Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1118/16.3T8VRL-B.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
REQUERIMENTO
PRAZO
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
- A data do trânsito em julgado da decisão final é o momento que faz precludir o direito de pedir a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Decisão Texto Integral:

PROC. 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1

6ª SECÇÃO CÍVEL

REL. 116[1]      

                                                                       *

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO
                                              

Fixado no despacho saneador o valor da presente causa em 2.687.466,71 €, foi, em 22.11.2017, proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção intentada pela Autora Nesinocas – Engenharia e Construção, Lda., condenando a Ré Graninter – Granitos e Empreitadas, Lda., a pagar a quantia de 49.657,34 €, acrescida de juros vencidos e vincendos e ainda os valores relativos às quantidades de inertes que retirou, fez seus e comprou de 21 de Fevereiro a 31 de Março de 2016 e de 1 a 30 de Abril de 2016, a determinar em incidente de liquidação de sentença, também acrescido de juros de mora, e julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a reconvinda do pedido, mais condenando a Ré reconvinte nas custas da reconvenção e Autora e Ré nas custas da acção em função do respectivo decaimento, nada mencionando sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Sem sucesso apelaram ambas as partes, sendo as apelações julgadas improcedentes por acórdão de 12.04.2018 que as condenou nas custas, também então nada se mencionando sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

           

Baixados os autos à primeira instância apresentou a Autora, em 07.05.2018, requerimento impetrando a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, alegando que a causa tem valor elevado, várias vezes superior ao de 275.000,00€ indicado no preceito.

Sob o assim requerido recaiu o seguinte despacho: 

A Autora peticionou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

O MP propugnou o indeferimento do requerido.

Em convergência com o plasmado no art.º 6.º/1, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A.

Ademais, nas causas de valor superior a 275.000,00 €, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (art.º 6.º/7, do RCP).

Positivando-se a densificação do segundo segmento do predito art.º 6.º/7, enfatize-se que o mesmo deve ser interpretado “(…) em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta, utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes (…)”, à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (vd. Acórdão do TRP de 4.5.2017, proc. n.º 1962/09.8TVPRT.P2, in www.dgsi.pt ).

Concomitantemente, afere-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada, a requerimento das partes ou oficiosamente, em sede de sentença, sendo que as partes podem requerer a reforma da mesma com fundamento em omissão de pronúncia atinente à antedita dispensa (vd. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5.ª edição, Almedina, p. 200-201 e Acórdão do STJ de 13.7.2017, proc. n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, in www.dgsi.pt). 

In casu, constata-se linearmente que a pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi formulada pela Autora após a prolação da sentença, a qual não se pronunciou com referência à predita matéria, sendo que não foi peticionada a reforma da mesma quanto a custas.

Infere-se, assim, que o pedido de dispensa formulado pela Autora é extemporâneo, postulando-se a respectiva sucumbência.

Pelo supra exposto, indefere-se o requerido.’

Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora, mas o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente o recurso.

Novamente inconformada, apresentou recurso de revista, ao abrigo do artigo 671º, n.º 2, alínea b), do CPC, formulando as seguintes conclusões:
1 - Por despacho saneador datado de 23.11.2016 foi fixado o valor da causa nos presentes autos em € 2.687.466,71.
2 - Efetivada audiência de julgamento, foi proferida sentença datada de 23.10.2017, a qual decidiu condenar a Ré Granitender - Granitos e Empreitadas, Lda. a pagar a quantia de € 49.657,34, acrescida de juros vencidos e vincendos e ainda os valores relativos às quantidades de inertes que retirou, fez seus e comprou de 21 de Fevereiro a 31 de Março de 2016 e de 1 a 30 de Abril de 2016, a determinar em incidente de liquidação de sentença, também acrescidos de juros de mora e julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a reconvinda do pedido, mais condenando exclusivamente a ré reconvinte nas custas da ação e a autora e ré nas custas da ação em função do respetivo decaimento.
3 - Inconformadas com a sentença proferida, dela interpuseram recurso a A. e a R. para o Venerado Tribunal da Relação de Guimarães, e por acórdão de 12.04.2018 proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, improcederam na totalidade as apelações.
4 - Nos termos dos artigos 613o e 616o do CPC as partes poderiam, no prazo de 10 dias, requerer a retificação de erros materiais ou a reforma daquele acórdão, o que por esta via, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães transitou em julgado em 01 de abril de 2018 as 00:01.
5 - Ambas as partes poderiam ter de revista excecional nos termos do artigo 672° do CPC, cujo prazo para o efeito é de 30 dias, o que por esta via, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães transitou em julgado em 30 de maio de 2018 às 00:01.
6 - Em 07.05.2018 veio, a ora recorrente, junto dos presentes autos requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça relativa ao remanescente do valor de € 275.000,00 ao abrigo do disposto no artigo 6o n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, que foi indeferido por despacho datado de 12.06.2018.
7 - Por despacho datado de 12.06.2018, o Tribunal de primeira instância indeferiu a pretensão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça formulada pela Autora nos termos do artigo 6º, n.º 7 do Regulamento das Custas processuais, por extemporânea.
8 - A recorrente interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães o qual proferiu acórdão e entendeu ter de se considerar intempestivo o requerimento deduzido pela parte para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porquanto formulado depois de a decisão final ter transitado - não tendo tal dispensa sido oportunamente decidida pelo juiz da causa, quer a requerimento da partes quer oficiosamente, o trânsito em julgado da decisão final precludiu a oportunidade para a apreciação da questão.
9 - O Tribunal da Relação de Guimarães fez errada apreciação ao presente caso, uma vez que, tal acórdão está em contradição com outros, já transitados em julgado, proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental.
10 - Acórdão do Supremo Tribunal de justiça, datado de 23-l0-2018. Proc. 673/12. que não está, por ora, acessível em www.dgsi.pt. entende que o prazo para as partes requererem a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente é de dez dias e conta-se a partir do momento em que a decisão transita em julgado, necessariamente antes da conta.
11 - As partes interpuseram recurso no processo principal para o Tribunal da Relação de Guimarães da sentença proferida pela primeira instância, tendo sido proferido acórdão em 12-04-2018 que manteve na integra o decidido, pelo que, estando perante um caso de dupla conforme não era admitido às partes interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme disposto no artigo 671 °, n.º 3 do CPC, podendo, no entanto, as partes no prazo de 10 dias, requerer a retificação de erros materiais ou a reforma daquele acórdão nos termos do artigo 613° e 616° do CPC, pois só após aqueles 10 dias é que se pode falar em transito em julgado nos termos e para os efeitos do artigo 628° do CPC.
12 - A recorrente recebeu no seu citius a notificação do acórdão com certificação do citius datada de 13-04-2018, sendo que a notificação ao mandatário por transmissão eletrónica de dados presume-se efetuada no 3o dia seguinte ao da sua elaboração no sistema informático CITIUS, ou no 1o dia útil posterior a esse, quando o não seja - artigos 248 do CPC, e portaria prevista no n.º 1 do artigo 132° do CPC, considerando-se a recorrente notificada a recorrente m 16.04.2018, pelo que, o prazo de 10 dias terminava no dia 26.04.2018.
13 - A lei permite a prática de tal ato processual, mesmo após o decurso do prazo para a sua prática, ou nas palavras da lei "fora do prazo" em caso se justo impedimento - artigo 139°, n.º 4 do CPC - e independentemente deste pode o ato ainda ser praticado nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termos do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa - al. c) do n.º 5 do artigo 139 do CPC, pelo que, as partes poderiam reclamar do acórdão ou requerer a retificação de erros materiais até ao dia 30 de abril de 2018, sendo que, por esta via, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães transitou em julgado em 01 de abril de 2018 as 00:01.
14 - A recorrente requereu a dispensa do pagamento da taxa de justiça relativa ao remanescente do valor de € 275.000,00 ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, em 07 de maio de 2018.
15 - A recorrente requereu a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente dentro do prazo de 10 dias após o transito em julgado da decisão, e antes da conta, devendo ser considerado que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado pela recorrente em 07 de maio de 2018, foi realizado tempestivamente por ter sido feito dentro do prazo que esta dispunha para o efeito.
16 - Caso as partes entendessem existir fundamento para tal, poderiam ter interposto recurso de revista excecional nos termos do artigo 672° do CPC, cujo prazo para o efeito é de 30 dias.
17 - A recorrente recebeu no seu citius a notificação do acórdão com certificação do citius datada de 13-04-2018, atendendo à regra dos artigos 248 do CPC, e portaria prevista no n.º 1 do artigo 132° do CPC, a recorrente considera-se notificada do acórdão em 16 de Abril de 2018, pelo que, o prazo para interposição de recurso de revista excecional terminaria em 26 de maio de 2018, nos termos da al. c) do n.º 5 do artigo 139 do CPC, as partes poderiam ter exercido aquele ato até ao terceiro dia de multa, até 29 de maio de 2018, o que, por esta via, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães transitaria em julgado em 30 de maio de 2018 as 00:01.
18 - Por esta via, a recorrente requereu a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente ainda antes do transito em julgado e da conta, pelo que, sempre estaria o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado pela recorrente em 07 de maio de 2018, realizado tempestivamente, por ter sido feito antes do início do prazo que dispunha para o efeito.
19 - Apesar de a ora recorrente ter efetuado o seu pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em momento anterior ao transito em julgado, nada obsta a que esta posição não lhe possa ser aplicável, uma vez que, a lei atribui efeitos perentórios apenas ao excesso e não à antecipação do prazo, como vem sendo assumido na jurisprudência.
20 - Acórdão do Supremo Tribunal de justiça, datado de 03-10-2017. Proc. 473/12.9TVLSB-CX1.SU disponível em www.dgsi.pt, entende que o n.º 7 do art. 6º do RCP aponta claramente para a bondade da interpretação que se orienta no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas.
21 - Em 07 de maio de 2018, data do requerimento apresentado pela recorrente para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ainda não tinha sido elaborada qualquer conta, pelo que, o pedido da recorrente foi efetuado dentro do prazo que tinha para o efeito nos termos deste acórdão.
22 - O requerimento para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi apresentado tempestivamente pela recorrida, pelo que, deveria o mesmo ter sido apreciado.
23 - Atendendo aos dois entendimentos do Supremo Tribunal de Justiça supra expostos, nada impedia legalmente que o requerimento apresentado pela recorrente tendente à dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, fosse apresentado no momento em que o foi, e, como tal, deveria ter sido apreciado.
24 - É tempestivo por estar em tempo, o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça efetuado pela ora recorrente, uma vez que, conforme resulta deste Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, aquela dispensa pode ser requerida até à notificação da conta final.
25 - Decidiu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Outubro de 2015 (processo n° 6431/09.3TVLSB-A.L1-6) disponível em www.dgsi.pt que "a pretensão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser formulada pela parte ~ caso não seja conhecida antes oficiosamente pelo juiz, nomeadamente quando da prolação da sentença - em momento anterior à elaboração da conta de custas"
26 - Atendendo o entendimento daqueles dois acórdãos, o requerimento apresentado pela recorrente para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, foi apresentado tempestivamente, devendo ser objeto de apreciação.
27 - O Acórdão que julgou extemporâneo o pedido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é profundamente injusto e atentatório de princípios fundamentais do estado de direito, nomeadamente o direito de acesso aos tribunais, mas também dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação, contendo, uma violação clara da lei substantiva, por erro de interpretação e de aplicação do artigo n.º 6.°, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.
28 - Ao julgar de modo diferente daquele que é defendido nestas alegações de recurso, tendo revogado a decisão impugnada, e tendo entendido que o requerimento apresentado pela recorrente era intempestivo, fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, com violação do n.º 7 do artigo 6o do RCP.
29 - Deverá o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães ser revogado e alterado por outro, que julgue o requerimento apresentado pela recorrente tempestivo.

O Ministério Público contra-alegou, batendo-se pela inadmissibilidade da revista com o fundamento de que a recorrente não juntou cópia dos acórdãos do STJ em que se apoia para identificar o conflito jurisprudencial.

Nessa sequência viria a recorrente a juntar o acórdão do STJ de 03.10.2017 e, mais tarde, ainda juntou um outro acórdão do STJ, datado de 23.10.2018.

                                                           *

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, as questões a dirimir são:
a) Foi tempestivamente deduzido o requerimento para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça?
b) O acórdão recorrido, ao julgar intempestivo o referido requerimento, viola princípios constitucionais?


*


II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

A matéria factual a considerar é a que consta do relatório que precede.

O DIREITO

Apesar de a recorrente não ter junto, com a interposição do presente recurso, cópia do acórdão-fundamento, datado de 03.10.2017, faltando desse modo ao cumprimento do disposto no artigo 637º, n.º 2, do CPC, a verdade é que viria a fazê-lo logo que foi notificada das contra-alegações do Ministério Público, e protestou ainda juntar, no prazo de 20 dias, um outro acórdão do STJ que, segundo então afirmou, iria de encontro ao entendimento defendido nas alegações da revista. A certidão deste outro acórdão acabaria, de facto, por ser junta.

Se bem que a lei processual obrigue à junção do acórdão, que fundamenta o conflito jurisprudencial, com as alegações do recurso, sob pena de imediata rejeição deste, neste caso verificamos que a recorrente, mal se apercebeu do lapso, logo o colmatou apresentando cópia desse acórdão.

Por isso, não obstante se considerar que a recorrente não foi rigorosa quanto ao tempo do cumprimento do ónus que lhe cabia, entendemos que tal não obsta ao conhecimento do recurso, uma vez que estamos na posse de todos os elementos necessários para o efeito.

Passamos, portanto, à análise dos fundamentos do recurso.

Como o acórdão impugnado, da Relação de Guimarães, versa sobre uma decisão interlocutória, o recurso de revista é admissível se esse acórdão estiver em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme – artigo 671º, n.º 2, alínea b).

O que ali se decidiu foi, em síntese, que o trânsito em julgado da decisão final da causa (com a insusceptibilidade de recurso ordinário e reclamação) constitui o momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Refere a recorrente que esta decisão, confirmatória da proferida na 1ª instância, contradiz o decidido pelo STJ nos dois acórdãos que juntou, quanto a essa mesma questão.

Vejamos:

O que estava em causa no acórdão-fundamento de 03.10.2017 (em que o presente relator interveio como segundo adjunto) era saber se o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 7, do RCP poderia ser efectuado após a elaboração da conta, tendo-se concluído que tal não era possível. Já no acórdão de 23.10.2018 considerou-se que as partes dispõem de 10 dias para requerer a aludida dispensa, a partir do momento em que a decisão transita em julgado.

Salvo o devido respeito, o primeiro dos citados acórdãos (de 03.10.2017) não pode servir de fundamento à revista, porquanto os pressupostos de facto são substancialmente diversos dos que aqui se discutem. Ali, o requerimento de dispensa foi apresentando já depois de elaborada a conta, circunstância que afasta qualquer similitude com a situação presente nos autos. O que aqui está em causa é saber até que momento, antes de elaborada a conta, é que pode ser requerida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Nesta discussão também não nos parece que possa intervir como fundamento da revista o acórdão do STJ de 23.10.2018, na medida em que, segundo os factos aí descritos, ambas as partes requereram a dispensa da taxa de justiça remanescente após a elaboração da conta, mas antes de terem sido dela notificados.

Não obstante, não deixaremos de responder à questão colocada na revista, até porque neste último aresto o entendimento que fez vencimento (note-se que há um voto de vencido) foi o de que as partes podem requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no prazo de 10 dias a partir do trânsito em julgado da decisão final.

Servir-nos-emos, para essa resposta, do que deixámos escrito no nosso acórdão de 26.02.2019[2]:
“Estabelece o artigo 6º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), que ‘nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento’.
Desta norma decorre que ao juiz assiste o poder-dever de determinar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente devida pelas partes nas causas de valor superior a 275.000 €, quando, em seu critério, entenda que tal se justifica no contexto particular do processo em questão.
O momento adequado a fazê-lo é a decisão final: é aí que se fixa a responsabilidade das partes relativamente às custas da acção ou incidente.
No entanto, se o não fizer, podem as partes, logo que notificadas da decisão final, suscitar a sua reforma quanto à responsabilidade pelas custas da acção ou incidente, nos termos do artigo 616º do CPC, se considerarem haver fundamento para a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
É este o último momento processual em que o pedido pode ser feito.
Foi também esta a posição seguida no acórdão recorrido, após exaustiva e proficiente análise da questão.
De facto, parecendo não haver dúvidas de que a responsabilidade pelas custas tem de ficar definida antes de o processo ir à conta[3], a jurisprudência tem-se debatido com a questão de saber qual o momento em que preclude o direito de requerer a dispensa da taxa de justiça remanescente.
O acórdão de 23.10.2018, como se disse, ‘estendeu’ essa possibilidade pelo prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final.
Não concordamos, salvo o devido respeito, acompanhando o que também defende Salvador da Costa[4]:

“Assente que o devedor do remanescente da taxa que pretenda a dispensa do seu pagamento deve formular o respetivo requerimento antes do trânsito em julgado da decisão final, na ação ou no recurso, importa verificar a fase processual em que pode e deve fazer.

Considerando o disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 6º, no artigo 11º, ambos do RCP, e na tabela I a este anexa, as partes conhecem do montante do remanescente da taxa de justiça cujo pagamento lhes foi diferido, logo na sequência do respetivo impulso processual, seja nas ações, seja nos recursos.

Elas também conhecem, ou podem conhecer, aquando do termo dos articulados, nas ações, nos incidentes, nos procedimentos e nos recursos, conforme os casos, o modo da respetiva conduta processual e a simplicidade ou não da espécie processual em causa, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6º do RCP.

Assim, face às regras de experiência forense, as partes ficam a dispor, a partir do termo da referida fase processual, de informação adequada à sua decisão de exercer ou não a faculdade de requererem a referida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que o citado normativo se reporta.

(…) a partir da prolação da sentença na 1ª instância, e da elaboração do projeto de acórdão relativo ao recurso pelo relator, queda precludida – preclusão temporal – a faculdade das partes de requererem relevantemente a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Todavia, isso não exclui que o juiz na sentença, ou o coletivo dos juízes dos tribunais de recurso, nos acórdãos, conforme os casos, decidam no sentido da mencionada dispensa.

Todavia, no caso de as partes não terem requerido a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, se o juiz, na sentença, ou o coletivo de juízes dos tribunais superiores, nos recursos, conforme os casos, nada tiverem decidido sobre a mencionada dispensa, é legítima presunção, de experiência forense feita, no sentido que aqueles tribunais concluíram no sentido da inexistência de fundamento de facto ou de direito para o efeito.

Não obstante, nessa situação, verificados os pressupostos da aludida dispensa de pagamento, as partes podem reverter o não conhecimento oficioso da questão, por via do pedido de reforma da sentença ou do acórdão quanto a custas, autonomamente ou em recurso, nos termos dos artigos 616º, nºs 1 e 3, 666º, n.º 1 e 679º, todos do CPC”.

No caso dos autos, o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente foi deduzido depois de transitada em julgado a decisão final (cfr. conclusão 15ª) e de terem sido devolvidos os autos à 1ª instância, pelo que, nos termos que ficaram expostos, não pode considerar-se que o mesmo tenha sido apresentado em tempo.

b)

Defende ainda a recorrente que o acórdão que julgou extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente viola princípios constitucionais, designadamente o direito de acesso aos tribunais, mas também os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação (cfr. conclusão 27ª).

Não cremos que seja assim.

O n.º 7 do artigo 6º tem por finalidade evitar situações em que se verifique notória desproporção entre o serviço prestado pelos tribunais e os custos suportados pelas partes.

Mas, conforme foi salientado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 527/16, de 4 de Outubro de 2016[5], “é evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria carácter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo”.  

Ao estabelecer-se um prazo preclusivo para pedir a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente não se está a ofender nenhum desses princípios constitucionais, mas, tão-só, a regular-se o tempo processual para a prática desse acto.

                                                           *


III. DECISÃO

Em conformidade, nega-se a revista.

                                                           *

Custas pela recorrente.

                                                           *


LISBOA, 11 de Fevereiro de 2020
Henrique Araújo – Relator
Maria Olinda Garcia
Raimundo Queirós

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Relator:     Henrique Araújo
  Adjuntos:  Maria Olinda Garcia
                    Raimundo Queirós
[2] No processo n.º 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2, em www.dgsi.pt.
[3] Remetemos, quanto a este aspecto, para o que escrevemos no acórdão por nós relatado em 26.02.2019, indicado na anterior nota.

[4] Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.09.2019, no processo n.º 1245/14.1TVLSB.L3-4, em 25.10.2019, no sítio https://blogippc.blogspot.com/

[5] Consultável em www.tribunalconstitucional.pt