| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CATARINA SERRA | ||
| Descritores: | PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE FACTO DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DE ACÓRDÃO | ||
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| Data do Acordão: | 03/31/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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| Sumário : | I. Apenas é admissível ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da decisão sobre a matéria de facto a título residual, com o propósito de garantir a observância das regras de Direito probatório material ou de ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta das disposições do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC. II.  O Supremo Tribunal de Justiça tem ainda a possibilidade de apreciar o uso que o Tribunal da Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, sendo o mau uso (uso indevido, insuficiente ou excessivo) susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674º, nº 1, al. b), do CPC. III. Não havendo violação de normas do Direito probatório material e tendo o Tribunal recorrido reavaliado os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação e respeitado as normas aplicáveis aos demais, reponderado as questões de facto em discussão e aquelas que por sua iniciativa considerou ser de reponderar e criado, enfim, fundadamente, uma convicção própria ou autónoma sobre a matéria de facto, não merece a sua conduta nenhuma reprovação. | ||
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO     1. BB e os intervenientes CC, DD e EE, na qualidade de herdeiros de FF e mulher, GG, instauraram contra AA, HH, II, JJ e KK, a presente acção declarativa, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final que: a) se declare a favor da autora e dos intervenientes o direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...54º da Freguesia ...; b)  se condene os réus a absterem-se de praticar qualquer conduta que lese aquele direito de propriedade dos Autores. Em fundamento alegaram, em síntese, que o referido prédio veio à sua posse por sucessão hereditária de FF e mulher, GG, avós da autora BB, aos quais sucedeu seu único filho LL, que foi casado segundo o regime da comunhão geral de bens com MM, de que aquela autora, filha do casal, é a única e universal herdeira, sendo ainda, conjuntamente com os intervenientes seus filhos, os únicos herdeiros por morte de seu marido NN, com quem foi igualmente casada segundo o regime da comunhão geral de bens. O identificado prédio encontra-se inscrito na matriz desde o ano de 1962, sendo o FF, que o construiu, “o seu proprietário e possuidor registado” desde esse mesmo ano. Não obstante, os réus encetaram uma tentativa de apropriação ilícita do imóvel, tendo instaurado no ano de 2013 uma acção de reivindicação contra OO e PP, que nele mantêm em funcionamento, com a autorização da autora BB, um estabelecimento comercial de restauração, alegando tratar-se do prédio de que são proprietários inscrito na matriz sob o artigo ...50º, o que não corresponde à verdade, tendo este último sido demolido pelo avanço do mar. A descrita actuação dos réus é susceptível de perturbar o direito de propriedade dos autores, o que fundamenta a presente acção.   2. Regularmente citados, os réus contestaram, peça na qual arguiram as excepções dilatórias da ilegitimidade da autora, por não se encontrar então acompanhada dos demais herdeiros, e do caso julgado, invocando a decisão proferida no dito processo 709/13...., instaurado contra OO e mulher, na qual se declarou a final que eram os ora demandados os donos do prédio onde funciona o restaurante denominado “...”, inscrito na matriz sob o artigo ...50º e descrito na CRP ... sob o n.º ...37 da freguesia ... e aí inscrito a seu favor. Mais alegaram que, encontrando-se o dito prédio inscrito na matriz desde data anterior a 1951, sobre ele exercem actos de posse pública, pacífica e de boa fé desde há mais de 30 anos, pelo que o adquiriram por usucapião que expressamente invocaram. Com fundamento nesses mesmos factos, deduziram a final contra os autores pedido reconvencional, pedindo que seja declarado que adquiriram “a propriedade do prédio urbano sito em ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...50º da freguesia ... e inscrito na CRP ... sob o n.º ...37º/... da sobredita freguesia, o qual corresponde fisicamente ao imóvel onde se encontra instalado o Restaurante F..., por usucapião”, e os reconvindos condenados a reconhecerem os réus como os seus legítimos proprietários e possuidores.   3. Replicaram os autores, peça na qual arguiram a ineptidão da reconvenção, tendo-se pronunciado pela improcedência das excepções pelos réus invocadas.   4. Teve lugar a audiência prévia e nela foi proferido despacho a admitir a reconvenção, tendo sido julgada sanada a excepção da ilegitimidade activa, face à intervenção espontânea dos demais herdeiros de NN, filhos da Autora BB, admitidos a intervir (cf. despacho de fls. 641 a 643) e improcedente a excepção do caso julgado.   5. Os autos prosseguiram e, a final, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que, julgando improcedentes a acção e a reconvenção, absolveu em conformidade os réus e os autores reconvindos, nos precisos termos seguintes: “Em face do exposto, decide-se: i. Julgar improcedente a ação principal e, em consequência, absolver os Réus AA, HH, II, JJ e KK dos pedidos deduzidos pelos Autores BB e, após intervenção principal espontânea, CC, DD e EE; ii. Julgar improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolver os Autores BB e, após intervenção principal espontânea, CC, DD e EE dos pedidos deduzidos pelos Réus AA, HH, II, JJ e KK. Registe e notifique, inclusivamente as partes. * Custas da ação a cargo dos Autores e custas da reconvenção a cargo dos Réus, nos termos do disposto no artigo 527º, nos 1 e 2 do Código de Processo Civil”.   6. Inconformados, apelaram autores e réus para o Tribunal da Relação ... que, mais tarde, veio a proferir a seguinte decisão: “Acordam os juízes da ... secção cível do Tribunal da Relação ... em: a) Julgar parcialmente procedente a impugnação à matéria de facto deduzida pela A. e intervenientes, determinando a alteração dos factos provados e não provados nos termos explanados; b) Julgar procedente o recurso interposto pela autora e intervenientes e declarar que são os donos do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de ..., sob o artigo ...54º da sobredita freguesia, descrito na CRP sob o n.º ...74º/... e aí inscrito a seu favor, condenando-se os RR no reconhecimento desse direito e a absterem-se da prática de actos que o lesem; c) Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelos RR reconvintes, confirmando, nesta parte, a sentença recorrida. Custas da acção, nesta e na l.ª instância, a cargo dos RR; as custas do recurso no que se refere ao pedido reconvencional serão também suportadas pelos RR”.   7. Mantendo-se inconformados, AA e Outros vêm agora interpor recurso de revista, pedindo que seja “revogado o Acórdão recorrido na parte em que revogou a decisão da Comarca (pedido dos autores) e ser declarado nulo na parte em que se pronunciou sobre a apelação dos réus reconvintes, agora recorrentes”. A terminar, formula as seguintes conclusões: “1 - A decisão da matéria de fato provada (designadamente pontos 1, 6 e 7) deve ser revogada por inexistir prova com força probatória legal que permita o que ali se conclui, não tendo a escritura de habilitação de herdeiros e a prova testemunhal força probatória legal de constituição do direito de propriedade do imóvel na esfera jurídica dos pais da autora BB (referidos no acórdão recorrido como os transmitentes originários e legítimos proprietários, em desobediência ao artigo 371.º do CPC, que foi violado). 2 - As habilitações de herdeiros invocadas pelos autores, não fazendo qualquer referência ao prédio em causa, correspondem a documento autêntico, e apenas fazem prova plena das declarações prestadas pelo Notário ou dos fatos por este percecionados. 3 - A escritura notarial de habilitação de herdeiros não é título legítimo de constituição de direito de propriedade (tal como a compra e venda ou a doação), é apenas translativa de direitos, pelo que das habilitações alegadas pelos autores, resulta unicamente a sua qualidade de sucessíveis (e nos precisos termos em que nos seus textos vem relatado). 4 - Tendo alegado uma aquisição derivada (sendo o pai da autora BB o alegado transmitente originário), teriam que ter alegado e provado que o direito de propriedade existia e havia sido constituído na esfera jurídica do transmitente por via de um modo legítimo de aquisição (originária) do direito de propriedade. 5 - São modos/títulos legítimos de constituição originária de direito de propriedade a usucapião, a acessão, a ocupação, mas não a habilitação de herdeiros, nem a sucessão hereditária, nem a "construção da casa". 6 - Foi violado e desatendido pela decisão recorrida o princípio da consubstanciação (artigo 581.-, n-4 do CPC), que obrigava os autores a alegarem fatos e atuações que permitissem concluir que o pai da autora BB era o proprietário originário (e legítimo) do prédio, que na sua esfera jurídica estava constituído o direito de propriedade, por via de uma modo legítimo de aquisição/constituição (originária), não bastando que "o pai da autora construiu a casa". 7 - Os autores deveriam ter alegado e provado fatos e atuações subsumíveis a um título legítimo de constituição (originária) do direito de propriedade, designadamente a usucapião, na esfera jurídica do pai da autora BB, não o tendo feito; ao invés, alegaram posse, sem alegar fatos a esta subsumíveis, elemento "corpus" e "animus", e nunca invocaram o tempo dessa posse, nem invocaram a génese do direito de propriedade por usucapião na esfera jurídica do pai da autora, nem que os sucessíveis lhe sucederam na posse, com invocação de atuações relativas ao corpus e ao animus, nem ao decorrer do tempo dessa posse (basta ler os articulados e o pedido). 8 - Ou seja, a causa genética do direito do alegado transmitente originário não foi invocada nem provada, nem, após a sua suposta génese na esfera jurídica dos pais da autora, foi invocada e provada a posse e a usucapião na esfera jurídica dos seus sucessores. 9 - Se o autor, numa ação de reivindicação, invoca como título do seu direito de propriedade, uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a acessão, a usucapião, então apenas precisa de provar os fatos de que emerge o seu direito. 10 - Mas os aqui autores invocaram uma aquisição derivada e, assim, não basta provar que herdaram a coisa, por esta sucessão não ser constitutiva de direito de propriedade, antes tinham que invocar e provar que o direito havia sido constituído na esfera jurídica do alegado transmitente originário com génese num dos acima indicados títulos/modos legítimos de aquisição originária do direito de propriedade, e, depois, que sucederam em tal direito, e como. 11 - Não resulta do processo que o direito de propriedade em discussão nos autos, foi constituído de modo legítimo, mediante um título legítimo de aquisição originária, na esfera jurídica do antepassado dos autores, nem que, nem como, num caso e noutro, por recurso a alegação de fatos e atuações bastantes, o mesmo foi transmitido e mantido na esfera jurídica dos seus sucessores até à atualidade. 12 - Por todo o acima concluído, os autores não beneficiam de qualquer presunção de posse, derivada ou não do registo predial. 13 - A conclusão de que está provada a génese legítima de aquisição/constituição (originária] do direito de propriedade pelo pai da autora e de que o mesmo foi transmitido por sucessão hereditária aos autores, e que estes provaram a cadeia de transmissão de um transmitente/adquirente originário legítimo (aquisição derivada), está errada, devendo, neste segmento, que revogou a decisão da primeira instância, ser o Acórdão recorrido revogado, mantendo-se a decisão da Comarca. 14 - No que respeita à apelação dos reconvintes, é causa de nulidade do Acórdão, na parte que se debruçou sobre a apelação dos réus reconvintes, ter deixado por apreciar as questões suscitadas com base nos dois processos judiciais que a Comarca, oficiosamente, decidiu consultar e em que fundamentou a sua decisão (artigo 615.º, n.s 1, alínea d) do CPC). 15-0 princípio da verdade material, que decorre dos artigos 411.º, 436.º e 521.º, n.º 1 do CPC, designadamente, visa a coincidência da realidade processual com a realidade extra-processual, e obriga o tribunal recorrido a investigar oficiosamente toda a matéria de fato invocada pelos recorrentes, em especial o que consta dos dois processos judiciais em causa, os quais sustentaram a decisão da primeira instância (no uso de poderes de ofício) e foram invocados pela parte no seu recurso. 16 - Não tendo a Comarca remetido os dois processos com o recurso, ao contrário do que os recorrentes tenham julgado que iria fazer, e por isso não pediram certidão dos mesmos, o que, aliás, dado o seu volume, seria economicamente deveras penalizador, cerceia o direito dos recorrentes a uma decisão justa e segura, e viola o princípio da justiça e da proporcionalidade, pelo que deve o Acórdão, nesta parte, ser declarado nulo e ordenada a apreciação da decisão também com fundamento no conteúdo dos dois processos judiciais”.   8. BB e Filhos apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido.   9. Tendo sido arguida pelos recorrentes a nulidade do Acórdão, pronunciou-se o Tribunal da Relação por Acórdão, rejeitando esta nulidade.   10. A Exma. Desembargadora proferiu despacho ordenando a remessa dos autos a este Supremo Tribunal. 
 * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se: 1.ª) o Acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC; e 2.º) o Tribunal recorrido incorreu na violação de normas sobre reapreciação da decisão sobre a matéria de facto. 
 
 * II. FUNDAMENTAÇÃO 
 OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1. Os Autores BB, CC, DD e EE, têm inscrita a seu favor pela AP. ... de 21-05-2015, a aquisição por sucessão hereditária por óbitos de FF e GG, em comum e sem determinação de parte, do prédio urbano sito em ..., Freguesia ..., Município ..., composto por casas de habitação de um pavimento e pátio, confrontando a norte, sul, nascente e ponte com FF, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...54º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...74º/... tal como resulta de fls. 12, 13, 645 e 646, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2. O artigo ...54º da Freguesia ..., Município ..., foi inscrito no ano no encerramento das matrizes do ano de 1962, com a menção “construído de novo em 1961”, estando em nome de FF, tal como resulta de fls. 513 a 515, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 3. Os Réus AA, HH, II, JJ e KK têm inscrito a seu favor pela Ap. ..., na proporção de 1/5 cada um, por partilha da T..., Lda., o prédio urbano sito em ..., Freguesia ..., Município ..., composto por habitação térrea destinada a habitação, com 4 compartimentos e um compartimento separado destinado a cozinha e corredor, com uma área total de 50,5 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...50º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37º/... (Descrição em Livro n.º ..., Livro n.º ...), tal como resulta de fls. 18, 125 e 126, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 4. A declaração para inscrição do prédio urbano identificado em 3., a que foi atribuído o artigo matricial ...50º, foi efectuada em 19 de Fevereiro de 1979, com indicação de que o mesmo se encontrava construído há mais de 5 anos, tendo sido declarante QQ, na qualidade de cabeça de casal por óbito de RR e mulher, QQ, vindo a ser inscrito na matriz urbana da freguesia ... no ano de 1986, conforme resulta de fls. 19 a 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 5. Os artigos matriciais ...54º e ...50º e as descrições prediais n.º ...74º/... e n.º ...37º/... (Descrição em Livro n.º ..., Livro n.º ...) visam descrever o prédio onde está instalado o Restaurante F.... 6. O prédio onde funcionou e funciona o estabelecimento de restauração e bebidas denominado Restaurante F... corresponde na verdade ao edificado pelo pai da autora, inscrito na matriz sob o art.º ...54º, tendo sido explorado até Março de 2018 por OO e mulher, PP e, depois, pela sociedade D..., Unipessoal Lda., tendo-se aqueles e esta mantido no imóvel com autorização da autora BB e seu falecido marido, concedida aos primeiros cerca do ano de 1993. 7. O aludido prédio, na sua configuração original, foi construído por LL, filho de FF e GG, pai da autora BB e avô dos intervenientes no final dos anos 50, início dos anos 60. 8. A casa dos Rendas já não existe, tendo ruído, sendo possível ver a nora como vestígio. 9. Em 30 de abril de 1963, LL e mulher, MM, na qualidade de vendedores, e SS como comprador, outorgaram escritura pública de compra e venda duma courela de terreno arenoso, de semear, com diversas árvores, no sítio da ..., Freguesia ..., concelho de ..., a confrontar do nascente com TT, outros e foz, de poente com caminho, de norte com UU e de sul com Ministério ..., inscrito na matriz sob o artigo ...15º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...24º, a fls. 62-vS do Livro ..., tal como resulta de fls. 834 a 836, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 10. Por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 24 de Maio de 1996, VV e mulher, WW, casados sob o regime da comunhão geral, e XX e mulher, YY, representados no acto pelo Dr. ZZ, declararam vender a T..., Lda., representada pelo Dr. AAA, respectivamente, 4/25 e 1/25 (avos) do prédio urbano destinado a habitação, sito no sítio do ..., Freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...09 do L.2 B-cento e três, inscrito na matriz sob o art.º ...50º, pelo valor de 100 000$00, que os vendedores declararam ter já recebido, tendo a segunda outorgante aceitado a venda para a sociedade sua representada, tudo conforme consta do doe. de fls. 169 a 172, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 11. Por escritura outorgada no dia 2/10/2007, II, natural de ..., ..., e BBB, natural de ..., ..., na qualidade de únicos sócios e em representação da sociedade T..., Lda., justificaram, em nome da sua representada, a aquisição de 4/5 do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09º, a fls. sessenta e seis do L.º B-cento e três, tendo declarado que os adquiriram no ano de mil novecentos e oitenta, por compra verbal efectuada aos titulares inscritos QQ, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG e HHH (encontrando-se apenas registado o direito a um quinto a favor deles através da inscrição vinte e dois mil seiscentos e cinquenta e cinco e os restantes três quintos sem inscrição de aquisição), nunca chegando a outorgar a escritura pública, nem a podendo outorgar agora por os mesmos já terem falecido, desconhecendo quem são os seus herdeiros. Mais declararam “que, porém, há mais de vinte anos de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé, ou seja, com o conhecimento de toda a gente, sem violência nem oposição de ninguém, reiterada e ininterruptamente, na convicção de não lesar quaisquer direitos de outrem e ainda convencida de ser titular do respectivo direito de propriedade e assim o julgando as demais pessoas (...) a sociedade tem possuído aquele prédio, fazendo reparações e pagando os respectivos impostos, pelo que, tendo em consideração as referidas características de tal posse, adquiriu aquele direito por usucapião (...)”, conforme escritura cuja cópia consta de fls. 175 a 178 dos autos, aqui se dando por reproduzido o seu teor. 12. As quotas de que II e BBB eram titulares na identificada sociedade foram adquiridas pelos ora RR, seus filhos, por herança e doação, tendo estes procedido à dissolução e liquidação da mesma sociedade e adjudicado o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...50º a si próprios, na proporção das participações sociais que adquiriram nessa sociedade, tal como resulta de fls. 125, 126 e 129 a 132, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 13. No prédio inscrito na matriz sob os artigos ...54º e ...50º funcionou uma ... onde se vendiam bebidas e refeições ligeiras, tendo o estabelecimento sido licenciado a VV em 1986, tal como resulta de fls. 136, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, vindo este a ceder a exploração a OO e mulher. 14. II, em conjunto com pelo menos um dos filhos, procedeu no ano de 1990 a reparações e melhoramentos no imóvel tendo em vista o seu funcionamento como estabelecimento de restauração, vindo depois a ceder a sua exploração, em representação de uma das sociedades de que era sócio, a OO e mulher, mediante uma contrapartida, situação que perdurou até cerca 1992/1993. 15. Por transação homologada por sentença de 10 de Maio de 2005 no âmbito da ação n.º 28/1992 que lhes foi movida por III, na qualidade de único herdeiro de SS, as Rés T..., Lda., e T..., Lda.., confessaram os pedidos, tendo reconhecido que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24º a fls. 62-v.º do Livro B 83, com a inscrição de propriedade n.º ...04 de 14-06-1963 a favor do Autor, era propriedade exclusiva deste, sendo marcado em planta topográfica o prédio em causa, tendo as Rés renunciado a reivindicar os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os números ...09 e ...99, “cujas descrições coincidem com parte do prédio n.º ...24, à qual serão anexadas”, tal como resulta de fls. 397 a 423, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 16. II foi sócio e gerente da sociedade T..., Lda, tal como resulta de fls. 179 a 181, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 17. Em 2013, os ora Réus intentaram acção de reivindicação contra OO e PP que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Instância Local Cível ...-Juiz ..., sob o n.º de processo 709/13...., reivindicando, na qualidade de proprietários, a entrega do prédio onde se encontra instalado o Restaurante F..., tendo alegado que os RR o exploravam sem título e que se trata do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...50º da Freguesia ..., pedindo a condenação dos demandados na entrega do imóvel. 18. OO e PP alegaram na contestação do processo n.º 709/13...., que lhes foi movida pelos aqui RR, que no ano de 1988 a ré mulher tinha adquirido, mediante trespasse, o estabelecimento de ... a VV e sua mulher, sem que tivesse sido celebrada a escritura pública. 19. A acção foi julgada procedente por decisão transitada em julgado, não tendo a Autora intervindo na mesma, conforme resulta de fls. 117 a 318, 343 a 364, 373 a 396, 472 a 477, 539 a 568 e 581 a 588, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 20. OO e mulheres fizeram obras no Restaurante F... e construíram uma piscina. 21. A presente ação foi intentada em 16.02.2017.   E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido: a) O prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...50º não tem qualquer correspondência física com o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ...45º da Freguesia ... (artigo 7.º da petição inicial). b) A localização do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...50º não corresponde nem nunca correspondeu à localização do prédio inscrito sob o artigo ...54º (artigo 11.º da petição inicial). c) Eliminado. d) Desde 1980, após compra verbal, que os Réus e os seus ante-possuidores actuam na convicção de serem os donos do prédio a que corresponde o artigo matricial 4850.º da Freguesia ... Restaurante onde está instalado o ..., à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (artigos 116.º a 118.º da contestação). 
   O DIREITO   1. Da nulidade do Acórdão recorrido pelo fundamento previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte do CPC Observando a ordem de precedência lógica a que alude o artigo 608.º, n.º 1, do CPC, a questão que cumpre analisar em primeiro lugar é a que respeita à alegada nulidade do Acórdão recorrido. Alegam os recorrentes, com relevância para esta questão, nas suas conclusões, o seguinte: “14 - No que respeita à apelação dos reconvintes, é causa de nulidade do Acórdão, na parte que se debruçou sobre a apelação dos réus reconvintes, ter deixado por apreciar as questões suscitadas com base nos dois processos judiciais que a Comarca, oficiosamente, decidiu consultar e em que fundamentou a sua decisão (artigo 615.º, n.s 1, alínea d) do CPC). 15-0 princípio da verdade material, que decorre dos artigos 411.º, 436.º e 521.º, n.º 1 do CPC, designadamente, visa a coincidência da realidade processual com a realidade extra-processual, e obriga o tribunal recorrido a investigar oficiosamente toda a matéria de fato invocada pelos recorrentes, em especial o que consta dos dois processos judiciais em causa, os quais sustentaram a decisão da primeira instância (no uso de poderes de ofício) e foram invocados pela parte no seu recurso. 16 - Não tendo a Comarca remetido os dois processos com o recurso, ao contrário do que os recorrentes tenham julgado que iria fazer, e por isso não pediram certidão dos mesmos, o que, aliás, dado o seu volume, seria economicamente deveras penalizador, cerceia o direito dos recorrentes a uma decisão justa e segura, e viola o princípio da justiça e da proporcionalidade, pelo que deve o Acórdão, nesta parte, ser declarado nulo e ordenada a apreciação da decisão também com fundamento no conteúdo dos dois processos judiciais”. Como se viu, o Tribunal recorrido pronunciou-se por Acórdão e julgou ser de rejeitar a arguição desta nulidade, com a seguinte fundamentação: “Os recorrentes invocam, como vimos, a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, por não ter requisitado os dois processos consultados pela 1.ª instância o que, no entender dos arguentes, prejudicou a apreciação da apelação por si interposta. Conforme é sabido, o vício da omissão de pronúncia, que é a causa de nulidade das sentenças -e dos acórdãos, ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 663.º do CPC- prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º deste diploma legal, decorre da violação do disposto no art.º 608.º, preceito que impõe ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e ainda as de conhecimento oficioso. Mas como cremos ser entendimento pacífico, questões, para este efeito, são “as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, não se confundindo com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia”, sendo "em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver" (do acórdão do STJ de 03 de Outubro de 2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1, em www.dsgi.pt). No caso vertente o Tribunal, após ter rejeitado o recurso dos RR na parte em que impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de facto com fundamento em prova gravada, por inobservância dos ónus de especificação consagrados no art.º 640.º do CPC (sem embargo de se ter procedido a uma reapreciação alargada desta prova por força da impugnação à mesma decisão deduzida pelos AA), elencou as questões suscitadas no recurso sobre as quais tinha que se pronunciar, incluindo os erros no julgamento dos factos por aqueles invocados. E a todas elas deu resposta, ainda que a descontento do ora arguentes, pelo que não se verifica a apontada omissão. Face ao alegado pelos recorrentes, afigura-se que o vício em que este Tribunal teria, em seu dizer, incorrido, é outro, a saber, a violação da disciplina processual estabelecida para a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, a determinar eventual anulação do acórdão pelo STJ, caso assim fosse entendido (cf., a este respeito, ac. STJ de 4/10/2018, no processo 588/12.3 TBPVL.G2.S1, em www.dgsi.pt). Tal vício, na versão dos arguentes, decorreria do facto deste Tribunal da Relação não se encontrar em condições de proceder a uma efectiva reapreciação da matéria de facto, como prevê o art.º 662.º do CPC, atendendo a que a 1.ª instância teria alicerçado a sua convicção em elementos constantes dos processos consultados, sem que estes tivessem sido juntos aos autos e sem que tivesse sido diligenciada a sua obtenção. Ora, sem embargo de entendermos que tal vício não se verifica, tendo este Tribunal tido à sua disposição e reapreciado com amplitude todos os meios de prova de que a 1.ª instância se serviu, afigura-se que não cabe a esta conferência emitir pronúncia sobre o mesmo nos termos do art.º 666.º do CPC, por configurar antes alegação de violação de lei processual que é fundamento da revista em conformidade com o que dispõe a al. b) do n.º 1 do art.º 674.º do mesmo diploma legal, a apreciar pelo STJ”. Quer dizer: não obstante interpretar a arguição dos recorrentes como respeitante, de facto, ao vício da violação do artigo 662.º do CPC, o Tribunal recorrido não se furtou a afirmar que tão-pouco existia o vício formalmente invocado– a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC. Veja-se, então. Na norma em apreço dispõe-se: “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (…)”. Presumindo, face ao conjunto de argumentos apresentados pelos recorrentes, que aquilo que está em causa é, de facto, a omissão de pronúncia referida na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, logo se antecipa que não é possível dar-se razão aos recorrentes. É por demais sabido (a jurisprudência é abundante) que a omissão de pronúncia ocorre sempre que o Tribunal não se pronuncia sobre questões e sobre questões relativamente às quais ele tenha o dever de se pronunciar. Ora, é inegável que o Tribunal recorrido enumerou as questões suscitadas no recurso de apelação interposto pelos recorrentes e pronunciou-se sobre todas elas. O facto apontado ao Tribunal recorrido (“ter deixado por apreciar as questões suscitadas com base nos dois processos judiciais que a Comarca, oficiosamente, decidiu consultar e em que fundamentou a sua decisão”) não consubstancia omissão de pronúncia porque a referência pelos apelantes ao que consta dos dois processos judiciais não se qualifica como questão mas como mero elemento de apoio ou argumento. E sobre estes o Tribunal recorrido, podendo embora pronunciar-se se assim entendesse útil ou relevante, não tinha o dever de se pronunciar, pelo que o seu eventual silêncio não é causa de nulidade. Mas, como se disse acima, apesar de responder a esta arguição de nulidade, o Tribunal da Relação interpretou-a como sendo a arguição de outro vício, relacionada com o mau uso dos poderes do artigo 662.º do CC, rejeitando-a também.  O certo é que, mesmo que se presuma que aquela era a real vontade dos recorrentes e se reinterprete ou se estenda o alcance da arguição de nulidade, confirma-se a sua improcedência.  Ver-se-á por que razão em sede adequada, ou seja, no contexto da questão que se segue, respeitante, justamente, aos poderes de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.   2. Da violação de normas sobre reapreciação da decisão sobre a matéria de facto Antes de mais, deve compreender-se em que se consubstancia esta questão. Para este efeito, uma das conclusões mais relevantes é a conclusão 1, onde logo se peticiona a revogação da decisão sobre a matéria de facto provada.  Em face disto, torna-se conveniente fazer algumas observações. Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece, em regra, de matéria de direito. No que toca à matéria de facto, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça sofrem, com efeito, muitas limitações: apenas é admissível ao Supremo conhecer da decisão sobre a matéria de facto a título residual, com o propósito de garantir a observância das regras de Direito probatório material ou de ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta das disposições do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC[1]. Mais precisamente, e como se diz no primeiro destes dispositivos, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais não pode ser objecto de recurso de revista”, só podendo o Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”. Quer isto dizer, por outras palavras, que o Supremo Tribunal só pode intervir quando tenha sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando tenha sido dado como provado determinado facto por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando tenha sido dado como não provado determinado facto por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere[2].  É entendimento corrente que, além disto, o Supremo Tribunal de Justiça tem ainda a possibilidade de apreciar o uso que o Tribunal da Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, sendo o “mau uso”[3] (uso indevido, insuficiente ou excessivo) susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674º, nº 1, al. b), do CPC[4].  Nada disto significa – insiste-se – que o Supremo Tribunal esteja autorizado a controlar a decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto ou a “imiscuir-se” na valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido segundo o critério da sua livre e prudente convicção. Estas são actividades que estão e permanecem interditos a este Supremo Tribunal[5]. Posto isto, volte-se à decisão sobre a matéria de facto e, depois, ao que é alegado nas conclusões. Como já se viu, resulta do Acórdão recorrido uma alteração não insignificante da decisão sobre a matéria de facto. O Tribunal alterou, designadamente, os factos provados 4, 6, 7, 8, 10, 15, 18, e eliminou o facto não provado sob a al. c), decidindo manter os restantes factos provados e não provados como tais. Veja-se. mais precisamente. O Tribunal recorrido alterou o teor do facto provado 4, com intenção de dar a este e ao (anterior) facto provado 8 uma redacção única. Assim, onde constava: 4. O prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...50º é composto por habitação térrea destinada a habitação, com quatro compartimentos e um compartimento separado destinado a cozinha e corredor, com a área total de 50,5 metros quadrados, foi inscrito na matriz por QQ e pertencente a “herdeiros de RR e mulher QQ”, como novo, em 19 de fevereiro de 1979, constando que “O prédio acima referido foi construído no prédio rústico da dita freguesia inscrito na matriz sob o n.º ...16, há mais de 5 anos”, tal como resulta de fls. 19 a 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Passou a constar: 4. A declaração para inscrição do prédio urbano identificado em 3., a que foi atribuído o artigo matricial 4850.º, foi efectuada em 19 de Fevereiro de 1979, com indicação de que o mesmo se encontrava construído há mais de 5 anos, tendo sido declarante QQ, na qualidade de cabeça de casal por óbito de RR e mulher, QQ, vindo a ser inscrito na matriz urbana da freguesia ... no ano de 1986, conforme resulta de fls. 19 a 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. O Tribunal recorrido alterou ainda o teor do facto provado 6. Onde constava: 6. No prédio inscrito na matriz sob os artigos ...54º e ...50º funciona um estabelecimento de restauração e bebidas denominado “Restaurante F...”, explorado, até pelo menos 6 de março de 2018, por OO e mulher PP, desde data não concretamente apurada. Passou a constar: 6. O prédio onde funcionou e funciona o estabelecimento de restauração e bebidas denominado Restaurante F... corresponde na verdade ao edificado pelo pai da autora, inscrito na matriz sob o art.º ...54º, tendo sido explorado até Março de 2018 por OO e mulher, PP e, depois, pela sociedade D..., Unipessoal Lda., tendo-se aqueles e esta mantido no imóvel com autorização da autora BB e seu falecido marido, concedida aos primeiros cerca do ano de 1993. O Tribunal recorrido modificou também o teor do facto provado 7. Onde constava: 7. O edifício inicialmente construído no prédio inscrito na matriz sob os artigos ...54º e ...50º foi construído pelo pai/avô dos Autores. Passou a constar: 7. O aludido prédio, na sua configuração original, foi construído por LL, filho de FF e GG, pai da autora BB e avô dos intervenientes no final dos anos 50, início dos anos 60. O Tribunal recorrido modificou igualmente o teor do facto provado 8. Onde constava: 8. A inscrição do prédio na matriz sob o artigo ...50º é anterior a 7 de agosto de 1951 como decorre da certidão do Serviço de Finanças de fls. 128, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Passou a constar um facto completamente novo, qual seja: 8. A casa dos Rendas já não existe, tendo ruído, sendo possível ver a nora como vestígio. Isto determinou a eliminação do facto não provado sob a al. c), que era incompatível com este novo facto provado[6]. O Tribunal foi impelido a esta alteração em razão, sobretudo, da prova testemunhal produzida. O Tribunal recorrido alterou ainda o teor do facto provado 10. Onde constava: 10. No prédio inscrito na matriz sob os artigos ...54º e ...50º funcionou uma ... onde se vendiam bebidas e refeições ligeiras, tendo o estabelecimento licenciado a VV em 1986, tal como resulta de fls. 136, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Passou a constar: 10. Por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 24 de Maio de 1996, VV e mulher, WW, casados sob o regime da comunhão geral, e XX e mulher, YY, representados no acto pelo Dr. ZZ, declararam vender a T..., Lda., representada pelo Dr. AAA, respectivamente, 4/25 e 1/25 (avos) do prédio urbano destinado a habitação, sito no sítio do ..., Freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...09 do L.2 B-cento e três, inscrito na matriz sob o art.º ...50º, pelo valor de 100 000$00, que os vendedores declararam ter já recebido, tendo a segunda outorgante aceitado a venda para a sociedade sua representada, tudo conforme consta do doe. de fls. 169 a 172, cujo teor aqui se dá por reproduzido. O Tribunal recorrido modificou o teor do facto provado 15. Onde constava: 15. II, em conjunto com dos filhos, colocaram o estabelecimento em funcionamento e passaram a trabalhar nele, servindo clientes e do mesmo retirando os inerentes proveitos, tendo feito reparações no mesmo. Passou a constar: 15. Por transação homologada por sentença de 10 de Maio de 2005 no âmbito da ação n.º 28/1992 que lhes foi movida por III, na qualidade de único herdeiro de SS, as Rés T..., Lda., e T..., Lda.., confessaram os pedidos, tendo reconhecido que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24º a fls. 62-v.º do Livro B 83, com a inscrição de propriedade n.º ...04 de 14-06-1963 a favor do Autor, era propriedade exclusiva deste, sendo marcado em planta topográfica o prédio em causa, tendo as Rés renunciado a reivindicar os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os números ...09 e ...99, “cujas descrições coincidem com parte do prédio n.º ...24, à qual serão anexadas”, tal como resulta de fls. 397 a 423, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. O Tribunal recorrido alterou, por fim, o teor do facto provado 18. Onde constava: 18. Em 2013, os ora Réus intentaram ação de reivindicação contra OO e PP que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Instância Local Cível ... – Juiz ..., sob o n.º de processo 709/13...., reivindicando, enquanto proprietários, a entrega do prédio que OO e PP exploram, sem qualquer título, como restaurante, alegando tratar-se do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...50º da Freguesia ... onde está instalado o Restaurante F... e pedindo a condenação dos Réus nesse processo na entrega do imóvel, tendo sido julgada procedente tal açãopor decisão transitada em julgado, não tendo a Autora intervindo em tal ação, tal como resulta de fls. 117 a 318, 343 a 364, 373 a 396, 472 a 477, 539 a 568 e 581 a 588, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Passou a constar: 18. OO e PP alegaram na contestação do processo n.º 709/13...., que lhes foi movida pelos aqui RR, que no ano de 1988 a ré mulher tinha adquirido, mediante trespasse, o estabelecimento de ... a VV e sua mulher, sem que tivesse sido celebrada a escritura pública. Como se viu, os recorrentes não se conformam com esta (nova) decisão sobre a matéria de facto e pedem a sua revogação, com fundamento seja em violação de normas de Direito probatório material, seja, mais implicitamente, em violação da lei processual. Na conclusão 1 explicam os recorrentes que: “1 - A decisão da matéria de fato provada (designadamente pontos 1, 6 e 7) deve ser revogada por inexistir prova com força probatória legal que permita o que ali se conclui, não tendo a escritura de habilitação de herdeiros e a prova testemunhal força probatória legal de constituição do direito de propriedade do imóvel na esfera jurídica dos pais da autora BB (referidos no acórdão recorrido como os transmitentes originários e legítimos proprietários, em desobediência ao artigo 371.º do CPC, que foi violado)”. Veja-se se se confirma esta alegação dos recorrentes[7]. O artigo 371.º do CC tem o seguinte teor: “1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador. 2. Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória”. Ora, o Tribunal a quo não criou a convicção de que os pais da autora eram proprietários do prédio (ou de que os autores, como sucessores deles, eram os actuais proprietários) exclusivamente com base na escritura de habilitação de herdeiros ou nos testemunhos produzidos. Quanto à escritura de habilitação de herdeiros – e, aliás, quanto a toda a prova documental – verifica-se que não se retirou dela quaisquer factos que dela não pudessem resultar, ou seja, nada mais do que o facto da sucessão. Quanto à prova testemunhal, ela foi com certeza ponderada, mas, primeiro, foi ponderada não isolada mas conjuntamente com outros elementos de prova (documental e pericial) e, segundo, foi ponderada nos termos admitidos por lei, valendo quanto a ela o princípio da livre apreciação do julgador (cfr. artigo 396.º do CC). Não envolvendo o raciocínio o Tribunal a quo uma interpretação errada ou indevida de normas de Direito probatório material, em particular do artigo 371.º do CC, não pode acompanhar-se os recorrentes de que há violação desta ou de alguma norma deste tipo. Adiante, na conclusão 6, os recorrentes alegam violação do artigo 581.º, n.º 4, do CPC (princípio da consubstanciação)[8], o que decorreria no facto de se considerar os autores proprietários do prédio sem que “os autores [tivessem alegado] fatos e atuações que permitissem concluir que o pai da autora BB era o proprietário originário (e legítimo) do prédio, que na sua esfera jurídica estava constituído o direito de propriedade, por via de uma modo legítimo de aquisição/constituição (originária), não bastando que "o pai da autora construiu a casa". Dispõe-se no n.º 4 do artigo 581.º do CPC: “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”. Sobre esta norma, convoque-se, desde logo, Abrantes Geraldes, que explica que “o legislador fez uma opção clara ente dois sistemas possíveis: o da individualização ou o da substanciação da causa de pedir. Ao primeiro bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se, após a sentença, a alegação de factos anteriores e que, porventura, não tivessem sido alegados ou apreciados. Já a opção pela teoria da substanciação implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada. Foi esta a opção a que aderiu o legislador (…)”[9]. Afirma-se em Acórdão deste Supremo Tribunal que “a orientação corrente vai no sentido de que o artigo 581.º, n.º 4, do CPC acolhe a doutrina da substanciação, segundo a qual a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido” [10].  Com especial relevância para os presentes autos, afirma-se noutro Acórdão deste Supremo Tribunal, que “[s]egundo a doutrina e jurisprudência dominantes, nas ações reais – máxime na ação de reivindicação prevista no art.º 1311.º do CC -, a pretensão não se poderá fundar exclusivamente na invocação de um título de aquisição derivada do direito peticionado. Nesse domínio, em consonância com a teoria da substanciação subjacente ao disposto no atual artigo 581.º, n.º 4, do CPC, torna-se necessário que o adquirente demonstre que o direito existia na esfera do alienante, alegando e provando os factos que consubstanciam a sua causa genética - usucapião, ocupação ou acessão”[11]. O Tribunal abordou directamente este ponto, afirmando: “(…) não tendo invocado a aquisição originária por usucapião, não deixaram a A e os intervenientes de invocar a seu favor o facto aquisitivo sucessão hereditária (a existência de uma presunção legal, designadamente a derivada do registo, não vale como facto aquisitivo) e ainda a prática de actos de posse, primeiro com a alegação da construção do imóvel pelo pai e avô, depois com a ocupação, por si consentida e em seu nome, que os identificados OO e mulher dele vêm fazendo desde 1988, mediante a exploração do estabelecimento comercial nele instalado (art.es 17.9 a 19.9 da petição)”. E discorreu, em seguida, assim: “Quem invoca a seu favor, como é o caso, um facto meramente translativo, próprio da aquisição derivada, terá que provar que o direito já existia no transmitente, estabelecendo uma cadeia conducente à sua aquisição originária. Reconhecendo o legislador as dificuldades probatórias assim criadas, consagrou um conjunto de presunções legais, designadamente as que resultam da posse, que favorecem o reivindicante, porquanto, conforme é sabido, quem beneficia de uma presunção fica dispensado de fazer prova do facto a que ela conduz (cf. art.9 351 n.9 1), cabendo à parte contrária a sua ilisão mediante a prova do contrário (cf. o n.9 2 do mesmo preceito). Segundo a presunção estabelecida no já citado n.s 1 do art.9 1268.9 "O possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse". A posse, define-a a lei como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real (art.9 1257.9). Conforme vem sendo tradicionalmente entendido, aceitando que a nossa lei civil acolheu nesta matéria a tese subjectivista13, a posse pressupõe a reunião do elemento material, "corpus", que se traduz nos actos materiais praticados sobre a coisa, e do elemento psicológico, o "animus", ou intenção de se comportar como verdadeiro titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados. Todavia, o poder de facto "é menos um contacto com a coisa do que uma imissão desta na zona da disponibilidade empírica do sujeito"14. O corpus, exprimindo a situação própria de quem, sendo titular de um poder de controlo material sobre uma coisa, pode conferir-lhe as afectações que, pela sua própria natureza, seja capaz de admitir, distingue-se da detenção, que designa a situação da pessoa que, tendo a coisa fisicamente em seu poder, se limita a exercer os correspondentes poderes de facto.15 A possibilidade da posse surgir dissociada da detenção justifica que seja ainda possuidor aquele que possui por intermédio de outrem. Reconhecida a dificuldade de fazer a prova da posse em nome próprio que não seja coincidente com a prova da titularidade do direito aparente (e este pode nem sequer existir), dispõe o n.º 2 do art.e 1252.º que "em caso de dúvida presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto"16, presunção que pode ser ilidida, designadamente pela prova de que o exercente do poder de facto apenas possui em nome alheio. A posse, nos termos do art.9 1263.-, adquire-se, para o que ora releva, "pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito" (vide a al. a) do art.º 1263.º). Conforme ensina o Prof. Menezes Cordeiro "o apossamento corresponde à tomada do controlo material duma coisa"17. A constituição da posse ex novo implica "uma materialidade indubitável", exigindo-se ainda que se trate de uma "actuação que, de acordo com as circunstâncias, faculte um controlo duradoiro da coisa", traduzindo por último o requisito da publicidade "a cognoscibilidade do início da posse pelos interessados"18. O acto de investidura na posse há-de, pois, ser um acto material, mas "(...) sendo a relação possessória uma relação permanente, duradoura, ela só pode resultar de um facto ou de um conjunto de factos que, segundo o modo normal de conceber as coisas, signifiquem que, aquele que em determinado lugar os praticou, pretende exercer sobre a coisa um poder permanente."19 Volvendo ao caso que nos ocupa, resulta dos factos provados que o prédio onde se encontra instalado e a funcionar desde pelo menos 1986 um estabelecimento comercial, primeiro, ..., depois, e desde cerca de 1990, restaurante, foi edificado no final dos anos 50, princípio dos anos 60, pelo pai e avô da autora e intervenientes, acto inequívoco, pela sua energia, de investidura na posse do mesmo imóvel nos termos do direito de propriedade. Não resultando do acervo dos factos provados que o referido LL tenha traditado o imóvel -o negócio de compra e venda celebrado com SS em 1963 e formalizado por escritura pública não contempla, ou tanto não se provou, o prédio urbano (que, à data, faz-se notar, já se encontrava inscrito na matriz)-, aquando da sua morte e do cônjuge, ocorridas em 6/5/79 e 10/10/79, respectivamente, beneficiavam da presunção de titularidade do direito, tendo-lhes sucedido, no direito e na posse, a aqui autora BB, sua única herdeira, casada então com NN segundo o regime da comunhão geral de bens (cf. art.s 1255.º). Conforme explica o Prof. Menezes Cordeiro20, "a sucessão na posse exprime o fenómeno pelo qual, havendo sucessão por morte, a posse continua na esfera do sucessor. (...) A sucessão na posse é um fenómeno de sucessão "próprio sensu" e não uma mera transmissão. Tudo se passa como se, constituída uma situação possessória, esta permanecesse estática, havendo, apenas, uma modificação no seu sujeito." Daí que não seja necessária a apreensão material da coisa ou qualquer acordo ou declaração de vontade a tanto dirigida. Assim estabelecido que a autora sucedeu a seus pais na posse do imóvel, resultou todavia apurado que no ano de 1986 VV instalou no local e licenciou um estabelecimento de ..., cuja exploração cedeu a OO e mulher, após o que, em 1990, II, em conjunto com pelo menos um dos filhos, procedeu a reparações e melhoramentos no imóvel tendo em vista o seu funcionamento como estabelecimento de restauração. A exploração deste estabelecimento veio igualmente a ser cedida aos mesmos OO e mulher, mediante uma contrapartida monetária, situação que perdurou até cerca 1992/1993. Sabe-se finalmente que no ano de 1992 foi instaurada acção pelo sucessor de SS, que o opôs às aludidas sociedades T..., Lda e T..., Lda., a reivindicar o imóvel em causa, litígio que findou em 2005 com termo de transacção nos termos especificados no ponto 15., e no qual a autora não teve qualquer intervenção. Sendo a factualidade elencada a nosso ver insuficiente para que dela se possa extrair a conclusão de que a autora abandonou o prédio -abandono que, nos termos do art.9 1267, n.9 1, al. a) é causa da perda da posse, permitindo eventual apossamento por terceiro-, uma vez que tal implica a cessação voluntária do controlo possessório sobre a coisa, o que tem de ser revelado por um acto material "com um mínimo de intensidade e de publicidade, de modo a ser cognoscível pelos interessados"21, torna-se irrelevante discutir a admissibilidade do abandono de coisa imóvel. Por outro lado, a apurada instalação no imóvel de um estabelecimento comercial feita pelo VV, cuja exploração cedeu a terceiros, à semelhança do que ocorreu posteriormente com uma das sociedades representadas pelo falecido pai dos RR, é uma actuação equívoca no seu significado, uma vez que a posse do estabelecimento não tem inerente a posse (civil) do imóvel onde se encontra instalado. Sendo, portanto, os factos apurados insuficientes para suportarem a afirmação de que ocorreu esbulho, acto constitutivo, após o decurso do prazo de 1 ano, de uma nova situação possessória nos termos do art.9 1267.9, n.9 1, al. d) e n.9 2, fica afastado o funcionamento da presunção estabelecida no n.º 2 do art.9 1262.9, que só beneficia o exercente do poder de facto se foi o iniciador da posse, sentido da ressalva final do preceito, excluindo que os antecessores dos RR sejam tidos como possuidores. A posse do imóvel continuou, pois, nos termos do n.9 2 do art.9 1257.9, em nome de quem a iniciou, no caso os antecessores dos AA, presunção que não resultou ilidida, antes reforçada pelo teor do ponto 6. dos factos provados. Tratando-se de posse exercida nos termos do direito de propriedade, gozam da presunção de titularidade do mesmo (art.9 1268.9), o que conduz à procedência da acção”. Lendo a petição inicial, é possível confirmar que os autores alegaram – não deixaram de alegar – o conjunto de factos concretos que integram o núcleo essencial ou servem de fundamento ao efeito jurídico por eles pretendido – alegaram, em suma, que o pai da autora tinha construído o prédio e que o prédio se encontrava ocupado desde 1988 por OO e PP, que, com o consentimento, nele exploravam um estabelecimento comercial de restauração. Os autores alegam, designadamente nos artigos 17.º e 19.º da p.i.: “17. No prédio inscrito na matriz sob o artigo ...54 funciona um estabelecimento de restauração e bebidas denominado “Restaurante F...”, explorado por OO e mulher PP, desde o ano de 1988, com o consentimento desta. 18. A ação intentada pelos réus em 2013 contra OO e mulher PP, colide e é incompatível com o direito de propriedade da autora. 19. O edifício inicialmente construído no prédio da autora e ainda existente, foi construído pelo pai da autora, nunca tendo tido outros proprietários além dos avós, dos pais e, atualmente, da própria autora”. Pelo exposto, a conclusão do Tribunal recorrido – de que, em síntese, os autores são proprietários do prédio porque sucederam na posse ao pai da autora (cfr. artigos 1252.º, n.º 2, e 1255.º do CC) e não foi ilidida a presunção da titularidade do direito a favor dos possuidores (cfr. artigo 1268.º do CC) – não implica desrespeito ou violação do princípio da consubstanciação. Por fim, é chegada a altura de dar – de voltar a dar – relevância às conclusões 15 e 16: “15-0 princípio da verdade material, que decorre dos artigos 411.º, 436.º e 521.º, n.º 1 do CPC, designadamente, visa a coincidência da realidade processual com a realidade extra-processual, e obriga o tribunal recorrido a investigar oficiosamente toda a matéria de fato invocada pelos recorrentes, em especial o que consta dos dois processos judiciais em causa, os quais sustentaram a decisão da primeira instância (no uso de poderes de ofício) e foram invocados pela parte no seu recurso. 16 - Não tendo a Comarca remetido os dois processos com o recurso, ao contrário do que os recorrentes tenham julgado que iria fazer, e por isso não pediram certidão dos mesmos, o que, aliás, dado o seu volume, seria economicamente deveras penalizador, cerceia o direito dos recorrentes a uma decisão justa e segura, e viola o princípio da justiça e da proporcionalidade, pelo que deve o Acórdão, nesta parte, ser declarado nulo e ordenada a apreciação da decisão também com fundamento no conteúdo dos dois processos judiciais”. Os recorrentes alegam que o Tribunal recorrido omitiu uma diligência que seria necessária para o apuramento da verdade material – que o Tribunal recorrido não ordenou a remessa de certos processos que os recorrentes consideram relevantes. Como se viu atrás, os recorrentes associam este facto à nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, mas o que parece estar em causa é um argumento que se integra na questão que se aprecia agora, sobre os poderes de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto. Os recorrentes terão pretendido alegar que o Tribunal a quo devia ter ido mais longe no apuramento da factualidade relevante para o caso e que, ao ficar aquém, fez um “mau uso” dos poderes-deveres que a lei (o artigo 662.º do CPC) lhe confere no âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto. A ser este o caso, deve dizer-se que não há razão para considerar que o Tribunal recorrido tenha feito um “mau uso”[12], um uso indevido, insuficiente ou excessivo dos poderes que lhe são atribuídos na norma do artigo 662.º do CPC. O artigo 662.º o CPC dota o Tribunal da Relação de uma considerável margem de manobra quanto às diligências a ordenar com relevância para a reapreciação da matéria de facto. Mas o Tribunal só toma qualquer destas iniciativas quando considere necessário e adequado. Ora, depois da leitura atenta do Acórdão recorrido nas partes relevantes, não há razão para concluir que a adopção ou a omissão de quaisquer diligências mereça censura por ser sido inoportuna ou injustificada.  Em relação aos processos cuja falta de junção aos autos origina o descontentamento dos recorrentes, verifica-se, aliás, que o Tribunal se referiu à sua irrelevância ou ao seu desinteresse para a decisão da causa, dizendo o seguinte: “Parece oportuno aqui referir que os reconvintes incorrem em erro quando pretendem que o Tribunal ordenou a apensação aos presentes autos dos processos que correram termos sob os n.ºs 28/1992 e 709/13.... porquanto, conforme resulta do despacho proferido em acta na sessão da audiência final que teve lugar no dia 19/2/2020 (cf. fls. 885), os aludidos processos foram solicitados a título meramente devolutivo, donde os documentos deles extraídos a considerar serão apenas os que se encontram juntos aos autos e referenciados na sentença apelada, posto que a junção de outros não foi requerida por qualquer das partes ou oficiosamente determinada. Ainda assim, não deixará de se referir que ao pedido de rectificação da transação lavrada na acção que opôs III (filho de SS) às sociedades T..., Lda. e T..., Lda.. não será de atribuir, em nosso entender, o sentido que os RR pretendem e indicam no recurso interposto. Com efeito, sendo certo que no pedido formulado as partes pretendem revogar a transacção no segmento que diz respeito ao urbano, um sentido possível a atribuir à declaração do filho de SS será o de reconhecer que o prédio não se encontrava de facto incluído no negócio celebrado no ano de 1963 entre o seu falecido pai e LL, sendo-lhe portanto indiferente reconhecer um terceiro, no caso uma das sociedades, como seu dono”. Em conclusão, foram bem exercidos os poderes-deveres de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, tendo o Tribunal recorrido reavaliado os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação e respeitado as normas aplicáveis aos demais, reponderado as questões de facto em discussão e aquelas que por sua iniciativa considerou ser de reponderar. Adoptou, em síntese, o Tribunal recorrido as medidas dirigidas ao objectivo legalmente visado – a criação fundada de uma convicção própria ou autónoma sobre a matéria de facto –, não merecendo a sua conduta nenhuma reprovação.  * III. DECISÃO  Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.   * Custas pelos recorrentes. * 
 Lisboa, 31 de Março de 2022   Catarina Serra (relatora)  Rijo Ferreira  Cura Mariano _____ [1] Sobre isto cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), pp. 453 e s. e pp. 489 e s. [2] Cfr., neste sentido, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2009, Proc. n.º 474/04.0TTVIS.C1.S1. [3] Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015, Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt). [4] Sobre isto cfr., entre muitos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2016, Proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2019, Proc. 156/16.0T8BCL.G1.S2, relatado pela presente relatora. |