Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1544/16.8T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO DE JULGAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
MOTIVAÇÃO DO RECURSO
CONCLUSÕES
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Muito embora o atual Código de Processo Civil tenha concentrado, na sentença final, o julgamento da matéria de facto, há que distinguir os vícios de que possa enfermar a decisão de facto dos que possam afetar a decisão sobre o mérito, uma vez que as patologias ocorridas no plano da decisão de facto (cf. art. 607º,  nºs 1 a 4 do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do estatuído no art. 663º, nº2, do mesmo Código) não constituem as nulidades previstas no art. 615º, do CPC que enuncia – com caráter taxativo – as causas de nulidade da sentença.

II – O sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no nº1 do art. 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhe estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto., conciliando o princípio da autorresponsabilidade das partes que as obriga ao cumprimento de regras muito precisas no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência a aspetos de ordem material, e não formal.

III – O recorrente que impugne a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; por sua vez, na motivação deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. AA (doravante 1º autor) e BB (doravante 2º autor) intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra SEGURADORAS UNIDAS, SA[1], pedindo:

I – A condenação da ré a pagar ao 1º autor:

- A quantia de € 373.512,36, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 30.03.2014 até integral pagamento.

- A quantia de € 100.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 30.03.2014 até integral pagamento.

- O montante correspondente às despesas futuras com cirurgias, medicamentos, equipamentos, tratamentos, ajudas de terceiros e deslocações, que se venham a revelar necessários por força das lesões sofridas em consequência do acidente.

II - A condenação da ré a pagar ao 2º autor:

- A quantia de € 25.735,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 30.03.2014 até integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese, que:

O 1º autor sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial decorrentes de um acidente de viação, em que esteve envolvido o motociclo por si conduzido e o veículo automóvel conduzido por um segurado da ré, cuja responsabilidade incumbe a esta, por força de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, em vigor ao tempo do sinistro.

Por sua vez, o 2º autor, proprietário do motociclo, sofreu os danos decorrentes da sua inutilização e da correspondente privação do uso.

2. A R. contestou, impugnando a factualidade alegada em relação à dinâmica do acidente, cuja produção, em seu entender, se ficou a dever à atuação negligente do 1º autor.

A não ser assim entendido, impugnou a extensão dos danos alegados pelos autores e os montantes indemnizatórios peticionados.

Concluiu, pedindo a improcedência da ação.

3. Na 1ª instância, foi proferida sentença que condenou a ré a pagar ao 1º autor a quantia de € 258.370,96, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, contados desde a data da citação, sobre a quantia de € 188.370,96, e desde a data da decisão sobre a quantia de € 70.000,00, e ao 2º autor, a quantia de € 7.285,00.

4. Inconformados com esta decisão, quer o 1º autor, quer a ré interpuseram recurso para o Tribunal da Relação que, por maioria, proferiu acórdão em que:

I) Condenou a ré a pagar ao 1º autor:

a) A quantia, a liquidar posteriormente, relativa ao valor das perdas salariais, pelo período de 368 dias, calculada com base na remuneração auferida na data do acidente, à qual será deduzido 35%, correspondente à percentagem da responsabilidade do autor na produção do acidente de viação, a que acrescem os juros de mora, à taxa legal de 4%, devidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

b) A quantia de € 81.043,11, da qual € 41.042,11, a título de dano biológico, e € 40.000,00, como compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre a quantia de € 41.042,11, devidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, e sobre a quantia de € 40.000,00, devidos desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento, mantendo-se, no mais, o decidido pelo tribunal a quo.

II) Condenou a ré a pagar ao 2º autor:

a) A quantia de € 3.937,05, a título de indemnização pela perda do veículo e de privação de uso, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

5. De novo irresignado, veio o 1º autor interpor a presente revista, formulando as seguintes conclusões:

DO NÃO CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO NA PARTE REFERENTE AOS PONTOS 1º A 4º DAS CONCLUSÕES DO RECURSO DE APELAÇÃO

1. Sobre a matéria sintetizada nos arts. 1º a 4º das conclusões do recurso de apelação do A., o acórdão recorrido pronunciou-se no sentido de que: “nesta parte, não se conhece do recurso, pois apesar do apelante indicar os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, não indica, a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre os mesmos, como estatuído na al. c), do nº 1, do art. 640º, do CPCivil.”

2. Como é claro e inequívoco, para além dos factos 2.1.31, o A. apenas pretendeu que se desse como provado o seguinte: “O A. aufere uma remuneração média mensal de 3.378,19 € líquidos.”

3. Tal facto não é incompatível com nenhum daqueles outros dois, pois refere-se a período temporal diferente.

4. Assim, constavam do processo todos os elementos que impunham decisão diversa, no sentido do conhecimento deste trecho do objeto do recurso e de uma pronúncia favorável ao A., o que se alega nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 616º, nº 2, al. b), e n.º 3, do CPC.

5. Pelo que o A. cumpriu, de forma clara, o ónus a que alude o art.º 640º, nº 1, do CPC, indicando não apenas o facto que em seu entender deveria ter sido considerado como provado, mas, também, os documentos que sustentam tal entendimento.

6. O acórdão recorrido fez errada interpretação do art.º 640º, nº 1, do CPC, com a consequente omissão de pronúncia sobre matéria relevante para a boa decisão da causa e inerente nulidade (por força do disposto no art.º 615º, nº 1, al. d), do CPC).

7. Finalmente, ainda que por mera hipótese que não se admite o A. tivesse incumprido o ónus de alegar, certo é que o acórdão recorrido violou o disposto no art.º 639º, n.º 3, do CPC, com a consequência, ademais, da respetiva nulidade, por constituir decisão surpresa, em violação do disposto no art.º 3º do CPC.

8. A este propósito, lembremo-nos que foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, da norma constante no n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período, por Ac. do Tribunal Constitucional de 9.4.2019 (Conselheiro Pedro Machete – Proc. 1094/18).

DA REMESSA DAS PARTES PARA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

9. O acórdão recorrido alterou a decisão de primeira instância que condenou a Ré no pagamento ao A. da quantia de 12.833,00 €, a título de perdas do rendimento do trabalho, pelo período de 368 dias (calculada com base no salário médio nacional) e determinou a condenação da Ré no montante que a tal título vier a ser demonstrado em sede de liquidação de sentença.

10. Ora, a circunstância de o A. não ter, à data do acidente, remuneração comprovada ou documentada, não afasta o direito à indemnização peticionada, pois é unânime a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido da inexistência de qualquer enriquecimento sem causa quando, por exemplo, é reconhecido o direito à indemnização por perda de capacidade de ganho a vítimas menores, estudantes, aposentadas ou desempregadas.

11. No que respeita ao valor da retribuição a considerar em tais casos, para determinação do dano correspondente à perda de capacidade de ganho, parte da jurisprudência opta pelo critério do salário mínimo nacional e outra pelo chamado “salário médio previsível” ou “salário médio acessível”.

12. Ora, foi dado como provado que após voltar ao mercado de trabalho e antes de emigrar para o … o A. auferiu vencimentos mensais de 3.000,00 €, tendo naquele país auferido em média 1.625,77 €/mês, entre julho de 2015 e novembro de 2015 (facto 2.1.31.).

13. Pelo que, considerando tal jurisprudência e a factualidade mencionada, é manifesto que o pedido formulado a título de perdas salariais no período de 368 dias de incapacidade total peca por defeito em relação ao salário médio auferido pelo A. imediatamente após reiniciar a atividade profissional.

14. Por tal motivo, não há que alterar o bem decidido neste segmento da sentença recorrida.

15. Ainda que assim não fosse, e caso se discordasse do critério do salário médio nacional adotado pela primeira instância, certo é que, perante a falta de prova admitida pelo A., cabia ao Tribunal recorrido decidir, nos termos do art.º 566º, nº 3, do CC, fixando, equitativa e justificadamente, outro montante.

DO ERRO MANIFESTO E DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE OS FUNDAMENTOS DO RECURSO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, RELATIVAMENTE AOS FACTOS 2.1.54 E 2.1.56.

16. O tribunal recorrido não se pronunciou sobre os depoimentos transcritos pelo A. que impunham decisão diversa quanto aos factos 2.1.54 e 2.1.56. 

17. Como se tal não bastasse, resumiu o teor dos depoimentos das testemunhas CC e DD como se aquele não se lembrasse se a via era atravessada por peões e como se do depoimento de DD nada de relevante resultasse quanto à dinâmica do acidente.

18. A instâncias do signatário, questionada sobre se circulava algum carro à frente do motociclo antes do embate, a testemunha CC respondeu: “Não, não vinha nenhum carro à frente do motociclista” (23:00 minutos da gravação constante do ficheiro …..143).

19. E, questionada, também pelo signatário, sobre se antes do acidente o A. se desviou de algum peão, a testemunha respondeu: “Não,            não” (23:50 minutos da gravação constante do ficheiro …143).

20. Finalmente, questionada pelo signatário sobre se no momento do acidente algum peão atravessava a passadeira, a mesma testemunha respondeu: Não. (24:05 minutos da gravação do ficheiro …..143wma).

21. Daqui resulta que, contrariamente ao resumo deste depoimento constante do acórdão recorrido, esta testemunha em momento algum afirmou que não se lembrava de ver um peão na passadeira: o que esta testemunha afirmou foi que não se encontrava qualquer peão na passadeira nem existiam veículos à frente do motociclo.

22. Pelo que, não só este meio de prova impunha pronúncia diversa como o próprio sentido do resumo do depoimento efetuado pela Relação … é incompreensível, o que se releva nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 615º, n.º 1, als. b) e c), e 616º, nº 1, al. b), do CPC.

23. Por outro lado, no que tange ao depoimento da testemunha DD, segundo o acórdão recorrido, tal depoimento não teria merecido a credibilidade do tribunal de primeira instância porque (sete anos depois dos factos) o CC (que se encontrava à varanda) afirmou que a DD estaria ao seu lado quando esta dissera que se encontrava na cozinha.

24. Ora, a testemunha CC referiu que a testemunha DD se encontrava à janela da cozinha, ao seu lado, a cerca de dois metros: (20:00 minutos         da gravação constante do ficheiro ……143wma):

É assim, estava a minha mulher mesmo na janela da cozinha que é um bocadinho mais ao lado.

25. Mais adiante, no seu depoimento, a testemunha CC esclareceu o seguinte (aos 47:00 minutos da gravação constante do ficheiro ….143wma):

Tribunal: O senhor também estava na cozinha? Testemunha: A varanda pertence à cozinha.

Tribunal: O senhor há bocadinho é que disse que a sua esposa estava à janela da cozinha ou percebi mal?

Testemunha: Sim, estava à janela da cozinha depois tem uma portazinha que vai dar a uma varanda que fica a dois metros da janela.

26. Acresce que a testemunha DD, à semelhança do que afirmou no inquérito criminal e nos julgamentos quer penal quer cível, referiu, sem margem para dúvidas, que assistiu ao acidente (Minuto 24:00 a 27:05 da gravação constante do ficheiro ….143wma):

Aquilo que eu vi foi um carro a vir da bomba de gasolina do L…. e vi uma moto a vir da rotunda, portanto, não foi ao mesmo tempo, como é óbvio, mas comecei a ver no momento que ia haver ali um embate porque o senhor do carro ao virar, eu não tenho carta, mas penso que não deu tempo para o senhor passar, da mota.

27. E, a instâncias do signatário, questionada sobre passado quanto tempo após a mudança de direção do ligeiro de passageiros ouviu o embate, respondeu: Testemunha: Foi momentâneo, no momento em que virou, ouvi o embate. Foi praticamente imediato, é isso?

Testemunha: Foi imediato, exatamente.

Mas nesse momento a senhora já não estava a ver a moto? Testemunha: Não porque não tinha visibilidade.

Porque era tapada pelo teto?

Testemunha: Pelo teto da bomba.

Mas o teto da bomba só tapava a parte da faixa de rodagem…?

Testemunha: Do motociclo. Mas uma parte, só, portanto aquilo faz o canto… A parte à entrada da bomba?

Testemunha: Sim, sim, sim. Da minha casa via-se... aliás, depois quando o rapaz ficou no chão, eu só conseguia ver a parte do joelho para baixo.

E antes do embate, antes de deixar de ver a moto, a que velocidade vinha a moto, pergunto, tem noção?

Testemunha: Não ia muito depressa. O que é não ir muito depressa?

Testemunha: Não sei, eu não tenho carta, não tenho noção, mas não vinha muito… é assim, vendo de fora, achei que… se viesse depressa de mais, se calhar, não sei olhe… sinceramente.

Consegue visualizar, consegue-se lembrar se vinha algum carro à frente da moto?

Testemunha: Não, isso não vinha.

Do sítio onde estava tinha visibilidade para a reta antes da entrada da bomba de quem vem da rotunda da …?

Testemunha: Um pouco sim, sim. Nessa reta existe alguma passadeira? Testemunha: Existe.

E nesse momento recorda-se se havia peões na passadeira, se a moto se desviou de alguém?

Testemunha: Não.

Recorda-se, não se recorda?

Testemunha: Recordo. Não, não tinha ninguém na passadeira.”

28. Este depoimento é claro e inequívoco no sentido de que não existiam outros veículos na faixa de rodagem em que circulava o motociclo e à frente deste, de que não se encontrava ninguém a atravessar a via na passadeira e, finalmente, que o condutor do ligeiro de passageiros invade a faixa contrária de repente, cortando a escapatório ao A..

29. Clara e inequívoca é, também, a total falta de pronúncia sobre os excertos transcritos de tais depoimentos.

30. Também no que respeita à seguinte transcrição do depoimento da testemunha chave da R., o Dr. EE, é totalmente omissa qualquer pronúncia no acórdão recorrido: Minuto 49:30 do Ficheiro …..143

Signatário: Eu não percebo como é que estando à frente da moto, o senhor vai lentamente e a moto vai a velocidades elevadas atrás de si, como é que no momento do acidente o senhor está à frente da mota?

Testemunha: Eu acho que fui bem claro naquilo que expliquei. Eu ia na minha faixa a uma velocidade lenta porque o trânsito estava congestionado. A moto vinha no local da bomba da R..... nessa parte dessa faixa, estamos a falar de uma reta, começa-se a ouvir a moto atrás, pronto. E a moto vinha a uma velocidade superior àquela dos carros que estavam parados. Era uma velocidade se calhar mais elevada que o trânsito. Não estou a dizer que era excesso de velocidade.

31. E, como resulta do documento n.º 3 com a petição inicial (mais concretamente a fls. 5 da participação de acidente) esta testemunha assinou, em 22.9.2012, a seguinte declaração:

“Sou testemunha do acidente em causa. A moto desde o Le..... que vinha a fazer cavalinhos, a ultrapassar fora de mão e em velocidades elevadas, na rotunda anterior não bateu em dois carros por pouco e não atropelou duas pessoas na passadeira por pouco. O embate da moto deu-se já dentro do posto de abastecimento da R....., na sua entrada e já fora da faixa de rodagem pois o condutor da moto vinha a serpentear e fez vários desvios, inclusiva para não colher pessoas na passadeira, tendo até o descanso da moto a roçar pelo chão após algumas manobras mais arriscadas”.

32. Estes dois depoimentos são absolutamente inconciliáveis: em 2012 o motociclo circulava a velocidades excessivas, a ultrapassar fora de mão, desde o Le....., fazendo várias manobras perigosas, e, em 2019, afinal, já só circulava a uma velocidade superior à do trânsito que se encontrava parado.

33. Contudo, e apesar de o A. ter assinalado tal questão, com enfâse, não existe, sobre este ponto, o mais leve indício de pronúncia pelo tribunal recorrido.

34. E, se considerarmos que o tribunal atribuiu 35% da culpa na produção do acidente ao A. porque a sua condução era “temerária”, é manifesto que tal pronúncia era importante pois, como é óbvio, é o próprio depoimento de EE que nos diz afinal, que a velocidade a que circulava o motociclo não era excessiva.

35. Mas há outro ponto relevante sobre o qual, novamente, foi omitida pronúncia: quando questionada, pelo Tribunal, sobre onde se encontrava o peão de que o A. se teria desviado, a testemunha respondeu (Minuto 18:00 do Ficheiro ….143):

Testemunha: A senhora parou mal entrou na passadeira. A senhora que ia a atravessar parou no barulho da aproximação da moto.

Tribunal: Parou em que ponto?

Testemunha: Praticamente no início, tinha dado uns dois 3 passos na passadeira.

Tribunal: Desculpe?

Testemunha: Tinha dado uns dois, três passos na passadeira. Ainda estava, digamos, à frente do carro que vinha em sentido contrário.

36. Ou seja, segundo a testemunha, o peão que atravessava a passadeira, estaria, no momento do acidente, estacado no lado oposto da faixa de rodagem contrária, pois imobilizou-se assim que iniciou a travessia, pelo que não faria sentido nenhum que o A. se desviasse de um peão que se encontrava a meio da travessia da faixa de rodagem contrária.

37. Como se tudo o que antecede não bastasse para evidenciar a absoluta falta de fé desta testemunha (como de resto concluíram a M.ª Juíza e Procurador do M.P. naqueles autos de processo-crime), a testemunha afirmou nestes autos, em          2019, o seguinte (Minuto 24:50 a 25:27 do Ficheiro …..143):

“Vejo a moto numa inclinação, a virar para a bomba. Neste momento, a moto, quando faz a inclinação, entra em queda. Há um momento em que eu a perco de visão. Porque com a inclinação e a reta o carro da frente tapou. Eu tinha a visão mais ampla enquanto a moto ia em pé. Conforme a moto faz a inclinação e digamos se dirige para a bomba eu há um momento em que o carro da frente me tapa. Pronto. E nisso, ouço depois o embate já no carro.”

38. Ora, como resulta do relatório técnico de acidente de viação elaborado pela PSP nos referidos de autos de processo crime, e junto aos documento n.º 4 com a p.i., esta testemunha afirmou em sede de inquérito: “VIU o motociclista todo atrapalhado a tentar desviar-se do peão que atravessava a passadeira, a ir ao chão com a mota, embatendo no ligeiro que já estava a entrar nas bombas de combustível (…) sobre qual a parte do veículo ligeiro de passageiros que sofreu PRIMEIRO o embate, respondeu que foi a parte  lateral direita e, DE SEGUIDA, a roda da frente do lado direito” (Cfr. págs. 12 do dito documento n.º 4 com a p.i.).

39. É, pois, inequívoco que, em 2013, esta testemunha referiu ter visto TODO o acidente, inclusivamente o momento do próprio embate, pois não só disse que viu, mas ainda referiu quais as partes do ligeiro embatidas pelo motociclo e por que ordem (quem ouve não pode saber a ordem… a menos que tenha um qualquer dom sobrenatural).

40. Para cúmulo dos cúmulos, e para se concluir que estamos perante um depoimento construído, crivado de contradições sérias, temos ainda o seguinte:

41. No julgamento realizado nos presente autos, esta testemunha afirmou ao Minuto 30:40 do Ficheiro ……143: “O senhor estava consciente. Queria levantar-se para tirar o capacete. As pessoas é que o sustiveram para que ele não tirasse o capacete. Até falava e tudo e queria levantar-se e tirar o capacete. Porque até estava, até falava e tudo. Queria levantar-se e tirar o capacete.”

42. Ora, resulta dos elementos clínicos e relatórios periciais que o A. sofreu graves lesões crânio encefálicas e torácicas, entre outras, por força das quais sofreu paragem cardiorrespiratória e teve de ser reanimado (Cfr. factos provados nºs 2.1.9 a 2.1.13 da sentença recorrida), e bem assim, nos autos de processo-crime, foi dado como provado que o A. ficou inanimado, sangrando da cabeça e de diversas partes do corpo, até ser transportado por uma ambulância (facto 9 da sentença penal).

43. O que torna impossível a afirmação produzida pelo Dr. EE no sentido de que o A. dizia coisas, se levantou e queria tirar o capacete.

44. É inequívoco que o Tribunal da Relação omitiu pronúncia sobre as aludidas contradições e incongruências patentes no depoimento desta testemunha em audiência de discussão e julgamento e entre tal depoimento e os seus depoimentos anteriores, prestados em sede de inquérito criminal e constantes dos documentos nºs 1 e 4 com a p.i.

45. Tais contradições e incongruência tornavam tal depoimento inidóneo para sustentar os factos dados como provados 2.1.54 e 2.1.56.

46. E bem assim, os depoimentos supratranscritos de CC e DD impunham que se mantivesse inalterada a dinâmica do acidente dada como provada no âmbito do processo-crime.

47. De onde decorre a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d), do CPC.

VIOLAÇÃO DA PRESUNÇÃO LEGAL DECORRENTE DO DISPOSTO NO Art.º 623º DO CPC

48. Mas, ainda que se considerasse que não ocorreu omissão de pronúncia nos termos enunciados supra, certo é que ao considerarem como provado que “ao aproximar-se da área de serviço da “R.....” o condutor do BX executou a mudança de direção à esquerda, sem confirmar todo o trânsito do sentido oposto estava imobilizado para permitir a travessia de peões naquela passadeira” (2.1.54.) e que “antes desse embate o 1º autor contornou os peões que atravessavam a faixa de rodagem e prosseguiu a sua marcha, ultrapassando pela esquerda os veículos que estavam imobilizados na faixa por onde seguia” (2.1.56) ambas as instâncias incorreram em violação do disposto no art.º 623º do CPC.

49. Tais factos contrariam a matéria dada como provada no supramencionado processo-crime, mais concretamente, os factos 4 a 8 e 13 a 18, todos no sentido de que o acidente se deu exclusivamente pelo facto de o condutor segurado pela R. ter mudado de direção inopinadamente, invadindo a faixa de rodagem do motociclo conduzido pelo A., cortando-lhe o sentido de marcha e qualquer escapatória possível.

50. E, a tese de que o A. se teria desviado de peões na passadeira, escassos momentos antes da produção do acidente não é nova, tendo naqueles autos sido também objeto de prova, resultando da motivação da decisão relativamente a tais factos, que “a testemunha CC depõe esclarecendo que o carro ao aproximar-se da zona da passadeira fez pisca e virou logo, e dá-se o acidente, uma vez que viu a mota ainda a travar, mas que não conseguiu evitar a colisão. Mais disse que terá sido a mudança brusca do veículo que provocou o acidente. Mais disse não estar nenhum peão no momento na passadeira, nem carro parado na mesma. O MESMO DISSERAM AS TESTEMUNHAS DD E FF” (DOC. 1 com a p.i.).

51. E bem assim, de tal motivação resultava ainda que “do julgamento resultaram pelo menos, duas versões dos factos, uma sustentada pelo arguido e pela testemunha EE e uma outra, defendida pela restante prova testemunhal ouvida. O arguido negou os factos, mas a sua posição ficou praticamente isolada. Da prova produzida, não restam dúvidas de que a culpa do acidente tem de ser imputada ao arguido, porquanto terá sido a repentina inversão de marcha iniciada pelo veículo do arguido que se encontrava parado na via, para o efeito, e inesperadamente pelos demais veículos que se encontravam a circular no local, que terá motivado a necessidade de o motociclista travar e desviar a mota, o que implicou o seu desequilíbrio e consequente queda, uma vez que tentou não embater nos veículos que vinham de frente e na hemi-faixa contrária.”

52. Ora, analisando a sentença, constata-se que nenhuma outra prova adicional foi produzida sobre esta (ou outra) matéria.

53. O acidente ocorreu em 22.9.2012, o julgamento no processo-crime realizou-se em 2015, e o julgamento nos presentes autos realizou-se em 2019!

54. Pelo que, para além da própria Lei impor ao tribunal recorrido um juízo de confiança no decidido pelo decisor penal, era a própria prudência e bom senso que impunham tal confiança, face à acrescida distância temporal em relação à data dos factos, ao facto de o arguido ali beneficiar de presunção de inocência não tendo recorrido da sentença, conformando-se, pois, com a mesma, e à muito mais extensa e rigorosa prova ali produzida, nomeadamente com mais prova testemunhal sobre os factos ora em crise e confirmada com inspeção ao local.

55. Pior: sem qualquer motivo aparente, para além da convicção do decisor cível sobre os mesmos meios de prova, é alterada substancialmente a decisão sobre a matéria de facto, levando à conclusão de que o A., afinal, concorreu para a produção do acidente, e isto com base, APENAS, no depoimento que o decisor penal considerou não ser credível.

56. O raciocínio subjacente ao acórdão recorrido esvazia de conteúdo prático o disposto no art.º 623º do CPC que parece de nada valer, afinal, face ao princípio da livre apreciação da prova e imediação.

57. O próprio art.º 350º, nº 2, do CC, admitindo a produção de prova em contrário relativamente ao facto sobre o qual opera a presunção legal, não pode ser interpretado no sentido de que tal prova em contrário possa ser a mesma que conduziu, precisamente, à consolidação da presunção legal: é uma aberração que não cabe no espírito de qualquer destas normas.

58. Pelo que, sob reserva de melhor entendimento, o alcance da norma é o de que a presunção poderá ser ilidida caso seja produzida prova que não o foi previamente ou caso se demonstre, por outros meios de prova, que a prova anteriormente produzida foi incorretamente valorada, tendo, nesse caso, que se evidenciar um esforço sério de demonstração ou justificação dos motivos que levam ao afastamento da presunção com base em tal prova. Isto é, importa explicar por que motivo a prova que não foi considerada credível por um juiz criminal o é, afinal, para o decisor civil.

59. Mas o que aconteceu foi o oposto: ignorando e indeferindo os alertas e requerimentos de prova do A. com vista à demonstração da falta de credibilidade daquela testemunha, o tribunal de primeira instância, agora confirmado pelo acórdão recorrido, fez tábua rasa da restante prova testemunhal e, na prática, valorou apenas a versão inventada (de facto, assim se provou em processo-crime) pela testemunha EE.

60. Ora, o tribunal recorrido não estava apenas vinculado à presunção legal decorrente do art.º 623º do CPC, mas, à semelhança do juiz penal, ao próprio princípio da descoberta da verdade material (art.º 411º do CPC), que impunha o dever de confirmar a credibilidade daquele depoimento. Dever esse que, como vimos,   foi totalmente obliterado pela primeira instância e completamente ignorado no acórdão recorrido.

61. Pior, o tribunal de primeira instância e o tribunal recorrido consideraram tal prova credível e suficiente para ilidir a presunção legal decorrente do art.º 623º do CPC, apesar de resultar da motivação da sentença penal (junta aos autos como documento n.º 1 com a p.i.) que “no que concerne ao depoimento de EE, prestou um depoimento que até não foi consentâneo com o seu próprio depoimento prestado em sede de inquérito”.

62. Mas, como se tal não bastasse, é o próprio tribunal de primeira instância que nos diz, relativamente a esta testemunha, que “não foi convincente quanto à simultaneidade do seu olhar em direção ao veículo BX para se ter apercebido que se imobilizara antes de iniciar a manobra de direção, tanto mais que à frente do jipe conduzido pela testemunha se encontravam outros dois veículos, razões pelas quais não se aceitou este segmento do seu depoimento, tanto mais que não foi confirmado por qualquer outro elemento probatório. Ademais há que salientar que a testemunha não só tinha, conforme referido, dois veículos à sua frente, entre si e a passadeira, que, apesar do veículo por si conduzido ser mais alto ainda assim nas circunstâncias concretas de dois veículos à sua frente -, seguramente que a sua visibilidade estava prejudicada, para além de que o veículo BX estava do lado oposto, para lá da passadeira, posicionamento que sempre lhe afetaria o campo de visão à sua frente, a que acresce a diminuição da luminosidade à hora em que o embate se deu.”

63. Pelo que é manifesto que resultava dos autos que a testemunha EE, tendo apresentado, sobre os mesmos factos, mais do que uma versão, e um depoimento apenas parcialmente convincente, não era totalmente credível. Pelo que de modo algum poderia tal depoimento servir para ilidir a referida presunção legal.

64. Nessa medida, ao considerar como provado que “Ao aproximar-se da área de serviço da “R.....” o condutor do BX executou a mudança de direção à esquerda, sem confirmar todo o trânsito do sentido oposto estava imobilizado para permitir a travessia de peões naquela passadeira” (2.1.54) e que “antes desse embate o 1º autor contornou os peões que atravessavam a faixa de rodagem e prosseguiu a sua marcha, ultrapassando pela esquerda os veículos que estavam imobilizados na faixa por onde seguia” (2.1.56), o acórdão recorrido, confirmando a douta sentença de primeira instância, violou o disposto no art.º 623º do CPC.

65. Em qualquer caso, à luz do disposto no art.º 674º, nº 3, do CPC, cabe nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, aferir se existiu erro na fixação daqueles factos materiais (2.1.54 e 2.1.56), considerando que apreciação da prova produzida sobre tal matéria estava vinculada ao disposto no art.º 623º do CPC.

66. Ora, da própria motivação da sentença de primeira instância consta que CC “depôs acerca da dinâmica do acidente, tendo como ponto de observação a varanda da sua residência onde se encontrava no momento do sinistro, da qual avistou o BX a aproximar-se das bombas de abastecimento da R..... e a virar para a esquerda ao mesmo tempo que se apercebeu da aproximação do motociclo a tentar travar e a atirar-se para o chão acabando por embater já no limite da berma com o espaço pertencente ao posto de abastecimento” (págs. 15).

67. A pág.16, diz-nos a sentença recorrida que esta testemunha era credível, sem relação com qualquer das partes, tendo prestado depoimento com objetividade.

68. E o seu depoimento, que como vimos foi corroborado pelo de DD, acarreta uma versão dos factos totalmente distinta da que é veiculada pela testemunha EE e confirmava que o motociclo foi surpreendido pela manobra repentina do veículo segurado pela R., não sinalizada, mais confirmando que inexistiam quaisquer peões a atravessar a via na passadeira no momento do acidente.

69. Pelo que, como é evidente, em tais circunstâncias nunca poderia a presunção legal decorrente do caso julgado penal condenatório considerar-se ilidida, tendo, pois, ambas as instâncias violado o disposto no art.º 623º do CPC.

DA INEXISTÊNCIA DE CULPA DO LESADO

70. De quanto antecede, a primeira consequência que se retira é a de que não se pode dar como provado qualquer facto no sentido de que tenha ocorrido culpa do lesado, a qual, aliás, como vimos supra, foi expressamente excluída pela sentença penal transitada em julgado.

71. Mas ainda que assim não fosse, certo é que relativamente aos factos nºs 1 e 14 da decisão sobre a matéria de facto na sentença proferida no processo penal não foi feita qualquer contraprova nem muito menos ilida a presunção legal resultante do caso julgado penal condenatório sendo os mesmos oponíveis à R..

72. E, como se deu como provado no processo penal, o A. circulava na sua faixa de rodagem quando viu o seu sentido de marcha cortado repentinamente pela manobra do ligeiro de passageiros segurado pela R..

73. Acresce que, abstraindo do que disseram as testemunhas DD e CC (no sentido da inexistência de peões) foi a própria testemunha EE a afirmar que o A. não circulava a velocidade excessiva e que os peões se encontravam a meio da travessia da faixa de rodagem contrária àquela em que circulava o A. (o que levava à conclusão óbvia de que mesmo na narrativa desta testemunha, o motociclo se teria desviado do ligeiro que lhe invade a faixa e não dos peões).

74. Pelo que deverá ser alterado o sentido da decisão das instâncias, determinando-se que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro de passageiros segurado pela R..

DA PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO

75. O acórdão recorrido operou uma redução substancial e inusitada do valor indemnizatório fixado em primeira instância a título de dano patrimonial na vertente de perda de capacidade de ganho, de 310.493,33 € para 63.143,24 €, violando o disposto nos arts. 609º, 615º, nº 1, al. e), 663º, n.º 2, e 666º, nº 1, do CPC, sendo ademais evidente que a R. não alegou o sentido em que o direito deveria ser aplicado nem a decisão que deveria ser proferida sobre o quantum indemnizatório, pelo que não se mostrava também preenchido o requisito previsto nos arts. 639º, ns. 1 e 2, al. b), e 640º, nº 1, al. c), do CPC.

76. Os pressupostos de facto mantiveram-se em ambas as instâncias, apenas mudando – drasticamente – o critério de cálculo: diz-nos o acórdão recorrido que não acarretando as lesões sofridas qualquer perda de rendimento, não há que atender ao nível de rendimento da vítima (a primeira instância considerou o valor de 2.474,77 €, dado como provado no facto 2.1.31) mas à média entre o salário mínimo nacional (485 €) e o salário médio nacional (914 €), à data do acidente, o que corresponde a 699,55 €.

77. Esta tese peregrina, sem qualquer reflexo na jurisprudência maioritária e consolidada dos tribunais superiores, constitui um atropelo a décadas de aperfeiçoamento da prática jurisprudencial e um autêntico retrocesso no sentido do miserabilismo das compensações e, na prática, com o resultado da proteção da parte mais forte, resultado esse que lei alguma prevê e tutela.

78. A noção de equidade, plasmada neste acórdão é uma espécie de “misericórdia” ou “caridade” que, na realidade, apenas serve para subtrair ou diminuir direitos e que viola o princípio, ínsito no art.º 59º, n.º 1, al. a), da CRP: para trabalho igual, salário igual. E bem assim, ao negar a reparação da diminuição da força de trabalho do A., tal entendimento é também violador do disposto na al. f) do mesmo preceito.

79. Como é evidente, se para obter um determinado nível de rendimento o A. tem que se esforçar ou trabalhar mais do que teria se não tivesse sofrido qualquer lesão, tal significa que o valor da sua mão de obra se depreciou, apesar de o lesado poder até incrementar os seus rendimentos após o acidente, como acontece, muitas vezes, em casos como o dos autos, em que não estamos perante uma lesão absolutamente incapacitante e o lesado era muito novo à data do acidente, tendo toda uma perspetiva de progressão profissional e remuneratória pela frente pois acabara de entrar no mercado de trabalho.

80. Assim, à luz do disposto no art.º 566º, nº 3, do CC, que o acórdão recorrido violou, se o lesado tem determinada idade à data do acidente, ficou portador de determinado défice funcional com esforços acrescidos para a sua atividade profissional e demonstrou um determinado nível de rendimentos que obtém apesar de tais esforços, é a estes factos que o juiz terá que atender na determinação do quantum indemnizatório, sob pena de violar a equidade, e enriquecer injustificadamente o infrator. 

81. Neste sentido, pelo Ac. STJ de 10.12.2019, Proc. 32/14.1TBMTR.G1.S1 (Maria do Rosário Morgado), foi fixada indemnização a título de perda de capacidade de ganho no valor de 90.000,00 €, num caso com contornos muito semelhantes aos dos presentes (vítima com 21 anos de idade à data do acidente, com défice funcional permanente de 19 pontos), apesar do nível de rendimento da lesada ser aí inferior a um terço dos rendimentos do A. dados aqui como provados.

82. E bem assim, também no sentido da necessidade de ponderação dos rendimentos da vítima na determinação do quantum indemnizatório pela perda de capacidade de ganho, veja-se os Ac. STJ de 29.10.2019 (Ricardo Costa), Ac. do STJ de 19/6/2019 (Oliveira Abreu), Ac. STJ de 21.3.2019 (Nuno Pinto Oliveira), Ac. STJ 21.3.2013 (Salazar Casanova), e Ac. STJ de 4.12.2007 (Mário Cruz), em www.dgsi.pt.

83. Por outro lado, a Relação determinou que o valor irrisório alcançado por essa via deveria, ainda assim, ser reduzido em 33% para evitar um mirífico enriquecimento sem causa pelo recebimento antecipado da indemnização, agravando a redução operada pela primeira instância (de 20%) e ultrapassando, também aqui, o próprio objeto do recurso da R..

84. Ora, não se concorda com tal “corte”, seja ele de 20% ou 33%, considerando-se mais consentâneo com o disposto no art.º 566º, nº 3, do CC, o entendimento sufragado no Ac. STJ, de 6.6.2013 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza – Proc. 303/09.9TBVPA.P1.S1), e no acórdão do STJ, da 3ª Secção Criminal, de 9.9.2015, Proc. 146/08.7PTCSC.L1.S1 (Sousa Fonte), ambos no sentido de que tal “corte” não tem cabimento legal.

85. E se, no caso concreto, a própria sentença de primeira instância admitiu que os depósitos a prazo não acarretam qualquer rendimento, o acórdão recorrido não nos fornece a mais ínfima pista para justificar de que forma o A. poderia rentabilizar o valor recebido em 33%.

86. Se considerarmos que uma rendibilidade líquida de 3% é, nos dias de hoje, um excelente retorno, teríamos que aquilo que o acórdão recorrido entende como abusivo por antecipado, demoraria, afinal, não menos de 11 anos a ser obtido.

87. Pelo que não é de todo equitativo retirar ao A. 33% do valor correspondente ao dano que efetivamente SOFREU com base numa premissa abstrata, dissociada da realidade.

88. E o tribunal não considerou, nesta ponderação, a maior dificuldade na obtenção de rendimentos e a perda de qualidade de vida que, manifestamente, sempre anulariam qualquer benefício pelo recebimento antecipado, assim como não considerou que já lá vão 7 anos sem que ao A. lhe tenha sido feita justiça, na forma da atribuição da indemnização a que tem direito.

89. Na ponderação do “corte” pelo “benefício antecipado” não é vislumbrado, também, o grotesco resultado em que se traduz o reverso da medalha: não se cogita que os 33% que se retiram ao A. podem por sua vez ser utilizados pela R. em rentabilização de um capital que, nos termos do art.º 566º do CC, nem sequer lhe deveria pertencer.

90. Conclui-se, pois, que apenas poderia ser comprimido o direito do A. à justa compensação pelos danos patrimoniais efetivamente sofridos caso se demonstrasse, EM CONCRETO, que o recebimento de tal quantia poderia acarretar enriquecimento sem causa.

91. De facto, se, para possibilitar um juízo de equidade, ao A. se exige que este alegue os danos sofridos, a sua idade, os seus rendimentos e demais factos relevantes, à R. terá de se exigir que alegue os factos que consubstanciam o enriquecimento sem causa pelo recebimento antecipado (Cfr. art.º 573º do CPC).

92. Ora, a R. nada alegou nesse sentido, e não cabe aos tribunais, sejam eles de primeira, segunda ou terceira instância, o papel de defensores das seguradoras, sob pena de violação de princípios ainda mais elementares como o da igualdade entre as partes, a imparcialidade e tutela jurisdicional efetiva do lesado.

93. Posto o que é manifestamente ilícita a redução do capital indemnizatório, seja em que proporção for, por violação do disposto no art.º 566º, n. 2 e 3, do CC.

94. Ainda que, por hipótese, assim se não entendesse, certo é que, na linha do Ac. STJ de 12.11.2019, Proc. 485/15.0T8PD.L1.S1(Acácio das Neves), nunca tal redução poderia ser superior a 10%.

95. Em tal hipótese, sempre deverá a parcela correspondente ao enriquecimento sem causa ser paga ao A. sob a forma de renda mensal, à luz do disposto no art.º 567º, n.º 1, do CC, por um prazo de 10 anos, que se estima suficiente para diluir ou afastar tal mirífico enriquecimento sem causa pelo recebimento antecipado.

96. Pelo que, em face de tudo o que antecede, deverá a R. ser condenada no pagamento de indemnização pela perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional permanente, no valor de 400.518,21 € (52 anos (esperança de vida do A. à data do acidente) x 3.378,19 € x 12 x 19%).

97. Ainda que assim se não entendesse, sempre deveria ser considerado o valor mensal de 3.000,00 €, que o A. demonstrou auferir em Portugal, antes de viajar para o ......, com base na liquidação de IRS (que a R. entende ser o único meio de prova idóneo para demonstração de rendimentos) e que se mostra dado como assente (ponto 2.1.31 da matéria assente, correspondente ao 20º tema de prova). Por aplicação dos mesmos critérios, sempre teríamos um valor indemnizatório de 355.680,00 €.

98. Finalmente, ainda que assim também se não entendesse, sempre deveria ter-se como base de cálculo o valor mensal de 2.474,77 €, dado como provado no facto 2.1.31.: “Desde julho de 2015 o mesmo exerce essa atividade no ......, onde aufere um rendimento fixo de base equivalente a Euros 849,00 (oitocentos e quarenta e nove euros) e uma remuneração variável que entre julho e Novembro de 2015 se cifrou, em média, na quantia de Euros 1.625,77” (21º).

99. Segundo o supramencionado critério, e tendo por base este valor mensal dado como assente, o resultado seria um dano patrimonial a título de perda de capacidade de ganho no valor de 293.408,73 €.

DO DANO BIOLÓGICO NA VERTENTE NÃO RELACIONADA COM A PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO

100.   Os factos dados como provados, supra elencados, permitem concluir que o A. sofre limitações no dia a dia, nas tarefas de natureza extraprofissional e nas atividades de lazer.

101. Resulta da sentença de primeira instância e do acórdão recorrido que aí não foram tais limitações incluídas nos danos morais, tendo por outro lado tais decisões determinadas a indemnização a título de danos patrimoniais apenas com base na perda de capacidade de ganho.

102. Ora, tais dores e incómodos e a diminuição funcional no desempenho das tarefas do dia a dia constituem dano autónomo, o qual se afigura equitativo fixar em 20.000,00 €, atendendo à natureza das lesões dadas como provadas, à idade do A., e à luz dos valores arbitrados pelos Acs. do STJ de 20.1.2011, 20.5.2010, 11.11.2010 e o citado acórdão de 9.9.2015, que estabeleceram, a tal título, valores de 40.000,00 €, 30.000,00 €, 5.000,00 € e 60.000,00 €, para IPPs de 40%, 30%, 5% e 90%, e esperanças de vida de 32, 20, 41 e 22 anos, respetivamente.

DOS DANOS MORAIS

103.     Finalmente, sem qualquer justificação discernível, foi reduzido de 70.000,00 € para 40.000,00 € o valor da indemnização a título de danos morais.

104.   O acórdão recorrido não procedeu a qualquer esforço para justificar o motivo pelo qual, à luz dos factos concretos, considerou exagerado o montante fixado pela primeira instância, limitando-se, apenas, a fazer uma remissão para uma série de acórdãos anteriores, alguns dos quais com mais de 8 anos.

105.   Nenhum de tais acórdãos se pronuncia sobre o medo de morrer, ou recai sobre caso análogo, em que o lesado tenha, por exemplo, sofrido paragem cardiorrespiratória e ficado em coma ou em cuidados intensivos, em risco de vida, bastante tempo e sujeito, posteriormente, a um calvário de intervenções, tratamentos e reabilitação.

106.   Ora, relembram-se os seguintes acórdãos, apenas no que toca à quantificação do medo de morrer: Ac. STJ de 12-03-2009, Processo n.º 611/09-3.ª (20.000,00 €); Ac.STJ de 14-05-2009, Revista n.º 1240/07TBVCT-6.ª (15.000,00 €); Ac. STJ de 21-05-2009, Revista n.º 114/04.8TBSVV.C1.S1-1.ª (15.000,00 €); Ac. STJ de 14-10-2009, Processo n.º 3452/08-5.ª (20.000,00 €); Ac. STJ de 27-09-2011, Revista n.º 425/04.2TBCTB.C1.S1-6.ª (20.000,00 €) e Ac. STJ de 19-04-2012, Revista n.º 569/10.1TBVNG.P1.S1-2.ª (35.000,00 €).

107.   Por outro lado, a intensidade dos danos não patrimoniais que se inferem dos factos dados como provados (e elencados no acórdão) é elevadíssima e o valor fixado em primeira instância está conforme à jurisprudência do STJ em casos semelhantes (Cfr. Ac. STJ de 5.7.2017 (Gabriel Catarino), Ac. 8.6.2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Ac. STJ de 25.5.2017 (Lopes do Rego), Ac. 26.1.2006 (Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt.

108.    Pelo que considerada esta jurisprudência, referente à quantificação dos danos relativos ao quantum doloris, prejuízo de afirmação pessoal, dano estético e perda de alegria de viver, e bem assim aquela outra suprarreferida, referente ao medo de morrer, temos que o valor global de 70.000,00 €, fixado pela primeira instância, é equitativo (motivo pelo qual, aliás, o A. se conformou com tal montante).

109.   Neste sentido, reitera-se o teor do mencionado acórdão Ac. STJ de 10.12.2019 (Maria do Rosário Morgado), onde, num caso semelhante ao presente, foi considerado equitativo o valor de 60.000,00 €, a título de danos morais, não se incluindo, em tal valor, o medo de morrer.

CÁLCULO DOS JUROS DE MORA

110.    Por último, e como resultava do art.º 144º da p.i., importa ter presente que a ré foi notificada, em 30.3.2014, no âmbito dos citados autos nº 3449/12….., para contestar idêntico pedido cível idêntico ao ora formulado (as partes acabaram por ser remetidas para os meios comuns já na fase de julgamento).

111.   Para prova de tal facto, pelo A. foi junta aos autos certidão judicial, com o requerimento com a ref. ª …, de 11.1.2017.

112.    Pelo que, nos termos do disposto no art.º 805º, nº 3, do CC, e no que respeita aos danos patrimoniais, o valor dos juros vencidos remonta a 30.3.2014 e não à data da citação para a presente ação.

Nada obstando a que sejam conhecidas todas as questões, não obstante as nulidades apontadas, deverá, salvo reserva de melhor opinião, ser proferido acórdão decidindo definitivamente a causa, nos termos do art..º 665º do CPC.

Termos em que deverá o presente recurso merecer o doutro provimento e em consequência a R. condenada no pagamento ao A. das seguintes quantias:

a) 400.518,21 €, ou assim se não entendendo 355.680,00 €, a título de perda de capacidade de ganho;

b) 20.000,00 €, a título de dano biológico autónomo da perda de capacidade de ganho;

c) 12.833,00 €, a título de perda de rendimentos;

d) 4.151,36 €, a título de despesas de saúde;

e) 70.000,00 €, a título de danos morais.

Sobre os montantes referidos nas alíneas a) a d) incidem juros de mora à taxa legal de 4% vencidos desde 30.3.2014 e sobre os danos morais (70.000,00 €), desde a prolação da sentença recorrida.

6. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.


***


7. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n. º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.

Sendo assim, as únicas questões de que cumpre conhecer consistem em saber se:

a) - O acórdão recorrido enferma de nulidade;

b) – Se o Tribunal recorrido usou deficientemente os poderes que a lei adjetiva lhe confere em sede de reapreciação da decisão de facto;

c) - Se cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça envolver-se na apreciação do julgamento proferido pela Relação no plano dos factos e, a ser assim, apreciar e decidir se o Tribunal recorrido errou na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa;

d) – Devem ser alterados os montantes arbitrados, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.


***

II – Fundamentação de facto

8. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

“2.1.1. No dia 22 de setembro de 2012, pelas 20.00 horas, o 1ºautor conduzia o motociclo de marca “….”, modelo “….” com a matrícula …-FI-…, na Rua …, em …., …., no sentido Leste/Oeste (al. A).

2.1.2. O piso estava seco, o tempo bom e as condições de visibilidade eram boas, havendo ainda luz do dia (al. B).

2.1.3. A estrada naquela zona apresenta-se como uma recta com dois sentidos de tráfego, estando o pavimento em bom estado (al.C).

2.1.4. No sentido contrário ao do motociclo – Oeste/Leste – circulava o veículo automóvel, de marca “….”, modelo “…”, com a matrícula …-BX-…, conduzido por GG (al. D).

2.1.5. Ao aproximar-se do posto de abastecimento de combustível da “R.....” adjacente à Rua ….., do lado inverso à sua faixa de rodagem, o veículo …-BX-… virou para a esquerda e atravessou com a sua viatura a faixa de rodagem contrária para aceder à referida estação de serviço (al. E).

2.1.6. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar deu-se o embate entre o motociclo conduzido pelo 1º autor e o veículo BX (al. F).

2.1.7.Em razão desse sinistro correu termos na secção criminal da instância local do …, Tribunal da Comarca de …, um procedimento criminal com o nº 3449/12… que culminou com a sentença transitada em julgado em 10 de Dezembro de 2015, certificada de fls. 20 a 28 e que aqui se dá por reproduzida, que condenou o condutor do veículo automóvel BX como autor de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo artº 148º, nº 1 do Código Penal na pena de 90 dias de multa à razão diária de 5 euros (al.G).

2.1.8. Na fundamentação de facto dessa sentença foram dados como provados os factos enunciados nas alíneas A) a E) supra e, além de outros, os seguintes:

“(…) 5. O arguido efetuou esta manobra sem parar o automóvel, mudando de direção para a esquerda e atravessando a faixa de rodagem do lado esquerdo da via, sem verificar previamente se vinha algum veículo em sentido contrário ao seu, sem se certificar que não se atravessava à frente doutro veículo que seguisse na faixa de rodagem do lado esquerdo da via.

6. Nesse instante vinha na respetiva faixa de rodagem naquela rua, no sentido leste-o este, o ofendido conduzindo o referido motociclo.

7.Vendo o automóvel conduzido pelo arguido à sua frente, no exato momento em que passava junto às bombas da R....., o ofendido não conseguiu travar a tempo nem desviar o motociclo para evitar a colisão com o carro do arguido que virava à esquerda atravessando a sua faixa de rodagem.

8. Em consequência dessa manobra do arguido que virou repentinamente à esquerda sem olhar e sem verificar se vinha algum veículo no sentido contrário, e se a travessou à frente do motociclo conduzido pelo ofendido, este motociclo embateu com a roda dianteira na parte lateral direita do automóvel conduzido pelo arguido, e caiu projetado no chão, sofrendo diversos danos na parte lateral esquerda e no depósito.

9.Em resultado do embate sofrido, o ofendido foi projetado para fora do motociclo, vindo a cair no chão violentamente, onde ficou inanimado, sangrando da cabeça e de diversas partes do corpo, até ser transportado por uma ambulância para o Hospital …. em ……, para ser assistido de urgência. (…)” (al.H).

2.1.9. Em consequência da queda provocada pelo acidente o 1º autor sofreu diversas fraturas, escoriações e lesões em várias partes do corpo, designadamente as seguintes:

1. Traumatismo crânio-encefálico com fratura esfenoidal e fatura do complexo orbito-zigométrico malar esquerdo;

2. Traumatismo torácico com fratura da clavícula direita;

3. Fratura do arco posterior direito da primeira costela;

4. Contusão pulmonar bilateral com lesão traumática da traqueia;

5. Seroma da coxa esquerda e seroma extenso da coxa direita (al. I). 

2.1.10. A responsabilidade civil inerente à circulação do veículo automóvel de matrícula …-BX-… encontrava-se transferida para a ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ….. (al. J).

2.1.11. Em 15 de Novembro de 2012 a ré comunicou que não assumia a responsabilidade do seu segurado na produção do sinistro (al. K).

2.1.12. O 1º autor nasceu no dia 11 de Maio de 1986 (al. L).

2.1.13. No local do acidente o 1º autor sofreu paragem cardiorrespiratória e teve que ser reanimado pelo INEM que o sedou e ventilou no local por descida rápida da escala de Glasgow de 10 para 4 (1º).

2.1.14. O mesmo ficou internado na unidade de cuidados intensivos de 23 de setembro a 4 de outubro de 2012 com ventilação mecânica e em coma induzido devido a agitação motora e a um quadro de pneumonia nosocomial de trombocitopenia reativa (2º).

2.1.15. Em 4 de Outubro de 2012 foi transferido para a unidade de cuidados intermédio s onde permaneceu até 8 de outubro seguinte (3º).

2.1.16. Após, foi transferido para a enfermaria, de onde saiu com alta hospitalar em 9 de outubro de 2012 e referenciado à consulta de otorrino para estudo auditivo completo (4º).

2.1.17. Em 10 de Outubro seguinte teve que regressar à urgência por tumefacção e prurido correspondente a presença de coleções aparentemente puras na coxa esquerda com indicação para drenagem ecoguiada (5º).

2.1.18. Após o mesmo passou a ser assistido no Hospital …, onde foi submetido a cirurgia de osteossíntese da clavícula direita e drenagem de seroma na coxa direita, tendo ficado internado nesse hospital desde 12 a 13 de outubro de 2012 (7º).

2.1.19. Na sequência dessa intervenção, o autor iniciou reabilitação que se prolongou até 24.09.2013 (8º).

2.1.20. Dois meses após o sinistro fez estudo auditivo completo, tendo sido dado como curado a nível auditivo (9º).

2.1.21. Em agosto de 2013 o mesmo regressou à sua atividade profissional com limitações do membro superior direito e membro inferior esquerdo, fixando-se nessa data a consolidação médico-legal das seguintes lesões causadas pelo acidente:

c) Dor no tornozelo e ombro direitos.

e) L i g e i r o desvio do septo nasal à esquerda, com obstrução nasal ligeira lenoftalmia direita.

f) Cicatriz angular medindo 14x0,5 cm na região clavicular direita.

g) Cicatriz de abrasão nacarada, medindo 6 x 0, 7 cm no terço superior da face lateral externa da coxa.

h) Dois seromas móveis com 4 cm3 cada na face posterior da coxa.

j) Cicatriz de abrasão nacarada no terço médio da face posterior da coxa, medindo 6/10cm (10º).

2.1.22. Atualmente o 1º autor continua a ter pesadelos com o acidente, dificuldades em dormir, em concentrar-se, apenas sendo capaz de escrever frases curtas e básicas (11º).

2.1.23. O mesmo revive o acidente, sendo também acometido de episódios de raiva e ansiedade quando algo o preocupa (12º).

2.1.24. Essas manifestações são sintomas da síndrome pós-comocional que foi causada pelo sinistro (13º).

2.1.25. No início de 2014, com o aumento da carga de trabalho, o 1º autor começou a sentir dores de ciatalgia e lombalgia com irradiação sobre os músculos da perna e braço esquerdos tendo tentado debelar essas dores com fisioterapia e osteopatia, sem sucesso (14º).

2.1.26. Esses sintomas são causados por hérnia discal (L4-L5) que é consequência provável do acidente (15º).

2.1.27. A consolidação médico-legal das lesões causadas pelo acidente ocorreu em 24 de setembro de 2013, tendo o 1º autor sofrido um período de défice funcional temporário total de 22 dias, um período de défice funcional temporário parcial de 346 dias, e um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 368 dias (16º).

2.1.28. Em consequências das lesões que lhe foram infligidas pelo sinistro o autor está afetado de um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 19 pontos, por perturbação de stress pós - traumático com moderada repercussão na autonomia pessoal, social profissional, dores frequentes com limitação funcional da coluna lombar charneira lombo sagrada , p a r e s t e s i a associada às cicatrizes, perturbação unilateral da ventilação nasal por desvio do septo pós fratura da face ,tendo que desenvolver esforços suplementares para poder exercer a sua atividade profissional (17º).

2.1.29. À data do sinistro o autor exercia, como exerce atualmente, a atividade profissional de “…” por conta própria (18º).

2.1.30. O mesmo praticou as modalidades de … e ….. Tendo sido treinador de participantes do ‘’…..’’(19º).

2.1.31. O mesmo reiniciou a sua atividade profissional, de modo gradual, em agosto de 2013, tendo auferido desde essa data até janeiro de 2014 um rendimento médio mensal de Euros 3.000 (três mil euros) (20º).

2.1.31. Desde julho de 2015 o mesmo exerce essa atividade no ......, onde aufere um rendimento fixo de base equivalente a Euros 849,00 (oitocentos e quarenta e nove euros) e uma remuneração variável que entre julho e novembro de 2015 se cifrou, em média, na quantia de Euros 1.625,77 (21º).

2.1.32. O 1º autor aceitou o projeto no ...... com a expectativa de um acréscimo gradual do número de sessões como “….” e de auferir uma remuneração não inferior a Euros 3.000,00 (três mil euros) (22º).

2.1.33. O mesmo teve despesas com tratamentos, internamentos, exames, consultas, cirurgias e medicamentos no valor de Euros 4.151,36 (quatro mil cento e cinquenta e um euros e trinta e seis cêntimos) (23º).

2.1.34. O mesmo necessitará no futuro de ser sujeito a cirurgia de remoção do material de osteossíntese da clavícula direita, sendo necessários dois dias de internamento correspondente a défice funcional temporário total e 15 dias de repercussão temporária na atividade profissional total, para além de carecer de medicação analgésica de acordo com prescrição médica e consultas das especialidades de Neurocirurgia e Psiquiatria (24º).

2.1.35. O 1º autor vê-se obrigado a reduzir a intensidade de trabalho, pela necessidade de efetuar amiúde alongamentos e relaxamento muscular para aliviar as dores causadas pelas lesões do acidente, no que tange à dor lombar (25º).

2.1.36. O 1º autor sente dores no braço direito, perna esquerda e coluna cervical (26º).

2.1.37. Nos momentos imediatamente anteriores ao embate o 1º autor sentiu pânico e medo de morrer, o qual se intensificou quando foi projetado e embateu no chão (27º).

2.1.38. O medo de morrer manteve-se nos dias que se seguiram quando teve que ser submetido a coma induzido (28º).

2.1.39. Nos primeiros dias de internamento o 1º autor alternou estados de inconsciência com períodos de confusão e mesmo em coma induzido chorava e reagia a estímulos externos (29º).

2.1.40. Por diversas vezes acordou sem saber onde estava, em pânico por se encontrar entubado, com respiração assistida e cateteres nas pernas e braços, sem conseguir falar por causa da entubação (30º).

2.1.41. Em tais situações, o mesmo tentava desintubar-se, engasgava-se no próprio sangue e perdia os sentidos, o que levou à mudança de sedação (31º).

2.1.42. Durante o período em que esteve ventilado era sujeito diariamente à remoção de secreções e à limpeza do tubo de ventilação, ficando em dor e pânico por ser incapaz de respirar (32º).

2.1.43. Durante o internamento no Hospital …. perdeu aproximadamente 20kgs (33º).

2.1.44. O 1º autor sofreu dores de grau 5 (cinco) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente (34º).

2.1.45. Após o acidente, o 1º autor sofreu de episódios de perda de memória, alternados com acessos em que não distinguia a realidade dos sonhos e era incapaz de acompanhar uma conversa ou de se concentrar (35º).

2.1.46. Entre 22/09/2012 e 13/10/2012 o mesmo necessitou da ajuda de terceiros para tomar banho e vestir-se, o que lhe causava frustração (36º).

2.1.47. À data do acidente o 1º autor competia em “….” e “….”, treinava “….” e praticava ….., o que lhe trazia alegria de viver (37º).

2.1.48. Atualmente em consequência das lesões infligidas pelo acidente o mesmo está impedido de praticar esses desportos, o que lhe causa desgosto, sendo a repercussão permanente das lesões nas atividades desportivas e de lazer de grau 4 (quatro) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente (38º).

2.1.49. O 1º autor sente-se triste e angustiado em virtude do desvio no septo nasal, da assimetria da face, das cicatrizes e das limitações funcionais, os quais representam um dano estético de 4 (quatro) numa escala de 7 (sete) graus (39º).

2.1.50. O motociclo valia, à data do sinistro, Euros 7.000,00 (sete mil euros) e por consequência desse evento ficou totalmente inutilizado, tendo sofrido danos cuja reparação é de valor superior àquele outro (40º).

2.1.51. O mesmo motociclo tinha matrícula de março de 2008 e 10.000 Km à data do sinistro (42º).

2.1.52. As duas faixas de trânsito que compõem a Rua …. na …, …., são delimitadas por uma linha longitudinal descontínua (44º).

2.1.53. No sentido de marcha do motociclo existia, à data do sinistro, um sinal vertical de passagem para peões e a passadeira desenhada no pavimento (45º).

2.1.54. Ao aproximar-se da área de serviço da “R.....” o condutor do BX executou a mudança de direção à esquerda, sem confirmar todo o trânsito do sentido oposto estava imobilizado para permitir a travessia de peões naquela passadeira (46º).

2.1.55. Ao efetuar a mudança de direção, o BX veio a ser embatido na parte lateral direita pela parte esquerda do motociclo conduzido pelo 1º autor (47º).

2.1.56. Antes desse embate o 1º autor contornou os peões que atravessavam a faixa de rodagem e prosseguiu a sua marcha, ultrapassando pela esquerda os veículos que estavam imobilizados na faixa por onde seguia (48º).

2.1.57. Quando se apercebeu da presença do veículo BX o 1º autor tentou travar, mas o motociclo entrou em despiste, tombou e deslizou no pavimento até embater naquele outro (49º).

2.1.58. Antes da data referida em 2.1.11. (al. K) a seguradora de danos próprios do motociclo informou o 2º autor ter colocado à sua disposição a quantia de € 5600,00, já deduzida da franquia de € 1400,00, ficando o salvado para a seguradora, proposta não aceite pelo 2º autor (52º).

2.1.59. O salvado, avaliado em € 1228,00, ficou na propriedade do 2.º autor.

9. Por sua vez, foi considerado não provado que:

2.2.1. Devido à crise de ansiedade e à agitação em que o 1º autor se encontrava por ter regressado ao hospital, foi-lhe dada alta nesse dia com indicação de cuidados médicos em casa (6º).

2.2.2. Para suprir a falta desse motociclo o 2º autor recorreu à ajuda de terceiros nas suas deslocações (41º).

2.2.3. O valor de aluguer de um motociclo novo ou seminovo com características semelhantes ao interveniente no sinistro situa-se entre Euros 45 (quarenta e cinco euros) e 152,06 (cento e cinquenta e dois euros e seis cêntimos) por dia (43º)

2.2.4. Esse embate ocorreu quando o veículo BX já se encontrava no interior do parque da área de serviço da R..... (50º)

2.2.5. Antes do sinistro e quando circulava na Rua …., no sentido …./ ….., o 1º autor conduzia o motociclo fazendo ultrapassagens e “cavalinhos”, comportamento que manteve na Rua …., serpenteando por entre os veículos e fazendo desvios para evitar colisões com os mesmos e com peões (51º).


***

III – Fundamentação de Direito

10.  Das nulidades imputadas ao acórdão recorrido

O recorrente veio alegar que não se mostram cumpridas pela Relação as exigências de fundamentação e reapreciação da prova produzida exigidas pelo disposto nos arts. 607º, nº 4 e 662º, nº 2, do CPC, o que, em seu entender, configura as nulidades por falta de fundamentação e omissão de pronúncia previstas no art. 615º, nº1, als. b) e d), do CPC.

Concretamente, afirma que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre os depoimentos de determinadas testemunhas que, na sua perspetiva, impunham uma decisão diversa quanto a alguns factos, além de que não relevou as contradições e incongruências patentes em certo depoimento, a respeito dos mesmos factos.

Por outro lado, imputa ao acórdão a nulidade referida no art. 615º, n.º 1, al. c), com a alegação de que “o resumo de um depoimento efetuado pela Relação é incompreensível”.

Ora bem.

É entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que o vício da sentença previsto no nº 1, al. b), do art. 615º, do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no art.º. 666º, nº1, do CPC, só se verifica quando a falta de fundamentação seja absoluta.

Por conseguinte, se a decisão recorrida discriminar os factos tidos por provados e não provados e indicar e interpretar as normas jurídicas aplicadas, não se verifica a nulidade por falta de fundamentação.

Sendo assim, uma vez que o acórdão recorrido contém a indicação das razões de facto e de direito em que se baseou a decisão nele proferida, pode afirmar-se, sem necessidade de outras explanações, que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação.

Por seu turno, as deficiências da motivação da decisão de facto e o não uso ou o uso deficiente pela Relação dos poderes que lhe são atribuídos pela lei processual, em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, também não integram a nulidade por omissão de pronúncia, a que se refere o art. 615º, nº1, al. d), 1ª parte, do CPC.

Na verdade, muito embora o atual Código de Processo Civil tenha concentrado, na sentença final, o julgamento da matéria de facto, há que distinguir os vícios de que possa enfermar a decisão de facto dos que possam afetar a decisão sobre o mérito, uma vez que as patologias ocorridas no plano da decisão de facto (cf. art. 607º,  nºs 1 a 4 do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do estatuído no art. 663º, nº2, do mesmo Código) não constituem as nulidades previstas no art. 615º, do CPC que enuncia – com caráter taxativo – as causas de nulidade da sentença.[2]

Improcede, pois, a alegação do recorrente.

11. Do (in)cumprimento dos ónus previstos no art. 640º, do CPC

No recurso de apelação interposto da sentença, ao 1º autor impugnou determinados factos e, apoiando-se na prova produzida, sustentou a alteração do decidido, nessa parte.

O Tribunal da Relação, porém, relativamente aos factos impugnados que foram dados como provados sob os nºs 2.1.31 e 2.1.31,[3] considerou que o ali apelante não indicou a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre os mesmos, omissão que, a coberto do disposto no art. 640º, nº1, al. b), do CPC, conduziu à rejeição do recurso quanto à reapreciação da decisão relativa à aludida matéria de facto.

Nesta revista, está precisamente em causa a questão de saber se o Tribunal recorrido, ao rejeitar o recurso de facto, quanto aos ditos factos impugnados, violou as normas processuais relativas à modificabilidade da decisão de facto, mais concretamente o disposto no art. 640º, do CPC, em que se estabelece que:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

(…)”.

Pois bem.

Relativamente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, tem sido acentuado que o cumprimento dos ónus que recaem sobre o recorrente deve ser apreciado à luz de um “critério de rigor”[4], assim se evitando impugnações injustificadas e o uso de instrumentos processuais, com fins meramente dilatórios.

Vem, a propósito, recordar que a alteração legislativa conducente à criação de um  efetivo segundo grau de jurisdição, em matéria de facto, teve em vista, como expressamente afirmado no preâmbulo do Dec. Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, facultar “às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais - e seguramente excecionais - erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito.”, embora tal garantia não possa nunca “envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência.”.

No mesmo texto, o legislador sentiu ainda a necessidade de assinalar que: “A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.”.

E que: “Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das Relações (resultante da nova redação do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correta.”.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo, no entanto, a salientar que «o sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no nº1 do art. 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhe estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto - cf., entre outros, o acórdão proferido em 10.12.2020, no proc. nº 274/17.8T8AVR.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins e o acórdão de 7.11.2019, proc. n.º 8141/15.3T8GMR.L1.S1, de que foi relator o Conselheiro Oliveira Abreu, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Importa, afinal, conciliar o princípio da autorresponsabilidade das partes que as obriga ao cumprimento de regras muito precisas no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência a aspetos de ordem material, e não formal.

Por sua vez, quanto a saber se os requisitos que o recorrente deve observar devem constar das conclusões recursórias ou apenas do corpo das alegações, temos entendido, em consonância com a jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal[5], que o recorrente deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, na motivação, deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Feito este breve enquadramento, regressemos ao caso dos autos.

Nas alegações apresentadas no recurso de apelação, o ali apelante insurgindo-se contra a decisão proferida pela 1ª instância, no plano dos factos, designadamente quanto à matéria atinente à remuneração média mensal auferida no exercício da sua atividade no ......, ínsita no ponto 2.1.31, que transcreveu, identificou os meios de prova que considerou incorretamente valorados e indicou a decisão que, em seu entender, deveria ser proferida.

Esta alegação mostra-se, no essencial, reproduzida nas conclusões (cf. pontos 1 a 4), já que delas consta não só a referência à decisão impugnada, mas também a indicação da prova que, na sua perspetiva, justifica a alteração do decidido e a decisão que devia ser proferida.

Diremos, assim, que se não vislumbram razões que obstem ao conhecimento do recurso de apelação, na parte em que é impugnada a decisão sobre a referida matéria de facto, no âmbito dos poderes que estão atribuídos à Relação.

Em face do exposto, somos levados a concluir que o acórdão recorrido violou as pertinentes disposições legais, no domínio da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto em causa, pelo que é inequívoca a procedência do invocado fundamento da presente revista, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na revista.

IV – Decisão

12. Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em anular o acórdão recorrido, na parte em que rejeitou o conhecimento do recurso quanto à impugnação da matéria ínsita no ponto 2.1.31, atinente ao montante da remuneração média mensal auferida pelo autor no ......, desde julho de 2015, determinando que o processo volte à Relação a fim de, por intermédio dos mesmos Juízes, se possível, ser apreciado o recurso da decisão sobre a matéria de facto, naquela parte.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 8.4.2021

Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado

1º Adjunto: Oliveira Abreu

2º Adjunto: Ilídio Sacarrão Martins

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, do Decreto-Lei nº 20/2020, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade.

_______

[1] Atualmente, Generali Seguros, S.A.
[2] Cf., neste sentido, entre muitos, o ac. do STJ de 15.2.2018, proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1, www.dgsi.pt.
[3] Certamente por lapso, os factos em questão têm a mesma numeração.
[4] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 159.
[5] V., entre outros, o acórdão de 19.02.2015, proc. no 99/05.6TBMGD.P2.S1, www.dgsi.pt.