Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO (CÍVEL) | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO INCAPACIDADE INCAPACIDADE GERAL DE GANHO RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO BIOLÓGICO DANOS PATRIMONIAIS DANOS FUTUROS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO PRINCÍPIO DA DIFERENÇA EQUIDADE PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO REDUÇÃO PAGAMENTO ANTECIPADO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 10/29/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. De acordo com jurisprudência consolidada do STJ, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou vertente patrimonial do denominado “dano biológico”), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual.
II. Equívoco muito comum na prática judiciária nacional consiste em perspectivar o défice funcional por perda de capacidade geral como se correspondesse a um índice de incapacidade parcial para o exercício da profissão habitual, com perda da remuneração na proporção de tal índice. III. Estando em causa duas dimensões distintas, são também distintos os critérios para avaliar cada uma das incapacidades, assim como os critérios para fixar a correspondente indemnização, a saber: (i) a afectação da capacidade para o exercício de profissão habitual é aferida em função dos índices previstos na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e, na medida em que tal afectação se traduza na perda, total ou parcial, da remuneração percebida no exercício dessa mesma profissão, é susceptível de ser calculada de acordo com a fórmula da diferença prevista no n.º 2 do art. 566.º do CC; (ii) enquanto a afectação da capacidade geral é aferida em função dos índices da Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil e, na medida em que a afectação em causa se traduza em danos patrimoniais futuros previsíveis, a indemnização deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados, conforme previsto no n.º 3 do art. 566.º do CC. IV. Recorde-se que os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com os índices de Incapacidade Profissional Permanente, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro. V. Sublinhe-se a relevância teórica e prática do reconhecimento legal da incapacidade geral permanente, assim como da orientação consolidada da jurisprudência do STJ de lhe atribuir, à luz do princípio geral do ressarcimento de danos, efeitos indemnizatórios. É através da reparabilidade das consequências patrimoniais da afectação da capacidade geral que se contribui para um tratamento mais igualitário das vítimas, não serão indemnizadas com base na remuneração laboral, mais ou menos elevada, percebida à data da lesão. VI. No caso dos autos, estando em causa uma situação em que a lesada não ficou a padecer de incapacidade para a sua profissão habitual, mas em que se reconhece ter sido afectada a sua capacidade geral, a atribuição da correspondente indemnização deve ser feita de acordo com o segundo dos critério enunciados em III. VII. De acordo com a jurisprudência do STJ, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado). VIII. Procurando aplicar estes critérios ao caso dos autos temos que: à data do acidente a autora tinha 62 anos (factor que releva em si mesmo considerado e também por, a partir dele se poder inferir o factor “esperança média de vida”); ficou a padecer de lesão psico-física, com défice funcional fixado em 9,71 pontos e comprovada repercussão nas diferentes dimensões da sua vida. IX. Quanto aos demais critérios enunciados em VII., no caso concreto, e atendendo à idade da autora à data do acidente, bem como à comprovada perspectiva da sua passagem à reforma, não se entende que o quantum indemnizatório se destine a reparar a perda de oportunidades de progressão na actividade profissional habitual ou de mudança de actividade profissional habitual; tal quantum indemnizatório destina-se sim à reparação da perda da capacidade geral efectivamente comprovada, na medida em que essa perda se reveste de valor económico. X. No caso dos autos, tendo em conta que as qualificações e competências próprias da autora correspondem àquelas que são necessárias para o ensino de Educação Tecnológica, a prova de que a autora pretendia, após a reforma, continuar a trabalhar, designadamente em “ateliers de trabalhos manuais”, permite dar como verificado o factor que indicámos como especialmente relevante para o juízo equitativo: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias de actividades económicas alternativas ou complementares, tendo em conta as qualificações e competências do lesado. XI. Por outro lado, não pode deixar de se atribuir relevância económica ao trabalho das “lides domésticas”, seja em si mesmo considerado, seja em função dos custos da sua realização por terceiro. XII. Diversamente do que se verifica ao nível da fixação de indemnização por incapacidade permanente profissional, em que se afigura viável comparar casos diversificados atendendo aos factores essenciais para esse efeito (idade do lesado à data do sinistro; renumeração percebida nessa mesma data; índice de incapacidade laboral permanente de que ficou a padecer), tratando-se – como ocorre no presente caso – de fixar quantum indemnizatório pelas consequências patrimoniais da afectação da capacidade geral da lesada, tal comparação apenas poderá ser feita em relação a situações em que os factores relevantes para avaliar essas consequências sejam essencialmente idênticos. XIII. Assim, tendo em conta a perda da capacidade geral da lesada efectivamente comprovada, temos que, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, se afigura justa e equitativa a quantia de € 32.000,00 fixada pelo acórdão recorrido. XIV. A esta quantia não há que fazer qualquer dedução (a fim de, alegadamente, se evitar um enriquecimento injustificado resultante do recebimento antecipado de valores que a autora apenas receberia ao longo da vida), uma vez que se trata de indemnização fixada segundo a equidade (n.º 3 do art. 566.º do CC) e não de indemnização calculada de acordo com a fórmula da diferença (n.º 2 do art. 566.º do CC). | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S. A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 49.990,00 (sendo € 39.990,00 a título de danos patrimoniais por perda de capacidade de ganho e € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento; e pedindo ainda que se relegue para execução de sentença a indemnização pelos danos futuros não previsíveis nem determináveis a que refere no artigo 63.º da petição inicial. Subsidiariamente, para a hipótese de se entender que o dano biológico por si sofrido é apenas indemnizável em sede de dano moral ou não patrimonial, pede que o valor global a pagar pela R. a esse título seja fixado em € 49.990,00. Alega, em síntese, ter ocorrido pelas 15 horas do dia 22 de Abril de 2014 um acidente de viação quando a A. seguia no interior do veículo ligeiro de passageiros, de marca Mercedes, modelo CLK, com a matrícula ...-...-XS, conduzido pelo seu marido BB, veículo que circulava pela EN…, dentro da localidade de …, no sentido IP2 – Macedo de Cavaleiros. Quando circulava no troço da IP2 que dá acesso ao centro da cidade de …, o referido condutor, seu marido, adormeceu e o veículo saiu da estrada e embateu contra uma árvore existente no lado direito. Deste acidente resultaram-lhe danos que a R., pelo contrato de seguro celebrado, se obrigou a indemnizar. Contestou a R., que aceitou a culpa do seu segurado, condutor do veículo com a matrícula ...-...-XS, pela produção do sinistro referido, impugnando apenas alguns factos atinentes à dinâmica do acidente tal qual vem configurada pela A., assim como impugnando os danos por esta invocados. Concluiu pugnando que a acção seja julgada de acordo com o que resultar provado em audiência final. Em 01/07/2019 foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente: “a) Condenou a ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à autora AA: - a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, contabilizados, à taxa de juro legal, sobre o capital indemnizatório, desde a presente decisão até integral e efectivo pagamento; e, - A quantia de € 16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), a título de compensação/indemnização pelo dano patrimonial futuro, acrescida de juros à taxa legal sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da citação da ré para os termos desta acção até integral e efectivo pagamento. b) Absolveu a ré de tudo o mais peticionado pela autora.” Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães e – invocando que a decisão apenas se encontra limitada pelo valor global do pedido – pediu a alteração dos valores indemnizatórios para os montantes de € 17.500,00 e de € 32.000,00, respectivamente, quanto aos danos não patrimoniais e quanto ao dano patrimonial futuro. Por acórdão de 30/01/2020 foi proferida a seguinte decisão: “Tendo presente tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, consequentemente condenando a Apelada/Ré a pagar à Apelante/Autora a importância total de € 47.000 (quarenta e sete mil euros), acrescida de juros de mora a contar da data da citação sobre a importância de € 32.000, e a contar da data da sentença da 1.ª Instância sobre o total do valor indemnizatório, até integral pagamento.” Veio a R. seguradora interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por despacho de 29/06/2020. 2. Formula a Recorrente as seguintes conclusões: “1. A recorrente vem recorrer da douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que a condenou a pagar à recorrida a quantia de € 32.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer, entendido como dano biológico autonomamente indemnizável. 2. No entendimento da recorrente, essa decisão não acolheu nem respeitou os critérios orientadores que têm sido traçados por este Supremo Tribunal de Justiça com vista ao ressarcimento desse tipo de dano, tendo violado os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da segurança na aplicação do Direito, mostrando-se a quantia indemnizatória fixada no douto acórdão recorrido manifestamente excessiva. Com efeito, 3. Vem sendo maioritário o entendimento da jurisprudência do STJ de que a afetação permanente da saúde físico-psíquica do lesado constitui um dano autónomo, designado por dano biológico, que tem como fundamento a diminuição ou a perda de capacidades funcionais do indivíduo. 4. É também maioritária a jurisprudência mais atual do STJ de que dessa “capitis deminutio” podem derivar danos suscetíveis de avaliação pecuniária, que se vem classificando como vertente patrimonial do dano biológico, como danos insuscetíveis de avaliação pecuniária, entendido como vertente não patrimonial do dano biológico. 5. A vertente patrimonial do dano biológico abarca tanto as situações de perda efetiva de remunerações no exercício da profissão habitual do lesado, como as situações em que, não havendo perda real desses rendimentos, se verifica uma restrição nas possibilidades do lesado aceder a atividades profissionais ou económicas ou a evoluir na carreira, com a consequente perda de oportunidades de incrementos pecuniários. 6. Por sua vez, a vertente não patrimonial do dano biológico reflete a acrescida penosidade e o esforço suplementar que o lesado passa a ter de suportar na sua vida pessoal e profissional, em resultado do défice funcional de que ficou a padecer. 7. No presente caso, para justificar a indemnização de € 15.000,00 arbitrada para ressarcimento dos danos não patrimoniais, o acórdão recorrido atendeu a que “as dores … que vai continuar a sofrer até ao fim da vida, que muito provavelmente se exacerbarão co longo do tempo”, bem como o facto de a autora, em virtude das lesões sofridas, se sentir “diminuída e precocemente incapacitada, o que lhe provoca uma enorme angústia, autocomiseração e perda de autoestima”. 8. Isso significa que o valor de € 15.000,00 fixado pelo Tribunal da Relação teve já em consideração a penosidade e o esforço suplementar que a lesada suportará no futuro na sua vida pessoal e profissional, pelo que aquele montante se destina a compensar a autora por todos os danos não patrimoniais, tanto os passados como os futuros, não sendo por acaso que no início do ponto V.-, 1.- do douto acórdão se faz expressamente menção ao que vai ser ali julgado: o “dano patrimonial futuro, derivado da perda de capacidade de ganho”. 9. Porque considera justo e equitativo aquele valor, porquanto arbitrado para ressarcir todos os danos não patrimoniais, passados e futuros, a recorrente entende que a compensação da vertente não patrimonial do dano biológico foi já contemplada naquela decisão e montante, e nesse pressuposto não a impugna. 10. Em consequência, na fixação do quantum indemnizatório pelo dano biológico, deve ter-se em conta que aqueles factos/danos não patrimoniais futuros foram já objeto de indemnização por essa mesma via, pelo que não devem ser atendidos e valorizados na fixação do quantum indemnizatório da vertente patrimonial do dano biológico, sob pena de duplicação do ressarcimento dos mesmos danos. 11. Assim, o que está agora em julgamento neste venerando tribunal é exclusivamente a revista do quantum indemnizatório pela vertente patrimonial do dano biológico, mais propriamente, dos critérios que deveriam ter sido aplicados para o efeito. 12. O primeiro dos critérios orientadores do STJ quando à indemnização do dano futuro nos casos em que, em resultado do défice funcional, o lesado não tenha uma perda efetiva de ganho futuro, mas apenas a necessidade de despender maior esforço no exercício da sua profissão habitual e das suas atividades diárias, é que na fixação do montante indemnizatório dessa vertente patrimonial do dano biológico não se deve atender ao princípio da teoria da diferença consagrado no artigo 566º, nº 2 do Código Civil, mas sim à equidade, de acordo com o estabelecido no artigo 566º, nº 3 daquele Código (Ac. STJ de 07.03.2019, Proc. nº 203/14.0T2AVR.P1.S1). 13. Além do recurso à equidade, outros critérios têm sido avançados pelo STJ para fixação do quantum indemnizatório do dano biológico, e que são os seguintes: As circunstâncias concretas da situação do lesado, designadamente, o grau do défice funcional de que ficou a padecer e a sua repercussão em todos os atos da sua vida e ao longo desta; A esperança média de vida do lesado, à data do seu nascimento; Quando não há perda efetiva de rendimentos por parte do lesado, a remuneração a ter em conta para efeitos do cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro não é a que era auferida por aquele (como nas situações de perda efetiva de rendimentos), mas a remuneração média mensal nacional do seu nível profissional que vigorava à data da cura, de forma a assegurar a igualdade entre os cidadãos; Nos casos de perda efetiva de rendimentos futuros, o rendimento a ter em conta para cálculo do valor indemnizatório é o rendimento líquido, efetivamente recebido pelo lesado; O recurso a fórmulas matemáticas para determinação do capital passível de repor ao lesado os rendimentos perdidos, sem enriquecimento ilegítimo, ainda que com função meramente auxiliar e orientadora; Ao capital indemnizatório encontrado deve ser deduzido uma quota parte de, pelo menos ¼, de forma a evitar-se o enriquecimento ilegítimo do lesado decorrente do recebimento antecipado e de uma só vez, de valores que apenas receberia ao longo da sua vida; A necessidade de uniformização mínima de critérios e de decisões quanto ao arbitramento de indemnizações fixadas com recurso à equidade, por imposição dos princípios gerais e constitucionais de aplicação uniforme do Direito e das normas jurídicas, e da igualdade entre os cidadãos. 14. Com o devido respeito, a recorrente entende que a douta decisão recorrida não respeitou estes princípios, o que culminou na fixação de uma indemnização manifestamente excessiva, como de seguida se concluirá. Na verdade, 15. A douta decisão recorrida considerou a retribuição média mensal ilíquida da autora (€ 2.230,94) e não a remuneração média mensal nacional do seu nível profissional em vigor à data da cura, nem tão pouco o salário líquido, rendimento efetivamente recebido pela lesada. 16. Entendeu ainda que não deveria ser feito qualquer abatimento ao montante que fixou, e dessa forma obstar ao enriquecimento ilegítimo da lesada decorrente do recebimento antecipado e de uma só vez de valores que apenas receberia ao longo da sua vida, invocando para o efeito não apenas factos não provados ou inaceitáveis, como sejam “os salários e os preços vão conhecendo aumentos ao longo dos anos perspetivados de vida, e, atendendo à partes do corpo afectadas, haverá uma forte probabilidade de com a idade a Apelante vir a sofrer um agravamento do seu estado de saúde, o que implicará uma necessidade acrescida de assistência médica e medicamentosa, assim como do recurso à ajuda de terceiros”, como um virtual acerto resultante do aumento do valor do rendimento médio mensal. Ora, 17. Em primeiro ligar, não está provado que “haverá uma forte probabilidade de com a idade a Apelante vir a sofrer um agravamento do seu estado de saúde, o que implicará uma necessidade acrescida de assistência médica e medicamentosa, assim como do recurso à ajuda de terceiros”. 18. Em segundo lugar, o douto acórdão recorrido não atendeu às circunstâncias concretas da situação pessoal da recorrida, que era professora de … e à data da cura tinha já 62 anos de idade. Também não atendeu ao facto de ter confessado e estar provado (artigo 62º dos factos provados) que depois de atingir a idade de reforma era sua intenção e vontade dedicar-se apenas às lides domésticas e ateliers de trabalhos manuais, o que significa que a sua pretensão não era continuar a exercer a sua profissão, mas reformar-se, o que, nos termos legais, logrou fazer em 2018, com 65 anos. 19. Em terceiro lugar, e aliado ao que ficou dito na conclusão anterior, a situação do aumento dos vencimentos dos professores é conhecida publicamente, sendo que essa realidade infirma o argumentado pelo tribunal recorrido quanto a uma eventual e previsível evolução da carreira e aumentos salariais. 20. Pelo contrário, atendendo à situação atual de congelamento dos aumentos salariais dos professores, à idade da autora, e tendo ainda em conta a sua opção em reformar-se e dedicar-se às lides domésticas, o mais altamente provável é que jamais venha a beneficiar de aumentos salariais nem de qualquer evolução na carreira, pelo que o pressuposto avançado pelo acórdão recorrido de que a lesada iria auferir aumentos salariais até perfazer aos 83 anos de idade, não tem razão de ser no caso concreto. 21. O mesmo se diga em relação ao argumento quanto à “relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança e reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais” à disposição da lesada, bem como a “acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente”, pois que à data da consolidação médica das lesões, a recorrida tinha já 62 anos de idade, sendo sua intenção reformar-se aos 65 anos para se dedicar às lides domésticas. 22. Do exposto resulta que não se mostra minimamente previsível que a lesada tenha sofrido relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego, do leque de oportunidades profissionais, ou acrescida penosidade e esforço no desempenho da sua profissão de professora, em relação à qual manifestou vontade de deixar ao perfazer 65 anos. 23. Os factos a ter em conta para ressarcimento da vertente patrimonial do dano biológico que afeta a autora são, pois, os seguintes: Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9,71 pontos, compatível com o exercício da sua atividade profissional, com esforços suplementares; Nasceu em … .03.1953; Data da cura: 14.07.2015; Remuneração média mensal dos trabalhadores por conta de outrem com nível de qualificação de profissionais qualificados, em 2015: € 729,80 (vide PORDATA, publicação da Fundação Francisco Manuel dos Santos); Esperança de vida da autora, à nascença: 83 anos (vide PORDATA, publicação da Fundação Francisco Manuel dos Santos); Depois de atingir a idade de reforma era intenção e vontade da autora continuar a trabalhar nas lides domésticas e ateliers de trabalhos manuais. 24. Em face desta factualidade, e caso estivéssemos perante uma situação de perda efetiva de rendimentos futuros, para determinação de um capital produtor de rendimento que substituísse o perdido e que se extinguisse no fim da sua vida provável, e tendo em conta o salário líquido da autora (€ 1.297,00 - doc. nº 12 da p.i.), 21 anos de vida restante, a incapacidade de 9,71 pontos, e uma redução de ¼ desse resultado por antecipação do capital, resultaria o montante de € 27.769,46, valor que, equitativamente, jamais pode ser ultrapassado, nem sequer aproximado à situação da autora. 25. No caso em juízo, mostra-se fundamental atender, no respeito dos enunciados princípios da igualdade, da proporcionalidade, da segurança jurídica e da uniformização na aplicação do Direito e das normas jurídicas, ao que vem sendo decidido por este STJ em processos similares, sendo que para casos com défices funcionais com pontuação superior ao dobro da atribuída à autora e a lesados muito mais novos do que esta se atribuíram as seguintes indemnizações: - Ac. de 29.10.2019: lesado com 34 anos; empresário; défice funcional de 16 pontos com rebate profissional; indemnização pelo dano biológico (vertente patrimonial e não patrimonial) de € 36.000,00; Ac. de 07.03.2019: lesada com 37 anos; défice funcional de 19 pontos com rebate profissional: indemnização pelo dano biológico (vertente patrimonial e não patrimonial) de € 40.000,00; Ac. de 12.12.2017: lesado com 24 anos; défice funcional de 17,6 pontos com rebate profissional: indemnização pelo dano biológico (vertente patrimonial e não patrimonial) de € 25.000,00. 26. Comparando as situações ali ponderadas com a dos presentes autos, é forçoso concluir que a quantia de € 32.000,00 arbitrada a título indemnizatório por dano biológico (pelas razões invocadas, apenas na sua vertente patrimonial) se mostra exorbitante, e ofende os princípios da igualdade entre os cidadãos e da proporcionalidade, consubstanciando-se num manifesto enriquecimento ilegítimo da autora. 27. Por tudo o exposto, a indemnização devida para ressarcimento do dano biológico que atinge a autora (na sua vertente patrimonial) não deverá ser superior a € 10.000.000,00, montante a que deve ser reduzida. 28. A douta decisão recorrida violou, por omissão de aplicação e por erro de interpretação, as normas previstas no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, e artigos 8º, nº 3, 564º, nº 1 e 2 e 566º, nº 3 do Código Civil.” Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se arbitrar à autora, a título de dano patrimonial futuro, indemnização não superior a €10.000,00. A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Cumpre apreciar e decidir. 3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias): 1. No dia 22 de Abril de 2014, pelas 15:00h, a autora e o seu marido, BB, circulavam no veículo ligeiro de passageiros, de marca Mercedes Benz, modelo CLK, com o número de matrícula ...-...-XS, na estrada nacional …, já dentro da localidade de …, seguindo no sentido IP2 – Macedo de Cavaleiros. 2. O veículo automóvel era tripulado pelo marido da autora, que era também o tomador do seguro celebrado com a ré e tinha então a direcção efectiva do veículo e o tripulava no seu próprio interesse. 3. Seguindo a autora no lugar frontal do passageiro, ou seja, do lado direito do banco do condutor. 4. No referido dia, a autora e o seu marido haviam saído da cidade …, onde tinham pernoitado, e rumavam com destino à sua residência, sita na Avenida …, n.º …, em … . 5. Para tanto, seguiram pela auto-estrada A4, saíram no nó de acesso denominado de “Amendoeira” e passaram a circular num pequeno troço da IP2. 6. Volvidos alguns quilómetros, deixaram o nó de acesso, o qual se situa, sensivelmente, na perpendicular à antiga fábrica denominada “Móveis CC”. 7. Quando já se encontravam a circular na EN…, no troço que dá acesso ao centro de cidade de …, na recta visível nas fotografias do programa Google Earth que se anexaram como documento n.º 3 e a cerca de 1 Km da residência de ambos, o marido da autora adormeceu, enquanto tripulava o veículo com a matrícula ...-...-XS. 8. Pelo que ao chegar ao referido traçado rectilíneo, que depois flecte ligeiramente para a esquerda, o marido da autora não desenhou a referida curva para a esquerda e seguiu em frente, saindo da estrada de alcatrão. 9. Vindo a embater com o veículo, mais concretamente com o lado direito lateral/frente, contra uma árvore que ladeia a berma do lado direito da estrada no sentido de trânsito do veículo que conduzia. 10. Após o embate, o veículo voltou de seguida à estrada de asfalto, onde ficou imobilizado, tendo rebentado os airbags do lado direito. 11. A autora vinha a dormitar, posicionada no dito banco ou assento do lado direito, pelo que não se apercebeu do trajecto do veículo em que se seguia. 12. Após o acidente, o marido da autora conseguiu sair do veículo, tendo de imediato acorrido ao lugar do passageiro para auxiliar a sua esposa, temendo uma explosão em virtude do cheiro a gás que fora expelido pelo airbags. 13. A autora achava-se em estado de choque e não conseguia sair do veículo, pois que o impacto contra a árvore havia atingido essencialmente o lado direito do veículo, mormente ao nível da roda, chapa e da parte do motor desse lado. 14. Nesse instante, parou um carro no local, que circulava em sentido contrário, dele tendo saído um casal, que auxiliou o marido da autora a retirá-la do interior do veículo com a matrícula …-…-XS, e, bem assim, pediram ajuda aos Bombeiros Voluntários de …, cujo quartel se situa a cerca de 600 metros do local do sinistro. 15. Os Bombeiros Voluntários de … acorreram então ao local e prestaram os primeiros socorros à autora, designadamente imobilizaram-na e colocaram-lhe um colar cervical. 16. Em seguida, transportaram-na até ao Centro Hospitalar de …, onde deu entrada pelas 15.37h, com prioridade clínica muito urgente (cor de laranja), tendo sido aí examinada, sujeita a exames e medicada. 17. Ciente de que o acidente se deu em razão de o condutor do veículo com a matrícula …-…-XS ter adormecido, não observado o dever geral de cuidado e atenção que se impõe a todo o condutor prudente e diligente, a ré, de imediato, assumiu toda a responsabilidade do seu segurado na produção do sinistro, procedendo ao pagamento de variadas despesas, que a autora suportou, designadamente com médicos, medicamentos, exames, tratamentos e deslocações. 18. Mercê do embate, a autora, que, entretanto, saíra do estado de choque, ainda no local do sinistro, sofreu dores na coluna e no tórax, designadamente ao nível dos seios e das costelas, bem como na cabeça, para além de escoriações no nariz e no queixo. 19. Pelo menos durante os primeiros quinze dias após o sinistro a autora permaneceu em casa, acamada (apenas saindo para idas a unidades hospitalares) 20. Entre 30 de Abril e 5 Maio de 2015, face à persistência das dores e ao aparecimento de novas queixas, a autora teve de acorrer novamente ao Centro Hospitalar de … . 21. Já no Hospital de …, como consequência necessária e directa do sinistro, foi-lhe diagnosticada a fractura de dois arcos costais e um deslocamento vítreo. 22. O deslocamento vítreo de que foi vítima provocou-lhe dificuldade de visão, sensação de peso nos olhos e o surgimento de flashes de luz e “moscas volantes”, sintomas que persistiram durante cerca de 15 dias. 23. Como consequência directa e necessária do sinistro e do rebentamento dos airbags, a autora sofreu escoriações na face, volumoso hematoma mamário, fractura das costelas e traumatismo na coluna e na cabeça, o que lhe ocasionou dores nas zonas atingidas e/ou afectadas. 24. Tais dores ainda persistem, ainda que mais aliviadas. 25. A autora fez e tem de fazer ecografias e mamografias, de meio em meio ano, não apenas porque as dores nos seios persistem, mas também porque alguns dos coágulos de sangue, provocados pelo rebentamento dos airbags, foram entretanto absorvidos e deixaram cicatrizes, sendo que outros transformaram-se em quistos. 26. A autora teve que sujeitar-se a diversas consultas, tratamentos e exames, autorizadas, aceites e pagas pela ré, designadamente: a) No dia 24 de Abril de 2014, a autora acorreu ao Hospital Privado da …, em …, onde foi sujeita a medicação endovenosa e a novos exames face à persistência de dores; b) No dia 29 de Abril de 2014, a autora acorreu ao Hospital Privado da …, em …, em virtude do aparecimento de sintomas associados ao deslocamento vítreo, nesse momento ainda não diagnosticado; c) No dia 30 de Abril de 2014, a autora dirigiu-se ao serviço de urgência do Centro Hospitalar de …, onde lhe foi diagnosticado, por um especialista em doenças dos olhos, um deslocamento vítreo do olho esquerdo, aconselhando-a a repouso sob pena de evolução da lesão para descolamento da retina; d) No dia 5 de Maio de 2014, face à persistência de dores no peito, a autora regressou ao serviço de urgência do Centro Hospitalar de …, onde lhe foi diagnosticada a fractura de duas costelas, tendo sido medicada e orientada para repouso; e) Em 9 de Maio de 2014, face aos diagnósticos referidos em c) e d), a autora consultou um médico particular especialista em ortopedia, na Clínica …, e, bem assim, consultou um médico oftalmologista em …, que confirmaram os diagnósticos; f) Em 18 de Junho de 2014, a autora fez nova consulta de oftalmologia com o médico de tal especialidade referido em e). g) Nos dias 20 de Maio e 17 de Junho de 2014 e 24 de Fevereiro, 10 de Março, 30 de Abril e 19 de Maio de 2015, a autora fez consulta de ortopedia com o médico de tal especialidade referido em e). h) Em 15 de Maio de 2014, a autora foi consultada por médico dermatologista, no Hospital Privado de …, em virtude das contusões no queixo e no nariz resultantes do sinistro, designadamente do rebentamento dos airbags, tendo sido examinada e medicada; i) Nos dias 30 de Abril, 5, 11, 12 e 30 de Maio de 2014, 26 de Junho de 2014, 24 de Fevereiro de 2015, 26 de Março de 2015, 27 de Maio de 2015 e 21 de Junho de 2015, a autora acorreu ao serviço de urgência do Centro Hospitalar de …, em face das dores que sentia; j) Em 26.05.2014, 11.12.2014 e 01.06.2015, a autora fez consultas de fisiatria; k) Em 14.07.2014 e 02.03.2015, na Clínica …, em …, a autora fez consultas de ginecologia, para avaliação do tecido mamário; l) Fez sessões de fisioterapia nos dias 01.07.2014, 12.12.2014 e 28.07.2015; m) Em 03.10.2014, 09.05.2015, 14.07.2015, 12.12.2015, 15.07.2016 e 22.07.2016, deslocou-se ao Hospital Privado da …, sito …, onde foi sujeita a consulta e exames da especialidade de ortopedia; n) Em 30.06.2014, 01.07.2015 e 07.07.2015, por indicação da ré, a autora foi sujeita a consultas e exames no Hospital de …, …; o) Em 16.07.2015, 23.07.2015, 10.09.2015, 24.09.2015, 01.10.2015 e 08.10.2015, a autora fez consultas e tratamentos de medicina tradicional chinesa, designadamente acupunctura, para minorar e/ou eliminar as dores; p) Em 18.11.2015, 29.02.2016, 31.03.2016, 29.04.2016, 31.05.2016, 29.07.2016 e 11.10.2016, a autora realizou consultas e tratamentos de osteopatia, a maioria das quais na Clínica de Reabilitação …; q) Em Agosto de 2015, face à persistência de dores, a autora deslocou-se ao Hospital …, onde foi submetida a novos exames e injecções. 26.1. Mesmo após a alta médica, por força das dores e da dificuldade em dormir delas resultantes, a autora teve de recorrer a consultas médicas de diversos especialistas, designadamente da dor, ortopedia, cardiologia e psiquiatria. 26.2. Em razão das dores de que padece, consequência do trauma cervical, no dorso lombar e ao nível do crânio, a autora continua a tomar analgésicos e a fazer consultas e tratamentos, nomeadamente de acupunctura e osteopatia. 27. A autora foi consultada pelo Dr. DD, médico especialista em ortopedia e traumatologia, pós-graduado em avaliação do dano corporal, o qual, em 07.11.2015, produziu o relatório médico constante de fls. 53 a 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 27.1. De acordo com o relatório médico referido em 27), a autora sofreu um prejuízo da afirmação pessoal de 1 em 5. 28. No boletim de alta/Boletim de exame médico emitido por clínico indicado pela ré é referido que a autora, em consequência do sinistro em causa nestes autos, sofreu as seguintes lesões: - Entorses e distensões no pescoço; - Entorses e distensões torácicas; - Entorses e distensões lombares; - Cefaleias; - Protuberância ou massa na mama; - Fractura costelas fechada – seis; - Stress prolongado pós-traumático; e, - Abcesso vítreo. 29. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora, em consequência directa e necessária do sinistro, deu-se em 14.07.2015. 30. A autora sofreu um período de défice funcional temporário total fixável em 6 dias. 31. A autora sofreu um período de défice funcional temporário parcial de 444 dias. 32. A autora sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 448 dias. 33. A autora sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional parcial de 0 dias. 34. A autora sofreu um quantum doloris fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente. 35. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da autora é fixável em 9,71 pontos. 36. As sequelas sofridas pela autora, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 37. A autora não sofreu dano estético permanente. 38. As lesões não tiverem repercussão permanente na sua actividade sexual. 39. As lesões não tiveram repercussão permanente nas suas actividades desportivas e de lazer. 40. A autora carece de ajudas técnicas medicamentosas (analgesia e medicação psiquiátrica), designadamente ao nível de analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem os quais não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações diárias. 41. A autora sofre de perturbação de stress pós-traumático, com repercussão ligeira na autonomia pessoal, social e profissional, que do ponto de vista psiquiátrico se traduz numa incapacidade de 6 pontos. 42. Por contrato de seguro válido e eficaz, titulado pela apólice n.º 004…83, o proprietário do veículo com a matrícula ...-...-XS, havia transferido para a ré a responsabilidade decorrente de acidentes de viação com aquele veículo. 43. A autora é professora de … há vários anos, sendo que as aulas que lecciona não são compatíveis com uma postura estática, obrigando-a a trabalhos e esforços manuais, bem como a passar longos períodos em pé, alturas em que sofre de mais dores. 43.1. Por causa do sinistro, foram atribuídas à autora funções de apoio à biblioteca, sala de apoio ao aluno, coadjuvâncias e tutorias, ficando a mesma, em parte, arredada, do contacto directo com os alunos, de que ela tanto gostava e gosta. 44. Após o sinistro, a autora teve de faltar por algumas vezes ao seu trabalho, tendo sido inclusive substituída por uma outra docente. 45. Desde a data do acidente e até ao presente, a autora, mercê das dores que não consegue debelar e que condicionam a sua vida profissional, pessoal e afectiva, a autora tem vivido uma fase depressiva, de stress pós traumático. 46. No período do segundo ano posterior ao sinistro, a autora desenvolveu pensamentos de suicídio, que por algumas vezes verbalizou para o marido. 47. Após o sinistro, a autora ficou com muito receio de viajar de automóvel, mesmo com o marido aos comandos do automóvel, tendo deixado de conduzir por largos meses após o sinistro. 48. Presentemente, praticamente, só conduz o seu veículo automóvel na cidade de … . 49. A contragosto e com muita relutância, quando muito pressionada pelas circunstâncias, nomeadamente quando o marido não a pode transportar, a autora conduz o veículo automóvel em pequenos trajectos, nunca superiores a 30 Km, para consultas e tratamentos. 50. Em momento anterior ao sinistro, a autora conduzia o veículo automóvel, em alternância com o seu marido, em trajectos de longo curso, nomeadamente de … para o Porto, onde têm residência, para …, terra natal do marido, e para …, Algarve, onde possuem uma casa de férias. 51. Há vinte anos seguidos que a autora costuma passar férias em …, durante o mês de Agosto, com o marido. 52. Antes do sinistro, a autora fazia a viagem de quase 1.400Km, de ida e volta, com o marido, em automóvel próprio. 53. Após o sinistro e por causa dele e das lesões que sofreu em consequência do mesmo, a autora passou a deslocar-se para férias com o marido, de automóvel conduzido por aquele, de … até ao Porto, onde tomam um avião que os transporta até ao Algarve, usando os mesmos meios de transporte no regresso a …., gastando agora, em consequência, mais dinheiro, e perdendo a possibilidade de desfrutar as paisagens do trajecto para o Algarve, designadamente na zona das Beiras e do Alentejo, como gostava. 54. A autora vive com o permanente receio de não conseguir colocação na escola da sua área de residência e de se ver forçada a ter de conduzir, todos os dias, para outra escola do distrito de … ou de ter de se aposentar por doença com relevantes perdas salariais. 55. A autora, que é professora no quadro no agrupamento de escolas de …, sito a cerca de 26 Km da sua residência, tem vindo a requerer, nos últimos dois anos, destacamento para …, por causa do sinistro e ao abrigo de condições específicas, o que tem vindo a ser deferido. 56. Após o sinistro, a autora necessitou de ajuda para se vestir e calçar, e, ainda hoje, não realiza todas as tarefas domésticas e profissionais como outrora realizava (com facilidade), sentindo, agora, cansaço frequente e dores. 57. Por via disso, a autora teve de contratar empregada doméstica durante seis tardes por semana, que assim a auxilia na realização das tarefas que a autora já não consegue realizar em casa, ao passo que antes do sinistro tinha uma empregada apenas duas tardes por semana. 58. A autora nasceu em … de Março de 1953. 59. À data do sinistro, a autora era uma pessoa, activa, trabalhadora, alegre e jovial. 60. Antes do sinistro, a autora desenvolvia as suas actividades quotidianas, profissionais e domésticas, com facilidade e destreza, sem esforço e sem se cansar, o que presentemente não acontece, dada a sua condição física emergente das lesões e/ou sequelas decorrentes do sinistro. 61. Ao momento do sinistro, a autora auferia o vencimento mensal base de € 2.137,00 (dois mil cento e trinta e sete euros), acrescido de subsídio de refeição no valor diário de € 4,27 (quatro euros e vinte e sete cêntimos). 62. Depois de atingir a idade de reforma era intenção e vontade da autora continuar a trabalhar, designadamente nas lides domésticas e ateliers de trabalhos manuais. 63. Em consequência de todo o sucedido, em resultado do sinistro, designadamente das lesões sofridas, a autora sente-se diminuída e precocemente incapacitada, o que traz enorme angústia, autocomiseração e perda de auto-estima. 4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. Assim, o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão: - Quantum indemnizatório pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que a A. ficou a padecer (ou, por outras palavras, utilizadas pela Recorrente, quantum indemnizatório devido pela vertente patrimonial do dano biológico). 5. A respeito da reparabilidade da vertente patrimonial do denominado dano biológico considere-se o enquadramento geral apresentado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2016 (proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt[1]): À questão da «admissibilidade, em abstracto, de consequências danosas patrimoniais do dano biológico quando não se verifique incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual - tem a jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal respondido afirmativamente […]. Nas palavras do acórdão de 28/01/2016 (proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1), in www.dgsi.pt, retomadas no acórdão de 07/04/2016 (proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1), in www.dgsi.pt, “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”. Afirma-se, mais à frente, no acórdão de 28/01/2016, que vimos citando: “Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.” Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas. “A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.).” Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) - e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais -, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.» [negritos nossos] Afirma-se ainda no mesmo acórdão de 14/12/2016 que vimos citando, a respeito da intervenção deste Supremo Tribunal em tais matérias: «Estamos […] no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do Código Civil). Ora, como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.» [negritos nossos] Tendo presentes os parâmetros enunciados passemos a apreciar o caso concreto dos autos. 6. Recorde-se que: - A A. formulou pedido indemnizatório no montante global de € 49.990,00 (sendo € 39.990,00 a título de danos patrimoniais futuros e € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais); - A sentença fixou o quantum indemnizatório de € 10.000,00 para os danos não patrimoniais (vencendo juros moratórios a partir da data da decisão) e de € 16.500,00 para os danos patrimoniais (vencendo juros moratórios a partir da citação); - A A. apelou e, considerando estar limitada apenas pelo pedido global, requereu que ambas as parcelas indemnizatórias fossem aumentadas; - A Relação, atendendo no essencial aos argumentos da apelante, fixou o quantum indemnizatório de € 15.000,00 para os danos não patrimoniais (vencendo juros moratórios a partir da data da sentença) e de € 32.000,00 para os danos patrimoniais (vencendo juros moratórios a partir da citação). Na presente revista a R., declarando aceitar o montante indemnizatório de € 15.000,00 fixado para os danos não patrimoniais, pretende que o quantum relativo aos danos patrimoniais seja reduzido para € 10.000,00, invocando essencialmente que o valor fixado pela Relação (€ 32.000,00) se mostra excessivo e desrespeita os parâmetros adoptados pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Mais concretamente – e para além de reiterar que esta parcela indemnizatória não pode servir para compensar danos morais sob pena de duplicação de indemnização – alega o seguinte: - Na fórmula de cálculo do montante de € 32.000,00 foi utilizado o parâmetro da retribuição média mensal ilíquida da A. (€ 2.230,94) e não – como, em seu entender, devia ter sido feito – o parâmetro da remuneração média mensal nacional do nível profissional da A.; tampouco foi utilizado o parâmetro, que seria mais correcto, do salário líquido da mesma A.; - O acórdão recorrido errou também ao entender que não teria de ser feito qualquer abatimento ao montante fixado, a fim de evitar um enriquecimento injustificado que, alega a Recorrente, resultará do recebimento antecipado de valores que a A. apenas receberia ao longo da vida; - Sendo que, como justificação para a decisão de não proceder a tal abatimento, foram invocados factos não provados, ao afirmar-se que “os salários e os preços vão conhecendo aumentos ao longo dos anos perspetivados de vida, e, atendendo à partes do corpo afectadas, haverá uma forte probabilidade de com a idade a Apelante vir a sofrer um agravamento do seu estado de saúde, o que implicará uma necessidade acrescida de assistência médica e medicamentosa, assim como do recurso à ajuda de terceiros”; - Para além de que, atendendo a que, em razão da idade da A. (62 anos) e do facto de estar provado, por confissão, que, ao atingir a idade da reforma (65 anos), a mesma pretende (pretendia) reformar-se da sua profissão de professora de …, passando a ocupar-se das lides domésticas e de ateliers de trabalhos manuais, “não se mostra minimamente previsível que a lesada tenha sofrido relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego, do leque de oportunidades profissionais, ou acrescida penosidade e esforço no desempenho da sua profissão de professora”; - Atendendo também a que, como é de conhecimento público, com a situação de congelamento dos salários dos professores, se torna “altamente provável (…) que jamais venha a beneficiar de aumentos salariais” ou “de qualquer evolução na carreira, pelo que o pressuposto avançado pelo acórdão recorrido de que a lesada iria auferir aumentos salariais até perfazer [a]os 83 anos de idade, não tem razão de ser no caso concreto”; - Assim, entende a Recorrente que, procedendo-se à substituição, na fórmula de cálculo da indemnização, do valor do salário ilíquido recebido pela A. pela “Remuneração média mensal dos trabalhadores por conta de outrem com nível de qualificação de profissionais qualificados, em 2015: € 729,80 (vide PORDATA, publicação da Fundação Francisco Manuel dos Santos)” e aplicando-se o devido abatimento de ¼ em razão da antecipação do capital, “resultaria o montante de € 27.769,46, valor que, equitativamente, jamais pode ser ultrapassado, nem sequer aproximado à situação da autora”; - Sendo ainda necessário comparar o valor assim obtido com as quantias indemnizatórias fixadas pela jurisprudência mais recente do STJ (cfr. conclusão recursória 25)); dessa operação resulta que o valor deverá ser limitado – em função do respeito pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, segurança jurídica e uniformização na aplicação do direito – ao montante máximo de € 10.000,00. Vejamos. Consideremos os seguintes factos dados como provados, destacando-se a negrito os que se afiguram mais relevantes: 35. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da autora é fixável em 9,71 pontos. 36. As sequelas sofridas pela autora, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 40. A autora carece de ajudas técnicas medicamentosas (analgesia e medicação psiquiátrica), designadamente ao nível de analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem os quais não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações diárias. 41. A autora sofre de perturbação de stress pós-traumático, com repercussão ligeira na autonomia pessoal, social e profissional, que do ponto de vista psiquiátrico se traduz numa incapacidade de 6 pontos. 43. A autora é professora de … há vários anos, sendo que as aulas que lecciona não são compatíveis com uma postura estática, obrigando-a a trabalhos e esforços manuais, bem como a passar longos períodos em pé, alturas em que sofre de mais dores. 43.1. Por causa do sinistro, foram atribuídas à autora funções de apoio à biblioteca, sala de apoio ao aluno, coadjuvâncias e tutorias, ficando a mesma, em parte, arredada, do contacto directo com os alunos, de que ela tanto gostava e gosta. 44. Após o sinistro, a autora teve de faltar por algumas vezes ao seu trabalho, tendo sido inclusive substituída por uma outra docente. 45. Desde a data do acidente e até ao presente, a autora, mercê das dores que não consegue debelar e que condicionam a sua vida profissional, pessoal e afectiva, a autora tem vivido uma fase depressiva, de stress pós traumático. 46. No período do segundo ano posterior ao sinistro, a autora desenvolveu pensamentos de suicídio, que por algumas vezes verbalizou para o marido. 47. Após o sinistro, a autora ficou com muito receio de viajar de automóvel, mesmo com o marido aos comandos do automóvel, tendo deixado de conduzir por largos meses após o sinistro. 48. Presentemente, praticamente, só conduz o seu veículo automóvel na cidade de … . 49. A contragosto e com muita relutância, quando muito pressionada pelas circunstâncias, nomeadamente quando o marido não a pode transportar, a autora conduz o veículo automóvel em pequenos trajectos, nunca superiores a 30 Km, para consultas e tratamentos. 54. A autora vive com o permanente receio de não conseguir colocação na escola da sua área de residência e de se ver forçada a ter de conduzir, todos os dias, para outra escola do distrito de … ou de ter de se aposentar por doença com relevantes perdas salariais. 55. A autora, que é professora no quadro no agrupamento de escolas de …, sito a cerca de 26 Km da sua residência, tem vindo a requerer, nos últimos dois anos, destacamento para …, por causa do sinistro e ao abrigo de condições específicas, o que tem vindo a ser deferido. 56. Após o sinistro, a autora necessitou de ajuda para se vestir e calçar, e, ainda hoje, não realiza todas as tarefas domésticas e profissionais como outrora realizava (com facilidade), sentindo, agora, cansaço frequente e dores. 57. Por via disso, a autora teve de contratar empregada doméstica durante seis tardes por semana, que assim a auxilia na realização das tarefas que a autora já não consegue realizar em casa, ao passo que antes do sinistro tinha uma empregada apenas duas tardes por semana. 58. A autora nasceu em … de Março de 1953. 59. À data do sinistro, a autora era uma pessoa, activa, trabalhadora, alegre e jovial. 60. Antes do sinistro, a autora desenvolvia as suas actividades quotidianas, profissionais e domésticas, com facilidade e destreza, sem esforço e sem se cansar, o que presentemente não acontece, dada a sua condição física emergente das lesões e/ou sequelas decorrentes do sinistro. 61. Ao momento do sinistro, a autora auferia o vencimento mensal base de € 2.137,00 (dois mil cento e trinta e sete euros), acrescido de subsídio de refeição no valor diário de € 4,27 (quatro euros e vinte e sete cêntimos). 62. Depois de atingir a idade de reforma era intenção e vontade da autora continuar a trabalhar, designadamente nas lides domésticas e ateliers de trabalhos manuais. Tendo por base esta factualidade, o acórdão recorrido fundamentou a decisão da seguinte forma: “1.- No que concerne ao dano patrimonial futuro, derivado da perda da capacidade de ganho, não havendo critérios legais reguladores da fixação do quantum da indemnização, há que recorrer aos critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, num juízo de prognose sobre o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, impondo-se o recurso à equidade posto que se não conseguirá apurar o valor exacto do dano, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 566.º do Código Civil (C.C.). No entanto, como observa o Acórdão do S.T.J. de 06/12/2018, o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade (cf. art.13º, nº 1, da CRP), o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso”, com o que se deve ainda “ter em consideração os critérios jurisprudenciais adotados em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art.º 8.º, n.º 3, do CC)” (ut Proc.º 652/16.0T8GMR.G1.S2, in www.dgsi.pt). Como é entendimento jurisprudencial já consolidado, a indemnização a arbitrar não poderá ter em consideração apenas a redução da capacidade de ganho, resultante da limitação funcional ou dano biológico, pois, como refere o Acórdão do S.T.J. de 10/11/2016 “a indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado.” (ut Proc.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, in www.dgsi.pt). Ou seja, como conclui o Acórdão de 06/12/2018, acima referido, a afectação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer, “para além de danos de natureza não patrimonial”, é susceptível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afetação, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas atividades.”. E por isso é que o valor da indemnização deverá corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privado e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, já que as necessidades básicas deste, como refere o Acórdão do S.T.J. de 16/12/2010, “não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão”, sendo ainda certo que “as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito” (in Colª Jurisprudª, Acórdãos do S.T.J., ano XVIII, Tomo III/2010, pág. 225). Deste modo, tendo em consideração um tempo de vida provável de 83 anos; a idade da Apelante à data do acidente, que era de 62 anos; a retribuição média mensal que a mesma auferia, e que é de € 2.230,94; o défice funcional, fixado em 9,71 pontos; uma taxa de juros de 5%, perspectivando que os juros não continuarão tão baixos, quanto o estão, durante muito mais tempo, como vêm alertando os analistas financeiros, cumprindo ainda introduzir o acerto resultante do aumento do valor do rendimento médio mensal, obter-se-á um valor muito aproximado daquele que é proposto pela Apelante, de € 32.000,00. Este valor é adequado, mesmo sob o ponto de vista dos critérios da igualdade a que acima se fez referência, não devendo sofrer qualquer abatimento porque os salários e os preços vão conhecendo aumentos ao longo dos anos perspectivados de vida, e, atendendo às partes do corpo afectadas, haverá uma forte probabilidade de com a idade a Apelante vir a sofrer um agravamento do seu estado de saúde, o que implicará uma necessidade acrescida de assistência médica e medicamentosa, assim como do recurso à ajuda de terceiros. Isto considerado, e tendo como referência outras decisões mais recentes com contornos idênticos, julga-se adequado o valor referido, de € 32.000,00 para ressarcir este dano.” [negritos nossos] Quid iuris? 6.1. Com o devido respeito pela decisão do tribunal a quo, afigura-se que confluem no teor da sua fundamentação dois vectores não inteiramente compatíveis: por um lado, o entendimento – correcto – de que, ainda que um lesado não fique a padecer de incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, deve ser indemnizado pela perda de capacidade geral de ganho; por outro lado, o recurso a uma fórmula de cálculo da indemnização adoptada comumente para calcular a indemnização por incapacidade para o exercício da profissão habitual. Esta incoerência corresponde a um equívoco muito comum na prática judiciária nacional, que consiste em perspectivar o défice funcional por perda de capacidade geral como se correspondesse a um índice de incapacidade parcial para o exercício da profissão habitual, com perda da remuneração na proporção de tal índice. Este equívoco, para o qual a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem chamando repetidamente a atenção [cfr., a título exemplificativo, a fundamentação do supra referido acórdão de 14/12/2016 (proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), assim como os acórdãos de 25/05/2017 (proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1), de 09/11/2017 (proc. n.º 2035/11.9TJVNF.G1.S1) e de 01/03/2018 (proc. n.º 773/07.0TBALR.E1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt] parece assentar na dificuldade em apreender o que verdadeiramente está em causa na questão da reparabilidade da perda de capacidade geral de ganho, enquanto vertente patrimonial do denominado dano biológico: ressarcir o lesado pela perda de oportunidade de obtenção de proveitos a que, não fora a lesão sofrida, teria tido acesso, fosse pela progressão na actividade profissional habitual, fosse pela mudança de actividade ou actividades profissionais, fosse ainda pelo exercício de outras actividades, alternativas ou complementares, susceptíveis de vantagens materiais. Em suma, trata-se de reconhecer que a afectação da integridade psico-física de uma pessoa, ao atingir a sua capacidade geral de trabalho, tem necessariamente um custo económico, mesmo que a capacidade do lesado para o exercício da sua profissão habitual (com ou sem reconversão de funções) não tenha sido afectada. Ou mesmo que, em razão da sua idade ou de outras circunstâncias, não exerça ainda qualquer profissão ou tenha cessado de exercer a sua profissão habitual ou (como sucede no caso dos autos) esteja prestes a cessar tal exercício. Estando em causa duas dimensões distintas, são também distintos os critérios para avaliar cada uma das incapacidades, assim como os critérios para fixar a correspondente indemnização, a saber: (i) A afectação da capacidade para o exercício de profissão habitual é aferida em função dos índices previstos na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e, na medida em que tal afectação se traduza na perda, total ou parcial, da remuneração percebida no exercício dessa mesma profissão, é susceptível de ser calculada de acordo com a fórmula da diferença prevista no n.º 2 do art. 566.º do Código Civil; (ii) Enquanto a afectação da capacidade geral é aferida em função dos índices da Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil e, na medida em que a afectação em causa se traduza em danos patrimoniais futuros previsíveis, a indemnização deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados, conforme previsto no n.º 3 do art. 566.º do Código Civil. Recorde-se que os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com os índices de Incapacidade Profissional Permanente, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro. A importância da instituição de uma tabela de incapacidade geral, autónoma em relação à tradicional tabela de incapacidade profissional, poder ser assim explicitada: “Durante décadas as tabelas de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais serviram de recurso para a determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais futuros noutras situações de responsabilidade civil. Como afirma o preâmbulo do Decreto-Lei nº 352/2007 – numa orientação que aplaudimos - há contudo que distinguir os dois âmbitos: «No direito laboral (...) está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica» do lesado. Na prática as consequências da incapacidade laboral constituíram ao longo de décadas o único factor relevante para avaliar os danos patrimoniais futuros nas situações de responsabilidade delitual; e como, simultaneamente, os danos não patrimoniais eram sistematicamente compensados em montantes muito reduzidos, a aplicação da tabela de incapacidade laboral (com intervenção do perito médico-legal) acabava por constituir o factor determinante na fixação do montante indemnizatório com as consequências discriminatórias que isso acarretava por aferir os danos em função da perda de remuneração laboral das diferentes vítimas.” (Maria da Graça Trigo, «Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português», in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, Vol. I, págs. 148 e seg.) [negritos nossos] Entende-se não ser demais sublinhar a relevância teórica e prática do reconhecimento legal da incapacidade geral permanente, bem como da orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal de lhe atribuir, à luz do princípio geral do ressarcimento de danos, efeitos indemnizatórios. Assim como não é demais reafirmar ser através da reparabilidade das consequências patrimoniais da afectação da capacidade geral que se contribui para um tratamento mais igualitário das vítimas, na medida em que tais consequências não serão indemnizadas com base na remuneração laboral, mais ou menos elevada, percebida à data da lesão. 6.2. No caso dos autos, estando em causa uma situação em que a lesada não ficou a padecer de incapacidade para a sua profissão habitual (ainda que tivesse ocorrido alteração das funções concretamente exercidas nesse âmbito – cfr. factos provados 43 e 43.1), mas em que se reconheceu ter sido afectada a sua capacidade geral (com défice funcional fixado em 9,71 pontos), a atribuição da correspondente indemnização deve ser feita de acordo com o critério supra enunciado em (ii) e não com o critério supra enunciado em (i). O que se traduz, afinal, na rejeição da metodologia de calcular tal indemnização com recurso a fórmulas matemáticas, seja tendo como base os parâmetros enunciados pela Relação seja tendo como base os parâmetros alternativos invocados pela Recorrente nas conclusões recursórias 13) a 16) e 22) a 24). Contudo, só por si, esta conclusão intercalar não nos permite censurar o quantum indemnizatório respeitante à afectação da capacidade geral da lesada. Vejamos porquê. Devendo a indemnização ser fixada, como se afirmou, segundo juízos de equidade dentro dos limites que o tribunal tiver como provados, conforme disposto no n.º 3 do art. 566.º do CC, e não existindo no caso dos autos limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade constitui o único critério legalmente previsto para a fixação da indemnização devida. Ora, tal como explanado nos referidos acórdãos do STJ de 25/05/2017 (proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1), de 09/11/2017 (proc. n.º 2035/11.9TJVNF.G1.S1) e de 01/03/2018 (proc. n.º 773/07.0TBALR.E1.S1), a que nos vimos reportando: «Na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. acórdãos de 20/10/2011, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 07/04/2016, proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1, de 14/12/2016, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, e de 16/03/2017, proc. nº 294/07.0TBPCV.C1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado).» [negrito nosso] Procurando aplicar estes critérios ao caso dos autos temos que: - À data do acidente a autora tinha 62 anos (factor que releva, em si mesmo considerado, e também por, a partir dele, se poder inferir o factor “esperança média de vida”; a qual, em rigor, será a esperança média de vida à data do acidente de pessoa nascida em 1953); - Ficou a padecer de lesão psico-física, com défice funcional fixado em 9,71 pontos e comprovada repercussão nas diferentes dimensões da sua vida (cfr. factos provados 41, 45, 58, 57 e 60). Aqui chegados, e antes de prosseguir, importa proceder a algumas clarificações, tendo em conta, designadamente, as objecções suscitadas pela Recorrente. Primus: sendo certo não poder, a título de quantum indemnizatório por danos patrimoniais, compensar-se duplamente os danos morais (uma vez que foi também fixado um quantum indemnizatório por danos não patrimoniais, com o qual as partes se conformaram), também é certo que, na afectação da capacidade geral, medida através do défice funcional fixado, se afere tanto a dimensão física como a dimensão psíquica da lesão corporal, enquanto uma e outra reduzem a capacidade geral de ganho da vítima. Por outras palavras, enquanto na parcela indemnizatória por danos não patrimoniais se tem em conta o sofrimento, também psíquico da A., na parcela indemnizatória por danos patrimoniais tem-se em conta a repercussão da lesão da integridade psico-física sobre a capacidade geral da lesada. Secundus: esclareça-se também que – ainda que, tanto na fundamentação do acórdão recorrido como no enquadramento jurisprudencial feito supra (ponto 5. do presente acórdão), se faça referência genérica à reparação da “redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas” – tal não significa que, no caso concreto, e atendendo à idade da A. à data do acidente (62 anos), bem como à comprovada perspectiva da sua passagem à reforma (cfr. facto provado 62), se entenda que o quantum indemnizatório se destina a reparar a perda de oportunidades de progressão na sua actividade profissional habitual ou de mudança da sua actividade profissional habitual. O quantum indemnizatório em causa destina-se sim à reparação da perda da capacidade geral efectivamente comprovada, na medida em que – como se afirmou supra – essa perda se reveste necessariamente de valor económico. Tendo presentes tais esclarecimentos passemos a considerar que, no caso dos autos, ficou provado que “Depois de atingir a idade de reforma era intenção e vontade da autora continuar a trabalhar, designadamente nas lides domésticas e ateliers de trabalhos manuais” (facto 62), o que se afigura duplamente relevante. Por um lado, tendo em conta que as qualificações e competências próprias da A. correspondem àquelas que são necessárias para o ensino de …, a prova de que a A. pretendia, após a reforma, continuar a trabalhar em “ateliers de trabalhos manuais”, permite dar como verificado o factor que indicámos como especialmente relevante para efeitos do juízo equitativo: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias de actividades económicas alternativas ou complementares, tendo em conta as qualificações e competências do lesado. Por outro lado, não pode deixar de se atribuir relevância económica ao trabalho das “lides domésticas”, seja em si mesmo considerado, seja pelos custos da sua realização por terceiro. A respeito do valor económico deste tipo de trabalho, autonomamente considerado, pronunciou-se este Supremo Tribunal, por exemplo, no acórdão de 03/12/2015 (proc. n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt[2], nos seguintes termos: «Ora, como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente produzido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixou de poder produzir, atenta a sua expectativa média de vida. Portanto, mesmo nos casos em que o lesado não exerça uma atividade profissional remunerada, em sede de dano biológico, deverá atender-se à atividade que ele desempenhava ou podia desempenhar com tarefas de índole económica propiciadoras de rendimento, no quadro do seu modo de vida, e que fique afetada em virtude das sequelas derivadas das lesões sofridas.» (…) No caso presente, a A. não exercia uma atividade profissional remunerada, mas ainda assim, com quase 73 anos de idade, à data do acidente, ocupava-se das lides domésticas do seu agregado familiar, ficando afetada nesta atividade com uma incapacidade de 10% resultante das sequelas sofridas.» [negritos nossos] No caso dos autos, o valor económico do trabalho em causa torna-se ainda mais evidente por ter sido provado que a afectação da capacidade geral da A. levou a que esta tivesse de aumentar significativamente o tempo de contratação de terceira pessoa para a substituir nessas funções (cfr. facto provado 57). Assim, e perante o exposto, bem se compreende que, sendo inegável o direito da A. a ser indemnizada pelas consequências patrimoniais da sua lesão psico-física, a especificidade das suas circunstâncias torne inadequado que, como pretende a Recorrente (cfr. conclusão recursória 25)), se afira o quantum indemnizatório em função de decisões deste Supremo Tribunal nas quais estavam em causa casos de contornos muito diferentes. Com efeito, não é possível pretender sindicar o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento limitando-se a comparar a situação dos autos com situações subjacentes a outras decisões judiciais através da referência aos elementos relativos à idade do lesado à data do acidente, ao respectivo défice funcional e ao quantum indemnizatório atribuído. Esta via não permite, por si só, aferir dos factores relevantes para efeitos de comparabilidade dos casos concretos, entre os quais – repete-se – avulta o factor da conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas por cada lesado e, quando aplicável, as exigências próprias da sua actividade profissional habitual, assim como as exigência de outras actividades profissionais ou com valor económico, sempre função das respectivas qualificações, competências, modo de vida e demais circunstâncias. Importa sublinhar este ponto. Diversamente do que se verifica ao nível da fixação de indemnização por incapacidade permanente profissional, em que realmente se afigura viável comparar casos diversificados atendendo aos factores essenciais para esse efeito (idade do lesado à data do sinistro; renumeração percebida nessa mesma data; índice de incapacidade laboral permanente de que ficou a padecer), tratando-se – como ocorre no presente caso – de fixar quantum indemnizatório pelas consequências patrimoniais da afectação da capacidade geral da lesada, tal comparação apenas poderá ser feita em relação a situações concretas em que os factores relevantes para avaliar essas consequências sejam essencialmente idênticos. O que não ocorre nos casos apreciados pelas decisões judiciais convocadas pela Recorrente. Aqui chegados, e tendo em conta a perda da capacidade geral da lesada efectivamente comprovada, temos que, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, se afigura justa e equitativa a quantia de € 32.000,00 fixada pelo acórdão recorrido. 6.3. A esta quantia não há que fazer qualquer dedução ou abatimento (a fim de, alegadamente, se evitar um enriquecimento injustificado resultante do recebimento antecipado de valores que a A. apenas receberia ao longo da vida), uma vez que se trata de indemnização fixada segundo a equidade (n.º 3 do art. 566.º do CC) e não de indemnização calculada de acordo com a fórmula da diferença (n.º 2 do art. 566.º do CC). Razão pela qual fica prejudicada a apreciação da correcção da justificação aduzida pela Relação - e criticada pela Recorrente - para a não realização de dedução ou abatimento (“os salários e os preços vão conhecendo aumentos ao longo dos anos perspetivados de vida, e, atendendo à partes do corpo afectadas, haverá uma forte probabilidade de com a idade a Apelante vir a sofrer um agravamento do seu estado de saúde, o que implicará uma necessidade acrescida de assistência médica e medicamentosa, assim como do recurso à ajuda de terceiros”). Refira-se, por fim que, na medida em que a decisão relativa à contagem de juros moratórios não integra o objecto da presente revista, nada há apreciar a este respeito. 7. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido. Custas pela Recorrente. Lisboa, 29 de Outubro de 2020 Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo. Maria da Graça Trigo (Relatora) Maria Rosa Tching Catarina Serra _______ [1] Relatado pela relatora do presente acórdão. |