Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO AGUSTO MANSO | ||
Descritores: | NULIDADE DA DECISÃO EXTRADIÇÃO MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL DESPACHO NULIDADE INDÍCIOS SUFICIENTES CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO RECUSA OBRIGATÓRIA DE EXECUÇÃO IMPROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 05/14/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | EXTRADIÇÃO/M.D.E./RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : |
I - O estabelecido no artigo 56.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08, permite ao juiz o indeferimento de diligências requeridas pelo extraditando, que considere inúteis, no sentido de que, o que pretende provar não tem qualquer influência na decisão da causa, face à legislação aplicável, não constituindo tal decisão qualquer nulidade. II - A oposição à extradição só pode fundamentar-se em (i)não ser o detido a pessoa reclamada, ou, (ii)não se verificarem os pressupostos da extradição, não sendo “admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando.” III - A extradição entre Portugal e o Brasil é regulada pela Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, subscrita em 23/11/2005 e aprovada pela Resolução da AR n° 49/2008, de 18/7, no DR n° 178, de 15/09/2008, com entrada em vigor em 01/03/2010, e, supletivamente, pelas normas gerais contidas na Lei 144/99, de 31.08. IV - Os estados membros estabeleceram uma “obrigação de extraditar” (artigo 1º), que apenas pode ser recusada quando ocorrerem os motivos de inadmissibilidade, taxativamente previstos no seu art.º 3.º ou, os de recusa facultativa previstos no seu art.º 4.º da Convenção. V - Verificados os pressupostos da extradição e não integrando as razões invocadas pelo extraditando, qualquer motivo de recusa, obrigatória ou facultativa, de extradição, deveria ser, como foi autorizada a extradição. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório 1.1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.04.2025 foi autorizada a extradição para o Brasil do cidadão de nacionalidade brasileira AA, para procedimento criminal, por factos indiciários ocorridos em ..., Brasil, de .../.../2023 a .../.../2024, no âmbito do processo n.º .....89-.....24........39, que corre termos pela ...ª Vara Criminal do Distrito de ..., Brasil, sendo-lhe imputada a prática de do crime associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 2 da Lei n.º 12.850/2013 e pelos artigos 33 e 35 da Lei n.º 11.343/2006, sendo a pena máxima aplicável de 15 anos de prisão. O crime imputado ao requerido encontra correspondência na lei portuguesa, concretamente no artigo 28.º, n.º 2, da Lei n.º 15/93 de 23 de janeiro, por referência ao artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, sendo punível com pena de 5 a 15 anos de prisão. 1.2. Inconformado com esse acórdão recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, AA apresentando as seguintes conclusões: 1-A prova testemunhal indicada na oposição deduzida é essencial para demonstrar os perigos concretos e reais que a extradição para o Brasil acarreta para a vida, segurança e integridade física do recorrente e para demonstrar que existem motivos para a recusa da extradição nos termos do artigo 3.º n.º 1 alínea e) da Convenção de Auxílio Judiciário em matéria Penal entre os Estados Membro da CPLP, artigo 22.º da Convenção da CPLP por risco de violação dos direitos humanos do requerido. 2-A decisão de extradição sem que tenha ocorrido a audição das testemunhas arroladas pelo Recorrente constitui causa de nulidade da decisão, nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais. 3-Mesmo que assim não se entenda, não assiste razão ao tribunal a quo para indeferir a produção de prova testemunhal, devendo ser revogada a decisão de indeferimento da audição da prova testemunhal por tal ser um elemento probatório essencial para demonstrar a existência de motivos válidos para a recusa da extradição. 4-A não audição da prova testemunhal indicada pelo requerido é violadora de vários princípios constitucionais bem como do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), designadamente, os artigos 13.º, 18.º, 20.º, 24.º, 27.º, e 32.º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 2.º, 5.º, 6.º e 13.º e 14.º da CEDH 5-Quanto à apreciação da existência ou não de indícios da prática do crime que é imputado ao extraditando, o recorrente não concorda com o entendimento utilizado pelo tribunal a quo, pois conforme refere o artigo 55.º da Lei 144/99 de 31/08, a oposição à extradição pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. 6-Um dos pressupostos da extradição é que o crime imputado ao extraditando seja punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente, assim para se verificar a existência deste pressuposto o comportamento ou ato imputado ao arguido pelo estado requerente ainda que de uma forma indiciária tem que estar demonstrado e provado no pedido de extradição isto é tem que existir factos e provas concretas que demonstrem a existência da alegada prática do crime, competindo ao estado membro requerido fazer essa apreciação. 7-Pelo que deveria na decisão de extradição ser feita uma apreciação se existem indícios suficientes da prática do crime pelo Requerido, pelo que a não apreciação constitui uma omissão do acórdão recorrido. 8-Nesse sentido, o pedido de extradição refere que o Requerido alegadamente é autor da prática do crime de associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, que terá sido cometido no Brasil, em conluio com um grupo de vários indivíduos. 9-Contudo, dos elementos constantes no pedido de extradição verifica-se que, à data dos factos imputados, o Requerido e a sua esposa encontravam-se a residir em Portugal, e não no Brasil, onde supostamente a rede criminosa operava. 10-Pelo que, o único elemento probatório apresentado são registos de transferências bancárias associadas à chave PIX cadastrada em nome da esposa do Requerido, que correspondem a: -Uma transferência de R$ 2.000,00 (313,40 €) em 17/04/2024 (página 23 do pedido de extradição); -Dois movimentos (01/12/2023 e 31/07/2024) de uma conta bancária em nome de BB para a referida chave PIX, totalizando R$ 11.270,00 (1.767,14 €). (página 27 do pedido de extradição) -Um pagamento de R$ 160,00 (25,07 €) através da mesma chave PIX para o senhorio e que alegadamente seria para o aluguer de uma residência, supostamente utilizada como ponto de apoio da alegada rede. (página 28 do pedido de extradição). 11-Para além dessas movimentações financeiras, não existe qualquer elemento probatório, como comunicações, áudios ou outros indícios concretos, que vinculem o Requerido ou a sua esposa à alegada rede de tráfico de estupefacientes. 12-Assim, é manifesto a inexistência de elementos probatórios suficientes para estabelecer qualquer envolvimento do Requerido na suposta prática dos aludidos crimes, devendo ser rejeitado o pedido de extradição por inexistência de indícios da prática da autoria dos crimes pelo Requerido. 13-Quanto à invocada inexistência dos pressupostos para a verificação da prática dos crimes de tráfico de estupefacientes bem como do crime de associação criminosa no estado requerido, ao contrário do mencionado na decisão recorrida no pedido de extradição não se encontra demonstrado nenhum dos crimes imputados ao requerido que são eles o crime de associação criminosa para o tráfico de estupefacientes. 14-Ora um dos pressupostos da extradição é que o crime imputado ao extraditando seja punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente, e outro é que o crime imputado ao arguido seja punido pelo estado requerido. 15-Para se verificar a existência deste pressuposto o comportamento ou ato imputado ao arguido pelo estado requerente ainda que de uma forma indiciária tem que estar demonstrado e provado no pedido de extradição isto é tem que existir factos e provas concretas que demonstrem a existência da alegada prática do crime, competindo ao estado membro requerido fazer essa apreciação. 16-Pelo que deveria na decisão de extradição ter sido feita uma apreciação da existência indícios suficientes para a prática do crime pelo Requerido bem como se os factos imputados ao arguido constituem crime no estado requerido. 17-Nesse sentido remete-se para a argumentação já utilizada quanto à inexistência de indícios da prática de qualquer crime pelo requerido nos artigos 5. a 12. das presentes conclusões. 18-E acrescenta-se que o crime de associação criminosa exige assim prova de um vínculo estável e organizado para a prática reiterada de crimes e que entre os seus membros se observem laços de disciplina e que tenham agido conjugada e concertadamente, com repartição de funções, o que não se verifica no presente caso. 19-Para a existência do crime de associação criminosa para a prática de actividades de tráfico de droga, devem existir uma pluralidade de indivíduos, com o mínimo de estrutura organizatória e com um sentimento comum de ligação dos seus membros a um qualquer processo de formação da vontade colectiva; 20-Assim, verifica-se este crime quando duas ou mais pessoas decidiram criar uma estrutura de carácter permanente, organizada e estável, com vista a dedicar-se ao crime de tráfico de droga ou para a prática de branqueamento de bens e capitais provenientes do tráfico, e a existência de um qualquer processo de formação de vontade colectiva; 21-Tal não ocorre se entre os arguidos existia uma conjugação de esforços e vontades, com vista à prossecução de um fim comum - o transporte e desembarque de droga visando a obtenção de proventos económicos - que não ultrapassa a noção de comparticipação criminosa, em que cada um dos coarguidos actuou, tendo em vista o seu próprio e exclusivo benefício, o lucro pessoal que esperavam obter – e não um interesse superior que, de certa forma, os ultrapassasse –, sabendo que para atingirem tal desiderato necessitavam da colaboração e da intervenção de outros indivíduos. 22-Os elementos apresentados pelo Estado requerente não comprovam qualquer participação ativa ou consciente do Requerido num esquema, organização ou entidade criminosa. 23-A simples titularidade de um número de telemóvel associado a uma chave PIX que se encontra em nome da mulher do requerido e a existência de transações financeiras esporádicas não configuram, por si só, a existência da prática de qualquer crime e tão pouco podem ser indícios suficientes sem qualquer prova adicional para imputar a prática do crime de tráfico de estupefacientes ao requerido e muito menos para imputar ao requerido a prática do crime de associação criminosa. 24-Assim, a extradição deve ser recusada por ausência dos elementos constitutivos dos crimes imputados ao requerido, de acordo com a legislação do estado requerido. 25-Quanto à violação dos Direitos Humanos do Requerido em caso de extradição para o Estado requerente ao contrário do referido pelo tribunal a quo, a Convenção da CPLP e a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados membros da CPLP prevêem que os argumentos invocados pelo Recorrente constituem causa de recusa da extradição. 26-Veja-se nesse sentido, o disposto no artigo 22.º da Convenção da CPLP e o artigo 3.º alínea e) da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da CPLP. 27-Para além disso, nos termos do artigo 55.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto a oposição à extradição um pressupostos em que pode fundar-se a mesma e que impedem a extradição é sempre que haja risco de violação dos direitos fundamentais do extraditando, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º 3.º, 5.º e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e nos termos dos artigos 32.º, 25.º e 27.º da Constituição da República Portuguesa. 28-No caso em apreço, as comunicações intercetadas pelo Estado requerente indicam uma suposta ligação da rede criminosa com as organizações P....... ....... .. ....... (P..) e A..... .. ...... (A..). 29-Tais organizações são amplamente conhecidas por suas práticas violentas, incluindo, extorsão, raptos, execuções e tortura utilizados muitas vezes como forma de silenciar indivíduos. 30-Detendo tais organizações o domínio/controlo da quase totalidade do sistema penitenciário Brasileiro. 31-A extradição do Requerido para o Brasil, representa um risco real e iminente para sua vida e integridade física, em manifesta violação aos artigos 1.º, 2.º 3.º, 5.º e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que proíbe, entre outras coisas a submissão de qualquer pessoa a tratamento desumano ou degradante. 32-O sistema prisional brasileiro para além de notoriamente precário, apresenta condições degradantes, superlotação e elevado índice de violência e realização de motins, colocando em risco a dignidade e segurança do Requerido, caso ali venha a ser detido preventivamente ou a cumprir pena privativa de liberdade. 33-A presença de organizações criminosas como P.. e A.. no sistema prisional brasileiro agrava significativamente o perigo para a vida do Requerido, aumentando o risco de agressões, represálias e até mesmo execução dentro do ambiente prisional. 34-Pelo que deve ser recusada a extradição do Requerido. 35-A decisão de extraditar o recorrente para o Brasil viola vários princípios constitucionais bem como do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), designadamente, os artigos 13.º, 18.º, 20.º, 24.º, 27.º, e 32.º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 2.º, 5.º, 6.º e 13.º e 14.º da CEDH, entre outros.” Termos em que pede a revogação da decisão. 1.3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1.O acórdão recorrido encontra-se a coberto de qualquer censura pois que a matéria de facto relevante que nele aportou, após a dedução de oposição por parte do extraditando, não evidencia uma qualquer causa de recusa à extradição ou que a torne inadmissível, nos termos dos artigos 3 e 4 da Convenção de Extradição da CPLP, quando é certo que as alegadas condições desumanas dos estabelecimentos prisionais do Estado brasileiro, o Estado requerente, e que aquele exibiu, não se assumem como razão de recusa; 2.A concretizada rejeição de produção da prova testemunhal oferecida pelo extraditando na sua oposição justificou-se plenamente perante a sua completa inutilidade, tendo em vista o previsto no n.º 3 do art.º 46 da Lei 144/99 ao prever que não é “admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando”, sendo inadmissível, como é jurisprudência firme, a ponderação no Estado requerido da indiciação da ou das infracções penais imputadas pelo Estado requerente ao extraditando, circunstância que torna irrelevante, pois, o exame da situação pessoal, social e familiar do extraditando em território nacional; 3.Inexistindo qualquer nulidade in procedendo, o acórdão recorrido dever, pois, ser integralmente confirmado. 1.4. Foram os autos aos vistos e à conferência, Decidindo, 2. Fundamentação 2.1. Factos Do acórdão sob recurso resultam assentes os seguintes factos e dados processuais relevantes: 1. O requerido AA (de nacionalidade brasileira, nascido a .../.../1999, natural de ..., filho de CC e de DD, com o passaporte n.º GD....60, emitido no ..., residente em ...), foi detido no dia .../.../2025, pelas 11,30 horas, em ..., comarca de ..., pois tinha pendente contra si um mandado de detenção Internacional, um HIT INTERPOL proveniente das autoridades judiciais brasileiras, registado com o n.º 2025/..07 e com o ICS n.º A-.32/1-2025. 2.Tal mandado de detenção tem o seu suporte na decisão judicial de 21/10/2024, do Juiz de Direito, EE, da... Vara Criminal do Distrito de ... Brasil, possuindo o mandado de detenção judicial o n.º .....89-.....24........39.........08. 3.E acha-se justificado em face dos seguintes factos indiciários ocorridos em ..., Brasil, de .../.../2023 a .../.../2024: FF, investigada por homicídio qualificado ocorrido a .../.../24, em ..., e que vitimou GG, também investigado por associação criminosa com outros investigados, após a quebra do sigilo telefónico, obteve-se informação de que alguém com o apelido HH comunicou a FF o número de uma Chave PIX, ou seja, .........99, em nome da II e do referido AA, seu companheiro, para transferência do pagamento do tráfico de estupefacientes. Após a quebra do sigilo bancário autorizada judicialmente, foram verificadas diversas e avultadas movimentações financeiras que indicam a participação do AA na organização criminosa centrada no tráfico de estupefacientes. 4.O mandado de detenção emitido e subsequente pedido formal de extradição visa procedimento criminal contra o requerido, pelos factos acabados de indicar, integrantes do crime associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 2 da Lei n.º 12.850/2013, e pelos artigos 33 e 35 da Lei n.º 11.343/2006, sendo a pena máxima aplicável de 15 anos de prisão. 5.O crime imputado ao requerido encontra correspondência na lei portuguesa, concretamente no artigo 28.º, n.º 2, da Lei n.º 15/93 de 23 de janeiro, por referência ao artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, sendo a pena máxima aplicável de 15 anos de prisão. 6.Não se mostra extinto, por prescrição, o procedimento criminal respetivo perante a lei da República Federativa do Brasil ou a legislação portuguesa. 7.O requerido tem nacionalidade brasileira. 8.Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, pelo despacho proferido a 20-02-2025, declarou admissível o pedido de extradição do requerido. 9.O pedido formal de extradição foi recebido neste Tribunal, dentro do prazo legal e encontra-se devidamente instruído, pela forma legalmente exigida pela Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 10.Inexiste conhecimento de que se encontre pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objeto. 2.2. Direito 2.2.1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões constantes da motivação, apresentada pelo recorrente (art.º 412.º, n.º 1, do CPP). Analisadas as conclusões do recurso apresentado pelo requerido para o Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que vêm colocadas as seguintes questões: a.Nulidade da decisão: despacho de indeferimento da prova testemunhal; b.Inexistência de indícios suficientes da verificação da prática do crime imputado ao requerido; c.Inexistência dos pressupostos para a verificação da prática dos crimes de tráfico de estupefacientes bem como do crime de associação criminosa no Estado Requerido; d.Da violação dos direitos humanos do requerido em caso de extradição para o Estado Requerente; e.Da violação dos princípios constitucionais e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 2.2.2. nulidade da decisão - despacho de indeferimento da prova testemunhal. 2.2.2.1.Defende o recorrente que “a prova testemunhal indicada na oposição deduzida é essencial para demonstrar os perigos concretos e reais que a extradição para o Brasil acarreta para a vida, segurança e integridade física do recorrente e para demonstrar que existem motivos para a recusa da extradição nos termos do artigo 3.º n.º 1 alínea e) da Convenção de Auxílio Judiciário em matéria Penal entre os Estados Membro da CPLP, artigo 22.º da Convenção da CPLP por risco de violação dos direitos humanos do requerido – conclusão 1 - a decisão de extradição sem que tenha ocorrido a audição das testemunhas arroladas pelo Recorrente constitui causa de nulidade da decisão, nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais – conclusão 2 - mesmo que assim não se entenda, não assiste razão ao tribunal a quo para indeferir a produção de prova testemunhal, devendo ser revogada a decisão de indeferimento da audição da prova testemunhal por tal ser um elemento probatório essencial para demonstrar a existência de motivos válidos para a recusa da extradição – conclusão 3 - a não audição da prova testemunhal indicada pelo requerido é violadora de vários princípios constitucionais bem como do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), designadamente, os artigos 13.º, 18.º, 20.º, 24.º, 27.º, e 32.º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 2.º, 5.º, 6.º e 13.º e 14.º da CEDH – conclusão 4. Antes, na oposição apresentada ao pedido de extradição, o recorrente invocou (i)a inexistência de indícios suficientes de verificação da prática do crime imputado ao requerido, (ii)a inexistência dos pressupostos para a verificação da prática dos crimes de tráfico de estupefacientes bem como do crime de associação criminosa no Estado requerido, (iii)a violação dos direitos humanos do requerido em caso de extradição para o Estado requerente, e, (iv)a sua situação pessoal, alegando que é um jovem e não possui antecedentes criminais, reside em Portugal com a esposa, onde estão inseridos na sociedade, têm dois filhos menores, trabalha sendo o único sustento do agregado familiar, estando a família plenamente integrada na comunidade portuguesa. A extradição do requerido causará sérios e graves prejuízos irreparáveis em todo o seu agregado familiar. Na resposta à oposição o Ministério Público defendeu, em resumo, que a prova documental junta aos autos, aí deverá permanecer, enquanto que a prova testemunhal oferecida não deverá ser realizada, por ser manifesta a sua inutilidade. O despacho judicial de 17.03.2025 decidiu admitir a requerida junção de documentos, indeferindo, porém, a requerida audição de testemunhas, por não se afigurar de qualquer utilidade, nos termos expostos. E ordenou o cumprimento do disposto no n.º 2, do artigo 56.º, da Lei 144/99, de 31/08. A decisão de extradição sem que tenha ocorrido a audição das testemunhas arroladas pelo Recorrente constitui causa de nulidade da decisão, conclui, o recorrente. 2.2.2.2. Os pressupostos formais e materiais da extradição, estão previstos na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, DR, 1.ª série, n.º 178, de 15/09/2008, e, subsidiariamente, na Lei n.º 144/99, de 31/08. Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 55 da Lei 144/99, de 31/08, aludindo à oposição apresentada pelo extraditando, a oposição só pode fundamentar-se em (i)não ser o detido a pessoa reclamada, ou, (ii)não se verificarem os pressupostos da extradição. Assim, o tribunal apenas tem de verificar estes fundamentos de oposição, de (i)não ser o detido a pessoa reclamada, ou de, (ii)não se verificarem os pressupostos da extradição, não cabendo no pedido de autorização de extradição outros factos ou razões para além destas, nomeadamente as invocadas pelo recorrente. Nem o podia fazer o Estado requerido. Por imposição legal, não é “admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando” – n.º 3 do art.º 46 da Lei 144/99, de 31.08. Ora a oposição apresentada incide, directa ou indirectamente, nos factos que no pedido de extradição são imputados ao requerido, ou seja, (i)a inexistência de indícios suficientes de verificação da prática do crime imputado ao requerido, (ii)a inexistência dos pressupostos para a verificação da prática dos crimes de tráfico de estupefacientes bem como do crime de associação criminosa no Estado requerido, (iii)a violação dos direitos humanos do requerido em caso de extradição para o Estado requerente, e, (iv)a sua situação pessoal, social e familiar em Portugal. O que é dizer que nenhum dos motivos invocados pelo recorrente está previsto nas causas de inadmissibilidade de extradição, a que se refere o art.º 3º da Convenção, ou seja: a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física; b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal; c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum; d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição; e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção; f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido. Não se considerando crimes de natureza política ou com eles conexos, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1: a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional; b) Os actos de pirataria aérea e marítima; c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido; d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.” Como não vêm previstos nas causas de Recusa facultativa de extradição, previstas no art.º 4º da Convenção, ou seja, se, a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido; b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida; c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido; d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade; e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.”. Sendo certo que o pedido se encontra devidamente formulado, com respeito pelo disposto no art.º 10º da Convenção, dispondo que: “1 - Quando se tratar de pedido para procedimento criminal, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada do mandado de prisão ou de acto processual equivalente. 2 - Quando se tratar de pedido para cumprimento de pena, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada da sentença condenatória e de certidão ou mandado de prisão dos quais conste qual a pena que resta cumprir. 3 - Nas hipóteses referidas nos n.ºs 1 e 2, deverão ainda acompanhar o pedido: a) Descrição dos factos pelos quais se requer a extradição, indicando-se o lugar e a data de sua ocorrência, sua qualificação legal e fazendo-se referência às disposições legais aplicáveis; b) Todos os dados conhecidos quanto à identidade, nacionalidade, domicílio, residência ou localização da pessoa reclamada e, se possível, fotografia, impressões digitais e outros meios que permitam a sua identificação; e c) Cópia dos textos legais que tipificam e sancionam o crime, identificando a pena aplicável, bem como os que estabelecem o respectivo regime prescricional.”. Assim, como referido, não se verificam motivos de inadmissibilidade de extradição ou da sua recusa obrigatória ou facultativa. Ora não sendo os motivos apresentados na oposição, motivo de recusa da extradição inútil seria ouvir as testemunhas arroladas sobre essa matéria. Pelo que não merece reparo ou censura, antes se compreende, o despacho judicial de 17.03.2025, que indeferiu a produção de prova testemunhal, por manifesta desnecessidade. Com efeito, o que o extraditando pretendia provar era perfeitamente inútil, por não ter qualquer influência na decisão da causa, face à legislação aplicável, sendo proibido ao tribunal praticar atos inúteis. E proibido admitir e produzir qualquer prova sobre os factos imputados ao extraditando – n.º 3 do art.º 46 da Lei 144/99, de 31.08. Com efeito, permite o disposto nos art.ºs 55º e 56º da Lei 144/99, de 31.08., a produção de prova, nomeadamente para decidir sobre o destino de coisas apreendidas. Mas, ainda, o estabelecido no artigo 56.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08, permite ao juiz o indeferimento de diligências requeridas pelo extraditando, que considere inúteis, no sentido de que o que pretende provar não tem qualquer influência na decisão da causa, face à legislação aplicável, não constituindo tal decisão qualquer violação das garantias de defesa e, muito menos, qualquer nulidade. Esta tem sido a jurisprudência do STJ, como se diz no Ac. do STJ de 11.10.2023, proferido no processo 1669/23.3, www.dgsi.pt, “já desde pelo menos o Ac. de 03.05.2012, proferido no processo n.º 205/11.9YRCBR. Mais se diz no referido acórdão, que, citando o Ac. do STJ de 9.07.2015, proferido no processo n.º 65/14.8YREVR.S1, “de facto, a letra da lei, apelando às diligências que tiverem sido requeridas, consente uma interpretação que exclua a realização de diligências que sejam inúteis, impertinentes ou dilatórias, em obediência ao princípio da não realização de atos inúteis no processo, e à sua adequação ao fim daquele.” Concretamente em relação à “violação dos direitos humanos do requerido em caso de extradição para o estado requerente”, refere o acórdão do STJ, de 13/09/2023, proferido no processo n.º 78/23.9YRCBR.S2, que “a prova das más condições das prisões no Estado requerente não constitui ónus imposto ao extraditando. A produção de prova sobre as condições prisionais não se inscreve na comprovação da não verificação dos pressupostos da extradição, os quais se relacionam com a medida da pena a cumprir – pena de duração superior a um ano –, com os motivos de inadmissibilidade (recusa obrigatória) de extradição – pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física, crime político ou crime com ele conexo, crime militar, amnistia, perdão, julgamento por tribunal de exceção ou prescrição do procedimento ou da pena – ou com os motivos de recusa facultativa de extradição – nacionalidade da pessoa reclamada, pena ou medida de segurança com caráter perpétuo ou de duração indeterminada, ne bis in idem, inimputabilidade em razão da idade ou condenação à revelia (artigos 2.º, 3.º e 4.º da Convenção). Assim sendo, não constituindo objeto de prova a produzir pelo extraditando, não pode, por este motivo, como pretende o recorrente, considerar-se o acórdão recorrido ferido da alegada nulidade por omissão de pronúncia quanto à pretensão do recorrente de produzir prova testemunhal para demonstração das condições prisionais.” Perante o exposto, temos de concluir que, efetivamente, não assiste razão ao recorrente, não se verificando a invocada nulidade da decisão. Improcede, pois, o recurso neste particular. 2.2.3. Inexistência de indícios suficientes da verificação da prática do crime imputado ao requerido. Repete o recorrente, na motivação e conclusões de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – conclusões 5 a 12 – que não existem indícios suficientes da verificação da prática do crime imputado ao requerido de associação criminosa previsto no art.º 28º da Lei 15/93, de 22.01., indicando e requerendo que tal prova se produzisse. Ora dispõe o art.º 46º, n.º 3 da Lei 144/99, de 31.08., como já referido, que a fase judicial é da exclusiva competência do tribunal da Relação e destina-se a decidir, com audiência do interessado, sobre a concessão da extradição por procedência das suas condições de forma e de fundo, não sendo admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando. O que se compreende, pois, a extradição é pedida com vista a procedimento criminal. A investigação do crime compete assim aos tribunais do Estado requerente. Estando vedado ao Estado requerido admitir e produzir prova sobre a existência de indícios suficientes da verificação da prática do crime imputado ao requerido, bem andou o Tribunal ao não admitir a prova testemunhal indicada e não admitir ou produzir qualquer prova sobre os factos ao extraditando, recorrente, imputados. O que tudo é com clareza dito no acórdão recorrido, onde pode ler-se que, “decorre da análise dos preceitos legais que se transcreveram supra, o objeto da presente decisão é um pedido de extradição e relativamente ao pedido de extradição não compete ao tribunal do Estado requerido apreciar a existência ou não de indícios da prática do crime que é imputado ao extraditando, quando a extradição é pedida para fins de procedimento criminal” … “apenas cumprindo verificar se é, ou não, o detido a pessoa reclamada, e se se verificam, ou não, os requisitos legais da pretensão de extradição. Aliás, só estes são fundamentos admissíveis da oposição, como claramente consta do artigo 55.º, n.º 2, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto.” Como “se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-08-2022, Processo n.º 1113/22.3YRLSB.S1, in www.dgsi.pt: “A Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa não contém norma que permita ao Estado requerido controlar a proporcionalidade do impulso extradicional formulado pelo Estado requerente, ou avaliar a suficiência dos indícios ali colhidos na investigação”[sublinhado e negrito nossos].” … E, mais adiante, diz-se que, “de qualquer forma, mesmo que se atentasse nos argumentos apresentados pelo requerido, a conclusão a que chegaríamos seria a mesma. Com efeito, cfr. se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11-12-2008, Processo n.º 08P3982, acessível in www.dgsi,pt: “… nos termos do artº 7º do C.P. português, “o facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”. (negrito nosso). E, pese embora se argumente que na data dos factos imputados o requerido e a sua esposa se encontravam a residir em Portugal e não no Brasil, sendo escassos os elementos probatórios que ligam o requerido à mencionada rede de tráfico de estupefacientes, a realidade é que se nos debruçarmos sobre os factos dos autos, verificamos que a indiciação se reporta a um grupo criminoso que se organizou e passou a funcionar a partir do Brasil e, conforme se refere o citado aresto: “ (…) Porque a associação é autónoma em relação aos crimes que se pratiquem através dela, fazer parte da associação não implica evidentemente participar em todos os crimes praticados no seu seio. Sobretudo, o facto de a recorrente integrar a associação criminosa em foco não reclama, obviamente, que a mesma viva e trabalhe, no que possa ser tido por sede da mesma, podendo dar o seu contributo, para funcionamento do grupo e prossecução dos seus objectivos, a partir de outro país que não o Brasil. (…) Em matéria de crime transnacional, a mobilidade e a dispersão de agentes e actividades, reclama, pois, que se possa proceder contra alguém por um crime cometido num lugar, a partir do qual a organização actua, mesmo que esse alguém não tenha desenvolvido toda ou alguma da sua actividade aí.” [sublinhado e negrito nossos]. Além disso, cfr. já referimos supra, e também se defende no acórdão que temos vindo a citar, “Não compete a este processo sindicar a veracidade dos factos imputados pelas autoridades brasileiras.” [sublinhado e negrito nossos].” Pelo exposto, não integrando a alegada falta de indícios da prática do crime imputado ao requerido de associação criminosa previsto no art.º 28º da Lei 15/93, de 22 de janeiro, subjacente ao pedido de extradição, motivo de inadmissibilidade de extradição ou da sua recusa facultativa, e não havendo requisitos formais que tivessem sido desrespeitados, não pode ser acolhida a pretendida recusa da extradição pretendida pelo recorrente estribada neste fundamento, improcedendo do mesmo modo o recurso, neste particular. 2.2.4. Mais defende o recorrente a inexistência dos pressupostos para a verificação da prática dos crimes de tráfico de estupefacientes bem como do crime de associação criminosa no Estado Requerido, o que faz nas conclusões 13 a 24, supra, transcritas. A este propósito refere o acórdão recorrido que “com efeito, não cabe a este tribunal apreciar se os elementos de prova que levaram o Estado requerente a sustentar a alegada prática do crime subjacente ao pedido de extradição são ou não suficientes para o efeito, nem, muito menos, nos cumpre apreciar se a factualidade que o Estado requerente considerou indiciada integra ou não a prática do crime que lhe imputa, valendo aqui os fundamentos acabados de avançar aquando da apreciação da alegada inexistência de indícios, que, pela sua pertinência e similitude de razões, aqui se dão por integralmente reproduzidos. Além disso, o crime de associação criminosa em causa não se encontra previsto no artigo 299.º do Código Penal, como o defende o requerido, mas sim no artigo 28.º, nº2, do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro [que sob a epígrafe “associações criminosas dispõe o seguinte: “2 - Quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.”], pelo que carece de qualquer pertinência a argumentação trazida à colação a respeito do preceito legal por si invocado. Em suma, a alegada inexistência de prova e, consequentemente, da integração do crime subjacente ao pedido de extradição não integra qualquer um dos casos legalmente previstos de inadmissibilidade de extradição ou da sua recusa facultativa, já para não falar que a factualidade subjacente aos presentes autos sempre integraria, como vimos, os pressupostos da tipologia criminal do apontado artigo 28.º, n.º 2 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, e, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º da Convenção CPLP, basta que apenas um dos crimes satisfaça as exigências ali previstas para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles.” Com efeito, repisa-se que como “se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-08-2022, Processo n.º 1113/22.3YRLSB.S1, in www.dgsi.pt, citado no acórdão recorrido, “a Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa não contém norma que permita ao Estado requerido controlar a proporcionalidade do impulso extradicional formulado pelo Estado requerente, ou avaliar a suficiência dos indícios ali colhidos na investigação”, nem “compete a este processo sindicar a veracidade dos factos imputados pelas autoridades”, do Estado requerente. Assim, também com base nesta fundamentação, improcede o recurso. 2.2.5. Da violação dos direitos humanos do requerido em caso de extradição para o Estado Requerente. Mais defende o recorrente – conclusões – 25 a 34 – que deve ser recusada a extradição, por correr perigo de vida, aumentando o risco de agressões, represálias e até mesmo execução dentro do ambiente prisional. Tal como já referido, supra, também este fundamento não vem previsto não cabe em nenhum dos casos de inadmissibilidade de extradição a que se refere o artigo 3.º da Convenção CPLP, nem de recusa facultativa de extradição a que se refere o artigo 4.º da mesma Convenção. Como se diz no acórdão recorrido “o requerido sustenta a propugnada recusa de extradição para o Brasil em generalidades, sendo ainda de notar que o alegado a esse respeito encontra-se conexo com as garantias que são concedidas pelo Estado Requerente e este já garantiu não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes, cfr. decorre do formulário para pedido de extradição [fls. 65 verso a 66]” Esta questão tem sido com frequência suscitada, e de forma constante o Supremo Tribunal de Justiça, vem decidindo que não preenche nenhuma das situações de negação da extradição (obrigatória ou facultativa). A este propósito pode ler-se no acórdão do STJ de 21.04.2021, proferido no Processo nº 5/21.8YREVR.S1, consultável em www.dgsi.pt, também citado no acórdão recorrido, que: “(…) o Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando. Como, aliás, se refere no Ac. STJ de 7/9/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1, «Tendo cada país um regime político-criminal próprio os países subscritores da Convenção da CPLP não deixaram de ter em conta uma comum identidade de princípios e valores de defesa dos direitos humanos quando reciprocamente se obrigaram à extradição enquanto forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, de forma a combater de forma eficaz a criminalidade. E no que respeita ao Brasil, que é hoje indiscutivelmente um país democrático, é desde logo a Constituição da República que no seu art.º 1.º garante a dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) (art.º 2.º), a regência das suas relações internacionais com prevalência dos direitos humanos (…) e a concessão de asilo político (art.º 4.º).»”. Do exposto resulta que também com esta fundamentação, da violação dos direitos humanos do requerido em caso de extradição para o Estado Requerente, não fazendo parte dos motivos de recusa da extradição, o recurso não pode proceder. 2.2.6. Da violação dos princípios constitucionais e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 2.2.6.1.Por fim, mais defende, o recorrente – cls. 35 – que a decisão de extraditar o recorrente para o Brasil viola vários princípios constitucionais bem como do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), designadamente, os artigos 13.º, 18.º, 20.º, 24.º, 27.º, e 32.º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 2.º, 5.º, 6.º e 13.º e 14.º da CEDH, entre outros.” Referem-se estes preceitos aos princípios da igualdade, o art.º 13º, à força jurídica dos preceitos constitucionais, o art.º 18º, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, o art.º 20º, ao direito à vida, o art.º 24º, ao direito à liberdade e à segurança, o art.º 27º e às garantias de processo criminal, o art.º 32º, todos da Constituição da Republica Portuguesa. E da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o direito à vida no art.º 2º, à liberdade e segurança no art.º 5º, o direito a um processo equitativo, no art.º 6º, o direito a um recurso efectivo no art.º 13º e a proibição da discriminação no art.º 14º. Da análise de todo o processo não se vê que estes preceitos e princípios tenham sido violados. 2.2.6.2. Com efeito, a extradição entre Portugal e o Brasil regula-se pela Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, subscrita em 23/11/2005 e aprovada pela Resolução da AR n° 49/2008, de 18/7, no DR n° 178, de 15/09/2008, com entrada em vigor em 01/03/2010 e, supletivamente, pelas normas gerais contidas na Lei 144/99, de 31.08. A Convenção, ratificada no Brasil, vigora na ordem interna, face ao disposto no art.° 8º n.ºs 1 e 2, da Constituição da República (CRP) «após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português» por força do princípio do primado do Direito Internacional convencional. Os estados membros estabeleceram uma “obrigação de extraditar” (artigo 1º), que apenas pode ser recusada quando ocorrem os motivos de inadmissibilidade, taxativamente previstos no seu art.º 3.º ou os de recusa facultativa previstos no seu art.º 4.º. 2.2.6.3. No caso, a extradição foi pedida pelo Brasil ao abrigo daquela Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Do ponto de vista formal, o pedido de extradição está devidamente documentado, contendo cópia e original dos documentos necessários, contém a existência de ordem de detenção do extraditando, do mandado de prisão preventiva, e foi regularmente transmitido, obedecendo a todos os requisitos de forma e de conteúdo a que se refere o artigo 10º da Convenção de Extradição Entre os Estados Membros da CPLP. Tal pedido, foi julgado admissível por despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, despacho n.º 54/MJ/2025 de 20/02/2025, tendo em vista o mandado de detenção para extradição emitido pelo Juiz de Direito, EE, da ... Vara Criminal do Distrito de ... Brasil, no processo com o n.º .....89-.....24........39, e foi proferido nos termos previstos no art.º 48, n.º 2 da Lei 144/99 e em conformidade com o disposto no art.º 9, n.º1 da Convenção de Extradição Entre os Estados Membros da CPLP. O extraditando é a pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal pela prática do crime de associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 2º da Lei n.º 12.850/2013 e artigos 33 e 35 da Lei n.º 11.343/2006. O crime imputado ao requerido tem correspondência na lei portuguesa, mais concretamente, no artigo 28.º, n.º 2, da Lei n.º 15/93 de 23 de janeiro, por referência ao artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. O crime é punível com pena de prisão superior a um ano, quer segundo a lei do Estado requerente quer segundo a lei do Estado requerido (portuguesa). “Quer à luz do ordenamento jurídico brasileiro – artigos 109.º e 110.º do Código Penal Brasileiro – quer do ordenamento jurídico português - artigo 118.º, n.º 1, a) do Código Penal Português -, o procedimento criminal não se encontra prescrito [alínea f), do n.º 1, do citado artigo 3.º da Convenção CPLP]”, como se lê no acórdão recorrido. O pedido não trata de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física. Não versa sobre um crime de natureza política ou conexa, ou sobre um crime exclusivamente militar. A pessoa reclamada não foi definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão em Portugal com respeito aos factos acima indicados e que fundamentam o pedido de extradição. O extraditando não foi condenado e não será julgado no Brasil por um tribunal de excepção. O extraditando é a pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal, foi informado da matéria do pedido de extradição e tem nacionalidade brasileira. Exercendo o contraditório nos termos do art.º 55 do DL 144/99, de 31/08, o recorrente, no prazo concedido, apresentou a sua oposição à extradição para a República Federal do Brasil. Não é conhecida a existência de processo pendente em Portugal com o mesmo objeto. A situação dos autos não integra qualquer caso de inadmissibilidade de extradição a que se refere o artigo 3º da Convenção CPLP, e também não integra qualquer uma das situações de recusa facultativa de extradição a que se refere o artigoº 4.º da mesma Convenção. Em suma não foi cometida qualquer irregularidade ou nulidade. Foi respeitado todo o procedimento quer do ponto de vista formal quer do ponto de vista material. Não sendo violada qualquer disposição da Convenção, da Constituição da República Portuguesa ou qualquer outra disposição legal, concluiu-se que não foram violados os princípios constitucionais e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. As razões invocadas não integram qualquer motivo de recusa, obrigatória ou facultativa, de extradição, não podendo o Estado requerido ir além do que lhe é permitido de verificar, se não é o detido a pessoa reclamada, ou, não se verificam os pressupostos da extradição. Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso, sendo certo que não foram violados os princípios e normas invocados pelo recorrente. * 3. Decisão Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo-se, antes, o acórdão recorrido. Sem custas (art.º 73º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08), sem prejuízo do disposto no art.º 26.º n.º 2 als. b) a d) e n.º 4 do mesmo diploma legal. Comunique-se de imediato ao Tribunal recorrido, remetendo cópia do acórdão, informando que ainda não transitou em julgado. * Supremo Tribunal de Justiça, 14.05.2025 António Augusto Manso (Relator) Maria Margarida Almeida (Adjunta) Carlos Campos Lobo (Adjunto) |