Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA INÍCIO DA PRESCRIÇÃO SUBSIDIARIEDADE RESTITUIÇÃO CASO JULGADO MATERIAL CAUSA DE PEDIR FACTOS ESSENCIAIS EXCEÇÃO DILATÓRIA PEDIDO INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA FUNDAMENTAÇÃO TEORIA DA SUBSTANCIAÇÃO RÉPLICA ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR | ||
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Data do Acordão: | 02/13/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário : | I- A causa de pedir é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos. II- Só haverá exceção de caso julgado quando na segunda ação não são alegados factos principais diferentes dos alegados na primeira. III- Os conceitos de causa de pedir e de facto jurídico têm uma componente casuística o que pressupõe a análise da fundamentação da decisão anterior transitada em julgado. IV- Dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 482º do Código Civil, não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição. V- A expressão – o credor teve conhecimento do direito que lhe compete – do artigo 482º do Código Civil, reporta-se ao conhecimento do direito à restituição e não apenas do conhecimento dos elementos constitutivos de tal direito. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº. 10951/22.6T8LSB-A.L1.S1 Acordam na 6ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça 1-Relatório: A autora, Football Capital, S.A. interpôs ação comum, contra a ré, Sporting Clube de Portugal, Futebol S.A.D., a peticionar: a) Condenar-se a Ré a pagar à Autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de 603.750,00€ (seiscentos e três mil setecentos e cinquenta euros); b) Condenar-se a Ré a pagar à Autora, a título de juros de mora vencidos sobre a referida quantia, calculados à taxa legal supletiva de juros comerciais de 8% (oito por cento), a quantia de 165.543,29€ (cento e sessenta e cinco mil quinhentos e quarenta e três euros e vinte e nove cêntimos); e c) Condenar-se a Ré a pagar à Autora os juros de mora vincendos sobre a quantia referida na alínea a), à predita taxa legal supletiva, calculados até efeito e integral pagamento. Para tanto, alegou, em síntese, que instaurou contra a R. ação declarativa de condenação, em processo comum, ação que foi autuada com o n.° 1691/19.4T8LSB, e que correu termos pelo Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito da qual foi proferida sentença que decidiu julgando a ação totalmente procedente, condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 603.500,00, acrescida de juros de mora vencidos no valor de 31.947,95€ e dos vincendos, à taxa legal, desde 25/01/2019, até integral pagamento. Julgou ainda improcedente o pedido reconvencional formulado pela ré. Daquela decisão, a ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por Acórdão de 23.03.2021, julgou totalmente improcedente a apelação e confirmou integralmente a decisão proferida em 1ª. Instância. A R. interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o qual, foi objeto de Acórdão datado de 30.06.2021, por meio do qual o STJ concedeu a revista, “revogando o acórdão recorrido na parte em que condenou a ré, absolvendo-a do pedido”, declarando a inexistência do contrato em questão. Defende a autora que, por força da inexistência de causa declarada pelo STJ, pode agora demandar a ré com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, alegando que a ré se enriqueceu à custa da atividade empreendida pela A. e com os resultados por esta alcançados, sendo que a causa deixou de existir e por isso esse enriquecimento é injustificado. A ré apresentou contestação, excecionando o caso julgado e a prescrição do direito da autora. Defende a autora que, por força da inexistência de causa declarada pelo STJ, pode agora demandar a ré com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, alegando que a ré se enriqueceu à custa da atividade empreendida pela A e com os resultados por esta alcançados, sendo que a causa deixou de existir e por isso esse enriquecimento é injustificado. A ré apresentou contestação, impugnando parte da factualidade vertida na petição inicial e excecionando o caso julgado e a prescrição do direito da autora, propugnando pela improcedência da demanda. A autora respondeu, sob convite, propugnando pela improcedência das exceções. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se apreciaram as exceções, com os seguintes dispositivos: «Assim, improcede a exceção do caso julgado, mas declara-se que existe força de caso julgado quanto à factualidade que já foi apreciada na anterior ação e quanto à decisão que considerou inexistente o contrato celebrado entre as partes e retirou dessa inexistência as suas consequências. Considerando que a decisão proferida na ação anterior data de 30.06.2021 e transitou em julgado e esta ação foi intentada em 2.05.2022, não havia decorrido ainda o prazo de prescrição aplicável, pelo que improcede esta exceção». Prosseguiram os autos, mediante delimitação do objeto do litígio e seleção dos temas da prova. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação autónoma para a Relação de Lisboa, onde foi proferido acórdão, com o seguinte teor na sua parte decisória: « Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam na improcedência total da apelação e na manutenção das decisões recorridas». A ré veio então interpor recurso de revista para este STJ., concluindo as suas alegações: 1) A autora tem conhecimento do seu putativo direito de crédito desde a data do alegado vencimento das faturas emitidas no âmbito do contrato de intermediação, que alega ter ocorrido em 6/2/2018 e 4/9/2018, respetivamente (cfr. art.° 186 da p.i.); 2) A primeira ação (Proc.º n.º 1691/19.4T8LSB) foi intentada em 1/1/2019; 3) A contestação da ré nessa ação, alegando a inexistência jurídica do contrato, foi notificada à autora em 28/2/2019; 4) Tendo a autora invocado esse alegado direito ao pagamento do valor das faturas em sede de enriquecimento sem causa, explicitamente, na réplica aí apresentada em 3/4/2019; 5) A presente ação foi proposta em 1 de maio de 2022. 6) A autora teve conhecimento do seu putativo direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do Código Civil, quando foi notificada da contestação da ré, onde esta invocava a inexistência jurídica do contrato invocado na petição inicial, ou seja, em 28/2/2019. 7) Em 3/4/2019, data da apresentação da réplica, onde invocou o seu direito ao recebimento das quantias aqui e aí peticionadas, com base no enriquecimento sem causa, a autora já tinha necessário conhecimento desse direito à restituição, caso contrário não o teria exercido. 8) A inexistência jurídica do contrato nunca foi objeto de controvérsia entre as três instâncias onde correu termos aquele primeiro processo (Proc.º n.º 1691/19.4T8LSB); divergiram a 1ª instância e a Relação, por um lado e o Supremo Tribunal de Justiça, por outro e final lado, apenas quanto aos efeitos jurídicos dessa mesma inexistência, nomeadamente quanto à equiparação – ou não – dos efeitos ex tunc da nulidade. 9) A aplicação da dilação ao início da contagem do prazo de prescrição (“após o trânsito em julgado de decisão proferida em anterior ação, que haja, de boa fé, sido intentada, sem êxito, pelo empobrecido, para obter a satisfação do seu crédito”) apenas se justifica em casos de controvérsia jurídica ou fáctica, ou seja, quando os factos ou o direito aplicável, que conduzam à improcedência da primeira ação (intentada com base no pressuposto da existência de obrigação de cumprimento por parte do réu) se mostrem em séria e justificada dúvida, até ao trânsito em julgado da decisão final daquela mesma ação, o que não era o caso na ação primitiva (Proc.º n.º 1691/19.4T8LSB). 10) A autora exerceu a sua pretensão (no Proc.º n.º1691/19.4T8LSB) de forma negligente, primeiro invocando um contrato obviamente inválido, à luz de qualquer entendimento e, depois, alterando de imediato a causa do seu pedido, na mesma ação. 11) A proteção ao sujeito passivo da prescrição de prazo curto nos termos da jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/3/2023 (Tibério Nunes da Silva) “é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.» - disponível em www.dgsi.pt. 12) Do que se retira que, se havia algum desconhecimento, não se referia aos pressupostos do direito à restituição, mas, antes, apenas das normas processuais que regulam a alteração da causa de pedir, em sede de réplica – desconhecimento que, nos termos gerais, não aproveita a ninguém. 13) Desde 24/4/2019 que a autora sabia que a ré não tinha declarado naqueles autos a sua aceitação expressa à alteração da causa de pedir – tendo decorrido até 23/4/2019, o prazo supletivo de 10 dias para que a ré respondesse a essa pretensão, sem que o fizesse. 14) Em 24/4/2019, a autora podia confiar, com total segurança, que a sua pretensão iria necessariamente soçobrar, quer porque o contrato cujo cumprimento peticionou se mostrava inválido quer porque não seria admitida a alteração da causa de pedir, com vista ao reconhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa. 15) Aquela restrição jurisprudencial ao início da contagem do prazo de prescrição, salvo melhor opinião, não pode compactuar com a eficácia suspensiva da pendência de uma ação temerária, de insucesso certo, como foi o caso em análise. 16) Pelo que, em 1/5/2022 (data da propositura desta ação), já se mostrava decorrido na íntegra o prazo previsto no citado art. 482º, que o acórdão recorrido deste modo viola. 17) O Acórdão recorrido acompanha uma posição jurisprudencialmente minoritária, a qual propugna que o dies a quo da contagem do prazo da prescrição do direito do empobrecido se fixa na data em que este toma conhecimento do direito à restituição (em sentido estrito), e não a partir do momento em que toma conhecimento dos elementos constitutivos desse direito. 18) O Acórdão recorrido sufraga o entendimento propugnado, entre outros, pelo acórdão do STJ de 10.12.2019 (Relatora: ASSUNÇÃO RAIMUNDO), disponível em https://www.dgsi.pt, nos termos do qual se conclui que “o momento em que os autores tiveram conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do Código Civil, é o do trânsito em julgado do acórdão que julgou improcedente a reconvenção, porque até esse momento, os ora autores, para além de ainda usufruírem do imóvel em litígio, estavam persuadidos que a lei lhes reconhecia o direito de propriedade sobre o mesmo. Só com o transito em julgado de tal decisão e com a consequente entrega, viram consolidar-se este “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil.” 19) Não se aplica ao caso essa doutrina, pois a aqui autora é uma “sociedade com experiência em consultoria relacionada com a atividade desportiva”, e comprometeu-se a “aconselhar a Sporting CP na estratégia de negociação (…)[tendente] à transferência do jogador”, tudo “de acordo com os padrões que podem razoavelmente esperar-se de uma sociedade com experiência deste tipo de serviços” – facto assente identificado com o n.º 1 no Acórdão do STJ de 30 de Junho de 2021, proferido no âmbito da ação originária (Proc.º 1691/19.4T8LSB). 20) O mesmo Acórdão identificou a atividade da autora como atividade de intermediação desportiva, sendo que, à data, a disciplina dessa atividade se concentrava integralmente nos 4 artigos que compunham o seu capítulo IV da Lei 28/90 de 26 de junho. 21) Era, pois, exigível à autora que conhecesse esta “regulação normativa tão categórica” - Acórdão do STJ de 30 de junho (Proc.º 1691/19.4T8LSB). 22) O putativo desconhecimento dessa norma que determinava a inexistência jurídica do contrato não aproveita à autora aqui recorrida. 23) É essa, de resto, a doutrina que subjaz ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/3/2023 (Tibério Nunes da Silva), disponível em www.dgsi.pt, em que se baseia o Acórdão a quo: «Visando a prescrição desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, esta proteção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.» 24) O conceito de conhecimento do direito à restituição deverá ser interpretado como o conhecimento do preenchimento dos respetivos pressupostos (elementos constitutivos). 25) Os pressupostos desse putativo direito são conhecidos da recorrida desde o vencimento das faturas (6/2/2018 e 4/9/2018), por lhe ser exigível o conhecimento da categórica regulação normativa que disciplinava a sua atividade; 26) Caso assim não se entenda, sempre seriam desta conhecidos desde o momento em que a ré expressamente invocou a inexistência jurídica do contrato, aquando da apresentação da sua contestação na ação primitiva, notificada à autora em 28/02/2019. 27) Não podendo restar qualquer dúvida que a autora já conhecia esses pressupostos do seu suposto direito quando expressamente invocou este instituto do enriquecimento sem causa, na sua réplica, apresentada em 03/04/2019– interpretação oposta é jurídica e racionalmente insustentável. 28) No limite, na senda do voto de vencido transcrito, a tomada de conhecimento do putativo direito à restituição ocorreu quando foi alegada a inexistência do contrato, e apresentada réplica propondo um alargamento da causa de pedir à qual a ali ré não aderiu (o que ocorreu em 24/4/2019). 29) Desde qualquer desses momentos e até à data da apresentação da presente ação, decorreram mais de três anos, encontrando-se prescrito o direito invocado pela autora. 30) O afastamento do princípio da preclusão quanto à recorrida, no sentido de se encontrar desobrigada de concentrar os fundamentos de um pedido numa só ação, e o carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa não podem ser interpretados contra legem, derrogando a norma legal que impõe um prazo de prescrição curto para o exercício do direito à restituição com base neste instituto. 31) A autora não estava obrigada a concentrar todos os fundamentos do seu pedido na ação que intentou (a ação primitiva – Proc.º1691/19.4T8LSB), mas não o fazendo, nomeadamente através da apresentação de pedido subsidiário com base em enriquecimentos sem causa, não pode pretender suspender o calendário da prescrição – sibi imputet. 32) A autora poderia ainda, cumprindo os respetivos requisitos, ter ampliado o seu pedido, ou, alternativamente, apresentado uma nova ação dentro do prazo. 33) Considerando-se não verificados os pressupostos do caso julgado na presente ação por relação à ação originária (Proc.º 1691/19.4T8LSB), também não se verificariam os pressupostos da litispendência numa ação intentada na pendência daquela, motivo pelo qual poderia ter sido apresentada nova ação, com base em enriquecimento sem causa, na pendência da primeira. 34) Ao julgar improcedente a exceção de prescrição, a decisão recorrida violou o disposto no art.º 482.º do Código Civil. 35) A autora, no âmbito da presente ação, apresenta causa de pedir idêntica àquela que fundava o seu pedido na ação originária (Proc.º n.º 1691/19.4T8LSB); 36) Não alega novos factos consubstanciadores do enriquecimento da ré e do concomitante empobrecimento da autora, antes mantendo o mesmo núcleo factual alegado na ação primitiva, envolvendo-o apenas numa diferente roupagem jurídica. 37) A autora peticiona na presente ação o pagamento, pela ré, do montante que lhe foi faturado no âmbito do contrato de intermediação declarado inexistente, no valor de 603.750,00€ - cfr. art.ºs 93, 96, 98, 101, 102, 106, 107, 108 da petição inicial dos presentes autos. 38) É do contrato inexistente e das faturas emitidas com base nele que se extrai “a consequência jurídica pretendida pelo autor”. 39) O montante peticionado (a título de capital), de € 603.750,00, é, nem mais nem menos, o montante faturado no âmbito do contrato declarado inexistente – cfr art.ºs 109, 110, 111, 154, 155 da p.i. 40) A autora pretende transformar uma mera alteração da “qualificação jurídica dos factos” numa verdadeira inovação quanto ao “pedido” e à causa de pedir”, mas sempre revelando o que realmente pretende: o “pagamento daquela obrigação” contratual (art.º 155.º da p.i.). 41) E isso expõe-se com expressiva clareza quanto aos juros de mora, que contabiliza desde a data de vencimento das faturas emitidas no âmbito do contrato declarado inexistente, e não a partir da data do trânsito em julgado da decisão que o declarou inexistente (facto que pretende ser constitutivo do direito à restituição): art.ºs 185, 186, 187 da p.i. 42) O contrato invocado na primitiva ação é o mesmo facto jurídico concreto de que emerge o direito que a autora se propõe fazer declarar (i.e., a causa de pedir) na presente ação. 43) Se a autora pretende o pagamento das faturas emitidas com base num contrato, é porque não baseia o seu pedido em enriquecimento sem causa. 44) o putativo enriquecimento da ré, consubstanciado na inscrição do jogador AA ao serviço da equipa da ré e a revenda do passe jogador pelo montante de €8.000.000,00 encontra-se identicamente discutido (e provado) no processo primitivo e na p.i. apresentada no presente – cfr. al. B a E dos factos provados na ação primitiva, a que correspondem, respetivamente, os art.ºs 63, 65, 85 e 144 a 155, 86 da p.i. 45) Tendo sido alegados, correspetivamente, os mesmos atos executórios do contrato - identicamente alegados em ambas as ações (cfr. al. M (subal. a), b), c) d) e e)) dos factos provados na ação primitiva, a que correspondem, respetivamente, os art.ºs 16 e 17, 19 a 22, 33 a 36, 38, e 52 a 63 da p.i.) para sustentar – imagina-se - o putativo empobrecimento da autora. 46) Ou seja, o enriquecimento da ré, e o correspetivo (?) empobrecimento da autora, nos termos em que incipientemente vêm alegados nesta segunda ação, já o foram naquela ação primitiva, tendo sido inclusivamente apreciados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos que melhor se descrevem na contestação, para a qual se remete. 47) “Há identidade de causa de pedir quando o substrato factual de ambas as ações é precisamente idêntico, radicando a única diferença entre ambas no modo como – de um ponto de vista estritamente normativo, situado exclusivamente no plano da subsunção ou qualificação jurídica desses mesmos factos imutáveis – se procede ao respetivo enquadramento jurídico – reportando-o, na primeira ação, à pretensa atuação de uma cláusula de correção do preço, inserida em contrato promessa já exaurido e, na segunda, referenciando essa mesma factualidade concreta, já inteiramente alegada na ação anterior, ao plano extracontratual do enriquecimento sem causa. É essa a configuração da ação e é esse o teor do seu pedido.” Cfr - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2013 Relator: Lopes do Rego), disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa81 4/b2c129c39785e2ff80257b570051b681?OpenDocument 48) A autora pretende nesta ação obter o pagamento dos serviços que alega ter prestado à ré, ou seja, obter o mesmo exato efeito prático-jurídico que lhe foi negado na ação originária. 49) Uma decisão no sentido de deferir essa pretensão seria necessariamente contraditória com a proferida no âmbito da ação originária (Proc.º n.º 1691/19.4T8LSB). 50) A autora veio, em resposta às exceções, escudar-se na superveniente declaração de inexistência do contrato, procurando atribuir alguma novidade aos factos que agora alega. 51) No entanto, a inexistência do contrato não é um facto, nem introduz novidade ao núcleo factual alegado, que é manifestamente idêntico em ambas as ações. 52) Se a autora pretendesse o reconhecimento do direito a uma restituição por via do enriquecimento sem causa, teria de alegar novos factos que consubstanciassem o enriquecimento da ré e empobrecimento da autora (nomeadamente invocando atos executórios do contrato de intermediação declarado inexistente que importassem despesas relevantes e comprováveis), e apresentar um pedido que se contivesse nos limites desse alegado enriquecimento e correspetivo empobrecimento. 53) A autora não quis conter-se nesses limites e repetiu a causa do primitivo pedido: cobrar as faturas não pagas pela ré, emitidas no âmbito de um contrato inexistente. 54) Havendo identidade da causa de pedir e do pedido, como reconhecidamente existe identidade das partes, encontra-se preenchido o pressuposto da tríplice identidade de cuja verificação depende a exceção de caso julgado, exceção dilatória de conhecimento oficioso e que determina a absolvição da ré/recorrente, da instância. 55) Ao decidir de modo diverso, o aresto a quo violou o disposto no art.º 576.º, 577.º, 580.º e 581.º do CPC. 56) A ação deve improceder, ainda que não se reconheça integralmente transcorrido o prazo de prescrição, e ainda que se não julgue verificada a exceção do caso julgado. 57) O que se encontra em causa na cominação da inexistência jurídica prevista na pretérita Lei 28/98, de 26 de junho, é a especial relevância social que o legislador atribuía (e atribui) à atividade de intermediação desportiva, o que justificava que a relação contratual estabelecida com agente/intermediário desportivo não registado fosse considerada inexistente, igualmente se cominando com o vício de inexistência jurídica as cláusulas que no contrato celebrado com agente não registado previssem a respetiva remuneração (art.º 23.º, n.º 4 da Lei 28/98). 58) Deve, pois, vedar-se a aplicação ao caso do instituto do enriquecimento sem causa, justamente para se evitar que, por essa via, o contrato inexistente produza os efeitos que a lei – cominando-o com tal vício – pretende evitar que produzisse. 59) E é nesse mesmo sentido que deve interpretar-se o disposto no art.º 474.º do Código Civil, na parte em que estabelece que “Não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei (…) negar o direito à restituição” – norma violada pelo aresto a quo. 60) A norma legal imperativa prevista no art.º 23/4 da Lei 28/98 proibia a remuneração dos agentes não registados no âmbito de contratos de intermediação desportiva, desse modo negando o direito à restituição (474.º do CC) dos montantes não pagos em execução do contrato dos autos, declarado inexistente. 61) Pelo exposto, deverá considerar-se inaplicável ao presente caso o instituto do enriquecimento sem causa, sob pena de se encontrar um expediente apto a contornar a expressa consagração da inexistência jurídica de uma situação jurídica que o legislador pretendeu desprover de todos e quaisquer efeitos jurídicos, revogando-se o aresto recorrido, e substituindo-o por outro que, desde já, determine a improcedência do pedido. Por seu turno, contra-alegou a autora, pugnando pela improcedência do recurso. Foram colhidos os vistos. 2- Cumpre apreciar e decidir: As conclusões do recurso delimitam o seu objeto, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil. O recurso de revista é admissível atento o valor da causa e a inexistência de dupla conforme, tendo presente o disposto no nº. 1 do art. 629º e nº. 1 do art. 671º, ambos do CPC. As questões a dirimir consistem em aquilatar: - Da verificação da exceção de caso julgado. - Da verificação da exceção da prescrição do crédito baseado em enriquecimento sem causa. A matéria de facto delineada nas instâncias foi a seguinte: a)Na ação declarativa de condenação, em processo comum, com o n.º 1691/19.4T8LSB, intentada pela A contra a ré e que correu termos pelo Juízo Central Cível de ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito da qual foi proferida sentença que decidiu: “Julgo a ação totalmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 603.500,00 (seiscentos e três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora vencidos no valor de 31.947,95€ e dos vincendos, à taxa legal, desde 25/01/2019, até integral pagamento. 2. Julgo improcedente o pedido reconvencional. 3. Julgo improcedente o pedido de litigância de má-fé da Ré”. b) Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 23.03.2021, mas — em recurso de Revista excecional interposto pela Ré — o STJ por Acórdão datado de 30.06.2021, concedeu a revista, “revogando o acórdão recorrido na parte em que condenou a Ré, absolvendo- a do pedido”, declarando a inexistência do contrato em questão. c) Nesta decisão, o STJ considerou que não poderia conhecer do enriquecimento sem causa nos termos que constam de fls.11 e 12 do Acórdão, cujo teor damos por integralmente reproduzido. d) No que diz respeito à restituição da quantia de € 86.250,00, que a ré peticionou em reconvenção, considerou o STJ que a decisão das instâncias a este respeito transitou, mas que em termos substantivos a restituição não deveria acontecer para que a ré não ficasse numa situação de benefício e consignou: “deve a quantia de €86.250,00 considerar-se correspondente, em parte, ao valor da prestação realizada pela recorrida que as partes fixaram livremente, e que, pela sua natureza, é impossível ser restituída pela Recorrente, que beneficiou da prestação toral da Recorrida”, pelo que confirma a improcedência da reconvenção. Mais resulta provada, da documentação junta com a petição inicial, que: e) Da decisão da 1ª instância supre referida com o n.º 1691/19.4T8LSB, consta: Ora, o contrato celebrado entre A. e R. visava a prestação de serviços pela A. tendentes a permitir a celebração de tais contratos pela Ré, sem que a A. tivesse qualquer intervenção nessa contratação, não atuando em nome ou em representação da Ré. O que implica concluir que não pode qualificar-se o contrato celebrado entre A. e R. como de mandato, já que a A. não interveio como mandatária da Ré em qualquer momento, nem, em qualquer momento, praticou qualquer ato jurídico por conta ou em nome da ré. Aliás, da análise das cláusulas contratuais resulta mesmo que as partes pretenderam afastar qualquer ligação/representação, fazendo constar da cláusula terceira do contrato que “nada no presente contrato deve ser considerado parceria, relação de agência ou joint-venture”. É inquestionável que a A. agiu como intermediária, no sentido em que mediou, facilitou, aproximou as partes auxiliando a contratação, mas sem que tenha tido qualquer intervenção no contrato visado, não podendo ser qualificado como de mandato e, consequentemente, não é subsumível ao disposto no n.º 4 do art.º 23º da Lei 28/98 de 26/07, que refere que é inexistente “o contrato de mandato celebrado com empresário desportivo não inscrito no registo referido no art. 23.” Na verdade, afigura-se que tal exigência apenas se aplica aos casos de mandato e não já aos de intermediação em que não haja representação ou em que o empresário desportivo não atua por conta ou em nome de outrem. É que só na situação de mandato se justifica tal exigência porquanto o mandato implica a prática de atos jurídicos, exigindo-se, assim, um empresário especialmente idóneo, enquanto na simples intermediação apenas são realizados atos materiais tendentes à realização futura de atos jurídicos. Assim, tendo a A. prestado os serviços a que contratualmente se obrigou e emitido as faturas nos termos acordados, e não tendo a Ré pago os montantes a que se tinha obrigado, incumpriu o contrato, constituindo-se em mora desde a data em que o devia ter feito, (art.º 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2 al. a) do Código Civil), estando obrigada a reparar os danos (art.º 804º, n.º 1), que, porque se trata de uma prestação pecuniária, corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art.º 806º, n.º 1 do Código Civil). (…) Sempre se dirá que mesmo que se considerasse o contrato dos autos abrangido pelo referido art.º 23º, n.º 4, tem sido entendimento da jurisprudência e o que melhor reflete a intenção do legislador que a inexistência aí referida devia seguir o regime da nulidade, devendo ser restituído tudo o que foi prestado (art.º 289 do CC). Efetivamente, o tipo de vício ali previsto (falta de um requisito formal) não tem relação ou paralelo com outros casos de inexistência do sistema. Na verdade, no caso em apreço, não falta nenhum dos elementos essenciais do negócio jurídico. A falta de registo do empresário desportivo junto da federação Portuguesa de Futebol não faz desaparecer o corpus que materializa o negócio jurídico. Trata-se, apenas de uma “punição” do legislador com vista a controlar o exercício da atividade em causa, tendo em conta as especificidades da atividade e os elevados montantes pecuniários, em regra, envolvidos, pelo que, terá que se considerar que tal falta determina a nulidade, mas já não a inexistência. (…) Entende-se, assim, que a ser-lhe aplicável o disposto no n.º 4 do art.º 23º da Lei 28/98, sempre o contrato seria nulo não inexistente. Assim, tendo a ré que restituir tudo o que foi prestado e não podendo já a Ré restituir os serviços prestados pela A. dos quais beneficiou (já que logrou celebrar o contrato de trabalho como jogador e que conseguiu ceder os direitos deste jogador por valor superior a 6000.000€) deve restituir à A. o valor correspondente a tais serviços, valor que terá que ser o valor que as partes acordaram fixar-lhe. Pelo que, também neste caso, seria procedente o pedido e improcedente o pedido reconvencional. f) Consta da fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, supra referido, o seguinte: Entendeu o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância que estávamos perante um contrato de prestação de serviços de consultoria enquanto o Réu/Apelante defende que estamos perante um contrato de intermediação/agenciamento desportivo. (…) Ora, estes atos materiais praticados pela A., em cumprimento das diretivas da Ré, que procedeu à redação dos contratos e às orientações a serem observadas, integram-se como uma prestação de serviços executados pela A. a favor da Ré, nos termos em que se encontram delineados pelo artigo 1154.º do Código Civil, tal como foi o entendimento do senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância. g) Consta da fundamentação do Acórdão do STJ, supra referido, o seguinte: Face à inexistência jurídica, o negócio jurídico celebrado não produz qualquer efeito jurídico, como é próprio do seu regime. Por consequência, sendo juridicamente inexistente o contrato de prestação de serviço, com poderes de mandato, não pode advir da sua celebração quaisquer direitos e obrigações, sendo irrelevante, por isso, o incumprimento imputado. Em face da inexistência jurídica do contrato celebrado, distinta da nulidade, acaba por ser despropositada a motivação do acórdão recorrido baseada no abuso de direito, com referência a um contrato nulo. O regime da inexistência jurídica é incompatível com a verificação do abuso de direito, tal como este é definido pelo art.º.334º do CC. Efetivamente, não podendo, por efeito da inexistência jurídica, o negócio jurídico celebrado produzir qualquer efeito jurídico, obviamente que não pode, através do instituto do abuso de direito, produzir os efeitos jurídicos que, de outro modo, nunca poderia produzir. Por efeito da inexistência jurídica do contrato celebrado, a recorrida não pode exigir o pagamento da retribuição fixada nesse contrato. Para fundamentar a sua pretensão, a recorrida alude ainda ao enriquecimento sem causa, invocado na réplica. (…) Por efeito do princípio do dispositivo, o enriquecimento sem causa, nomeadamente quanto aos seus requisitos, carece de ser alegado na ação. O enriquecimento sem causa, como causa de pedir na ação, deve ser invocado na petição inicial, nos termos do disposto no art. 552º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, levando em consideração a teoria da substanciação. Examinando a petição inicial, a recorrida limita-se a alegar como causa de pedir, o incumprimento do contrato de prestação de serviço celebrado com a recorrente. É certo que, na réplica, se invocou, como nova causa de pedir, o enriquecimento sem causa. Todavia a alteração da causa de pedir estava dependente do acordo da outra parte, nos termos do art. 264º do CPC, que os autos não revelam. Faltando o acordo, verifica-se que a alteração não decorre, nem tal foi invocado, em consequência da confissão feita pela recorrente e aceite pela recorrida, como se estabelece noa rt. 265º do CPC. (…) Neste contexto, não sendo processualmente admissível, a alteração da causa de pedir é irrelevante e, por isso, não pode o enriquecimento sem causa, como fonte autónoma de obrigações, ser considerado no âmbito da ação. De resto, quando da audiência prévia, o enriquecimento sem causa não foi sequer incluído no âmbito do objeto do litígio. Além disso, a questão do enriquecimento sem causa não foi objeto de ampliação do objeto do recurso, nomeadamente nos termos do art. 636º do CPC, o que constituiria sempre uma questão nova, que não podia conhecer-se. Vejamos: Insurge-se a recorrente relativamente ao acórdão proferido, dado entender que se verifica a exceção dilatória de caso julgado. Para tanto, alega que a autora, no âmbito da presente ação apresenta causa de pedir idêntica àquela que fundava o seu pedido na ação originária com o Processo nº. 1691/19.4T8LSB. Ora, nos termos do disposto na al.) i) do art. 577º do CPC., o caso julgado constitui uma exceção dilatória. A verificação da exceção de caso julgado nos termos constantes do nº. 1 do art. 580º do CPC., pressupõe a repetição de uma causa, se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário. O caso julgado traduz a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, resultante do respetivo trânsito em julgado. Aludindo o art. 581º do CPC. que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. E existe identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas; identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nºs. 2, 3 e 4 do mesmo preceito). Na situação vertente invoca-se, com especial incidência, a identidade da causa de pedir. A causa de pedir é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas demandas procede do mesmo facto jurídico, entendendo-se a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito, donde se deverá atender a todos os factos invocados que forem injuntivos da decisão, correspondendo, pois, à alegação de todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender, independentemente da coloração jurídica dada, sendo que a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido (Ac. do STJ. de 10-1-2023, in Revista 739/21.7T8LOU-C.P1.S1). A ordem pela qual, compreensivelmente, a lei enumera as três identidades caracterizadoras do caso julgado (a identidade do pedido antes da identidade da causa de pedir) mostra que é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado.” (Antunes Varela em Manual do Processo Civil, 2ª Ed. Revista e Atualizada, 1985, Coimbra Editora, pp. 712). O autor há de indicar os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma, que constituem a causa de pedir que corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, pp. 223). Só haverá exceção de caso julgado quando na segunda ação não são alegados factos principais diferentes dos alegados na primeira. Os conceitos de causa de pedir e de facto jurídico têm uma componente casuística o que pressupõe a análise da fundamentação da decisão anterior transitada em julgado. Ora, na anterior ação, a qual percorreu as três instâncias e como resulta do acórdão do STJ., proferido no âmbito do Processo nº. 1691/19.4T8LSB.L1.S1, a autora alegou que celebrou com a ré um contrato de prestação de serviço de consultadoria, tendo por objeto a assistência e aconselhamento desta e por objetivo a obtenção, na qualidade de empregadora, de um contrato de trabalho de futebolista profissional, com um jogador de nacionalidade italiana. A autora cumpriu o acordado e tais condições ocorreram. A autora emitiu faturas que não foram pagas e daí o pedido de condenação no pagamento da quantia de € 603.500,00, acrescida dos juros de mora vencidos. No acórdão em causa foi decidido que por efeito da inexistência jurídica do contrato celebrado, a recorrida não podia exigir o pagamento da retribuição nesse contrato. Mais foi mencionado no mesmo acórdão que «Para fundamentar a sua pretensão, a recorrida alude ainda ao enriquecimento sem causa, invocado na réplica. (…) Por efeito do princípio do dispositivo, o enriquecimento sem causa, nomeadamente quanto aos seus requisitos, carece de ser alegado na ação. O enriquecimento sem causa, como causa de pedir na ação, deve ser invocado na petição inicial, nos termos do disposto no art. 552º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, levando em consideração a teoria da substanciação. Examinando a petição inicial, a recorrida limita-se a alegar como causa de pedir, o incumprimento do contrato de prestação de serviço celebrado com a recorrente. É certo que, na réplica, se invocou, como nova causa de pedir, o enriquecimento sem causa. Todavia a alteração da causa de pedir estava dependente do acordo da outra parte, nos termos do art. 264º do CPC, que os autos não revelam. Faltando o acordo, verifica-se que a alteração não decorre, nem tal foi invocado, em consequência da confissão feita pela recorrente e aceite pela recorrida, como se estabelece noa rt. 265º do CPC. (…) Neste contexto, não sendo processualmente admissível, a alteração da causa de pedir é irrelevante e, por isso, não pode o enriquecimento sem causa, como fonte autónoma de obrigações, ser considerado no âmbito da ação. De resto, quando da audiência prévia, o enriquecimento sem causa não foi sequer incluído no âmbito do objeto do litígio. Além disso, a questão do enriquecimento sem causa não foi objeto de ampliação do objeto do recurso, nomeadamente nos termos do art. 636º do CPC, o que constituiria sempre uma questão nova, que não podia conhecer-se». Com efeito, na anterior ação foram alegados factos consubstanciadores do pedido ali formulado, mas não foram alegados na causa de pedir, factos conducentes ao conhecimento do enriquecimento sem causa, que ora formulam. O pedido de enriquecimento sem causa, como o próprio acórdão do STJ. ali subscreveu, não foi sequer incluído no âmbito do objeto do litígio. O circunstancialismo de se ter pretendido alterar a causa de pedir, na réplica, não surtiu qualquer efeito, pois, nos termos do disposto no nº. 1 do art. 584º do CPC., só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção. A réplica é um articulado cuja apresentação é limitado para defesa de pedido reconvencional deduzido e nas ações de simples apreciação negativa, para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu. O pedido de enriquecimento sem causa, decorrente de pretendida alteração da causa de pedir na réplica, foi inconsequente e inócuo, pois, nos termos do nº. 1 do art. 265º do CPC., na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. E como o STJ. também escreveu no mesmo acórdão «Neste contexto, não sendo processualmente admissível, a alteração da causa de pedir é irrelevante e, por isso, não pode o enriquecimento sem causa, como fonte autónoma de obrigações, ser considerado no âmbito da ação». Implica tal, que o enriquecimento sem causa, não foi objeto de conhecimento na anterior ação, dando-se azo a que fosse intentada a presente, onde se formulou a condenação a título de enriquecimento sem causa e se indicaram factos enformadores desta inovadora causa de pedir. Contrariamente ao pretendido pela recorrente, a autora alega nestes autos, factos não anteriormente alegados de molde a sustentar a sua pretensão. Com efeito, da análise da sua petição inicial, a mesma do seu ponto 112 ao 128, descreve a situação em causa e na parte do direito, desenvolve o instituto do enriquecimento sem causa. Não é objeto para dirimir no recurso, se há ou não há enriquecimento sem causa, pois, tal aspeto ainda irá ser apreciado na ação que corre os seus trâmites, mas tão só, neste particular, aquilatar da materialização da exceção de caso julgado. Ora, confrontando as duas ações em apreciação, constatamos que apenas são idênticos os sujeitos processuais. Não existe identidade de causas de pedir e pedido, entre aquela primeira ação estruturada numa relação contratual e a presente baseada em enriquecimento sem causa. Destarte, não se encontram preenchidos os requisitos da exceção de caso julgado, decaindo esta parte do recurso. Invoca também a recorrente, a exceção da prescrição do crédito por enriquecimento sem causa. Entende a recorrente que a autora teve conhecimento do seu putativo direito à restituição por enriquecimento sem causa, quando foi notificada da contestação da ré, onde esta invocava a inexistência jurídica do contrato, ou seja, em 28-2-2019 ou em 3-4-2019, na data da apresentação da réplica, onde invocou tal instituto, pelo que, tendo a presente ação sido intentada em 1-5-2022, já se encontra decorrido o prazo previsto no art. 482º do Código Civil. Assim, está em causa apreciar a partir de que momento se deverá contar o prazo de prescrição do direito invocado pela autora, com base no enriquecimento sem causa. Dispõe o art. 482º do Código Civil, o seguinte: O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento. Como se plasmou no ac. recorrido: «Tem merecido discussão o saber se a expressão "conhecimento do direito que lhe compete" quer dizer "conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito" ou "conhecimento de ter direito à restituição". Nos trabalhos preparatórios do Código Civil, da autoria de Vaz Serra, o projetado art. 730º nº 3, dizia: "O crédito resultante de enriquecimento sem causa prescreve por três anos contados da data em que o credor teve conhecimento do seu direito de repetição e da pessoa do responsável e, em qualquer caso, no prazo ordinário da prescrição". No anteprojeto do Código Civil (primeira revisão ministerial, artigo 460º), voltava a aparecer a expressão "conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável". A referência expressa a "direito de repetição" ou a "direito de restituição" mostra claramente que o prazo se iniciava com o conhecimento do próprio direito e não dos seus elementos constitutivos. Ora, o mesmo é o sentido de "conhecimento do direito que lhe compete" que hoje se lê no texto do artigo 482º do Código Civil. É que "o direito que lhe compete" que se lê a meio do preceito será "o direito à restituição" com que o preceito é iniciado. A segunda revisão ministerial limitou-se a passar a expressão "direito à restituição" do meio do texto do preceito para o seu início, sem alterar o seu significado: "O direito à restituição (...) a contar (...) conhecimento do direito (...)". O "direito" cujo conhecimento marca o início do prazo, é precisamente o "direito à restituição». Como se escreveu in BMJ, nº. 445, abril de 1995, pág. 515-517 (a propósito de uma declaração de voto e parafraseando Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107º, págs. 299 e 300) «A prescrição do artigo 482º do Código Civil funda-se na conveniência de compelir os empobrecidos a, podendo e querendo exercer o direito à restituição o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos, o que pode tornar-se difícil ao tribunal. O empobrecido pode ter conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito e não ter, todavia, conhecimento do direito à restituição; ora, é a este e não àqueles que a lei se refere. A expressão – o credor teve conhecimento do direito que lhe compete – do artigo 482º do Código Civil deve interpretar-se como referindo-se ao conhecimento do direito à restituição e não apenas do conhecimento dos elementos constitutivos de tal direito». Como também se alude in, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, pág. 271-272, Júlio Gomes, «Dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido (…) tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição e dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 482º do C. Civil não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respetivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifique a restituição». Ora, na situação vertente, constitui aspeto determinante, a existência da anterior ação, a qual, percorreu as diversas instâncias até culminar com o desfecho definitivo no Supremo Tribunal de Justiça. Só aquando do trânsito daquele acórdão, se poderá conceber que a recorrente ficou ciente da falta de êxito da sua pretensão, formulada com base num contrato que foi declarado inexistente. Só a partir daquele momento, a parte tomou conhecimento que não tendo sido ali apreciado o enriquecimento sem causa, ainda poderia fazer valer o seu direito em juízo, mas invocando uma nova causa de pedir e pedido, o que ocorreu. A natureza subsidiária da obrigação de restituição, por enriquecimento sem causa, significa que a ela só é possível recorrer quando a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, nomeadamente, depois de ter feito valer o seu direito com fundamento noutra causa de pedir, sem resultado favorável. De acordo com tal orientação se tem manifestado o Supremo Tribunal de Justiça. Veremos: - O prazo de três anos previsto no art.º 482 do CC conta-se a partir do momento em que o empobrecido tem conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, ou seja, desde que sabe que ocorreu um enriquecimento à sua custa e da pessoa que se encontra enriquecida. - Intentada uma primeira ação pelo aqui autor contra o aqui réu onde se pedia a condenação deste no pagamento de uma certa quantia em virtude de incumprimento de um contrato de prestação de serviços, o que se não provou, a citação para esta ação não interrompe o prazo prescricional da presente ação em que o autor pretende obter do mesmo réu o pagamento de certa quantia com base no enriquecimento sem causa (STJ. 25-06-2002, in Revista n.º 1305/02 - 1.ª Secção). Ac. do STJ. de 24-10-2002, in https://www.dgsi.pt. «Sendo a ação de enriquecimento sem causa subsidiária, o prazo para a sua propositura só tem início após o trânsito em julgado da decisão absolutória, designadamente em prévia ação de anulação dum negócio jurídico». Ac. do STJ. de 27-11-2003, in https://www.dgsi.pt. «O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete (art.º 482 do CC), não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído». Ac. do STJ. de 23-11-2011, in https://www.dgsi.pt.« O prazo de três anos previsto no art. 482.º do CC conta-se a partir do momento em que o empobrecido teve conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa e da pessoa do responsável. - Não decorreu o prazo de prescrição previsto no art. 482.º do CC quando a ação, onde é invocado o direito à restituição por enriquecimento sem causa, é intentada antes de ter decorrido o prazo de três anos sobre o trânsito em julgado da acção que julgou improcedente o pedido de restituição com base em contrato de mútuo». Ac. STJ. de 27-11-2003, in https://www «O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete (art.º 482 do CC), não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído». Ac. do STJ. de 26-2-2004, in https://www «O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição». Ac. do STJ. de 2-12-2004, in http://www. «O prazo especial, breve, de 3 anos estabelecido no art.º 482 CC conta-se a partir do momento em que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes dum enriquecimento à sua custa e a saber também quem assim resultou beneficiado. Esse prazo não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifique a restituição. Uma vez que só se conta a partir da data em que o empobrecido tomou conhecimento do direito que lhe assiste por este fundamento, não abarca o período em que, com boa fé, tiver utilizado sem êxito outro meio de ser indemnizado ou restituído». Revista nº. 745/11.OT2AVR.P1.S1. de 22-5-2013 «O sentido da subsidiariedade da obrigação de restituição, por enriquecimento sem causa, significa que, não permitido a lei, inicialmente, o exercício da ação, por enriquecimento injustificado, em virtude de o interessado dispor de um outro fundamento, extinguindo-se este direito, com base nesta causa de pedir, por força da prescrição, ressurge o direito de usar aquela ação, fundada no enriquecimento, desde que os respetivos pressupostos se achem, cumulativamente, preenchidos». Ac. do STJ. de 7-11-2019, in https://www. «O prazo de prescrição do art. 482º do CC não se inicia enquanto o empobrecido estiver, de boa fé, a utilizar outro meio ou fundamento que justifique a restituição – ainda que, a final, o utilize sem êxito». Ac. STJ. de 14-1-2021, in https://www «O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído». Ac. do STJ, de 30-3-2023, in https://www. «O prazo de prescrição, de três anos, previsto no art. 482º do Código Civil, atinente ao exercício do direito à restituição por enriquecimento sem causa, só se inicia após o trânsito em julgado de decisão proferida em anterior ação, que haja, de boa fé, sido intentada, sem êxito, pelo empobrecido, para obter a satisfação do seu crédito». Ac. do STJ. de 24-10-2002, in https://www. «Porque subsidiária, o prazo para propor a ação de enriquecimento sem causa só se inicia após o trânsito em julgado da decisão absolutória». Ora, o nosso entendimento segue tal orientação, ou seja, no caso vertente, a recorrente só elegeu a via da presente ação quando viu a sua pretensão votada ao insucesso na anterior. Só após tomar conhecimento de que poderia fazer valer o seu invocado direito, perante um outro percurso jurídico de natureza subsidiária, intentou a presente ação. Com efeito, não foi a notificação da contestação da ré, nem a apresentação da réplica da autora que demarcaram o período da contagem inicial do prazo da prescrição. Aquando da pendência da anterior ação estava em aberto o seu fim jurídico, desconhecendo-se se a pretensão formulada alcançaria ou não o seu desiderato. Assim, concordamos com a posição das instâncias, no sentido de que, apenas após o trânsito em julgado da decisão proferida no anterior processo se iniciou o prazo prescricional, relativamente ao direito de restituição baseado no enriquecimento sem causa. Considerando que a decisão proferida pelo STJ naqueles autos, data de 30.06.2021 e que a presente ação foi intentada em 1-5-2022, não havia ainda decorrido o prazo de prescrição aplicável. Destarte, não assiste razão à recorrente, decaindo a sua pretensão recursória. Sumário: - A causa de pedir é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos. - Só haverá exceção de caso julgado quando na segunda ação não são alegados factos principais diferentes dos alegados na primeira. - Os conceitos de causa de pedir e de facto jurídico têm uma componente casuística o que pressupõe a análise da fundamentação da decisão anterior transitada em julgado. - Dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 482º do Código Civil, não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição. - A expressão – o credor teve conhecimento do direito que lhe compete – do artigo 482º do Código Civil, reporta-se ao conhecimento do direito à restituição e não apenas do conhecimento dos elementos constitutivos de tal direito. 3- Decisão: Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a revista. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 13-2-2025 Maria do Rosário Gonçalves (Relatora) Maria Olinda Garcia Cristina Coelho |