Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA MARGARIDA ALMEIDA | ||
| Descritores: | ESCUSA JUÍZ DESEMBARGADOR IMPARCIALIDADE JUIZ NATURAL QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | ESCUSA/RECUSA | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário : | I. O artº 43 do C.P.Penal determina que a intervenção de um juiz pode ser escusada, quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. II. O regime consignado no artº 43 do C.P.Penal, em caso de deferimento, tem como consequências imediatas a alteração de regras essenciais do processo, como seja, o princípio do juiz natural. III. A imparcialidade do juiz presume-se, pelo que só a existência de provas da parcialidade podem afastar tal presunção. IV. Essas provas deverão reportar-se, na perspectiva objectiva, em que relevam as aparências, a circunstâncias que, sob o ponto de vista do cidadão comum possam afectar a imagem do juiz e, nessa medida, suscitar dúvidas sobre a sua imparcialidade, por virtude da existência de uma especial relação sua com algum dos sujeitos processuais ou com o processo. Tais motivos terão, para além do mais, de revestir gravidade e seriedade, pois tal é o respectivo requisito legal. V. Nos presentes autos, está em causa uma decisão sobre os factos imputados aos arguidos, relativamente aos quais, embora no que se refere à perspectiva de um outro lesado, a requerente teve já de se pronunciar, em sede de fase instrutória. Não restam assim dúvidas que teve já intervenção na factualidade objecto do presente processado. VI. Foi a presente requerente quem pronunciou os mesmos arguidos, pela prática de um crime de difamação, em que era ofendido e assistente, o filho do presente ofendido/assistente, sendo certo que os factos que fundam a imputação de tal ilícito terão sido praticados no âmbito do processo de Família e Menores pendente no tribunal de Cascais sob o n.º3364/15.8T8CSC-D. VII. Tais factos reportam-se ao que se mostra exarado na redacção de um requerimento nesse processo de Família apresentado, especificamente nalguns excertos concretos dessa mesma peça processual, que envolve ambos os assistentes (pai e filho). | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça I – relatório 1. Os presentes autos encontram-se na fase de prolação de acórdão, em sede de recurso, no Tribunal da Relação de Lisboa. 2. A Senhora Juíza Desembargadora da ... Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa, Dra. AA, vem, ao abrigo do disposto no art. 43.º, n.º 4, 44.º e 45.º do Cód. Proc. Penal, formular pedido de escusa a fim de não intervir no processo de recurso do acórdão proferido em 26.02.2025, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Instrução Criminal de Cascais - Juiz 1, no âmbito do presente processo nº30/23.4T9CSC, que lhe foi distribuído como Juíza Desembargadora relatora, nos seguintes termos: AA, Juíza Desembargadora, a exercer funções no Tribunal da Relação de Lisboa, vem, desde modo, solicitar a V. Exa que lhe seja concedida escusa de intervenção na realização da decisão deste processo n.º 30/23.4T9 CSC.L1 o qual lhe foi distribuído para elaboração de acórdão. O processo foi-me igualmente distribuído, no passado ano de 2023, quando exercia funções como juiz de instrução no Tribunal de Cascais, para prática de acto de inquérito, designadamente para constituição do assistente nessa qualidade. Acresce que, no âmbito do processo n.º 5176/22.8T9CSC, que tinha como arguidos, os agora arguidos BB e CC, a signatária proferiu decisão instrutória e pronunciou-se sobre a mesma factualidade agora discutida no âmbito deste recurso, apenas diferindo o assistente. Na verdade, o agora assistente é pai do assistente naquele processo n.º 5176/22.8T9CSC, e ambos, o agora assistente e o então assistente, alegaram factos tendentes à verificação do crime de difamação por parte dos arguidos, os quais terão ocorrido no âmbito do processo de família e menores n.º 3364/15.8T8CSC-D, nomeadamente na redacção do mesmo requerimento por parte do agora arguido CC, advogado de profissão. Nesse contexto, naquela decisão do processo n.º 5176/22.8T9CSC, pronunciei os agora arguidos pela prática de um crime de difamação na redacção do mesmo requerimento a que agora se reporta o assistente e que foi produzido nesse processo de família e menores pendente no tribunal de Cascais sob o n.º3364/15.8T8CSC-D. Isto é, para decidir o bem fundado deste recurso terei que me pronunciar sobre os mesmos factos sobre os quais me pronunciei naquela decisão enquanto juiz do tribunal de instrução criminal de Cascais, isto é, sobre a prática de um crime de difamação contra o assistente, na redacção do mesmo requerimento e especificamente num parágrafo concreto dessa mesma peça processual, sendo os arguidos os mesmos. As circunstâncias que acima relato seriam geradoras de alguma desconfiança sobre a minha imparcialidade. Nesta conformidade submeto o assunto à consideração de V.Exas, atento o disposto no artigo 43º, n.º2 do CPP, reiterando o pedido de escusa. 3. Junta a certidão dos elementos em falta, não se afigura necessário determinar a realização de quaisquer outras diligências. Acedeu-se ao suporte electrónico do processo na plataforma de gestão processual Citius. II – fundamentação. 1. Tendo em atenção o teor da certidão que deu origem ao presente apenso, a qualidade institucional da requerente e as certidões juntas, o que permite a sua sindicabilidade por todos os intervenientes nos autos, mostram-se assentes os seguintes factos, com relevo para a decisão: a. No âmbito do processo nº 5176/22.8T9CSC, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Instrução Criminal de Cascais - Juiz 1, que tinha como arguidos, os agora arguidos nos presentes autos (proc. nº30/23.4T9CSC) BB e CC, a signatária proferiu decisão instrutória, pronunciando tais arguidos pela prática de um crime de difamação, sendo então ofendido/assistente DD. b. A factualidade objecto de tal despacho de pronúncia reporta-se a factos sucedidos no âmbito de processo da área de jurisdição de família e menores (proc. nº nº 3364/15.8T8CSC-D, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Instância Central – 3ª secção do Tribunal de Família e Menores), em que é interveniente a primeira arguida patrocinada pelo segundo arguido, advogado de profissão e no âmbito das suas funções, apresentou uma peça processual, subscrita por este, via citius, na qual se contêm, para além do mais, as seguintes expressões: “Não se aceita que se converta o regime provisório em regime definitivo; além do mais por não se conformar as consequências de crescimento da filha, que resultarem da manipulação a que a menor tem sido sujeita, mas por iniciativa da do avô paterno da criança (...)” “sustenta o seu filho e faz dele o que quer e bem lhe apetece” Se determine a realização de perícia psiquiátrica aos progenitores e ao avô paterno, destinada a aferir se padecem de alguma patologia mental que comprometa o regular exercício da parentalidade (esclarecendo se o consumo de heroína pelo progenitor é, ou não passível, de colocar em causa as suas competências parentais); c. O agora assistente (EE) é pai do assistente (DD), naquele processo n.º 5176/22.8T9CSC. d. Ambos os assistentes - o presente e o então assistente - alegaram factos, em sede de acusação particular, tendentes à verificação do crime de difamação por parte dos arguidos, os quais terão ocorrido no âmbito do dito processo de família e menores, com fundamento nos excertos supra transcritos, que foram inseridos no dito requerimento apresentado junto do Tribunal de Família de Cascais. e. O recurso sobre o qual terá de recair a decisão a proferir pela requerente, no presente processo, foi interposto pelo assistente pai (EE) e reporta-se ao seu inconformismo sobre a decisão de não pronúncia dos arguidos, pela prática de crime de difamação, com fundamento nos excertos supra transcritos. 2. Vejamos então. O artº 43 do C.P.Penal determina que a intervenção de um juiz pode ser escusada, quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. A imparcialidade é uma exigência específica de uma decisão justa, despida de quaisquer preconceitos ou pré-juízos em relação à matéria a decidir ou em relação às pessoas afectadas pela decisão. O regime consignado no artº 43 do C.P.Penal, em caso de deferimento, tem como consequências imediatas a alteração de regras essenciais do processo, como seja, o princípio do juiz natural. 3. Por seu turno, a imparcialidade, enquanto atributo do juiz, é concebida numa perspectiva subjectiva e numa perspectiva objectiva, como adianta o Prof. Alberto do Reis, Comentário, vol. I, pag.439 e ss.: De um modo geral, pode-se dizer que a causa de recusa do juiz, ou pedido de escusa do juiz, há-de reportar-se a um de dois fundamentos: uma especial relação do juiz com algum dos sujeitos processuais, ou algum especial contacto com o objecto da sua decisão. Como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, pág.237-239, importa considerar sobretudo que, em relação ao processo, o juiz possa ser reputado imparcial, em razão dos fundamentos da suspeição verificados, sendo este também o ponto de vista que o próprio juiz deve adoptar, para voluntariamente declarar a sua suspeição. Não se trata de confessar uma fraqueza; a impossibilidade de vencer ou recalcar questões pessoais, ou de fazer justiça, contra eventuais interesses próprios, mas de admitir ou de não admitir o risco de não reconhecimento público da sua imparcialidade pelos motivos que constituem fundamento da sua suspeição. 4. Distinguindo os dois vértices da imparcialidade, entende Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 127) que, na primeira, o teste subjectivo da imparcialidade visa apurar se o juiz deu mostras de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa. e, na segunda, ela respeita à posição pessoal do juiz sobre qualquer circunstância que possa favorecer ou desfavorecer qualquer interessado na decisão. 5. A imparcialidade do juiz presume-se, pelo que só a existência de provas da parcialidade podem afastar tal presunção. Essas provas deverão reportar-se, na perspectiva objectiva, em que relevam as aparências, a circunstâncias que, sob o ponto de vista do cidadão comum possam afectar a imagem do juiz e, nessa medida, suscitar dúvidas sobre a sua imparcialidade, por virtude da existência de uma especial relação sua com algum dos sujeitos processuais ou com o processo. Tais motivos terão, para além do mais, de revestir gravidade e seriedade, pois tal é o respectivo requisito legal. Como refere o Ac. do STJ de 06/07/2005 (CJ, S, XIII, II, 236), os motivos que podem afectar a garantia da imparcialidade objectiva, que mais do que juiz e do “ser” relevam do “parecer”, têm de se apresentar, nos termos da lei, “sério” e “grave”. (...) não basta um qualquer motivo que impressione subjectivamente o destinatário da decisão relativamente ao risco de algum prejuízo ou preconceito que possa ser tomado contra si, mas, antes, que o motivo invocado tem de ser de tal modo relevante que, objectivamente, pelo lado não apenas do destinatário da decisão, mas também de um homem médio, possa ser entendido como susceptível de afectar, na aparência, a garantia da boa justiça (...) como susceptível de afectar (gerar desconfiança) a imparcialidade. 6. No caso presente, e como a Exª Signatária refere, as razões que alicerçam o seu pedido de escusa fundam-se numa perspectiva objectiva; isto é, a dúvida quanto à imparcialidade do julgador resultará de uma aparência externa, uma vez que, a nível subjectivo, nada é alegado ou invocado. 7. A este respeito, funda a Mmª Signatária a existência de tal dúvida séria, na circunstância de para decidir o bem fundado deste recurso terei que me pronunciar sobre os mesmos factos sobre os quais me pronunciei naquela decisão enquanto juiz do tribunal de instrução criminal de Cascais, isto é, sobre a prática de um crime de difamação contra o assistente, na redacção do mesmo requerimento e especificamente num parágrafo concreto dessa mesma peça processual, sendo os arguidos os mesmos. As circunstâncias que acima relato seriam geradoras de alguma desconfiança sobre a minha imparcialidade. 8. A suspeita deve assentar num “motivo sério e grave”, o qual não estando definido na lei deve ser densificado pela jurisprudência em função do conceito de “cidadão médio” e das regras de senso e experiência comum. Importa, antes de mais, salientar que não está em causa a capacidade e certeza, de a requerente actuar dentro da legalidade, objectividade e independência, mas, antes, a defesa de todo o sistema de justiça da suspeita de a não ter conservado e não dar azo a qualquer dúvida, reforçando, por esta via, a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados. Esta perspectiva e preocupação com a salvaguarda da imagem do Juiz aos olhos da comunidade, assenta numa ideia de equidistância em relação aos intervenientes processuais, a qual é uma das pedras basilares da imparcialidade e do julgamento justo e equitativo a que todo o cidadão tem direito e que a Constituição e a lei exigem e asseguram, como se realça no acórdão deste STJ de 26/06/2025, proc. nº 209/22.6T9MMV.C1-A.S1 (www.dgsi.pt ). 9. Nos presentes autos, está em causa uma decisão sobre os factos imputados aos arguidos, relativamente aos quais (embora no que se refere à perspectiva de um outro lesado) a requerente teve já de se pronunciar, em sede de fase instrutória. Não restam assim dúvidas que teve já intervenção na factualidade objecto do presente processado. Como se afirma no proc. nº 2318/23.5PBOER.L1-C.S1, consultável em www.dgsi.pt, de 18/06/2025, relatado pelo Exº Sr.Juiz-Conselheiro António Manso e de que a presente relatora foi adjunta, só deve consubstanciar motivo de suspeição em certas circunstâncias, como (i)o processo tenha tido por objecto a mesma factualidade, (ii)esteja com ela directamente relacionada ou que (iii)digam respeito a factos que tenham ocorrido durante ou no processo em que o juiz “suspeito” interveio17,18. Quando toda a intervenção se verifica no mesmo processo, “pretende-se acautelar a natural tendência a manter um juízo já expresso ou uma atitude já assumida noutros momentos decisórios no mesmo procedimento.” A determinação concreta do que torna a intervenção judicial de fases anteriores do processo como prejudicante em relação à intervenção do mesmo juiz no mesmo processo em fase posterior deverá assumir uma consistência senão inequívoca, pelo menos capaz de não provocar equívocos susceptíveis de por em causa a própria legitimidade de quem julga.”19. 17-José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, António Gama e outros, Almedina, Coimbra, p.514. 18- Ac do STJ de 12.03.2015, proc. n.º 4914/12.7TDLSB.G1-A.S1, www.dgsi.pt. 19- José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, António Gama e outros, Almedina, Coimbra, p.515. 10. No caso presente temos que: Foi a presente requerente quem pronunciou os mesmos arguidos, pela prática de um crime de difamação, em que era ofendido e assistente, o filho do presente ofendido/assistente, sendo certo que os factos que fundam a imputação de tal ilícito terão sido praticados no âmbito do processo de Família e Menores pendente no tribunal de Cascais sob o n.º3364/15.8T8CSC-D. Tais factos reportam-se ao que se mostra exarado na redacção de um requerimento nesse processo de Família apresentado, especificamente nalguns excertos concretos dessa mesma peça processual, que envolve ambos os assistentes (pai e filho), como resulta da mera leitura dos mesmos, a cuja transcrição procedemos supra. 11. Assim, assiste plena razão à requerente quando refere que, ao apreciar o recurso que lhe foi distribuído na qualidade de relatora, terá de se pronunciar praticamente sobre os mesmos factos sobre os quais já se pronunciou, na decisão proferida enquanto juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Cascais. Na verdade, desses extractos que fundam a acusação particular apresentada nos presentes autos e que, por virtude de RAI interposto pelos arguidos, levou a decisão de não pronúncia, apenas a relativa à questão da putativa toxicodependência do assistente nos outros autos (por ser ele o progenitor da menor, sendo que o assistente nos presentes autos é o seu avô paterno) não será alvo de apreciação directa, sendo certo que, no que toca a todas as restantes, a apreciação terá de recair sobre a mesma precisa e idêntica factualidade. Para além do mais, mesmo a imputação relativa à toxicodependência, por se mostrar inserida e fundamentar os pedidos de exames formulados, é elemento que terá de ser analisado, para efeitos de enquadramento da questão fulcral. 12. O que daqui decorre é simples: Quando pronunciou os arguidos pela prática do crime de difamação, no decurso de tal processo que correu seus termos no TIC de Cascais, a requerente tomou já posição sobre a existência de fortes indícios da prática, pelos arguidos, dos factos que lhe são imputados. E esses factos, pese embora referentes a dois diferentes assistentes, são os mesmos e fundam-se no conteúdo concreto de excertos de texto inseridos numa única peça processual. Assim, quando lhe é exigida pronúncia, no recurso interposto no presente processo, a verdade é que a mesma se refere a matéria factual já por si anterior e publicamente abordada e decidida num determinado sentido – no caso, a convicção alcançada pela Mmª Juíza-Desembargadora requerente foi a de que existiam indícios suficientes da prática, pelos arguidos, de factos que integram a prática de um crime. 13. Aqui chegados, há que concluir que a requerente possui já um conhecimento profissional sobre o processo, no qual teve intervenção directa, num âmbito de um outro processo, numa outra fase processual, em que a factualidade apreciada foi a mesma, assim como os putativos autores do ilícito. Formou assim, inelutavelmente, um pré-juízo sobre os factos em discussão e sobre a responsabilidade dos arguidos a tal respeito, por força do exercício das suas obrigações profissionais. Como se afirma no acórdão deste STJ acima referido, Donde, a posição assumida pelos requerentes naquele processo pode ser vista, fazendo intervir as regras da experiência comum, e por referência ao homem médio, representativo da sociedade, como capaz de influenciar ou de algum modo afectar, prejudicando, a decisão a tomar no julgamento do recurso. Posição que, não sendo de todo inequívoco que a possa afectar, pelo menos é capaz ou tem potencial para provocar equívocos susceptíveis de pôr em causa a sua legitimidade e imparcialidade. 14. Ora, o que importa atender, nesta sede é saber se, do ponto de vista da comunidade, há ou não o risco ou aparência do não reconhecimento público da imparcialidade e isenção da Senhora Juíza Desembargadora de intervir no recurso enquanto relatora. E a resposta, atentas as circunstâncias, será claramente afirmativa. Este é, seguramente, dadas as circunstâncias objectivas do caso, um risco fundado em motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. Temos, pois, que, pese embora a situação acabada de narrar não se mostre expressamente consignada no artº 40 do C.P.Penal, não constituindo assim um impedimento taxativamente enunciado na lei, a verdade é apresenta uma similitude ontológica com o previsto no nº1 al.c) do mesmo preceito legal. E cabe, seguramente, na previsão do nº2 do artº 43 do C.P.Penal. 14. Em síntese final: É jurisprudência pacífica que a aplicação do mecanismo previsto no art.º 43º do C.P.P., por implicar uma alteração ao princípio do juiz natural, terá de ser rigorosa, no sentido de apenas poder haver lugar ao afastamento de tal princípio com assento constitucional, nos casos em que seja subjectiva ou objectivamente de recear uma falta de independência em relação ao juiz; isto é, quando a preterição do princípio do juiz natural se mostre absolutamente essencial e necessária para preservar a confiança dos cidadãos na imparcialidade e isenção do julgador. 15. No caso, como aliás a própria requerente refere, esse afastamento apenas poderia resultar de uma putativa desconfiança em relação à sua imparcialidade, por razões meramente objectivas. Como supra se referiu, para além da circunstância de a situação aqui relatada se enquadrar dentro do nº2 do artº 43 do C.P.Penal, a verdade é que os requisitos que permitem o preenchimento do conceito de suspeita, por existência de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, e que acima enunciámos, se mostram aqui totalmente preenchidos, já que o processo em que a requerente teve anteriormente intervenção teve por objecto factualidade directamente relacionada com a que terá de ser apreciada nos presentes autos de recurso. 16. Em conclusão, e atento o disposto no art.º 43º, n.ºs 1, 2, e 4, do C.P.Penal, entende-se existirem fundamentos para deferir a escusa requerida. iii – decisão. Nestes termos, acorda-se em deferir o pedido da Exmª Juíza-Desembargadora Dra. AA, escusando-a de intervir no julgamento do recurso interposto no processo n.º 30/23.4T9CSC.L1. Sem tributação. Dê imediato conhecimento do teor desta decisão. Lisboa, 1 de Outubro de 2025 Maria Margarida Almeida (relatora) António Augusto Manso Antero Luís |