penas: Estabelece o Artigo 77º do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. De acordo com o disposto no n.2 do citado preceito legal “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicada aos vários crimes”. Uma vez que se está perante a prática de dois crimes, em concurso real e efectivo necessário se torna proceder à realização do cúmulo jurídico nos termos do disposto no Artigo 77º do Código Penal, por forma a determinar a pena única em que o arguido será condenado. A moldura abstracta aplicável no caso é delimitada pelo máximo de 16 anos e 9 meses de prisão e o mínimo de 6 anos e 9 meses de prisão. Deste modo, atendendo à factualidade dada como provada e atrás analisada, atendendo-se igualmente ao facto de o arguido não ter denotado qualquer interiorização do desvalor da sua conduta, contando com antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma e de diversa natureza, entende-se adequado fixar a pena única em 9 (nove) anos de prisão.” 8- Como ponto prévio cumpre assinalar que os factos a ponderar são apenas e só os factos provados pois apenas a esses se pode ater o tribunal, donde resulta que tudo o que o arguido alega que não conste dos factos provados não pode ser ponderado, como é o caso do seu total arrependimento e ter-se entregue às autoridades, sendo que foi, na medida em que ocorreu, ponderada a sua confissão parcial (e de reduzido valor), as circunstâncias em que ocorreram os factos e as suas condições de vida; e a sua idade (38 anos) não constitui factor atenuativo, antes pelo contrário pois lhe exige uma maturidade no agir que não se compadece com a sua conduta. 8.1-Importa ora analisar se a pena que lhe foi aplicada é justa e proporcional, e para isso ter em conta o que a lei estabelece. Dispõe o art. 77º, n.º 1 do CP que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, e na determinação dessa pena, há que ter em conta o disposto no art. 77º, n.º 2 do CP, segundo o qual, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, donde a moldura do concurso tem como limite mínimo a pena mais elevada ou seja 6 anos e 9 meses No que respeita aos critérios da sua determinação, traduzidos na apreciação, em conjunto dos factos e da personalidade do arguido há a considerar que a pena única é fruto “das exigências gerais de culpa e de prevenção”1 a coberto do artº 40º CP, e que se exige uma apreciação dos factos, na sua globalidade, e da personalidade do arguido neles revelada artº 77º1 CP), e como se expressa F. Dias “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global … “2, factos esses que nos hão de dar “ uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade.”3- ou mais concretamente “…importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele”4 - e na “avaliação da personalidade – unitária- do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutivel a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade … “5, - sendo que esta (pluriocasionalidade) existe “quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime. A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes”6. 9- Como em qualquer pena a justa medida, limitada no seu máximo pela culpa,- suporte axiológico de toda a pena - da pena única, há de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global 7 a apreciar no momento da decisão. 9.1-Assim em termos de prevenção geral há a ponderar a natureza dos crimes, todos eles violentos sendo dois contra a vida e um contra a integridade física e o outro detenção de arma dotado de especial perigosidade pelo seu objecto e todos eles ambos de grande abrangência e relevo social atual causadores de sentimento de insegurança, tendo em conta o motivo e modo de atuação e o seu desencadear a exigir uma maior atenção preventiva como fatores desagregadores da sociedade, reafirmando energicamente a validade das normas jurídicas violadas, num sentimento exatamente contrário ao expresso pelo arguido. 9.2- No que à sua culpa respeita ela é muito superior à pena única que lhe foi aplicada, pois os factos queridos, traduzidos no regresso ao local com arma de fogo de que andava munido e no propósito visado de disparar contra duas pessoas para as matar, revelam um dolo intenso e directo da sua vontade e do seu modo de ser sendo que os factos donde emerge a sua conduta criminosa apenas a si mesmo se devem, e são o reflexo da sua personalidade. 9.3- Vivendo à custa do erário publico e do trabalho da sua companheira, apesar de ter 5 filhos, mostra-se desenraizado da sociedade, pois o seu modo de vida não é compatível com a sua situação familiar e a vivência normal de um cidadão com 38 anos de idade, ainda por cima portador constante de uma arma de fogo, pelo que inexiste a sua integração social e económica, não contribuindo para a sua família e para a sociedade de modo a ponderar positivamente. 9.4- No aquilatar da personalidade do arguido revelada nos factos – de total desrespeito para com o seu próximo, - há ainda a ponderar os seus antecedentes criminais reveladores pela sua quantidade, ilícitos em causa e penas aplicadas, a ineficácia destas para revelar ao arguido a necessidade de mudar de vida, e antes demonstram que os factos em apreciação se enquadram numa personalidade desvaliosa e desconforme aos valores da ordem jurídica que como cidadão devia observar, pelo que não se prevê que “o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.”8 faça o arguido compreender que deve mudar a sua conduta, pois para isso foi demasiadas vezes alertado com as penas suspensas em que foi condenado (incluindo ofensas à integridade física e detenção de arma). Daqui há que concluir que os crimes radicam na sua personalidade violenta e avessa aos valores sociais, pelo que a pena única aplicada ao arguido de 9 anos de prisão (sendo o mínimo 6 anos e 9 meses), se de algum reparo merece não é certamente pela sua excessividade como pena mas pelo uso de um factor de compressão excessivo, em face do que não é necessária a intervenção corretiva deste Supremo Tribunal no sentido de reduzir a pena única em que foi condenado. Improcede assim esta questão e com ela o recurso. + 10- Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, decide: Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e consequência mantém a decisão recorrida. Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 6 Uc e nas demais custas Notifique DN + Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 12/11/2025 José A. Vaz Carreto (relator) Maria da Graça Silva Maria Margarida Almeida _________ 1. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pág. 291, 3. Ac. STJ 18/6/2014 www.dgsi.pt/jstj 4. Ac. STJ de 03/04/2013 www.dgsi.pt 5. Figueiredo Dias, ob. loc. cit. 6. Ac STJ 12/9/2007 Proc. nº 07P2601 Cons. Raul Borges www.dgsi.pt 7. Ac. STJ de 16/05/2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1 (Conselheiro Nuno Gonçalves), in www.dgsi.pt ; |