Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1650/06.7TBLLE.E2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
AVALIAÇÃO FISCAL
LAUDO
PROVA PERICIAL
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
QUESTÃO RELEVANTE
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: BAIXA DOS AUTOS À RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO ADMINISTRATIVO – DO CONTEÚDO DA INDEMNIZAÇÃO / CÁLCULO DO VALOR DO SOLO PARA OUTROS FINS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª ed., p. 59, 61, 62, 384 a 386;
- Alípio Guedes, Valorização de Bens Expropriados, 3.ª edição, p. 102;
- Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533 ; 1989, p. 546 e ss.;
- Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 9.ª edição, p. 1020;
- Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, p. 258;
- Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, 2.ª edição, 2000, p. 88;
- Salvador da Costa, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina, 2010, p. 178.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA D) E 682.º, N.º 3.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP): - ARTIGO 27.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-03-2014, PROCESSO N.º 1933/09.4TBPFR.P1.S1, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 11-11-2014, PROCESSO N.º 524/14, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 9088/05, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-05-2015, PROCESSO N.º 321/12, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-05-2015, PROCESSO N.º 227/07.OTBOFR.C2-S1-A, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 291/1995.L1.S1, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 13-10-2016, PROCESSO N.º 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 1738/04.PTBO.P1.S1-A, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 20-07-2017, PROCESSO N.º 755/13.2TVLSB.L1.S1-A, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – A contradição de julgados relevante para a aplicação do art. 629º, nº 2 d), do CPC tem de ser uma oposição frontal, não bastando uma oposição implícita ou pressuposta, e tem de referir-se a questões que se tenham revelado essenciais para a sorte do litígio em ambos os processos, desinteressando para o efeito questões marginais ou que respeitem a argumentos sem valor determinante para a decisão emitida.

II – Estando em causa a questão jurídica de saber se a aplicação do critério definido no art. 27º, nº 1 do Código das Expropriações pressupõe que as informações prestadas pelos Serviços de Finanças respetivos indiquem as concretas caraterísticas dos prédios envolvidos e que serão comparados com o prédio expropriado, existe esta contradição se o acórdão recorrido afirmou que o desconhecimento dessas caraterísticas não obsta à aplicação de tal normativo e o acórdão fundamento considerou que a falta de demonstração das mesmas impede a aplicação, em concreto, desse critério de cálculo do valor do prédio.

III – O critério de cálculo referido em II só pode funcionar adequadamente se os elementos fiscais aí referidos “forem completos, incluindo a área, o volume da construção e o valor unitário do solo, e se as avaliações fiscais forem idóneas à correção das declarações de preço das transacções.”

IV – Sendo a indemnização a medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo proprietário ou titular de outros direitos reais afetados pela expropriação, não pode deixar de atender-se ao valor de mercado que o solo expropriado tinha na altura da declaração da utilidade pública daquela, sendo de excluir, quer um montante tão reduzido que a torne meramente simbólica, quer um valor que seja determinado por fatores especulativos ou de outra ordem e ponha em causa a equivalência que deve existir entre o prejuízo decorrente da expropriação e o seu ressarcimento.

V – O entendimento segundo o qual na fixação do montante indemnizatório é de atribuir particular relevo ao laudo pericial, com especial destaque para o emitido pelos peritos designados pelo tribunal dada a sua particular isenção, não é ditado pela lei, sendo antes um critério a seguir pelas instâncias na apreciação da prova produzida e na subsequente fixação da factualidade provada.

VI – Os relatórios periciais são meios de prova a ponderar pelas instâncias, pelo que a mera reprodução do seu conteúdo na factualidade dada como provada não permite que o STJ daí extraia factos a usar na decisão, tendo cabimento a correspondente ordem de ampliação da matéria de facto nos termos do nº 3 do art. 682º do CPC.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




I - Na presente expropriação por utilidade pública do imóvel identificado nos autos, em que é expropriante E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E. e são expropriados AA e BB, foi proferida sentença que fixou a indemnização a pagar pela entidade expropriante aos expropriados em € 9.725,45, acrescidos de atualização de acordo com os índices de preços ao consumidor, contada desde a data da declaração de utilidade pública, descontando-se as quantias que já lhe tenham sido atribuídas.


Em apelação interposta pelos expropriados, a Relação de Évora revogou aquela sentença, fixando em € 88.640,53 o valor global da indemnização devida pela entidade expropriante aos aqui expropriados, ao qual acresce a atualização feita de acordo com os índices de preços ao consumidor, desde a data da declaração da DUP até efetivo e integral pagamento.


Contra este aresto traz a expropriante o presente recurso de revista, tendo apresentado alegações onde formula as conclusões que passamos a transcrever:

1. O Douto Tribunal da Relação de Évora decidiu sumariamente, que "o julgador pode - e deve - afastar-se do resultado da peritagem quando seja de concluir que os peritos tenham usado, na avaliação da parcela expropriada, um critério legalmente inadmissível (critério supletivo do rendimento).

2. Sendo verdade que tem sido entendimento generalizado de que o julgador, nos processos de expropriação, deve aderir à avaliação técnica efetuada pelos peritos.

3. Menos verdade não será se se suscitarem questões de direito com relevância para o cálculo do valor do bem expropriado ou que existam elementos de prova suficientemente sólidos que habilitem o Tribunal a divergir dos peritos.

4. Note-se que os peritos são auxiliares técnicos do Tribunal, a quem cabe o julgamento.

5. Relativamente à aplicação do critério fiscal previsto no artigo 27.° do CE, ficou provado nos autos que o serviço de finanças … (…) informou não existem listas das transações e avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na zona, ou seja, na própria freguesia de ….

6. Nesta conformidade decidiu o Tribunal de 1ª Instancia, em nossa opinião bem, ser de todo impossível o recurso àquele critério fiscal.

7. Atentas as condicionantes do terreno que se insere em Reserva Agrícola Nacional, e prevendo os artigos 38° e 88° do Regulamento do PDM de … que qualquer edificação nesse tipo de solos tem carácter excecional o Tribunal a quo avaliou a parcela como demonstrou tendo em conta o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública.

8. O Tribunal a quo decidiu que os elementos juntos aos autos pelo Ministério das finanças eram suficientes para aplicação daquele critério fiscal de avaliação.

9. Para tal ignorou os argumentos apresentados por quatro dos cinco peritos que procederam à avaliação daquela parcela e como tal analisaram as referidas listagens.

10. Está determinado nos autos sem qualquer prova em contrário que das listas se retire quais os prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, ou seja, se estão em solos agrícolas, zona verde, inseridos em Reserva Agrícola Nacional ou em Reserva ecológica Nacional (sic).

11. Não podendo igualmente ser aferida a sua aptidão específica, nomeadamente se estão inseridos em aglomerado urbano ou não, daí se podendo aferir (sic) a sua residual capacidade construtiva.

12. Acresce que a freguesia de localização do prédio, nem sequer está comtemplada nas lista do serviço de finanças, tendo o serviço de finanças … (…) informado, conforme oficio junto dos autos a fls... que ou não existirem listas das transações, e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na zona (sic).

13. Foi amplamente demonstrado de que nos autos não havia informação suficiente para aplicação do critério de avaliação preferencial em detrimento do critério do rendimento aplicado pelos peritos.

14. Tanto a Doutrina como a jurisprudência vão no sentido que o método fiscal apenas pode ser aplicado quando as listas fornecidas pelo ministério das Finanças conterem (sic) todas a informação necessária à avaliação, o que não é o caso dos autos.

15. Por isso os peritos e o Tribunal de Iª Instancia optaram por não aplicar aquele método, explicando o porque da aplicação do método supletivo do rendimento, pelo que não é verdade que este seja um método legalmente inadmissível.

16. Neste sentido concluiu o acórdão da Relação de Évora, proferido na Apelação n.° 1033/07, de 12.07.2007, in pág 42,, "se, no entanto, e como é mais provável, não for possível aos serviços competentes do Ministério das Finanças fornecer os valores acima mencionados, a fim de aplicar o novo método de calculo, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, fritos pendentes e outras circunstancias objetivas suscetíveis de influir no respetivo calculo."

17. Bem como o acórdão que serve de fundamento à presente revista, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 02.06.2016, no processo 437/12.2TBVPA. G1, em que foi Relator o Exmo Sr. Dr. Miguel Baldaia Morais in http:// www.dgsi.pt.

18. Este arresto tem por objeto um prédio classificado como solo apto para outros fins, cuja avaliação foi efetuada tendo em conta os critérios contidos no artigo 27.° do CE.

19. E que decidiu entre outras que "A utilização do dito critério fiscal somente pode ocorrer no caso de se verificar uma identidade essencial entre as parcelas em confronto no concernente às respetivas características intrínsecas que relevem, em termos objetivos, para a determinação do seu valor de mercado."

20. Em clara contradição com o decidido no acórdão ora recorrido.

21. E face às considerações expostas e tendo em conta que a mesma situação de facto foi resolvida de forma diferente ao abrigo da mesma legislação, razão pela qual se submete a apreciação da alegada contradição de julgados a este Supremo Tribunal.


Os recorridos contra-alegaram, formulando as conclusões que se transcrevem:

A. A recorrente não caracteriza o recurso quanto à espécie, ao efeito e ao modo de subida, como impõe o art. 637° n.° 1 do CPC.

B. A recorrente apenas alude à "revisão" mas o recurso, sendo de revisão, é inadmissível, por violação do disposto no art. 637° n.° 1 e 696°, ambos do CPC.

C. Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede, estatui o art. 66° n.°5 do Código das Expropriações que «sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiçado acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida».

D. A al. d) do n.° 2 do art. 629° do CPC estatui que «Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça».

E. Compulsados o acórdão recorrido no presente processo e o proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo 437/12.2TBVPA.G1, proferido em 02-06-2016, em ambos os processos as parcelas expropriadas foram classificadas como solo apto para outros fins e também existiam nos autos os elementos documentais que permitiam a avaliação da parcela, designadamente, a lista de transacções e das avaliações fiscais.

F. Em ambas as decisões os Venerandos Juízes decidiram afastar-se da fórmula constante do relatório pericial para apuramento da indemnização por expropriação, donde se conclui que não houve interpretação diversa de qualquer normativo legal nos acórdãos invocados pela ora recorrente, apenas uma divergência quanto à obtenção do quantum indemnizatório.

G. Pelo que, sempre teria de se concluir pela improcedência do recurso em virtude dos seus fundamentos não se enquadrarem no disposto no mencionado art. 629° al. d) do CPC.

H. Sem conceder, o acórdão que é agora objecto do presente recurso não merece qualquer censura ou reparo, até porque é consistente com a decisão anteriormente proferida neste mesmo processo pelo Tribunal da Relação de Évora, em 12-05-2011, que definiu os critérios considerados relevantes para a determinação do valor da parcela expropriada em apreço e que motivaram a anulação da primeira sentença do Juízo Local Cível de … e do processado subsequente.

I. Nos termos do disposto no art. 27° n.° 1 do Código das Expropriações deve ser efectuada a avaliação pelo método fiscal, que só será afastada por impossibilidade prática ou manifesta que inviabilize a aplicação deste critério.

J. Assim sendo, a prova documental constante dos autos permitiu apurar uma média aritmética de 15,95€ do preço por m2.

K. Pelo que, sendo a área expropriada de 4.609 m2, do critério fiscal resulta um valor de indemnização de 73.513,55€ (setenta e três mil quinhentos e treze euros e cinquenta e cinco cêntimos).

L. Mais, o prédio sub judice sofreu uma forte desvalorização, fixada em 40%, já que, após o destaque de cerca de 2/3 referentes à parcela expropriada, o remanescente tem uma extensão de 2.371 m2 e fica dividido em duas parcelas.

M. Donde apurou correcta e adequadamente o acórdão recorrido, por simples cálculo aritmético, na atribuição aos expropriados de uma indemnização de 88.640,53€.

N. Valor que obedece estritamente aos critérios estabelecidos no art. 27° n.° 1 do Código das Expropriações.

Concluem pedindo a rejeição, por inadmissibilidade do recurso ou, assim não se entendendo, a sua improcedência.



Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as de saber:

- se o recurso é admissível;

- concluindo-se pela sua admissibilidade, saber se no cálculo do valor da indemnização devida é possível, em face dos elementos de facto apurados, recorrer ao critério de cálculo preferencialmente estabelecido no art. 27º, nº 1 do CE – o comparativo ou fiscal.

- em que valor deve ser fixada a indemnização.



II - Da admissibilidade do recurso:

É questão de que cabe conhecer em primeira linha.

O recurso vem interposto com invocação da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o que é indicado como fundamento, proferido em 02.06.2016 pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo 437/12.2TBVPA.

Considerando a regra instituída no art. 66º, nº 5 do Código das Expropriações[1], bem conhecida da recorrente, tudo leva a crer que esta, ao invocar a dita contradição de julgados, embora sem o dizer expressamente, pretenda reconduzir a situação à previsão do art. 629º, nº 2 d), do CPC, o que, ocorrendo, determinará a admissibilidade da revista.

Tal contradição consistirá, a seu ver, no facto de o acórdão recorrido ter considerado como aplicável ao caso que julgou o critério fiscal enunciado no nº 1 do art. 27º para cálculo do valor do solo apto para outro fim, quando o acórdão fundamento, em situação factual semelhante, considerou não ser possível recorrer àquele critério.

Prossegue dizendo que num e noutro caso haviam sido fornecidos pelos Serviços de Finanças respetivos elementos atinentes à fórmula de cálculo referida no preceito, mas enquanto no acórdão recorrido se entendeu não obstar à aplicação desse mesmo critério a circunstância de esses elementos não conterem a indicação das condições reais e efetivas dos prédios objeto das transações, no acórdão fundamento considerou-se que o desconhecimento das reais caraterísticas dos imóveis transacionados, impedindo que se formule um juízo de identidade entre eles e o prédio expropriado, obsta à aplicação do critério que preferencialmente é estabelecido no art. 27º para cálculo do valor indemnizatório.


Já os recorridos pugnam, em primeira linha, pela inadmissibilidade da revista tendo em conta o que dispõe o art. 66º, nº 5 e considerando ainda que, a seu ver, não existe contradição entre o acórdão recorrido e o invocado como acórdão fundamento, pois que ambas as decisões decidiram “afastar-se da fórmula constante do relatório pericial para apuramento da indemnização por expropriação, donde se conclui que não houve interpretação diversa de qualquer normativo legal nos acórdãos invocados pela ora recorrente, apenas uma divergência quanto à obtenção do quantum indemnizatório.”


Vejamos, então, se o recurso é admissível.

O nº 5 do art. 66º dispõe que não cabe recurso de revista do acórdão da Relação que fixe o valor da indeminização devida, salvo tratando-se de caso em que seja sempre admissível recurso.

Estando, em princípio, vedado o acesso ao terceiro grau de jurisdição, excecionam-se os casos de acórdãos da Relação relativamente aos quais a lei processual permita que se aceda sem restrições ao STJ, com o que somos remetidos para a disciplina do nº 2 do art. 629º do CPC.

E segundo a alínea d) deste preceito “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (…) do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

O funcionamento da exposta regra pressupõe, pois, a verificação dos seguintes pressupostos:

a) serem motivos alheios à alçada do tribunal os que obstam, nos termos da lei, a que do acórdão caiba recurso para o STJ;

b) a existência de oposição entre, pelo menos, dois acórdãos que tendo por base um núcleo factual idêntico, se hajam pronunciado sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação;

c) trânsito em julgado do acórdão que, proferido anteriormente, seja invocado como fundamento;

d) não haver jurisprudência uniformizada sobre a questão fundamental de direito versada nas decisões em confronto e com a qual o acórdão recorrido seja conforme.


O primeiro dos enunciados pressupostos verifica-se; é a natureza do processo que dita a regra do citado art. 66º, nº 5, sendo, por isso, alheio à alçada do tribunal o motivo subjacente à proibição de acesso ao STJ.

E igualmente se verificam os requisitos aludidos em terceiro e quarto lugares.

Resta então saber se existe a contradição de julgados relevante para o efeito.

Esta, como se vem entendendo uniformemente neste STJ, tem de ser uma oposição frontal, não bastando uma oposição implícita ou pressuposta[2], e que tem de referir-se a questões que se tenham revelado essenciais para a sorte do litígio em ambos os processos, desinteressando para o efeito questões marginais ou que respeitem a argumentos sem valor determinante para a decisão emitida[3].


Pode afirmar-se que ambos os acórdãos em confronto versaram a questão jurídica de saber se a aplicação do critério definido no art. 27º, nº 1 pressupõe que as informações prestadas pelos Serviços de Finanças respetivos indiquem as concretas caraterísticas dos prédios envolvidos e que serão comparados com o prédio expropriado.


Sobre a matéria escreveu-se no acórdão fundamento o seguinte:

Em consonância com as regras de avaliação plasmadas no Código das Expropriações, no apuramento da indemnização devida aos expropriados, importa, como prius, determinar a natureza do solo, sendo que neste particular não se regista dissenso na qualificação da parcela expropriada como solo apto para outros fins à luz do disposto no nº 3 do seu art. 25º, já que o mesmo não é apto para construção real ou legalmente presumida, sendo que de acordo com o Plano Diretor Municipal para o concelho de … encontrava-se, à data da publicação da declaração de utilidade pública, inserido em zona de Espaços Agro-Florestais de Uso Condicionado/REN (4).

Destarte, o valor da parcela expropriada haverá de ser calculado de acordo com os critérios enunciados no art. 27º do Código das Expropriações, que postula dois critérios referenciais (embora não vinculativos (5)), concretamente o denominado “critério comparativo ou fiscal” (nº 1) e o “critério ou método do rendimento fundiário” (nº 3). Registe-se, de qualquer modo, que o nº 5 do art. 23º do Cód. das Expropriações consagra a possibilidade de utilização de outros métodos ou critérios alternativos para atingir o valor real e corrente dos bens, designadamente quando aqueles critérios instrumentais se revelem inidóneos a tal desiderato, prevendo-se assim, na expressão de ALVES CORREIA (6), uma “válvula de escape” ou “cláusula de salvaguarda”.

Como se deu nota, uma das razões de discordância que a apelante apresenta relativamente à sentença recorrida diz respeito ao critério nela acolhido (concretamente o método do rendimento fundiário), posto que, segundo advoga, deveria ter sido antes adotado o denominado método comparativo.

Pese embora a expropriante já tenha suscitado tal questão no âmbito das alegações que apresentou ao abrigo do disposto no art. 64º do Cód. das Expropriações, o tribunal a quo acabou por dela não conhecer por considerar que nas conclusões do recurso da arbitragem apresentado pela entidade expropriante não foi colocada em crise a opção pelo método de avaliação seguido pelos árbitros (que adotaram o método do rendimento).

É facto que tem vindo a obter generalizado acolhimento na jurisprudência o entendimento de que a decisão arbitral em processo de expropriação constitui uma verdadeira decisão judicial proveniente de um tribunal arbitral necessário, aplicando-se, por isso, ao recurso que incide sobre a mesma o regime dos recursos estabelecido no Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações (7). No entanto, tem-se outrossim considerado que essa decisão arbitral faz caso julgado apenas no que respeita ao valor da indemnização fixada e já não quanto às qualificações feitas pelos árbitros e critérios por eles utilizados (8).

Como assim, haverá pois que dilucidar se, in casu, a avaliação da parcela expropriada deverá ser realizada em consonância com a regra enunciada no nº 1 do citado art. 27º do Cód. das Expropriações, nos termos da qual “o valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisição ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuados na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas caraterísticas, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica”.

Como emerge da exegese do transcrito inciso, trata-se de um critério em que o valor dos prédios expropriados é apurado através de determinadas médias resultantes de declarações nas transações dos imóveis e nas respetivas avaliações fiscais.

Ora, no caso vertente, ao invés do entendimento sufragado pela apelante, os elementos que foram carreados para os autos não permitem firmar conclusão segura de que as operações negociais mencionadas na listagem junta a fls. 148/150 digam respeito a prédios com idênticas caraterísticas às da parcela expropriada, como é legalmente suposto para poder ser convocada a aplicação do aludido método comparativo ou fiscal, sendo certo que este critério de cálculo somente pode funcionar adequadamente se os árbitros e os peritos tiverem acesso aos referidos elementos fiscais, se estes forem completos, designadamente no que tange às áreas, localização e valor unitário do solo, e se as avaliações fiscais forem idóneas à correcção das declarações fiscais. Dito de outro modo, a utilização desse critério de avaliação somente pode ocorrer no caso de se verificar uma identidade essencial entre as parcelas em confronto no concernente às respetivas características intrínsecas que relevem, em termos objetivos, para a determinação do seu valor de mercado, o que não é o caso (9), como, aliás, foi assinalado pelos peritos do tribunal e dos expropriados (cfr. fls. 155).

Consequentemente mostra-se justificada a opção da avaliação da parcela expropriada tendo por base o critério subsidiário consagrado no nº 3 do art. 27º.”


Já no acórdão recorrido se disse a este propósito, além do mais, o seguinte:

“(…) Ora, no caso em apreço, resulta claro da factualidade apurada nos autos, que a qualificação da parcela expropriada foi classificada (e bem) pelo tribunal “a quo” como solo apto para outros fins - cfr. nº3 do art.25º do Cód. Expropriações.

Assim sendo, importa apreciar se a indemnização que foi fixada na decisão sob censura teve, como sua base de cálculo, os critérios estipulados no art.27º do Cód. Expropriações, a qual, para esse efeito, seguiu de perto o que consta do relatório de avaliação elaborado pelos peritos indicados pelo tribunal (quando classificam o terreno como “apto para outros fins”) – cfr. fls.703 a 707.

A este propósito, dispõe o nº1 de tal preceito legal que “o valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica”.

Por sua vez acrescenta o nº2 do citado art.27º que “para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores”.

Estipula, de seguida, o nº3 do preceito em causa que “caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n°1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”.

Deste modo, da análise do disposto nos aludidos nºs 1 e 3 do citado art.27º, conclui-se que o legislador optou, no âmbito do Cód. Exp., por não considerar o critério do rendimento, em situação de normalidade económica do mercado, como sendo o critério de aplicação preferencial, relegando a sua aplicação para segundo plano, assumindo, assim, tal aplicação um carácter meramente supletivo, ou seja, só deverá ser tida em consideração caso se demonstre - de todo - não ter sido possível, no caso concreto, fazer a aplicação do critério fiscal referenciado no mencionado nº1 do art.27º - sublinhado nosso.

Por outro lado impõe o nº2 do mencionado art.27º que sejam fornecidos pelos serviços competentes do Ministério das Finanças a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuados na zona e os respectivos valores com vista à aplicação do critério ou método comparativo previsto no nº1 do referido preceito (certamente que na redacção desta norma o legislador terá levado em linha de conta que, regra geral, os serviços do Ministério das Finanças têm plena capacidade para fornecer tais elementos em tempo útil, desde que para tal sejam solicitados, quer pela entidade expropriante, quer pelos peritos, quer mesmo pelo próprio tribunal recorrido).

Assim, da tramitação dos presentes autos, constata-se que os Serviços de Finanças forneceram aos peritos uma listagem de transacções de prédios rústicos na freguesia das parcelas expropriadas e nas limítrofes, a qual, porém, não foi seguida pelos peritos por terem entendido que a aplicação do método comparativo implica o conhecimento das condições reais e efectivas de cada um dos prédios a servir de termo de comparação, o que, dada a diversidade de explorações agrícolas existentes na freguesia e nas freguesias envolventes e o facto de se desconhecerem as características próprias que cada um dos prédios constantes da referida listagem possuía à altura da transacção, não permite a comparação, pelo que concluíram pela impossibilidade de aplicação do nº1 do art.27º do Código das Expropriações – cfr. relatório de avaliação a fls.704/705.

E, com base em tal fundamentação, os peritos aplicaram, na avaliação da parcela expropriada, o critério do rendimento a que alude o nº3 do citado art.27º, tendo-se aceite tal metodologia sem mais…

Ora, e salvo o devido respeito, se tal raciocínio fosse seguido pelos peritos em todas as avaliações por si efectuadas, relativas aos processos de expropriação, facilmente estava encontrado o caminho para “se fazer entrar pela janela o que não podia entrar pela porta”!!!

Na verdade, e dito por outras palavras, estava assim encontrada a forma de se contornar definitivamente a lei e para nunca ser aplicado, nas avaliações respeitantes a expropriações, o critério fiscal a que alude o citado nº1 do art.27º (passando este a ser mera “letra morta”) e aplicando-se sempre, como critério geral ou primordial da avaliação, o critério do rendimento previsto no nº3 do dito art.27º, o que o nosso legislador - de todo em todo - não quis que ocorresse, atenta a redacção dos vários números de tal preceito legal, pois, não será demais repetir que, este último critério do rendimento é, no actual Cód. Expropriações de 1999, meramente supletivo e excepcional (ao contrário do que sucedia no anterior Cód. Expropriações, datado de 1991, em que o critério do rendimento era, afinal, o critério geral de avaliação dos prédios a expropriar).

(…)

Ora, “in casu”, constatamos que, na avaliação da parcela expropriada, os peritos indicados pelo tribunal utilizaram um critério “legalmente inadmissível”, uma vez que, pelas razões acima transcritas, deviam antes ter seguido o critério fiscal, com base nos elementos que lhes tinham sido fornecidos pela Autoridade Tributária (cfr. o teor do ofício junto a fls.592 dos autos).

Na verdade, resultou apurado nos autos que o Serviço de Finanças de … remeteu listagens relativas às freguesias de …, …, …, e …, com informação do apuramento da média aritmética de € 15,95 do preço por m2, para os melhores três anos do quinquénio de 2000 a 2004 relativa aos terrenos aptos para outros fins que não a construção que, tendo sido avaliados ou inscritos na matriz nesse período, também foram objecto de transmissão – cfr. ponto 19. dos factos provados.

Ora, considerando que a parcela expropriada tem 4.609 m2 (cfr. ponto 2. dos factos provados) e que a média aritmética a que alude o art.27º nº1 do Cód. Expropriações é de 15,95 m2 (aplicação do critério fiscal), forçoso é concluir que o valor da indemnização a atribuir à parcela expropriada é de 73.513,55 €.

Por outro lado, o prédio objecto da expropriação ficou amputado em cerca de 2/3 da sua extensão, sendo que o remanescente do terreno ainda ficou dividido em duas parcelas, sofrendo, por isso, uma forte desvalorização, a qual é justo que seja fixada em 40%.

Assim, a parte sobrante ficou com uma extensão de 2.371 m2 (cfr. pontos 2. e 3. dos factos provados), constituída por duas parcelas, pelo que a respectiva depreciação - resultante do cálculo aritmético por multiplicação da área depreciada pelo preço do m2 e pela desvalorização de 40% - deve ser fixada no montante de 15.126,98 € (2.371 m2 x 15,95/m2 x 40%).

Deste modo, e considerando as razões e fundamentos atrás apontados para a aplicação do critério fiscal na avaliação da parcela expropriada (cfr. nº1 do citado art.27º), entendemos que a justa indemnização a atribuir aos expropriados - englobando a área expropriada e a depreciação da parcela sobrante - totaliza a quantia de 88.640,53 € (73.513,55 € + 15.126,98 €).


Daqui se extrai que em ambos os casos tratados nos acórdãos em confronto estava em causa um prédio qualificado como solo apto para outros fins e que nos processos respetivos constavam informações prestadas pelos Serviços de Finanças atinentes aos elementos referidos no art. 27º, nº 1, mas sem a descrição das caraterísticas próprias dos prédios que foram objeto das transações e avaliações realizadas.

O desconhecimento dessas caraterísticas intrínsecas obsta, ou não, a que possa funcionar o critério comparativo ou fiscal previsto nesse dispositivo legal para cálculo do valor do solo apto para outros fins?

Perante quadro factual essencialmente idêntico, de modo diverso responderam o acórdão recorrido e o acórdão fundamento a esta questão, o primeiro deles afirmando que esse desconhecimento não obsta à aplicação do nº 1 do art. 27º, enquanto o segundo considerou que a falta de demonstração das caraterísticas intrínsecas dos imóveis que hão de servir de comparação impede a aplicação, em concreto, desse critério de cálculo do valor do prédio.

E a solução encontrada num e no outro dos arestos para esta questão teve influência decisiva no julgamento do pleito por ter dado lugar à fixação de indemnizações de valor essencialmente diverso, bastando para tanto atentar no caso dos autos ao valor arbitrado na sentença calculado com base no critério do rendimento – nº 2 do art. 27º - e ao que foi concedido no acórdão impugnado, este computado à luz do critério comparativo ou fiscal – nº 2 da mesma norma.

Deve, assim, a nosso ver, afirmar-se a existência de contradição relevante para efeitos do preceito a que nos vimos referindo, pois a resposta dada à referida questão de direito, para além de diversa, é expressa e não meramente implícita, foi essencial para determinar o resultado alcançado numa e noutra decisões e teve lugar no âmbito de um quadro normativo substancialmente idêntico.[4]


Conclui-se, deste modo, estarem verificados todos os requisitos enunciados na alínea d) do nº 2 do art. 629º do CPC, sendo, assim, o recurso admissível à luz desta norma.


III – Vêm descritos como provados os seguintes factos:

1. Por despacho do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, com o n° 16201-A/2005 (2a Série) de 06/07/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 25/0712005, no uso de competência delegada por despacho do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes necessários à execução da obra da ligação do nó de … da VIS às Quatro Estradas - 2° Troço, entre outras, da parcela de terreno n°. 117, com a área de 4.609 m2, do prédio rústico sito na freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2521 da freguesia de …, e com a descrição predial n° 04…2 na Conservatória do Registo Predial.

  2. A parcela indicada, designada pelo número 117 na planta parcelar anexa ao referido Despacho, tem a área de 4.609 m2, e destina-se a ser integrada na obra "ligação do nó de … da V.I.S. às Quatro Estradas - 2° troço".

  3. A parcela acima indicada integrava o prédio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o n° 048…2, como tendo a área de 6.980 m2, com o valor patrimonial de 7.865$00, a confrontar a nascente com CC, a norte com DD e outros, a poente com EE, e a sul com caminho.

   4. Pela Ap. 49 de 04/0112002, foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de …, sobre aquele prédio ali descrito com o n° 048…2, a aquisição em comum e sem determinação da parte ou direito, a favor de AA e BB, por sucessão e dissolução da comunhão conjugal de FF, casado que foi com a referida AA em comunhão geral.

   5. A entidade Expropriante é a EP - Estradas de Portugal, EPE, e a mesma tomou posse administrativa da referida parcela a 21/09/2005.

  6. A 23/08/2005 foi realizada a Vistoria "ad perpectuam rei memoriam", em cujo auto ficou a constar que a área da parcela a expropriar é de 4.609 m2, com uma configuração trapezoidal irregular, e que de acordo com a Carta de Solos de Portugal a parcela localiza-se numa mancha de solos argilo-arenosos, apresentando-se o terreno com uma vegetação infestante "táguedas", sem ocupação cultural.

 7. No Auto da Vistoria "ad perpectuam rei memoriam" ficou também a constar que o prédio a que pertence a parcela a expropriar é servido por rede de esgotos, de água ao domicílio, energia elétrica e telefone.

  8. No Auto da Vistoria "ad perpectuam rei memoriam" ficou ainda a constar que a parcela a expropriar só dispõe de acesso através da área sobrante do prédio a Sul.

  9. No Auto da Vistoria "ad perpectuam rei memoriam" ficou, finalmente, a constar que, a Planta de Ordenamento do PDM de … incluí a área da parcela a expropriar em Espaços Agrícolas - Reserva Agrícola Nacional (RAN), e a Planta de Condicionantes em Servidões e Restrições de Utilidade Pública - Reserva Agrícola Nacional (RAN).

  10. Na Carta de Ordenamento do PDM de …, o referido prédio está parcialmente inserido em "Espaço Canal - Outras Vias Previstas e respectivos corredores de protecção".

  11. O referido prédio tinha boa localização perto da Vila de …, boa qualidade ambiental, e tinha boa localização em relação às vias principais do algarve por estar a um quilómetro da Via do Infante, confrontando com via pública, e a duzentos metros da EN 125, e perto da praia.

  12. À data da declaração de utilidade pública, o prédio em causa era servido por rede de esgotos, água, energia elétrica, e telefone.

  13. O prédio em causa tinha acesso, pelo sul, a estrada.

 14. No referido prédio, os solos eram de textura areno-argilosa, e de capacidade de uso CID.

  15. A área sobrante, à parcela expropriada, do referido prédio, é constituída por duas parcelas, uma a sul da parcela expropriada e com 1000 m2, e a outra a norte da parcela expropriada.

  16. Naquela zona de Pereiras existem prédios com construções licenciadas em Reserva Agrícola Nacional (RAN).

  17. Porque incluído em Espaços Agrícolas - Reserva Agrícola Nacional (RAN), solo Rural, o prédio em causa encontra-se, no Regulamento do PDM de …, sujeito à regra da proibição de edificação em solo rural.

  18. Esta regra admite a excecional possibilidade de autorização de construção em RAN, para efeito de construção de edificação isolada para habitação própria e permanente, com a área máxima de construção de 250m2 ou 20% da área do terreno, não podendo exceder o máximo de 400 m2.

  19. O Serviço de Finanças de … remeteu listagens relativas às freguesias de …, …, …, e …, com informação do apuramento da média aritmética de € 15,95 do preço por m2, para os melhores três anos do quinquénio de 2000 a 2004 relativa aos terrenos aptos para outros fins que não a construção que, tendo sido avaliados ou inscritos na matriz nesse período também foram objeto de transmissão.

   20. O serviço de finanças … (…) informou não existirem listas das transações, e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na zona.

  21. Na avaliação realizada no presente recurso do acórdão arbitral, entenderam os peritos do tribunal e da entidade expropriante que a parcela em causa deve ser classificada como "solo apto para outros fins", dado que por se encontrar em Reserva Agrícola Nacional (RAN) e incluída em "Espaço Canal", não pode ser avaliada de acordo com o art. 26 do Cód. Expropriações.

  22. Entenderam os três peritos do Tribunal que, tendo em conta a potencialidade agrícola do prédio em causa, e baseando-se no n° 3 do art. 27° do Cód. Expropriações, o cálculo da indemnização seria de € 9.725,45, respeitantes:

     - Ao terreno

      - € 8.065,75 (4.609 m2 x € 1,75), e

      - À depreciação

    - € 1.659,70 (2.371 m2 x € 1,75 x 0,4)

     Para o que consideraram:

   - que o tipo de solos calcários vermelhos admitem culturas de sequeiro de rentabilidade mais elevada que o habitual, designadamente as de fava e ervilha, e que, assim, com um rendimento de 1.400€/ha e despesa de 50%, a uma taxa de capitalização de 4%, o valor por ha será de 1.400 x 0,5 : 0,04 = 17.500 € ha, ou seja, de 1,75 € por m2.

   - que o prédio em causa fica muito prejudicado com a amputação de 0,237ha, sofrendo forte desvalorização, nunca inferior a 40%.

   23. Entenderam, todavia, os peritos do tribunal que deve ser considerado um critério que melhor reflita uma correta avaliação (não especulativa) pelo mercado, e, nessa medida, deve ser considerado, no cálculo da indemnização, o prejuízo causado à edificabilidade possível no terreno em causa, pelo que o valor da justa indemnização será de € 23.109,45, assim calculado com os seguintes dados:

    - Área equiparada a "apto para construção"

      2.400 m2

      - Parte expropriada

       1.400 m2

      - Máximo de construção permitida

        250 m2

  - Preço da construção para habitação por m2 de área útil estabelecido na Portaria n° 1425- B/2007, de 31 de Outubro

       € 630,50

    - Consequente preço estimado da construção por m2 de área bruta

       € 567,00

    - Coeficiente a aplicar resultante da consideração do art. 26° do Cód. Expropriações

       - Face ao estabelecido no n° 6 do art. 26°

      14,0%

     - Face ao estabelecido no n° 7 do art. 26°

      Acesso rodoviário pavimentado em betão betuminoso 1,5%

      Rede de abastecimento domiciliário de água 1,0 %

      Rede de esgotos domésticos 1,0%

      Rede de distribuição de energia eléctrica 1,0%

     Rede telefónica 1,0%

     Total 20%

     Vt = 250 m2 x € 567,00 x 0,20 = € 28.350,00

     Valor por m2 = E 28.350,00/2.400 m2 = E 11,81/m2

      Pelo que o valor da justa indemnização será de € 23.109,45, referente a:

      - Terreno agrícola

      (4.609 m2 - 1.400 m2 x E 1,75) = E 5.615,75

       - Depreciação

     (1.371 m2 x E 1,75 x 0,4) = E 959,70

   - Equiparado a apto para construção para 250 m2 (1.400m2 x 11,81 m2) = E 16.534

   24. Na avaliação realizada no presente recurso do acórdão arbitral, entendeu o perito da entidade Expropriante que deverá aplicar-se o n° 3 do art. 27°, do Cód. Expropriações, obtendo-se um valor indemnizatório total de € 10.360,00, referente à soma dos seguintes valores:

     - valor da parcela expropriada E 9.402,36

     - desvalorização da parte remanescente do prédio E 967,37

     - Arredondamento E 0,73

     Considerando para tanto o cálculo do valor do solo, tendo em conta o rendimento com base em culturas tradicionais na região, na produção de: Alfarroba (E 2.000,00 Kg/ha), Amêndoa (E 120,00 Kg/ha), Forragem (680 UF/ha), Cujos valores médios ao produtor são: Alfarroba - E 0,36/Kg; Amêndoa - E 0,73/kg; Forragem E 0,15/kg, Em que: V (Valor do terreno) = R (Rendimento fundiário ou rendimento líquido) x 1/t (taxa de juro), e R (Rendimento fundiário ou rendimento líquido) = (2.000,00 Kg x € 0,36 + 120,00 Kg x € 0,73 + 680 DF x € 0,15) x 0,75 = € 682,20/há.

    Acrescentando a esse valor de € 682,20/ha uma taxa de capitalização de 4%, e concluindo que V (Valor do terreno) = € 17.055,00/ha = € 1,70/m2

     E, atendendo ainda a que no caminho marginal ao prédio existem algumas infraestruturas urbanísticas, considerou ainda uma valorização de mais 20% relativamente ao preço unitário calculado com base no rendimento do prédio rústico com a actividade exclusivamente agrícola, pelo que o seu cálculo do valor do terreno foi de € 9.402,36, com base em 4.609,00 m2 x € 1,70 x € 1,20. Finalmente, na atribuição da desvalorização da parte remanescente do prédio, o perito da entidade expropriante atendeu a que a área expropriada representa 66,03 % da área do prédio (4.609,00 x 100/6.980), e a área remanescente ficou dividida em duas partes. Pelo que atendendo à redução e divisão da propriedade, considerou uma desvalorização de 20%, a incidir sobre o custo unitário encontrado para a parcela expropriada e incluindo toda a parcela sobrante, obtendo o referido valor de € 967,37 da seguinte forma: 6.980 m2 - 4.609 m2 = 2.371 m2 x € 1,70 x 1,20 x 0,20 = € 967,37.

25. Na avaliação realizada no presente recurso do acórdão arbitral, o perito dos Expropriados entendeu que o valor total da indemnização deverá ser de € 104.933,55, calculado com base na soma de:

    - valor de indemnização do terreno agrícola € 67.133,55

    - valor de indemnização do terreno para construção € 37.800,00

      E no abatimento de um:

     - arredondamento

     - € 0,55

     Para tanto considerou este perito que, porque a parcela está integrada em zona afecta a Espaços Agrícolas - Reserva Agrícola Nacional (RAN), parte do terreno deve ser classificado como "apto para outros fins".

     Considerou, ainda, que, porque o prédio margina com via pavimentada, dotada de rede de saneamento, água e electricidade, isso confere a parte da parcela a classificação de "apto para construção". E que essa possibilidade (de construção) tem como área máxima de construção os 400 m2, ao abrigo dos nºs 2 e 3 do art. 88°, do Regulamento do PDM de ….

     Entendeu o perito dos Expropriados que, com base nos valores fornecidos pelo Serviço de Finanças de …, relativos às freguesias de …, …, …, e …, é de considerar a média aritmética de € 15,95 do preço por m2, apurada para os melhores três anos dos quinquénio de 2000 a 2004 relativa aos terrenos aptos para outros fins que não a construção que, tendo sido avaliados ou inscritos na matriz nesse período também foram objecto de transmissão.

     Considerou, assim, finalmente, que à parcela expropriada deve ser atribuído um valor indemnizatório do terreno agrícola, que é de € 67.133,55, calculado do seguinte modo:

      4.609 m2 - 400 m2 (construção) = 4.209 m2;

      4.209 m2 x € 15,95 = € 67.133,55

      E, por outro lado, um valor indemnizatório do terreno para construção, tendo em conta aquela área máxima de 400 m2,e que é de E 37.800,00, calculado do seguinte modo:

   - o preço da construção para habitação por m2 de área útil estabelecido na Portaria n° 1425-B/2007, de 31 de Outubro, para o concelho de …, é de E 630,50;

    - porque de acordo com o n° 6 do art. 26°, do Cód. Expropriações, "Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção", o preço estimado da construção por m2 de área bruta é de E 94,50 (E 630,50 x 15% = E 94,50) - pelo que, 400 m2 x E 94,5 = E 37.800,00

    26. Relativamente ao prédio em causa, referido em 3., não foi liquidado qualquer Imposto Municipal de Transmissões Onerosas de Imóveis, nem foi realizada qualquer avaliação fiscal para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis.

    27. Foi emitido o termo de declaração de Sisa de 17 de Maio de 1999, no qual foi declarada a compra pelo preço global de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) de três prédios rústicos sitos em Quatro Estradas - …, um inscrito na matriz sob o artigo 2465 com a área de 5.400 m2, outro inscrito na matriz sob o artigo 2466 com a área de 2470 m2, e outro inscrito na matriz sob o artigo 2467° com a área de 2800 m2, cada qual pelo preço parcial de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos).

   28. Foi emitido o termo de declaração de Sisa de 3 de Maio de 2000, no qual foi declarada a compra pelo preço de 26.000.000$00 (vinte e seis milhões de escudos) de dois prédios rústicos sitos em …, freguesia de …, um inscrito na matriz sob o art. 2685 com a área de 950 m2, e o outro inscrito na matriz sob o artigo 2686 com a área de 4.500 m2, o primeiro pelo preço parcial de 8.000.000$00 (oito milhões de escudos) e o segundo pelo preço parcial de 18.000.000$00 (dezoito milhões de escudos).

   29. Foi emitido o termo de declaração de Sisa de 22 de Novembro de 2000, no qual foi declarada a compra pelo preço de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) do prédio rústico sito em …, freguesia de …, inscrito na matriz sob o n° 2744 com a área de 0,1200 ha.

   30. Foi emitido o termo de declaração de Sisa de 16 de Dezembro de 2002, no qual foi declarada a compra pelo preço de € 43.895,00 (quarenta e três mil oitocentos e noventa e cinco euros) do prédio rústico sito em …, freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo 2685 com a área de 950 m2, e a compra pelo preço de € 98.762,00 (noventa e oito mil setecentos e sessenta e dois euros) do prédio rústico sito em …, freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo 2686 com a área de 4500 m2.

  31. A entidade Expropriante ofereceu a quantia de € 23.824,15 (vinte e três mil oitocentos e vinte e quatro euros, e quinze cêntimos) pela expropriação da parcela 90, com a área de 648 m2, e considerando na sua oferta benfeitorias identificadas no projecto de expropriações.

32. A entidade Expropriante ofereceu, mediante escrito datado de 03/08/2005, a quantia de € 24.280,67 (vinte e quatro mil duzentos e oitenta euros, e sessenta e sete cêntimos), aos ora Expropriados AA e BB, como proposta de indemnização pela expropriação amigável da referida parcela 117 que aqui está em causa.


IV – É agora altura de abordar as questões suscitadas.


Do critério a usar para o cálculo do valor do solo expropriado:

Perante os factos provados, nomeadamente os descritos sob os nºs, 9, 10 e 17 e o que dispõe o art. 25º, nº 3, não merece dúvidas e é incontroverso entre as partes o acerto da qualificação que nos autos vem sendo feita do prédio expropriado, como solo apto para outros fins.

A dissensão entre as partes tem a ver essencialmente com a questão de saber qual, dentre os dois critérios estabelecidos no art. 27º, nºs 1 e 3, pode e deve ser usado para cálculo do valor solo expropriado.

Este preceito legal dispõe o seguinte:

1. O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.

2. Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.

3. Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n°1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”.

No nº 1 do preceito, à semelhança do que acontece no nº 2 do art. 26º - que trata do valor do solo apto para a construção – institui-se, como critério preferencial a adotar no cálculo do valor do solo apto para outros fins, o resultante da média aritmética anual dos preços de aquisição – ou de avaliações fiscais que corrijam os valores declarados – nos três anos, de entre os últimos cinco, com média mais alta, de prédios, sitos na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes, com caraterísticas idênticas às do prédio expropriado, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.


E para tornar exequível o funcionamento desta regra, o nº 2 da norma impõe aos serviços competentes do Ministério das Finanças que, mediante solicitação da entidade expropriante, enviem a lista das transações e, bem assim, das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na zona e os respetivos valores.

Logo prevenindo a hipótese de, por falta de elementos, não ser possível a aplicação daquele critério erigido como principal, o legislador fez constar no nº 3 do preceito, que, nessa hipótese, o cálculo se faria tendo em consideração o rendimento efetivo ou possível do prédio no estado em que se encontrava à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influenciar o respetivo cálculo.

E a falta de elementos comparativos que, nos termos da lei, poderá obstar à aplicação do critério preferencial – que vem sendo denominado como comparativo ou fiscal –, tanto pode resultar da sua inexistência pura e simples, como consistir na sua insuficiência em termos de não permitirem estabelecer uma qualquer relação de identidade entre os prédios que serviriam de comparação e o prédio a comparar - o expropriado.

À primeira das hipóteses figuradas reconduz-se a omissão, verificada nos autos, quanto aos elementos fiscais atinentes aos prédios transacionados na freguesia do prédio expropriado – ….

Consta do facto nº 20: “O serviço de finanças … (…) informou não existirem listas das transações, e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na zona.”

A média anual mais alta que servirá de referência para cálculo do valor do solo respeita não só às transações feitas nas freguesias limítrofes, como também às realizadas na freguesia onde se situa o prédio expropriado, como expressamente se diz no nº 1 do art. 27º; e isto compreensivelmente, pois o valor de comercialização de prédio com idênticas caraterísticas sito na mesma freguesia do prédio expropriado terá, por comparação com o de outro transacionado no mesmo período mas sito em freguesia limítrofe da do solo expropriado, uma viabilidade acrescida de reproduzir o valor de mercado deste.

Assim, deve-se certamente a lapso a afirmação feita no acórdão recorrido, segundo a qual “(...) da tramitação dos presentes autos, constata-se que os Serviços de Finanças forneceram aos peritos uma listagem de transacções de prédios rústicos na freguesia das parcelas expropriadas (…)” e, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a apontada falta de elementos inviabilizaria, por si só, o recurso ao critério estabelecido no nº 1 do art. 27º.

Por outro lado, resulta do facto nº 19 que “O Serviço de Finanças de Loulé 1 remeteu listagens relativas às freguesias de …, …, …, e …, com informação do apuramento da média aritmética de € 15,95 do preço por m2, para os melhores três anos do quinquénio de 2000 a 2004 relativa aos terrenos aptos para outros fins que não a construção que, tendo sido avaliados ou inscritos na matriz nesse período também foram objeto de transmissão.

Mas as listagens a que neste facto se alude, constantes de fls. 593 a 600 - e referentes às freguesias limítrofes da freguesia de …, ou seja, …, …, … e … – são absolutamente omissas quanto às caraterísticas dos prédios envolvidos, exceto no que toca à sua área e respetiva natureza, sendo uns indicados como rústicos e outros como urbanos.

O seu conteúdo não permite que, de modo fundado, se estabeleça qualquer relação de comparabilidade entre o prédio expropriado e os referenciados nas listas fornecidas por serem idênticas as respetivas caraterísticas, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.

Daí que, certeiramente, os Srs. Peritos, no seu Relatório Colegial de Avaliação de fls. 703 e segs., tenham feito constar o seguinte:

(…) Ora os peritos sabem, por experiência de muitos anos, que neste tipo território é impossível utilizar o método comparativo. Já o tentaram diversas vezes sem sucesso. (…) Agora na sua presença (dos elementos fornecidos pelas Finanças) verificam mais uma vez a mesma impossibilidade. As listagens fornecidas referem-se na sua maioria a prédios classificados como rústicos, apesar de incluírem alguns urbanos. No entanto não há qualquer outra referência para além da área. Parte destes prédios rústicos poderão estar dentro de perímetros urbanos, outros poderão ter capacidades construtivas, outros (caso em apreço de RAN) poderão estar interditos a construção, mas em certos casos tal ser ultrapassável, e outros ainda pura e simplesmente (por exemplo se estiverem na REN) não terão qualquer possibilidade edificativa capacidade. São quatro categorias diferentes que não conseguimos identificar nas listagens. Mas mesmo que quiséssemos aprofundar, desde logo se verifica ser impossível a comparação. Não se podem, sem cair na completa aleatoriedade, fazer médias de valores unitários de um cêntimo com 99,13€. Ou seja tirar médias entre valores que podem variar 9913 vezes.

Por outro lado, (…), os rústicos fora de perímetros urbanos podem por vezes ter apenas uma construção (licenciável diretamente ou utilizando por vezes com sucesso uma sucessão de excepções, como poderá ser o caso do presente), razão da sua valorização. Mas como tal área pode ser pouco importante, uma vez que a edificabilidade praticamente não sobe (varia entre 250 m2 e máximo de 400 m2 que se atinge com 2000m2 de terreno), pelo que o valor por m2 cai com o aumento da área. Em geral consultando as listagens isto é visível, uma vez que há terrenos com 200 m2, 500m2, 1000m2, com preços mais elevado, sendo que a partir de 5.000 m2 os preços caem bastante. Poder-se-ia tentar comparar apenas os de áreas da mesma ordem, mas mesmo aí a dispersão continua. Para terrenos entre 5.000m2 e 7.000 m2, os valores encontrados são de 3,6€/m2, 0,39€/m2, 1,76/m2, 1,3€/m2, 0,91€/m2, 4,8€/m2, 2,24€/m2, 99,13€/m2, 0,04€/m2 e 0,15€/m2. Como se vê a amostra é pouca e discrepante. Uma média simples seria de 11,432€/m2. Mas se retirarmos o mais alto e mais baixo (o mais alto muito atípico, ditado certamente por circunstâncias execpcionais que desconhecemos) a média seria de 1,89€/m2. Isto obviamente só pode ocorrer por estarmos a comparar coisas incomparáveis. A ser aplicável este método, o valor apurado por m2 incluiria tanto a parte agrícola como a capacidade edificativa, sendo calculado apenas um valor.

Esta pormenorizada explicitação do valor e alcance que podem ser atribuídos aos elementos fornecidos pelos Serviços de Finanças, feita por técnicos habilitados e com larga experiência na matéria, cujos conhecimentos e credibilidade estão acima de qualquer suspeita, revela à saciedade a impossibilidade de, em obediência ao imposto pelo nº 1 do art. 27º, se recorrer ao método comparativo para calcular o valor do solo expropriado; isto ainda que para o efeito a lei não exigisse também a consideração dos elementos fiscais respeitantes às transações ou avaliações fiscais corretoras dos valores declarados, realizadas na freguesia do prédio expropriado, no caso, inexistentes.

Daí que, sempre com ressalva do respeito que nos merece opinião diversa, se não acompanhe o acórdão recorrido quando nele se afirma “(…) que, na avaliação da parcela expropriada, os peritos indicados pelo tribunal utilizaram um critério “legalmente inadmissível”, afirmação que aí foi fundada no entendimento de que, perante o critério fixado prioritariamente na lei e os elementos fornecidos pela Autoridade Tributária a fls. 592, deviam antes ter seguido o critério fiscal.

Tais elementos eram manifestamente insuficientes para recorrer a tal critério, pelos que o uso, feito pelos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal, do critério subsidiário instituído no nº 3 do art. 27º se mostra em perfeita sintonia com a lei, sendo o único de que, no caso, se pode lançar mão.

Referindo-se ao funcionamento de regra semelhante estabelecida no nº 2 do art. 26º, e antevendo as dificuldades que na prática vieram a verificar-se, escreve, esclarecidamente, Salvador da Costa[5](…) de cálculo só pode funcionar adequadamente se os árbitros e os peritos tiverem acesso aos referidos elementos fiscais, se estes forem completos, incluindo a área, o volume da construção e o valor unitário do solo, e se as avaliações fiscais forem idóneas à correção das declarações de preço das transacções.

(…)

Conforme decorre do exposto, este critério de avaliação é susceptível de não poder funcionar em determinados casos concretos, por virtude da falta de elementos de facto para o efeito, caso em que importa aplicar o critério subsidiário enunciado no nº 4 deste artigo.

Também Alípio Guedes[6] refere ter-se confirmado a sua previsão de que raras vezes seriam aplicadas as regras dos arts. 26º, nºs 2 e 3 e 27º, nºs 1 e 2.

E no mesmo sentido vai Pedro Elias da Costa, como faz notar Salvador da Costa.[7]

Conclui-se, pois, que, por insuficiência dos elementos aludidos no nº 2 do art. 27º, não é possível aplicar o critério fiscal, sendo caso de recorrer ao critério subsidiário estabelecido no nº 3 do mesmo, como é, aliás, imposição deste.



Do valor da indemnização devida:

Na definição de Marcelo Caetano[8] a expropriação “é a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória”.

A todos garantindo, no nº 1 do seu art. 62º, o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, a Constituição da República Portuguesa, em consequência necessária, logo dispõe no nº 2 do mesmo preceito que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

A densificação do que seja a “justa indemnização” a atribuir ao expropriado é tarefa cometida à lei ordinária, constando do art. 23º, nº 1 que esta não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração da utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

Na mesma linha, o art. 1310º do C. Civil estabelece que havendo expropriação por utilidade pública ou particular, é sempre devida ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afetados o pagamento de indemnização adequada.

Sendo a indemnização a medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo proprietário ou titular de outros direitos reais afetados pela expropriação, não pode deixar de atender-se ao valor de mercado que o solo expropriado tinha na altura da declaração da utilidade pública daquela.

Esta indemnização, como vem entendendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional[9], só será justa se ressarcir o expropriado do dano efetivamente sofrido; daí que não deva ser de montante tão reduzido que a torne meramente simbólica, nem ser de valor que seja determinado por fatores especulativos ou de outra ordem e ponha em causa a equivalência que deve existir entre o prejuízo decorrente da expropriação e o seu ressarcimento.

…. A indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto. Na verdade, este critério permite um tratamento igual ao do proprietário que um terreno expropriado em face de outro proprietário de um terreno contíguo ou vizinho não expropriado (…)[10]

É exatamente a um resultado deste tipo que devem conduzir os fatores de cálculo enunciados na lei, nomeadamente no art. 27º, visto serem os que habitualmente definem o valor de mercado dos solos tidos como aptos para outros fins.

Mas se vier a concluir-se que o uso dos critérios referenciais constantes dos arts. 26º e 27º não conduz ao valor de mercado do solo expropriado, porque só este será a medida adequada da indemnização a arbitrar, manda o nº 5 do art. 23º[11] que se atenda a outros critérios de avaliação de sorte a que seja possível alcançar aquele valor. [12]

Revelando-se incapazes de atingir o fim a que se propunham – a obtenção de um valor que corresponda ao valor real e corrente dos bens –, será caso de substituir esses critérios referenciais, enquanto instrumentos para alcançar aquele fim, por outros que se mostrem capazes de o alcançar.[13]

Foi isto que os Srs. Peritos nomeados pelo tribunal fizeram ao proporem no relatório pericial que elaboraram o que está descrito sob o nº 23 dos factos provados.

Da aplicação destes critérios legais – ou melhor, do critério legal pelo qual se deverá optar face ao circunstancialismo de facto apurado – resultará a fixação do valor indemnizatório a atribuir.

É uso, ainda, afirmar-se na nossa jurisprudência o entendimento segundo o qual, estando-se, como se está, no âmbito de matéria para a qual o julgador carece de adequados conhecimentos técnicos, na fixação do montante indemnizatório é de atribuir particular relevo ao laudo pericial, com especial destaque para o emitido pelos peritos designados pelo tribunal, dada a sua particular isenção; apenas em casos excecionais, como será o de uso, por parte destes, de critério ilegal no cálculo da indemnização, deverá o tribunal deixar de acompanhar a posição assumida por estes técnicos, impondo-se, nesse caso, que proceda à especificação dos motivos que o levaram a desconsiderar a posição destes técnicos.

Importa, porém, dizer que o referido entendimento não é ditado pela lei, sendo antes, e só, um critério a seguir pelas instâncias na apreciação da prova produzida e na subsequente fixação da factualidade provada.

Atentando agora na matéria que vem descrita como provada, constata-se que os pontos aí enunciados sob os nºs 21 a 25 não são, em rigor, factos julgados como provados; são antes a transcrição de relatório pericial, que tem a natureza de meio de prova e cujo conteúdo deve ser ponderado pelas instâncias no apuramento dos autênticos factos, nomeadamente para determinar o valor de mercado a atribuir ao bem expropriado.

Desse relatório consta matéria eminentemente relevante, designadamente do que é referido sob o “facto nº 23”, na parte em que alude ao “prejuízo causado à edificabilidade possível no terreno em causa”, cuja consideração levou a que fosse proposta pelos Srs. Peritos a fixação do valor indemnizatório em € 23.109,45 –, o que, naturalmente, pressuporá a demonstração de que é esse o valor de mercado do solo expropriado.

Da factualidade que este STJ pode considerar nada consta, porém, a esse respeito, sendo certo que – repete-se – compete às instâncias, no julgamento da matéria de facto, averiguar se essa eventual edificabilidade existe e, em caso afirmativo, qual é o correspondente valor de mercado, valor de mercado que deve, em qualquer circunstância, ser apurado, para o que não basta proceder à descrição do conteúdo de relatório pericial.

Não podendo conhecer da matéria de facto, está este tribunal impedido de, substituindo-se às instâncias, optar por um dos dois valores propostos pelos Srs. Peritos como valores de mercado passíveis de serem atribuídos ao solo expropriado - € 9.725,45 ou € 23.109,45 – e, na sequência disso, fixar a indemnização devida.

Constata-se, pois, um insuficiente apuramento dos factos provados, devendo proceder-se à sua ampliação ao abrigo do nº 3, 1ª parte, do art. 682º do CPC.



V - Pelo exposto, julga-se a revista parcialmente procedente e revoga-se o acórdão recorrido, determinando-se que os autos baixem à 2ª instância para que aí se proceda – desde já ou, se necessário, através de diligências a solicitar à 1ª instância – à ampliação da matéria de facto com vista à determinação do valor de mercado do bem expropriado e da eventual edificabilidade possível no mesmo.

Custas conforme o que a final for fixado.

Lisboa, 2.05.2019


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relator)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

____________

[1] Aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de setembro, diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência.
[2] Cfr. Acórdãos do STJ, de 20.07.2017 (processo nº 755/13.2TVLSB.L1.S1-A), acessível em www.dgsi.pt; de 25.05.2017 (processo nº 1738/04.PTBO.P1.S1-A); 28.01.2016 (processo nº 291/1995.L1.S1); de 13.10.2016 (processo nº 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A); de 26.05.2015 (processo nº 227/07.OTBOFR.C2-S1-A); de 20.3.2014 (processo nº 1933/09.4TBPFR.P1.S1), todos com sumário em www.stj.pt); e de 4.07.2013 (processo nº 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A), acessível em www.dgsi.pt.
[3] Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed., págs. 61 e 62. E, entre outros, os acórdãos deste STJ de 11.11.14, Proc. nº 524/14,  de 11.02.2015, proc. 9088/05 e de 20.05.2015, proc. 321/12, todos acessíveis em www.dgsi.pt e referidos na mesma obra, a págs. 59, nota de rodapé 85 
[4] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, págs. 384-386
[5] Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina, 2010, pág.178
[6] “Valorização de Bens Expropriados”, 3ª edição renovada, pág. 102.
[7] Obra citada pág. 178, nota de rodapé nº 181
[8] Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª edição, pág. 1020.
[9] É o que consta do acórdão nº 20/2000, de 11 de janeiro de 2000, acessível em www.dgsi.pt, onde se cita, neste sentido, Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533).
Cfr., também o acórdão nº 496/07, de 25.09.2007
[10] Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 546 e segs., citado por Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, 2ª edição – 2000, pág. 88.
[11] Com o seguinte teor: “Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculados de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
[12] Cfr., a propósito, Salvador da Costa, obra citada, pág. 152 e 153, Alípio Guedes, obra citada, pág. 89 e Perestrelo de Oliveira, obra citada, pág. 89.
[13] Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, pág. 258