Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
Descritores: | REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA REQUERIMENTO PRAZO TRÂNSITO EM JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 02/11/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | - A data do trânsito em julgado da decisão final é o momento que faz precludir o direito de pedir a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. | ||
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Decisão Texto Integral: |
PROC. 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1 6ª SECÇÃO CÍVEL REL. 116[1]
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ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Fixado no despacho saneador o valor da presente causa em 2.687.466,71 €, foi, em 22.11.2017, proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção intentada pela Autora Nesinocas – Engenharia e Construção, Lda., condenando a Ré Graninter – Granitos e Empreitadas, Lda., a pagar a quantia de 49.657,34 €, acrescida de juros vencidos e vincendos e ainda os valores relativos às quantidades de inertes que retirou, fez seus e comprou de 21 de Fevereiro a 31 de Março de 2016 e de 1 a 30 de Abril de 2016, a determinar em incidente de liquidação de sentença, também acrescido de juros de mora, e julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a reconvinda do pedido, mais condenando a Ré reconvinte nas custas da reconvenção e Autora e Ré nas custas da acção em função do respectivo decaimento, nada mencionando sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Sem sucesso apelaram ambas as partes, sendo as apelações julgadas improcedentes por acórdão de 12.04.2018 que as condenou nas custas, também então nada se mencionando sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Baixados os autos à primeira instância apresentou a Autora, em 07.05.2018, requerimento impetrando a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, alegando que a causa tem valor elevado, várias vezes superior ao de 275.000,00€ indicado no preceito. Sob o assim requerido recaiu o seguinte despacho: ‘A Autora peticionou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. O MP propugnou o indeferimento do requerido. Em convergência com o plasmado no art.º 6.º/1, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A. Ademais, nas causas de valor superior a 275.000,00 €, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (art.º 6.º/7, do RCP). Positivando-se a densificação do segundo segmento do predito art.º 6.º/7, enfatize-se que o mesmo deve ser interpretado “(…) em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta, utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes (…)”, à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (vd. Acórdão do TRP de 4.5.2017, proc. n.º 1962/09.8TVPRT.P2, in www.dgsi.pt ). Concomitantemente, afere-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada, a requerimento das partes ou oficiosamente, em sede de sentença, sendo que as partes podem requerer a reforma da mesma com fundamento em omissão de pronúncia atinente à antedita dispensa (vd. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5.ª edição, Almedina, p. 200-201 e Acórdão do STJ de 13.7.2017, proc. n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, in www.dgsi.pt). In casu, constata-se linearmente que a pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi formulada pela Autora após a prolação da sentença, a qual não se pronunciou com referência à predita matéria, sendo que não foi peticionada a reforma da mesma quanto a custas. Infere-se, assim, que o pedido de dispensa formulado pela Autora é extemporâneo, postulando-se a respectiva sucumbência. Pelo supra exposto, indefere-se o requerido.’
Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora, mas o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente o recurso.
Novamente inconformada, apresentou recurso de revista, ao abrigo do artigo 671º, n.º 2, alínea b), do CPC, formulando as seguintes conclusões:
O Ministério Público contra-alegou, batendo-se pela inadmissibilidade da revista com o fundamento de que a recorrente não juntou cópia dos acórdãos do STJ em que se apoia para identificar o conflito jurisprudencial.
Nessa sequência viria a recorrente a juntar o acórdão do STJ de 03.10.2017 e, mais tarde, ainda juntou um outro acórdão do STJ, datado de 23.10.2018.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, as questões a dirimir são:
O DIREITO
Apesar de a recorrente não ter junto, com a interposição do presente recurso, cópia do acórdão-fundamento, datado de 03.10.2017, faltando desse modo ao cumprimento do disposto no artigo 637º, n.º 2, do CPC, a verdade é que viria a fazê-lo logo que foi notificada das contra-alegações do Ministério Público, e protestou ainda juntar, no prazo de 20 dias, um outro acórdão do STJ que, segundo então afirmou, iria de encontro ao entendimento defendido nas alegações da revista. A certidão deste outro acórdão acabaria, de facto, por ser junta. Se bem que a lei processual obrigue à junção do acórdão, que fundamenta o conflito jurisprudencial, com as alegações do recurso, sob pena de imediata rejeição deste, neste caso verificamos que a recorrente, mal se apercebeu do lapso, logo o colmatou apresentando cópia desse acórdão. Por isso, não obstante se considerar que a recorrente não foi rigorosa quanto ao tempo do cumprimento do ónus que lhe cabia, entendemos que tal não obsta ao conhecimento do recurso, uma vez que estamos na posse de todos os elementos necessários para o efeito. Passamos, portanto, à análise dos fundamentos do recurso.
Como o acórdão impugnado, da Relação de Guimarães, versa sobre uma decisão interlocutória, o recurso de revista é admissível se esse acórdão estiver em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme – artigo 671º, n.º 2, alínea b). O que ali se decidiu foi, em síntese, que o trânsito em julgado da decisão final da causa (com a insusceptibilidade de recurso ordinário e reclamação) constitui o momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Refere a recorrente que esta decisão, confirmatória da proferida na 1ª instância, contradiz o decidido pelo STJ nos dois acórdãos que juntou, quanto a essa mesma questão. Vejamos: O que estava em causa no acórdão-fundamento de 03.10.2017 (em que o presente relator interveio como segundo adjunto) era saber se o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 7, do RCP poderia ser efectuado após a elaboração da conta, tendo-se concluído que tal não era possível. Já no acórdão de 23.10.2018 considerou-se que as partes dispõem de 10 dias para requerer a aludida dispensa, a partir do momento em que a decisão transita em julgado. Salvo o devido respeito, o primeiro dos citados acórdãos (de 03.10.2017) não pode servir de fundamento à revista, porquanto os pressupostos de facto são substancialmente diversos dos que aqui se discutem. Ali, o requerimento de dispensa foi apresentando já depois de elaborada a conta, circunstância que afasta qualquer similitude com a situação presente nos autos. O que aqui está em causa é saber até que momento, antes de elaborada a conta, é que pode ser requerida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Nesta discussão também não nos parece que possa intervir como fundamento da revista o acórdão do STJ de 23.10.2018, na medida em que, segundo os factos aí descritos, ambas as partes requereram a dispensa da taxa de justiça remanescente após a elaboração da conta, mas antes de terem sido dela notificados. Não obstante, não deixaremos de responder à questão colocada na revista, até porque neste último aresto o entendimento que fez vencimento (note-se que há um voto de vencido) foi o de que as partes podem requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no prazo de 10 dias a partir do trânsito em julgado da decisão final. Servir-nos-emos, para essa resposta, do que deixámos escrito no nosso acórdão de 26.02.2019[2]: “Assente que o devedor do remanescente da taxa que pretenda a dispensa do seu pagamento deve formular o respetivo requerimento antes do trânsito em julgado da decisão final, na ação ou no recurso, importa verificar a fase processual em que pode e deve fazer. Considerando o disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 6º, no artigo 11º, ambos do RCP, e na tabela I a este anexa, as partes conhecem do montante do remanescente da taxa de justiça cujo pagamento lhes foi diferido, logo na sequência do respetivo impulso processual, seja nas ações, seja nos recursos. Elas também conhecem, ou podem conhecer, aquando do termo dos articulados, nas ações, nos incidentes, nos procedimentos e nos recursos, conforme os casos, o modo da respetiva conduta processual e a simplicidade ou não da espécie processual em causa, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6º do RCP. Assim, face às regras de experiência forense, as partes ficam a dispor, a partir do termo da referida fase processual, de informação adequada à sua decisão de exercer ou não a faculdade de requererem a referida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que o citado normativo se reporta. (…) a partir da prolação da sentença na 1ª instância, e da elaboração do projeto de acórdão relativo ao recurso pelo relator, queda precludida – preclusão temporal – a faculdade das partes de requererem relevantemente a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. Todavia, isso não exclui que o juiz na sentença, ou o coletivo dos juízes dos tribunais de recurso, nos acórdãos, conforme os casos, decidam no sentido da mencionada dispensa. Todavia, no caso de as partes não terem requerido a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, se o juiz, na sentença, ou o coletivo de juízes dos tribunais superiores, nos recursos, conforme os casos, nada tiverem decidido sobre a mencionada dispensa, é legítima presunção, de experiência forense feita, no sentido que aqueles tribunais concluíram no sentido da inexistência de fundamento de facto ou de direito para o efeito. Não obstante, nessa situação, verificados os pressupostos da aludida dispensa de pagamento, as partes podem reverter o não conhecimento oficioso da questão, por via do pedido de reforma da sentença ou do acórdão quanto a custas, autonomamente ou em recurso, nos termos dos artigos 616º, nºs 1 e 3, 666º, n.º 1 e 679º, todos do CPC”. No caso dos autos, o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente foi deduzido depois de transitada em julgado a decisão final (cfr. conclusão 15ª) e de terem sido devolvidos os autos à 1ª instância, pelo que, nos termos que ficaram expostos, não pode considerar-se que o mesmo tenha sido apresentado em tempo.
b) Defende ainda a recorrente que o acórdão que julgou extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente viola princípios constitucionais, designadamente o direito de acesso aos tribunais, mas também os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação (cfr. conclusão 27ª). Não cremos que seja assim. O n.º 7 do artigo 6º tem por finalidade evitar situações em que se verifique notória desproporção entre o serviço prestado pelos tribunais e os custos suportados pelas partes. Mas, conforme foi salientado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 527/16, de 4 de Outubro de 2016[5], “é evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria carácter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo”. Ao estabelecer-se um prazo preclusivo para pedir a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente não se está a ofender nenhum desses princípios constitucionais, mas, tão-só, a regular-se o tempo processual para a prática desse acto.
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Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
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[4] Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.09.2019, no processo n.º 1245/14.1TVLSB.L3-4, em 25.10.2019, no sítio https://blogippc.blogspot.com/ |