Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1584/09.3PBSNT.L2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
HOMICÍDIO
CO-AUTORIA
AUTORIA MATERIAL
CUMPLICIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
REFORMATIO IN PEJUS
REENVIO DO PROCESSO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
VÍCIOS DO ART. 410º Nº 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
ILICITUDE
DOLO DIRECTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 10/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Área Temática: DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS ORDINÁRIOS
Doutrina: - Damião da Cunha em O Caso Julgado Parcial, Pp. 658-659.
- Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., pp. 791 ss. e 824 ss..
- Jorge Duarte, “Proibição da reformatio in pejus: consequências processuais”, Maia Jurídica, ano I, nº 2, pp. 205 ss..
- Mara Lopes, “O princípio da proibição da reformatio in pejus como limite aos poderes cognitivos e decisórios do tribunal – Sentido e verdadeiro alcance”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias, vol. III, pp. 949 ss., em especial pp. 986-991.
Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, O novo Código de Processo Penal, pp. 387-388.
- Paulo Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., p. 1076.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 677.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 402.º, N.ºS 1 E 2, A), 403.º, N.º 3, 409.º, N.º1, 410.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 26.º, 27.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-Nº 236/2007.
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 9.4.2003 (PROC. Nº 4628/02-3ª); DE 8.7.2003 (PROC. Nº 2616/03-5ª); 27.11.2003 (PROC. Nº 3393/03-5ª); 17.2.2005 (PROC. Nº 4324/04-5ª); 5.7.2007 (PROC. Nº 2279/07-5ª); 17.4.2008 (PROC. Nº 681/08-5ª); DE 13.4.2009 (PROC. Nº 92/09.7YFLSB-5ª); DE 1.7.2010 (PROC. Nº 582/07.6GELLE.S1-5ª); DE 14.9.2011 (PROC. Nº 138/08.6TALRA.C1.S1-3ª); 17.11.2011 (PROC. Nº 267/10.6TCLSB.L1.S1-5ª); 30.5.2012 (PROC. Nº 267/10.6TCLSB.S1-3ª).
-DE 7.7.2005 (PROC. Nº 2546/05-5ª); 8.3.2006 (PROC. Nº 888/06-3ª); DE 7.6.2006 (PROC. Nº 2184/06-3ª); DE 7.2.2007 (PROC. Nº 463/07-3ª); DE 27.9.2007 (PROC. Nº 3509/07-5ª).
Sumário :

I - Os arguidos CA, CB e CM foram inicialmente condenados, em 1.ª instância, no acórdão de 15-10-2010, como coautores materiais de um crime de homicídio qualificado, na pena de 15 anos de prisão, cada um. Dessa condenação recorreram para a Relação, que, por acórdão de 02-03-2011, concedeu provimento parcial ao recurso, condenando-os, como cúmplices de um crime de homicídio simples, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, cada um. Dessa decisão recorreram os primeiros dois arguidos para o STJ, não tendo o MP interposto recurso. O recurso destes arguidos foi rejeitado, com fundamento em inadmissibilidade, por acórdão de 08-06-2011.
II - A rejeição do recurso quanto aos dois primeiros recorrentes (e ausência de recurso por parte do arguido CM), determinou necessariamente o trânsito em julgado da decisão da Relação de 02-03-2011, na parte referente a estes arguidos, por força do art. 677.° do CPC, aplicável ao abrigo do art. 4.° do CPP.
III - Consequentemente, a posterior condenação dos mesmos, pelo acórdão da l.ª instância de 06-10-2011, confirmado pelo acórdão da Relação ora recorrido, como coautores materiais de um crime de homicídio qualificado na mesma pessoa, na pena de 15 anos de prisão, cada um, ofende, pois, o caso julgado, devendo a decisão recorrida ser revogada nessa parte, por excesso de pronúncia.
IV - O arguido O foi condenado inicialmente na pena de 15 anos de prisão, como coautor material de um crime de homicídio qualificado. Tendo recorrido para a Relação, o seu recurso obteve provimento parcial, sendo o crime desqualificado e o arguido condenado, como coautor material de um crime de homicídio simples na pena de 11 anos de prisão. Dessa decisão recorreu o arguido, mas não o MP, para o STJ, que anulou o acórdão recorrido, por a matéria de facto ser omissa quanto ao plano combinado entre os arguidos. Realizado novo julgamento na 1.ª instância, e suprida a omissão, este arguido foi condenado novamente como coautor de um crime de homicídio qualificado na pena de 15 anos de prisão, decisão essa confirmada pela Relação. Interposto novo recurso para o STJ, o recorrente coloca as seguintes questões: ocorrência de erro notório na apreciação da prova; dever a conduta ser enquadrada na cumplicidade e não na coautoria; e medida da pena.
V - No que respeita à 1.ª questão colocada, como unanimemente é considerado pelo STJ, não são suscetíveis de recurso os acórdãos da Relação que se pronunciam sobre matéria de facto, quer se pretenda a impugnação da mesma, quer se venha arguir a verificação de qualquer dos vícios previstos no art. 410.°, n.º 2, do CPP.
VI - Depois, porque esses vícios têm de resultar do próprio texto da decisão, como diz a lei, sendo certo que o recorrente não indica qual é o erro notório que refere, já que só cabem nessa categoria os erros sobre factos notórios, ou que envolvam a ofensa das leis da natureza ou da lógica. Ora, nada disso vem referenciado, nem é detetável na decisão recorrida.
VII - Entende o recorrente O que a sua ação não foi determinante para a prática do crime, devendo, pois, ser condenado como cúmplice. Vejamos, em síntese, o que se apurou, na parte a ele referente:
- os arguidos (todos os arguidos) decidiram tirar a vida a M e, para tanto, elaboraram um plano que passava por atrair a futura vítima ao exterior da sua residência, convencendo-a a abrir a porta a um suposto funcionário da EDP e, uma vez no exterior, ser abatida a tiro à queima-roupa;
- na execução do planeado, os arguidos dirigiram-se à residência referida, cabendo a este desempenhar o papel de suposto funcionário da EDP;
- conforme o combinado, este arguido tocou à campainha e identificou-se como funcionário da EDP, tendo conseguido, após alguma desconfiança inicial de M, atrair este ao exterior;
- nessa altura, todos os arguidos apareceram de rompante, tendo de imediato o arguido A disparado dois tiros contra M, provocando-lhe a morte.
VIII - A cumplicidade distingue-se da coautoria material na medida em que se traduz num mero auxílio (moral ou material) do agente à prática de um acto de outrem (art. 27.°, n.º 1, do CP), ao passo que a coautoria implica dois elementos caracterizadores fundamentais: a decisão conjunta e a execução conjunta do facto (art. 26.° do CP).
IX - Desde que exista, pois, um plano comum, um projeto de ação pactuado entre os diversos agentes, que preveja uma tarefa para cada um dentro do plano global, essencial para a produção do resultado por todos pretendido, e que essa tarefa seja efetivamente executada pelo agente, este será coautor e não mero cúmplice do crime.
X - A existência de um pacto criminoso entre todos os arguidos para tirar a vida a M é inequívoca. Também o é a repartição de tarefas, nomeadamente entre o arguido O e o arguido A, àquele cabendo, disfarçado de funcionário da EDP, atrair a futura vítima ao exterior da sua residência, ao segundo disparar os tiros letais. Esse estratagema era essencial para cumprir o plano criminoso. O arguido O cumpriu-o conforme planeado, contribuindo, pois, decisivamente para a execução do plano. Donde, é indiscutível que agiu como coautor material, e não como mero cúmplice.
XI - O recorrente O foi inicialmente condenado na pena de 15 anos de prisão, pena essa reduzida para 11 anos de prisão pela Relação, pelo acórdão de 02-03-2011, por via da desqualificação do homicídio. Contudo, após a anulação decretada pelo STJ no acórdão de 08-06-2011, e realizado novo julgamento em 1.ª instância, foi o arguido condenado de novo na pena de 15 anos de prisão por um crime de homicídio qualificado na pessoa de M. A questão que se põe é a de saber se esta condenação ofende o princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no art. 409.°, n.º 1, do CPP.
XII - O texto legal [do art. 409.º, n.º 1, do CPP], que prevê expressamente a proibição da reformatio in pejus direta, exclui a possibilidade de agravação das sanções pelo tribunal superior em recurso interposto pelo arguido, ou pelo MP em seu benefício. Trata-se evidentemente de uma garantia para o arguido, em fase de recurso, não suscitando quaisquer dúvidas de interpretação.
XIII - A proibição da reformatio in pejus tem um duplo fundamento: como garantia de defesa; como decorrência do princípio acusatório. Como garantia de defesa, destina-se a prevenir o risco de o arguido ser surpreendido com o agravamento da condenação pelo tribunal superior em recurso interposto por ele, e só por ele (reformatio direta); ou o risco de ver a sua posição agravada, após anulação do primeiro julgamento, decretada em recurso apenas da sua iniciativa, no novo julgamento (reformatio indireta).
XIV - Se não interviesse, em qualquer dos casos, a garantia da proibição da reformatio in pejus, o arguido ficaria limitado no seu direito de impugnação de uma decisão que considerasse injusta, pois, sabendo que correria o risco de ver a sua posição agravada, se requeresse a anulação do julgamento ou suscitasse alguma questão que pudesse determinar essa anulação, ficaria naturalmente receoso de recorrer. Ou seja, a inexistência da garantia da proibição da reformatio in pejus afetaria incontestavelmente o direito de impugnação, o que é insustentável, por violar frontalmente as garantias de defesa.
XV - De facto, o princípio acusatório, base estrutural de todo processo penal, faz depender as decisões jurisdicionais do impulso do MP. Não havendo recurso do MP da decisão condenatória, mas apenas do arguido (ou do MP exclusivamente em benefício do arguido), o tribunal superior tem como limite aos seus poderes de cognição a própria decisão recorrida, que não pode agravar, precisamente porque falta o pressuposto essencial exigido pelo processo acusatório: o impulso do MP. Fixados assim os limites de cognição do tribunal superior, circunscritos ficam igualmente e na mesma medida os poderes do tribunal de reenvio, quando este for decretado pelo tribunal de recurso. Esta é a única solução que respeita o princípio do acusatório e simultaneamente previne a incongruência de atribuir poderes de cognição mais vastos ao tribunal de reenvio do que ao tribunal de recurso.
XVI - Concluímos, pois, que a proibição da reformatio in pejus vale também para os casos em que se procede a novo julgamento, por anulação do primeiro decretada por tribunal superior, em recurso interposto apenas pelo arguido (ou também pelo MP apenas em benefício daquele), não podendo, assim, o tribunal do reenvio agravar a situação do arguido recorrente.
XVII - Estava, pois, o tribunal de l.ª instância limitado, nos seus poderes de cognição, pelo acórdão da Relação de 02-03-2011. Ao ultrapassar esses limites, condenando o arguido pelo crime de homicídio qualificado na pena de 15 anos de prisão, a 1.ª instância violou a proibição da reformatio in pejus, o mesmo acontecendo com a Relação, ao confirmar, pelo acórdão de 14-03-2012, ora recorrido, aquela decisão. Há, pois, que revogar a decisão recorrida, por ofensa do art. 409.°, n.º 1, do CPP.
XVIII - O limite da pena a aplicar é, portanto, de 11 anos de prisão. E nenhuma razão existe para a reduzir, já que as circunstâncias do caso, nomeadamente a intensidade do dolo, a atuação em conjunto, a forma ardilosa como a vítima foi atraída ao lugar onde pudesse ser abatida a tiro, ardil de que o arguido foi o principal protagonista, constituem circunstâncias agravantes que impedem decisivamente qualquer atenuação da pena. As circunstâncias pessoais apuradas também não são favoráveis ao recorrente. São evidentes as exigências de prevenção geral. Sendo assim, o arguido deverá ser condenado na pena de 11 anos de prisão, tal como decidiu o acórdão da Relação de 02-03-2011.
XIX - O arguido A foi condenado inicialmente na pena de 15 anos de prisão, como coautor material de um crime de homicídio qualificado na pessoa de M. Tendo recorrido para a Relação, o seu recurso obteve provimento parcial, sendo o crime desqualificado e o arguido condenado, como coautor material de um crime de homicídio simples na pena de 12 anos de prisão. Dessa decisão recorreu o arguido, mas não o MP, para o STJ que anulou o acórdão recorrido, por a matéria de facto ser omissa quanto ao plano combinado entre os arguidos. Realizado novo julgamento em 1.ª a instância, e suprida a omissão, este arguido foi condenado novamente como coautor de um crime de homicídio qualificado na pena de 15 anos de prisão, decisão essa confirmada pela Relação.
XX - Relativamente a este recorrente coloca-se exatamente a mesma questão de proibição da reformatio in pejus e, pelas mesmas razões já adiantadas, há que concluir que o acórdão recorrido violou a dita proibição, ao confirmar a condenação do recorrente em 15 anos de prisão.
XXI - O limite máximo admissível é de 12 anos de prisão, pena aplicada no acórdão da Relação de 02-03-2011, que não deverá ser atenuada. Na verdade, os arguidos atuaram em conjunto, de forma ardilosa, cabendo a este recorrente um papel central na execução do crime: a realização dos disparos que atingiram e mataram a vítima. São, assim, evidentes as exigências da prevenção geral, não ocorrendo quaisquer atenuantes que o favoreçam.
Decisão Texto Integral:

             

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

No Juízo de Grande Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, por acórdão de 15.10.2010, foram condenados, como coautores materiais de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, h), do Código Penal (CP), os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, na pena de 15 anos de prisão, cada um.

Recorreram todos os arguidos para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 2.3.2011, dando provimento parcial aos recursos, decidiu:

a) Condenar o arguido BB, como coautor de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art. 131º do CP, na pena de 12 anos de prisão;

b) Condenar o arguido AA, também como coautor material de um crime de homicídio simples, na pena de 11 anos de prisão;

c) Condenar os restantes arguidos, como cúmplices de um crime de homicídio simples, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, cada um.

Dessa decisão recorreram para este Supremo Tribunal os arguidos BB, AA, DD e EE.

Por acórdão deste Supremo Tribunal de 8.6.2011, foram rejeitados os recursos dos arguidos DD e EE, por inadmissíveis, e anulado o acórdão recorrido, nos termos do art. 379º do Código de Processo Penal (CPP), por ser omisso quanto ao plano combinado entre os arguidos.

Regressados os autos à Relação de Lisboa, esta decidiu, por acórdão de 13.7.2011, declarar nulo o acórdão da 1ª instância, por omissão de pronúncia, e ordenar a baixa dos autos para ser proferida nova decisão, “com emissão de juízo probatório sobre a matéria de facto alegada nos pontos 1, 2 e 3 da acusação, retirando desse juízo todas as conclusões que tiver de retirar, tanto no plano factual, como ao nível jurídico”.

Na sequência do ordenado pela Relação, a 1ª instância, por acórdão de 6.10.2011, reformulou a matéria de facto, aditando os nºs 1 a 3 e o segmento inicial do nº 4, adiante transcritos, e condenou todos os arguidos, como coautores materiais de um crime de homicídio qualificado, na pena de 15 anos de prisão, cada um, como fizera inicialmente.

Interpuseram de novo recurso para a Relação de Lisboa todos os arguidos. Por acórdão de 14.3.2012 deste Tribunal, a decisão da 1ª instância foi confirmada na íntegra.

É desse acórdão que recorrem agora novamente todos os arguidos para este Supremo Tribunal.

Alegou o arguido BB:

1. Questão Prévia.

Consabidamente, os recursos são remédios jurídicos e não mecanismos de perfeição jurisprudencial.

E, mormente quando está em causa o recurso ao STJ, enquanto Tribunal maior que somente visa exclusivamente o reexame de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410° n° 2 e 3 (artigo 434° do CPP).

Sendo certo que o ora recorrente tem presente a jurisprudência do STJ, e do TC, por via da qual, se estabelece que, embora o artigo 434° do CPP determine que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410° n° 2 e 3 do CPP, tal deverá significar que, "sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410° n° 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilhem, que não a requerimento dos sujeitos processuais."

Não obstante, e porquanto está vedado ao STJ apreciar questões novas colocadas pelo recorrente, pois que o acórdão ora recorrido não é o da 1ª instância, mas sim o da Relação, de forma que só as questões que o TRL abordou, sob o impulso do recorrente (tão somente essas e não outras) são susceptíveis de escrutínio superior.

Ainda assim, somos a reiterar que a presente condenação consubstancia um erro judiciário, porquanto o arguido tal qual resultou da prova produzida pelas declarações dos demais co-arguidos, não esteve presente nas circunstâncias de tempo modo e lugar em que ocorreu a prática do crime.

Bem sabe a defesa quer o TRL, quer ainda a 1ª Instância não se convenceram desse facto, isto é, da ausência do arguido no local do crime, sobremaneira porquanto existem duas testemunhas que invocam ter sido o arguido o autor dos disparos fatídicos - pelo que naturalmente se compreende a razão de ser da decisão.

Ainda assim, a defesa reitera que irá lutar por demonstrar a inocência do arguido BB, porquanto acreditamos piamente que a verdade um dia irá emergir, pelo que um dia se ficará a saber se o arguido BB foi condenado em quinze anos de prisão por um crime que não cometeu.

2. Da medida da pena aplicada

Basicamente, a questão que ora se submete a apreciação de V. Exas. é a da medida da pena, que o arguido preconiza como excessiva, peticionando outra mais benévola, sem todavia ter a pretensão de indicar qual.

E não o fazemos, porquanto a fixação da concreta pena é tarefa compósita, de pura aplicação do direito, confluindo nela as notas de discricionariedade e de vinculação, nos termos que sucede com qualquer operação comum de aplicação de direito, na qual relevam regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações - cfr. Direito Penal Português - As consequências Jurídicas da Pena, Prof. Figueiredo Dias, pág. 251.

Consabidamente, as penas visam a proteção dos bens jurídicos (fim publico) e a reinserção do agente no tecido social, por forma a impedir que o ostracize, de futuro, e que lesou (fim particular) - art°. 40 nº 1, do C P;

A maior ou menor necessidade de proteção dos bens jurídicos aferida em função da sua importância, decalcada, de resto, na amplitude da moldura penal abstrata para o tipo legal, por razões de prevenção do Crime, de defesa da ordem jurídica. (Cfr. Claus Roxin, in Culpabilidad y Prevención, pág. 115).

E na medida em que representa uma intromissão na esfera do cidadão, a compressão na esfera do cidadão, a compressão dela derivada deve reduzir-se ao mínimo essencial à realização daquela teleologia (artigo 18ª da CRP) defrontando-se o julgador, nessa tarefa de determinação judicial, com regras nucleares de direito, aquele art° 40 n° 1, do CP e o art° 71° do mesmo diploma, não podendo ignorar-se que o acto decisório comporta, ainda, uma "componente individual" que não é controlável plenamente de modo racional já que se trata, segundo Jescheck, Derecho Penal, Parte General, II, Pag. 1192, de converter justamente a quantidade de culpabilidade em magnitudes penais e os princípios que regem a determinação da pena não comportam a mesma concisão que os elementos do tipo.

Essa discricionariedade na tarefa de fixação da medida concreta da pena é balizada por aquilo que não se mostra positivado na lei, fora disso o direito penal moderno fornece regras centrais para a determinação da pena, funcionando como dissemos, a culpa como seu limite inultrapassável, devendo tomar-se em conta os seus efeitos sobre a pessoa do delinquente (prevenção especial) e sobre a sociedade em geral (prevenção geral) - arts° 40º n° l e 2 e 71°, do CP.

A medida concreta da pena é um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal e constitucional em matéria de sentido, limites e finalidades das penas (cfr. Prof. Figueiredo Dias, In Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, pág. 258) cabendo à culpa fornecer o limite máximo da pena a aplicar no caso concreto, nos termos do artigo 40°, do CP, sendo em função de considerações de prevenção geral e especial de ressocialização, que deve ser determinada abaixo daquelas submolduras, a medida concreta.

A culpa ao funcionar como limite da pena serve de antagonista da prevenção, pois quaisquer que sejam as necessidades de prevenção jamais a poderão ultrapassar.

Há um ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos, reclamada pela coletividade, mas abaixo desse pode encontrar-se um outro, agora inultrapassável, pois a sociedade já não tolera a perda de eficácia preventiva da pena, ainda consentâneo com tal eficácia e que integram o limiar mínimo da pena, encontrado em função das necessidades de prevenção especial (Cfr. Profª Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, ano 12, n° 2 Abril-Junho, 2002) onde se jogam aquelas circunstâncias que não fazendo parte do tipo de depõem a favor ou contra o agente do crime - art° 71 n° 2, do CP.

Será necessário para tutela de prevenção geral, aplicar 15 anos de prisão a este homem?

Que perdoem a V. Exas. a singeleza da questão, mas não me é de todo possível colocá-la de outro modo.

Não serão susceptíveis de concorrer circunstâncias que deponham a favor deste homem?

Sobremaneira a quem nunca atentou contra os valores da sociedade.

Para quem sempre viveu em conformidade com a mesma, ainda que se considere que, face à decisão adotada, a culpa do agente quanto ao crime de homicídio situa-se, no caso, num patamar alto, porque a acção foi desenvolvida com dolo direto.

Pelo que numa avaliação da personalidade – unitária - do agente impõe-se relevar que o facto criminoso não é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, e que se nos afigura de grande relevo num juízo de prognose quanto ao efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

Isto dito, assinala-se repetidamente que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art° 40 do C. P., nos termos do qual, toda a pena tem como finalidade "a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade." 

E em matéria de culpabilidade, diz-nos o n° 2 do preceito que "Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".

Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa.

Do mesmo modo, a chamada "expiação da culpa" ficara remetida para a condição de consequência positiva, caso venha a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena.

No pressuposto de que por expiação se entende uma interiorização do desvalor da ilicitude, e a aceitação da pena que o condenado tem para cumprir, com o que tal significa enquanto consequente reconciliação voluntária com a sociedade.

Assim, a ponderação da culpa do agente serve propósitos que são fundamentalmente garantísticos e portanto do interesse do arguido.

Aliás, com este entendimento tem-se visto, uma consonância com o imperativo constitucional do n° 2 do artigo 18 da Constituição da República, de acordo com o qual "a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos."

Na verdade, a defesa de bens jurídico-penais é, ela mesma em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que possa considerar privativo das penas.

Nestes termos e fundamentos, afirmamos que a pena infligida ao arguido se afigura desproporcional e desadequada perante as necessidades de prevenção geral, prevenção especial e de justiça que o caso de per si reclama.

Alegaram, em conjunto, os arguidos AA e CC:

I - Questão prévia quanto ao arguido CC:

1ª No 1º acórdão, proferido pela 1ª Instância de Sintra, foram os arguidos, ora recorrentes condenados da prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado, na pena de 15 anos de prisão.

Não se conformando com o assim decidido, interpuseram recurso para o TRL que por acórdão de 02.03.2011, mereceu provimento parcial, condenando os recorrentes AA como co-autor do crime de homicídio na pena de 11 anos de prisão e CC como cúmplice na pena de 6 anos de prisão.

Conformado com esta decisão, da mesma, o arguido CC não interpôs recurso. Acontece porém que, não obstante, este arguido viu-se, de novo, nos presentes autos, condenado, na pena de 15 anos de prisão por acórdão (mandado reformular) de 06/10/2011, da 1ª instância de Sintra. Ora,

"...Vem sendo jurisprudência dominante deste Supremo tribunal que, em caso de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n° 2 do art° 403°, forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes: estes passam a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes"...acs. de 07/07/05, 08/03/06, 07/06/06 e de 07/02/07, procs. 2546/05-5ª, 886/06-3ª, 2184/06-3ª e 463/07-3ª.

Tendo o arguido CC, sido condenado pelo TRL na pena de 6 anos de prisão e não tendo interposto recurso dessa decisão, a mesma, quanto a si, transitou em julgado (art° 677° a 669° do CPC ex vi art° 4º do CPP).

Ainda o Acórdão do STJ de 27/09.2007, proc. 07P3509, Relator: Souto de Moura disponível em www.dgsi.pt.

"I. Considera-se autónomo o recurso do comparticipante, sem prejuízo de, caso venha a ser julgado procedente, poder beneficiar também a situação dos co-arguidos não recorrentes.

II- Contudo, o efeito extensivo do recurso não impede a formação de caso julgado relativamente aos interessados não recorrentes.

III- Trata-se de uma verdadeira "condição resolutiva" do caso julgado parcial que não prejudica a sua formação"-Ac. do TRP, de 14.09.2011, Proc.º 636/08.1TAVRL.P2, Relator: Elia São Pedro, disponível www.dgsi.pt.

2ª Pelo que, quanto a este arguido, deve ser tido como caso julgado a decisão do TRL proferida a 02.03.2011, nos presentes autos e, em consequência, determinar o cumprimento da pena de 6 anos de prisão a que lhe imposta. Porém, sem conceder, e à cautela,

3ª vai o presente recurso interposto do acórdão da 3ª Secção do TRL, pelo qual se decidiu confirmar a 2ª decisão, proferida nos presentes autos, pelo tribunal da 1ª Instância de Sintra, com a ratificação da pena de 15 anos de prisão, que havia sido imposta aos arguidos AA e CC, como co-autores da prática de um crime de homicídio pp. pelos arts° 131° e 132° do CPP.

4ª Ora, o tribunal recorrido postergando os argumentos, quanto à matéria de facto e de direito, apresentados pelos arguidos, concluiu, a nosso ver, sem qualquer fundamentação, a não ser, a de que nos autos existem elementos probatórios, segundo os quais os arguidos perpetraram efectivamente o crime, como autor material, mantendo a condenação da pena de 15 anos de prisão.

5ª Porém, sem se pretender que este STJ aprecie a matéria de facto provada e não provada, necessário se torna, ainda que, ao de leve, referir-se o seguinte relativamente à matéria de facto que foi considerada relevante para a condenação dos ora recorrentes na tão pesada pena de 15 anos de cárcere:

6ª O tribunal recorrido entendeu como bastante e suficiente, para sentenciar os recorrentes AA e CC, na pena de 15 anos de prisão, o facto, dos mesmos, terem sido vistos no hall de entrada ou no interior do prédio onde habitava a vítima FF no dia em que esta foi morta.

7ª Isto porque, e segundo o douto acórdão recorrido, parágrafo 2º da pag.71/84, "apurou-se que 5 indivíduos, na manhã do dia 10/08/2009, se dirigiram a casa da vítima.”

8ª Na verdade, em audiência, os arguidos confessaram terem estado nesse dia, no prédio onde morava a vítima, porém para ali se tinham dirigido, apenas e só, com a intenção de cobrar uma dívida, à vítima, resultante da venda de um aparelho televisor plasma.

9ª Porém, com a chegada da namorada da vítima, a testemunha GG, os recorrentes fugiram do local a correr, pelo que quando foram disparados os tiros que vitimaram FF, os mesmos já lá não estavam.

10ª Esta versão foi corroborada por esta testemunha, GG, que referiu em audiência que quando chegou, à porta do prédio da residência do namorado, começou logo por indagar o recorrente AA sobre a razão da sua presença no local, tendo este se posto em fuga, ainda antes dos disparos.

11ª No que concerne ao recorrente CC, este apenas conduziu o carro no qual viajaram os restantes arguidos, ao local dos factos, porém, não para tirar a vida à vítima, mas sim porque se dizia que era para proceder à cobrança de uma dívida resultante da venda do referido plasma, tendo de igual modo fugido local antes dos disparos.

12ª A acção do arguido AA não foi, de modo algum, determinante para a prática do crime de homicídio na pessoa do falecido FF, atento que não obstante o mesmo se ter apresentado à porta do prédio onde habitava a vítima, esta só permitiu abri-la e sair à rua, munida de uma faca, após a chegada da namorada, quando os recorrentes, já se tinham retirado do mesmo local, fugindo.

13ª Tão-pouco a acção do co-arguido CC, tenha contribuído para a morte da vítima, pelos motivos supra referidos.

14ª Assim, por não se ter resultado provado que a actuação dos recorrentes tenha sido decisivo para o cometimento do crime, pelo contrário, os mesmos devem ser absolvidos da prática do crime de homicídio pelo qual foram sentenciados.

15ª Entendemos, pois, que houve erro na apreciação da prova, por banda do tribunal da 1ª instância erro esse que devia ser mandado corrigir pelo tribunal a quo, o que não sucedeu. Porém, sem conceder,

16ª Por o eventual auxílio prestado pelos recorrentes AA e CC, para a prática do crime em causa, não se nos afigurar determinante para a consumação do mesmo crime, jamais devem ser condenados, como autores, pela prática do crime pp. pelo art° 132° do C.P, mas sim como cúmplices pela prática do mesmo tipo legal do crime de homicídio.

17ª Sendo ambos os arguidos primários, condenados como cúmplices, devem ser-lhes aplicada pena que não ultrapasse os 5 anos de prisão, especialmente atenuada e suspensa na sua execução nos termos do art° 50° do CP.

18ª Tendo em conta os mesmos se encontravam socialmente integrados, sendo que o recorrente AA vivia com os pais e trabalhava, e o arguido CC trabalhava como torneiro mecânico, factos estes que devem ser levadas em consideração no juízo de prognose favorável ao comportamento futuro dos arguidos, subjacente à decisão de suspender a execução da pena, assente numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido (cfr. acórdãos do STJ de 17/09/1997, proc. n°423/97 e de 29/03/2001, proc. 261/01-5),

19ª Considerando que o Tribunal a quo não cuidou de não prejudicar a situação social dos recorrentes mais do que o estritamente necessário (função preventiva especial positiva) infligindo-lhe um sacrifício inadequado e desproporcionado de regime de prova a que alude o art.° 53° do CP, não obstante a gravidade do acto em si.

20ª Com a infeliz opção, com o quantum penal escolhido 15 anos de prisão efectiva para sentenciar os arguidos, mais não se fez que hipotecar a reinserção social e reintegração dos mesmos na sociedade, fazendo-se tábua rasa do carácter pedagógico inerente a qualquer condenação.

21ª Ademais, o tribunal recorrido não cuidou de fundamentar devidamente a decisão condenatória, como aliás impõem o disposto no art° 374/2 do CPP, pondo em causa o "direito a uma pena", que os arguidos ora recorrentes já haviam sido condenados, não obstante as nulidades que segundo este Supremo tribunal, afectavam aquela decisão.

22ª É que em direito e por força da lei, as inferências não chegam - não basta concluir, há que dizer fundadamente, porque razão se decide duma maneira e não de outra, isto porque, salvo melhor opinião, embora do mesmo conste de forma detalhada os factos provados e não provados, procedendo inclusive à correcção do acórdão do 1ª instância, não vem de modo concretizado a razão da escolha da pena de 15 anos de prisão para os recorrentes.

23ª Daí que, ao actuar como actuou, o Tribunal recorrido não cuidou de não prejudicar a situação social dos recorrentes mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva), infligindo-lhes um sacrifício inadequado desproporcionado a que urge pôr cobro.

Normas Violadas. Art° 677° a 669° do CPC ex vi art° 4º do CPP, 9°, 40°, n° 1 e 2, 50°, n° l e 5, 53°, n° 1, 2 e 3, 71° e 72°, 127° do CP, 127° e 374º/2, 410°, 403º/2 do CPP e ainda os arts° 29º/5 e 32º/2, da CRP.

Termos em que e nos mais de Direito que V. Exa. superiormente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, e assim:

- Ser considerado caso julgado a decisão do TRL que condenou o arguido CC na pena de 6 anos de prisão;

- revogando-se o acórdão proferido em conformidade com o alegado, ou seja absolvendo os recorrentes, AA e CC, da prática do crime de homicídio qualificado, ou caso assim não se entender, condenando-os como cúmplices pela prática do mesmo crime, na pena não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, nos termos do art° 50° do CP, só assim será feita a costumada JUSTIÇA!

Alegaram, por sua vez, os arguidos DD e EE:

l.- Ao manter a tese de que a vítima foi "atingida pelos disparos efectuados pelo arguido BB e ao não valorar o facto de os aqui recorrentes nem sequer se encontrarem presentes quando os disparos foram feitos, padece o recorrido acórdão do erro notório na apreciação da prova.

2.- O douto acórdão recorrido violou o disposto nos art° 127.° e 355.° do CPP ao valorar de modo que não deveria parte da prova efectuada na audiência.

3.- Sem conceder, mesmo que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça não entenda a verificação do apontado vício, sempre a decisão pecaria, "hic et hunc" pela existência de nítido excesso de pronúncia uma vez que o douto Tribunal sem antes concretizar eventual comparticipação criminosa na qual se incluiriam os recorrentes DD e EE ainda assim vem depois reforçar o que já havia sido considerado provado (item 16 a fls. 1382 do primitivo acórdão de 1ª instância, mantido "ipsis verbis" no segundo acórdão, também da 1ª instância) que os arguidos (todos eles) sem dizer em que consistiria tal acordo, agiram na sequência do que haviam acordado.

4.- Na apreciação (em segundo grau) da matéria de facto considerada provada em 1ª instância, o recorrido acórdão acatou toda a argumentação expendida no acórdão desta primeira, fazendo assim em nossa opinião, interpretação não autorizada do art.° 127.° e 355.° do CPP, violando ainda o princípio "in dubio pro reo".

5.- Existindo ainda clara insuficiência (ou deficiente suficiência) na reapreciação da matéria de facto levada a cabo em segunda instância. De facto, refere-se também no recorrido acórdão que os arguidos (neles se incluindo os recorrentes) "Assistem ao disparar da arma por parte do arguido BB, matéria que nem sequer consta da anterior fixada matéria de facto...ficando quase ininteligível o decidido, pelo que foi cometida a nulidade de insuficiência do exame crítico da prova (art.º 374.° n.° 2 do CPP).

6.- Sem conceder, os recorrentes não deveriam ter sido condenados como co-autores, mas a título de cúmplices. Os recorrentes, embora presentes no local do crime, não desejaram a morte da vítima nem se conformaram com o resultado das agressões de que a mesma foi vítima. E nunca agrediram, antes tendo podido prestar auxílio.

7.- Não tendo eles sido reconhecidos como os autores dos disparos, na pior das hipóteses poderiam ser condenados a título de cumplicidade (auxílio ao crime, uma vez que estariam "a fazer número" na cave escondidos, para a emboscada de que a vítima parece ter sido alvo.

8.- Mas mesmo nesta perspectiva menos grave para os recorrentes, não deveria a pena a aplicar ultrapassar os seis anos de prisão (como já anteriormente fora decidido pela Veneranda Relação de Lisboa).

9.- O douto mas recorrido acórdão, ao condenar também os aqui recorrentes na pena de quinze anos de prisão não fez a melhor interpretação do disposto no art.º 131.° do Código Penal bem como dos artigos 27.° n.° 1 e 2 do CP e art.° 73.° também do Código Penal, tendo-os por isso violado.

O Ministério Público (MP), em resposta ao recurso do arguido BB, disse:

1. Da peça processual apresentada pelo recorrente não constam, em substância, as conclusões da motivação, como preceituado no artº 412º, n°s 1 e 2 do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser o recorrente convidado a apresentar "conclusões", no prazo de 10 dias, sob pena de rejeição do respectivo recurso, nos termos do n°3 do art. 417° do C.P.P. (cfr, também art. 420º n° l al. c) do C.P.P.).

2. O recorrente - no tocante à questão da medida da pena - não suscita ao Venerando Suprem Tribunal quaisquer questões que não tenha já colocado e sido objecto de conhecimento decisão no Tribunal da Relação, o que integra "falta" de motivação conducente à rejeição de recurso, a ser decidida mediante "Decisão sumária", nos termos do disposto nos arts. 412°. n° l, 414°., n°. 2 e 420°, n° l al. b) do C.P.P.

3. O recorrente - quando pretende invocar erro notório na apreciação da prova (artº 410°, n° 1 alínea c), do CPP) - circunscreve o seu recurso a matéria de facto, pelo que, visando o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça exclusivamente o reexame da matéria de direito, é aquele inadmissível, nos termos do vem disposto no artigos 400°, 432° e 434°, todos do CPP, devendo ser rejeitado.

4. O acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal ou princípio e, como tal, deverá, na íntegra, ser mantido.

Em relação ao recurso dos arguidos AA e CC, o MP disse:

1. Os arguidos/recorrentes - no tocante às questões da autoria ou cumplicidade e suspensão da execução da pena - não suscitam ao Venerando Supremo Tribunal quaisquer questões que não tenham já colocado e sido objecto de conhecimento e decisão no Tribunal da Relação, o que integra "falta" de motivação conducente à rejeição do recurso, a ser decidida mediante "Decisão sumária", nos termos do disposto nos arts. 412º, n° l, 414°, n° 2 e 420°, n° l al. b) do C.P.P.

2. Os arguidos/recorrentes - quando pretendem invocar erro notório na apreciação da prova (art° 410°, n° 1, alínea c), do CPP) - circunscrevem o seu recurso a matéria de facto, pelo que visando o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça exclusivamente o reexame da matéria de direito, é aquele inadmissível, nos termos do vem disposto no artigos 400°, 432° e 434°, todos do CPP, devendo ser rejeitado.

3. O acórdão sob recurso não ofendeu o "caso julgado parcial", ao condenar o arguido CC numa pena de 15 anos de prisão.

4. O acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal ou princípio e, como tal, deverá, na íntegra, ser mantido.

Finalmente, quanto ao recurso dos arguidos DD e EE, o MP respondeu desta forma:

 

1. Os arguidos/recorrentes - no tocante à questão da autoria ou cumplicidade - não suscitam ao Venerando Supremo Tribunal quaisquer questões que não tenha já colocado e sido objecto de conhecimento e decisão no Tribunal da Relação, o que integra "falta" de motivação conducente à rejeição do recurso, a ser decidida mediante "Decisão sumária", nos termos do disposto nos arts.412º., n° l, 414°., n°2 e 420°., n°1 al. b) do C.P.P.

2. Os arguidos/recorrentes - a pretexto de invocar erro notório na apreciação da prova (art° 410°, n° 1, alínea c), do CPP) e a violação do artigos 127° e 355°, ambos do CPP, e do princípio do in dubio pro reo - circunscrevem o seu recurso a matéria de facto, pelo que, visando o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça exclusivamente o reexame da matéria de direito, é aquele inadmissível, nos termos do vem disposto no artigos 400°, 432° e 434°, todos do CR devendo ser rejeitado.

3. O acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal ou princípio - verbi gratia padecendo de insuficiência ou falta de exame crítico da prova (art° 374°, n° 2 do CPP) e, como tal, dever; na íntegra, ser mantido.

Neste Supremo Tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

                (…)

2.1 – QUESTÃO PRÉVIA: Delimitação do âmbito dos recursos/A existência de caso julgado do Acórdão da Relação de 2-03-2011, supra indicado em 1.2, quanto aos arguidos (i) DD , (ii) EE e (iii) CC :
                Estes 3 arguidos, como se disse, foram julgados no primeiro dos acima indicados acórdãos da 1.ª Instância [ponto 1/1.1], e, tal como os demais, condenados como co-autores de um crime de homicídio qualificado que lhes vinha imputado, na pena de 15 anos de prisão.
                Essas penas, e qualificação jurídica dos respectivos factos, foram, porém, subsequentemente modificadas, em sede de recurso ordinário apenas por eles interposto, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 2 de Março de 2011, nos termos enunciados supra, no ponto 1./1.2/c), que condenou cada um deles, como cúmplice de um crime de homicídio simples, como já vimos, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
                Como também já dissemos, nem o Ministério Público nem o arguido CC interpuseram recurso desse acórdão da Relação.
                Os arguidos DD e EE, por seu turno, tendo embora interposto recurso, viram o mesmo rejeitado pelo Acórdão do STJ de 8-06-2011, nos termos indicados no ponto 1.3/1.3.1 do relatório supra, por inadmissibilidade legal nos termos dos arts. 400.º, n.º 1/f) e 420.º do CPP, uma vez que a decisão da Relação configurava uma situação de “dupla conforme in mellius”, sendo que lhes aplicou uma pena não superior a 8 anos de prisão.
                Por isso, não se pode deixar de considerar que aquela decisão proferida pelo Tribunal da Relação, quanto a estes 3 arguidos, transitou em julgado.
                Daí que se deva entender que a decisão que veio a ser proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, anulatória daquele aresto da Relação, apenas se reportou à responsabilidade criminal dos arguidos recorrentes cujos recursos foram admitidos – o BB e o AA, como meridianamente decorria, aliás, do seu ponto II, págs. 11 e segs. – sendo portanto apenas nesses segmentos que foi declarado nulo o acórdão da Relação.   
                Assim sendo, a subsequente declaração de nulidade do acórdão da 1.ª Instância emitida pela Relação, tal como a nova decisão que, em cumprimento dela, foi proferida pela 1.ª Instância, apenas poderia incidir sobre a matéria relativa à responsabilidade criminal daqueles dois arguidos, e não sobre a dos arguidos DD, EE e CC, cuja decisão da Relação tinha, quanto a eles, transitado em julgado.
                Outra forma de entender as coisas conduziria ao desrespeito do princípio da proibição da “reformatio in pejus” consagrado no artigo 409º do Código de Processo Penal. Na verdade, se o tribunal superior não pode, directamente, modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida em prejuízo do arguido recorrente, muito menos pode, de uma forma mediata, possibilitar que uma decisão, que não tenha sido validamente impugnada, venha a ser modificada em prejuízo do arguido não recorrente, em resultado do recurso interposto exclusivamente por outro arguido.

                Em face do exposto, e assim por violação do caso julgado firmado, não pode este Supremo Tribunal deixar de declarar nula, por excesso de pronúncia, e por isso revogar, nesta parte, a decisão recorrida e, por via dela, também a própria decisão da 1.ª Instância, porque inquinada do mesmo vício. E conhecer, consequente e subsequentemente, do mérito apenas dos recursos dos arguidos AA e BB.

                2.2 – Quanto ao recurso do arguido AA:

Face ao que vem pedido por este recorrente, na parte final da motivação do seu recurso [fls. 2512], e nos termos do estatuído no art. 419.º, n.º 3/c), “a contrario”, do CPP, haverá o recurso de ser apreciado e julgado em audiência.

Nessa sede, e tendo em conta o disposto no n.º 2 do art. 416.º do CPP, produziremos alegações orais.

                2.3 – Quanto ao recurso do arguido BB :
         2.3.1Da impugnação da matéria de facto:

Cumprirá tão só enfatizar, neste segmento do recurso, que, como de resto é por demais sabido, o STJ conhece apenas de direito (art. 434.º do CPP). O objecto do recurso de revista tem de circunscrever-se pois, apenas, a questões de direito. As questões de facto são decididas definitivamente pelos Tribunais da Relação.

Ora, se bem examinarmos a motivação do recorrente, fácil se mostra concluir que, neste ponto, a sua argumentação se reconduz e confina, em exclusivo, à discussão da matéria de facto.

O recurso é por isso, a esta luz e nesta parte, manifestamente improcedente. É este, de resto, o sentido da jurisprudência contida, entre outros, no Acórdão do STJ de 07-04-2010, proferido no Processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt, onde se firmou jurisprudência no sentido de que, citamos, (…)

Resumindo e concluindo:

Tendo o recorrente optado por abordar questões de facto em recurso dirigido para a relação, o novo recurso que seja admissível para o STJ da decisão proferida por aquele tribunal superior, agora puramente de revista, pressupõe a prévia fixação da matéria de facto e o recorrente já não pode voltar a invocar questões «de facto», ainda que porventura sob a capa dos vícios da sentença (art.º 434.º do CPP). A referência que nesta última norma é feita ao art.º 410.º, n.º 2 do CPP, é a possibilidade reservada ao STJ de poder reenviar o processo para novo julgamento da matéria de facto, quando entenda que não pode decidir de direito. Trata-se de uma válvula de escape do sistema, pois há casos em que a matéria de facto é de tal modo obscura, contraditória, ou omissa, que não é possível decidir. É, contudo, um poder oficioso, da iniciativa exclusiva do tribunal e não de um direito que assista ao recorrente de obrigar o STJ a rever a matéria de facto, pois, como se disse, as questões de facto, como objecto do recurso, ficaram definitivamente encerradas com a decisão proferida na relação.
       2.3.2 – Da medida das pena:
Insurge-se também este recorrente, como vimos, contra a medida concreta da pena que lhe foi aplicada: 15 anos de prisão.
Posto que com base em fundamento diverso do que aponta, cremos que a razão não pode, neste ponto, deixar de estar do lado do recorrente.
Como já verificámos, a pena que inicialmente lhe foi aplicada pela 1.ª Instância, também de 15 anos de prisão, foi modificada e reduzida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de recurso ordinário, para 12 anos de prisão [ver ponto 1/1.2/a) do relatório supra].
Este aresto foi subsequentemente anulado é certo pelo Supremo Tribunal de Justiça, e na sequência dele também o da 1.ª Instância, mas isso aconteceu apenas por via de recurso interposto por este e pelo arguido AA, que não também do Ministério Público e/ou assistente.
A condenação deste arguido, agora de novo na pena de 15 anos de prisão, decorre dos mesmos factos e foi aplicada no novo acórdão que, na sequência daquele veredicto anulatório, a 1.ª instância veio a proferir.
A nosso ver, porém, e tendo em conta o princípio da proibição da “reformatio in pejus” consagrado no art. 409.º do CPP, designadamente na dimensão normativa decorrente do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 236/07, publicado no DR, II Série, de 24-05-07, já não poderia ser já agravada, na sua medida concreta, a pena a aplicar ao arguido nesta nova decisão. Pelo que, cremos, essa pena não poderia ultrapassar agora a anteriormente fixada pela Relação: 12 anos de prisão.
Como diz o Sr. Conselheiro Henriques Gaspar, no voto de vencido lavrado no Acórdão do STJ de 9-04-2003, proferido no Processo n.º 02P4628, disponível em www.dgsi.pt, citamos, (…)
A esta luz, e no apontado quadro, segue-se que a pena a aplicar ao arguido não poderia, sob pena de violação do referido princípio da “proibição da reformatio in pejus”, ter sido aplicada em medida superior aos 12 anos fixados pela Relação no mencionado acórdão de 2-03-2011.
Esta dimensão normativa, a ser assim sufragada – como propomos – torna de todo inútil, prejudicando por isso o seu conhecimento, qualquer discussão sobre a medida concreta da pena: não merecendo reparos, nem ao próprio recorrente, a qualificação jurídica dos factos por que foi condenado como integradora do crime de homicídio qualificado, nos termos do art. 132.º nº 2/h) do Código Penal, cuja moldura abstracta varia entre os 12 e os 25 anos de prisão, foi precisamente no seu limiar mínimo que se mostra, portanto, definitivamente fixada a respectiva reacção criminal.

                2.4. Parecer: Pelo exposto e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, é o seguinte o nosso parecer:

2.4.1 Deve ser declarada nula por excesso de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1/c) do CPP, e por isso revogada, a decisão ora impugnada, supra indicada em 1./1.6, e, pelo mesmo fundamento, também a própria decisão da 1.ª Instância, identificada em 1./1.5, sobre a qual aquela incidiu, nos segmentos em que, em clara violação do caso julgado firmado pelo anterior Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 2-03-2011 e acima identificado em 1., ponto 1.2/c), se pronunciou sobre a responsabilidade criminal dos arguidos (i) DD , (ii) EE e (iii) CC, já definitivamente condenados por aquela decisão anterior, quanto a eles transitada em julgado;

2.4.2 É de rejeitar liminarmente o recurso interposto pelo arguido BB , porque manifestamente improcedente [art. 420.º, n.º 1/a) do CPP], na parte em que com ele o recorrente visa, apenas, o reexame da matéria de facto apurada pelas instâncias;

2.4.3 É de confirmar a qualificação jurídica dos factos operada pelas Instâncias. Mas, pelo menos na parcial procedência do recurso deste mesmo arguido, deve ser revogado o aresto recorrido no segmento em que, com violação do princípio da “reformatio in pejus” normativamente densificado no art. 409.º do CPP, confirmou a sua condenação na pena de 15 anos de prisão, reduzindo-se esta pena, em conformidade com o aludido princípio, para os 12 anos de prisão fixados no sobredito acórdão da Relação supra indicado em 1./1.2/a).

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não tendo nenhum dos arguidos respondido.

Foi realizada audiência de julgamento do recurso dos arguidos AA e CC, a seu pedido.

Colhidos os vistos quanto aos restantes recursos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Recurso dos arguidos DD e EE

Invocam estes arguidos, além de outras questões, excesso de pronúncia do acórdão recorrido, posição que recebe a concordância do sr. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.

Como vimos, estes arguidos foram inicialmente condenados, em 1ª instância, pelo acórdão de 15.10.2010, como coautores materiais de um crime de homicídio qualificado, na pena de 15 anos de prisão, cada um. Dessa condenação recorreram para a Relação de Lisboa, que, por acórdão de 2.3.2011, concedeu provimento parcial ao recurso, condenando-os, como cúmplices de um crime de homicídio simples, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, cada um. Dessa decisão recorreram os arguidos para este Supremo, não tendo o MP interposto recurso. O recurso dos arguidos foi rejeitado, com fundamento em inadmissibilidade, por acórdão de 8.6.2011, que igualmente decidiu anular o acórdão da Relação quanto à matéria de facto.

Deverá considerar-se transitado esse acórdão da Relação quanto aos arguidos ora em referência?

A resposta é afirmativa. Na verdade, a rejeição do recurso, sendo insuscetível de impugnação, determinou necessariamente o trânsito em julgado da decisão da Relação de 2.3.2011, na parte referente a estes arguidos, por força do art. 677º do Código de Processo Civil, aplicável ao abrigo do art. 4º do CPP.

É certo que o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão, e que, em caso de comparticipação, o recurso interposto por um dos arguidos aproveita aos restantes, salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, conforme dispõe o art. 402º, nºs 1 e 2, a), do CPP. E ainda que, por força do art. 403º, nº 3, do CPP, a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência do mesmo as consequências impostas relativamente a toda a decisão recorrida.

Tal significa, porém, não que a decisão não transite, mas apenas que se estabelece uma “condição resolutiva” do caso julgado para a hipótese de procedência do recurso do comparticipante, sempre com salvaguarda da proibição da reformatio in pejus.[1] Esta é a jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal.[2]

Consequentemente, procede a questão prévia suscitada pelo sr. Procurador-Geral Adjunto: o acórdão da Relação de Lisboa de 2.3.2011, na parte em que julgou estes arguidos cúmplices da prática de um crime de homicídio simples na pessoa da vítima FF e os condenou, cada um, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, transitou em julgado.

A posterior condenação dos mesmos, pelo acórdão da 1ª instância de 6.10.2011, confirmado pelo acórdão da Relação ora recorrido, como coautores materiais de um crime de homicídio qualificado na mesma pessoa, na pena de 15 anos de prisão, cada um, ofende, pois, o caso julgado, devendo a decisão recorrida ser revogada nessa parte, por excesso de pronúncia.

Recurso do arguido CC

Este arguido recorre em petição conjunta com o arguido AA, mas relativamente a ele suscita-se igualmente a questão do caso julgado.

Na verdade, também este arguido, inicialmente condenado na pena de 15 anos de prisão como coautor material de homicídio qualificado na pessoa de FF, veio a ser condenado, como cúmplice de homicídio simples na mesma pessoa, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, pelo acórdão da Relação de Lisboa de 2.3.2011.

Desse acórdão este arguido não interpôs recurso, e dele também não recorreu o MP.

Logo, e face às considerações anteriormente expendidas a este propósito, há que considerar igualmente transitado em julgado esse acórdão quanto a este arguido.

Daí que a posterior condenação deste arguido, pelo acórdão da 1ª instância de 6.10.2011, confirmado pelo acórdão ora recorrido, na pena de 15 anos de prisão por um crime de homicídio qualificado, constitua violação do caso julgado, devendo ser revogada, por excesso de pronúncia.

Recurso do arguido AA

Foi este arguido condenado inicialmente na pena de 15 anos de prisão, como coautor material de um crime de homicídio qualificado na pessoa de FF. Tendo recorrido para a Relação de Lisboa, o seu recurso obteve provimento parcial, sendo o crime desqualificado e o arguido condenado, como coautor material de um crime de homicídio simples na pena de 11 anos de prisão. Dessa decisão recorreu o arguido, mas não o MP, para este Supremo Tribunal que anulou o acórdão recorrido, por a matéria de facto ser omissa quanto ao plano combinado entre os arguidos. Realizado novo julgamento na 1ª instância, e suprida a omissão, este arguido foi condenado novamente como coautor de um crime de homicídio qualificado na pena de 15 anos de prisão, decisão essa confirmada pela Relação.

Interposto novo recurso para este Supremo Tribunal pelo arguido, coloca ele as seguintes questões: ocorrência de erro notório na apreciação da prova; dever a conduta ser enquadrada na cumplicidade e não na coautoria; e medida da pena.

Para conhecer deste recurso, há que analisar a matéria de facto que é a seguinte (tal como foi fixada pelo acórdão da 1ª instância de 6.10.2011):

1. Em momento não concretamente apurado e por motivo desconhecido, os arguidos acordaram entre si um plano, com vista a subtrair a vida a FF.

2. Esse plano passava por atrair a vítima até ao exterior da sua residência, convencendo o mesmo a abrir a porta a um suposto funcionário da EDP e, uma vez no exterior, ser abatido à queima-roupa, sem qualquer hipótese de defesa.

3. Para o efeito, os arguidos muniram-se de uma arma de fogo e alguns artefactos, nomeadamente, uma capa e de uma pasta de plástico com alguns papéis nó seu interior, para, desse modo, um deles actuar com base no disfarce de um funcionário da EDP e, assim, lograrem atingir os seus intentos.

4. Na execução do referido plano e em conjugação de esforços, no dia 10 de Agosto de 2009, cerca das 8h30, os arguidos dirigiram-se à residência de FF, sita na Rua ..., na viatura com a matrícula ...-CP, da marca Volkswagen, modelo Golf, de cor branca.             

5. Ali chegados, estacionaram a viatura na Praceta ..., que se situa nas imediações da referida residência.

6. De seguida, os cinco arguidos deslocaram-se apeados até à residência de FF, sendo que o arguido AA transportava uma pasta de plástico na mão.    

7. Depois de entrarem no prédio onde residia FF, todos os arguidos, à excepção de AA, se dirigiram para o andar inferior, onde se situa a cave e aí permaneceram escondidos.      

8. Na execução do que haviam combinado, o arguido AA tocou à campainha da residência de FF, identificou-se como um trabalhador da EDP, pedindo que abrissem a porta.    

9. FF, desconfiado das reais intenções do suposto funcionário da EDP, telefonou à sua namorada, HH que, por residir nas imediações, se deslocou ao local na companhia do seu irmão, II.         

10. Estes, uma vez aí chegados, depararam-se com o arguido AA à porta da residência de FF, o qual, uma vez interpelado, reiterou que era funcionário da EDP.           11. Após novo contacto com a namorada, FF abriu a porta de sua casa, saiu para o hall de entrada do prédio, munido de uma faca.

12. Nessa altura, os restantes arguidos saíram de rompante do andar inferior, o arguido BB , munido de uma arma de fogo, tipo pistola, e disse para FF: "Hoje você vai morrer!", tendo de seguida efectuado dois disparos, logo seguidos de outros dois, na direcção de FF, a menos de dois metros deste, tendo-o atingido na região torácica direita e na região inguinal da perna esquerda.

13. Na sequência destes disparos FF caiu inanimado no chão, vindo a falecer ainda no local.              

14. Após o referido em 9, todos os arguidos fugiram a correr, deixando cair, inadvertidamente, a menos de um metro do corpo de FF, as chaves da viatura em que se haviam deslocado.

15. Também a pasta de plástico que arguido AA levava consigo foi deixada cair.           

16. Como consequência directa e necessária do referido em 9, sofreu FF graves lesões traumáticas torácicas e abdominais, nomeadamente, feridas perfuso-contundentes, orificiais, de entrada de projécteis de arma de fogo no quadrante supero-interno da mama direita, que dista 6cm para cima e 6cm para a esquerda do mamilo (...), na face lateral direita do tórax, na linha axilar posterior, a nível da 7 costela, que dista l0cm para baixo da axila (...), na face anterointerna da raiz da coxa esquerda, que dista 6 cm para baixo da região inguinofemoral (...), examinadas e descritas no relatório de autópsia médico-legal, as quais determinaram directa e necessariamente a sua morte.

17. Os projécteis que atingiram FF, resultantes dos disparos produzidos da arma de fogo, foram a causa das lesões descritas no relatório de autópsia e constituíram causa directa e necessária da sua morte.

18. O arguido BB , ao disparar em direcção ao corpo de FF, a menos de 2 metros de distância, para zonas do corpo onde se alojam órgãos vitais, o que bem sabia, agiu com o propósito de lhe tirar a vida, o que efectivamente aconteceu.

19. Os restantes arguidos, com as suas condutas, agiram na sequência do que haviam acordado, tendo o arguido AA conseguido, sob o pretexto de que era funcionário da EDP, atrair para o exterior FF, e uma vez encontrando-se a vítima no hall de entrada do prédio, os demais arguidos, que se encontravam escondidos na cave, surgiram repentinamente, e sem dar hipótese de defesa à vítima, foi esta atingida pelos disparos efectuados pelo arguido BB.   

20. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

21. O arguido BB é natural da Guiné-Bissau, sendo um dos três filhos de um casal de condição diferenciada no contexto social daquele país: o pai, já falecido, era professor na Faculdade de Direito e exercia paralelamente actividade de jurista e a mãe professora do ensino básico.

22. BB deu entrada na escola na idade normal e estudou até à frequência do 11° ano de escolaridade, aspecto que contribuiu para o desenvolvimento das capacidades cognitivas, raciocínio e verbalização.

23. Em 2002, com 20 anos, veio para Portugal a fim de ser sujeito a uma intervenção cirúrgica, data a partir da qual já não regressou ao país de origem, ficando no nosso país, inserido num meio social problemático, pelo que acabou por desenvolver uma aproximação negativa a outros indivíduos com percursos pouco estruturados e alegadamente desviantes.

24. O arguido BB apresenta características pessoais e competências cognitivas que contribuem para que seja um indivíduo portador de autonomia, capaz de pensar e fazer opções designadamente a estabelecer metas e objectivos para o seu próprio futuro.

25. O arguido BB não tem antecedentes criminais.

26. O arguido AA é natural de S. Tomé e Príncipe, é o único filho da breve ligação mantida entre os pais. Depois desta ruptura relacional, quando teria menos de dois anos, a mãe partiu para Angola, onde ainda se encontrará, e ele veio com o pai e avós paternos para Portugal, instalando-se a família na Quinta ..., um bairro degradado, de predominância africana, no Prior Velho.

27. AA desenvolveu-se, por ausência dos progenitores, no agregado dos avós paternos, pessoas idosas e com capacidades educativas diminuídas.            

28. Embora numa fase inicial o seu trajecto pessoal tenha sido razoavelmente regular, a adolescência foi marcado por episódios de desajustamento, que lhe mereceram a expulsão da casa dos avós e mais tarde também, de um tio, vindo depois a integrar o agregado da companheira do pai, onde não seria sujeito a quaisquer restrições.

29. A nível escolar terá apresentado inicialmente um percurso regular, que se degradou ao longo dos tempos.

30. É escassa a experiência laboral do arguido, que apenas terá trabalhado com um tio na construção civil, vindo a desistir alguns meses depois, por considerar esta actividade incompatível com as suas condições físicas.

31. À data da prisão encontrava-se a desempenhar a função de limpador de vidros.

32. A sua convivialidade encontrava-se praticamente restringida ao grupo de pares residentes no mesmo bairro, apesar de 10 meses antes da sua prisão a família ter sido realojada num outro local, nas imediações.

33. Com experiência laboral quase nula, forte vinculação a grupos de cariz desviante e falta de retaguarda familiar, tudo indica que será difícil ao arguido efectuar mudanças no seu modo de vida, no sentido de uma maior maturidade e responsabilidade social.               

34. O arguido AA não tem antecedentes criminais. (…)

a) Erro notório na apreciação da prova

Manifestamente infundada se apresenta esta questão. Desde logo porque, como unanimemente é considerado por este Supremo Tribunal, não são suscetíveis de recurso os acórdãos da Relação que se pronunciam sobre matéria de facto, quer se pretenda a impugnação da mesma, quer se venha arguir a verificação de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do art. 410º, nº 2, do CPP.

Depois, porque esses vícios têm de resultar do próprio texto da decisão, como diz a lei, sendo certo que o recorrente não indica qual é o “erro notório” que refere, já que só cabem nessa categoria os erros sobre factos notórios, ou que envolvam a ofensa das leis da natureza ou da lógica. Ora, nada disso vem referenciado, nem é detetável na decisão recorrida.

Improcede, pois, manifestamente esta primeira questão.

b) Coautoria ou cumplicidade?

Entende o recorrente que a sua ação não foi determinante para a prática do crime, devendo, pois, ser condenado como cúmplice.

Vejamos, em síntese, o que se apurou, na parte a ele referente. Os arguidos (todos os arguidos) decidiram tirar a vida a FF e, para tanto, elaboraram um plano que passava por atrair a futura vítima ao exterior da sua residência, convencendo-a a abrir a porta a um suposto funcionário da EDP e, uma vez no exterior, ser abatida a tiro à queima-roupa. Na execução do planeado, os arguidos dirigiram-se à residência referida, cabendo a este desempenhar o papel de suposto funcionário da EDP. Conforme o combinado, este arguido tocou à campainha e identificou-se como funcionário da EDP, tendo conseguido, após alguma desconfiança inicial de FF, atrair este ao exterior. Nessa altura, todos os arguidos apareceram de rompante, tendo de imediato o arguido BB disparado dois tiros contra FF, provocando-lhe a morte.

A cumplicidade distingue-se da coautoria material na medida em que se traduz num mero auxílio (moral ou material) do agente à prática de um acto de outrem (art. 27º, nº 1, do CP), ao passo que a coautoria implica dois elementos caracterizadores fundamentais: a decisão conjunta e a execução conjunta do facto (art. 26º do CP).[3]

Desde que exista, pois, um plano comum, um projeto de ação pactuado entre os diversos agentes, que preveja uma tarefa para cada um dentro do plano global, essencial para a produção do resultado por todos pretendido, e que essa tarefa seja efetivamente executada pelo agente, este será coautor e não mero cúmplice do crime.

É dentro destes parâmetros que importa considerar a conduta do recorrente.

A existência de um pacto criminoso entre todos os arguidos para tirar a vida a FF é inequívoca. Também o é a repartição de tarefas, nomeadamente entre o arguido AA e o arguido BB, àquele cabendo, disfarçado de funcionário da EDP, atrair a futura vítima ao exterior da sua residência, ao segundo disparar os tiros letais. Esse estratagema era essencial para cumprir o plano criminoso. O arguido AA cumpriu-o conforme planeado, contribuindo, pois, decisivamente para a execução do plano.

Donde, é indiscutível que agiu como coautor material, e não como mero cúmplice.

Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

c) Medida da pena

Como vimos, o recorrente foi inicialmente condenado na pena de 15 anos de prisão, pena essa reduzida para 12 anos de prisão pela Relação de Lisboa, pelo acórdão de 2.3.2011, por via da desqualificação do homicídio. Contudo, após a anulação decretada por este Supremo Tribunal no acórdão de 8.6.2011, e realizado novo julgamento em 1ª instância, foi o arguido condenado de novo na pena de 15 anos de prisão por um crime de homicídio qualificado na pessoa de FF.

A questão que se põe é a de saber se esta condenação ofende o princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no art. 409º, nº 1, do CPP. Estabelece este preceito:

Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.

            O texto legal exclui, pois, a possibilidade de agravação das sanções pelo tribunal superior em recurso interposto pelo arguido, ou pelo MP em seu benefício. Trata-se evidentemente de uma garantia para o arguido, em fase de recurso, impedindo o tribunal superior que o irá apreciar de agravar a posição do arguido. Estamos aqui perante a proibição da reformatio in pejus direta, que não suscita quaisquer dúvidas de interpretação.

            Mas importa saber se o princípio é ainda válido para além da fase de recurso, concretamente saber se a proibição se mantém quando, anulado o julgamento pelo tribunal superior (a pedido do arguido ou oficiosamente), e não tendo o MP recorrido, há lugar a repetição do julgamento em 1ª instância. Estará, nesse caso, este tribunal vinculado pela mesma proibição, ou seja, estará impedido de agravar as sanções inicialmente decretadas? E, caso a anulação tenha sido decretada pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre acórdão da Relação que tenha reduzido as sanções (como sucedeu nos autos), estará o tribunal da 1ª instância impedido de retomar a condenação primitiva?

            Trata-se de uma questão discutida na jurisprudência e na doutrina, sobre a qual há que tecer algumas considerações.

            O acórdão deste Supremo Tribunal de 9.4.2003[4] assumiu claramente que “o princípio da proibição da reformatio in pejus, tal como lógica e naturalmente flui do próprio preceito, economia do mesmo e sua expressa literal, e ainda de todo em todo resulta do seu próprio enquadramento sistemático (na parte dos recursos) e dos termos utilizados no todo da sua própria compreensão e extensão (“… o tribunal superior não pode modificar…”), não tem aplicação aquando da realização de um novo julgamento devido a anulação do anterior em recurso interposto só pelo arguido e no seu próprio interesse, mormente quando as razões que determinam tal anulação abarquem a decisão na sua globalidade, e não apenas um qualquer “quantum” de pena, ou uma parte limitada ou circunscrita da própria decisão.”

            Contudo, desse mesmo acórdão consta um voto de vencido (Cons. Henriques Gaspar) afirmando posição oposta. Partindo da compreensão do princípio da reformatio in pejus como componente do processo equitativo, e da estrutura acusatória do processo, pronuncia-se em sentido oposto, afirmando: “A decisão, quando impugnada (unicamente) pelo arguido, constitui o limite do conhecimento ou da jurisdição do tribunal ad quem, e também por isso mesmo, para obviar à reformatio indireta, limite à acusação, conformação, rectius, à jurisdição do tribunal de reenvio, nos casos de anulação ou reenvio.” E mais à frente: “O princípio [da reformatio in pejus] valerá, pois nenhuma razão material há para distinguir, tanto para a reformatio direta como para a indireta, sendo, por isso, indiferente que o arguido tenha (ou também tenha) pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal.” E lembra, por fim, que a posição maioritária conduzia a uma incoerência sistémica: “permitir ao tribunal de reenvio (ou do novo julgamento) o que não é permitido ao tribunal de recurso.”

            Esta posição, aqui minoritária, veio a prevalecer posteriormente na jurisprudência deste Supremo Tribunal[5]. Na mesma linha, o Tribunal Constitucional, em recurso de fiscalização concreta interposto precisamente do referido acórdão deste Supremo de 9.4.2003, veio a julgar inconstitucional, por violação do art. 32º, nº 1, da Constituição, o art. 409º, nº 1, do CPP, interpretado no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido.[6]

            Na doutrina, igualmente se impôs esta orientação, já exposta por Damião da Cunha em O Caso Julgado Parcial[7], e posteriormente defendida por outros autores, como Jorge Duarte[8], Paulo Albuquerque[9] e Mara Lopes[10].

            Entendemos também ser esta a posição correta, pelas razões que sucintamente seguem, dada a uniformidade da jurisprudência e da doutrina.

            A proibição da reformatio in pejus, como vimos, tem um duplo fundamento: como garantia de defesa; como decorrência do princípio acusatório.

            Como garantia de defesa, destina-se a prevenir o risco de o arguido ser surpreendido com o agravamento da condenação pelo tribunal superior em recurso interposto por ele, e só por ele (reformatio direta); ou o risco de ver a sua posição agravada, após anulação do primeiro julgamento, decretada em recurso apenas da sua iniciativa, no novo julgamento (reformatio indireta).

            Se não interviesse, em qualquer dos casos, a garantia da proibição da reformatio in pejus, o arguido ficaria limitado no seu direito de impugnação de uma decisão que considerasse injusta, pois, sabendo que correria o risco de ver a sua posição agravada, se requeresse a anulação do julgamento ou suscitasse alguma questão que pudesse determinar essa anulação, ficaria naturalmente receoso de recorrer. Ou seja, a inexistência da garantia da proibição da reformatio in pejus afetaria incontestavelmente o direito de impugnação, o que é insustentável, por violar frontalmente as garantias de defesa.

            Poderá argumentar-se, em sentido contrário, que, havendo anulação da primeira decisão, volta-se ao “ponto de partida”, à imputação resultante da acusação (ou da pronúncia), nada impedindo, pois, o tribunal do reenvio de condenar de acordo com ela.

            Mas essa afirmação é destituída de fundamento. É que o princípio acusatório, base estrutural de todo processo penal, faz depender as decisões jurisdicionais do impulso do MP. Não havendo recurso do MP da decisão condenatória, mas apenas do arguido (ou do MP exclusivamente em benefício do arguido), o tribunal superior tem como limite aos seus poderes de cognição a própria decisão recorrida, que não pode agravar, precisamente porque falta o pressuposto essencial exigido pelo processo acusatório: o impulso do MP. Fixados assim os limites de cognição do tribunal superior, circunscritos ficam igualmente e na mesma medida os poderes do tribunal de reenvio, quando este for decretado pelo tribunal de recurso. Esta é a única solução que respeita o princípio acusatório e simultaneamente previne a incongruência de atribuir poderes de cognição mais vastos ao tribunal de reenvio do que ao tribunal de recurso.

            Concluímos, pois, que a proibição da reformatio in pejus vale também para os casos em que se procede a novo julgamento, por anulação do primeiro decretada por tribunal superior, em recurso interposto apenas pelo arguido (ou também pelo MP apenas em benefício daquele), não podendo, assim, o tribunal do reenvio agravar a situação do arguido recorrente.

            Analisemos agora o recurso do arguido AA.

            Relembra-se que foi inicialmente condenado em 1ª instância na pena de 15 anos de prisão por um crime de homicídio qualificado na pessoa de FF. Em recurso por ele interposto, a Relação, por acórdão de 2.3.2011, desqualificou o crime e condenou o arguido na pena de 11 anos de prisão. Dessa decisão recorreu novamente o arguido, mas não o MP, para este Supremo Tribunal. Este, por acórdão de 8.6.2011, anulou a decisão da Relação que, por sua vez, por acórdão de 13.7.2011, decretou o reenvio do processo.

            Estava, pois, o tribunal da 1ª instância limitado, nos seus poderes de cognição, pelo acórdão da Relação de Lisboa de 2.3.2011. Ao ultrapassar esses limites, condenando o arguido pelo crime de homicídio qualificado na pena de 15 anos de prisão, a 1ª instância violou a proibição da reformatio in pejus, o mesmo acontecendo com a Relação de Lisboa, ao confirmar, pelo acórdão de 14.3.2012, ora recorrido, aquela decisão.

            Há, pois, que revogar a decisão recorrida, por ofensa do art. 409º, nº 1, do CPP.

            O limite da pena a aplicar é, portanto, de 11 anos de prisão. E nenhuma razão existe para a reduzir, já que as circunstâncias do caso, nomeadamente a intensidade do dolo, a atuação em conjunto, a forma ardilosa como a vítima foi atraída ao lugar onde pudesse ser abatida a tiro, ardil de que o arguido foi o principal protagonista, constituem circunstâncias agravantes que impedem decisivamente qualquer atenuação da pena.

            As circunstâncias pessoais apuradas também não são favoráveis ao recorrente (nºs 30 a 33).

            São evidentes as exigências de prevenção geral.

            Sendo assim, o arguido deverá ser condenado na pena de 11 anos de prisão, tal como decidiu o acórdão da Relação de Lisboa de 2.3.2011.

            Recurso do arguido BB

Recorde-se que também este arguido foi condenado inicialmente na pena de 15 anos de prisão, como coautor material de um crime de homicídio qualificado na pessoa de FF. Tendo recorrido para a Relação de Lisboa, o seu recurso obteve provimento parcial, sendo o crime desqualificado e o arguido condenado, como coautor material de um crime de homicídio simples na pena de 12 anos de prisão. Dessa decisão recorreu o arguido, mas não o MP, para este Supremo Tribunal que anulou o acórdão recorrido, por a matéria de facto ser omissa quanto ao plano combinado entre os arguidos. Realizado novo julgamento na 1ª instância, e suprida a omissão, este arguido foi condenado novamente como coautor de um crime de homicídio qualificado na pena de 15 anos de prisão, decisão essa confirmada pela Relação.

            Coloca ele agora, na sua petição, apenas a questão da medida da pena (embora se insurja também contra a matéria de facto fixada, mas sem a impugnar, reconhecendo que tal não é possível), que considera desproporcional e desadequada às necessidades da prevenção geral e especial e de justiça, sem indicar contudo qualquer medida que considere adequada e justa.

            Relativamente a este recorrente coloca-se exatamente a mesma questão de proibição da reformatio in pejus que abordámos em relação ao anterior.

            E, pelas mesmas razões, que obviamente não é necessário repetir, há que concluir que o acórdão recorrido violou a dita proibição, ao confirmar a condenação do recorrente em 15 anos de prisão.

            O limite máximo admissível é de 12 anos de prisão, pena aplicada no acórdão da Relação de Lisboa de 2.3.2011.

            Haverá razões para a atenuar?

            Manifestamente não. É que, conforme já ficou referido, os arguidos atuaram em conjunto, de forma ardilosa, cabendo a este recorrente um papel central na execução do crime: a realização dos disparos que atingiram e mataram a vítima.

            Nenhumas circunstâncias atenuantes favorecem especialmente o recorrente.

            São evidentes as exigências da prevenção geral.

            Conclui-se pela fixação da pena no limite fixado pelo acórdão da Relação de Lisboa de 2.3.2011: 12 anos de prisão.

            III. DECISÃO

            Com base no exposto decide-se:

            a) Revogar o acórdão recorrido quanto às penas fixadas aos arguidos CC, DD e EE, por ofensa do caso julgado;

            b) Condenar os arguidos CC, DD e EE, como cúmplices de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art. 131º do CP, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, cada um;

            c) Revogar o acórdão recorrido quanto às penas fixadas aos arguidos AA e BB, por violação do princípio da proibição da reformatio in pejus;

d) Condenar o arguido AA, como coautor material de um crime de homicídio simples, na pena de 11 (onze) anos de prisão;

            e) Condenar o arguido BB, como coautor material de um crime de homicídio simples, na pena de 12 (doze) anos de prisão;

            e) Manter, no mais, o acórdão recorrido.

            Sem custas.

Lisboa, 24 de outubro de 2012

Maia Costa (Relator)

Pires da Graça

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[1] Assim, Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, O novo Código de Processo Penal, pp. 387-388.
[2] Ver, a título exemplificativo, os acórdãos de 7.7.2005 (proc. nº 2546/05-5ª), Cons. Santos Carvalho; 8.3.2006 (proc. nº 888/06-3ª), Cons. Soreto de Barros; 7.6.2006 (proc. nº 2184/06-3ª), Cons. Santos Cabral; 7.2.2007 (proc. nº 463/07-3ª), Cons. Santos Cabral; e 27.9.2007 (proc. nº 3509/07-5ª), Cons. Souto de Moura.
[3] Sobre toda esta matéria, Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., pp. 791 ss. e 824 ss.

[4] Proc. nº 4628/02-3ª (Cons. Borges de Pinho).
[5] Acórdãos de 8.7.2003 (proc. nº 2616/03-5ª), 27.11.2003 (proc. nº 3393/03-5ª), 17.2.2005 (proc. nº 4324/04-5ª), 5.7.2007 (proc. nº 2279/07-5ª) todos relatados pelo Cons. Simas Santos; 17.4.2008 (proc. nº 681/08-5ª), Cons. Arménio Sottomayor; 13.4.2009 (proc. nº 92/09.7YFLSB-5ª), Cons. Rodrigues da Costa; 1.7.2010 (proc. nº 582/07.6GELLE.S1-5ª), Cons. Isabel Pais Martins; 14.9.2011 (proc. nº 138/08.6TALRA.C1.S1-3ª), Cons. Armindo Monteiro; 17.11.2011 (proc. nº 267/10.6TCLSB.L1.S1-5ª), Cons. Isabel Pais Martins; 30.5.2012 (proc. nº 267/10.6TCLSB.S1-3ª), Cons. Pires da Graça.
[6] Acórdão nº 236/2007, relator Cons. Mário Torres.
[7] Pp. 658-659.
[8] “Proibição da reformatio in pejus: consequências processuais”, Maia Jurídica, ano I, nº 2, pp. 205 ss.
[9] Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., p. 1076.
[10] “O princípio da proibição da reformatio in pejus como limite aos poderes cognitivos e decisórios do tribunal – Sentido e verdadeiro alcance”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias, vol. III, pp. 949 ss., em especial pp. 986-991.