Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21419/21.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE SAÚDE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DESPESAS
CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Sumário :
I - No âmbito da responsabilidade contratual é admissível a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, a verificarem-se os requisitos da obrigação de indemnizar vertidos nos arts. 483º e 496º do CCivil;

II – A recusa infundada da seguradora em custear as despesas com uma intervenção cirúrgica urgente de que necessitava o segurado no hospital onde era seguido, que assim teve de aguardar durante cerca de 4 meses por uma vaga num hospital público, tempo que viveu com angústia, ansiedade e medo pelo risco de morte súbita, é fundamento para atribuição de indemnização por danos não patrimoniais, que num juízo de equidade se fixa em €12.500,00.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €32.416,38, atualizada em função da inflação até à prolação da decisão final, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento - sendo 2.416,38 € a título de danos patrimoniais e 30.000,00 € a título de danos não patrimoniais-, bem como no valor que vier a ser liquidado em sede de execução de sentença a título de custos de reconstituição ou reparação e nas despesas decorrentes do presente processo, designadamente as custas que forem contadas e os honorários e despesas em que comprovadamente incorra com o recurso aos serviços jurídicos do seu Mandatário, a liquidar, igualmente, em execução de sentença.

Alegou, para tanto e em síntese, ter celebrado com a Ré em 14 de Junho de 2012 um contrato de seguro do ramo saúde, tendo, após o diagnóstico realizado em Dezembro de 2020, de estenose aórtica grave degenerativa, com necessidade de intervenção cirúrgica, sido pedida à Ré autorização para que o Autor fosse sujeito a cirurgia no Hospital dos ..., por tal intervenção estar coberta pelo contrato mencionado, autorização que a Ré recusou com fundamento na pré-existência de patologia clínica, que não existia, causando danos ao Autor. A recusa foi infundada, assistindo ao Autor o direito a ser indemnizado pela Ré pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido, por decorrem incumprimento contratual.

A Ré contestou, impugnando parcialmente a factualidade alegada, o dever de indemnizar, o valor peticionado a título de danos não patrimoniais que reputa de excessivo.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, reconhecendo-se a não pré-existência de patologia cardíaca aquando da celebração do contrato de seguro e o incumprimento contratual da Ré, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de 2166,38 € (dois mil cento e sessenta e seis euros e trinta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais e a quantia de 24.000,00 € (vinte e quatro mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, a contar da citação quanto aos danos patrimoniais e a fixada a título de danos não patrimoniais da presente data, à taxa legal de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), ou de outra que entretanto venha a vigorar, até integral pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado.

Custas a cargo de Autor e Ré na proporção do decaimento, que se fixa em 19% para o Autor e 81% para a Ré.”

A Ré interpôs recurso da sentença, impugnando a decisão da matéria de facto e insurgindo-se contra o valor da indemnização por danos não patrimoniais.

Por acórdão da Relação, com um voto de vencido quanto ao montante indemnizatório, foi concedido parcial provimento à apelação e fixada a indemnização por danos não patrimoniais em €20.000,00.

Ainda inconformada, a Ré interpôs recurso de revista, cuja alegação remata com as seguintes conclusões:

1. Os pedidos iniciais formulados pelo Recorrido são bem claros: pagamento de €30.000,00 pelos danos morais decorrentes de responsabilidade civil contratual por alegadaviolaçãodas obrigaçõesemergentes deumcontrato de seguro de saúde e pelo sofrimento e angústia causados.

2. Estamos aqui perfeitamente no campo da responsabilidade civil contratual que deriva da inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral, isto é, do descumprimento de uma obrigação contratual;

3. Nada permitia, portanto, a aplicação da disposição legal aplicável ao caso presente doart.496º doC.Civil,já que nãose trata deresponsabilidade extracontratual, preceito violado, continuando a não existir preceito legal que a tal obrigue;

4. Aindaque pudesse existir concurso deresponsabilidades talnãoé, porém, real, efetivo mas meramente aparente (concurso de normas) dado que sempre que há violação de contratos nos temos de mover no específico regime destes (que consome o regime delitual), imbuído do princípio da autonomia privada (405º, do CC) e da liberdade contratual (nº1, do art. 406º, do CC), em todas as suas vicissitudes, o qual, atento o espírito do sistema, se não pode abandonar, sequer em matéria de ressarcimento de danos, preceitos igualmente violados;

5. Entendeu o STJ Ac. de 7/2/2017, proc. 4444/03.8TBVIS.C1.S1 (Relator: Hélder Roque), acessível in dgsi que, existindo concurso de títulos de imputação ou concurso de pretensões, o lesado pode escolher oregimemaisfavorável, nãosendodeaceitara existênciadeduas ações, pois que existe uma única conduta ilícita, uma unidade de pedido indemnizatório e de indemnização, tudo se reconduzindo à figura do concurso aparente,

6. O recorrido escolheu, sem dúvida, o caminho da responsabilidade civil contratual, vide artºs 117º a 133º da petição inicial;

7. Ora, no caso, o contrato prevê - Art 18º e) das Condições Gerais do seguro de saúde - que a indemnização por atraso na resposta dá direito a juros no tempo decorrido, sendo esta a consequência e não a do acórdão recorrido, assim não fazendo o acórdão violou, além dos citados, os arts. 236º C. Civil por infracção da vontade das partes, bem como dos artºs. 798º, 804º e 496º do Cód. Civil.

8. Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 496º do Código Civil, para haver lugar a indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é necessário que, “pela sua gravidade”, tais danos “mereçam a tutela do direito”, mas foi o Autor que omitiu factos relevantes para a apreciação da sua situação clinica, dado o receio de o seguro ser anulável por falsas declarações;

9. O calculo da indemnização por danos morais sempre seria exorbitante e sem fundamento legal, pois a acórdão recorrida fundamenta-se também em atribuir ao recorrido a ”vantagem “ que a Recorrente terá tido com a cirurgia no SNS, o que desvirtua em absoluto o caracter da indemnização por danos morais e viola o disposto no dito artº 496º C.C.;

10. O Recorrido ficou bem de saúde e até talvez melhor do que no Hospital dos ..., e a Recorrente não teve a vantagem económica que só existe na mente da Julgadora; parecendo desconhecer como funcionam os seguros e pagamento dos sinistros e pessoa colectiva em todo o Mundo

11. O que moveu a Recorrente foi a declaração do médico do Hospital dos ..., também médico pessoal do Recorrido e que com ele colaborou claramente para a obtenção da exorbitante indemnização por danos morais, dado admitir que o Recorrente já era assistido por virtude de doença cujos elementos foram por ambos omitidos, incluindo qualquer indicação do médico anterior, se não era o Dr. BB

12. Assim, existe culpa do recorrido lesado e do médico BB que devia ter sido demandado por este, e o acórdão recorrido, ao não ter apreciado e valorado esses factos, violou o disposto no artº 570º nº1 do Cód. Civil, como o voto de vencido muito bem apontou e por isso se transcreve:

“Considerando a factualidade constante dos pontos 32.º,33.º e 35.º da matéria provada, admitindo-se que possam fundamentar a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do disposto no art.º 496.º do Código Civil, afigura-se que, nas circunstâncias concretas, não justificam uma indemnização superior a € 10.000,00. Na verdade, o Autor acabou por ser submetido à intervenção cirúrgica no início de Junho de 2021, donde se conclui que, desde a data em que a Ré poderia e deveria autorizar a realização da intervenção cirúrgica ao abrigo do contrato de seguro, mediaram três a quatro meses. Foi durante este tempoque oAutor esteve sujeito aos danos mencionados nos supra referidos pontos da matéria de facto. Não poderá deixar de ter-se em consideração o facto de a demora do processo se dever, em parte, ao erro de que enfermava o relatório médico enviado para os serviços da Ré e dos termos do qual se depreendia que a patologia sofrida pelo Autor era anterior ao contrato de seguro. Por isso, parcialmente também, as produções dos mencionados danos são imputáveis ao próprio lesado.

Não perdendo de vista os valores jurisprudencialmente fixados para ressarcimento de danos não patrimoniais muito mais graves e suportados por muito mais tempo, entende-se que também por critérios de equidade, a indemnização deveria ser fixada no valor já referido de € 10.000,00. “

13. A Recorrente não pode aceitar esta condenação, mesmo após ter sido rebaixada em quatro mil euros, quer por não respeitar a comportamento culposo grave do Recorrido e do Dr. BB este que, aliás, confessa em julgamento, como nas interiores peças se realçou;

14. As duas Mmas. Senhoras Desembargadoras, tal como a Mma Juiz de 1ª Instância, utilizando a desconfiança em relação à Seguradora de querer ganhar cerca de vinte mil euros, não atendeu ao invocado e falso engano entre medico e doente de há mais de dez anos e das vantagens económicas que ambos iriam ter, incluindo o hospital Lusíadas onde aquele trabalha;

15. No cálculo desta indemnização pelas duas Mmas. Senhoras Desembargadoras continua a usar-se de arbitrariedade, e a não levar em conta que foi o Autor que provocou a demora do processo, pelo menos em parte, ao erro de que enfermava o relatório médico enviado para os serviços da Ré e dos termos do qual se depreendia que a patologia sofrida pelo Autor era anterior ao contrato de seguro.

16. Por isso, parcialmente também, a produção dos mencionados danos são imputáveis ao próprio lesado que provocou factos relevantes para a apreciação da sua situação clinica pelo que o Acórdão violou o artº 570º nº1 do Cód. Civil.

17. O acórdão recorrido baseou-se, sem fundamento legal, nos “Punitive damages” que aparece no ordenamento jurídico dos Estados Unidos da América e em outros direitos da common law, que se traduz na imposição ao autor da lesão de uma pena pecuniária (que vai para além da indemnização reparatória do dano, sendo-lhe por isso suplementar) a favor da vítima, com o propósito (numa certa equiparação ao que se passa na esfera criminal) de punir o lesante e de prevenir a prática de futuras infrações;

18. Mas tal figura não existe, nem está regulamentada no direito português e só aparece em poucas decisões judiciais, apenas como forma de elevar danos morais no âmbito da reparação dos danos;

19. Desta forma, atribuindo mesmo os 20.000,00€, com a culpa do lesado, por a Recorrente estar no exercício de um direito que lhe assiste de exigir indicação dos antecedentes clínicos daquele, cf artº 16º nº3 das Condições Gerais, violou também os princípios da justiça, proporcionalidade e equidade, além do art 236º Cód. Civil por errada interpretação da vontade das partes.

20. E o Recorrido ainda pedia os honorários para a sua I. Mandatária !!

21. Salvo melhor opinião,oacórdãorecorrido ainda continua aprovocar grande injustiça, “punindo” indevidamente a Recorrente e merece inteira revogação no que respeita aos danos morais, mas Vas. Exªs. melhor decidirão.

22. O Recorrido, apesar das imputações à Recorrente, nos autos, ainda continua a ser seu Cliente e com o mesmo seguro de saúde;

23. Também interessa referir que o Recorrido, inicialmente pagava 437,54 Euros, e atualmente o prémio de €1.023,60 por ano, o que só por si revela o desajustado da indemnização que lhe foi atribuída, pois daria para pagar os prémios de quase 20 anos, sendo certo que, p.ex., para uma viagem ao estrangeiro de uma semana (duas pessoas) e esquecer o incidente, bastariam dois ou três mil euros, como é do conhecimento geral.

24. Para três ou quatro meses dos ditos sofrimentos, mesmo por hipótese absurda imputáveis à Recorrente, atribuir vinte mil euros é um exagero que nada tem a ver com o normalmente atribuído em casos de responsabilidadecivil e, repete-se,nocasoconcretoestava noseudireito de pedir as informações, tendo sido erradamente informada por culpa do Recorrido e do seu médico do Hospital dos ....

25. A Recorrente deixa ao douto critério de Vxas. Senhores Juízes Conselheiros, o valor a atribuir dentro dos valores referidos no douto Voto Vencido .


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O Recorrido respondeu, apresentando as seguintes conclusões:

A.(…), dão-se no presente como reproduzidas todo o expendido na douta Sentença do Tribunal de primeira instância, o Recurso de Apelação da ora Recorrente, bem como a Resposta às motivações de recurso apresentadas pelo Autor e, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

B. Nas alegações de recurso e respetivas conclusões, a Recorrente alega singelamente:

c. A sua discordância com a aplicação do normativo legal presente no artigo 496.º do Código Civil, alegando que, nos presentes autos não se trata de uma situação de responsabilidade civil extracontratual, como se infere das conclusões tecidas;

d. A sua discordância relativa à força probatória dos meios de prova, interpretação dos mesmos, relevância conferida às declarações prestadas em contraponto com a prova documental carreada para os autos, mas também ponderando a sua factualidade, e pretendendo afastar um juízo fáctico realizado em primeiro momento pelo Tribunal de primeira instância e, posteriormente pela Relação, caindo no juízo relativo à factualidade que relevou para a fixação do quantum indemnizatório,

Como se infere, nomeadamente e sem excluir outras, das conclusões tecidas.

C. Consabido é que, encontramo-nos perante uma dupla conforme sempre que o Acórdão da Relação “confirme, sem votos de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na instância” (n.º 3 do artigo 671.º do CPC).

D. Ora, nas alegações de recurso, a Recorrente socorre-se da existência de uma declaração de voto a qual apelida de declaração de voto vencida, mas que, na realidade, não se traduz daquela forma.

E. Nessa medida, articula a Recorrente perante V.ª Exas. a não aplicabilidade do preceito legal impresso no artigo 496.º CC socorrendo-se de uma declaração de voto – pasme-se –que imprime a suaconcordância com a aplicação daquele normativo, discordando apenas e tão somente do quantum indemnizatório, sem nunca afastar a aplicação normativa que o fundamenta, senão vejamos:

Considerando a factualidade constante dos pontos 32.º, 33.º e 35.º da matéria provada, admitindo-se que possam fundamentar a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do disposto no artigo 496.º do Código Civil (…)” – realce nosso.

F. No caso, a declaração de voto citada, não é suficiente para se considerar que houve falta de unanimidade.

G. Pois, como bem entendeu este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, no douto Acórdão de 13.11.2014, revista n.º 1483/11.9TBVIS.P1.S1 (Alves Velho)a propósito da declaração de voto de um juiz desembargador adjunto, constante do acórdão recorrido: “Embora concorde com o julgamento da matéria de facto, não subscrevo o enquadramento teórico restritivo que lhe foi dado, por considerar que a Relação julga de novo”, não deixou de manifestar inequivocamente a concordância com o julgamento da matéria de facto, não deixando qualquer dúvida sobre a unanimidade do julgado.

H. E ainda a titulo exemplificativo, por último, cumpre-nos citar o douto Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2022, revista 19864/15.7T8LSB.L1-A.S1, onde se pode ler que:

II - O Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando asolução jurídicaprevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.

III. Os elementos de aferição da conformidade ou desconformidade das decisões das Instâncias têm de se conter na matéria de direito, donde, nenhuma divergência das Instâncias sobre o julgamento da matéria de facto é passível de implicar, por si só, a desconformidade entre aquelas decisões que importem a admissibilidade da revista, em termos gerais, sublinhando-se que a apreciação do obstáculo recursório respeitante à figura da dupla conforme terá sempre e necessariamente de se deter nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de revista, acentuando-se que qualquer alteração da decisão de facto pela Relação, apenas será relevante para aquele efeito quando implique uma modificação, também essencial, da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da conformidade ou desconformidade das decisões. – sublinhado e realce nosso.

I. De facto, em nada a solução jurídica prevalecente na Relação veio inovar face à Sentença recorrida, tendo o douto acórdão da Relação - e, bem assim a declaração de voto invocada – sido ancorado nos mesmos preceitos, interpretações normativas e institutos jurídicos que fundamentaram a Sentença, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo.

J. Além do supra exposto quanto à essência da declaração de voto e que, aqui se reitera, a douta decisão do Tribunal da Relação apresenta conformidade essencial de fundamentação face ao Tribunal de primeira instância.

K. Sendo a única fonte de discordância, a dimensão do quantum indemnizatório, que, em termos tais, não reveste impedimento à dupla conforme. Nesse sentido, a posição jurisprudencial assumida por este Venerando Tribunal nos seguintes arrestos:

▪ Acórdão de 01.02.2017, processo 335/08.4GAPMS.C2:

“II - Mostrando-se confirmado, em sede de recurso, o acórdão da 1.ª instância quanto à condenação dos demandados civis no pagamento aos demandantes de uma indemnização de 20.000,00€, devida a cada um dos pais da vítima pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da mortes desta, confirmação em que ocorre unanimidade dos Senhores Juízes Desembargadores que apreciaram o recurso interposto, sendo idêntica, nesta parte, a fundamentação utilizada pelas duas instâncias, verifica-se dupla conforme, impeditiva do conhecimento do recurso (art. 671.º, n.º 3, do CPC).

III - O mesmo vale dizer, relativamente à indemnização devida aos demandantes a título de perda do direito à vida, com a ressalva de que o acórdão do tribunal da relação, reduziu o montante desta indemnização de 150.000,00€ (fixado pelo acórdão coletivo do tribunal de 1.ª instância), para a quantia de 120.000,00€. A conformidade ou desconformidade das decisões das instâncias não podem ser aferidas pelo critério puramente formal da coincidência ou não coincidência do conteúdo decisório da sentença, pelo que, também nesta parte, se verifica a existência de dupla conforme, não sendo admissível o recurso.” - realce e sublinhado nosso.

▪ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2014, processo n.º4747/08.5TGBSXL.L1.S1:

“(…) se a decisão de 1.ª instância condena o réu em determinado montante e, em recurso de apelação, por este interposto, a Relação reduz parcialmente tal condenação, é inadmissível a interposição de recurso de revista para o STJ, por se verificar aquela dupla conformidade” pois seria uma incoerência vedar o recurso em caso de dupla conforme total e admiti-lo em caso em que a decisão foi mais favorável para o recorrente” - realce e sublinhado nosso.

L. Nessa medida, a necessária conclusão de que nos encontramos perante situação de dupla conforme, sendo, portanto, o objeto do presente recurso inadmissível.

M. Acresce que, não se verificando nenhum dos requisitos do n.º 1 do artigo 672.º - o que, por sinal, não foi sequer alegado -, não poderá ser admitida revista excecional em detrimento da regra da dupla conforme, que se verifica no caso sub judice.

N. Motivos pelo quais, aplicando-se o pressuposto negativo da dupla conforme contida no n.º 3 do art.º 671 do CPC, deve ser julgada a inadmissibilidade do presente recurso.

O. Caso assim não se entenda, o que, por mera cautela de patrocínio se concede, sempre nos cumpre deixar, na presente Resposta, como reproduzidos, tanto os argumentos aduzidos em sede de Petição Inicial e Resposta às motivações de recurso da Recorrida para a Relação como, os enunciados fundamentos da douta Sentença do Tribunal de primeira instância e no Douto Acórdão do Tribunal da Relação, no que concerne a aplicação do artigo 496.º CC que, atento o princípio de economia processual e com vista a se evitar repetições inúteis, aqui se têm como reproduzidos.

P. Sem conceder o supra expendido, e acrescendo ao já exposto, ressalta do enunciado pela Recorrente que, a mesmo questiona o juízo fáctico realizado pelo Tribunal de primeira instância, e pelo Tribunal da Relação, na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, patenteando-se uma discordância quanto à articulação dos meios de prova constantes dos autos, por não cotejados nos termos apontados, bem como, e não menos relevante as consequências jurídicas que pudessem ser retiradas, na ponderação realizada, o que obviamente cai fora do âmbito das regras a observar pelo Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto, art.º 662.

Q. Ora, manifesto se torna, repisando, que estamos perante uma mera discordância da matéria de facto apurada, aprovada pela 1ª instancia e, posteriormente, mantida pela Relação, que para além de não ser sindicável por este Tribunal como resulta do n.º 4 do art.º662, não se consubstancia numa realidade que possa afetar a existência da dupla conforme, e assim a admissão do recurso de revista, (n.º 3, do art.º 671), pois não é alegada qualquer circunstância prevista no art.º 629, n.º 2 que determinasse tal admissão.

R. Na verdade, e novamente vitando este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 30.11.2022, 6 Secção (disponível em www.dgsi.pt):

“I - o recurso de revista é o recurso ordinário que cabe dos acórdãos do Tribunal da Relação, tendo assim como fundamento, a violação da lei substantiva nas modalidades de erro de interpretação, de aplicação, ou da determinação da norma aplicável -, ou a violação da lei processual, incluindo aquela de que possa resultar alguma nulidade de decisão.

II - a competência do Supremo Tribunal de Justiça está assim confinada à matéria de direito, enquanto tribunal de revista, não podendo debruçar-se sobre a matéria de facto, enquanto ocorrência da vida real, evento material e concretos ou qualquer mudança operadas no mundo exterior, mas também o estado, qualidade e situação reais das pessoas e das coisas, percetíveis como tal que não tem de ser necessariamente simples, ficando desse modo vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido pelo o adequado. – sublinhado e realce nosso.

S. Face ao exposto, e quanto à alegada violação das regras relativas à força probatória dos meios de prova, interpretação dos mesmos, relevância conferida às declarações prestadas em contraponto com a prova documental carreada para os autos, mas também ponderando a sua factualidade, e pretendendo afastar um juízo fáctico realizado em primeiro momento pelo Tribunal de primeira instância e, posteriormente pela Relação, caímos num mero juízo de facto, duplamente confirmado, que está assim dispensado da sindicância deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça, encarregue de outros e mais importantes recursos.

T. Encontrando-se assim a apreciação de tais questões vedada, por ser inadmissível, o recurso de Revista.

U. Motivos pelos quais, deve também, nesta parte, ser o presente recurso julgado como inadmissível, não se conhecendo do respetivo objeto, e assim considerar-se findo, nos termos do nos termos do art.º 652, n.º 1, b), por força do constante no art.º 679.

V. Caso assimnão se entenda, o que por meracautela de patrocínio se concede, sempre se deverá realçar que, a Recorrente tece considerações conclusivas que foram alvo de julgamento e cuja matéria de facto não foi alterada pelo Tribunal da Relação, para junto de V.ª Exas. tentar, e uma vez mais, fazer crer versão que sabe não corresponder à verdade.

W. Sabe a Recorrente, bem como sabemos todos que, éo Tribunal de primeira instância que, em primeira linha observa os meios de prova produzidos, sendo quem ouve, vê e sente os depoimentos prestados, e que, atento o princípio do imediatismo avalia e julga a prova produzida, aplicando o Direito e concretizando-o, face aos resultados da mesma.

X. Foi este o Tribunal que aferiu da credibilidade da prova produzida, contrapondo-a com a da ora Recorrente e que deu maior colhimento a uma do que outra, sendo que após a decisão daquele Tribunal, houve lugar a pronúncia do Tribunal da Relação que, também não alterou a matéria dada como provada e como não provada.

Y. Ainda assim, continua a Recorrente a tentar a sua “sorte”, desfazendo do Direito, caluniando o Autor, utilizando expedientes como o presente, defendendo e pedindo coisas distintas, tudo fazendo jus às palavras de Lewis Carroll, “If you don't know where you want to go, then it doesn't matter which path you take”…

Z. Assim, dá- se aqui por reproduzido – o que se faz por cautela de patrocínio e atento o princípio da economia processual – a fundamentação de facto e de Direito apresentada na douta Sentença que apreciou a prova produzida e o seu alcance, perfilhando o seu entendimento.

AA. Motivos pelos quais, também quanto a este pressuposto deve a pretensão da Recorrente naufragar, devendo ser julgada improcedente.


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Objecto do recurso.

Visto as conclusões da alegação do recorrente, que delimitam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso, há que decidir as seguintes questões:

- Indemnização dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual;

- Quantum indemnizatório.


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Fundamentação.

A Relação deu como provados os seguintes factos:

1. Em 14 de Junho de 2012, o Autor celebrou com a Ré o contratou seguro do ramo saúde, titulado pela apólice n.º .......14, junto com a petição inicial como doc. n.º 1, cujo teor se dá aqui por reproduzido, com início às 00:00 horas de 14 de Junho de 2012 e termo às 24 horas de 31 de Maio de 2013, automática e anualmente renovável, figurando o Autor como pessoa segura, com a cobertura “hospitalização e cirurgia” e limite seguro de 50.000,00 €, estabelecendo um “Co-Pagamento”, no caso de utilização da Rede de prestadores, do valor de 250,00 €, contrato que foi sendo sucessivamente renovado, constando do n.º 3 do artigo 16.º das condições gerais de tal contrato que “A Pessoa Segura, quer aceda a serviços dentro da rede de prestadores ou de fora dela, deverá ainda, sob pena da cessação da responsabilidade da Allianz Portugal: a) Fornecer à Allianz Portugal ou ao Gestor de Serviços de Saúde, quer directamente, quer através dos médicos ou hospitais a que tenha recorrido, todas as informações que por aqueles lhe seja solicitadas, incluindo Cópias dos Certificados Médicos, relatórios clínicos e outros documentos referentes ao sinistro participado”.

2. Em 20 de Abril de 2020, a Ré emitiu a apólice n.º .......27, junta com a contestação como documento n.º 1, cujo teor se dá aqui por reproduzido, com validade das 00:00 horas do dia 1 de Junho de 2020 até às 24:00 de 31 de Maio de 2021, que estabelece como limite da cobertura “hospitalização e cirurgia”,75.000,00 € e “10% min. de 250 € e máx. 500 €” de “Copagamento”.

3. Em 2014, o Autor foi observado, no âmbito de consulta de rotina, pelo cardiologista BB, que, na sequência do ecocardiograma realizado, diagnosticou ao Autor uma estenose aórtica ligeira, sem necessidade de qualquer intervenção ou terapêutica.

4. Em 2020, e após sintomatologia de cansaço, o Autor foi, novamente, observado pelo cardiologista BB.

5. Na sequência da consulta referida em 4., foi realizado ao Autor um ecocardiograma, em Dezembro de 2020, tendo sido diagnosticada a existência de estenose aórtica grave degenerativa, com necessidade de intervenção cirúrgica, nomeadamente cateterismo pré-operatório e cirurgia cardíaca de substituição valvular aórtica urgente.

6. Em consequência do diagnóstico mencionado e da necessidade de cirurgia, o Hospital ... solicitou à Ré, em Dezembro de 2020, a pré-autorização para realização do cateterismo pré-operatório e posterior cirurgia cardíaca, esta a realizar a 15 de Janeiro de 2021.

7. A previsão de encargos das mencionadas intervenções foi de 2.416,38 € para o cateterismo e 21.750,00 € para a cirurgia cardíaca.

8. A cirurgia era a única solução para a situação diagnosticada.

9. O Autor foi sujeito a cateterismo em 15 de Dezembro de 2020, tendo procedido ao pagamento da quantia de 2.416,38 €.

10. A Ré respondeu ao pedido de autorização, em 23 de Dezembro de 2020, solicitando o relatório do médico cardiologista assistente com data de início dos sintomas, data de diagnóstico da patologia valvular, etiologia e relatórios dos exames realizados prévios ao cateterismo de 2020, sob pena de, no prazo de 15 dias, ser arquivado o pedido de autorização.

11. Em 30 de Dezembro de 2020, o Departamento de Gestão de Pedidos de Autorização dos Hospital ... solicitou ao Autor, na sequência do pedido da Ré, os documentos mencionados em 10.

12. O cardiologista referido em 4. elaborou o documento junto com a petição inicial sob o n.º 8, cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual consta: “Doente de 53 anos com estenose aórtica conhecida desde há 10 anos, com última observação em 2014. Sintomático desde há cerca de 6 meses. Ecocardiograma 12/2020 revelou estenose aórtica grave degenerativa. Propõe-se cateterismo pré-operatório”.

13. A Ré recepcionou o documento mencionado em 12. e, em 11 de Janeiro de 2021, respondeu ao Autor que, analisado o pedido de pré-autorização para a cirurgia “não podemos aceitá-lo, por estar relacionado com um problema de saúde que, segundo informações de que dispomos, já existia antes de fazer o seguro”.

14. Perante a contestação do Autor à recusa da Ré, em 12 de Janeiro de 2021, a Ré remete ao Autor nova resposta sobre a recusa ao pedido de autorização, na qual declara que: “(…) Em resposta à discordância da nossa recusa ao pedido de autorização, informamos que a analise do processo, foi feita com base na informação clínica enviada. De acordo com o relatório médico do Dr. BB, a estenose é conhecida desde há 10 anos. Sendo que a data de préexistências da apólice é de 14/06/2012, a patologia em causa já existia antes da contratação do seguro (…) Mais esclarecemos que não colocamos em causa a necessidade clínica da realização da cirurgia, no entanto não nos é possível comparticipar as despesas relativas a patologias pré existentes, de acordo com as condições da apólice. (…)”.

15. Em 31 de Janeiro de 2021, a Ré recepcionou a informação do Dr. BB, através do Hospital ..., de que tinha errado na elaboração o relatório quanto à data da doença.

16. O cardiologista Dr. BB elaborou o relatório junto com a petição inicial como documento n.º 11, cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual consta: “Doente de 53 anos com estenose aórtica ligeira conhecida desde 29/05/2014. Tem ecocardiogramas de 2007 e 2008 que foram normais. Sintomático desde há cerca de 9 meses. Ecocardiograma 12/2020 revelou estenose aortica grave degenerativa. Cateterismo em Dezembro de 2020 revelou coronárias normais. Dado o elevado risco de morte súbita sugere-se cirurgia de substituição aórtica urgente”, documento que foi remetido à Ré.

17. Em 1 de Fevereiro de 2021, a Ré voltou a recusar a autorização.

18. O Autor voltou a pedir a reanálise do pedido de autorização.

19. Em 16 de Março de 2021, a Ré remeteu ao Autor o correio electrónico com o seguinte teor: “informamos que o pedido de autorização foi recusado, tendo como orientação o parecer da nossa Direcção Médica, que emitiu o mesmo com base na documentação clínica de suporte enviada no decorrer do processo e segundo as condições contratuais de Seguro de Saúde e relatório do médico. A Allianz Portugal irá manter a decisão anteriormente tomada de recusa contratual. A Allianz tem de dar primazia ao primeiro relatório do médico, onde consta bem especificado que a estenose aórtica já era conhecida há 10 anos. Para eventual reanálise do processo, a Direcção Médica da Allianz Portugal necessitará dos ecocardiogramas realizados de 2009 a 2012 e informação do médico cardiologista que o seguia anteriormente a este cardiologista. Sem outros dados, não será possível reanalisar o processo recusado por pré-existência”.

20. O medidor de seguro do contrato referido em 1. enviou à Ré, em 16 de Março de 2021, o correio electrónico com o seguinte teor: “solicito reanalise ao processo, conforme podem verificar, e descrito pelo Medico cardiologista, os exames que a Allianz está a solicitar, não existem !

21. A Ré respondeu ao correio electrónico mencionado em 17., na mesma data, que “Sem o solicitado, a Direcção Médica da Allianz irá manter o seu parecer clínico. Todos os documentos já foram analisados. É sempre o mesmo médico a relatar”.

22. O medidor de seguro do contrato referido em 1. enviou à Ré, em 17 de Março de 2021, o relatório médico elaborado pelo médico cardiologista CC e, novamente, os exames clínicos de que dispunha (datados de 2007 e 2008).

23. A Ré, em 18 de Março de 2021, remeteu ao Autor o correio electrónico com o seguinte teor: “O relatório agora enviado não foi elaborado pelo cardiologista assistente da pessoa segura antes do Dr. BB. Não entendemos porque nos enviam um relatório de um médico que não acompanhou a pessoa segura desde o início nem solicitou a realização as ecos anteriores. Também não há qualquer justificação clínica para a não realização de exames/acompanhamento de cardiologista de 2009 a 2014 e ser elaborado um relatório pelo cardiologista que efectivamente o acompanhava anteriormente. Não foi posta em causa a necessidade da cirurgia, o que está em causa é se a patologia é anterior ao seguro, segundo relatado pelo médico assistente Dr. BB. (...) deverá ser a pessoa segura a escrever directamente à Allianz ou estar o mediador munido de procuração legal (…)”.

24. Em 28 de Março de 2021, o Autor remeteu à Ré o correio electrónico com o seguinte teor: “Venho por este meio reclamar da recusa contratual referente aos processos supracitados. A Allianz está a basear a decisão num relatório do Dr. BB com referência a uma estenose aórtica conhecida há 10 anos, relatório esse que foi corrigido pelo mesmo médico referindo que a primeira vez que me observou foi em 2014, documentos em vossa posse. Não compreendo a recusa da vossa DIRECÇÃO MÉDICA TENDO EM CONSIDERAÇÃO SÓ OS RELATÓRIOS E SEM NENHUMA PROVA CONCLUSIVA DA EXISTÊNCIA DÁ ESTENOSE HÁ 10 ANOS ATRÁS (ECOCARDIOGRAMA). Quanto ao cardiologista que supostamente deveria me acompanhar anteriormente ao Dr.BB, não existe, pois como comprovam pelos ecocardiogramas de 2007 e 2008 solicitados por médicos de clínica geral para check up anual a inexistência de qualquer doença cardíaca não justificando acompanhamento nos anos seguintes, justificando assim ausência de ecocardiogramas entre 2009 e 2014 solicitados por vós. O relatório do Dr. CC foi solicitado tendo em consideração os exames disponíveis reforçando a inexistência de doença cardíacas quando da contratação do seguro de saúde. Assim sendo solicito a revisão da vossa tomada de posição”.

25. Em 15 de Abril de 2021, a Ré respondeu “informamos que o pedido de autorização foi recusado (…) Para eventual reanálise do processo e tendo em conta as contradições entre os 2 relatórios do cardiologista assistente após a recusa contratual, a Allianz Portugal necessitará do relatório do médico de medicina geral e familiar que segue o doente há mais tempo, responsável pelo pedido dos exames em 2007 e 2008, bem como dos vários relatórios de exames de patologia cardíaca realizados em 2014 – ecocardiograma, prova de esforço (…)”.

26. A 10 de Maio de 2021, o Autor, através da sua Mandatária, apresentou uma reclamação junto do provedor do cliente, tendo dado origem à Reclamação n.º 20211/497, da qual consta: “no sentido de ser reapreciado o processo em causa e, sendo útil à celeridade de resolução deste premente tema, ser agendada reunião com a Direção Clínica e órgão decisor, o que se requer com urgência premente.

Atento o exposto, sempre se deverá salientar que, o N/ Cliente aguarda há 5 meses por tomada de posição corrigida de V.ª Exas, sendo que a condição deste, comporta risco de morte súbita apenas podendo ser evitada com a necessária cirurgia.”.

27. A 14 de Maio de 2021, a Ré respondeu “Acusamos a recepção da comunicação que foi remetida à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, a qual mereceu a nossa melhor atenção, e a qual, desde já, agradecemos.

Consultada a área técnica competente somos a informar que, confirmamos que o Sr. AA subscreveu um contrato de saúde na Allianz com início a 14/06/2012, não declarando qualquer patologia. Foi-nos solicitado pedido de autorização em 14/12/2020 para cateterismo cardíaco prévio a substituição de válvula aórtica, o que clinicamente, nunca foi colocado em causa pela Allianz relativamente à necessidade das cirurgias pretendidas. Para esclarecimento, solicitámos informação clínica que nos foi remetida pelo médico assistente que motivou a recusa por pré-existência (nomeadamente referência em janeiro de 2021, a patologia com mais de 10 anos de evolução). Essa informação foi posteriormente alterada, tendo sido enviados exames realizados em 2007/2008 sem evidência de doença e referência a consulta em 2014, com indicação de patologia ligeira a esta data. Existe num entanto uma lacuna de informação entre o que os exames de 2008 (sem patologia) e a consulta de 2014 (com patologia),hiato esse que coincide com a data da pré-existências. Assim, foi solicitada informação ao cliente no dia 15/04/2021 nomeadamente relatório do médico de medicina geral e familiar que segue o doente desde há mais tempo, responsável pelo pedido dos exames, bem como dos vários relatórios de exames de patologia cardíaca realizados em 2014-ecocardiograma e prova de esforço, que aguardamos o envio. Quando o cliente tiver reunida toda a informação clínica solicitada pela Direção Clínica da Allianz seremos breves na resposta. Esperamos ter respondido de forma célere e apresentamos os nossos melhores cumprimentos”.

28. Em 27 de Maio de 2021, a Ré enviou nova comunicação ao autor com o seguinte teor: “Consultada a área técnica e Direcção Médica da Allianz competente somos a informar que aguardamos a informação solicitada ao cliente no dia 15/04/2021 nomeadamente relatório do médico de medicina geral e familiar que segue o doente desde há mais tempo, responsável pelo pedido dos exames (e não do cardiologista) bem como dos vários relatórios de exames de patologia cardíaca realizados em 2014-ecocardiograma e prova de esforço, e sem os quais não poderemos fazer a reanálise do processo.”

29. Em face da recusa da Ré, o Autor teve de aguardar pela resposta do Sistema Nacional de Saúde, tendo sido intervencionado no dia 3 de Junho de 2021, no Hospital de ....

30. O Autor sujeitou-se a cirurgia de que carecia em unidade hospitalar pública, quando havia demonstrado preferência de ser intervencionado em unidade particular – Hospital dos ... – unidade onde era seguido e na qual depositava a sua confiança e onde poderia ter a opção de fazer a sua recuperação em quarto individual, com assistência mais direcionada para o paciente.

31. O Autor esteve internado desde o dia 02.06.2021 até 07.06.2021, data em que teve alta hospitalar.

32. Enquanto aguardou pela realização da cirurgia, o Autor sofreu dores, cansaço extremo, intensa ansiedade, angustia, desespero e medo decorrente do risco existente de morte súbita, temendo diariamente pela sua vida.

33. Enquanto aguardou pela realização da cirurgia, o cansaço extremo de que padecia o Autor limitou quase na totalidade a sua actividade profissional e quotidiana.

34. O Autor sofreu em cada momento que recebia novos emails da Ré a recusar o seu pedido de autorização para que recebesse o tratamento que lhe salvaria a vida.

35. Durante o tempo que aguardou a realização da cirurgia, o Autor necessitou da assistência da companheira, nomeadamente para realizar a sua higiene.

36. O Autor nasceu em ... de Novembro de 1967.

Não se provou, com relevância para a causa, que:

a) O Autor, através de mediador, celebrou com a Ré o contrato de seguro Allianz Saúde Individual junto com a contestação como documento n.º 1, tendo respondido ao questionário de saúde, em 20/04/2020, quanto às pré existências reportadas a 14/6/2014 o seguinte:

“Altura: 172 Peso: 77 Idade: 52; Hábitos tabágicos: Não; Alergia: Não; Alterações ou doenças do Coração, do Aparelho Circulatório e/ou Respiratório: Não; Alterações ou Doenças do Aparelho Digestivo: Não; Alterações ou Doenças dos Rins ou Vias Urinárias:Não; Alterações ou Doenças de Ossos, Articulações ou Coluna Vertebral: Não; Alterações ou Doenças dos Olhos: Não; Alterações ou Doenças do Sistema Nervoso ou Mentais: Não Tumores, Nódulos ou Doenças da Mama, ou outras Alterações Hormonais: Não; Foi-lhe Diagnosticado Cancro ou Princípio de Cancro ? Não; Esteve Hospitalizado nos Últimos 5 Anos por Doença? Não; Toma medicamentos com regularidade? Não; Sofre ou sofreu de alguma doença ou infecção que não tenhamos perguntado ou, durante o último ano, foi submetido a exames auxiliares de diagnósticos que tivessem detectado alguma doença ? Não; Observações: Não”;

b) Aquando da celebração do contrato referido em 1., o Autor padecia de patologia cardíaca;

c) O Autor realizou exames clínicos da especialidade de cardiologia entre 2008 e 2014;

d) A recusa da Ré agravou a estenose aórtica grave de que padecia o Autor;

e) - O Autor sempre se preocupou em não mostrar qualquer documento ou exame realizado entre 2008 e 2014, com a negação de situação pré-existente ao inicio do seguro dos autos;

f) O Autor, com a sua atitude de não colaborar e satisfazer os pedidos reiterados da Ré, impediu que esta pudesse instruir o processo de sinistro de acordo com as suas regras e verificar das falsas declarações;

g) O Autor continua a carecer de terapêuticas e tratamentos relacionados com a sua patologia e com a cirurgia, de assistência e cuidados médicos adequados à sua recuperação, sendo essencial manter a reabilitação integral em ambulatório.

h) O Autor terá despesas futuras para garantir a sua reabilitação, como terapias cardiorrespiratórias e fisioterapia, e terá de suportar custos com prestações de serviços alheios;

i) Em consequência da recusa da Ré, o Autor sentiu-se humilhado;


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O direito.

O Recorrido suscita a questão da inadmissibilidade da revista por entender verificar-se uma situação de dupla conforme, impeditiva da revista em termos gerais (art. 671º, nº3 do CPC).

Vejamos.

O Autor formulou pedidos de condenação da Ré a pagar-lhe:

- €2.416,38 a título de indemnização por danos patrimoniais, e

- €30.000,00 por danos não patrimoniais.

Na 1ª instância a acção procedeu em parte, tendo sido proferida sentença que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de €2.166,38 por danos patrimoniais e € 24.000,00 a título de danos não patrimoniais.

A Relação, na apreciação de recurso interposto pela Ré, confirmou a condenação da Ré relativa aos danos patrimoniais e alterou a indemnização por danos não patrimoniais, que fixou em €20.000,00.

Ao acórdão foi aposta declaração de voto de uma Senhora Desembargadora do seguinte teor:

“Considerando a factualidade constante dos pontos 32.º,33.º e 35.º da matéria provada, admitindo-se que possam fundamentar a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do disposto no art.º 496.º do Código Civil, afigura-se que, nas circunstâncias concretas, não justificam uma indemnização superior a €10.000,00. Na verdade, o Autor acabou por ser submetido à intervenção cirúrgica no início de Junho de 2021, donde se conclui que, desde a data em que a Ré poderia e deveria autorizar a realização da intervenção cirúrgica ao abrigo do contrato de seguro, mediaram três a quatro meses. Foi durante este tempo que o Autor esteve sujeito aos danos mencionados nos supra referidos pontos da matéria de facto. Não poderá deixar de ter-se em consideração o facto de a demora do processo se dever, em parte, ao erro de que enfermava o relatório médico enviado para os serviços da Ré e dos termos do qual se depreendia que a patologia sofrida pelo Autor era anterior ao contrato de seguro. Por isso, parcialmente também, a produção dos mencionados danos são imputáveis ao próprio lesado.

Não perdendo de vista os valores jurisprudencialmente fixados para ressarcimento de danos não patrimoniais muito mais graves e suportados por muito mais tempo, entende-se que também por critérios de equidade, a indemnização deveria ser fixada no valor já referido de € 10.000,00.”

Nos termos do art.671º, nº3, do CPCivil, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

No caso presente, a Relação, na apreciação do recurso de apelação interposto pela Ré, baixou o quantum indemnizatório de €24.000,00 para €20.000,00.

O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que deve equiparar-se à situação de dupla conforme os casos em que a Relação revê em baixa os montantes da condenação, resultando uma situação mais vantajosa para o recorrente (Acórdãos do STJ de 13.14.2014 e de 13.01.2015, e de 14.09.2023, P. 38447/20, disponíveis em www.dgsi.pt).

Como assim, tendo a Ré visto melhorar a sua situação com o acórdão da Relação, em princípio estaria impedida de recorrer de revista para o STJ.

Sucede que o acórdão teve um voto de dissonância, tendo um dos membros do colectivo entendido que a indemnização não deveria exceder os €10.000,00.

O que significa que o acórdão teve um voto de vencido, o que nos termos do nº3 do art. 671º do CPC, descaracteriza a dupla conforme.


///


Posto isto, entremos nas questões suscitadas no recurso.

A Recorrente começa por defender que tendo o Autor estruturado a acção como de responsabilidade civil contratual, não havia que aplicar o art. 496º do Cód. Civil, uma disposição inserida nas disposições relativas à responsabilidade civil extracontratual.

Com o devido respeito, não lhe assiste razão.

É certo que a localização do art. 496º do Civil, que prevê a indemnização por danos não patrimoniais nas disposições sobre responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos, levou alguns autores a restringirem a sua aplicabilidade à responsabilidade civil extracontratual. Trata-se de posição minoritária, pois que a larga maioria da doutrina e, julga-se que de forma pacífica a jurisprudência, admite a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual (cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, pag.378 e ss., Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, pag. 549 e ss, e na jurisprudência, entre muitos outros, os acórdãos do STJ 22.06.2005, P. 05B1526, de 19.02.2009, P. 08B821, consultáveis em www.dgsi.pt, e de 13.09.2011, CJ/STJ, III, pag. 30).

Como se lê no sumário do acórdão de 12.09.2009:

Sendo a certo que a obrigação de indemnização tem em vista tornar indemne o lesado, isto é, sem dano, dever-se-á entender que no domínio da responsabilidade contratual ou delitual do réu, resultante de incumprimento de obrigação, cabe também a ressarcibilidade do dano não patrimonial.”

Assente que os danos não patrimoniais resultantes de responsabilidade contratual são passíveis de ressarcibilidade, desde que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, para usar as palavras do nº1 do art. 496º do CC, vejamos se no caso em apreciação resultaram provados danos atendíveis para efeitos indemnizatórios.

O supra referido acórdão do STJ de 13.09.2011 (Alves Velho), abordou a questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em termos que pela sua clareza vale a pena transcrever aqui:

“Em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses susceptíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apena indirectamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar, o requisito “dano” como pressuposto da obrigação de indemnizar não seja um qualquer prejuízo, mas apenas aquele que se apresente com um grau de gravidade tal que postule a atribuição de uma indemnização ao lesado.

Se essa gravidade não ocorrer, não pode falar-se de dano não patrimonial passível de ressarcimento.

Sem dano não há responsabilidade. Isso mesmo se encontra claramente reflectido nos arts. 483º, nº1 e 562º do C.Civil, ao elegerem o dano como pressuposto e requisito da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil, como fonte da obrigação de indemnizar.

Ora, assim postas as coisas, responder à questão de saber se os danos demonstrados assumem ou não a referida gravidade é o mesmo que ter ou não por verificado o requisito “dano” como pressuposto da obrigação de indemnizar.

Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral de uma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, exames sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.

A avaliação da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não há luz de factores subjectivos (A. VARELA, “Obrigações em Geral”, 9ª edição, 628), sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº1 do art. 496º (ac. STJ de 11.05.98, P.98A122).

Assim sendo, o passo seguinte consistirá em proceder à valoração dos factos provados, como consequência da conduta do lesante, servindo como linha de fronteira a separação entre aquelas que se situam ano nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos de indemnização e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação.

Depois, como se tem entendido, dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que sai da mediania que ultrapassa as fonteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência, se torna inexigível em termos de resignação.”

Tendo presente estes princípios vejamos o que de relevante emerge da matéria de facto apurada na presente acção.

Os danos em causa - angústia, ansiedade, medo decorrente do risco de morte súbita– emergem da recusa da Ré, que havia contratado com o autor um contrato de seguro do ramo saúde, em assumir a responsabilidade pelo pagamento da cirurgia cardíaca de que o Autor necessitava, por considerar que o problema de saúde do Autor já existia à dada da celebração do seguro.

A Ré aceita que contrato de seguro cobria a intervenção cirúrgica de que o Autora necessitava, mas procura justificar a sua atitude de recusa com a primeira informação do médico do Autor, que apontava para que doença já existia à data da celebração do contrato de seguro, pelo que o Autor não está isento de responsabilidade na produção dos danos de que pretende ser ressarcido, defendendo ainda a exorbitância da indemnização concedida.

Que dizer?

Nenhuma censura há a fazer à Ré por ter solicitado documentação com o historial clínico do Autor quando o Hospital ... lhe solicitou, em Dezembro de 2020, autorização para realização do cateterismo pré-operatório e posterior cirurgia cardíaca.

Aceita-se também que a primeira informação que lhe chegou, elaborada pelo Dr. BB, que vinha acompanhando o Autor, parecia indicar que a patologia cardíaca do Autor já existia à data da celebração do contrato de seguro. (cf. ponto 12 da matéria de facto).

Sucede que logo em Fevereiro de 2021, a situação foi esclarecida com nova comunicação daquele clínico, mas a Ré entendeu dar primazia ao primeiro relatório do médico, persistindo na atitude de recusa em assumir os encargos com a intervenção do Autor no Hospital ..., pelo que aquele teve de aguardar por vaga num hospital público, vindo a ser operado no Hospital de ..., no dia 3 de Junho de 2021.

Neste quadro factual, justifica-se responsabilizar a Ré pelos danos morais alegados e provados, de angústia, ansiedade, medo decorrente do risco de morte súbita, que o Autor sofreu nos três/quatro meses que antecederam a realização da intervenção cirúrgica que acabou por lhe ser feita em ....

Não estamos perante simples incómodos ou meros contratempos, pelo que se justifica, como bem decidiram as instâncias, uma compensação pecuniária fixada com recurso à equidade. (art. 496º, nº4 do CCivil).

Julgar de acordo com a equidade significa que o julgador deve, por um lado, atender às circunstâncias do caso concreto e, por outro lado, que a indemnização por danos não patrimoniais tem natureza eminentemente compensatória. Impõe-se-lhe, portanto, um esforço no sentido de proporcionar o valor da compensação à gravidade dos danos, medida esta por um padrão tanto possível objectivo, bem como atender às indemnizações que vêm sendo atribuídas pelo STJ em casos paralelos. (cf. acórdão do STJ de 28.02.2012, CJ/STJ, 1º, 105).

Reconhecendo a diversidade dos quadros factuais subjacentes, chama-se aqui à colação o recente acórdão do STJ, de 12.10.2023 (P. 1961/20), desta 7ª secção, que considerou abusiva a atitude de uma seguradora que depois de ter determinado o internamento do trabalhador sinistrado em hospital privado, ordenou o seu imediato abandono do hospital por entender que o acidente não estava coberto pelo seguro, assim provocando atraso, embora não quantificado na recuperação do lesado, perplexidades, dificuldades logísticas, físicas e anímicas naquele, em face do que julgou adequado compensar tais danos com a indemnização de €10.000,00.

Confrontemos agora o montante indemnizatório fixado no acórdão com os valores da indemnização por danos não patrimoniais emergentes de acidente de viação na jurisprudência mais recente do STJ.

A título de exemplo citam-se os seguintes acórdãos, todos consultáveis em www.dgsi.pt:

Acórdão de 21.01.2021, P. 6705/14 (Maria dos Prazeres Beleza): lesada com 32 anos, que ficou com défice funcional de 27 pontos, que sofreu graves lesões (fratura do nariz, sobrolho, testa, traumatismo craniano e fractura dos dentes) e que foi submetida a intervenção cirúrgica: indemnização de €40.000,00;

Acórdão de 19.09.2019, P. 2706/17 (Maria Rosário Morgado): lesado de 55 anos, sujeito a uma intervenção cirúrgica, exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, que ficou afectado com um défice funcional permanente de 32 pontos; dores quantificáveis em 5 escala de 7, e dano estético de grau 3 escala de 7, impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, o que o afectou psicologicamente: indemnização de €50.000,00;

Acórdão de 26.05.2021 (Pinto de Almeida), P. 763/17: lesado que ficou afectado de défice funcional permanente de 13 pontos, que teve de usar durante 6 meses colete lombar, e que sofreu dores muito intensas: indemnização de €35.000,00;

Acórdão de 19.10.2021, P. 2601/19 (Manuel Capelo): sinistrado com 44 anos, que esteve 2 anos de baixa médica, dos quais 22 dias em internamento hospitalar; quantum doloris de grau 5 numa escala de 7; dano estético de 3 numa escala de 7; ficou afectado de um défice funcional permanente de 15 pontos, nunca mais deixando de claudicar: indemnização de €45.000,00.

Os exemplos citados evidenciam que o acórdão recorrido, que incidiu sobre uma situação de indiscutível menor gravidade relativamente aos casos citados, não parece ter respeitado os critérios de proporcionalidade e equidade que resultam da jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, impondo-se, pois, a redução da indemnização fixada na Relação.

Tendo isto tudo presente, entendemos que a indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser reduzida e fixada no montante de €12.500,00.

Decisão.

Pelo exposto, concede-se parcial provimento à revista e revoga-se o acórdão recorrido que condenou a Ré a pagar ao Autor a indemnização de €20.000,00, indo agora condenada na indemnização de €12.500,00.

Custas por Autor e Ré, na proporção de vencido.

Lisboa, 11.01.2024

Ferreira Lopes (relator)

Lino Ribeiro

Sousa Lameira