Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | FRANCISCO CAETANO | ||
| Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO REENVIO DO PROCESSO DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO REJEIÇÃO DE RECURSO NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA ERRO NA FORMA DO PROCESSO CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | DETERMINADO QUE O REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO SIGA TERMOS COMO ARGUIÇÃO DE NULIDADE PERANTE A RELAÇÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | I. Não é admissível recurso de acórdão da Relação proferido em recurso que não conheça, a final, do objecto do processo; II. A Relação, conhecendo de parte da decisão não recorrida, incorreu na nulidade de excesso de pronúncia, com previsão na parte final da alín. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP. III. Tendo o arguido escolhido a via do recurso, ao invés da arguição da nulidade perante o tribunal que a cometeu, incorreu em erro na qualificação do meio processual, que é de conhecimento oficioso e, assim conhecendo, há que determinar que os autos sigam os termos processuais adequados (art.º 193.º, n.º 3, do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP), com remessa dos autos à Relação. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 23/12.7GAAMT.P1.S1 Recurso penal
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório AA, julgado nos autos de processo em epígrafe, do Juízo Local Criminal de ..., foi absolvido da prática de 2 crimes de falsificação de documento p. e p. pelo art.º 256.º, n.ºs 1, alín. b) e 3 do CP, por que fora pronunciado, relativamente à viciação dos elementos de identificação de dois veículos automóveis, um de matrícula 00-00-JA e outro de matrícula 00-00-QS. O M.º P.º, inconformado com a absolvição, recorreu da sentença para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto no respeitante à falsificação do veículo de matrícula 00-00-QS, para concluir pela condenação do arguido por um crime (apenas) de falsificação, cominado naquele preceito legal, relativamente a esse veículo, concretamente sustentando dever ser dados como provados os factos das alíneas b), c), d), e) e h) dos factos não provados na decisão recorrida. Proferido acórdão em 21.03.2018, a Relação pronunciou-se pela existência do vício de contradição insanável na fundamentação e na decisão e, assim, determinou o reenvio parcial do processo para novo julgamento “da matéria constante do facto provado sob n.º 4.º e das alíneas constantes dos não provados (com excepção da g)”). Após algumas vicissitudes processuais foi suscitada a questão do erro de escrita na descrição dessas alíneas. O Relator do processo proferiu então despacho em como “[a]ssiste plena razão aos sujeitos processuais ao invocarem erro de escrita na descrição das alíneas dos factos não provados, sobre as quais versará o reenvio. Do qual desde já nos penitenciamos. Lidas de novo as peças processuais em questão, ao abrigo do disposto no art.º 380.º do CPP, rectifica-se o conjunto como sendo: alíneas b), c), d), e), f) e h)”. Inconformado com os termos em que foi corrigido o acórdão, mormente que o recurso do M.º P.º não tinha incidido sobre as alíneas c) e f) dos factos não provados, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, para tanto invocando violação do caso julgado formal e arrimo processual no disposto no n.º 1 do art.º 620.º do CPC, aplicável ex vi art.º 4.º do CPP. Rematou a motivação com as seguintes conclusões: “1.- O objecto do recurso apresentado pelo M.P junto do tribunal de primeira instância centra-se apenas no facto provado n.º 4 e com os factos não provados constantes nas alíneas b), c), d), e) e h) da matéria de facto da douta sentença recorrida. 2.- O douto recurso do digno M.P junto do tribunal de primeira instância não recorreu da matéria de facto constante na alínea f) dos factos não provados da douta sentença recorrida fosse por meio de impugnação da matéria de facto fosse por meio da alegação da existência de vícios previstos no artigo 410.º n.º 2, alíneas b) e c), do CPP. 3.- O douto despacho do Tribunal da Relação do Porto com data de 20 de Junho de 2019 que integra o douto acórdão de 15 de Março de 2018 entendeu que o reenvio parcial versará sobre as alíneas b), c), d), e), f) e h) dos factos não provados. 4.- Sucede que relativamente à alínea c) dos factos não provados da douta sentença recorrida esta nem sequer se refere ao crime pelo qual o digno Ministério Público junto, tribunal de primeira instância no seu douto recurso defende a condenação do arguido, uma vez que não se refere à viatura de marca ..., modelo L200, com a matrícula 00-00-QS (conferir Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, com data de 27 de Junho de 2017, processo n.° 61/09.7T3STC.El, disponível no sítio www.dgsi.pt). 5.- Deste modo, os factos referentes à alínea c) dos factos não provados da douta sentença recorrida nunca poderá ser alvo de novo julgamento sob pena da ofensa do princípio do caso julgado material e formal o que expressamente se invoca (conferir Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com data de 4 de maio de 2005, processo n.º 1977/2005-3, disponível no sítio www.dgsi) 6.- O mesmo se refira quanto à alínea f) dos factos não provados da douta sentença recorrida uma vez que também aqui o digno Ministério Público junto do tribunal de primeira instância no douto recurso que determinou o referido reenvio não recorreu quer por meio de impugnação da matéria de facto, quer por meio da alegação de vícios previstos no artigo 410 n.º 2, alíneas b) e c) do CPP da alínea f) dos factos não provados da douta sentença recorrida. 7.- Percorrida toda a fundamentação do douto recurso do digno Ministério Público junto do tribunal do primeira instância, este apenas se insurge contra a valoração que foi atribuída pelo tribunal de primeira instância ao interrogatório do arguido e contra a valoração que foi conferida ao depoimento da testemunha BB, por no entendimento inserto no dito douto recurso, o declarado por estes ser alegadamente incompatível com os relatórios periciais juntos aos autos e acaba por pedir nessa peça processual apenas a reapreciação dos factos constantes nas alíneas b), c), d) e) e h) dos factos não provados da douta sentença recorrida no sentido de dar como provados esses factos não provados. 8.- Deste modo também aqui, os factos referentes à alínea f) dos factos não provados da douta sentença recorrida nunca poderão ser alvo de novo julgamento sob pena da ofensa do princípio do caso julgado (conferir o já indicado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com data de 4 de maio de 2005, processo n.º 1977/2005-3, disponível no sítio www.dgsi). 9.- O douto arresto colocado aqui em crise violou o artigo 620 n.º 1 do CPC (aplicável ao processo penal, por força do disposto no artigo 4.° do CPP) que emana do princípio da segurança jurídica que, exige a estabilidade das relações jurídicas e das decisões, de forma a proteger a confiança dos cidadãos; 10.- Assim, o despacho ora recorrido, ao pronunciar-se sobre questão já decidida por despacho anterior é ilegal”. O M.º P.º junto da Relação respondeu de forma clarividente que no recurso interposto da absolvição na 1.ª instância apenas foi impugnada a decisão da matéria de facto relativamente à falsificação do veículo de matrícula 00-00-QS, a que se reporta o facto provado sob n.º 4 e os não provados sob as alíneas b), d), e) e h) (o facto provado sob n.º 3 e as alíneas a) e c) dos não provados respeitam à falsificação do veículo de matrícula 00-00-JA), pelo que o acórdão recorrido ao determinar o reenvio parcial do processo deveria ter confinado o novo julgamento ao facto provado do n.º 4 e aos factos não provados das alíneas b), d), e) e h), quanto ao mais havendo trânsito em julgado. Concluiu que a julgar-se admissível o recurso do acórdão da Relação de 21.03.2018 integrado pelo despacho de 20.06.2019 deve o recurso ser provido. Neste STJ o Exmo. Procurador-Geral da República pronunciou-se pela rejeição do recurso face ao trânsito em julgado do acórdão de 21.03.2018 e à irrecorribilidade do despacho que o rectificou dado não conhecer do objecto do processo. Em resposta ao n.º 2 do art.º 417.º do CPP o recorrente reiterou que o reenvio parcial do processo para novo julgamento deve confinar-se ao facto provado n.º 4 e às alíneas b), d), e) e h) dos factos não provados. Após conferência cumpre decidir a questão suscitada, que tem a ver com a clarificação do objecto do novo julgamento na sequência do reenvio parcial determinado pela Relação, antes se colocando a questão prévia da admissibilidade do recurso para este STJ. * II. Fundamentação 1. Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada e não provada: a) – Factos dados como provados 1º) O arguido AA é dono e explora a sucata "…”, situada na rua ..., em ..., .... 2º) No dia 11 de Setembro de 2012, entre as 14 horas e 21 horas, foi efectuada pelos militares da guarda nacional republicana de ..., CC e DD, uma acção de fiscalização à referida sucata, tendo então sido aí encontrado e apreendido, para além do mais, um veículo automóvel, de marca ..., modelo ..., de cor branca, que ostentava uma chapa de identificação na cabine com o número de quadro ... e não apresentava placa de matrícula, mas à qual correspondia a matrícula 00-00-JA; 3º) Efectuado exame pericial à referida viatura de marca ..., modelo ..., verificou-se que pessoa que não foi possível identificar, em data não concretamente apurada mas que terá sido entre 1 de Janeiro de 2010 e 11 de Setembro de 2012 e em local que não foi possível apurar, através do método de rasura mecânica de grande profundidade, poliu, rebaixou e sulcou o local de gravação do número de chassis existente na longarina direita ao nível da cava da roda anterior e posterior em relação ao eixo, assim apagando o número de chassis correspondente àquela viatura e que se veio a apurar ser o .... 4°) Acresce que no decorrer da investigação iniciada com a acção de fiscalização referida em 2o, se apurou também que, em data não concretamente apurada, mas entre 1 de Janeiro de 2009 e 18 de Abril de 2012, a testemunha BB, contra as indicações do arguido, nas instalações da sucata mencionada em 1o, cortou e extraiu do veículo automóvel, de marca ..., modelo ..., com a matrícula 00-00-QS, a placa de identificação original (chassis) que se encontrava afixada na zona central/direita do painel separador entre o motor e o habitáculo e cortou e extraiu, através de rebarbamento mecânico, o referido número de identificação que se encontrava gravado por punção de marcação automática na longarina direita ao nível da cava da roda traseira do mesmo lado e posterior ao eixo, substituindo-os pelo número de identificação ..., pertencente a outro veículo da mesma marca e modelo, de onde ambas as peças haviam sido previamente extraídas. Mais se provou que: 5°) O arguido é …. 6º) Trabalha como …, retirando em média cerca de € 557 por mês. 7º) Vive em casa das filhas, não pagando renda. 8º) Tem duas filhas, de 00 e 00 anos de idade, que vivem com a mãe. Paga €150 de pensão de alimentos. 9º) Tem o 0º ano de escolaridade. 10°) O arguido foi condenado no âmbito do processo comum singular n.º 1222/09.4 GBAMT, do Tribunal Judicial da Comarca …, Instância Local de ..., Secção Criminal, J 1, por factos praticados no dia 24 de Setembro de 2009, que integram um crime de violação de regras de segurança, por sentença proferida no dia 20 Junho de 2014, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. b) Factos não provados Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos: a) No circunstancialismo referido em 3.º dos factos provados, o arguido AA, ou alguém a seu mando, em data não concretamente apurada mas que terá sido entre 1 de Janeiro de 2010 e 11 de Setembro de 2012 e nas instalações da sucata mencionada em 1.º dos factos provados, através do método de rasura mecânica de grande profundidade, poliu, rebaixou e sulcou o local de gravação do número de chassis existente na longarina direita ao nível da cava da roda anterior e posterior em relação ao eixo, da viatura de marca ..., modelo ..., assim apagando o número de chassis correspondente àquela viatura e que se veio a apurar ser o .... b) Em data não concretamente apurada, mas entre 1 de Janeiro de 2009 e 18 de Abril de 2012, o arguido AA ou alguém a seu mando, nas instalações da sucata mencionada em 1.º dos factos provados, cortou e extraiu do veículo automóvel, de marca ..., modelo ..., com a matrícula 00-00-QS, a placa de identificação original (chassis) que se encontrava afixada na zona central/direita do painel separador entre o motor e o habitáculo e cortou e extraiu, através de rebarbamento mecânico, o referido número de identificação que se encontrava gravado por punção de marcação automática na longarina direita ao nível da cava da roda traseira do mesmo lado e posterior ao eixo, substituindo-os pelo número de identificação ..., pertencente a outro veículo da mesma marca e modelo, de onde ambas as peças haviam sido previamente extraídas. c) O arguido AA, ao efectuar ou mandar efectuar a alteração/substituição referida em 2.º dos factos provados, fê-lo com a intenção de impedir que a pessoa que viesse a adquirir o veículo automóvel, de marca ..., modelo ..., com a matrícula 00-00-JA a viesse a identificar com o seu chassis original número ..., assim pondo em causa o valor identificativo/fé pública que àquele elemento é atribuído peias autoridades competentes do Estado. d) O arguido efectuou ou mandou efectuar as alterações/substituições referidas em 4.º dos factos provados, por forma a impedir que a pessoa que viesse a adquirir o veículo automóvel, de marca ..., modelo ..., com a matrícula 00-00-QS não pudesse descobrir que a mesma havia sido interveniente num acidente de viação, conforme efectivamente aconteceu com o anterior proprietário EE em 2008, acidente do qual resultaram estragos que praticamente haviam inutilizado aquela viatura. e) Agindo dessa forma, pretendia o arguido AA, como aliás conseguiu, vender aquele veículo automóvel por um valor superior àquele que lhe poderia ser atribuído por força do acidente em que interveio, tendo-o assim vendido no dia 18 de Abril de 2012 a FF, pelo valor de € 4 500 (quatro mil e quinhentos euros). f) Por via da sua descrita actuação e da venda que assim efectuou, logrou o arguido AA, como pretendia, obter um benefício ilegítimo de valor não concretamente apurado mas não inferior a € 1 000 (mil euros), correspondente à diferença entre o valor real do veículo automóvel com a matrícula 00-00-QS e o valor pelo qual o vendeu a FF, a quem assim, através da sua actuação descrita em 5.º, conseguiu ludibriar. g) O ofendido FF apenas teve conhecimento da actuação do arguido, referida em 4.º, quando a 14 de Março de 2014 o veículo com a matrícula 000- 00-QS lhe foi apreendido pela Guarda Nacional Republicana no âmbito destes autos. h) Agiu sempre o arguido AA de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas descritas condutas era proibidas e punidas por lei. * 2. Apreciando a questão prévia da não admissibilidade do recurso, por irrecorribilidade da decisão, cumpre assinalar que o acórdão da Relação completado pelo despacho do Relator de 20.06.2019 que corrigiu (não pela melhor forma) o erro invocado, foi proferido no âmbito de um recurso. É, por isso, um acórdão proferido em recurso por um tribunal de relação que, não conhecendo a final do objecto do processo, não admite recurso, nos termos do da alín. c) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP. Não sendo admissível, dele se não conhece (art.ºs 414.º, n.º 2 e 420.º, n.ºs 1, alín. b), do CPP). * 3. O que no fundo o recorrente equaciona é que a Relação conheceu para além do objecto do recurso para ela interposto pelo M.º P.º. Dos factos não provados – sendo que a invocação pelo M.º P.º recorrente da alín. c) se devera a manifesto lapso, dado que respeitava a matéria que tinha a ver com o veículo de matrícula 00-00-JA cuja factualidade não impugnara – estava apenas em causa o teor das alíneas b), d), e) e f). A Relação conhecendo também das matérias das alíneas c) e f) incorreu na nulidade de excesso de pronúncia, com previsão na parte final da alín. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP. Tendo o arguido escolhido a via do recurso, ao invés da arguição da nulidade perante o tribunal que a cometeu, incorreu em erro na qualificação do meio processual, que é de conhecimento oficioso e, assim conhecendo, há que determinar que os autos sigam os termos processuais adequados (art.º 193.º, n.º 3, do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP), com remessa dos autos à Relação. * III. Decisão Face ao exposto, acordam em: 1. Não conhecer do recurso; 2. Convolar o respectivo requerimento em requerimento de arguição da mencionada nulidade, a conhecer pelo Tribunal da Relação do Porto, para onde os autos serão enviados. Sem custas. * Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Outubro de 2020
Francisco Manuel Caetano (Relator) António Clemente Lima
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