Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
| Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
| Descritores: | ACIDENTE DESPORTIVO CONTRATO DE SEGURO LIMITE DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA CLÁUSULA LIMITATIVA DO OBJECTO DO CONTRATO CLÁUSULA LIMITATIVA DO OBJETO DO CONTRATO NULIDADE DE CLÁUSULA INTERPRETAÇÃO DA LEI SEGURO OBRIGATÓRIO INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DANOS NÃO PATRIMONIAIS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 05/09/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE A ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO / NEGÓCIOS CELEBRADOS CONTRA A LEI. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
| Doutrina: | - António Pinto Monteiro, Cláusulas limitativas do conteúdo contratual, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, p. 281-297; - António Pinto Monteiro, Cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil, separata do vol. XXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1985, Coimbra, 2003, p. 116-129; - Margarida Lima Rego, O início da cobertura no seguro desportivo, in: José Manuel Meirim (coord.), O desporto que os tribunais praticam, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, p. 211-226; - Nuno Manuel Pinto Oliveira, Cláusulas acessórias ao contrato, Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indemnizar. Cláusulas penais, 3.ª ed., Coimbra, 2008, p. 46-47. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 294.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1 E 663.º, N.º 2. DL N.º 10/2009, DE 12 DE JANEIRO: - ARTIGOS 6.º E 16.º, ALÍNEA D). | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 08-09-2016, PROCESSO N.º 1311/11.5TJVNF.G1.S1; - DE 08-11-2016, PROCESSO N.º 815/11.4TBCBR.C1.S1; - DE 04-10-2018, PROCESSO N.º 4575/15.1T8BRG.G1. | ||
| Sumário : | I. — A alínea d) do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, ao estabelecer como montante mínimo de capital para o caso de invalidez permanente parcial “25000 euros, ponderado pelo grau de incapacidade fixado”, deve interpretar-se no sentido de que determina, tão-só, o montante máximo de capital devido pela seguradora. II. — A compensação devida ao segurado deverá atender aos danos não patrimoniais decorrentes de um acidente pessoal inerente à actividade desportiva. III. — As cláusulas constantes das Condições gerais ou das Condições particulares de uma apólice de seguro desportivo obrigatório por que se estipule que as indemnizações por lesões corporais serão calculadas sem ser tomada em linha de conta a actividade profissional da pessoa segura são nulas por aplicação conjugada do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, e do art. 294.º do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1. AA intentou acção comum contra BB, S.A., e CC - Companhia de Seguros, SPA, pedindo a condenação da 1.ª Ré — BB, S.A., — a pagar-lhe 58.908,76 € e da 2.ª Ré — CC, SA, — a pagar-lhe 55.531,51, quantias relativas a danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente sofrido pelo Autor, por via de vinculação das 1.ª e 2.ª Rés a contratos de seguro desportivo cobrindo responsabilidade por acidentes no exercício da actividade na qual aquele ocorreu. 2. A 1.ª instância proferiu sentença, em que: I. — condenou a 1.ª Ré BB, S.A., no pagamento ao autor a) da quantia de € 1.244,86, acrescida dos juros de mora peticionados (contados desde 29 de Abril de 2014 e até integral pagamento); b) dos juros de mora que se venceram, desde 29 de Abril de 2014 até 3 de Novembro de 2014, sobre a quantia de € 2.762,78; II. — absolveu a 1.ª Ré BB, S.A., do restante peticionado; III. — absolveu a 2.ª Ré CC de todo o pedido contra si deduzido. 3. A Relação concedeu provimento parcial ao recurso interposto pelo Autor AA, condenando a 1.ª e a 2.ª Rés. I. — Em primeiro lugar, condenou a 1.ª Ré BB, S.A., a pagar ao Autor: a) a quantia de 1.244,86 €, acrescida de juros de mora, contados desde 29 de Abril de 2014 e até integral pagamento; b) os juros de mora que se venceram, desde 29 de Abril de 2014 até 3 de Novembro de 2014, sobre a quantia de 2.762,78 €; c) a quantia de 25.350,00 €, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento. II. — Em segundo lugar, condenou a 2.ª Ré CC, SA, a pagar ao Autor a quantia de 25.000,00 €, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento. III. — “No mais, absolve[u] as rés do pedido”. 4. A 2.ª Ré CC, SA, interpós recurso de revista. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: I. — Ao oferecer ao recorrido o capital indemnizatório de € 13.750 (€ 25.000/capital seguro para risco de invalidez permanente x 55% de incapacidade geral) pelo risco de invalidez permanente parcial de 55%, calculada pela tabela de desvalorização prevista na apólice, a recorrente, seguradora, cumpriu com o contrato de seguro de grupo do ramo «Acidentes Pessoais, Desporto, Cultura, e Recreio», titulado pela apólice n° 0005 … 000, por ela celebrado com a Associação EE, no qual esta era tomadora e o recorrido pessoa segura. II. — Ao não aceitar aquele capital é o recorrido que se constituiu em mora. III. — Ao não o reconhecer o acórdão recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do previsto nas condições gerais, especiais e particulares da sobredita apólice de seguro, violou, como tal, o previsto no art. 406.° do Código Civil e fez uma errada interpretação e aplicação do previsto nos art°s 5°/2, al. d), 6º e 16°, al. a) do DL. 10/2009, de 12 de Janeiro, devendo, por tal motivo, ser revogado, confirmando-se antes a sentença proferida em 1.ª instância ou, se assim se não entender, condenando-se então apenas a recorrente a pagar ao recorrido apenas a quantia acima aludida em I., sem quaisquer juros e com custas judicias pelo recorrido. TERMOS EM QUE, assim se decidindo, se fará JUSTIÇA! 5. Contra-alegou Autor, agora Recorrido, AA, concluindo nos seguintes termos: a. O douto Acórdão recorrido ao julgar parcialmente procedente a ação de processo comum interposto pelo autor encontra-se elaborado com irrepreensível acerto e adequação, tendo julgado corretamente todas as questões que nela foram objeto de apreciação encontra-se devidamente fundamentado e fazendo a correta interpretação da lei, pelo que não viola os normativos legais invocados pela recorrente, devendo ser mantido; b. O seguro subscrito pelo Recorrente configura um seguro obrigatório e, como tal, modelado, nos seus aspetos essenciais, pelo DL n.º 10/2009 de 12.01; c. Os termos e as coberturas mínimas do contrato de seguro desportivo estão previstos no artigo 59 do referido Decreto-Lei; d. As coberturas mínimas a que alude o referido art.5 5º do Decreto-Lei n.5 10/2009, de 12.01, referem-se a "... morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva", como é a situação subjudice; e. O artigo 6º do aludido DL n.9 10/2009 de 12.01 determina que as apólices não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente, provoquem o esvaziamento do objeto do contrato de seguro desportivo; f. Conforme melhor verte o Acórdão do STJ, de 08.011.2016, proferido no processo 815/11.4TBCBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt\jstj.nsf "... O seguro desportivo obrigatório "cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respetiva atividade desportiva", nomeadamente, os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respetivas deslocações, dentro e fora do território português, sendo, pois, um seguro de acidentes pessoais. O Instituto de Seguros de Portugal, enquanto entidade reguladora da atividade seguradora, não aprovou qualquer norma regulamentar a fixar um clausulado uniforme para o seguro desportivo obrigatório, sem embargo de os artigos 5°, 16° e 18°, da Lei do Seguro Desportivo Obrigatório, terem fixado as suas coberturas mínimas, o que permite qualificá-lo como uma figura híbrida, com uma vertente de seguro de capitais, porque proporciona o pagamento de um capital, por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, em cuja fixação não se aplica o chamado princípio indemnizatório, que limitaria a prestação do segurador ao valor do dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro, atento o preceituado pelo artigo 128°, e uma vertente de seguro de danos, já que cobre as despesas de tratamento e de repatriamento, aplicando-se a essas coberturas o princípio indemnizatório, atento, igualmente, o disposto pelo artigo 175°, n° 2, ambos da Lei do Contrato de Seguro (DL n.° 72/2008, de 16 de abril)…."; g. A Recorrente não colocou à disposição do recorrido o montante de 25.000€, como estava contratualmente obrigada, devendo ser condenada no pagamento de juros moratórios; h. A Recorrente não informou o Recorrido do conteúdo das condições dos contratos e, muito menos, de qualquer clausula restritiva da responsabilidade da seguradora em caso de invalidez total ou parcial. NESTES TERMOS E NOS MAIS QUE V. EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO JULGANDO IMPROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E CONFIRMANDO INTEGRALMENTE O ACÓRDÃO RECORRIDO SERÁ FEITA VERDADEIRA E SÃ JUSTIÇA! 6. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. 7. Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes: I. — A alínea d) do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, ao estabelecer como montante mínimo de capital para o caso de invalidez permanente parcial “25000 euros, ponderado pelo grau de incapacidade fixado”, determinará o montante de capital ou, tão-só, o montante máximo de capital devido pela seguradora? II. — A alínea d) do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, ao estabelecer como montante mínimo de capital para o caso de invalidez permanente parcial “25000 euros, ponderado pelo grau de incapacidade fixado”, determinará que o o montante de capital seja ponderado pelo grau de incapacidade geral ou pelo grau de incapacidade profissional do segurado? III. — Caso a alínea d) do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009 determine, tão-só, o montante máximo de capital devido pela seguradora, a compensação devida ao segurado deverá atender aos danos não patrimoniais decorrentes de um acidente pessoal inerente à actividade desportiva? II. — FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: [1] O autor é um atleta praticante de desporto equestre, inscrito na Federação DD e na Associação EE. [2] No dia 1 de Junho de 2013, no decurso de uma prova de … que se estava a realizar na …, no âmbito do “Concurso Internacional de …”, o autor sofreu um acidente durante a prova, decorrente de o cavalo que conduzia, sem motivo aparente, se ter assustado e, inusitadamente, começar a galopar desenfreadamente e com muita velocidade. [3] O autor tentou, por várias formas, impedir que o cavalo e respectiva atrelagem viessem a atingir pessoas e bens. [4] Contudo, e não obstante o esforço, viu-se incapaz de controlar o animal e acabou por embater contra uma árvore, ficando o carro completamente desfeito. [5] Na sequência do embate contra a aludida árvore, o autor sofreu lesões corporais com particular incidência nos membros inferiores. [6] Como consequência directa do acidente relatado, resultou para o autor as seguintes lesões: fractura exposta do fémur direito que, devido a lesão vascular sem recuperação, determinou a amputação transefemural pelo terço superior; fractura exposta do fémur esquerdo e da rótula esquerda, tendo sido submetido a encavilhamento do fémur e cerclage da rótula e dois fios de Kirshner. [7] O acidente que o autor sofreu determinou mais de três meses de internamento hospitalar, tendo sido submetido a diversas intervenções cirúrgicas. [8] Aquando do acidente o autor foi transportado, em estado muito grave, para o Hospital de …, em …, onde foram prestados os primeiros cuidados médicos tendo sido, de imediato, submetido a uma intervenção cirúrgica de emergência. [9] Estabilizado o estado de saúde e já depois de decorrido o período de perigo de vida, o autor foi transferido para o Hospital Geral de …, no …, onde permaneceu alguns dias, tendo sido, posteriormente, transferido para o Hospital da … onde teve alta médica em 26 de Julho de 2013, permanecendo, contudo, em tratamento ambulatório. [10] O acidente que o autor sofreu obrigou-o a iniciar um programa de reabilitação funcional para doentes amputados. [11] Aliada a toda a recuperação funcional da perna esquerda o autor necessita da utilização de prótese para o membro amputado. [12] Tendo tido necessidade de ser submetido a nova cirurgia ortopédica em 11.10.2013, para retirada de parafusos inferiores do encavilhamento. [13] O autor subscreveu o seguro de acidentes pessoais – módulo A – que vigorava em 2013, em que o tomador do contrato era a Federação DD, titulado pela apólice nº …/6…, cuja cópia juntou aos autos como doc. nº 3 com a petição inicial. [14] O contrato de seguro celebrado, entre autor e 1ª ré, tinha como objecto garantir, em qualquer parte do mundo, os acidentes decorrentes da prática desportiva amadora federada, incluindo deslocações de e para os locais onde tenham lugar as referidas actividades. [15] O aludido contrato de seguro garantia a cobertura no caso de morte ou invalidez permanente, por acidente, o montante de € 25.350,00 e despesas de tratamento por acidente no montante de € 5.000,00. [16] O autor procedeu ao pagamento pontual do respectivo prémio. [17] O acidente que o autor sofreu foi participado à 1ª ré. [18] Em 8 de Agosto de 2013 a 1ª ré comunicou ao autor que: “…cumpre-nos informar que, após análise, o sinistro foi devidamente enquadrado e aceite…”. [19] Na mesma missiva foi solicitado ao autor “… o envio de relatórios médicos, bem como originais juntamente com o seu NIB, para reembolso, tendo em conta o limite de capital para despesas de tratamento no valor de € 5.000,00…” [20] O autor remeteu, via correio electrónico, em 24 de Setembro de 2013, o relatório médico conforme solicitado pela 1ª ré. [21] Em 23 de Outubro foram enviadas diversas facturas relativas a consultas médicas e diversos tratamentos que foram liquidados ao autor, tudo no montante de € 3.960,43. [22] Em 10 de Dezembro de 2013, o autor remeteu à 1ª ré as facturas comprovativas de honorários clínicos, no montante de € 1.054,85. [23] O valor total das despesas de tratamento que o autor enviou á 1ª ré, perfaz, assim, o montante global de € 5.015,28. [24] Atento o silêncio da 1ª ré, o autor viu-se compelido a solicitar a intervenção da Federação DD, uma vez que o tempo decorria e a 1ª ré nada dizia, nem procedia ao pagamento, quer da indemnização por incapacidade permanente, nem ao reembolso das despesas com tratamento, tudo conforme melhor se alcança da mensagem de correio electrónico, datado de 6 de Janeiro de 2014, junta com a como doc. nº 9. [25] Em resposta, a 1ª ré comunicou, em 22 de Janeiro de 2014, que iria proceder ao pagamento das facturas nºs 2…3/3…67, 2…3/3…30 e 2…3/3…7, tudo no montante global de € 740,902. [26] Na mesma comunicação a 1ª ré solicitou ainda, o envio de comprovativos de liquidação das facturas da FF, no montante de € 2.720,91, bem como do “…recibo final da cirurgia/internamento…”. [27] O autor remeteu à ré todos os elementos solicitados e comprovativos da liquidação das despesas médicas. [28] A 1ª ré liquidou, em 18.02.2014, a quantia de € 992,36, referente á factura nº 2013/40062, emitida pela Misericórdia do … que se reportava a serviços médicos de cirurgia e internamento do autor. [29] O autor, face ao não reembolso daquelas despesas de tratamento contactou a 1ª ré no sentido de obter informação sobre o motivo que obstava àquele pagamento. [30] Tendo a 1ª ré solicitado os relatórios médicos justificativos dos tratamentos efectuados, que foram remetidos pelo autor. [31] O autor cumpriu todos os procedimentos que constam do contrato de seguro e facultou todos os documentos comprovativos das despesas efectuadas. [32] Bem como, compareceu para consulta de avaliação do dano por perito médico indicado pela 1ª ré. [33] O autor subscreveu o contrato de seguro, como segurado, na cobertura designada por “Módulo A”. [34] No âmbito daquela cobertura, o autor tem direito a ser reembolsado pelas despesas de tratamento, por acidente, no montante máximo de € 5.000,00, valor este largamente excedido, tendo em conta a gravidade das lesões que resultaram do sinistro ocorrido em 01.06.2013. [35] O autor tem igualmente direito a ser indemnizado, no montante de € 25.350,00, por força de incapacidade permanente, nos termos da modalidade subscrita. [36] O autor subscreveu o seguro de acidentes pessoais, desporto, cultura e recreio, em que o tomador do contrato era a Associação EE, titulado pela apólice nº 0005…000. [37] O contrato de seguro, celebrado entre autor e a 2ª ré, tinha como objecto garantir os acidentes decorrentes da prática desportiva não profissionalizada de atrelagem, incluindo deslocações ao estrangeiro organizada pelo tomador de seguro em todo o mundo com excepção dos países em estado de guerra declarada ou não. [38] O aludido contrato de seguro garantia a cobertura no caso de morte ou invalidez permanente, o montante de € 25.000,00 e despesas de tratamento o montante de € 5.000,00. [39] O autor procedeu ao pagamento pontual do respectivo prémio. [40] O acidente que o autor sofreu foi participado à 2ª ré. [41] A 2ª ré, em 21.10.2013, procedeu ao pagamento integral das despesas de tratamento, como estava contratualmente obrigada. [42] No tocante à indemnização resultante da incapacidade permanente do autor, a 2ª ré apenas considera um grau de incapacidade de 55%, pretendendo liquidar apenas a quantia de € 13.750,00. [43] O contrato de seguro a que o autor aderiu estabelece que a 2ª ré, em caso de morte ou invalidez permanente assegura uma cobertura de € 25.000,00. [44] Entre a ré CC, na qualidade de seguradora, e a Associação EE, na qualidade de tomadora, foi celebrado o contrato de seguro do ramo «Acidentes Pessoais, Desporto, Cultura, e Recreio», [45] titulado pela apólice nº 0005 … 000, com as condições gerais, especiais e particulares juntas com a contestação da ré CC respectivamente, como doc.s nºs 1 e 2. [46] Tendo por pessoa segura, além de outros, o autor. [47] Aquele contrato cobria exclusivamente os riscos extra-profissionais da pessoa segura (cf. doc. nº 2, «condições particulares e doc. nº 1, artº 2º/2 e 3º/1 e 2, das «condições gerais» da apólice), [48] nos casos de: morte ou invalidez permanente, com o capital seguro, por pessoa, de € 25.000; despesas de funeral, com o capital seguro, por pessoa, de € 3.000,00; despesas de tratamento e repatriamento, com o capital seguro, por pessoa, de € 5.000,00. [49] Prevendo uma franquia de € 50,00 por sinistro/pessoa. [50] E, para a avaliação do dano corporal, uma tabela de desvalorização própria, que, no caso, remetia para a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, a aprovada, como anexo II, pelo DL. 352/07, de 23 de Outubro. [51] Na verdade, sob a epígrafe Definição das coberturas e depois b) Invalidez Permanente no artº 4º, nº 1, alínea b), ponto ii) das «condições gerais» da sobredita apólice previa-se o seguinte: “ii) O montante da indemnização será obtido pela aplicação ao valor seguro, da respectiva percentagem de invalidez permanente estabelecida na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, adiante designada por Tabela de Desvalorizações, que faz parte integrante destas condições gerais. (sic) [52] E no seu ponto iv) previa-se o seguinte: “As indemnizações por lesões corporais serão calculadas sem ser tomada em linha de conta a actividade profissional da pessoa segura.” (sic). [53] Este contrato de seguro estava em vigor na data do sinistro invocado na petição, a de 1 de Junho de 2013. [54] A sobredita tomadora do seguro participou o sinistro em apreço à ré CC. [55] Em cumprimento do sobredito contrato de seguro esta considerou verificados os sobreditos riscos de seguro de € 5.000, diminuídas da franquia contratual. [56] e, por força daquele primeiro, o de despesas de tratamento, pagou ao autor a quantia de € 4.950, que aquele recebeu, correspondente a despesas no valor do capital profissões da sua área de preparação técnico profissional, nomeadamente na área financeira que hoje o autor desempenha. [57] Ainda de acordo com a sobredita cláusula contratual a indemnização a que o autor tinha, pois, direito correspondia à de € 13.750 (€ 25.000/capital seguro para risco de invalidez permanente x 55% de incapacidade geral). [58] O autor terá de ser submetido a nova intervenção para dinamização da fractura da perna esquerda, para retirada de parafusos inferiores e da cerclage da rótula. [59] O acidente que o autor sofreu determinou um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 55 pontos, sendo que em termos de repercussão permanente na actividade profissional são impeditivos do exercício da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras despesas de tratamento e invalidez permanente, [60] O autor não consegue locomover-se na via pública sem o auxílio de canadianas ou cadeira de rodas. [61] Além de necessitar de tratamento fisiátrico por tempo indeterminado, para a sua reabilitação e recuperação funcional. [62] Desde finais de Abril de 2014 que a 1ª ré possui todos os elementos que solicitou ao autor. [63] O autor, é um amputado da perna direita e com graves lesões na perna esquerda, que foi objecto de encavilhamento do fémur e cerclage da rótula esquerda. [64] O autor deambula com enorme dificuldade por impossibilidade de apoio na perna esquerda. [65] As lesões que o autor sofreu são graves e irreversíveis, comprometendo em definitivo a sua autonomia e qualidade de vida. [66] As lesões sofridas pelo autor provocaram-lhe e provocam um sofrimento físico profundo e uma forte angústia psicológica. [67] As dores que o autor sofre são permanentes e determinam a necessidade de utilização de medicação. [68] O autor tem necessidade de frequentar, por tempo indeterminado, sessões de fisioterapia para reabilitação das sequelas graves que possui na perna esquerda, sendo o prognóstico quanto á sua capacidade de recuperação incerto. [69] O autor encontra-se muito limitado na prática de actos habituais e normais do seu quotidiano, não conseguindo andar sem o apoio de bengala ou auxílio de terceiras pessoas. [70] Todo o sofrimento que o autor passou e continua a passar impede que viva com a tranquilidade que sempre viveu, sofrendo perturbações do sono, forte irritabilidade e uma angústia e desgosto inultrapassáveis. [71] O autor é ... e uma pessoa muito reputada no meio em que vive e trabalha. [72] É presidente do ... de um grupo empresarial e possui participações em diversas empresas em vários ramos de negócio, com uma vida profissional muito activa e preenchida. [73] A actividade profissional que o autor desenvolvia obrigava-o amiudadas vezes a ter deslocações ao estrangeiro e reuniões de trabalho em diversos locais do país. [74] O autor era, igualmente, um atleta de elite que competia em provas nacionais e internacionais, na modalidade de atrelagem, com grande reconhecimento público na modalidade. [75] Por força do acidente de que foi vítima viu-se impedido da prática desportiva, o que o deixa profundamente triste, angustiado e deprimido. [76] Recordando diariamente a experiência extremamente dolorosa por que passou e continua a passar. [77] O autor era uma pessoa robusta, sadia, pessoal e profissionalmente realizado, tendo perdido definitivamente a tranquilidade com que sempre viveu. [78] O acidente que o autor sofreu impede-o irremediavelmente de ser, até final dos seus dias, a pessoa activa, empreendedora, realizada e feliz que era até ao fatídico dia 1 de Junho de 2013. [79] A ré CC efectuou a avaliação do dano corporal do autor nos termos previstos na supra citada cláusula contratual (do artº 4º/1, al. b), ii) das CG da apólice). [80] Tendo fixado ao autor em 19.11.2013 a incapacidade parcial permanente geral de 55%, de acordo com a Tabela Nacional de Avaliação de Incapacidades em Direito Civil, a aprovada sob o anexo II do DL. 352/07, de 23 de Outubro, e prevista naquela dita cláusula contratual (cf. sequelas ali previstas Mc0503 = 50 pontos e Mc0632 = 5 pontos). [81] Indemnização esta que a ré ofereceu, e oferece, ao autor. [82] Tendo, para o efeito, emitido o correspondente recibo e enviado àquele uma carta, ambos datados de 19.12.2013, que o autor recebeu. [83] De acordo com o contrato celebrado, o dano corporal deve ser avaliado com base na incapacidade geral prevista na tabela do anexo II do DL 352/07 de 23 de Outubro. [84] No âmbito do contrato de seguro celebrado com a 1ª ré a cobertura de despesas é de € 5.000,00 e a cobertura de invalidez permanente é de € 25.350,00. [85] O autor recebeu da 1ª ré, em 03.11.2014, após a propositura da presente acção, a quantia de 2.762,78€ (dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta e oito cêntimos. [86] O autor foi submetido a perícia médico-legal, constando do relatório pericial, emitido pelo Instituto de Medicina Legal, a dependência permanente de ajudas, designadamente, tratamentos médicos regulares, ajudas técnicas e adaptação de veículo. [87] O relatório pericial do Instituto de Medicina legal teve, em consideração, entre outros, a informação prestada pelo Centro de Reabilitação Profissional de … – CRP… – que concluiu que o autor tem indicação para acompanhamento médico na área da medicina física e de reabilitação, para prescrição de próteses/substituição dos seus componentes e reabilitação periódica dos seus componentes, tendo em vista reduzir a sintomatologia dolorosa e potenciar a capacidade de marcha com prótese. [88] O autor, após o sinistro, teve de efectuar obras de adaptação na sua residência, teve de adaptar o seu veículo automóvel e adquirir ajudas técnicas tudo a expensas próprias, tendo em vista fazer face às sequelas de que ficou a padecer por força do sinistro que se discute nos presentes autos. [89] De entre as várias ajudas técnicas, o autor adquiriu uma prótese transfemural com interface em silicone, joelho hidráulico com controle por microprocessadores e módulo hidráulico de tornozelo-pé, bem como um conjunto de produtos de apoio como sendo adaptação do automóvel, banco de duche, barras de apoio no quarto e na sanita, bengala e cadeira de rodas manual. [90] Para além dos produtos de apoio já adquiridos pelo autor, os Técnicos do CRP… consideram, ainda, imprescindível para o o bem-estar do autor a aquisição de um banco de apoio às actividades de higiene bem como uma cadeira de rodas eléctrica com comando de direcção manual. [91] Conforme resulta do quadro constante do relatório do aludido CRP… (pags 5/7) o custo com a aquisição dos novos produtos de apoio – banco de apoio à higiene, prótese transfemural de banho e cadeira de rodas eléctrica com comando de direcção manual tipo scotter - que se considera imprescindíveis a minorar o impacto do acidente na vida do autor, ascendem aos 11.550,00 €. [92] Sucede, porém, que as ajudas técnicas têm uma duração temporal limitada, necessitando de substituição a médio prazo – adaptações de automóveis cinco anos; cadeira de duche e barras de apoio dez anos; bengala um ano; cadeira de rodas manual e prótese transfemural com estrutura endosquelética com interface em silicone, joelho hidráulico com controle por microprocessadores e módulo hidráulico de tornozelo-pé três anos. O DIREITO 1. O Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, estabelece o regime jurídico do seguro deportivo obrigatório [1]. O art. 5.º, sob a epígrafe Coberturas mínimas, determina, no seu n.º 1, que “[o] seguro desportivo cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respectiva actividade desportiva, nomeadamente os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respectivas deslocações, dentro e fora do território português” e, no seu n.º 2, que “[a]s coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo são as seguintes: a) Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva; b) Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento”. O art. 16.º, sob a epígrafe Coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo, determina que “[o] contrato de seguro a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º garante os seguintes montantes mínimos de capital: a) Morte — 25 000 euros; b) Despesas de funeral — 2000 euros; c) Invalidez permanente absoluta — 25 000 euros; d) Invalidez permanente parcial — 25 000 euros, ponderado pelo grau de incapacidade fixado; e) Despesas de tratamento e repatriamento — 4000 euros”. 2. O acórdão recorrido decidiu que o art. 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009 devia interpretar-se no sentido de fixar o montante máximo do capital devido. Em primeiro lugar, deveria calcular-se o montante da compensação devida, nos termos gerais, e, em segundo lugar, desde que o montante da compensação devida, nos termos gerais, excedesse o montante mínimo de capital da alínea d), deveria considerar-se limitado aos 25000 euros: “… a referência ao grau de incapacidade não passa de uma alusão genérica ao juízo de valor ínsito na avaliação da invalidez permanente parcial. Se não, resultaria incompreensível o mesmo limite mínimo de 25.000,00 euros previsto para invalidez permanente absoluta, constante da alínea c) do mesmo artigo. Assim,” continua o acórdão recorrido, “o procedimento correcto passará pela prévia avaliação dos danos decorrentes da invalidez, absoluta ou parcial. Seguidamente se considerando o valor ponderado ou, caso ultrapasse o capital seguro, apenas este”. A 2.ª Ré, agora Recorrente, CC, SA, pretende que a decisão seja revogada, por considerar que o acórdão recorrido fez uma errada interpretação da lei — o art. 16.º deve interpretar-se no sentido de fixar o montante do capital devido pela seguradora. Em caso de invalidez permanente absoluta, total, o capital devido ao segurado corresponderia aos 25000 euros e, em caso de invalidez permanente parcial, o capital devido ao segurado corresponderia a uma parte, e só uma parte, dos 25000 euros, proporcional à incapacidade do lesado. Se a invalidez permanente parcial fosse, p. ex., de 50%, o montante de capital devido ao segurado seria de 12500 euros; se fosse de 25%, seria de 6250 euros; se fosse de 75%, seria de 18750 euros. 3. O regime do seguro desportivo obrigatório pretende corresponder a uma “necessidade absoluta”, ou a uma “necessidade social fundamental” [2]: “a de assegurar que o beneficiário chegue, efectivamente, a usufruir da cobertura. É certo que um sistema de seguros não evita o risco, mas previne o perigo de as vítimas não obterem o ressarcimento” [3]. O fim de “cobrir os riscos”, prevenindo o “perigo de as vítimas não obterem ressarcimento”, depõe em favor de que o critério decisivo para a determinação do montante de capital devido ao segurado seja determinado pela extensão do dano — e não pela extensão da incapacidade, de que decorre o dano. Quando um acidente pessoal inerente à actividade desportiva cause uma invalidez permamente parcial de 25% e, como consequência da invalidez permanente parcial, um dano de 12500 euros, o montante de capital devido ao segurado deve ser 12500, e não de 6250 euros; quando um acidente pessoal cause uma invalidez permamente parcial de 50% e, como consequência da invalidez permanente parcial, um dano de 25000 euros, o montante de capital devido ao segurado deve ser de 25000 euros, e não de 12500 euros. O resultado é o de que a alínea d) do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, ao estabelecer como montante mínimo de capital para o caso de invalidez permanente parcial “25000 euros, ponderado pelo grau de incapacidade fixado”, deve interpretar-se no sentido de que determina, tão-só, o montante máximo de capital devido pela seguradora. 4. A 2.ª Ré, agora Recorrente, CC, SA, impugna o acórdão recorrido por ter calculado os danos decorrentes da invalidez permanente parcial considerando, cumulativamente, a incapacidade geral e a incapacidade profissional do segurado. A compensação da incapacidade permanente para o trabalhado estaria excluída pelas Condições gerais da apólice de seguro e, em especial, pelo art. 4.º, n.º 1, alínea b) da Condições gerais, em que se dizia o seguinte: (ii) O montante da indemnização será obtido pela aplicação ao valor seguro, da respectiva percentagem de invalidez permanente estabelecida na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, adiante designada por Tabela de Desvalorizações, que faz parte integrante destas condições gerais. (iv) As indemnizações por lesões corporais serão calculadas sem ser tomada em linha de conta a actividade profissional da pessoa segura. Ora o art. 6.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, é do seguinte teor: “As apólices de seguro desportivo não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da actividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objecto do contrato de seguro”. O problema prende-se com a validade das cláusulas de limitação do objecto do contrato [4]. Entende-se que excluir da compensação devida ao segurado os danos decorrentes da incapacidade profissional seria “esvaziar” o objecto do contrato de seguro”. Os danos decorrentes da invalidez permanente pessoal são, frequentemente, danos decorrentes de uma incapacidade permanente, ainda que de uma incapacidade permanente parcial, para o trabalho. Entende-se, por consequência, que excluir da compensação devida ao segurado os danos decorrentes da incapacidade para o trabalho seria “esvaziar” o objecto do contrato de seguro, frustrando num ponto essencial, o fim de “cobrir os riscos”, prevenindo o “perigo de as vítimas não obterem ressarcimento” [5]. As cláusulas — como a cláusula constante do art. 4.º, n.º 1, alínea b), sub-alíneas (ii) e (iv) das Condições gerais do contrato de seguro em causa — por que se estipule que as indemnizações por lesões corporais serão calculadas sem ser tomada em linha de conta a actividade profissional da pessoa segura são inválidas e, dentro das cláusulas inválidas, são nulas — por aplicação conjugada do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, e do art. 294.º do Código Civil. 5. Finalmente, o acórdão recorrido decidiu que a compensação devida ao segurado deverá atender aos danos não patrimoniais decorrentes de um acidente pessoal inerente à actividade desportiva. A Ré, agora Recorrente, pretende que a decisão seja revogada: “[seria] errada, salvo sempre o mesmo devido respeito, e até inútil, a questão decidida pelo acórdão recorrido de que o seguro em apreço cobriria também os danos não patrimoniais do lesado. Porquanto, na verdade, não cobre, em lado nenhum da apólice ou do regime legal do seguro desportivo, acima já identificado, se prevendo a cobertura desse dano com autonomia, sendo tais danos tão só os supra já indicados (tratamentos + repatriamento + funeral + morte + invalidez, total ou absoluta). Sendo, no mais, irrelevante saber se cobre ou não desde que o limite do capital seguro, ponderado, em concreto, nos termos já explicados, não seja excedido, de pouco valendo saber se depois a indemnização assim fixada é destinada a ressarcir danos patrimoniais ou a compensar danos não patrimoniais, isto é, no caso, se o capital entregue pelo risco de invalidez, total ou parcial, serve para indemnizar danos patrimoniais ou morais”. Interpretada, em todo o caso, a alínea d) do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, no sentido de determinar, tão-só, o montante máximo de capital devido pela seguradora, a questão não é nem inútil, nem errada. O acórdão recorrido citou, subscrevendo-o, o seguinte trecho do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Julho de 2014 — proferido no processo n.º 1 118/2002.L1-2 [6] —; “… a lei, quanto ao contrato de seguro desportivo, […] não distingue entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial. Não distinguindo a lei, também o intérprete não pode distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador. Este, quando entendeu diferenciar, fê-lo claramente, como sucedeu no âmbito das exclusões, no seguro obrigatório, ou da garantia material do Fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os ‘danos materiais’ por contraposição aos danos não patrimoniais (arts. 14.º e 49.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto)”. O princípio, enunciado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Julho de 2014, foi recentemente reafirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 — proferido no processo n.º 4575/15.1T8BRG.G1 —, em que se condenou a seguradora à compensação dos danos não patrimoniais decorrentes de dores e de traumatismos psíquicos, entre os quais estavam “[a] sujeição a exames e tratamentos, [a sujeição] a internamento hospitalar, a imobilização em casa com a perna engessada, o prejuízo estético, a perda de capacidade e a perda de alegria de viver”. O tribunal recorrido considerou, como devia, os danos patrimoniais e não patrimoniais — e, considerando-os, concluiu, como devia concluir, que “[f]ace à matéria de facto dada como provada nos autos, relativa ao grande desgosto e sofrimento que para o autor decorreu da amputação da perna direita e da perda de agilidade na perna esquerda, mesmo que indagássemos tão só qual o montante adequado ao ressarcimento dos danos morais que sofreu e continuará a padecer com essa relevantíssima incapacidade que o afecta, desprezando o cálculo dos danos patrimoniais desta decorrentes, sempre concluiríamos que o mesmo ultrapassaria largamente os 25.350,00 euros e 25.000,00 euros previstos nos contratos de seguro. E, ainda sem qualquer dúvida, os 50.350,00 € resultantes da consideração conjunta do capital dos dois contratos”. III. — DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela Recorrente CC, SA. Lisboa, 9 de Maio de 2019 Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator) Paula Sá Fernandes Maria dos Prazeres Beleza __________ [1] Para uma caracterização do contrato de seguro desportivo obrigatório, vide Margarida Lima Rego, “O início da cobertura no seguro desportivo”, in: José Manuel Meirim (coord.), O desporto que os tribunais praticam, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, págs. 211-226. [2] Expressões do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro. [3] Em termos em tudo semelhantes, vide o acórdão do STJ de 8 de Setembro de 2016 — processo n.º 1311/11.5TJVNF.G1.S1 —, em cujo sumário se escreve: “A imposição da contratação do seguro desportivo obrigatório (art. 2.º do Decreto-Lei n.º 146/93, de 26-04) radica na necessidade de garantir que os praticantes desportivos e outros agentes por ele abrangidos disporão de recursos financeiros para custear as despesas em que incorram com tratamentos ocasionados por lesões decorrentes do desporto ou assegurar-lhes o pagamento de um valor em caso de óbito ou invalidez permanente”. [4] Sobre a distinção entre as cláusulas de limitação do conteúdo ou do objecto do contrato e as cláusulas de limitação da responsabilidade, vide António Pinto Monteiro, Cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil, separata do vol. XXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], Coimbra, 1985 = Livraria Almedina, Coimbra, 2003, págs. 116-129; António Pinto Monteiro, “Cláusulas limitativas do conteúdo contratual”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 281-297; Nuno Manuel Pinto Oliveira, Cláusulas acessórias ao contrato — Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indemnizar. Cláusulas penais, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2008, págs. 46-47 (nota n.º 82). [5] Em termos semelhantes, vide o acórdão do STJ de 8 de Novembro de 2016 — processo n.º 815/11.4TBCBR.C1.S1 —, em cujo sumário se escreve: “A cláusula contratual da apólice de seguro desportivo obrigatório, que impõe coberturas mínimas, garantindo ‘o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial’, sem mencionar percentagens de incapacidade/invalidez, contém uma inequívoca norma de caráter imperativo, não podendo ser interpretada de modo a abranger, tão-só, o risco de invalidez permanente de grau superior a 10%, excluindo ou afastando da obrigação de indemnizar uma invalidez permanente inferior a 10%, por se tratar de cláusula limitativa do objeto do contrato, que se encontra ferida de nulidade, por ser contrária à ordem publica, não podendo ser derrogada ou restringida, por vontade das partes”. [6] Relatado pelo então Exmo. Senhor Juiz Desembargador, hoje Juiz-Conselheiro, Olindo Geraldes. |