Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3049/15.5T8STB-B.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
TOMADOR
BENEFICIÁRIOS
CONTRATO DE MÚTUO
PRÉMIO DE SEGURO
PAGAMENTO
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / ABUSO DE DIREITO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESOLUÇÃO DO CONTRATO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª Edição, p. 536;
- Fernando Cunha e Sá, Abuso do Direito, p. 640.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º, 432.º, N.º 1, 436.º, N.º 1, 762.º, N.º 2 E 808.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 729.º E 731.º.
DL N.º 176/95, DE 26 DE JULHO.
DL N.º 142/00, DE 15 DE JULHO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 31-01-2007, PROCESSO N.º 4485/06, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-11-2011, PROCESSO N.º 1947/07.9TBAMT-B.PL.SL, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-06-2015, PROCESSO N.º 109/13.0TBMLD.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-06-2015, PROCESSO N.º 1331/10.7TBABF.S1, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 27-10-2015, PROCESSO N.º 243/11.1TBPNI.C1.S1, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 03-11-2016, PROCESSO N.º 3248/09.9TBVCD.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-11-2016, PROCESSO N.º 3248/09.9TBVCD.S1;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 1724/11.2TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-02-2018, PROCESSO N.º 10942/14.0T8LSB.L1.S2.
Sumário :

I. No contrato de seguro do ramo vida, sendo aderentes os mutuários de financiamento bancário para aquisição de casa própria, a resolução do contrato pela seguradora, por alegado incumprimento do pagamento dos prémios do seguro, deve ser comunicada a ambos os cônjuges.

II. Sendo tal contrato de seguro resolvido apenas quanto a um dos cônjuges, entretanto falecido por doença incapacitante que despoletaria o accionamento do contrato de seguro pelo banco mutuante tomador e beneficiário do seguro, a quem o risco fora comunicado, pode ser invocada pelo cônjuge sobrevivo, como executado, a validade desse contrato, por não ter sido validamente resolvido, mesmo existindo mora quanto ao pagamento do prémio do seguro.

III. Sendo o banco mutuante – ora exequente – o beneficiário e tomador do seguro que garantia o pagamento do capital em dívida pelos mutuários e aderentes do seguro de vida junto da mesma seguradora, não age de boa fé, actuando com abuso do direito, por o seguro de vida ser também garantia dos devedores, se sabendo da verificação do risco que despoletaria o seu direito a exigir o pagamento da dívida da sua seguradora, não exerce prontamente esse direito e executa o cônjuge sobrevivo, alegando falta de pagamento do prémio do seguro de vida.  

Decisão Texto Integral:
Proc.3049/15.5T8STB-B.E1.S1

R-691[1]   

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA deduziu oposição à Execução sumária para Pagamento de Quantia Certa pendente na Comarca de Setúbal – Instância Central – Secção de Execução – J2 que, pelo valor de € 140.980,45, a exequente BB S.A. lhe moveu, com base em escritura de mútuo com hipoteca, em que invocou a subscrição de um contrato de seguro de vida, garantindo o pagamento do capital em dívida em caso de morte ou invalidez absoluta e permanente do segurado.

Mais alegou que, ao executado CC foi atribuída uma incapacidade permanente global de 95% em 31.10.2011, o que este comunicou à BB e à Seguradora DD, vindo a falecer em 13.02.2014, tendo a oponente dado conhecimento da sua morte à BB, mas nem a Exequente nem a Seguradora accionaram o seguro.

Pede a absolvição do pedido e a condenação da BB a reembolsar as quantias ainda assim pagas.

A Exequente contestou, alegando, em síntese, que já em Março de 2011 e Dezembro de 2009 estava em incumprimento o pagamento das prestações de mútuos contratados e já nessa altura estava cancelado/anulado por falta de pagamento o prémio de seguro cujo cancelamento ocorreu em 30.06.2010.


***

Em 31.05.2017 foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução, extinguindo a execução.


***

Inconformada, recorreu a BB S.A., para o Tribunal da Relação de Évora que, por Acórdão de 24.5.2018 – fls. 98 a 114 -, julgou procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogou a decisão recorrida, julgando improcedente a oposição à execução.


***


Inconformada a executada/opoente, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

A – Nos termos do art. 1º do referido Dec-Lei 176/95, “seguro de grupo” é o seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo de interesse comum [al. g)]. “Seguro de grupo contributivo” é o seguro de grupo em que os segurados contribuem no todo ou em parte para o pagamento do prémio [al. h)]. Por sua vez o “tomador do seguro” é a entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio, o “segurado” é a pessoa no interesse da qual o contrato é celebrado ou a pessoa (pessoa segura) cuja vida, saúde ou integridade física se segura [als. b) e c)].

B – Neste contrato de seguro figuram, como tomador do seguro e Beneficiária Interventor, a BB, S.A. e, como segurados (principal) CC e a Opoente/Executada.

C – O regime legal aplicável é o do Decreto-lei n° 176/95 de 26 de Julho (que veio definir regras de transparência na actividade seguradora), pois está em causa a subsistência do contrato de seguro a partir de Março de 2005, quando, ainda não estava em vigor o actual Decreto-lei nº72/2008 de 16 de Abril, que veio reformar o regime jurídico do contrato de seguro.

D – Sucede porém, que o regime de resolução “automática” dos contratos de seguro por falta de pagamento de prémios, que veio a constituir grosso modo o sistema que o Decreto-Lei n.º142/00, de 15 de Julho, veio inaugurar para a generalidade dos seguros (art° 8º, nº1), não é aplicável ao caso concreto, pois que tal regime exceptua, expressamente da sua aplicação, entre outros, o ramo “Vida” (art. 1º, nºs 1 e 2), em que se integra o contrato em apreço.

E – “Tendo ambos os cônjuges, casados segundo o regime supletivo de comunhão de adquiridos, celebrado um contrato de seguro de vida associado a um crédito hipotecário para aquisição da sua habitação, a comunicação da resolução contratual pela Companhia Seguradora, por inadimplemento do pagamento do prémio de seguro, tem de ser feita directamente a cada um dos cônjuges, não podendo ter-se o contrato por legalmente resolvido se a comunicação de rescisão foi apenas dirigida ao cônjuge marido.” (Sumário do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2007, P. 06A4485 in www.dgsi.pt)

F – Por falta de prova de resolução contratual válida não pode deixar de se considerar que a apólice se manteve em vigor, apesar do não pagamento dos prémios, tendo-se por subsistente o contrato de seguro vida celebrado com os Executados e eficaz a participação do sinistro (morte) parte Opoente/Executada, respeitante ao falecimento do segurado principal, seu marido.

G – No caso dos autos o tomador do seguro é o Banco exequente/BB, sendo para ele que reverte a prestação a que a seguradora se vincula por força do contrato e os segurados são os mutuários, cuja vida, saúde e integridade física se segurou.

H – A verdade é que todos os documentos que dizem respeito ao contrato de seguro celebrado com a Companhia de Seguros DD, S.A., contrato de seguro ..., apólice …, bem como as cartas enviadas ao Segurado/Executado, foram juntas pela Exequente, BB, na qualidade de Beneficiário Interventor, (vide Docs. juntos pela Exequente)

I – E mais, de acordo com a aludida apólice de seguro ramo vida com o nº...é a BB, ora recorrida, a única beneficiária das garantias conferidas pelo referido contrato de seguro de vida. (vide artigo 5° das Condições Particulares da Apólice n° ...– fls.)

J – Assim e uma vez que a recorrida BB é a única beneficiária das garantias conferidas pelo contrato de seguro de vida, nada a impede de reclamar tais valores, apesar de ter tido oportunidade de chamar à demanda a Companhia de Seguros DD e de não o ter feito.

L – Mantendo-se o contrato seguro-vida válido a Executada/Opoente não deve suportar as respectivas consequências, pois transferindo-se para a seguradora a responsabilidade pelo saldo em dívida à entidade mutuante, como beneficiária do seguro, no âmbito do contrato do mútuo hipotecário, por morte do mutuário, que apresentava como um risco coberto pelo seguro, à data da sua ocorrência, a Opoente/Executada já não é responsável pelo pagamento da quantia mutuada, mas antes a seguradora (nos termos do disposto pelo art. 458º, “a contrario” do Código Comercial, aplicável).

VI – Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Colendos Juízes Conselheiros certamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora substituindo-o por outro que declare procedente a oposição à execução, extinguindo-se a execução.

A recorrida BB contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.


***


Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 11.03.2005 a Exequente e os Executados outorgaram a escritura pública de que foi junta ao requerimento executivo cópia de certidão, denominada “Compra e venda, mútuo com hipoteca”, na qual a primeira declarou conceder aos segundos um empréstimo nº… no valor de € 90.000,00 (noventa mil euros), a reembolsar em prestações mensais e sucessivas de capital e juros, para a aquisição de habitação própria e permanente, do qual estes se confessaram solidariamente devedores (cfr. documento junto com o requerimento executivo cujo teor se dá por reproduzido);

2. Para garantia do empréstimo e demais encargos estipulados na referida escritura, foi constituída hipoteca sobre o imóvel adquirido pelos executados, o prédio urbano sito em ..., no concelho de ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o n.º …, daquela freguesia e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º … (cfr. cópia da certidão permanente, na execução, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

3. No dia 11.03.2005 a Exequente e os Executados outorgaram ainda a escritura pública de que foi junta ao requerimento executivo cópia de certidão, denominada “Mútuo com hipoteca”, na qual a primeira declarou conceder aos segundos um empréstimo nº … no valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a reembolsar em prestações mensais e sucessivas de capital e juros, do qual estes se confessaram solidariamente devedores (cfr. documento junto com o requerimento executivo cujo teor se dá por reproduzido);

4. Para garantia do empréstimo e demais encargos estipulados na referida escritura, foi constituída hipoteca sobre o mesmo imóvel, prédio urbano sito em …, no concelho de ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o n.º …, daquela freguesia e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º … (cfr. cópia da certidão permanente na execução, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

5. Os Executados não pagaram as prestações vencidas a partir de 11.03.2011 no que respeita ao empréstimo nº … e a partir de 11.12.2009 no que respeita ao empréstimo nº…respectivamente.

6. O Executado/Mutuário CC como pessoa segura principal e a Opoente/Executada como pessoa segura relacionada celebraram com a Companhia de Seguros DD, S.A. um Contrato de Seguro ..., Apólice …, com as seguintes coberturas e destinado a garantir o pagamento dos empréstimos referidos em 1. e 3. dos factos assentes à beneficiária/Exequente em caso de morte, invalidez total e permanente por acidente, invalidez absoluta e definitiva por doença.

  7. Consta das condições particulares da apólice nº...artigo 6º, 2 e 3, o seguinte: A periodicidade de pagamento do prémio é mensal e o pagamento dos prémios é da responsabilidade das pessoas seguras.

8. Nos termos das Condições Gerais da respectiva Apólice:

“Artigo 7º - Prémio

(...)

3. Na falta de pagamento dum prémio nos trinta dias seguintes à data do respectivo vencimento, a Seguradora avisará o Tomador de Seguro por carta registada dirigida ao seu domicílio para proceder ao seu pagamento no prazo de oito dias a contar do registo dessa carta:

Decorrido esse prazo, sem que o Tomador de Seguro tenha efectuado o pagamento, a Seguradora procederá de acordo com o estabelecido nas Condições Especiais”.

9. A Executada/Opoente comunicou à Exequente a atribuição a partir de Junho de 2011 de uma IPGlobal de 95% ao Executado/Mutuário CC.

10. A Executada/Opoente participou à Exequente o falecimento do Executado CC em 13.02.2014.

11. A partir de 01.03.2010, os Executados deixaram de efectuar o pagamento dos prémios do ….

12. Por carta datada de 18.05.2010 enviada pela Seguradora ao Segurado/Executado CC e que este recebeu, aquela comunicou a falta de cobrança dos prémios de seguro em dívida e interpelou-o para o pagamento dos mesmos no prazo de 30 dias sob pena de anulação do contrato de seguro em 17.06.2010.

13. Por carta datada de 18.06.2010 enviada pela Seguradora à Exequente e que esta recebeu, aquela comunicou a falta de cobrança dos prémios de seguro em dívida pelo Segurado/Executado e anulação do contrato de seguro no prazo de 15 dias.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do seguro – afora as questões de conhecimento oficioso –, importa saber se o seguro do ramo vida de que a executada, com o seu falecido marido eram aderentes, contrato celebrado em 2005, no contexto do contrato de mútuo hipotecário para aquisição de casa própria, celebrado com a exequente, sendo tomadora e beneficiária do seguro a BB exequente, e seguradora a DD, foi válida e eficazmente resolvido pela seguradora e, por esse facto, não estando em vigor o contrato de seguro, e tendo ocorrido a morte do co-segurado marido, compete a executada o pagamento peticionado, sem que possa invocar a valide de tal contrato, por também quanto a ela ter sido resolvido por falta de pagamento de prémios do seguro.

Como é da prática bancária, em contratos de mútuo para aquisição de casa própria, o mutuante, (sendo mutuários a executada e o seu marido já falecido), rodeou-se de garantias para protecção do crédito concedido: no caso duas hipotecas sobre o imóvel, impondo ainda a celebração de contratos de seguro de vida, cobrindo, além do mais, o risco morte e incapacidade dos mutuários.

A Recorrida BB executou a ora recorrente por considerar que os contratos de seguro que tiveram início na data das escrituras dos empréstimos – 11.3.2015 – foram resolvidos por falta de pagamento de prémios, mesmo antes de ter sido comunicada a grave doença de que veio a falecer o segurado CC, diagnosticado, em Junho de 2011, com “adenocarcinoma do recto, com metastização hepática e metastização pulmonar”.

No dia 31.10.2011, foi-lhe realizado exame médico, do qual resultou que era portador de deficiência que lhe conferia uma incapacidade permanente global de 95% com efeitos desde Junho de 2011.

Consta provado que, a partir de 1.3.2010, a executada e o marido não procederam ao pagamento dos prémios do seguro de vida.

Provado, também, que, por carta datada de 18.05.2010, enviada pela Seguradora ao Segurado/Executado CC, e que este recebeu, aquela comunicou a falta de cobrança dos prémios de seguro em dívida e interpelou-o para o pagamento dos mesmos, no prazo de 30, dias sob pena de anulação do contrato de seguro em 17.06.2010.

 Provou-se, igualmente, que por carta datada de 18.06.2010, enviada pela Seguradora à Exequente e que esta recebeu, aquela comunicou a falta de cobrança dos prémios de seguro em dívida pelo Segurado/Executado e a anulação do contrato de seguro no prazo de 15 dias.

Tendo em conta a data da celebração do contrato em apreço, é aplicável o regime jurídico decorrente do DL. 176/95, de 26.7 cujo propósito foi introduzir regras de transparência[2] na actividade seguradora.

Sem embargo de o contrato de seguro se reger pela apólice e pelas condições gerais e especiais que do contrato constam, de crucial importância para protecção dos segurados o art. 18º, nº1, do citado diploma impor, no caso de resolução do contrato, a comunicação por escrito por uma das partes à outra, com antecedência mínima de 30 dias, a data da resolução.

Essa comunicação foi feita pela seguradora DD dirigida ao segurado/aderente CC. A mora quanto ao pagamento do prémio não implicava, automaticamente, no seguro de vida, a resolução do contrato. Haveria a mora de ter sido convertida em incumprimento definitivo pela via da interpelação admonitória – art. 808º do Código Civil – e não foi.

A resolução automática ligada à mora, no que respeita ao pagamento do prémio do seguro, que foi introduzida pelo DL. 142/00, de 15.7, excepcionou do seu regime os seguros do ramo vida (art. 1º nºs 1 e 2).

Admitindo que a carta endereçada a CC tinha tido eficácia resolutiva – arts. 432º, nº1, e 436º, nº1, do Código Civil – e não teve, cumpre indagar se, no caso de ter tido eficácia resolutiva, qual a sua repercussão em relação à executada sua mulher, assim como quais as repercussões da mora quanto ao pagamento dos prémios.

Para que a resolução com o fundamento no não pagamento dos prémios do contrato de seguro pudesse despoletar a resolução do contrato, sendo a resolução contratual a destruição retroactiva activa dos seus efeitos, baseada no incumprimento definitivo, e sendo uma declaração receptícia – art. 436º, nº1, do Código Civil – não bastava que, sendo partes aderentes do contrato de seguro do ramo vida duas pessoas casadas entre si – a comunicação da resolução, feita apenas a um dos cônjuges, surtisse a sua eficácia em relação ao outro.

Não se pode sequer admitir que sendo o mesmo o domicílio uma carta dirigida a um dos cônjuges fosse, necessariamente, do conhecimento do outro. Era imprescindível que a comunicação se fizesse às partes contratuais, destinatárias da declaração resolutiva, com as formalidades exigidas pelo contrato e pela lei.

“Não poder considerar-se validamente resolvido o contrato de seguro ramo vida celebrado no quadro de um contrato de mútuo para habitação, não obstante se verificar a falta de pagamento de prémio por banda do segurado, se a seguradora não comunicar/avisar também o tomador do seguro dessa falta de pagamento do prémio” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.12.2016 – Proc. 1724/11.2TVLSB.L1.S1 – in www.dgsi.pt

No caso dos autos, tal comunicação à ora Recorrente, como parte no contrato de seguro, juntamente com o seu marido, era indispensável para que resolução contratual operasse quanto a si.

“É neste sentido que se firmou a jurisprudência deste Supremo Tribunal relativa à resolução do contrato de seguro de vida conexo com o contrato de mútuo bancário tendo como aderentes ambos os cônjuges, tendo vindo a exigir (mesmo na vigência do DL. nº176/95, de 26 de Julho) que a declaração de resolução enquanto declaração receptícia (art. 436º, nº1 do C. Civil) seja dirigida a ambos os segurados, não bastando que a declaração de resolução seja dirigida a um dos cônjuges segurados para que o outro cônjuge se considere automaticamente notificado” – também assim o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.2.2018 – Proc. 10942/14.0T8LSB.L1.S2, e os Acórdãos deste Tribunal, de 31.01.2007 (Proc. nº 4485/06) www.dgsi.pt; de 25.06.2015 (Proc.1331/10.7TBABF.S1), in www.sumários.stj.pt; de 27.10.2015 (Proc. nº243/11.1TBPNI.C1.S1), in www.sumários.stj.pt; de 03.11.2016 (Proc. nº 3248/09.9TBVCD.S1); de 14.12.2016 (Proc. nº 1724/11.2TVLSB.L1.S1), estes in www.dgsi.pt. (citados no aresto de 22.2.2018).

“Tendo a carta de resolução do contrato de seguro sido apenas endereçada ao cônjuge marido, entretanto falecido, e não à autora, cônjuge mulher e co-segurada no contrato de seguro, deve a declaração de resolução ser considerada inválida e ineficaz em relação à mesma.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2016 – Proc. 3248/09.9TBVCD.S1 – acessível naquela base de dados.

Assim, e não obstante o não pagamento dos prémios, a apólice estava em vigor por não ter sido validamente resolvido o contrato de seguro do ramo vida.

A seguradora DD não é parte no processo mas esse facto não posterga o direito da executada invocar, como sua defesa, as relações contratuais que a envolvem: ademais, sendo a relação contratual complexa (triangular) – Banco - Seguradora e segurados aderentes do seguro de vida.

O art. 731º do Código de Processo Civil não exclui que, nos casos em que o título executivo não é não é uma sentença, nem requerimento de injunção, constituam fundamentos da oposição além dos constantes do art. 729º, quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração[3].

Com o devido respeito, discordamos do Acórdão recorrido quando afirma, que “não faz sentido discutir nestes autos de oposição, sem a presença da seguradora, a validade do seguro”. O banco exequente, e só ele, é que pode obter o pagamento da seguradora do capital devido, é quem invoca as vicissitudes do contrato com os segurados do seguro de vida, e a resolução do contrato de seguro pela seguradora, cujos efeitos apenas lhe aproveitam como exequente.

Importa não perder de vista, como a jurisprudência tem assinalado, que a exigência da celebração de seguros de vida, nos contratos de financiamento à habitação, coenvolve uma relação empresarial em que, por regra, a seguradora é indicada pelo Banco mutuante, sendo este tomador e beneficiário do seguro, sendo a apólice acordada entre eles e, naturalmente, conforme aos interesses dessa equação económico-empresarial; os mutuários são meros aderentes ao seguro de vida de grupo (contributivo), e como no caso, sendo o contrato de adesão, sem nenhuma influência negocial.

Não deve negligenciar-se que, a partir do momento em que se dá a adesão, constitui-se uma relação trilateral: tomador do seguro, seguradora e aderente, sendo que este é aquele cuja posição contratual, porque mais fraca, não se coloca no mesmo patamar daqueloutros.

Não se pode esquecer que, tratando-se de uma relação negocial complexa, imposta pelo interesse contratual do banco mutuante e da seguradora que, normalmente lhe está associada em ostensiva sinergia económica[4], o aderente fica entre dois colossos: não tem, até como consumidor do produto contrato de seguro, meios de defesa eficazes.

Ainda no contexto negocial de patente desigualdade negocial, rodeando-se o Banco mutuante de garantais do seu crédito – no caso duas hipotecas e seguro de vida – impostos ao dois mutuários – a sua obrigação de actuar de boa – fé – art. 762º, nº2, do Código Civil – deve estar com mais rigor presente.

As regras de conduta, postuladas por actuação leal, prudente e que contemple os interesses das partes, é apanágio dos contratos em que as partes negoceiam em plano de igualdade; tais regras, devem ser exigidas e acolhidas em contratos em que uma igualdade substancial não existe, ou esteja, atenuada.

Como ensina Antunes Varela, o conceito de boa-fé, existente há séculos, não conhece matizes, é uma regra civilizacional no mundo jurídico, um padrão ético inspirador da confiança, norteado por critérios de lisura, lealdade e de protecção dos interesses contrapostos.

O seguro de vida, se é uma garantia exigida pelo credor bancário, também é uma garantia dos mutuários contra o infortúnio da doença, da morte ou de grandes incapacidades, que afectam a sua vida, mormente, o emprego e a solvabilidade, em caso de ocorrência de risco.

Daí que não actua de boa fé o Banco que, sabendo pelo seu segurador, da verificação do risco coberto pela apólice, no caso a gravíssima doença de que veio a falecer o mutuário, facto que lhe permitia desde logo exigir o capital segurado, não reclama prontamente da seguradora o pagamento da quantia objecto da garantia que o seguro de vida do mutuário, a quem foi atribuída a grande incapacidade por doença de que veio a falecer, para si representa.

Não é razoável afirmar, no contexto da já referida relação económica entre o banco e a seguradora, que só no caso de o Banco não obter da seguradora o não pagamento é que deve accionar/executar os segurados mutuários.

Não actua de boa fé o Banco que, sem ter demonstrado qualquer diligência (quando sabedor do direito que lhe assiste de poder accionar o seguro que lhe garante o reembolso da quantia mutuada ainda em dívida, por via da ocorrência do risco verificado em relação aos segurados do ramo vida), não acciona a sua seguradora, e antes instaura execução contra os mutuários, prescindindo de actuar prontamente a garantia.

Tal comportamento é abusivo do direito – art. 334º do Código Civil[5] – porque não só viola actuação conforme à regra boa fé, por atentar contra o equilíbrio e equidade contratuais, como não se coaduna com o fim económico e social do contrato de seguro de vida dos mutuários, funcionando este também como sua garantia, em caso de ocorrência do risco previsto na apólice: grandes riscos, como sejam a morte e severas e permanentes incapacidades por doença.

Pelo quanto se disse e também porque o comportamento do Exequente incorre em abuso do direito a sua pretensão sempre teria de ser desconsiderada.

Sumário – art. 663º,  nº7, do Código de Processo Civil

 Decisão:

Concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, com a inerente repristinação da sentença apelada, extinguindo-se a execução.

Custas aqui e nas Instâncias pela exequente/recorrida.

        Supremo Tribunal de Justiça, 11 de dezembro de 2018

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

_______________
[1] Relator – Fonseca Ramos
Ex. mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] Decorre do preâmbulo do diploma de 1995, que se “estabelece(m) regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, e aí se afirma: “A importância da informação do consumidor no novo quadro da actividade seguradora torna, porém, aconselhável que a regulamentação agora publicada contemple, desde já, certos aspectos do regime contratual que se encontram intimamente associados àquela informação”.                
No contexto da definição do regime jurídico do contrato de seguro de grupo, a protecção do consumidor era, já naquele diploma, preocupação do legislador.
[3] “Embora enxertada numa acção executiva, a oposição à execução traduz-se numa acção declaratória que tem por objectivo, no caso de o executado querer pôr em causa o direito de crédito invocado pelo exequente, a declaração da sua não existência, através da invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, com a amplitude de que disporia se estivesse a defender-se numa acção declarativa, caso a execução se não baseie em sentença. No contexto da execução, a oposição desempenha a função de contestação.” – (Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 3.11.2011, Proc. 1947/07.9TBAMT-B.Pl.Sl, in www.dgsi.pt 
[4] “O fenómeno designado por “bancassurance” traduz-se na ligação e colaboração entre os Bancos e as Companhias de Seguros, para o desenvolvimento de sinergias e economias de sistema, designadamente, na produção-comercialização de “produtos” concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam) ou “produtos” complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários) ” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 2.6.2015 – Proc. 109/13.0TBMLD.P1.S1 – in www.dgsi.pt
[5] Dispõe o art. 334º do Código Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

O instituto do abuso do direito visa obtemperar a situações em que a invocação ou exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça dominante.

Há abuso do direito, segundo a concepção objec­tiva aceite no artigo 334º sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social desse direito.

Não é necessária a consciência, por parte do agente, de se excederem com o exercício do direito os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito; basta que, objectivamente, se excedam tais limites”. – “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, pág. 536, Antunes Varela.

Como ensina Fernando Cunha e Sá, in “Abuso do Direito “ – pág. 640: “O abuso prescinde, quer da causação de danos (pode haver um acto abusivo não danoso) quer, quando os haja, qualquer elemento subjectivo, na forma de dolo ou de mera culpa; ora sendo assim, a exigência de culpa requisito da responsabilidade civil por actos abusivos, depende da possibilidade de emitir um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, pois nisso mesmo é que consiste a culpa.

 Dito por outras palavras, depende da existência de um dever que impenda sobre o titular do direito subjectivo ou da diversa prerrogativa jurídica e que este tenha violado voluntariamente.”.