Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES CORREIO DE DROGA PREVENÇÃO GERAL | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - A droga é um factor que mais condiciona a vida das famílias, pois que pode vir a afectar qualquer pessoa em qualquer idade, razão pela qual há que lhe prestar contínua e permanente atenção e especial prevenção, até porque os factores sociais inibidores de venda de droga cada vez mais se atenuam face ao lucro e condições de vida que este gera nos seus agentes, sendo que cada vez mais, é praticado por todo o arguido que se mostra socialmente inserido, não revelando o modo “subterrâneo” da sua atuação que procura ocultar. II - Mais que reinserção social (conduta aparentemente conforme ao direito) há que efectivamente acentuar ao arguido a necessidade de operar interiormente uma mudança dos valores jurídicos que prossegue ou caso não pretenda, fazer notar à comunidade que a norma infringida está vigente e alerta punindo os comportamentos que a põem em causa. III - Existe uma forte jurisprudência de que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefaciente deve atender-se às fortes razões de prevenção geral em face da frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências (danosidade social) para a comunidade e para o individuo em especial a impor uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico IV- Como factor de exigência de maior prevenção geral há que anotar que o trafico internacional, incluindo vindo do Brasil, de estupefacientes se tem acentuado, transformando o nosso país não apenas de placa giratória de tal tráfico, mas também aumentando o seu consumo ( a que não será alheio o seu elevado nível turístico que potencia o seu maior consumo) V - O “referente jurisprudencial” no que aos correios de droga se refere revela-se insuficiente para controlar tal atividade imensamente lucrativa, implicando uma provável atualização dessa moldura face às condicionantes atuais e às exigências de prevenção. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça No Proc. C.C. n.º 407/24.8JELSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 2 em que é arguido AA, Foi por acórdão de 4/6/2025 proferido a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os juízes que constituem o Tribunal Coletivo em: a) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1, do artigo 21, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B, na pena efetiva de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão; b) declarar, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 109, do Código Penal e artigos 35 e 36, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, perdidos a favor do Estado a substância estupefaciente, a quantia pecuniária e o aparelho de telecomunicação apreendidos; c) determinar a destruição da substância estupefaciente apreendida, nos termos do disposto no n.º 6, do artigo 62, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro; d) ordenar a comunicação ao Gabinete de Combate à Droga do Ministério da Justiça, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 64, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro; e) condenar o arguido AA na pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos conjugados do disposto no artigo 34, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro e nos artigos 134, n.º 1, alíneas e) e f), 140, n.º 2 e 151, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, com a redação da Lei n.º 29/2012, de 09 de agosto; f) condenar o arguido AA no pagamento de taxa de justiça que se fixa em 3 (três) U.C. e nas custas do processo, – cfr. artigos 513 e 514, todos do Código Penal e n.º 5, do artigo 8º, do Regulamento das Custas Processuais; e g) determinar, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 8º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, a recolha de amostra de ADN ao arguido AA, com os propósitos referidos no n.º 3, do artigo 18, do mesmo diploma legal, determinando-se que se oficie ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito. (…)” Recorre o arguido, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: 1. O Recorrente foi submetido a julgamento e condenado numa pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo N.º 1, do Artigo 21.º, do Decreto-Lei N.º 15/23, de 22 de Janeiro, e na pena acessória de expulsão do Território Nacional pelo período de 5 (cinco) anos. 2. O presente Recurso tem como objecto, exclusivamente, matéria de Direito, nomeadamente a medida da pena aplicada ao Recorrente. 3. Foram dados como provados os factos que constituem pontos 1 a 27 do Acórdão recorrido. 4. O Recorrente é aquilo que, vulgarmente, se denomina “correio de droga”, sem qualquer ligação à cúpula da estrutura internacional de tráfico de estupefacientes. 5. Confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados na acusação pública e é delinquente primário. 6. O Recorrente em meio prisional não regista infrações disciplinares e encontra-se a trabalhar. 7. Nos termos do disposto no Artigo 71.º, N.º 2, Als. d) e e), do Código Penal, para determinação da medida da pena e além do mais, são consideradas as condições pessoais do agente e a sua situação económica, bem assim como, a conduta anterior e posterior ao facto. 8. No caso em apreço, todas estas circunstâncias depõem a favor do Recorrente, pelo que deveriam e devem ser tidas em consideração na medida concreta da pena. 9. As condições pessoais do Recorrente e da sua conduta anterior e posterior aos factos denotam também serem diminutas as exigências de prevenção especial. 10. Porque todas as referidas circunstâncias demonstram que as exigências de prevenção especial se encontram substancialmente mitigadas, e afigura-se-nos que a pena deve ser reduzida. 11. Assim, a pena a aplicar ao Recorrente deve situar-se entre os 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e os 5 (cinco) anos. 12. O Tribunal ao decidir como decidiu violou o disposto no Artigo 71.º, do Código Penal.” Respondeu o Mº Pº, pugnando pela improcedência do recurso. Enviado o processo ao tribunal da Relação de Lisboa, por decisão sumária de 28/7/2025 declarou-se incompetente. Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA é de parecer que o recurso deve improceder. Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP Não foi apresentada resposta Colhidos os vistos procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal. Cumpre apreciar. Consta do acórdão recorrido (transcrição): “III – Fundamentação de facto: A matéria de facto provada é a seguinte: 1. Em momento não concretamente apurado, mas anterior a 19 de setembro de 2024, o arguido AA, juntamente com outros indivíduos cuja identidade não logrou apurar-se, decidiu transportar produto estupefaciente do Brasil para Portugal, mediante o pagamento de retribuição não concretamente apurada. 2. Assim, e na execução do referido plano, no dia 19 de setembro de 2024, pelas 10 horas e 35 minutos, o arguido chegou ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, no voo TP88, proveniente de São Paulo – ..., Brasil. 3. O arguido trazia então 10 (dez) embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso global líquido de 2 994,800g (dois mil novecentos e noventa e quatro gramas e oitocentos miligramas), distribuídas da seguinte forma: − 8 (oito) embalagens coladas às respetivas pernas; − 2 (duas) embalagens nas solas das sapatilhas que calçava 4. O arguido tinha ainda consigo: − 1 (um) telemóvel de marca Apple, modelo Iphone, o qual se destinava a ser utilizado nos contactos entre si e os demais indivíduos acima referidos, para receber instruções para a viagem e entrega do produto estupefaciente no destino; − a quantia de 700,00 € (setecentos euros), para fazer face às despesas inerentes à viagem para transporte do produto que lhe foi apreendido. 5. O arguido conhecia perfeitamente a natureza e as características estupefacientes do produto que trazia consigo, tendo acedido ao respetivo transporte por lhes ter sido prometida retribuição no valor de 25 000 R$ (vinte e cinco mil reais). 6. Atuou em conjugação de esforços e de intentos e na sequência de prévia combinação com terceiros cuja identidade não logrou apurar-se e de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a detenção, transporte e comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei. 7. O arguido nasceu no Brasil, possui nacionalidade brasileira, tem família, atividade profissional e residência nesse país. 8. Não possui familiares, residência ou atividade profissional em território português. 9. A sua viagem para Portugal teve como única finalidade o transporte de cocaína, destinada à venda a terceiros. * Mais resultou provado que: 10. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta. * 11. O arguido é natural do Brasil, sendo que o seu processo de desenvolvimento decorreu junto dos seus progenitores, sendo o progenitor trinta anos mais velho que a progenitora. 12. Faziam ainda aparte do seu agregado familiar os seus três irmãos germanos, sendo o terceiro da fratria. 13. A sua infância decorreu num ambiente e numa dinâmica familiar pautada por dificuldades económicas, dada a situação de reforma antecipada por questões de saúde do seu progenitor, registando-se, porém, afetividade e entreajuda entre os seus elementos. 14. O seu progenitor faleceu quando o arguido contava 12 (doze) anos de idade, pelo que era a sua progenitora, empregada de limpeza, o seu único apoio. 15. Ao nível das habilitações literárias, concluiu o 12º ano de escolaridade, através da frequência de um curso profissional na área da gastronomia, adquirindo, assim, competências na área da restauração. 16. O arguido apresenta um percurso profissional com hábitos e rotinas de trabalho desde os 15 (quinze) anos de idade, na área da construção civil, o que, coadjuvado com a frequência escolar, lhe permitiu uma progressiva e precoce independência financeira. 17. Há cerca de 5 (cinco) anos mantém uma relação afetiva estável e positiva, da qual nasceu uma filha única com 4 (quatro) anos de idade. 18. À data dos factos, a companheira e a sua filha tinham regressado para o agregado familiar de origem, passando a sua companheira a desempenhar a atividade de comercialização de produtos cosméticos online. 19. O arguido vivia sozinho há cerca de 3 (três) meses por relação à data da prática dos factos, no município de ..., no Estado de Santa Catarina, num apartamento arrendado, de tipologia T1. 20. A mudança ocorreu considerando a precariedade económica e a procura por maiores oportunidades de trabalho, sendo que antes residia em habitação própria da família, de tipologia T2, onde coabitavam a sua progenitora, a sua companheira e a filha. 21. À data dos factos, o arguido encontrava-se laboralmente inserido, com contrato de trabalho formalizado, desempenhando funções das 07 às 18 horas, como ajudante de uma empresa de locação de materiais para festas e eventos, e das 19 horas à 01 hora, numa pizzaria. 22. A sua situação financeira era precária, auferindo um rendimento total de 3 200 R$ (três mil e duzentos reais), o que lhe permitia pagar a renda da sua habitação, no valor de 1 200 R$ (mil e duzentos reais) e o envio de 400 R$ (quatrocentos reais) para a sua companheira, a fim de contribuir para as despesas da filha comum. 23. Ao nível dos tempos livres, frequentava o ginásio e dedicava-se à família. 24. Não lhe são conhecidos quaisquer problemas de saúde ou problemáticas aditivas. 25. Em contexto prisional mantém um comportamento de acordo com as regras institucionais, sem registo de infrações disciplinares, integrando funções de faxina. 26. O arguido não recebe visitas, recebe apoio económico de uma irmã e a progenitora desconhece a sua situação de reclusão. 27. Assim que a sua situação jurídico-penal o permitir, procurará regressar ao seu país de origem, a fim de reorganizar a sua vida socioeconómica e profissional, voltando a residir com a sua companheira e filha. *** Não resultou por provar qualquer matéria de facto. *** O Tribunal fundou a sua convicção nos seguintes termos: A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova que infra se descreverá, tendo em conta as declarações do arguido, os documentos, a prova pericial e ainda as regras de experiência comum e da normalidade das coisas, sobretudo face à tipologia habitual dos casos como o dos autos. A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Juiz, nos termos do disposto no artigo 127, do Código de Processo Penal. No entanto, não se confunde esta, de modo algum, com apreciação arbitrária de prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. É dentro dos tais pressupostos valorativos da obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica, que o julgador se deve colocar ao apreciar livremente a prova, refletindo sobre os factos, utilizando a sua capacidade de raciocínio, a sua compreensão das coisas, o seu saber de experiência feito. É a partir desses fatores que se estabelece, realmente, uma tarefa (ainda que árdua) que se desempenha de acordo com o dever de prosseguir a verdade material. Em conformidade com o disposto no n.º 2, do artigo 374, do Código de Processo Penal, é nosso dever, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a nossa convicção, fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade (cfr. alínea a), do artigo 379, do Código de Processo Penal), o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro. Os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduzem à formação da convicção do tribunal em determinado sentido e não noutro, devem ser revelados aos destinatários da decisão que são, não apenas os sujeitos processuais mas também a própria sociedade, o conjunto dos cidadãos. O Tribunal tem de esclarecer porque é que valorou de determinada forma e não de outra os diversos meios de prova carreados para a audiência de julgamento. Só assim se permite aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe, inequivocamente, o artigo 410, do Código de Processo Penal. Deve, assim, a decisão sobre a matéria de facto assegurar pelo conteúdo um respeito efetivo pelo Princípio da Legalidade, pela independência e imparcialidade dos juízes. Foi à luz deste exato sentido e alcance da Lei, que se procedeu à apreciação das provas constantes dos autos e examinadas em audiência, afinal, as únicas que podem valer para a formação da convicção do tribunal, nos precisos termos do n.º 1, do artigo 355, do Código de Processo Penal. * Concretizando: O Tribunal formou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido AA que reconheceu a veracidade dos factos constantes da acusação, o que constituiu uma confissão livre, sem qualquer coação, integral e sem reservas, nos termos que assim foram julgados na audiência de julgamento. Tais declarações permitiram ao Tribunal julgar como provados os factos 1. a 13. – cfr. artigo 344, do Código de Processo Penal. O Tribunal tomou ainda em consideração, na formação da sua convicção, o teor do auto de notícia e de detenção em flagrante delito de fls. 2 a 5, quanto à data, hora e local de acontecimento dos factos, reportagem fotográfica de fls. 8 a 10, auto de teste rápido e pesagem de fls. 11 e 12, auto de apreensão de fls. 15 e 16, reserva de fls. 17 e 18, reserva de hotel de fls. 19, termo de consentimento de fls. 20 e 57, guias de depósito de fls. 21, 22, 59 e 68, relatório pericial de fls. 101, relatório social de fls. 131 a 133 e certificado do registo criminal de fls. 156.” + O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 este do seguinte teor: “ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo”, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100, constituindo a “revista alargada”, pelo que são as seguintes as questões a conhecer: Competência deste Supremo Tribunal Medida da pena + Porque prejudicial ao conhecimento das questões recursivas, importa solucionar a questão da competência deste Supremo Tribunal face à declaração de incompetência do Tribunal da Relação para conhecer do recurso interposto pelo arguido. Apreciando. O nosso entendimento é o de que efectivamente é competente o Supremo Tribunal para conhecer do recurso interposto. Na verdade dispõe o artº 432º 1 c) CPP que: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…) c) De acórdãos finais proferidos … pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;” Ora tendo sido proferido acórdão pelo tribunal colectivo e o arguido condenado na pena de 5 anos e 3 meses de prisão e estando apenas em causa matéria de direito (a medida da pena aplicada), é o Supremo Tribunal o competente para apreciar o presente recurso. E entrando na sua apreciação, questiona o arguido a pena aplicada que pretende seja fixada entre os 4 anos e 6 meses e os 5 anos de prisão, e para tanto invoca o ser correio de droga, ter confessado integralmente os factos, estar a trabalhar na prisão e sem incidentes, e as condições pessoais do agente e a sua situação económica, bem assim como, a conduta anterior e posterior ao facto, sendo mitigadas as exigências de prevenção especial. Sobre esta matéria, anota o acórdão recorrido: “Ter-se-á em atenção: A. o elevado grau de ilicitude do facto, considerando, designadamente: ►tratar-se de tráfico internacional de estupefacientes; ►a natureza do produto – cocaína (cloridrato); ►a quantidade apreendida – peso líquido total de 2 994,800g (dois mil novecentos e noventa e quatro gramas e oitocentos miligramas); ►o método do transporte, dissimulação junto ao corpo e no calçado; B. a culpa do arguido também ela elevada, atendendo: ►à revelada desconsideração pelos valores protegidos pela norma – saúde humana; ►à determinação de benefício económico rápido e desproporcional ao esforço humano empreendido; ►à modalidade do dolo – direto; C. o comportamento do arguido anterior e posterior aos factos, que nos dá conta do episódio de natureza pontual, praticado por pessoa trabalhadora, que pretendia alegadamente solucionar a precaridade económico-financeira; D. a colaboração na descoberta da verdade, sem grande relevância atendendo à situação de flagrante delito, revelando, contudo, sentido crítico; E. as suas condições socioeconómicas e familiares que dificultarão a sua reintegração. Os fatores elencados em A., B. e E. pesam desfavoravelmente na determinação da medida concreta da pena, enquanto os factos elencados em C. e D. pesam favoravelmente. * A tudo isto acrescem as exigências de prevenção geral, porquanto, se trata de infração que exige uma resposta institucional intensa e eficaz, sobretudo de carácter preventivo. Certo é que com o consentimento e conhecimento do arguido, foi-lhe facilitado o caminho na qualidade de “correio de droga”. O facto de o arguido ser “correio” não atenua a culpa do mesmo, já que o transporte da droga a troco de remuneração pecuniária é tão ou mais grave do que a sua venda direta – cfr. neste sentido o Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça proferido pela 3ª Secção, no processo com o n.º 181/12.0JELSB, em que foi Relator o Colendo Juiz Conselheiro Armindo Monteiro, datado de 06 de fevereiro de 2013 (onde se citam outros arestos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos nos autos de processo crime com os n.ºs 806/08, 24/09.2JELSB, 67/09.6JELSB, 137/09.0JELSB, 312/09.8JELSB, 7/09.2ABPRT, 77/11.3JELSB, 369/09.1JELSB e 1049/96), onde se pode ler, entre o mais, que: “Os «correios de droga» são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, não merecendo um tratamento penal de favor. De facto, torna-se mais difícil a sua detenção e apreensão, não se deixando contra motivar pelas consequências perniciosas do seu acto, demonstrando arrojo, audácia e dolo intenso, insensibilidade e ganância, porquanto, a troco de uma compensação, se dispõem a fazer o transporte da droga até ao local da sua entrega, apesar de saberem da ilegalidade desse transporte.” Também neste sentido, cfr., por todos, o Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, em que foi Relator o Colendo Juiz Conselheiro Santos Carvalho, datado de 04 de setembro de 2008, a consulta in www.dgsi.pt, sob o n.º de processo: 08P2378, que refere: “I – Num quadro legal que determina a fixação da pena entre 4 e 12 anos de prisão, pode apontar-se a ilicitude como elevada, pois o transporte internacional de droga constitui um elo essencial para as redes organizadas poderem exercer o seu comércio entre os continentes. Daí que o facto do recorrente ser um mero «correio» de droga não deva ser desvalorizado, muito pelo contrário, torna prementes as exigências de prevenção geral.” Relativamente às suas condutas posteriores ao crime, as mesmas deverão ser tomadas em consideração, na medida em que admitiu a prática dos factos, assumido a sua responsabilidade nos termos dados como provados. Importa, então, aplicar ao arguido pena de prisão que, fixando-se ainda assim próximo do seu limite mínimo, reflita e seja apta a tutelar todos os circunstancialismos referidos. Por estas razões, atentas todas estas circunstâncias e o grau de culpa do arguido, atendendo ainda às demais condições pessoais e económicas do mesmo, entendemos adequado condenar: - o arguido AA, numa pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, pelo cometimento, em autoria e na forma consumada de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;” Do transcrito se vê não apenas que os fatores elencados pelo recorrente se mostram ponderados, bem como a observância das regras e princípios sobre a determinação da medida da pena e ainda que foram observadas as circunstâncias provadas do artº 71º CP, tal como não se mostra que tenham sido ponderadas circunstancias que não o devessem ser, ou deixadas de ponderar circunstancias que o devessem ser. Na verdade há que anotar que não pode deixar de se ponderar como fez há muito o STJ, entre muitos outros, no ac. de 09/06/2004, in CJ Ac STJ XII-II-221, que “os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e incomensuráveis danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as fracturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através de reciclagem contaminam a economia legal” e ainda tendo presente que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, cujo bem jurídico a proteger é a incolumidade pública na vertente da saúde pública - Ac. STJ 23/7/85, BMJ 349º 293 - e que põe em causa a vida, a integridade física e a liberdade de virtuais consumidores e, afeta a vida em sociedade dificultando a inserção social do consumidor e possuindo efeitos criminogenos - Ac.T.C. 7/6/94 DR 2ªs de 27/10/94 - face ao qual é reclamada uma cada vez mais severa punição; a droga é e continua a ser e desde há muitos anos a ser a 1ª preocupação da sociedade atual, e o factor que mais condiciona a vida das famílias, pois que pode vir a afectar qualquer pessoa em qualquer idade, razão pela qual há que lhe prestar contínua e permanente atenção e especial prevenção, até porque os factores sociais inibidores de venda de droga cada vez mais se atenuam face ao lucro e condições de vida que este gera nos seus agentes, sendo que cada vez mais, é praticado por todo o arguido que se mostra socialmente inserido, não revelando o modo “subterrâneo” da sua atuação que procura ocultar. Nestes casos mais que reinserção social (conduta aparentemente conforme ao direito) há que efectivamente acentuar a necessidade de operar interiormente uma mudança dos valores jurídicos que prossegue ou caso não pretenda, fazer notar à comunidade que a norma infringida está vigente e alerta punindo os comportamentos que a põem em causa. Como continuamente o STJ tem acentuado, os correios de droga são elo essencial neste tráfico, conhecendo e correndo os riscos, em face da vigilância a que essa atividade se encontra submetida em troca de vários milhares de Euros, e assim se justifica que “… ao nível do ilícito, há que considerar o elevado grau de perigo pela forma como são colocados em causa valores fundamentais da vida em comunidade com a finalidade de conseguir vantagem em temos patrimoniais” e “…deve salientar-se a relevância específica, no que toca às necessidades de prevenção geral, das situações de tráfico de estupefaciente em que os denominados «correios de droga» assumem papel essencial.” “…não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos «correios» na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos, os mesmos «correios» têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal.”1 e porque “os chamados correios de droga (The mules) são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes, contribuindo, de modo direto e com grande relevo, para a disseminação deste flagelo, à escala global, pelo que não merecem um tratamento penal de favor.”2 Cremos assim existir uma forte jurisprudência de que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefaciente deve atender-se às fortes razões de prevenção geral em face da frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências (danosidade social) para a comunidade e para o individuo em especial a impor uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico, tanto mais que apesar desse combate (e dos enormes custos que isso envolve) este se acentua e cresce, quiçá fruto de uma desadequação do regime sancionatório à realidade do tráfico3. Como factor de exigência de maior prevenção geral há que anotar que o trafico internacional, incluindo vindo do Brasil, de estupefacientes se tem acentuado, transformando o nosso país não apenas de placa giratória de tal tráfico, mas também aumentando o seu consumo ( a que não será alheio o seu elevado nível turístico que potencia o seu maior consumo) Ora tendo em conta todo o condicionalismo da sua acção e a moldura penal do crime - 4 a 12 anos de prisão, sendo o meio da pena abstrata de 8 anos de prisão, as exigências de prevenção geral e até as exigências de prevenção especial, a condenação em apenas 5 anos e 3 meses de prisão, se peca é por defeito por desajustada aos factos e à culpa e motivação da arguida. Na verdade, todos os factos apontados pela recorrente foram tidos em conta na pena aplicada e nada de relevante se vê na vida da arguido que possa levar à aplicação de uma menor pena, pois quer a ilicitude da sua acção quer a sua culpa não o permitem e muito menos o permitem as exigências de prevenção quer geral, que são acentuadíssimas, quer especial pois estamos perante uma pessoa adulta que sabe o que quer e como quer conduzir a sua vida, mas não lhe pode ser permitido que o faça à custa da vida e da saúde de consumidores de droga, e fê-lo a troco de dinheiro, tal como o faz qualquer traficante / dono da droga. A sua confissão dos factos, na medida em que o foi, não assume relevo, face à prova existente e à investigação desenvolvida pelas autoridades, e à apreensão no seu corpo da droga que junto a ele transportava4. De igual modo neste contexto a ausência de antecedentes criminais é de escasso relevo, e a sua conduta prisional é a que se exige de qualquer recluso, mas nenhuma destas circunstancias favoráveis ao arguido faz esquecer as exigências de prevenção especial acentuadas face à energia criminosa que teve de despender para agir transportando consigo junto ao corpo três quilos de cocaína de elevado valor e perigosidade, passando por controlos de segurança e de alfandega, a troco de uma quantia monetária, sabendo da potencialidade lesiva desta, pelo que não existe qualquer circunstancia determinativa da diminuição da pena aplicada. É certo que está estabilizada jurisprudencialmente, desde há vários anos em situações similares uma “moldura” concreta de 5 a 7 anos de prisão5, “referente jurisprudencial” o que face à continua expensão do tráfico de droga em geral e pelos meios em analise em particular, se revela insuficiente para controlar tal atividade imensamente lucrativa, implicando uma provável atualização dessa moldura face às condicionantes atuais e às exigências de prevenção. Assim, as exigências de prevenção geral e face ao motivo da sua atuação igual ao de qualquer outro traficante imporiam uma pena de prisão mais acentuada, até pela desactualização da Jurisprudência citada que descura a nova realidade, no que ao acentuado trafico de droga respeita, que se vive em Portugal. Todavia em face do principio da “reformatio in pejus” tal não é possível nestes autos e por isso também inexiste motivação suficiente para diminuir a pena aplicada ao arguido na qualidade de correio de droga, pelo que a aplicada não ofende em prejuízo do arguido os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade Improcede assim esta questão e com ela o recurso. + Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça decide: Julgar improcedente o recurso do arguido AA, e em consequência mantém a decisão recorrida. Condenar o arguido na taxa de justiça que fixa em 6 UC, e nas demais custas (artº 513º CPP e Tabela III RCJ). Notifique e DN + Lisboa e STJ, 1/10/2025 José A.V. Carreto (relator) Maria Margarida Almeida Antero Luis __________
1. Ac. STJ 11/4/2012 proc 1/11.8JELSB.S1 Cons. Santos Cabral in www.dgsi.pt. 2. Ac.STJ de 4/6/2024 Proc 53/23.3JELSB.L1.S1 Cons. Pedro Branquinho Dias in www.dgsi.pt; cfr. também Ac STJ de 15/2/2023 proc 78/22.6JELSB.S1 Cons. Teresa de Almeida onde se expende: “I. A essencialidade do papel de transporte aéreo de substâncias estupefacientes, na distribuição internacional por rotas determinadas, pese embora se esgote no ato, tem sido justamente realçada em consistente jurisprudência deste Tribunal. II. Nessa medida, assume uma dimensão elevada de ilicitude que, naturalmente, se acentua com a quantidade e grau de pureza do estupefaciente transportado, ou seja, com a potencialidade de dano concreto que representa. III. A diferenciação, na determinação e medida da pena, assenta (além de outras circunstâncias pessoais especificas dos arguidos), em interpretação da natureza do bem jurídico protegido, da natureza dos crimes de tráfico - com apoio na formulação de um dos tipos agravados (al. b) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93), na quantidade de substância estupefaciente transportada, por gerar uma capacidade de afetar um conjunto de dimensão variável de consumidores.” Cfr. ainda o ac. STJ de 8/11/23 Proc 8/21.2F1PDL.L1.S1 Cons. Ernesto Vaz Pereira, www.dgsi.pt. 3. Como temos acentuado nomeadamente no ac. STJ 16/10/24 proc. 496/23.2JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt, que seguimos de perto; 4. Ac STJ 6/2/2013 Proc 181/12.0JELSB.L1.S1 Cons. Armindo Monteiro, www.dgsi.pt onde assinala “III - Os «correios de droga» são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, não merecendo um tratamento penal de favor. De facto, torna-se mais difícil a sua detenção e apreensão, não se deixando contra motivar pelas consequência perniciosas do seu acto, demonstrando arrojo, audácia e dolo intenso, insensibilidade e ganância, porquanto, a troco de uma compensação, se dispõem a fazer o transporte da droga até ao local da sua entrega, apesar de saberem da ilegalidade desse transporte. IV - A confissão é de valor reduzido, pois à arguida, detida em flagrante delito no controle policial alfandegário do Aeroporto de Lisboa, poucas alternativas de defesa lhe restavam. A declaração de arrependimento não se confunde com o verdadeiro arrependimento, que é a constatação pelo tribunal de que o arguido interiorizou os maus efeitos do crime, que se inadequa à sua personalidade, convencendo da acidentalidade do acto.” |