Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | NELSON BORGES CARNEIRO | ||
| Descritores: | ADMISSIBILIDADE RECURSO DE REVISTA RECURSO SUBORDINADO DUPLA CONFORME CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODERES DE COGNIÇÃO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA RESPONSABILIDADE CIVIL INTERVENÇÃO CIRÚRGICA DEVER DE INFORMAÇÃO CULPA DO LESADO INDEMNIZAÇÃO CÁLCULO EQUIDADE | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | I – O recurso de revista subordinado está sujeito à regra da inadmissibilidade do recurso em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671.º/3, não sendo aplicável, neste caso, o disposto no art. 633.º/5, ambos do CPCivil.
II – A conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º/3, do CPCivil, é avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação. III – Na interpretação de tal preceito importa que se pondere também o elemento racional ou teleológico, devendo assimilar-se ao conceito de “dupla conforme” a situação em que, relativamente à decisão ou segmento decisório que se pretende impugnar, a Relação profere uma decisão que se revela mais favorável ao recorrente do que a proferida pela primeira instância. IV – Existe dupla conforme entre as decisões das instâncias sempre que o recorrente obtém uma decisão mais favorável, quantitativa ou qualitativamente, ainda que não tenha obtido vencimento integral do recurso. V – Se a primeira instância tiver condenado em determinada quantia, e a Relação, no âmbito de recurso de apelação, tiver julgado parcialmente procedente o pedido e reduzido essa condenação (ainda que em proporção inferior à pretendida), está vedada à parte a interposição de recurso de revista pela via do art. 671º, apenas sendo admissível nos termos previstos pelo art. 672º, ambos do CPCivil. VI – Nas competências do Supremo Tribunal de Justiça cabe verificar se a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação respeitou as normas de direito probatório aplicáveis (arts. 674º/1/b/3, e 682º/3, do CPCivil). VII – Daí que não possa censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre, a que alude o art. 607.º/5 do CPCivil. VIII – O conteúdo do dever de informação é elástico, devendo abranger o diagnóstico e as consequências do tratamento, as vantagens e os riscos. IX – Compete, via de regra, à instituição de saúde e/ou ao médico provar que prestou ao paciente as informações devidas e adequadas para que este pudesse livre e esclarecidamente exercer o seu direito de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde. X – O risco de uma falta ou deficiência de informação recai sobre a instituição de saúde e/ou o médico, pois, em geral, médico e paciente não se encontram em paridade situacional, em pé de igualdade, porquanto o último não tem e nem pode ter a mesma quantidade e a mesma qualidade de informação do primeiro. XI – Para efeitos de repartição da responsabilidade entre o agente e o lesado, nos termos do artigo 570.º/1, do CCivil, importa que a conduta ilícita e culposa imputada a este lesado se mostre causal da produção do acidente, à luz da teoria da causalidade adequada. XII – Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos. XIII – Assim, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estão preenchidos os pressupostos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, v.g., o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado e, se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça: 1. RELATÓRIO AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e CENTRO DE CIRURGIA ESTÉTICA AVANÇADA DR. ENRIQUE SANZ GUARDO, LDA, pedindo a condenação destes a pagarem uma indemnização no valor de 79 662,38€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados à taxa legal desde a data da citação. Foi proferida sentença em 1ª instância que condenou os réus, solidariamente, no pagamento à autora da quantia de 65 000,00€ (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento. Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que substituiu por outra a reduzir a indemnização à quantia de 20 000,00€. Inconformada, veio a autora interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações1,2 que apresentou as seguintes CONCLUSÕES3: I. Por douta Sentença proferida em 22-05-2024, o Tribunal ad quo julgou a presente ação de processo comum, parcialmente procedente por provada, e, em consequência, condenou os Réus, “…solidariamente, no pagamento à autora da quantia de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento”, absolvendo os “…réus do mais peticionado” e custas “…suportadas por autora e réus, na proporção do decaimento (art.º 527º do CPC); II. Interposto recurso para a Relação, foi o mesmo decidido conforme douto Acórdão que julgou “…parcialmente procedente o recurso e em reduzir a indemnização à quantia de €20.000,00” e “Custas na proporção do decaimento”, não se conformando com o mesmo, dele vem a recorrente interpor o competente recurso de REVISTA, para o Supremo Tribunal de Justiça. III. Com o presente recurso, a Autora pretende que esse Venerando Tribunal se pronuncie sobre as seguintes questões: IV. Factos que a Sentença julgou não provados e que foram impugnados, são estes: c) “147 - Após a cirurgia, a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação.” d) “166 - A autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e respostas a todas as suas questões”. V. Da impugnação pelos Réus do facto não provado 147 que pretendem ver provado, a Apelação no seu douto Acórdão, alterou o sentido da Sentença do tribunal recorrido, modificando-o e julgando-o como facto provado, com os fundamentos supra descritos (art.º 4) e concluindo: “Desta forma, deverá ser eliminado o facto 147 dos factos não provados, acrescentado ao elenco dos factos provados, o seguinte facto: - Após a cirurgia, a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter no pós-operatório”. VI. Da impugnação pelos Réus do facto não provado 166 que pretendem ver provado, a Apelação no seu douto Acórdão, modificou o sentido da Sentença do tribunal recorrido, julgando-o parcialmente procedente com os fundamentos supra descritos (art.º 5 destas Alegações) e concluindo: “Desta forma, impõe-se a alteração da resposta dada a este facto, devendo ser restringida o facto 166 dos factos não provados, à seguinte redação: Não provado que: 166 - A autora foi informada dos riscos do lipofilin das nádegas, peitos e rosto, tendo-lhe sido dadas todas as informações e a possibilidade de serem respondidas todas as suas questões. E provado que: - Relativamente aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, a autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e a possibilidade de serem respondidas todas as suas questões. Em face do exposto, a modificação da matéria de facto é parcialmente procedente. VII. Na douta Sentença recorrida, foram julgados factos provados e não provados, conforme supra descritos no (art.º 6 destas Alegações); VIII. Com a reprodução dos factos provados e não provados, pretende-se alcançar o DESACERTO do douto Acórdão recorrido que, ao decidir como decidiu, fez, salvo melhor opinião, uma incorreta interpretação dos factos, atento aos factos não provados impugnados pelos Réus, pelo que iremos demonstrar no decurso destas Alegações, os raciocínios ERRADOS que a Apelação trilhou, porque assentam em pressupostos falsos. (são da nossa responsabilidade o bold, o aumento de letras e o sublinhado, porque pretende-se através deles dar destaque às razões que justificam este Recurso). II - ERRO DE REAPRECIAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA E CONSEQUENTE MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA, POR PROVADA QUANTO AO FACTO: “147 – Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação”. IX. O Tribunal ad quem, julgou com o devido respeito que nos merece, incorretamente tal facto como provado, o qual, em nosso entender, não está conforme dispõe o art.º 662º, nº1, do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”; X. A Sentença, o tribunal ad quo fundamentou desta forma o facto julgado como não provado: “Ora neste ponto as declarações de parte do réu apenas foram sustentadas por CC, pessoa que por causa da sua ligação à clínica da Ré, tem forte interesse no desenlace dos autos e que, atentas as funções que declarou desempenhar na Ré, não se vê porque razão teria conhecimento direto de tais factos, e termina dizendo, “Assim, na dúvida, não conseguiu o tribunal dar tais factos como provados, isto é, que logo nesse momento tivessem tais recomendações sido prestadas à autora.”; XI. No Acórdão do tribunal ad quem fundamentou desta forma o facto julgado como provado: “Ora, na situação em apreço, não podemos subscrever a dúvida apontada pelo tribunal recorrido, desde logo porque, a própria autora nas declarações que prestou, reconheceu que quando saiu da clínica, o Réu lhe entregou uma papel com as recomendações e cuidados que deveria ter naquele período pós-operatório, quando afirmou, “o doutor BB entregou-me um papel com os cuidados que deveria ter da alimentação e dessas coisas”; XII. E prossegue o referido Acórdão, “Assim sendo, da conjugação dos depoimentos prestados pelo Réu, que relatou de forma pormenorizada as recomendações referentes ao pós-operatório que fez à autora/recorrida, conjugadas com o depoimento prestado por CC, sócio da 2ª Ré, o qual, na qualidade de colaborador exerce as funções de ... da clínica, que relatou que a clínica tem já um relatório pré-elaborado que entregam a todos os pacientes, para aqueles saberem como devem atuar no período pós-operatório, relativamente à retirada de pontos, tratamentos e outros cuidados, impõe-se a prova do facto impugnado, inexistindo qualquer dúvida, uma vez que a autora confirmou ter recebido precisamente “um papel com os cuidados que deveria ter.”; XIII. Afinal, a Autora recebeu “…um papel com os cuidados que deveria ter.” ou, recebeu “…um relatório pré-elaborado…”, para a Autora saber como deve atuar no período pós-operatório, relativamente, aos cuidados a ter na higiene corporal; na alimentação; na eliminação; no descanso e repouso; na realização das atividades de vida diária, (AVD) e outros cuidados pessoais? XIV. Se a autora recebeu um papel ou um relatório, fornecidos pelo Réu/cirurgião, o que é que consta desse papel, ou desse relatório pré-elaborado que lhe fora entregue? Que tipo de cuidados a Autora deveria ter no pós-operatório? Onde e como estão especificados? Que deveria fazer repouso, por quantos dias ou semanas? Que deveria retirar os pontos, a partir de que data? Que deverá mudar os pensos, com que periodicidade e onde? Na clínica da 2ª Ré, ou no local da sua residência (U.L.S. Faro)? Como deveria tomar os medicamentos prescritos? Que não deveria viajar, de carro ou de comboio, quando foi o próprio médico/Réu que a transportou no seu veículo e levou-a à estação de comboios no 2º dia do pós-operatório, (27-02-2016) para uma viagem de mais de 600 Km, durante sete (7) horas, na posição de sentada? XV. A Autora, tal como consta dos autos, deu entrada na clínica da 2ª Ré, por duas (2) vezes, sendo que a primeira vez no dia 25-02-2016 quinta-feira, para ser operada sob anestesia geral, tendo tido Alta no próprio dia e a segunda vez foi passados 14 dias, ou seja dia 10-03- 2016, quinta-feira, para limpeza cirúrgica das locas e fístulas, conforme supra descrito (art.ºs 19 e 25 destas alegações); XVI. No dia 26-02-2016, sexta-feira, 1º dia de pós-operatório, a Autora deslocou-se à clínica da 2ª Ré, para “…substituição do primeiro penso nos locais intervencionados, manteve cinta no abdómen e recomendado verbalmente pelo Réu a fazer repouso”, conforme (doc. 4, parágrafo 7º da P.I.), e no dia 27-02-2016, sábado, 2º dia do pós-operatório, no período da manhã, para mudar “…os pensos streril streeps das suturas oculares, afastou a cinta e soutien para retirar adesivos e penso compressivo da região lipoaspirada, assim como, das áreas enxertadas…”, e “recolocar cinta compressiva” (doc. 4, parágrafo 8º da P.I.); XVII. Neste dia 27-02-2016, foi-lhe recomendado verbalmente, manter a medicação oral e fazer repouso e descanso, e confecionar a alimentação líquida nos primeiros dias do pós operatório, não tendo a Autora recebido quaisquer outras recomendações terapêuticas. (cfr. doc. 4, parágrafos 7º e 8º da P.I.); XVIII. Ainda neste dia, foi-lhe entregue uma carta fechada dirigida à Enf.ª DD sobre os cuidados a prestar no pós-operatório. (cfr. doc. 4, parágrafo 8º da P.I.), e, pelas 16:00 horas, o Réu/cirurgião voltou a recomendar à Autora repouso e descanso, quando foi o próprio, de livre e espontânea vontade, se disponibilizou para de forma implícita, transportar a Autora, no seu veículo pessoal até à estação de comboios, a fim desta realizar uma viagem de 600 Km, entre o Porto e Faro, que durou 07:00 horas, aos balanços, sentada sobre as zonas onde fora enxertada 180 cc de gordura em cada nádega, conforme o Réu/cirurgião descreve no seu Relatório Médico. (doc. 4, parágrafo 8º da P.I.); XIX. Sabendo desde logo o Réu/cirurgião que, uma viagem tão longa e com tão poucas paragens, iria “estragar” o trabalho que tinha realizado dois dias antes, pelo que neste sentido, deveria ter estado muito mais atento e ter impedido a Autora de se deslocar para Faro e, no caso desta insistir naquela viagem para Faro, deveria tê-la obrigado a assinar um Termo de Responsabilidade, afastando desta forma, qualquer ónus que o responsabilizasse quanto aos riscos que poderia daí ocorrer; XX. Na segunda vez que deu entrada na clínica da 2ª Ré, ocorreu passado 14 dias, ou seja, dia 10-03-2016, quinta-feira, fez limpeza cirúrgica das locas e fístulas sob sedação, devido à infeção generalizada nas zonas onde ocorrera o (lipifilling) enxerto de gordura. (doc. 4, parágrafo 16º a 32 da P.I.); XXI. Teve Alta no dia 25-03-2016, ainda com “…loca no buraco inferior do sulco Intra mamário do peito direito…”, (doc. 4, parágrafo 32º da P.I.), e, por indicação do Réu, a Autora regressa a Faro, tendo-lhe sido entregue um “RELATÓRIO MÉDICO” elaborado por aquele, que descreve os procedimentos, as datas, as recomendações e os cuidados médicos que recebeu durante as duas vezes que ingressou na clínica da 2ª Ré. (doc. 4 da P.I.); XXII. Neste mesmo dia, foi-lhe entregue pelo Réu/cirurgião, um documento intitulado “CURAS DONA AA” a fim de ser entregue à Enf.ª DD com orientações clínicas, (doc. 6 da P.I.), e ainda, uma carta intitulada “MEDICAÇÃO ATUALMENTE DONA AA”, para ser entregue à sua médica de família, Dr.ª EE, com as indicações terapêuticas que estava a fazer e que deveria continuar. (doc. 18 da P.I.); XXIII. Logo, quando a Autora (em sede de depoimento de parte) declarou que “o doutor BB entregou-me um papel com os cuidados que deveria ter, da alimentação e dessas coisas…”, não se estava a referir ao dia da Alta ocorrida na 1ª vez que esteve na clínica da 2ª Ré, (25-02-2016) mas sim, ao dia em que teve Alta pela 2ª vez da clínica da 2ª Ré, conforme Relatório elaborado pelo Réu/cirurgião em 25-03-2016. (doc. 4 da P.I.); XXIV. Assim, contrariamente ao alegado pela testemunha CC, que exercia as funções de ... da clínica, à data da 1ª Alta, (25-02-2016), não foi entregue à autora, qualquer “…relatório pré-elaborado, que entregam a todos os pacientes, para aqueles saberem como devem atuar no período pós-operatório, relativamente à retirada de pontos, tratamentos e outros cuidados…”; XXV. Pelo que, no Acórdão recorrido, face à análise crítica das provas carreadas para os autos, atento à fundamentação da matéria de facto, não existem quaisquer dúvidas, que andou bem o tribunal ad quo, ao ter julgado o facto 147 – “Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação” como facto não provado, uma vez que na data da 1ª Alta, (25-02-2016) não se provou que o Réu/cirurgião, nem a testemunha CC, tenham entregue à autora, “um papel ou relatório com os cuidados que deveria ter, da alimentação e dessas coisas” com as recomendações no pós-operatório, conforme (doc. 4, parágrafos 6º a 8º da P.I.); XXVI. Este ponto, nunca poderia ter sido dado como provado pela Apelação, mas, tendo-o sido, é não só inócuo e conclusivo, dele nada se retirando de concreto, quanto à violação dos cuidados no pós-operatório por parte da Autora; XXVII. Porquanto, decidiu bem o Tribunal ad quo ao julgar o facto 147 – “Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação” como facto não provado, por entender que “…as declarações de parte do réu apenas foram sustentadas por CC, pessoa que por causa da sua ligação à clínica ré, tem forte interesse no desenlace dos autos e que, atentas as funções que declarou desempenhar na ré, não se vê porque razão teria conhecimento direto de tais factos.” e porque, “…na dúvida, não conseguiu o tribunal dar tais factos como provados, isto é, que logo nesse momento tivessem tais recomendações sido prestadas à autora.”; III - ERRO DE REAPRECIAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA E CONSEQUENTE MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA, POR PROVADA QUANTO AO FACTO: Facto 166 – “A autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e resposta a todas as suas questões”. XXVIII. O Tribunal de ad quem, com o devido respeito que nos merece, julgou o facto 166 como provado, o qual em nosso entender, incorretamente, tendo-o relacionado com os factos 97 e 5 dados como provados na Sentença recorrida e conforme (art.ºs 42 e 43 das Alegações); XXIX. No dia da intervenção cirúrgica, 15 a 20 minutos antes da mesma se iniciar, a testemunha CC, funcionário da clínica da 2ª Ré, entregou à autora três documentos intitulados, “Consentimento informado para a realização de anestesia geral”; Consentimento informado para lipoaspiração” e Consentimento para Cirurgia/Procedimento ou tratamentos – Blefaroplastia”, e disse: “olhe leia”, não tendo prestado quaisquer informações nem feito qualquer esclarecimento, quanto ao conteúdo dos mesmos conforme resulta do depoimento da Autora AA prestado em 01-02-2024, aos minutos 00:13:58 a 00:14:28 e 00:16:50 a 00:17:45, transcrito na Contra-alegação 48 que aqui se dá por reproduzido; XXX. O Tribunal ad quem, refere em jeito de conclusão: “O facto não provado ora impugnado, mostra-se assim em contradição com o facto provado 102, porquanto naqueles documentos não consta apenas o consentimento da autora, consta a informação relevante relativa àqueles atos médicos e a declaração da autora de que deles foi cabalmente esclarecida” e conclui, “Daí que quanto a estes procedimentos acabados de mencionar, não possa subsistir o facto não provado 166, por existir prova documental que o contraria.”, o que não se concorda, dado estarmos perante uma interpretação lato senso dos factos; XXXI. Na 1ª e única consulta da Autora ocorrida em 12-02-2016, na ... em Faro, o Réu/cirurgião, apenas limitou-se a descrever (doc. 2 da P.I.), os procedimentos cirúrgicos que iria supostamente realizar, indicando os locais de intervenção e as quantidades de gordura a transferir de um local para outro, agendando a data da cirurgia e o valor a pagar, com as quais a autora concordou, (factos provados 5 e 97). (art.ºs 4º a 8º e docs. 2 e 4 da P.I.), não tendo siso dito mais nada, sobre os cuidados pré e pós-operatórios, nem os riscos que poderia ocorrer durante e após a intervenção cirúrgica; XXXII. Quanto ao facto provado 102 - “A autora leu e assinou os termos do consentimento juntos com a contestação das rés, referentes aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que aqui se dão por reproduzidos.”, este facto ocorreu no momento da entrada da Autora na clínica, no próprio dia da 1ª intervenção cirúrgica, 25-02-2016, momentos antes da mesma se iniciar; XXXIII. Decorre da leitura do documento “CONSENTIMENTO INFORMADO PARA LIPOASPIRAÇÃO”, no subcapítulo “Riscos da Lipoaspiração”, o seguinte: “Qualquer procedimento cirúrgico implica um certo grau de risco. É importante que o paciente compreenda os riscos associados à lipoaspiração. A decisão individual de se submeter-se a uma intervenção cirúrgica baseia-se na comparação do risco com o potencial benefício.” e acrescenta, “Apesar da maioria dos pacientes não sofrerem as seguintes complicações, o paciente deverá discutir cada uma delas com o seu cirurgião plástico, para se assegurar de que compreende os potenciais riscos e complicações derivados da lipoaspiração.”; XXXIV. Naquele espaço (receção), não se encontrava nenhum médico, fosse ele o Réu/cirurgião BB ou a testemunha FF anestesista, pelo que não tendo estado presente nenhum médico da equipa que assistiu a Autora, pergunta-se: quem esclareceu a autora sobre os potenciais riscos que poderiam ocorrer no intra e no pós-operatório para que a mesma pudesse dar o seu consentimento livre e esclarecido, quanto à realização da cirurgia de LIPOASPIRAÇÃO? XXXV. E o mesmo procedimento se passou com a entrega do documento “CONSENTIMENTO PARA CIRURGIA/PROCEDIMENTO OU TRATAMENTOS -BLEFAROPLASTIA”, que no seu ponto 9, refere o seguinte: “Foi-me explicado de forma compreensiva: nomeadamente quanto ao: a – O TRATAMENTO CITADO ANTERIORMENTE OU PROCEDIMENTO A REALIZAR; b – OS PROCEDIEMNTOS ALTERNATIVOSOU METODOS DE TRATAMENTO; e c – OS RISCOS DO PROCEDIMENTO OU TRATAMENTO PROPOPSTO.”; XXXVI. No que respeita à alínea c), que tipo de informação foi dada à Autora sobre os riscos que esta poderia correr na realização da BLEFAROPLASTIA e qual a forma como foram explicitados de modo a que a Autora ficasse mais esclarecida de maneira a compreendê-los? XXXVII. Será que a autora foi informada e esclarecida de como evitar os riscos de infeção das feridas operatórias, que podem mais tarde originar graves deformações físicas, deixando-a com sequelas para o resto da sua vida? E no pós-operatório, foi explicado à Autora que deveria fazer repouso no leito e assim, evitar o risco de se sentar ou fazer pressão mais localizada sobre as feridas operatórias, sob pena destas abrirem, e, com a pressão, sair o material biológico (gordura) enxertado? Foi a Autora esclarecida sobre a importância de evitar o risco de se deslocar a distâncias com centenas de quilómetros, quando é o próprio 1º réu que se dispôs, dois dias após a intervenção cirúrgica, a conduzi-la à estação de comboios, afim desta se deslocar para Faro? XXXVIII. Em relação ao documento intitulado “CONSENTIMENTO INFORMADO PARA A REALIZAÇÃO DA ANESTESIA GERAL”, pode ler-se: “Fui amplamente informado acerca da natureza e dos objetivos da intervenção, do procedimento que será levado a cabo na minha pessoa, dos seus riscos, vantagens e das alternativas ou opções possíveis para obter a finalidade pretendida.”; XXXIX. Será que a testemunha, Dr. FF, médico anestesista, transmitiu ou esclareceu a Autora, dos riscos quanto à indução de uma anestesia geral para uma intervenção cirúrgica com a duração de 06:00 horas? XL. Atente-se o depoimento desta testemunha, nas declarações que prestou em sede de audiência de julgamento, no dia 01-03-2024, aos minutos 00:06:44 a 00:08:54 e 00:46:33 a 00:50:29, transcrito na Contra-alegação 52 que aqui se dá por reproduzido, do qual podemos sintetizar, quando questionada se o “…documento que foi apresentado à senhora, o Sr. Dr. ficou com a convicção que a senhora compreendeu o que estava ali escrito” a testemunha responde: “Sim, sim, a gente pergunta no consentimento, uma das coisas principais é assim, tem alguma dúvida, se tiver dúvidas, nós esclarecemos antes de fazermos, antes de iniciar…” e conclui: “…é dito à doente para ler o consentimento e assinar e se tiver dúvidas perguntar e nós esclarecemos…”, o que nos parece incompreensível, uma vez que quer o Réu cirurgião, quer a testemunha não estiveram presentes aquando da entrega dos termos do consentimento informado; XLI. Decorre ainda do documento “CONSENTIMENTO INFORMADO PARA A REALIZAÇÃO DA ANESTESIA GERAL”, os seguintes dizeres "Afirmo que me foi informado pelo Dr. BB, na data de 25.02.2016 e que me foi facultada a informação por escrito acerca da anestesia geral, os benefícios que esperam e os riscos que podem advir da sua realização, bem como todas as alternativas. Compreendi a informação que me foi facultada e esclarecidas as minhas dúvidas deforma satisfatória. Dou consentimento aos médicos de anestesia e reanimação desta clínica que me exerçam o procedimento mencionado e as provas complementarias necessárias. Sei que em qualquer momento posso revogar este consentimento”, sendo que, como é obvio, o Dr. BB é médico cirurgião ..., não é médico anestesista; XLII. Mais uma vez constatamos que, o facultar à autora os documentos intitulados “CONSENTIMENTO INFORMADO PARA A REALIZAÇÃO DA ANESTESIA GERAL”; “CONSENTIMENTO INFORMADO PARA LIPOASPIRAÇÃO” e CONSENTIMENTO PARA CIRURGIA/PROCEDIMENTO OU TRATAMENTOS - BLEFAROPLASTIA”, (cfr. doc. 6 da Contestação), para aquela ler e assinar, foi numa forma de, (permitam-me a expressão) para tapar o sol com a peneira; XLIII. E ao confrontarem a Autora da forma como o fizeram - 15 a 20 minutos antes de se iniciar o ato operatório - na entrega dos três documentos sobre consentimento informado, dizendo “olhe leia” e assine, é de todo contrário à lei, tal como vem escrito no “ AC. do STJ de 08-09-2020 "O direito do paciente à informação (previsto, inter alia, no art.º 5.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina ou Convenção de Oviedo (doravante CDHBio), no art.º 157º do CP, no art.º 44.º do CDOM, na Base XIV, n.º 1, al. e), da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, então em vigor Revogada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro.) e ao consentimento livre e esclarecido (plasmado no art.º 25.º CRP, no art.º 5º da CDHBio, no art.º 45.º do CDOM, no art.º 70.º, n.º 1, do CC e na Base XIV, n.º1, al. b) da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, então em vigor) são expressões do direito ao consentimento informado enquanto informed choice”. XLIV. E acrescenta: “A autodeterminação nos cuidados de saúde implica, não só que o paciente consinta ou recuse uma intervenção determinada heteronomamente, mas também que disponha de toda a informação relativa às diversas possibilidades de tratamento. Conforme o art.º 5 da CDHBio, "1. Qualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efetuada depois da pessoa em causa dar o seu consentimento de forma livre e esclarecida. 2. A esta pessoa deverá ser dada previamente uma informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem corno às suas consequências e os seus riscos. 3. A pessoa em causa poderá, a qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento". Por outro lado, segundo o art.º 3.º, n.º 2, al. a) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (incorporada no Tratado de Lisboa, "No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente: o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei". O consentimento informado assumiu também dimensão universal com a aprovação, na Assembleia Geral da UNESCO, da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, em outubro de 2005 (arts. 6.º e 7.º).; XLV. Pelo que andou mal a Apelação recorrida, ao omitir depoimentos e declarações importantes, plasmadas nas contra-alegações de recurso, nomeadamente, nos depoimentos e nas declarações prestados pela autora e pelas testemunhas dos RR CC e FF; XLVI. Sem prescindir a Apelação aceita a palavra “riscos” apenas quando contida nos documentos que foram facultados à autora para esta assinar sobre o consentimento informado, esquecendo que o dever de informar é um ónus do médico e não do paciente, pelo que nunca houve consentimento livre e esclarecido quanto a nada; XLVII. Na Sentença é dito que “…o médico é que tem que fazer prova da criação de condições concretas e efetivas, que permitissem ao paciente compreender o significado, o alcance e os riscos do tratamento proposto.”. Logo, não há qualquer contradição entre o facto 166 dado como não provado e o facto 102 dado como provado, porque a Autora ao ler e assinar um documento sem conteúdo específico e concreto, não permite que se retire a conclusão de que a mesma ficou a conhecer e a compreender o que lá consta; XLVIII. Pelo que, andou bem o Tribunal ad quo, ao julgar como facto não provado 166 - “A autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenção comportam, tendo sido dadas todas as informações e respostas a todas as suas questões”, porquanto, o risco que consta nos vários documentos sobre o consentimento informado fornecidos pela 2ª Ré, (e não pelo Réu cirurgião e pela testemunha anestesista), não cumprem de forma clara e objetiva, os requisitos para um consentimento informado e esclarecido; XLIX. Está assente que “…por causa do surgimento de uma infeção no período pós-operatório, foi a causa das deformidades físicas que a A. apresenta.”, logo, a questão que se coloca é, saber se a causa ou as causas da infeção, residiu na pessoa da autora e se esta contribuiu ou não, para o aparecimento da infeção; ou a causa é saber se o Réu, cirurgião violou o dever acessório de proteção ao cuidado, relativamente à Autora; L. A Sentença diz e bem, que: “Se o resultado estético não foi conseguido com a intervenção cirúrgica do R., (não esquecer que tratando-se da prática de atos médicos), estamos no domínio de uma obrigação em que o conteúdo da prestação debitória, não é simples apresentação de um resultado, (obrigação de resultado), mas antes a prática de um conjunto de atos para que o resultado se possa produzir sem defeitos, (obrigação de meios), cabendo dessa forma a A. o ónus de alegar e provar o incumprimento ou cumprimento defeituoso dos atos necessários (meios) à produção de um bom resultado.”, logo, resulta dos autos, que “…o resultado não foi cabalmente conseguido, por causa do surgimento de uma infeção no período pós-operatório, que foi causal das deformidades físicas que a A. passou a apresentar.”; LI. Contudo, ainda assim, a Sentença peca por ser leve, porque não especifica as exigências do consentimento esclarecido, aquando da análise da falta de informação, quanto à retirada de (material biológico) gordura e o enxerto (infiltração) noutro local do corpo, colocando-se a dúvida se a autora foi ou não devidamente informada e esclarecida dos riscos que este procedimento comporta, nomeadamente quanto à existência de uma infeção, se bem que, não houve por parte dos Recorrentes, nos dizeres do tribunal ad quo “…o cuidado de, para tal intervenção, se obter o consentimento informado escrito (sendo certo que, se o houvesse, de certeza que os réus o teriam junto aos autos), não consegue o tribunal ficar seguro de que todos os riscos da intervenção, incluindo obviamente os que decorreram da infiltração da gordura retirada, tivesse sido efetiva e devidamente esclarecidos à autora.”; LII. Uma infeção não é um risco de verificação excecional. É um risco comum a qualquer lesão, cujas consequências são mais ou menos graves, consoante o local onde se desenvolve o grau de afetação, logo, não foi dado à Autora conhecimento da possibilidade de ocorrer uma infeção e muito menos, da dimensão que esta poderia atingir; LIII. Além disso o consentimento informado e esclarecido que a lei exige, não se reporta apenas à informação dos riscos acrescidos, mas à definição dos riscos sejam eles quais forem, sejam eles considerados previsíveis, possibilidade essa, que os réus assumem pela própria natureza dos articulados por eles produzidos, pelo que não se pode inferir que a autora não seguiu as recomendações dadas no pós-operatório, “repouso e descanso e ingerir alimentos líquidos”. LIV. A autora não se deslocou para Faro no 2º dia do pós-operatório por sua exclusiva vontade, nem tampouco foi desaconselhada pelo 1º Réu, dado que o mesmo sabia que a autora residia em Faro e cabia-lhe avaliar a capacidade de cumprir a obrigação de meios que assumiu, ou seja, aferir se podia operar a autora a 600 km de distância, caso surgisse uma intercorrência grave, ou outra situação gravosa como surgiu a infeção de todas as feridas operatórias; LV. A assunção de uma obrigação de meios, exige que o devedor se assegure da possibilidade do seu cabal cumprimento, tomando em conta as circunstâncias conhecidas e de boa-fé e se assegure da possibilidade do seu integral cumprimento, ou seja, a prestação e débito é do Réu e não da Autora; LVI. Neste circunspecto, diga-se, que não é legítima a conclusão de que após “…ter sido submetida à cirurgia na clínica da 2ª Ré, no Porto, a A. tinha na verdade duas soluções a escolher: Ou permanecer no Porto junto do médico que a intervencionou e da clínica que lhe prestou os serviços médicos até ao seu completo restabelecimento, ou regressar à sua residência.”, dado que a clínica da 2ª Ré, não tinha condições para a Autora permanecer no pós-operatório para além de algumas horas, pois não haveria qualquer problema em ficar na residencial no Porto, até que reunisse as condições de segurança para viajar para Faro, se fosse essa a decisão do Réu/cirurgião; LVII. Até porque, a Alta clínica não foi dada a pedido da Autora, mas sim, foi dada pelo médico que a operou e a autora regressou a Faro, mediante o conhecimento e assentimento clínico do Réu/cirurgião, pelo que a mesma não tem que assumir qualquer responsabilidade culposa no afastamento do local de funcionamento da clínica, sendo que as pseudo recomendações que putativamente lhe foram dados são uma incógnita, no que ao risco de infeção diz respeito; LVIII. Independentemente das causas que permanecem incógnitas, o risco de provocar uma infeção, a qual, mais tarde, a Autora veio a ter conhecimento notório, presumivelmente, deve-se ao facto daquela, fazer uma viagem sentada no comboio, aos balanços, durante mais de sete (7) horas, passados dois dias após a intervenção cirúrgica com anuência e autorização do Réu, pelo que o Réu não só não a desaconselhou a fazer a viagem, como foi levá-la ao comboio, pelo que se impõe a presunção de que a Autora agiu mediante e conforme o consentimento expresso do Réu; LIX. Se a medicação antibiótica fosse a mais adequada, o resultado seria outro, uma vez que não só não resultou, como após o aparecimento dos sinais inflamatórios das zonas intervencionadas, no final de cinco dias, a infeção instalou-se de forma surpreendente e galopante, que se agravou de dia para dia, sempre com o acompanhamento à distância do Réu médico; LX. Pergunta-se: Por que razão o Réu não prescreveu on line uma análise ao sangue para despiste do agente bacteriológico causador da infeção, o já conhecido “antibiograma”? Só em 04-03-2016, (doc. 4, parágrafo 10 da P.I.), o Réu enviou por interposta terceira pessoa, que se deslocou entre o Porto e Faro de autocarro, três embalagens de um antibiótico, sem qualquer proteção em termos de climatização do medicamento, para ser administrado diretamente nas locas e nas fístulas; LXI. Isto não é um acompanhamento responsável de um paciente ao 8º dia após a autora ter sido operada em oito zonas/locais do corpo, sob anestesia geral, não se tendo provado que o Réu/cirurgião tinha aconselhado a Autora a socorrer-se da sua médica de família Dr.ª EE da (Unidade de Saúde Familiar), do Centro de saúde ou do Hospital local; LXII. Só no final do 2º internamento na clínica da 2ª Ré, 25-03-2016, é que o Réu se predispôs a elaborar um Relatório Clínico sobre o estado de saúde da Autora e enviou à médica de família; LXIII. O Réu/cirurgião, não prestou informação de que a Autora poderia ser tratada noutro estabelecimento de saúde, tal como o Acórdão incorretamente deixa antever, e, a prova disso, deu ordens a uma terceira pessoa não médica (no caso a testemunha CC) para contacta - la e dizer, “Estive a falar com o doutorBB sobre a sua nádega e pensamos que se calhar era melhor você ver um voo e vir cá! Assim, víamos como está isso e fazíamos antibiótico injetável”, e acrescenta: “Que acha? Vinha e ia no mesmo dia ou no dia a seguir como preferir.”, já quando a autora com dores insuportáveis e locas abertas a purgar material purulento e de cheiro nauseabundo (doc. 10 da P.I.); LXIV. O médico, não só deixou à Autora a decisão sobre o tratamento que lhe competia exclusivamente e se o havia de aplicar ou não, como se dispôs a sujeitar a Autora a um agravamento do seu estado de saúde, quando esta já não podia sair já da cama com autonomia, e estar incapaz de viajar perto ou junto de alguém, face ao cheiro a putrefação que emanava do seu corpo; LXV. A medicação antibiótica que que fazia, não debelou a infeção e o Acórdão recorrido, ainda considera que a Autora teve um comportamento negligente, ao recusar injustificadamente de ser tratada conforme instruções clínicas, o que é falso e absurdo, pois nem houve instruções e muito menos recusa injustificada a todas as orientações dadas pelo Réu, por parte da Autora; LXVI. A Autora estava a ser seguida pelo médico que contratou e este nunca lhe sugeriu por qualquer meio, que se deslocasse onde quer que fosse, para suster a infeção, seja ao Centro de Saúde, seja o Hospital local; LXVII. Experimentou durante catorze (14) dias, oito (8) tipos antibióticos/anti-inflamatórios, (por via oral, IM, IV e subcutânea), estava a par do estado clínico da Autora que se agravava de dia para dia e progressivamente (através do reporte diário que a Enf.ª DD lhe enviava), até que em desespero de causa, resolveu assumir de forma temerária, o tratamento da Autora, já quando tudo apontava para um desfecho de surgimento de uma septicémia, no seu entendimento tal como provado nos autos. (cfr. doc. 4 da P.I.); LXVIII. In extremis, o Réu resolve enviar um bilhete de avião para que a Autora se deslocasse imediatamente e com urgência ao Porto, a fim de ser tratada, pela segunda vez em 10-03-2016. (cfr. doc. 4, 13º parágrafo e doc. 10 da P.I.), uma vez que o tratamento da Autora, era uma obrigação de resultado contratualmente assumida e da responsabilidade do Réu que estava habilitado para o fazer, conforme reconhecido no Acórdão recorrido; LXIX. Não se percebe, pois, a imputação da culpa à Autora na produção de um resultado clínico danoso, porque não confiou nas amigas e familiares e confiou no médico que a seguia; LXX. Pelo que é falso que a Autora, tivesse em qualquer circunstância, recusado as orientações do Réu e fosse procurar um outro estabelecimento de saúde, “…mesmo sem custos…”, tal como o Acórdão recorrido incorretamente sugere, pois a Autora sempre entendeu, que o seu médico é que tinha a obrigação de a curar até ao seu restabelecimento total, até porque, o Réu, convenceu-se também de que estava a curar a Autora, contudo, a 600 Km de distância, bem sabia ele o sofrimento e a angústia que esta estava a passar; LXXI. O local onde a Autora fez os pensos, é amplo, espaçoso e bem ventilado, os cuidados de enfermagem eram prestados pela enfermeira que trabalha na ..., clínica essa, onde o Réu periodicamente faz as suas consultas, pelo que tinha efetivamente a obrigação de a curar, porque foi isso que contratou, conhecendo o circunstancialismo envolvente e é isso que resulta da Lei; LXXII. O médico sabia disso, tanto sabia que nunca abdicou dessa obrigação, só que naquilo que era mais importante (debelar tão cedo quanto possível a infeção), executou tarde e a más horas, bem sabendo que, não podia se eximir de tão grave situação clínica, chamando-a ao Porto para tratamento pela 2ª vez, em 10-03-2016, passados (14) catorze dias após a cirurgia se ter realizado, já em desespero de causa, e não “…aquando do surgimento dos primeiros sinais de infeção…” tal como o Acórdão recorrido, incorretamente, quer fazer crer. (cfr. doc. 4, 13º parágrafo da P.I.); LXXIII. A Autora não questionou a veracidade da mensagem constante no doc. 10 da P.I., porque a testemunha CC, sempre se apresentou à Autora como doutor em medicina, trajava no interior da clínica de bata branca, e, foi assim, que o mesmo sempre se deixou tratar; LXXIV. O desespero de causa por parte da Autora era evidente, pois tinha na sensação de que iria morrer, desde que se viu com bolhas na pele a rebentar, libertando um líquido de cor castanha e cheiro muito fétido, as locas a abrir nos locais que foram intervencionados nas nádegas e nos seios. LXXV. Já o desespero de causa do médico era também evidente quando percebeu que a paciente podia morrer, e em vez de a animar, manda-lhe um email a dizer “Olá AA já vi a desgraça em que te encontras.”, pois o seu comportamento aqui demonstrado, quando percebeu que o estado de saúde da Autora evoluía rapidamente para um quadro de septicémia, e se não fosse atacado in extremis, seria um sério prejuízo para o seu nome e para o nome da sua Clínica/Empresa; (doc. 16 da P.I.); LXXVI. Por isso a acolheu na sua própria casa durante 16 dias, pois sempre era mais barato e longe dos olhares da sociedade, o que é estranho, pois não se dá notícia que um médico com a especialidade de cirurgia maxilofacial, trabalhe no privado, quando confrontado com o quadro clínico grave dos seus pacientes, leva-os para a casa onde reside; LXXVII. De qualquer modo, não havia condições na clínica da 2ª Ré, para instalar a Autora a fim de prosseguir com os tratamentos, tampouco lhe foi sugerido o seu internamento em Hospital público em Faro ou no Porto, contrariamente o que é incorretamente alegado no douto Acórdão recorrido; LXXVIII. Prova-se que a Autora não incumpriu qualquer obrigação decorrente das parcas e diminutas recomendações que lhe foram dadas, no pós-operatório, pelo que conforme o direito de indemnizar o lesado, a Autora tem de ser indemnizada nos termos constantes da Sentença recorrida; LXXIX. Qualquer que seja a responsabilidade civil que impende sobre os Réus, ela traduz-se numa obrigação de indemnizar, ou seja de reparar os danos sofridos pela autora, contudo haverá que distinguir, entre responsabilidade contratual/extracontratual, porque desde logo, tal implica com a aplicação das regras legais em matéria de ónus da prova da culpa (cfr. artigos 799º, nº1 e 487º, nº1 do C.C.), favorecendo concretamente o lesado na sua pretensão indemnizatória; LXXX. Logo aqui, a responsabilidade contratual é do Réu, pois em matéria de responsabilidade extracontratual ocorre, normalmente, apenas e quando o médico atua em situação de urgência/emergência, onde, por força das circunstâncias, inexiste acordo do paciente para a sua intervenção; LXXXI. Na medida em que se mostra verificado o incumprimento contratual do Réu/cirurgião que se saldou por um deficiente acompanhamento clínico da Autora, que deu lugar ao aparecimento de um quadro infecioso gravíssimo, que a atingiu profundamente, quer física quer psicologicamente, na sequência da intervenção cirúrgica executada por aquele, tendo a Autora, ficado com sequelas irreparáveis no corpo, que podem ser facilmente verificadas, nomeadamente: apresenta a nível do tórax, assimetria mamária com hipotrofia da glândula mamária direita ligeira, cicatrizes operatórias da parte superior da glândula mamária direita com 3cm e outra 2cm da região infra mamária bilateral de 1,5 cm e cicatriz inter-mamária transversal de 3cm por 3 cm e a nível do abdómen, apresenta cicatriz supra umbilical operatória de 2 cm vertical e sem aparente deformidade da parede abdominal e por último, LXXXII. A nível das nádegas, dismorfia da nádega de maior dimensão do lado direito com depressão central até ao sulco inter-nadegueiro e cicatrizes operatórias da nádega esquerda com I0 cm e de forma irregular e duas cicatrizes na nádega direita na sua porção média de 2 e 3 cm, respetivamente, sem áreas ulceradas e/ou dolorosas embora deprimidas na sua porção central de predomínio direito; LXXXIII. Pelo que existem razões mais que evidentes para que a douta Decisão aposta na Sentença do tribunal ad quo, seja mantida nos termos ali julgados, ou seja, condenando os Réus, “…solidariamente, no pagamento à autora da quantia de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento”, absolvendo os “…réus do mais peticionado” e custas “…suportadas por autora e réus, na proporção do decaimento (art.º 527º do CPC); LXXXIV. Pelo que tendo havido ERRO DE REAPRECIAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA, por parte do tribunal ad quem que modificou incorretamente os factos não provados 147 e 166 da Sentença recorrida, em facto provado (147) e facto parcialmente provado (166), requer-se que seja considerado nulo e sem qualquer efeitos, o dispositivo aposto na douta Apelação recorrida, que julgou “…parcialmente procedente o recurso e em reduzir a indemnização à quantia de €20.000,00” e “Custas na proporção do decaimento”, pelo que a mesma deverá ser revogada. PELO EXPOSTO, DEVERÃO VOSSAS EXCIAS, SENHORES VENERÁVEIS JUÍZES CONSELHEIROS, DECIDIREM PELA IMPROCEDÊNCIA DO PRESENTE ACÓRDÃO, E, EM CONSEQUÊNCIA, MANTER A DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL “AD QUO”, TRADUZIDA NA SENTENÇA RECORRIDA, POIS AO DECIDIREM DESSE MODO, FARÃO COMO SEMPRE, A COSTUMADA, JUSTIÇA. Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido e, interpuseram recurso subordinado. Colhidos os vistos, cumpre decidir. QUESTÃO PRÉVIA Recurso de revista subordinado interposto pelos réus Coloca-se a questão da admissibilidade do recurso de revista subordinado interposto pelos réus do acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que substituiu por outra a reduzir a indemnização à quantia de 20 000,00 €. Vejamos a questão. Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado – art. 633º/1, do CPCivil. Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre – art. 633º/5, do CPCivil. Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos – art. 671º/1, do CPCivil. Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte – art. 671º/3, do CPCivil. O recurso de revista subordinado está sujeito à regra da inadmissibilidade do recurso em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671º/3, não sendo aplicável, neste caso, o disposto no art. 633º/5, ambos do CPCivil. Havendo dupla conforme, e na ausência de norma em contrário, o recurso subordinado de revista está sujeito à regra (genérica) da inadmissibilidade em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671º/3, do CPCivil4. Face ao disposto na parte final do art. 633º/5, do CPCivil, a ocorrência de dupla conforme, nos termos e para os efeitos previstos no art. 671º/3, do mesmo Código, mantém-se como requisito de inadmissibilidade do recurso subordinado de revista5. A questão acabou por ser resolvida pelo AUJ nº 1/20: “O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do artigo 633.º do mesmo Código”6,7. Importa, por isso, proceder ao controlo dessa admissibilidade no tocante do recurso de revista subordinado da autora, em vista da causa de exclusão da recorribilidade dos acórdãos da Relação, de largo espectro, representada pela chamada dupla conforme, de harmonia com a qual não é admitida revista daqueles acórdãos, sempre que confirmem, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância (art. 671º/3, do CPC). Como a conformidade das decisões das instâncias exclui o recurso de revista que, doutro modo, seria admissível, o que importa determinar é se essas decisões são conformes e não se são desconformes, pelo que se aquelas decisões não forem inteiramente coincidentes, o que interessa determinar é se essa não coincidência equivale a uma não-conformidade. Para que se verifique a dupla decisão conforme, a conformidade entre duas decisões não tem de ser total; se a decisão da Relação for mais favorável ao apelante do que a decisão recorrida, é suficiente que seja parcial. A duae conformes sententiae não deixa, por isso, de se verificar se o apelante tiver obtido uma procedência parcial da apelação, ou seja, se a Relação tiver proferido uma decisão que é mais favorável que a da 1.ª instância: mesmo neste caso, estar-se-á perante duas decisões conformes, que torna inadmissível a interposição do recurso de revista para este Supremo Tribunal8. Dito doutro modo: o critério e aferição da dupla conformidade não assenta na coincidência formal das duas decisões – antes radica na conformidade racional ou ponderada, i.e., na favorabilidade, para o recorrente, da última decisão das instâncias. Trata-se da jurisprudência constante, praticamente uniforme, deste Tribunal9,10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20. E é exatamente o que no caso ocorre no tocante ao recurso de revista subordinado dos réus. No caso dos autos, o acórdão recorrido na sua globalidade, é claramente mais favorável aos réus do que a sentença de 1.ª instância, porquanto o valor indemnizatório liquidado pela Relação é inferior ao que foi fixado pela 1.ª instância. A sentença da 1.ª instância condenou os réus no pagamento à autora da quantia de 65 000,00€ (sessenta e cinco mil euros); o acórdão da Relação condenou esses mesmos réus no pagamento à autora da quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros); a reformatio in mellius pelo acórdão impugnado da posição jurídica dos réus, por força da duae conformes sententiae, aferida segundo o critério racional, e da proposição uniformizadora contida no AUJ nº 1/20, torna inadmissível o seu recurso de revista subordinado – como tornaria inadmissível o seu recurso independente - que, por isso, deve, sem mais, ser julgado findo21. Se a Relação tivesse confirmado integralmente a sentença da 1.ª instância, mantendo a condenação dos réus da totalidade do pedido, era evidente que o acórdão seria insuscetível de impugnação através da interposição de recurso de revista (normal), nos termos do art. 671º/1, do CPCivil. Apesar de não existir uma total coincidência quantitativa entre a sentença da 1.ª instância e o acórdão da Relação, estamos perante uma situação que deve ser qualificada como de dupla conforme, de tal modo que a interposição de recurso de revista teria de ser veiculada pela via da “excecionalidade” prevista no art. 672º, do CPCivil, e não pela via “normal” do art. 671º, do CPCivil. Em tal eventualidade, a impugnação em sede de revista ficaria condicionada à demonstração de alguma das situações excecionais previstas no art. 672º, do CPCivil. Neste contexto, aquela primeira via recursória também deve considerar-se encerrada em casos, como o dos autos, em que a parte interessada acabou por sair beneficiada (ainda que em proporção inferior à pretendida) pelo acórdão da Relação. Trata-se de solução que se funda no argumento “por maioria de razão” que mais não traduz do que o relevo dado ao elemento teleológico na interpretação normativa, levando a que, a par do texto legal, se atenda aos motivos que estiveram na génese de uma determinada solução22. Com efeito, seguindo outra solução que exigisse para a verificação de uma situação de dupla conforme a total sobreposição ou identidade do segmento ou segmentos decisório, sem ponderar os seus diversos elementos, tratar-se-iam de forma mais garantística - com abertura de um 3º grau de jurisdição, sem qualquer exigência acrescida – situações em que o interessado é beneficiado com o acórdão da Relação, vedando, contudo, tal via de recurso em casos em que a Relação se tivesse limitado a confirmar integralmente a sentença da 1.ª instância. Os réus alegaram que “a interpretação de que o n.º 3 do artigo 671.º do CPC tem aplicação aos recursos subordinados padece de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, pois constitui uma restrição desnecessária e desproporcionada ao direito de acesso à justiça, violando os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva consagrados nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2, e 20.º da CRP”. Como referirmos, o recurso de revista subordinado está sujeito à regra da inadmissibilidade do recurso em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671º/3, não sendo aplicável, neste caso, o disposto no art. 633º/5, ambos do CPCivil. Havendo dupla conforme, e na ausência de norma em contrário, o recurso subordinado de revista está sujeito à regra (genérica) da inadmissibilidade em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671º/3, do CPCivil23. Assim, em casos em que a parte pretenda recorrer subordinadamente se defronte com uma situação de dupla conforme, a admissibilidade do recurso de revista terá de passar pelo mecanismo excecional previsto no art. 672º24. A doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório; (3) direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de ação ou de recurso25. Assim, por um lado, a recorrente para além de ter tido acesso ao direito e ao tribunal para defesa dos seus direitos, teve direito a um processo equitativo, pois não lhe foi negado o direito “ao recurso”. Por outro lado, a CDFU (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), no respetivo art. 47º, limita-se a consagrar o direito à ação e ao julgamento por um tribunal competente e imparcial pré-estabelecido por lei (princípio do juiz natural ou do juiz legal), impondo que no julgamento da causa se proceda de forma equitativa e dentro de um prazo razoável, parecendo, assim, contentar-se com uma instância única26. Ora, a jurisprudência constitucional tem expressado o entendimento de que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado não integra forçosamente o direito ao recurso ou ao chamado duplo grau de jurisdição27. A CRP não comtempla a garantia (genérica) do duplo grau de jurisdição ou sequer a existência de recursos, salvo no âmbito do processo penal (art. 32º/1)28. Não é, pois, entre nós, forçosa, no domínio das jurisdições cíveis, a previsão de um 2º julgamento ou de um julgamento de 2º grau, ou seja, de uma 2ª instância como fase necessária do processo29,30. A não previsão de mais que uma instância de julgamento (salvas aquelas exceções) não pode considerar-se como violadora do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 20º da CRP31. A Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, pelo que o legislador dispõe de ampla margem de conformação do regime de recursos32. As limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais33. Assim, não se vislumbra que uma interpretação no sentido de “ser inadmissível o recurso de revista subordinado, em virtude da existência de dupla conforme, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, e do AUJ n.º 1/2020”, afronte os princípios da igualdade, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 13º e 20º da CRP). Temos, pois, que havendo dupla conforme, e na ausência de norma em contrário, o recurso subordinado de revista está sujeito à regra (genérica) da inadmissibilidade em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671º/3, do CPCivil, não viola tal interpretação, nomeadamente, o direito constitucional a um processo equitativo em qualquer das suas variantes. Destarte, não se admite o recurso de revista subordinado, pelo que, dele não se conhece, não integrando o objeto do presente recurso de revista. OBJETO DO RECURSO Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões: 1.) Saber se a matéria de facto deve ser alterada por violação de lei reguladora de direito probatório material. 2.) Saber da violação de deveres acessórios de acompanhamento no pós-operatório e da culpa da lesada. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA 1. O réu BB, é médico, inscrito na Ordem dos Médicos como “médico especialista em cirurgia ...” e exercia, à data da prática dos factos, a atividade de cirurgia plástica/estética, no Centro de Cirurgia Estética Avançada, Dr. Enrique Sanz Guardo, por conta, no interesse e sob as ordens de Centro de Cirurgia Estática Avançada Dr. Enrique Sanz Guardo, L.da. 2. Por sua vez, o Centro de Cirurgia Estética Avançada, Dr. Enrique Sanz Guardo, Lda., é propriedade e/ou é explorado pela Centro de Cirurgia Estética Avançada Dr. Enrique Sanz Guardo, Lda. 3. Por sentir a necessidade de melhorar o seu aspeto físico e combater o envelhecimento, a autora, esteve presente numa consulta de cirurgia plástica/estética, no ..., sito em Faro, em 12 de Fevereiro de 2016. 4. Ali, foi atendida pelo réu cirurgião, que, após observação da autora, se propôs a executar uma intervenção no âmbito da cirurgia estética, que consiste na lipoaspiração à barriga e flancos num total de mais ou menos 2.500cc e proceder à transferência em simultâneo daquele material biológico, para as bochechas sulcos, rabo 300ml cada e mamas 120ml cada, barbela e pescoço. 5. No decorrer dessa consulta ocorrida nas instalações da ..., em Faro, acordou (contratualizou) com o réu cirurgião para na data de 2016-02-25, ser submetida a uma intervenção cirúrgica plástica e estética para, “lipoaspiração à barriga + flancos”, se concretizou na “…lipodistrofia abdominal e cervical, com lipifilling facial; blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular; foi-lhe enxertado 20cc em cada hemisférico facial repartido anatomicamente em (sulcos naso genianos, peri bucal e região malar) tendo sido enxertado um total der 40cc no rosto; lipoaspiração cruzada a região cervical e mentoniana com três pontos de entrada, orelha esquerda/direita e submentoniano”, e ainda, “lipoaspiração tumescente infiltrativa de 3500cc de gordura, tendo sido enxertada gordura estéril no total de 180cc para cada nádega, assim fazendo um total de 360cc nas duas nádegas e 120ml em cada seio, num total de 240cc no total dos dois seios”. 6. Referiu ainda o réu cirurgião, que o valor a pagar por aquela cirurgia estética, seria de mais ou menos “€3.500,00 euros”. 7. No decorrer daquela consulta, ficou logo agendada a intervenção cirúrgica da autora, a qual iria decorrer e ocorreu na clínica da ré sociedade, sediada na cidade do Porto, no dia 2016-02-25. 8. Ainda durante esta consulta, foi solicitado à autora a transferência para a conta da ré sociedade, do valor de €300,00 euros, para dar inicio ao processo, tendo em vista a cirurgia. 9. Valor esse, que foi depositado no dia 2016-02-16. 10. No dia 2016-02-25, pelas 09:00 horas, a autora deu entrada na clínica de cirurgia estética do “Centro de Cirurgia Estética Avançada, Dr. Enrique Sanz Guardo”, sito no Porto, com o diagnóstico de “…lipodistrofia abdominal e cervical, com lipifilling facial e enxerto de gordura nas nádegas e seios bilateralmente.”, e ainda, “…blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular”, conforme descrito no Relatório Médico elaborado pelo réu cirurgião, que junta (documento 4 junto com a petição inicial que se dá como reproduzido). 11. Antes de iniciar os preparativos para a intervenção cirúrgica, foi-lhe exigido pela funcionária/rececionista da referida clínica, o pagamento da cirurgia na totalidade, isto é, o valor de €3.135,00 euros, conforme fatura nº 16/00024, emitida em nome da ré sociedade. 12. Após entrega de exames complementares de diagnóstico, que a autora transportava consigo, (eletrocardiograma, mamografia e análises ao sangue) esta submeteu-se à preparação pré-operatória por volta das 10:00 horas. 13. Tendo de seguida sido intervencionada sob anestesia geral, pelo réu cirurgião e pelo Dr. FF, (anestesista), tendo sido realizada uma lipoaspiração tumescente infiltrativa de 3500cc de gordura, tendo sido enxertada gordura estéril no total de 180cc para cada nádega, assim fazendo um total de 360cc nas duas nádegas. 14. Foi ainda realizada, a infiltração de 120ml em cada seio, num total de 240cc no total dos dois seios. 15. Durante aquela intervenção cirúrgica, foi-lhe enxertado 20cc em cada hemisférico facial repartido anatomicamente em (sulcos Naso genianos, peri bucal e região malar) tendo sido enxertado um total de 40cc no rosto. 16. No mesmo ato cirúrgico foi executada lipoaspiração cruzada a região cervical e mentoniana com três pontos de entrada, orelha esquerda/direita e submentoniano. 17. Após recobro pós-cirúrgico de 6 horas, a autora teve alta, medicada com ciprofloxacina 500 de 12/12, zaldiar 6/6, brufen 600 de 8/8. 18. Todo o material/tecido extraído, e posteriormente recolocado deveria ser executado em sala operatória asséptica e adequada àquele tipo de intervenção cirúrgica, e executada por profissionais conhecedores na matéria. 19. A autora após recobro saiu da clínica acompanhada por CC, indo juntos lanchar ao bar do Ginásio existente no mesmo edifício. 20. E que após refeição a transportou para a pensão onde esta ficara alojada que dista da clínica da ré sociedade cerca de 500 metros. 21. No dia seguinte, 26-02-2016, sexta-feira, a autora deslocou-se à clínica da ré sociedade, para acompanhar a sua amiga GG a fim desta ser submetida também, a uma intervenção cirúrgica. 22. No dia 27 de Fevereiro de 2016, sábado, a autora regressa à clínica da ré sociedade para avaliação clinica, onde foi feito pelo réu cirurgião, a troca dos streril streeps das suturas oculares, apesar de a autora manter o inchaço e pouca mobilidade pálpebra inferior. 23. Após a mudança dos pensos, a autora voltou a colocar a cinta compressiva à volta do tronco/abdómem e o soutien, de modo a permitir uma compressão de toda aquela região que fora intervencionada. 24. Ainda neste dia 27-02-2016, foi-lhe dada uma carta pelo réu cirurgião para ser entregue à Enf.ª DD que reside em Faro, com cuidados a enfermeira, dando também a indicação para manter a medicação via oral, e com recomendações de repouso e descanso, conforme documento n.º 6 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido. 25. Por volta das 16:00 horas, a autora é levada diretamente ao comboio de carro, pelo réu cirurgião. 26. E, sabendo o réu cirurgião, que a autora necessitaria de fazer repouso, não deu indicações à autora, que não poderia regressar de comboio, à sua residência, em Faro, logo em 2016-02-27. 27. Fazendo a viagem de comboio sentada. 28. Situação que lhe causou muitas dores nas nádegas. 29. No 3º 4º e 5º dia após a intervenção cirúrgica, a autora permaneceu na sua residência cumprindo apenas com o plano terapêutico que lhe fora instituído pelo réu cirurgião sendo, neste período de recuperação da intervenção cirúrgica, acompanhada por enfermeira escolhidos por si e não pelos réus. 30. No dia 02-03-2016 e já em Faro, a autora deslocou-se à casa da enf.ª DD para retirar os pontos e fios de sutura das zonas intervencionadas, as quais se apresentavam com cicatrizes com boa evolução, colocou-se streril streep dois dias de precaução, conforme comunicação enviada por aquela enfermeira ao réu cirurgião, através do e-mail ...@gmail.com pelas 18:31 horas, onde anexou duas fotos, (fotografias 1 e 2 do documento 7 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido). 31. O réu cirurgião respondeu através de e-mail redesclinicaporto@gmail.com pelas 19:05 horas, dizendo “Olá tudo bem. Sim é melhor fez muito bem”. 32. A enf.ª DD, pela mesma via eletrónica e ainda no dia 02-03-2016, informa o réu cirurgião do seguinte: “Zona nadegueira esquerda com sinais inflamatórios e vermelhidão, sugeri inicio de cueca de algodão e uma noite sem o nylon da cinta no local retirados todos os pontos. O que sugerem?”. 33. Na sequência deste e-mail e no próprio dia 02-03-2016, o réu cirurgião pergunta à enf.ª DD: “Quanto à inflamação dos glúteos é local ou dos dois lados?” e “Tire-me uma foto e mande-me por favor, obrigado…” (fotografia 3, conforme doc. 8, junto com a petição inicial e que aqui se dá por reproduzido). 34. E para a autora começar a toma de Augmentin DUO (antibiótico). 35. No dia seguinte 03-03-2016, a autora enviou e-mail ao réu informando-o, “Sinto-me melhor, mas como pode ver, um dos lados está péssimo.”, referindo-se à nádega direita e juntando foto (fig. 5 do documento 9 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido). 36. No dia 04-03-2016, a autora recebeu, por interposta pessoa que não se identifica, pelo e-mail da clínica da ré sociedade, a resposta ao seu e-mail enviado no dia anterior, onde se dizia, “Estive a falar com o doutor BB sobre a sua nádega e pensamos que se calhar era melhor você ver um voo e vir cá! Assim víamos como está isso e fazíamos antibiótico injetável. Que acha”. 37. Neste mesmo dia, a enf.ª DD, foi à residência da autora, onde procedeu à retirada dos pontos dos sulcos nadegueiros os quais estavam com francos sinais inflamatórios. 38. Aquela enfermeira, tirou fotos das zonas intervencionadas nas nádegas e enviou ao réu cirurgião, (fotografias 6 e 7 do documento 10 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido. 39. Em consequência desta informação, o réu cirurgião enviou, por intermédio de uma sua doente, que estava em trânsito entre as cidades do Porto e Vila Real de Santo António, 3 frascos de cefalozolina 1gr. Iv/im para começar a ser aplicada localmente.”. 40. Tal antibiótico “cefalozolina” foi aplicado pela enf.ª DD diretamente nos orifícios por onde fora injetado o material biológico (tecido gorduroso/adiposo) durante a intervenção cirúrgica, o que provocou dores intensas, difíceis de suportar pela autora. 41. No dia 05-03-2016, a enf.ª DD voltou a fazer a limpeza dos orifícios/fístulas e respetivos pensos, onde aplicou, pela 2ª vez e diretamente naqueles orifícios/fístulas, o mesmo antibiótico, o que voltou a provocar fortes dores à autora, as quais só aliviaram com a colocação de gelo no local. 42. Levando a enf.ª DD, a reportar ao réu cirurgião, que a autora refere dificuldades devido às dores de aplicar a cefazolina localmente. 43. A situação clínica da autora era cada vez mais grave, devido à infeção generalizada nas nádegas e nos seios, provocando fortes dores generalizadas e insuportáveis. 44. Até que, que no dia 06-03-2016, a autora já nem conseguia sair da cama, pois os sinais inflamatórios nas zonas intervencionadas eram muito significativos, (fotografias 8 e 9 que integram os documentos 10 e 11 juntos com a petição inicial que se dão por reproduzidos). 45. Neste dia, a enf.ª DD procedeu à desinfeção das zonas intervencionadas e, ao aperceber-se da gravidade da situação, reportou ao réu cirurgião que a autora refere inflamação da região nadegueira contra lateral e aparecimento de hematomas no rosto, no peito e por volta da área lipoaspirada. 46. No dia 6 de Março de 2016 o réu BB recebeu as imagens da região nadegueira da paciente onde se notava claramente um processo infecioso e não inflamatório, mantendo, então, ciproflaxina, amoxicilina-clavulamico, via oral, e cefazolina, localmente. 47. E reforçou a terapêutica anti-inflamatória e analgésica para fazer face às intensas dores que a autora sofria, começando a fazer Nimede. 48. No dia 07-03-2016, o réu cirurgião pergunta “As dores acalmam alguma coisa com o nimesulide?”. 49. Ao que a autora responde, “As dores acalmam muito pouco, mas logo vem de novo pq rebentam outras bolhas”, e anexa as fotografias, (fotografias 10, 11 e 12 do documento 12 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido). 50. Tendo o réu cirurgião constatado que a doente apresenta muitas queixas e dores na região nadegueira esquerda e claros sinais de inflamação do lado contra lateral, assim como, começa a referir a mesma situação no peito direito. 51. E acrescenta, no relatório médico junto como documento n.º 4 com a petição inicial: “Fala-se com ela da disponibilidade de subir ao Porto e ficar vários dias para fazer uma cura mais intensiva e num local adequado a higiene médica.”, concluindo, “Ela refere não ter disponibilidade financeira para suportar os custos do hotel. Nós disponibilizamos o bilhete de avião assi como a locação durante a estância.”. 52. No dia 7 de Março de 2016 a paciente revela má evolução aos antibióticos, com sinais de rubor e calor, na região nadegueira e no dia 8 de Março de 2016 apresenta sinal grave na parte inferointerna da nádega esquerda, tendo o réu BB dado instruções à senhora enfermeira para que lhe extraísse todo o material purulento e infecioso. 53. Em 08-03-2016, o aspeto das vias de acesso cirúrgico nas nádegas para onde fora transferida/injetada gordura, era aquele que se pode observar, nas fotos figs. 13 e 14 constantes do documento 13 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido. 54. Tendo a enf.ª DD neste dia, procedido à drenagem de matéria mucopurulenta dos abcessos da nádega esquerda, tirou fotos antes e após o tratamento e enviou ao réu cirurgião, (figs. 15, 16 e 17 constantes do documento 14 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido). 55. Dia 09-03-2016, 4ª feira, (décimo terceiro dia após a intervenção cirúrgica), o estado clínico da autora era cada vez mais grave, devido às zonas necrosadas, e das fístulas/feridas que se abriam espontaneamente nas nádegas (visíveis nas figs. 18, 19, 22 e 23 que integram os docs. 15 e 16 da petição inicial que aqui se dão por reproduzidos). 56. Neste dia, o réu cirurgião telefonou à autora a propor a sua ida ao Porto a fim de ser tratada na sua clínica. 57. Ao que a autora respondeu afirmativamente, tendo o réu cirurgião enviado um bilhete de avião para o dia seguinte. 58. Dada a indisponibilidade económica da autora, e a necessidade de acompanhamento médico, o réu BB alojou a autora em sua própria casa, no Porto, passando a tratar, pessoalmente, das curas diárias e administração de medicamentes, em bloco operatório para conter a infeção, nas instalações da ré sociedade, sem que lhe fosse cobrado qualquer valor pelos tratamentos e assumindo as despesas da viagem de avião e estadia da autora, durante o tempo que para tais tratamentos permaneceu no Porto. 59. No dia 10-03-2016, logo pela manhã, a autora, seguindo as indicações do réu cirurgião, tirou fotos logo pela manhã, às zonas intervencionadas e enviou por e-mail ao réu cirurgião, (conforme fotografias 24 e 25 que integram o documento 17 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido). 60. Pelas 21:35 horas, a autora chegou ao aeroporto do Porto, onde o réu cirurgião a esperava, seguindo de imediato para a clínica, onde é feita lavagem no bloco operatório sob sedação, antibioterapia iv. (cefazolina+penicilina & benzatina 24000000U im), analgesia iv., lavagem com soluto de Dekam, assim como drenagem cirúrgica da nádega contra lateral com resultado de 200cc de material necrótico-purulento. 61. Já no bloco operatório da clínica, a autora foi sedada/anestesiada, com tipo e forma de aplicação não concretamente apurados. 62. No dia 11-03-2016, a autora retoma os mesmos tratamentos do dia anterior, mas desta vez incluindo o seio direito, onde fez drenagem de material de natureza necrótica sem sinais de infeção. 63. A limpeza das locas/feridas e os tratamentos prosseguiram, executados pelo réu cirurgião, bem como a terapêutica antibiótica e anti-inflamatória, sempre sob sedação até ao dia 25-03-2016. 64. Durante aqueles tratamentos, o réu cirurgião esteve ausente por um dia, tendo ficado a Dr.ª HH a substituí-lo, e, como tal, procedeu à limpeza cirúrgica das locas/feridas. 65. No dia 25-03-2016, a autora regressou a casa (Faro), mantendo a terapêutica antibiótica injetável prescrita, e, com o seio direito ainda com fístula e dreno, para instilação da loca no buraco inferior do sulco infra mamário. 66. A autora, encontrava-se ainda com lesões graves, quer ao nível das nádegas, quer ao nível dos seios. 67. Tendo continuado, conforme instruções do réu cirurgião, a fazer os pensos às lesões, mas, desta vez, no Centro de Saúde de Faro e sob a orientação da sua médica de família, Dr.ª EE. 68. No dia 12-04-2016, o estado das lesões contraídas pela autora, decorrentes da cirurgia estética, é o que consta das fotografias 26 e 27 juntas com o documento 17 da petição inicial que aqui se são por reproduzidas. 69. No dia 13-04-2016 o réu cirurgião pergunta à autora se “…fuiste Al ginecólogo?”, ao que a autora responde “Olá, sim jah fui. Vou fazer uma ecomamaria. Receitou m ananase. Qdo tiver resultado volto para continuar a observacao”, e termina dizendo “Fiquei desolada quando vi para alem da cicatriz a diferença de tamanho entre as mamas”, (conforme documento 19 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido). 70. No dia 19-04-2016, a autora ainda mantinha pontos cirúrgicos para retirar das lesões. 71. Em 22-04-2016, a autora envia comunicação eletrónica de onde consta “Hoje retirei os restantes pontos (…) É igualmente dia do m aniversário e não paro de chorar qdo olho para as suturas das nadegas e do peito. Nem consegui vestir uma blusa um pouquinho degotada…”, enviando as fotografias 28 e 29 que integram o documento 22 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido. 72. Em 28-04-2016, a autora envia nova comunicação eletrónica ao réu cirurgião, informando-o que dá “…Graças a Deus por ter sobrevivido, mas não resisti ah depressão …”, ao mesmo tempo que junta novas fotos que refletem as sequelas com que ficou, (fotografias 30, 31 e 32 que integram o documento 23 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido). 73. A autora sentiu ansiedade e mergulhou num quadro depressivo após a realização da operação cirúrgica. 74. Em 16-05-2019, na sequência de várias consultas de psiquiatria a que a autora se submeteu, na Clínica Lusíadas, em Faro, foi-lhe diagnosticado um “…quadro depressivo reativo a cirurgia plástica mal sucedida, com varias complicações e sequelas físicas graves, sentindo-se mutilada”. 75. As suturas acabaram por fechar/sarar, deixando cicatrizes inestéticas hiperpigmentadas, que revelam uma grande depressão nas duas nádegas e no seio direito, ficando este maior que o seio esquerdo e o abdómen, com cicatriz supra umbilical operatória de 2 cm vertical e sem aparente deformidade da parede abdominal. 76. Causa sofrimento à autora não poder vestir uma peça de roupa mais decotada. 77. Desde que foi operada, a autora evita ir à praia e vestir um biquíni que sempre usou desde muito nova, causando-lhe grande perturbação psicológica e desconforto. 78. As cicatrizes que fecharam por segunda intenção, formaram grande contração cutânea dos músculos glúteos. 79. Teve constantes dores e esteve sem posição postural para dormir, atendendo ao período de tempo decorrido desde a data da intervenção cirúrgica, até a data da cura/ consolidação, médico-legal. 80. Em 05-07-2016 a autora queixava-se que se sentia mutilada, por ter sinais muito visíveis a nível do peito e nádegas. 81. E que se sentia-se muito desconfortável pelas marcas físicas que ostentava. 82. Sente retração e inibição no envolvimento afetivo e sexual 83. Nesta data, por força da infeção que sobreveio e teve causa na cirurgia aqui em causa, a autora apresenta: a. A nível do tórax, assimetria mamária com hipotrofia da glândula mamária direita ligeira, cicatrizes operatórias da parte superior da glândula mamária direita com 3cm e outra 2 da região inframamária bilateral de 1,5 cm e cicatriz intermamária transversal de 3*3 cm. b. A nível do abdómen, cicatriz supra umbilical operatória de 2 cm vertical e sem aparente deformidade da parede abdominal. c. A nível das nádegas, dismorfia da nádega de maior dimensão do lado direito com depressão central até ao sulco inter nadegueiro e cicatrizes operatórias da nádega esquerda com 10 cm e de forma irregular e duas cicatrizes na nádega direita na sua porção média de 2 e 3 cm, respetivamente, sem áreas ulceradas e/ou dolorosas embora deprimidas na sua porção central de predomínio direito. 84. O período durante o qual a autora, ainda com limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das atividades da vida diária, familiar e social), fixável num período de 52 dias (entre 26.03.2016 e 16-05-2016). 85. O quantum doloris que padeceu é fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados. 86. A autora sente-se incomodada perante a família e pelo facto de estar num meio pequeno em que as coisas se sabem com facilidade. 87. A autora à data de propositura da ação ainda padecia de síndrome depressivo e não se sente bem dentro do seu próprio corpo que sempre apreciou. 88. O que lhe traz muito sofrimento emocional e stress. 89. A autora sentiu-se enganada em todo este processo, na medida em que, desde o primeiro contacto com o réu cirurgião, em Faro no dia 2016-02-12, que este se apresentou como “médico especialista em cirurgia plástica e estética”. 90. Sendo possível que, no futuro a autora não consiga vir a ter uma vida afetiva e sexualmente saudável, como acontecia no passado em termos da sua fruição. 91. Por razão não concretamente apurada, por força da intervenção cirúrgica levada a cabo pelo réu na pessoa da autora, ocorreu infeção que se manifestou no pós-operatório progressivamente nos vários locais intervencionados. 92. A autora deveria ter sido encaminhada pelo réu para um Centro Hospitalar público ou privado, dotado de pessoal de enfermagem especializado em enfermagem médico-cirúrgica, a fim de encontrar uma resposta adequada à sua patologia, atendendo à gravidade da situação. 93. Desde a primeira consulta ocorrida em 12-02-2016 em Faro, até à presente data, a autora despendeu em consultas, exames complementares de diagnóstico, taxas moderadoras, medicamentos e tratamentos, o valor de pelo menos €417,62. 94. Numa tentativa de melhorar a sua situação clinica, a autora teria que recorrer a nova(s) cirurgia(s), as quais consistiriam em novos lipofillings, nova lipoaspiração abdominal e revisão das cicatrizes deixadas das cirurgias anteriores. 95. Para alcançar tal desiderato, a autora despenderia um valor entre os €7.000,00 e os 10.000,00 euros. 96. A ré sociedade está inscrita e sob a alçada da Entidade Reguladora da Saúde, como prestadora de serviços de saúde tendo como tipologia autorizada “Clínicas ou consultórios médicos” e lotações autorizadas de 0 para camas, blocos operatórios, blocos de ambulatório, postos de diálise e salas de parto, conforme documento que sob o n.º2 é junto com a contestação das rés e que aqui se dá por reproduzido. 97. A consulta que a autora fez na ... em 12-02-2016 visou informar a autora sobre todos os procedimentos nas intervenções de Lipoaspiração Abdominal e Flancos, com Infiltração para as Nádegas, Peitos e Rosto, bem como Blefaroplastia Inferior. 98. Mandam o regime e as boas práticas que o paciente permaneça em recuperação, sob observação, pelo período de até 24 (vinte e quatro) horas, e que, uma vez recuperado e sem sinal de complicações, ao fim desse período, lhe seja dada alta médica, tendo o réu dado alta à autora após recobro cirúrgico de seis horas, não manifestando esta na altura sinais de complicações. 99. A cirurgia decorreu sem complicações. 100. No dia 27 de Fevereiro de 2016 a autora fez controlo pós-operatório sem que apresentasse qualquer complicação pós-operatório. 101. Todos os serviços de natureza médica foram prestados por médicos habilitados para o efeito. 102. A autora leu e assinou os termos de consentimento juntos com a contestação das rés, referentes aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que aqui se dão por reproduzidos. 103. Em determinado momento de todo o processo, os réus reconhecendo que a intervenção não tinha produzido os efeitos queridos por todos, predispuseram-se a realizar a participação ao seguro. 104. Tendo a autora respondido nos seguintes termos: “Esta situação jah me ultrapassa. Estou francamente muito chateada e algo revoltada. Afinal a questão do seguro não se pode colocar desta maneira pelo que entreguei o assunto ao meu advogado Dr II. Ele logo entra em contacto contigo.”. 105. Os direitos e obrigações alocados ao negócio de seguros explorado pela A.M.A. – Agrupacion Mutual Aseguradora Mutua de Seguros a Prima Fija, Sucursal em Portugal, foram adquiridos pela interveniente, por escritura de trespasse outorgada em 30 de Junho de 2014. 106. O referido contrato de trespasse abrangeu apenas «...a cedência de todos os ativos, Responsabilidades incluídas, direitos, titularidade e interesses alocados ao negócio de seguros da Sucursal, incluindo, sem limitação, todas e quaisquer apólices de seguro pelos respetivos titulares com a Sucursal.». 107. A interveniente promoveu a substituição do prefixo “525”, pelo prefixo “6052”, em todas as apólices de seguro adquiridas por via do referido negócio, sendo certo, porém, que todo o clausulado contratual – leia-se cláusulas Gerais, Especiais e Particulares se mantiveram inalteradas. 108. Em 18-06-2001 o réu BB apresentou, à então A.M.A. – Agrupacion Mutual Aseguradora Mutua de Seguros a Prima Fija, Sucursal em Portugal, proposta de seguro, na qual o mesmo figura com tomador do seguro e segurado, conforme documento n.º 2, junto com a contestação da interveniente, que aqui se dá por integralmente reproduzida. 109. Nessa proposta de seguro o réu BB declarou que exercia a profissão de médico, no Hospital de S. João e que era titular da especialidade de Clínica Geral. 110. Por via da aludida proposta de seguro, o réu BB pretendia celebrar um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Do Profissional de Saúde, que garantisse, a responsabilidade civil em que pudesse incorrer para com terceiros, em consequência do exercício da sua profissão de médico no âmbito da especialidade de Clinica Geral. 111. Aquando da apresentação da proposta de seguro o réu BB não declarou ser titular de qualquer outra especialidade médica, nomeadamente da especialidade de Cirurgião ..., ou de Cirurgião Plástico ... ou outra. 112. Perante essa proposta, a então A.M.A. – Agrupacion Mutual Aseguradora Mutua de Seguros a Prima Fija, Sucursal em Portugal emitiu a apólice n.º .........50, a qual teve início em 01.09.2001, com a duração de um ano e seguintes, a qual passou a estar subordinada às Condições Particulares, Gerais e Condição Especial juntas com a contestação da interveniente e que aqui se dão por reproduzidas. 113. Tal como emerge das sobreditas Condições Particulares da Apólice é objeto do aludido contrato de seguro o segurado BB, com a profissão de médico titular da especialidade de Medicina Geral, sendo o risco seguro por via do mesmo o exercício da profissão e especialidade indicadas nas mencionadas Condições Particulares da Apólice. 114. Resultando das Condições Particulares da Apólice que nos termos estabelecidos nas Condições Gerais e na Condição Especial n.º UM anexas às Condições Particulares, ficam abrangidos os sinistros ocorridos depois da data de início e durante a vigência da Apólice, com garantias e limites de capital ali melhor indicados. 115. No âmbito do aludido contrato de seguro, são as seguintes as garantias contratadas pelo réu BB: a. Responsabilidade Civil Profissional; b. Responsabilidade Civil de Exploração; c. Subsídio por inibição temporária do exercício da atividade profissional. 116. Tal como estabelecido no artigo 1º da Condição Especial 01 aplicável ao contrato, sob a epígrafe “OBJECTO DO SEGURO”, “Pela presente Condição Especial fica garantida, até aos limites estipulados nesta Condição Especial /ou nas Condições Particulares, a Responsabilidade Civil Extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, através do pagamento das indemnizações que legalmente lhe sejam exigíveis pelos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros por erros profissionais cometidos pelo Segurado no exercício da sua Profissão / Especialidade identificada nas Condições Particulares e, exclusivamente, durante o período de vigência da Apólice.” 117. No que tange a cobertura de Responsabilidade Civil Profissional, ficou estipulado que: “1.1.1 De acordo com as coberturas contratuais, fica segura a responsabilidade Civil Profissional do Segurado perante terceiros, derivada de danos e prejuízos causados no exercício da sua profissão, exercida de acordo com a legislação vigente, e especialmente por danos que tenham a sua origem em: a) Erro, omissão, imprudência, excesso ou desvio em diagnóstico e/ou tratamentos; b) Erro, omissão, imprudência, excesso ou desvio em intervenções cirúrgicas; c) Erro, omissão, ou imprudência na aplicação ou entrega de produtos farmacêuticos aprovados pelo Organismo competente, ou reconhecidos pela ciência médica se não for necessária a sua aprovação; d) Erro, omissão ou imprudência em informações prestadas a pacientes ou a terceiros relativamente a efeitos, consequências ou resultados de um determinado tratamento ou doença; e) Da responsabilidade do Segurado pela eventual substituição de um médico da mesma especialidade que se encontre impedido temporariamente ou, inversamente, pelo recurso a outro profissional da mesma especialidade que represente de maneira ocasional o Segurado (por motivo de férias, doença, por exemplo), desde que a designação do médico substituto seja efetuada pelo Segurado; f) Atos ou omissões do pessoal ao seu serviço, no máximo de 2, por danos que estes possam causar no desempenho das tarefas de que estejam encarregados; g) Responsabilidade do Segurado derivada de reclamações e/ou danos originados pela extração, transfusão e/ou conservação de sangue ou plasma sanguíneo ou que sejam consequência da aquisição, transmissão ou contágio do Síndroma de Imunodeficiência Adquirida (S.I.D.A.); h) Prestação de primeiros socorros por motivo de acidente ou doença; i) Posse ou utilização de aparelhos ou instalações reconhecidos pela ciência médica, salvo se tiverem origem no funcionamento normal ou anormal do próprio aparelho. 1.1.2 A cobertura contratual compreende apenas a especialidade profissional declarada nas Condições Particulares, bem como especialidades de risco igual ou inferior, de acordo com a Tarifa estabelecida para a fixação do prémio contratual.” – artigo 2.º da Condição Especial 01. 118. Mais ficou expressamente acordado com o réu BB que, sem prejuízo das exclusões constantes das Condições Gerais da Apólice que não sejam derrogadas pela Condição Especial 01, ficam expressamente excluídas da garantia do contrato as reclamações derivadas de: (…) c) Propriedade, direção, consultadoria ou assessoria de hospitais, clínicas ou quaisquer outros estabelecimentos de saúde, mesmo quando apenas figure In nomine sem exercício de direção ou consultadoria; (…) e) Contratação de profissionais que não estejam devidamente habilitados, ou uso de procedimentos clínicos que não sejam reconhecidos por entidades científicas ou profissionais médicas de reconhecido prestígio; f) Reclamações com base em danos meramente estéticos, por não ter sido conseguida a finalidade proposta na operação ou tratamento; g) Atos dolosos ou derivados do incumprimento voluntário de normas legais, éticas ou profissionais aplicáveis(…) k) Reclamações decorrentes de danos que tenham como origem ou causa as instalações onde o Segurado exerce a sua atividade profissional, bem como máquinas, mobiliário ou utensílios.” - Artigo 2.º 1.2 da Condição Especial 01. 119. No que se reporta à cobertura intitulada de Responsabilidade Civil de Exploração, foi expressamente acordado com o réu BB que, por via da mesma, fica garantida, “…até ao limite indicado nas Condições Particulares, a responsabilidade civil extracontratual que possa advir, para o Segurado, da qualidade de proprietário, arrendatário ou usufrutuário do local destinado ao exercício da atividade profissional segura, indicada nas Condições Particulares, incluindo: a) Danos a terceiros produzidos por incêndio e/ou explosão, excluindo os provocados pela posse, uso ou armazenamento de materiais explosivos; b) Danos a terceiros por água, em consequência de rutura ou entupimento de canalizações ou depósitos, até 5% do capital seguro para a cobertura Responsabilidade Civil Exploração, por sinistro e anuidade; c) Quando se trate de local arrendado (edifício ou fração) os danos causados ao mesmo, até 5% do capital seguro para a cobertura Responsabilidade Civil Exploração, por sinistro e anuidade.” –artigo 2.º n. 2 da Condição Especial 01. 120. Tal como emerge do Artigo 1º das Condições Gerais da Apólice, sob a epígrafe “Definições”, foi acordado com o réu BB que, para efeitos do presente contrato de seguro, se entende por: “k) RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL: Entende-se por responsabilidade civil contratual, a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes de contratos, de negócios jurídicos unilaterais ou da lei. l) RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL: Entende-se por responsabilidade civil extracontratual, a responsabilidade resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, “causam prejuízos a outrem. 121. Tal como emerge das Condições Particulares da Apólice por via do referido contrato de seguro apenas se mostra garantido o exercício da atividade profissional do réu BB no âmbito da especialidade de Medicina Geral e Familiar, ao qual corresponde o código estatístico ..., utilizado para efeitos de tarifação do contrato. 122. À data dos factos, o capital seguro no âmbito do aludido contrato ascendia aos seguintes montantes: - no que tange a cobertura de “Responsabilidade Civil Profissional”, o capital contratado pelo réu BB ascendia à quantia de 1.200.000,00€, por anuidade, com o sublimite por sinistro correspondente a 50% daquele montante, isto é, 600.000,00€, independentemente do número de lesados; no que tange a cobertura de “Responsabilidade Civil Exploração”, o capital contratado pelo réu ascendia à quantia de 600.000,00€, por anuidade, com o sublimite por sinistro correspondente a 50% daquele montante, isto é 300.000,00€, independentemente do número de lesados. 123. A lipoaspiração abdominal com enxerto autologo de gordura nas nádegas e seios, o lipffiling facial e a blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular, alegadamente realizados pelo réu BB na pessoa da autora, são procedimentos do foro da especialidade de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética. 124. A prática de atos médicos da especialidade de Cirurgia Maxilo- facial envolve riscos muito superiores relativamente àqueles praticados no âmbito da especialidade de Medicina Geral, de acordo com a tarifa estabelecida para a fixação do prémio contratual do seguro aqui em causa. 125. O prémio comercial anual atual para a especialidade de Cirurgia Maxilo-Facial para um capital idêntico ao contratado pelo réu BB, isto é com o sublimite por sinistro correspondente a 50% daquele montante, isto é, 600.000,00€, independentemente do número de lesados é, em valor não concretamente apurado, mais elevado do que o prémios anual atual para a especialidade de Medicina Geral com idêntico capital com o sublimite por sinistro correspondente a 50% daquele montante, isto é, 600.000,00€, independentemente do número de lesados. 147. Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter no pós-operatório34. 166. Relativamente aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e lefaroplastia, a autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e a possibilidade de serem respondidas todas as suas questões35. 169. A autora nasceu em 195436. 2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA 126. Deveria ter sido feito um estudo prévio ao sangue (antibiograma), antes da autora ter sido operada, de modo a selecionar o antibiótico adequado, por forma a não correr o risco de infeção das zonas intervencionadas. 127. Os procedimentos referidos em 12 a 16 não foram acompanhados por pessoal médico e de enfermagem especializado, devidamente treinado para o efeito. 128. CC apresentava-se como doutor. 129. Foi CC quem a anestesiou nos termos referidos em 61 e 63. 130. No dia referido em 64, após o tratamento, a autora constatou que o cateter que havia sido colocado no MSD, (região do sangradouro), ficou obstruído, tendo CC, na sua presença, telefonado a uma médica anestesista que se encontrava de serviço ao banco de urgência de um hospital próximo da cidade do Porto tendo-a transportado no seu veículo a um parque de estacionamento desse mesmo hospital, onde, a referida médica, dentro do mesmo veículo, procedeu à substituição do cateter por outro. 131. De regresso à clinica da ré sociedade, a autora só rezava para sair com vida da situação, 132. Após o seu regresso à clínica, CC administrou um antibiótico pelo cateter, o que lhe causou grande ardor e calor no membro superior direito. 133. A autora perguntou a CC se era médico, tendo mesmo respondido que “era engenheiro de máquinas, mas tinha um doutoramento em auxiliar de saúde, para poder entrar no bloco operatório” da clinica da ré. 134. As cicatrizes fecharam como referido supra devido a não terem sido tomadas medidas preventivas no âmbito da desinfeção e esterilização dos materiais e equipamentos cirúrgicos utilizados durante a cirurgia. 135. Em 09 Junho de 2016, a autora enviou novamente ao reu cirurgião, um conjunto de fotos que revela o estado em que ficaram as nádegas, os seios e a zona da face em volta dos olhos, (fotografias 33, 34, 35 e 36 do documento 25 da petição que se dá por reproduzido). 136. Quer na consulta realizada no ..., em Faro, em 12 de Fevereiro de 2016, quer no próprio dia em que foi internada na clínica da ré sociedade, no Porto, a autora não foi devidamente informada, nem esclarecida pelo réu cirurgião, sobre eventuais riscos e ou sequelas, que a intervenção cirúrgica poderia trazer-lhe no futuro. 137. A autora nunca fora informada, nem corretamente esclarecida, sobre o risco de infeção no pós-operatório, que viesse a originar graves deformações, nas zonas do corpo afetadas, deixando-a com sequelas para o resto da sua vida. 138. A autora sente dor à palpação dos seios e das nádegas, resultantes de infeção de enxerto de gordura realizado na cirurgia de 25 de Fevereiro de 2016 e, quando se senta numa superfície mais dura, (exemplo: quando vai à sanita), sente dor forte e intensa na nádega esquerda. 139. Deformidades, que inibem a autora de utilizar os duches públicos, quando se desloca às piscinas para fazer hidroterapia, que mantinha com carácter de regularidade (2 a 3 x semana). 140. A partir da data da cirurgia, a autora tem estado impedida, por largos períodos, de simplesmente passear, de retomar as marchas pedonais que praticava com regularidade, de fazer hidroterapia e de se divertir com a família, vendo-se privada de desfrutar da sua vida normal que sempre teve e desejou. 141. Pelo exame pericial de Avaliação de Dano Corporal em Direito Civil e respetivo Relatório, efetuado pelo Prof. Doutor JJ, do Centro de Medicina Legal e Ciências Forenses, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, bem como, pelo exame efetuado por um especialista em cirurgia plástica e estética e respetivo Relatório, Dr. KK, do Centro de Cirurgia Plástica e Estética de Coimbra, a autora despendeu uma quantia de valor elevado, em transportes, alimentação e alojamento que de momento não consegue quantificar. 142. Saradas as cicatrizes/lesões, independentemente das sequelas e das malformações físicas, o réu cirurgião, nunca mais contactou a autora, no sentido de orientá-la, encaminhá-la e ou ajudá-la na procura de soluções clínicas, mais adequadas ao seu problema. 143. O réu não sugeriu o apoio da psicologia clínica, por forma a atenuar o grau de sofrimento psíquico e emocional que a autora padecia. 144. A ré sociedade nunca procurou saber, nem se inteirar sobre o grau de satisfação da autora quanto à cirurgia a que foi sujeita. 145. Nem tampouco, procurou saber junto dos vários profissionais de saúde que prestaram serviços à autora (enfermeiros, técnicos de saúde), se esta necessitava de qualquer apoio, nomeadamente, psicológico. 146. A enfermeira DD tinha pouca experiência em cuidados de enfermagem hospitalares no pós-operatório. 147.37. 148. Com a alta médica, o réu BB prescreveu e informou à autora que o sucesso no pós-operatório dependia de repouso absoluto, 149. No dia 26-02-2016, a autora foi às instalações da segunda ré em ordem a que o réu BB também a consultasse e se inteirasse da evolução do seu pós-operatório e de que tudo estava a correr bem e como o previsto. 150. A viagem que a autora decidiu fazer no mesmo dia entre o Porto e Faro, tinha sido desaconselhada. 151. Porquanto o réu BB preveniu-a que inda era cedo para tal viagem, mas como a autora não podia ou não queria gastar mais dinheiro em alojamento decidiu voltar para Faro. 152. A enf.ª DD retirou também os pontos das restantes suturas existentes nos dois seios, apesar da mesma não o referir, (o seio direito também se encontrava muito ruborizado e com sinais inflamatórios). 153. No dia 9 de Março de 2016, ainda com antibioterapia e analgesia, o réu BB pede à senhora enfermeira que a volte a espremer, quando essa se apercebe de uma nova região infeciosa, desta feita, na mama direita. 154. No dia 4 de Março de 2016 enviou à autora o antibiótico intravenoso para que a senhora enfermeira o administrasse via subcutânea. 155. Nos dias 28 e 29 de Fevereiro e 1 de Março, de 2016, a ré sociedade, através da senhora LL, contactou telefonicamente a autora, a fim de saber se estava bem ou se havia alguma evolução a assinalar e que merecesse atenção e cuidados médicos, sendo que a sua resposta foi negativa. 156. O réu BB continuou a acompanhar a autora, após 07-05-2016, mormente contactando a senhora Dra. MM, sobrinha da autora, a irmã da paciente, NN, e a médica de família da paciente, a senhora Dra. EE. 157. A infeção ficou-se a dever ao facto de a autora estar já infetada com infeção vaginal comum, causada por fungos do gênero Cândida (candidíase) à data da cirurgia. 158. Acresce ainda que a autora não cumpriu as instruções do réu BB ao frequentar piscinas públicas, nos dias seguintes ao da intervenção cirúrgica, 159. E ao conduzir o seu automóvel nos dias seguintes, não observando, desse modo, o repouso que lhe havia disso prescrito como essencial ao sucesso da intervenção, 160. Expondo-se a potenciais ambientes de contaminação e de stress dos tecidos intervencionados e ainda não totalmente cicatrizados. 161. As dores causadas pelos tratamentos da infeção são dores momentâneas e suportáveis 162. A autora já vinha sendo acompanhada há cerca de dois anos por médicos psiquiatras. 163. Tendo a autora recusado a participação ao seguro. 164. A especialidade de Cirurgia Maxilo-Facial não confere autoridade técnica ao médico titular da mesma para a realização de procedimentos cirúrgicos levados a cabo ao nível do abdómen, no caso uma lipoaspiração, seios e nádegas, os quais se inserem no foro da Cirurgia Plástica e Reconstrutiva. 165. O réu ultrapassou os limites das suas qualificações e competências. 166. A autora foi informada dos riscos do lipofilin das nádegas, peitos e rosto, tendo-lhe sido dadas todas as informações e a possibilidade de serem respondidas todas as suas questões.38. 167. Por os tratamentos que se seguiram, não terem sido efetuados em local adequado e asséptico, ocorreu infeção no pós-operatório, nos vários locais intervencionados. 168. A cirurgia em regime ambulatório é definida pelo internamento do paciente em período necessariamente inferior a 24 horas. 16939. 2.3. O DIREITO Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso40 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto). 1.) SABER SE A MATÉRIA DE FACTO DEVE SER ALTERADA POR VIOLAÇÃO DE LEI REGULADORA DE DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL. Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito – art. 46º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26-08. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – art. 674º/3, do CPCivil. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º – art. 682º/2, do CPCivil. O Supremo Tribunal de Justiça não pode modificar a decisão da matéria de facto, com exceção dos casos em que exista ofensa de lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674º/3)41,42, 43,44,45. O Supremo só pode censurar o assentamento factual operado pelas instâncias quando esteja em causa a violação de regras de direito probatório material, ou seja, das normas que regulam o ónus da prova (estabelecendo as respetivas regras distributivas), bem como a admissibilidade e a força probatória dos diversos meios de prova. Isto é: apenas poderá imiscuir-se (sindicar) a matéria de facto dada como assente pelas instâncias se vier invocada pelas partes ou se se verificar (ex-ofício) a existência ou a necessidade de recurso a meios com força probatória plena46,47,48,49,50,51,52. Decorre da lei que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode sindicar o conhecimento da matéria de facto fixada pela 2.ª instância quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se tiver desrespeitado as normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico53. Não pode, assim, em princípio, e por ex., o Supremo censurar a convicção formada pelas instâncias sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre a que se reporta o art. 607º54,55,56,57,58,59,60,61. Temos, pois, que sindicar o modo como o Tribunal da Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer no âmbito do recurso de revista se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência, ou, se tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. Concluindo, como decorre da leitura conjugada do disposto nos arts. 674.º/3 e 682.º/2, ambos do CPCivil, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Ao tribunal de revista compete assegurar a legalidade processual do método apreciativo efetuado pela Relação, mas não sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da prudente convicção do julgador. Ponto 147 da matéria de facto não provada A recorrente/autora alegou que “O Tribunal a quo, julgou tal facto, como provado, o qual, e com o devido respeito que nos merece, incorretamente”. Vejamos a questão. O tribunal a quo deu como provado que: - Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter no pós-operatório. Para tal, fundamentou a sua decisão de facto, v.g., “Assim sendo, da conjugação dos depoimentos prestados pelo réu, que que relatou de forma pormenorizada as recomendações referentes ao pós operatório que fez á autora/ recorrida, conjugadas com o depoimento prestado por CC, sócio da 2ª ré, o qual, na qualidade de colaborador exerce as funções de ... da clínica, que relatou que a clínica tem já um relatório pré-elaborado que entregam a todos os pacientes, para aqueles saberem como devem atuar no período pós-operatório, relativamente à retirada de pontos, tratamentos e outros cuidados, impõe-se a prova do facto impugnado, inexistindo qualquer dúvida, uma vez que a autora confirmou ter recebido precisamente “um papel com os cuidados que deveria ter”. Ponto 166 da matéria de facto não provada A recorrente/autora alegou que o “Tribunal de apelação, julgou o facto - 166, como provado, o qual, e com o devido respeito, incorretamente”. Vejamos a questão. O tribunal a quo deu como provado que: - Relativamente aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, a autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e a possibilidade de serem respondidas todas as suas questões. O tribunal a quo deu como não provado que: - A autora foi informada dos riscos do lipofilin das nádegas, peitos e rosto, tendo-lhe sido dadas todas as informações e a possibilidade de serem respondidas todas as suas questões. O tribunal a quo fundamentou esta sua decisão de facto, v.g., “Relacionado com esta matéria, emergiram provados os seguintes factos: 97. A consulta que a autora fez na ... em 12-02-2016 visou informar a autora sobre todos os procedimentos nas intervenções de Lipoaspiração Abdominal e Flancos, com Infiltração para as Nádegas, Peitos e Rosto, bem como Blefaroplastia Inferior. 5. No decorrer dessa consulta ocorrida nas instalações da ..., em Faro, acordou (contratualizou) com o réu cirurgião para na data de 2016-02-25, ser submetida a uma intervenção cirúrgica plástica e estética para, “lipoaspiração à barriga + flancos”, se concretizou na “…lipodistrofia abdominal e cervical, com lipifilling facial; blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular; foi-lhe enxertado 20cc em cada hemisférico facial repartido anatomicamente em(sulcos naso genianos, peri bucal e região malar) tendo sido enxertado um total der 40cc no rosto; lipoaspiração cruzada a região cervical e mentoniana com três pontos de entrada, orelha esquerda/direita e submentoniano”, e ainda, “lipoaspiração tumescente infiltrativa de 3500cc de gordura, tendo sido enxertada gordura estéril no total de 180cc para cada nádega, assim fazendo um total de 360cc nas duas nádegas e 120ml em cada seio, num total de 240cc no total dos dois seios”. 102. A autora leu e assinou os termos de consentimento juntos com a contestação das rés, referentes aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que aqui se dão por reproduzidos. Da conjugação destes factos resulta que a autora deu o seu consentimento ao réu para a realização da totalidade das intervenções cirúrgicas a que foi submetida na clinica da ré. Já o facto impugnado diz respeito à prestação de informações relativamente aos riscos que este tipo de intervenções comportam. Nos termos de consentimento referidos no facto 102, que a autora leu e assinou, consta extensa informação quer quanto ao procedimento médico, meios alternativos e riscos que acarreta, sendo que neles a autora declara ter sido devidamente informada e não ter dúvidas quanto a qualquer questão. Os aludidos “termos de consentimento” são constituídos pelos seguintes documentos juntos com a contestação: -documento denominado “consentimento informado para realização de anestesia geral”,( cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde consta o objetivo da técnica e os seus efeitos sobre o paciente, assim como os riscos do procedimento (documento que se mostra assinado pela autora, sob os dizeres “Afirmo que me foi informado pelo Dr. BB, na data de 25.02.2016 e que me foi facultada a informação por escrito acerca da anestesia geral, os benefícios que esperam e os riscos que podem advir da sua realização, bem como todas as alternativas. Compreendi a informação que me foi facultada e esclarecidas as minhas dúvidas de forma satisfatória. Dou consentimento aos médicos de anestesia e reanimação desta clinica que me exerçam o procedimento mencionado e as provas complementarias necessárias. (…) Sei que em qualquer momento posso revogar este consentimento”. -documento denominado “consentimento informado para lipoaspiração”, onde consta a informação geral do procedimento, a indicação de tratamento alternativo e são indicados os riscos da lipoaspiração. Depois dessa informação que ocupa duas paginas e meia, em letras maiúsculas conta o seguinte: É IMPORTANTE QUE LEIA CUIDADOSAMENTE A INFORMAÇÃO ANTERIOR E QUE TENHAM SIDO ESCLARECIDAS AS SUAS PERGUNTAS ANTES DE ASSINAR O CONSENTIMENTO DA PROXIMA PÁGINA”. Segue, na mesma página, o seguinte: “CONSENTIMENTO PARA CIRURGIA/ PROCEDIMENTO OU TRATAMENTO”, que se mostra assinado pela autora, sob os dizeres: “1-Pela presente autorizo o Dr. BB e os seus ajudantes a realizar o seguinte procedimento ou tratamento: LIPOASPIRAÇÃO. 2-Li e compreendi e assinei as páginas do folheto informativo anexado “consentimento informado para lipoaspiração (...). 9-Foi-me explicado de forma compreensível: a- O tratamento citado anteriormente ou procedimento a realizar; b- os procedimentos alternativos ou métodos de tratamento; c- Os riscos do procedimento ou tratamento proposto”. (…) Estou satisfeita com a explicação e não necessito de mais informação”. O documento foi assinado pela autora. - documento denominado “consentimento para cirurgia/procedimento ou tratamento”, que se mostra assinado pela Autora autorizando o Dr. BB e os seus ajudantes a realizar o seguinte procedimento ou tratamento: BLEFAROPLASTIA”. Afirma de idêntico modo que: “Foi-me explicado de forma compreensível: a- O tratamento citado anteriormente ou procedimento a realizar; b- os procedimentos alternativos ou métodos de tratamento; c- Os riscos do procedimento ou tratamento proposto”. (…) Foi-se perguntado se necessitava de alguma informação adicional, mas estou satisfeita com a explicação e não necessito de mais informação”. Nestes documentos assinados pela autora consta assim a informação sobre em que consiste a intervenção médica a realizar, tratamentos alternativos e riscos que estes tipos de intervenções – anestesia geral, Lipoaspiração e Blefaroplastia - comportam, declarando que foram-lhe fornecidas todas as informações e repostas a todas as suas questões. O facto não provado ora impugnado, mostra-se assim em contradição com o facto provado 102, (“A autora leu e assinou os termos de consentimento juntos com a contestação das rés, referentes aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que aqui se dão por reproduzidos”), porquanto naqueles documentos não consta apenas o consentimento da autora, consta a informação relevante relativa àqueles atos médicos e a declaração da autora de que deles foi cabalmente esclarecida. Daí que quanto a estes procedimentos acabados de mencionar, não possa subsistir o facto não provado 166, por existir prova documental que o contraria. Já, porém relativamente à intervenção médica que consistiu no transplante do tecido adiposo recolhido no procedimento de lipoaspiração, para as nádegas, peitos e rosto da autora – denominada lipofilin facial e enxerto de gordura nas nádegas e seios bilateral 8 - coloca-se a dúvida se a autora foi ou não devidamente informada dos riscos que este procedimento comporta, nomeadamente, quanto a infeção, porquanto, ao contrário do que aconteceu quanto aos outros procedimentos não foi unto qualquer documento assinado pela autora. 8 Expressão utilizada no Relatório médico da Ré. De acordo com a orientação dominante, compete, via de regra, à instituição de saúde e/ou ao médico provar que prestou ao paciente as informações devidas e adequadas para que este pudesse livre e esclarecidamente exercer o seu direito de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde. Com efeito, trata-se, desde logo, da necessidade de acautelar o equilíbrio processual entre a impossibilidade de provar um facto negativo (não ter sido – ou não ter sido adequadamente - informado) que, segundo a doutrina, se traduz numa “prova diabólica”, de um lado e, de outro, da facilidade relativa da prova para o médico. O risco de uma falta ou deficiência de informação recai sobre a instituição de saúde e/ou o médico. É que, em geral, médico e paciente não se encontram em paridade situacional, em pé de igualdade, porquanto o último não tem e nem pode ter a mesma quantidade e a mesma qualidade de informação do primeiro. O médico é que tem de provar a criação de condições concretas e efetivas que permitissem ao paciente compreender o significado, o alcance e os riscos do tratamento proposto.9 No caso em apreço, os réus lograram provar que prestaram as informações adequadas à autora relativamente aos procedimentos médicos realizados de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que constam dos documentos analisados. Porém, naqueles documentos não consta informação relativamente ao processo de injeção da gordura extraída do abdómen da autora noutras partes do seu corpo. 9 Ver entre outros o Acórdão do STJ de 8.9.2020, proferido no Processo 148/14.4TVLSB.L1.S1 e disponível in www.dgsi.pt. Com efeito no documento denominado “consentimento informado para Lipoaspiração”, é definida a técnica da lipoaspiração, (como técnica cirúrgica para eliminar tecido adiposo em excesso em determinadas áreas do corpo), mencionando que “a lipoaspiração pode ser realizada como um procedimento primário para melhorar o contorno corporal, ou sem simultâneo com outras técnicas cirúrgicas, como lifting facial, abdominoplastia, o lifting de joelhos, para esticar a pele relaxa de estruturas de suporte”. Nenhuma informação porém é prestada à paciente relativamente a outras técnicas que tenham sido efetuadas em simultâneo com a lipoaspiração. Daí que existindo para uns e para outros não, impõe-se a dúvida se foi devidamente prestada tal informação, dúvida que é resolvida, nos termos do art. 414º do C.P.C contra a parte a quem a prova aproveita, isto é contar os réus. Desta forma, impõe-se a alteração da resposta dada a este facto, devendo ser restringida o facto 166 dos factos não provados, à seguinte redação: não logrou a Ré demonstrar a prestação dos serviços descritos em tal fatura à A e a sua aceitação por parte desta. Não temos dúvidas que o legal representante da R e OO andaram em negociações para serem feitos uns trabalhos na casa deste ultimo, contudo, nada se provou quer quanto ao que foi combinado (inexistindo orçamento aprovado), ao valor dos eventuais trabalhos, ao que foi efetivamente feito e a quem seriam faturados, pois tratou-se de um “negócio” à parte, entre vizinhos e amigos que nada tem a ver com a dívida reclamada nos autos. Conforme referido, as testemunhas da requerida foram imprecisas e/ ou não credíveis, sendo que na dúvida sobre o facto alegado, teve o Tribunal que decidir contra quem tinha ónus de prova do facto, ou seja, a requerida, pois que estava em causa facto constitutivo do seu direito. Nenhuma outra prova se produziu, o que deu causa ao elenco de factos não provados, que refletem matéria alegada pela ré, que não cumpriu o seu ónus probatório”. No caso sub judice, o tribunal a quo não fixou os factos materiais dando-os por provados ou não sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência, assim como não incumpriu os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (nem a recorrente concretiza as violações de regras de direito probatório material). Temos, pois, que a Relação não ofendeu qualquer norma que exija certa espécie de prova de qualquer facto relevante, nem desconsiderou a força probatória de qualquer documento e, não se vê que tenha feito mau uso dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto (nem tal é concretamente indicado pela recorrente). O que a recorrente pretende é que o Supremo interfira no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena (os documentos particulares não têm força probatória plena). A Relação, no acórdão recorrido, não extravasou dos seus poderes no que à apreciação a matéria de facto respeita (art. 662º do CPC), atuando no âmbito do objeto do recurso de apelação, procedendo à reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova e, portanto, à livre convicção do julgador. Verifica-se, pois, que a Relação fundamentou devidamente as respostas à matéria de facto, referindo, de forma crítica, a prova em que se alicerçou, sendo esta análise e conclusão o resultado encontrado segundo o princípio da livre convicção e apreciação da prova, que aqui não cabe censurar. Concluindo, mostrando-se devidamente fundamentada a decisão quanto à matéria de facto e, não havendo violação de lei expressa que fixe a força probatória de determinado meio de prova, a matéria de facto dada por assente pela 2ª instância, não pode ser sindicada por este Supremo Tribunal. 2.) SABER DA VIOLAÇÃO DE DEVERES ACESSÓRIOS DE ACOMPANHAMENTO NO PÓS-OPERATÓRIO E DA CULPA DA LESADA. Inexiste controvérsia quanto à natureza da responsabilidade civil (contratual62 - art. 798.º e ss. do CC), ao tipo de contrato celebrado (contrato consensual de prestação de serviços médicos63 - art. 1154.º do CC, especificamente de intervenção cirúrgica plástica e estética64), à razão/fundamento da responsabilidade da sociedade clínica, em caso de responsabilidade do médico (por disponibilização das instalações e prestação de serviços de internamento, sendo a cirurgia assessorada por uma equipa cirúrgica da clínica)65. Não está em causa propriamente a má prática/negligência, por violação das legis artis, mas antes a violação do consentimento informado, que pode ocorrer, quer por falta de informação, quer por falta de consentimento, ou, por consentimento inválido e a eventual violação de deveres acessórios atinentes ao acompanhamento do paciente. O ponto primordial da controvérsia (no acórdão recorrido) reconduziu-se à violação do dever de informação. Dever de informação, esse, decorrente do princípio da boa-fé, do direito à autodeterminação do paciente na escolha dos cuidados de saúde e da circunstância de consentimento prestado sem prévio esclarecimento efetivo, não valer como consentimento informado (como bem se refere no acórdão recorrido, mobilizando o acórdão do STJ de 08-09-2020, proc. 148/14.4TVLSB.L1.S1, por referência ao art. 135.º da Lei n.º 117/2015, de 31 de Agosto, art. 5.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina ou Convenção de Oviedo, art. 157.º do CP, art. 44.º da CDOM, na Base XIV, n.º 1, al. e), da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, então em vigor revogada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de Setembro, e ao consentimento livre e esclarecido, art. 25.º da CRP, art. 5.º da referida Convenção, art. 45.º da CDOM, n.º 1 do art. 70.º do CC e na Base XIV, n.º 1, al. b) da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, então em vigor). Dever de informação que visa a proteção da autonomia da vontade (não apenas a integridade física), sendo que a sua violação consubstancia um ilícito autónomo, mesmo que não resulte que o paciente teria recusado o ato médico66. Não se logrou demonstrar, ante a matéria de facto provada e não provada, a prestação de informação sobre a técnica de lipofilling, nem outra leitura se apresenta possível/ fundada ante a matéria de facto provada e não provada, da qual consta apenas positivamente (provado) a prestação de informação quanto aos riscos de anestesia, lipoaspiração e blefaroplastia (facto n.º 166, alterado e aditado pela Relação). Exigir-se-ia um plus atinente à explicação do aumento do risco de infeção pela realização de técnica cirúrgica após a lipoaspiração, porquanto se esse aumento de risco é uma possibilidade e é associado a algo específico da intervenção proposta/projetada ao paciente, então, natural e normativamente o mesmo terá de ser informado (recorde-se que o conteúdo do dever de informação é elástico, devendo abranger o diagnóstico e as consequências do tratamento, as vantagens e os riscos; não se tratando, no caso, de mero detalhe, e/ou de uma situação de verificação excecional ou rara)67. Nessa exata medida, o consentimento prestado pela autora não foi esclarecido, não tendo a mesma sido advertida do aumento do risco de infeção pela realização da técnica de lipofilling após a lipoaspiração, estando-se, pois, perante uma violação ilícita do direito subjetivo à integridade física, ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação (arts. 25.º/1, 26.º/1 da CRPortuguesa e 70.º/1 do CCivil), violação, esta, culposa (art. 799.º do CC). Ou seja, inexiste dúvida quanto à verificação positiva da responsabilidade civil dos réus (médico e sociedade clínica). Efetuado o enquadramento, atentemos à posição da recorrente. A recorrente pretende a reposição de um dos fundamentos mobilizados pela primeira instância, entenda-se que, no caso judicando, se verifica a violação do dever de acompanhamento no pós-operatório e, desse modo, visa que não lhe possa ser imputada nenhuma conduta culposa, em termos de causalidade concorrente para o dano ou para o seu agravamento. A primeira instância enquadra normativamente a questão nos deveres acessórios de conduta – considerando a natureza do contrato, sendo que a “obrigação principal atrai para a sua órbita deveres acessórios, instrumentais ou complementares”68, referindo, em síntese, que: “(…) não se podem esquecer aqueles deveres laterais/acessórios que, já não dizendo diretamente respeito ao cumprimento da prestação ou dos deveres principais, se destinam à exata satisfação dos interesses globais envolvidos na relação obrigacional complexa. E cujo cumprimento decorre da boa fé imposta às partes no cumprimento/execução do contrato (art. 277º, do CCivil). Estes deveres têm vindo a ser subdivididos em deveres de cuidado, previdência e segurança, em deveres de aviso ou informação, em deveres de notificação, de cooperação e de proteção e cuidado relativamente à pessoa e ao património da outra parte. (…) (…) que se afigura indiscutível, face a tudo o que se expôs sobre esse tipo de deveres, que sobre o médico cirurgião assistia um dever acessório de acompanhamento subsequente à operação cirúrgica, tendo em vista assegurar, potenciar e propiciar a completa recuperação do paciente (…)”. E, na tentativa de assimilar o problema judicando, refere que:“(…) é na violação deste dever acessório de acompanhamento da autora no período que medeia entre a operação e a cura que se situa a ilicitude da conduta do réu”. Ou seja, deu como verificada a ilicitude da conduta por violação do dever acessório de acompanhamento no período que medeia entre a operação e a cura, ante a circunstância de o réu médico “(…) não [ter] toma[do] os atos necessários/adequados para evitar que a infeção evoluísse de tal forma, assumindo proporções de tal gravidade”. Correlativamente, considerou que a ilicitude não estaria afastada, por inexistir consentimento informado, ante a violação do dever de informação; ainda, a atuação culposa, desqualificando os atos praticados pelo réu cirurgião por os mesmos terem sido praticados apenas num estádio de grande gravidade da infeção. Já no acórdão recorrido conclui-se que os réus: “(…) cumpriram até num grau superior ao que lhes era exigível, com os seus deveres de zelo, diligência e de cuidado no pós operatório que sobre o Réu cirurgião impendia, atendendo a que se encontrava a 600 km de distância da sua paciente, por opção desta. (…) Os réus sempre se disponibilizaram e acompanharam o pós operatório da autora, à distância, respeitando a vontade da autora que foi a de fazer o pós operatório, com uma pessoa da sua confiança, na sua residência, a 600 km daqueles.” Os fundamentos mobilizados para tal conclusão reconduzem-se, em síntese, à valoração da escolha efetuada pela autora quanto ao regresso a Faro; da escolha de acompanhamento local, de forma privada, por pessoa de confiança da autora; da circunstância de o réu ter colaborado com a enfermeira à distância, enviando instruções e mantendo contacto permanente; da circunstância de a enfermeira fazer os tratamentos em casa da autora, em local limpo, mas não esterilizado nem asséptico; da extensa correspondência (e-mails e mensagens) entre o réu e a autora, solicitando fotografias e oferecendo apoio; da prescrição imediata de antibiótico, quando lhe foi comunicado o primeiro foco infecioso; da manutenção dos contactos para verificar os efeitos da medicação; da mensagem de 04-03-2016, que ao contrário do ajuizado pela primeira instância, não se apresenta irrelevante, traduzindo a vontade do médico, ao recomendar a consulta presencial e antibiótico injetável; da recusa da autora, da circunstância de o réu ter enviado o antibiótico injetável e da opção da autora na administração, em ambiente não asséptico, doméstico; da circunstância de o réu ter custeado a deslocação da autora, alojando-a, tratando-a. Que dizer? Eis que, em verdade, o problema radica na interpretação e na qualificação da matéria de facto, impondo-se distinguir a violação dos deveres de acompanhamento, da solução do problema (da infeção) verificado(a) por parte dos réus e, ainda, da culpa da lesada para o agravamento do problema verificado. Não está em causa o seguimento pós-cirúrgico (factos provados n.º 17 e 22), nem a circunstância de a autora ter saído das instalações da ré só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação (facto provado n.º 147), que a mesma procurou cumprir (facto provado n.º 29). Contudo, hiperboliza-se a escolha da autora por regressar a Faro, olvidando-se que o réu não deu indicações à autora de que necessitaria de repouso e de que não poderia aí regressar de comboio (facto provado n.º 26) – situação, esta, que causou dores à autora (facto provado n.º 28); ainda, vejam-se factos não provados n.º 150 e 151. De igual modo, extrai-se da opção da autora por acompanhamento local, de forma privada, por pessoa de confiança (facto provado n.º 29), que tal acompanhamento não seria idêntico ao de uma enfermeira escolhida pelos réus, o que não resulta da matéria de facto, sendo certo que não é uma consequência lógica, fáctica ou necessária daquela circunstância (e se assim fosse, olvida-se que os réus não desaconselharam ou não esclareceram a autora das consequências da sua escolha). Provou-se, no entanto, que a autora deveria ter sido encaminhada pelo réu para um centro hospitalar público ou privado (facto provado n.º 92), o que não ocorreu. E, aqui, radica a violação do dever de acompanhamento, sobretudo no seu momento inicial, por não ter o réu, no âmbito das suas funções, explicado à autora qual seria a melhor opção e/ou as consequências da escolha efetuada. Tal não significa que tal violação do dever de acompanhamento se tenha mantido durante todo o período, nem permite concluir, como faz a primeira instância, que o réu cirurgião “(…) [se tenha contentado] em ir presta[r] assistência à distância, aumentando a carga antibiótica”. Com efeito, na tentativa de solucionar a infeção, os intervenientes (autora, enfermeira e réu cirurgião) estiveram em contacto permanente, com avaliação dos sintomas, administração de antibióticos e emissão de instruções, não obstante a distância geográfica entre a clínica/médico e a autora. Tal resulta da extensa correspondência (e-mails e mensagens), da solicitação de fotografias, da disponibilização de apoio, da prescrição imediata de antibiótico, da manutenção de contactos para verificar os efeitos da medicação, da mensagem de 04-03-2016 e, por fim, do facto de o réu ter custeado a deslocação da autora, alojando-a e tratando-a. Aqui, sim, a distância geográfica funda a razoabilidade das recomendações dadas pelo médico quando surgiram complicações no pós-operatório, não se tendo este demitido do acompanhamento, o que evidencia zelo. A pretendida violação do deveres acessórios de acompanhamento apresenta-se residual, sobretudo a montante (por não se ter aconselhado a autora a não realizar a viagem, por não se ter elucidado das respetivas consequências, por não ter sido encaminhada para um centro hospitalar). No mais, não se encontra razão suficiente fáctica ou normativa, pois não estamos perante má prática (prática negligente), desconforme às legis artis e/ou ao dever de cuidado que se impunha, considerando as obrigações profissionais e regras de conduta próprias dos médicos (v.g. art. 4.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina). A ilicitude primordial da atuação do réu cirurgião radica na violação do dever de informação e na falta de consentimento informado; quanto ao dever de acompanhamento, é certo que se exigiria um plus, mas tal não pode permitir descaracterizar a suficiência do tratamento/apoio/acompanhamento dado perante a infeção de que a autora padeceu. Posto isto, E quanto ao comportamento da própria lesada? O acórdão recorrido considerou que a autora contribuiu com o seu comportamento para o agravamento da infeção: “(…) a autora não cumpriu com o seu dever, enquanto paciente, de zelar pelo seu estado de saúde, ao recusar injustificadamente, em face da progressão da infeção e da evidente degradação do seu estado de saúde, ser assistida por um médico, (particular ou colocado á sua disposição pelo Serviço Nacional de Saúde, face à situação económica que invocou), pese embora, note se, ter sido aconselhada a procurar ajuda médica próxima, pelas suas amigas, tal como estas relataram nos seus depoimentos, as quais assistiram preocupadamente à degradação da sua saúde. Com efeito, de acordo com os depoimentos das amigas da autora (sendo uma familiar médica), esta recusou sempre atender aos seus conselhos de procurar ajuda médica em Faro, porque entender que o médico dela (que note se encontrava se fisicamente distanciado a 600 Km de distância, assim como a clínica onde aquele a poderia tratar), é que tinha a obrigação de a curar. Estamos perante um comportamento negligente da autora, pois aquela demonstrou uma incúria e uma falta de cuidado, cuidado esse que lhe era exigível em face daquelas particulares circunstâncias, podendo e devendo ter adotado um outro comportamento, que teria evitado uma progressão tão nefasta da infeção que desenvolveu no período pós operatório, causadora dos danos de que pretende ora ser ressarcida. (…) Do exposto resulta que, foi a falta de colaboração da autora, recusando o regresso à clínica no Porto, onde tinha sido operada, tendo o médico entendido que devia ser aí tratada, em meio hospitalar, numa altura em que o processo infecioso era incipiente (apenas numa das nádegas, que depois se estendeu às outras áreas do corpo intervencionadas) podendo facilmente ser sustado, insistindo em continuar a ser tratada por uma enfermeira, que exercia a sua atividade profissional em local que não reunia condições asséticas comparáveis com as que podiam ser fornecidas pelos réus, recusando ainda, já num estado grave da situação infeciosa procurar ajuda médica próxima de si, quando era visível para si e para todos os que com ela conviviam a degradação da sua saúde em consequência da infeção, que se veio a alastrar para outra partes do corpo da autora intervencionados, contribuiu sem dúvida, para um agravamento dos danos. É aliás significativo, em face da matéria provada que, uma infeção que poderia ter sido contida, inicialmente com um antibiótico injetável, ministrado em condições hospitalares, como foi inicialmente sugerido pelos réus à autora, só tenha sido possível de ser contido, após regresso (“algo forçado”) da autora à clínica, submetendo se esta a 16 dias de limpeza cirúrgica diária, no bloco operatório, com sedação da paciente e antibioterapia procedimentos devidamente discriminados no relatório médico junto aos autos e confirmado pelos réus. (…) o agravamento dos danos ter sido causado pelo comportamento negligente e como tal culposo, da paciente (…). A autora rejeita este entendimento, reiterando que não contribuiu para a produção ou agravamento de um resultado clínico danoso. Qual o juízo que se impõe? Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída – art. 570º/1, do CCivil. O critério normativo exige condutas causalmente concorrentes para o evento lesivo ou para o agravamento dos danos; concausalidade, essa, não fundada numa averiguação condicionalista, mas no juízo sobre a adequação, ou não, da conduta para certo resultado (repita-se, dano ou agravamento)69. A culpa do lesado funciona ao nível da fundamentação da responsabilidade, ante um critério de imputação e causalidade70. E, aqui, concorda-se com a recorrente, porquanto a interpretação/qualificação da matéria de facto não evidencia qualquer comportamento culposo da autora, nem que o mesmo se apresente causa adequada para o agravamento dos danos. Ao contrário do pugnado no acórdão recorrido, a escolha/ opção da distância geográfica per si nada implica/significa, porquanto se é certo que a autora optou nesse sentido, verifica-se que o réu não a contrariou nem a aconselhou em contrário; a escolha/opção de enfermeira de confiança, identicamente, nada implica/significa; exigir-se-ia a demonstração que tal acompanhamento por enfermeira escolhida pelos réus seria melhor e/ou o acompanhamento feito potenciou a infeção, o que, perscrutada a matéria de facto, não resulta. Mais, refere-se que a autora não seguiu as recomendações pós-operatórias, contudo a matéria de facto não o indica (vejam-se os factos não provados n.º 158 a 160); resulta, sim, que a autora, a enfermeira e o médico estiveram em contacto permanente. Resta a imputada recusa, a circunstância de a autora se ter recusado a seguir as orientações do réu cirurgião, especificamente quanto à viagem sugerida à clínica. Conjugando os factos provados n.º 36 a 57 – período entre 4 e 9 de março de 2016 – não resulta demonstrada qualquer recusa da autora – o que se apresentaria essencial para a conclusão extraída pela Relação -, resulta, sim, que a autora terá assinalado ter dificuldades financeiras para a realização de uma viagem. Uma coisa não significa nem implica facticamente a outra, sendo certo que a administração de antibiótico foi efetuada pela enfermeira (factos provados n.º 39 e 40), sem que se tenha demonstrado que tal administração foi efetuada de forma errada e/ou tenha provocado/potenciado a infeção (para tanto, exigir-se-ia um plus) – e, aqui, a mera circunstância de o acompanhamento ser efetuado em casa e não num hospital não implica necessariamente tal facto/tal conclusão [trata-se de uma hiperbolização da diferença entre acompanhamento doméstico e acompanhamento hospitalar, sem que tal resulte da matéria de facto; a que acresce que, a ser assim, o próprio réu cirurgião não desaconselhou a administração do antibiótico do referido modo, por tal não resultar da matéria de facto provada – repita-se que se logrou demonstrar deveria ter sido encaminhada pelo réu para um centro hospitalar (facto provado n.º 92)]. Acresce que não se vislumbra qualquer violação por parte da autora dos deveres acessórios71 (ante a sua qualidade de paciente) no âmbito da relação médico-paciente, v.g. violação do dever de cooperação. Não se verificando qualquer concausalidade, qualquer conduta da lesada para o dano verificado ou para o seu agravamento, queda prejudicada a mobilização do art. 570.º do CCivil, não se impondo a apreciação de qualquer redução ou exclusão, total ou parcial, da indemnização a cargo dos réus, perante a sua responsabilidade civil. Não se impondo a redução, o montante indemnizatório foi fixado com recurso à equidade72. O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC73,74. Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º/3, do CCivil75. Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos, de acordo com o que tem constituído a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça76. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável. Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade77,78,79. Assim, conforme jurisprudência uniforme, não cabe ao STJ sindicar os valores exatos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados, isto porquanto um juízo de equidade não se funda na aplicação de um estrito critério normativo, mas antes na ponderação das particularidades e especificidades do caso judicando, e, nessa exata medida, não integra a resolução de uma questão de direito, razão pela qual o juízo prudencial e casuístico deve, em princípio, ser mantido. Apenas caso o julgado, dentro da margem da discricionariedade consentida, se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende serem aplicáveis, é que se impõe a respetiva correção, em ordem e em função do princípio da igualdade (que é o fundamento motriz da analogia), do princípio da proporcionalidade e por se pretender que se adotem critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados. A primeira instância fundamentou-se o montante indemnizatório com base nas seguintes circunstâncias: “Qu[e] a autora foi objeto (…) de uma gravíssima infeção, cujo tratamento foi complexo, prolongado e muito doloroso. Que no dia 13-04-2016 o réu cirurgião pergunta à autora se “…fuiste Al ginecólogo?”, ao que a autora responde “Olá, sim jah fui. Vou fazer uma ecomamaria. Receitou m ananase. Qdo tiver resultado volto para continuar a observacao”, e termina dizendo “Fiquei desolada quando vi para alem da cicatriz a diferença de tamanho entre as mamas”, (conforme documento 19 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido). Que, em 22-04-2016, a autora envia comunicação electrónica de onde consta “Hoje retirei os restantes pontos (…) É igualmente dia do m aniversário e não paro de chorar qdo olho para as suturas das nadegas e do peito. Nem consegui vestir uma blusa um pouquinho degotada…”, enviando as fotografias 28 e 29 que integram o documento 22 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido. Que, em 28-04-2016, a autora envia nova comunicação electrónica ao réu cirurgião, informando-o que dá “…Graças a Deus por ter sobrevivido, mas não resisti ah depressao …”, ao mesmo tempo que junta novas fotos que reflectem as sequelas com que ficou, (fotografias 30, 31 e 32 que integram o documento 23 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido). Tendo a autora sentido ansiedade e mergulhado num quadro depressivo após a realização da operação cirúrgica. Sendo que, em 16-05-2019, na sequência de várias consultas de psiquiatria a que se submeteu, na Clínica Lusíadas, em Faro, foi-lhe diagnosticado um “…quadro depressivo reativo a cirurgia plástica mal sucedida, com varias complicações e sequelas físicas graves, sentindo-se mutilada”. Causa-lhe sofrimento não poder vestir uma peça de roupa mais degotada. E, desde que foi operada, que evita ir à praia e vestir um biquíni que sempre usou desde muito nova, causando-lhe grande perturbação psicológica e desconforto. As cicatrizes que fecharam por segunda intenção, formaram grande contracção cutânea dos músculos glúteos. Teve constantes dores e esteve sem posição postural para dormir, atendendo ao período de tempo decorrido desde a data da intervenção cirúrgica, até a data da cura/ consolidação, médico-legal. Em 05-07-2016, queixava-se que se sentia mutilada, por ter sinais muito visíveis a nível do peito e nádegas e que sentia-se muito desconfortável pelas marcas físicas que ostentava, com retracção e inibição no envolvimento afetivo e sexual. Atualmente e por força da infeção decorrente da cirurgia aqui em causa a autora apresenta a nível do tórax, assimetria mamária com hipotrofia da glândula mamária direita ligeira, cicatrizes operatórias da parte superior da glândula mamária direita com 3cm e outra 2 da região inframamária bilateral de 1,5 cm e cicatriz intermamária transversal de 3*3 cm. A nível do abdómen, cicatriz supra umbilical operatória de 2 cm vertical e sem aparente deformidade da parede abdominal. E a nível das nádegas, dismorfia da nádega de maior dimensão do lado direito com depressão central até ao sulco inter nadfegueiro e cicatrizes operatórias da nádega esquerda com 10 cm e de forma irregular e duas cicatrizes na nádega direita na sua porção média de 2 e 3 cm, respectivamente, sem áreas ulceradas e/ou dolorosas embora deprimidas na sua porção central de predomínio direito. O período durante o qual a autora, ainda com limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das actividades da vida diária, familiar e social), é fixável num período de 52 dias (entre 26.03.2016 e 16-05-2016). O quantum doloris que padeceu é fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efectuados. A autora sente-se incomodada perante a família e pelo facto de estar num meio pequeno em que as coisas se sabem com facilidade. À data de propositura da acção ainda padecia de síndrome depressivo e não se sente bem dentro do seu próprio corpo que sempre apreciou, o que lhe traz muito sofrimento emocional e stress. Sentiu-se enganada em todo este processo, na medida em que, desde o primeiro contacto com o réu cirurgião, em Faro no dia 2016-02-12, que este se apresentou como “médico especialista em cirurgia plástica e estética”. Sendo possível que, no futuro a autora não consiga vir a ter uma vida afectiva e sexualmente saudável, como acontecia no passado em termos da sua fruição.” Sopesando-se crítica e reflexivamente as especificidades do caso judicando - a infeção, “gravíssima, com tratamento complexo, prolongado e doloroso”, o respetivo resultado, as restrições comportamentais descritas e os estados subjetivos em causa (v.g. factos provados n.º 43, 69, 71 a 74, 76 a 79, 80 e 81, 83, alínea a) a c), 84 a 91) - conclui-se não estarmos perante uma hiperbolização de perceção subjetiva da lesada, pois os danos assumiram a gravidade requerida normativamente. Correlativamente, sopesando-se a particularidade do dano estético, as dimensões da personalidade humana afetadas e o impacto negativo nas condições de existência da autora enquanto pessoa, não se vislumbra razão suficiente, fáctica ou normativa (v.g. violação do princípio da igualdade ou da proporcionalidade80), ante a respetiva adequação e os parâmetros de que se valeu a primeira instância, para alteração do montante indemnizatório aí fixado. Concluindo, afigura-se-nos equitativamente adequada, equilibrada e justa uma compensação no valor de 65 000,00 € (sessenta e cinco mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais. Destarte, procedendo o recurso de revista, há que revogar a sentença proferida pelo tribunal a quo e, consequentemente, repristinar a sentença do tribunal de 1ª instância que condenou os réus no pagamento à autora da quantia de 65 000,00€ (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a data dessa decisão e até efetivo e integral pagamento. 3. DISPOSITIVO 3.1. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em: a) Não admitir, por inadmissibilidade legal, o recurso de revista (subordinado) interposto pelos réus, BB e Centro de Cirurgia Estética Avançada Dr. Enrique Sanz Guardo, Lda; b) Conceder provimento ao recurso de revista (independente) e, consequentemente, em revogar-se o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença do tribunal de 1ª instância que condenou os réus, BB e Centro de Cirurgia Estética Avançada Dr. Enrique Sanz Guardo, Lda, solidariamente, no pagamento à autora da quantia de 65 000,00€ (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a data dessa decisão e até efetivo e integral pagamento. 3.2. REGIME DE CUSTAS Custas81 nos recursos de revista (independente e subordinado) pelos recorridos/réus (na vertente de custas de parte, por outras não haver), porquanto a elas deram causa por terem ficado vencidos. Lisboa, 2025-11-1182 (Nelson Borges Carneiro) – Relator (Jorge Leal) – 1º adjunto (Henrique Antunes) – 2º adjunto ________________________ 1. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503. 2. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795. 3. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil. 4. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-11-13, Relator: ACÁCIO DAS NEVES, http://www.dgsi.pt/jstj. 5. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-03-10, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj. 6. Diário da República n.º 21/2020, Série I de 2020-01-30. 7. O princípio da igualdade das partes justificaria que, por paralelismo com a irrelevância da sucumbência da parte, a revista subordinada não pudesse ser impedida pelo regime da dupla conforme e, portanto, que talvez se impusesse uma interpretação atualista da norma reguladora da admissibilidade do recurso subordinado, que não exclui, como devia todos os atuais filtros do recurso de revista (art.ºs 633.º, n.º 5, e 671.º n.º 3, do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-10-01, Relator: HENRIQUE ANTUNES, Processo: 25052/20.3T8LSB.L1.S1. 8. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Dupla conforme, critério e âmbito da conformidade, CDP, 21 (2008), pp. 21 e ss.; ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Coimbra, 2022, p. 437; JOÃO DE CASTRO MENDES/MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL, 2022, p. 196; FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 579; diferentemente, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, CPC Anotado, Vol. 3.º, Almedina, p. 209, e RUI PINTO, Repensado os requisitos da dupla conforme (artigo 671.º, n.º 3, do CPC), Julgar, Online, Novembro de 2019, p. 4. 9. Tendo a primeira instância julgado totalmente improcedente o pedido reconvencional, se a Relação, no âmbito de recurso de apelação interposto pelo réu, tiver julgado parcialmente procedente a reconvenção, está vedada ao réu reconvinte a interposição de recurso de revista pela via do art. 721º, apenas sendo admissível nos termos previstos pelo art. 721º-A do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-10-30, Relator: ABRANTES GERALDES, https://www.dgsi.pt/jstj. 10. No caso dos autos, na parte em que a decisão da Relação difere da decisão da 1.ª instância, tal decisão é mais favorável ao recorrente pelo que, de acordo com a orientação consolidada da jurisprudência do STJ, ocorre quanto a ela o obstáculo da dupla conforme previsto no n.º 3 do art. 671.º do CPC. – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-09-12, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, https://www. dgsi.pt/jstj. 11. Não é admissível recurso de revista nos casos em que o acórdão da Relação confirme sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a decisão produzida pelo primeiro grau, cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC. Embora a matéria de facto tenha sido alterada, assim como a taxa de juros, a qual passou de 4% para 2%, mantem-se a conformidade das decisões – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-03-15, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, https://www.dgsi.pt/jstj. 12. Sempre que a Relação pronuncie uma decisão que é mais favorável ao apelante – tanto no aspeto quantitativo, como no aspeto qualitativo – do que a decisão proferida pela 1.ª instância, está-se perante duas decisões conformes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-01-12, Relator: VIEIRA E CUNHA, https://www.dgsi.pt/jstj. 13. Na hipótese em que o acórdão recorrido se traduz, por cotejo com a sentença da 1.ª instância, numa situação qualitativa ou quantitativamente mais favorável ao recorrente (o que implica uma redução da sucumbência), é de considerar, por coerência na interpretação do conceito de dupla conforme, que o acórdão da Relação não admite recurso de revista. É que, se as decisões fossem integralmente sobreponíveis, não admitiria igualmente recurso – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-12-14, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, https://www.dgsi.pt/jstj. 14. Verificando-se que o autor obteve decisão (acórdão) que lhe é mais favorável do que se fosse confirmação integral da sentença, conforme entendimento quer a doutrina, quer a jurisprudência, em situações como a que se verifica nos autos há dupla conforme, para efeitos do previsto no art. 671º, nº 3 do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-10-07, Relator: JORGE DIAS, https://www. dgsi.pt/jstj. 15. Existe dupla conformidade entre as decisões das instâncias sempre que o Apelante obtém uma decisão que lhe é mais favorável, quantitativa ou qualitativamente, posto que não faria sentido que o mesmo ficasse impedido de lançar mão da revista normal caso o TR houvesse confirmado integralmente o decidido pela 1.ª instância e que já o pudesse fazer numa situação em que obteve melhor resultado – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-10-19, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, https://www.dgsi.pt/jstj. 16. É de equiparar à dupla conforme os casos em que o acórdão recorrido, não sendo inteiramente coincidente com a decisão da 1.ª instância, divirja dela em sentido mais favorável ao recorrente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-17, Relator: FERNANDO SAMÕES, https://www.dgsi.pt/jstj. 17. Há dupla conforme impeditiva de recurso de revista se o apelante obteve na Relação uma decisão que lhe é mais favorável, tanto no aspeto quantitativo, como no aspeto qualitativo, do que a decisão proferida pela 1ª instância – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-05-24, Relatora: ROSA RIBEIRO COELHO, https://www.dgsi.pt/jstj. 18. Na parte em que a decisão da Relação difere da decisão da 1.ª instância, tal decisão é mais favorável ao recorrente pelo que, de acordo com a orientação consolidada da jurisprudência do STJ, ocorre quanto a ela o obstáculo da dupla conforme previsto no n.º 3 do art. 671.º do CPC. – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-12-09, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, https://www.dgsi.pt/jstj. 19. Verifica-se uma dupla conformidade decisória em ambas as instâncias, sem embargo da diferente quantia em que veio a ser condenada a Ré/Recorrente, se a mesma foi beneficiada em segundo grau – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-03-12, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, https://www.dgsi.pt/jstj. 20. Ocorrendo, num litígio caracterizado pela existência de um único objeto processual, uma relação de inclusão quantitativa entre o montante arbitrado na 2.ª instância e o que foi decretado na sentença proferida em 1.ª instância, de tal modo que o valor pecuniário arbitrado pela Relação já estava, de um ponto de vista de um incontornável critério de coerência lógico-jurídica, compreendido no que vem a ser decretado pelo acórdão de que se pretende obter revista, tem-se por verificado o requisito da dupla conformidade das decisões, no que respeita ao montante pecuniário arbitrado pela Relação, não sendo consequentemente admissível o acesso ao STJ no quadro de uma revista normal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-02-22, Relator: LOPES DO REGO, https://www.dgsi.pt/jstj. 21. Tendo a primeira instância julgado totalmente improcedente o pedido reconvencional, se a Relação, no âmbito de recurso de apelação interposto pelo réu, tiver julgado parcialmente procedente a reconvenção, está vedada ao réu reconvinte a interposição de recurso de revista pela via do art. 671º, apenas sendo admissível nos termos previstos pelo art. 7672º – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 579. 22. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-10-30, Relator: ABRANTES GERALDES, https://www.dgsi.pt/jstj. 23. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-11-13, Relator: ACÁCIO DAS NEVES, http://www.dgsi.pt/jstj. 24. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 785. 25. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, anotada, 1º vol., 4ª ed., p. 415. 26. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 457. 27. ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 18. 28. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 458. 29. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 458. 30. A fixação de condições objetivas (valor da alçada, valor da sucumbência) à admissibilidade do recurso não viola a Constituição que não consagra o direito ao recurso como absoluto – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-03-08, Relator: HENRIQUE ARAÚJO, Revista: 952/ 17.1T8VNF-B.G1.S1. 31. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 458. 32. Ac. do Tribunal Constitucional nº 361/2018, Relatora: CATARINA SARMENTO E CASTRO, http://www.tribunalconstitucional.pt/ tc/acordaos/20180361.html. 33. LOPES DO REGO, O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, p. 764. 34. Aditado aos factos provados pelo Tribunal da Relação e eliminado dos factos não provados. 35. Alterado e aditado aos factos provados pelo Tribunal da Relação. 36. O Tribunal da Relação considerou o facto como provado e eliminou-o dos factos não provados. 37. O Tribunal da Relação eliminou-o dos factos não provados e aditou-o aos factos provados. 38. Alterado pelo Tribunal da Relação. 39. O Tribunal da Relação eliminou-o dos factos não provados e aditou-o aos factos provados. 40. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil. 41. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 849. 42. O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista que, salvo nos casos excecionais contemplados no nº 3 do artigo 674º do CPC, aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, consistindo as exceções referidas “na ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”, como dispõe o nº 3 do artigo 674º do C.P.C. (prova vinculada) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj. 43. Os poderes do STJ, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (art. 682º, nº 1, do NCPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e modificabilidade da decisão sobre tal matéria. Esta restrição, contudo, não é absoluta, como decorre da remissão que o nº 2 do art. 682º faz para o art. 674º, nº 3, do NCPC, norma que atribui ao Supremo a competência para sindicar o desrespeito de lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-09-15, Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS, http://www.dgsi.pt/jstj. 44. O STJ, e salvo situações de exceção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-07-12, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http://www.dgsi.pt/jstj. 45. Os poderes do STJ em sede de apreciação/alteração da matéria de facto são muito restritos, cingindo-se às hipóteses contidas nos arts. 722.º, n.º 2, e 729.,º, n.ºs 2 e 3, do CPC, das quais fica excluído o erro na análise das provas livremente apreciáveis pelo julgador – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-10-24, Relator: JOÃO TRINDADE, http://www.dgsi.pt/jstj. 46. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 594. 47. O STJ só pode conhecer da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto se estiver em causa ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.s 729.º, n.º 2 e 3 e 722.º, n.º 2, do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-12-05, Relator: MÁRIO PEREIRA, http://www.dgsi. pt/jstj. 48. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto é residual, sendo apenas admissível no recurso de revista apreciar a (des)conformidade com o Direito probatório material, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, e o modo de exercício, pelo Tribunal recorrido, dos poderes-deveres que lhe são atribuídos pelo artigo 662.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-14, Relatora: CATARINA SERRA, http://www.dgsi.pt/jstj. 49. Face ao disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC, a intervenção do STJ, no que concerne ao controlo da decisão da matéria de facto, circunscreve-se a aspetos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pelas instâncias – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-24, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, http://www.dgsi.pt/jstj. 50. No domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o n.º 3 do artigo 674.º do CPC, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-20, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi. pt/jstj. 51. Sempre que essa reapreciação é feita e se move no domínio da livre apreciação da prova, na qual a lei não prescreve juízos de prioridade de certos meios de prova sobre outros, sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, e cumprindo o dever de fundamentação especificada e motivação crítica que os nºs 4 e 5 do art. 607º do CPC e os princípios reitores do art. 662º, 1, do CPC impõem, essa atuação é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662º, 4, e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-11-02, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj. 52. A matéria de facto é, em princípio, da exclusiva competência das Instâncias, porém, face ao disposto no art. 674.º/3/2.ª parte do CPC, o STJ não está totalmente tolhido no que diz respeito ao controlo da decisão da matéria de facto, ainda que aqui a sua intervenção se circunscreva a aspetos em que se haja verificado a violação de normas de direito probatório; ou em relação a factualidade plenamente provada (por documento ou confissão) que assim não foi considerada pelas Instâncias ou a factualidade que o confronto dos articulados revele a existência de acordo das partes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-11-02, Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS, http://www.dgsi.pt/jstj. 53. A força atribuída pelo art. 376.º, n.º 1 do CC às declarações documentadas limita-se à sua materialidade e não à sua exatidão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-10-24, Relator: JOÃO TRINDADE, http://www.dgsi.pt/jstj. 54. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 594/95. 55. O Supremo Tribunal de Justiça só pode censurar as respostas dadas à matéria de facto pelas instâncias quando esteja em causa a violação de regras legais sobre direito probatório material. Daí que não possa censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre, a que alude o n.º 1, do art. 655.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-07-12, Relator: MÁRIO PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj. 56. A fixação dos factos baseados em meios de prova livremente apreciados pelo julgador está fora do âmbito do recurso de revista – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-11-29, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http://www.dgsi.pt/jstj. 57. Sempre que essa reapreciação foi feita sem omissão ou lacuna e se move no domínio da livre apreciação da prova, sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, e ainda que a dispensa de realização de novas diligências probatórias se encontra justificada e coerente, essa atuação regida pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662º, 4, e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-10-17, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj. 58. Está fora das atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação, fora dos limites do art.º 674.º, n.º 3, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj. 59. Como decorre do n.º 3 do artigo 674.º o objeto do recurso de revista não abrange o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais na causa quando está em jogo prova sujeita à livre apreciação do Tribunal da Relação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: JÚLIO GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj. 60. O STJ, na qualidade de tribunal de revista, só conhece de matéria de direito, não lhe sendo lícito interferir no juízo decisório empreendido pela Relação com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-14, Relator: RIJO FERREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj. 61. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão da matéria de facto está limitada às situações ínsitas nos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 3, do CPC, donde se exclui a possibilidade de interferir no juízo firmado pela Relação com base na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-11-30, Relator: FERNANDO BAPTISTA, http://www.dgsi.pt/ jstj. 62. É consabida a sobreposição dos pressupostos, sendo o regime da responsabilidade contratual mais favorável ao lesado e mais conforme ao princípio geral da autonomia privada, v., entre outros, o acórdão do STJ de 01-10-2024, proc. 26936/15.6T8PRT.P2.S2. 63. Embora não seja um tipo legal, é um tipo social e nominado, um contrato socialmente típico, cfr. Ferreira de Almeida, Os contratos civis de prestação de serviço médico, in Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, 1996, p. 99 e ss.; bem como, por todos, veja-se a caracterização efetuada por Dias Pereira, Direito dos pacientes e responsabilidade Médica, Coimbra, 2015, pp. 670 a 677. 64. A propósito da caracterização da natureza da obrigação no âmbito da cirurgia estética e da correlativa importância do resultado, veja-se, exemplarmente, acórdão do STJ de 02-12-2020, proc. 359/10.1TVLSB.L1.S1. 65. Sobre as relações polimórficas entre clínica, médico e paciente, por todos, Ferreira de Almeida, ob. cit., pp. 684 a 696. 66. Muito embora, naturalisticamente, não tenha sido a falta de informação que provocou “a lesão do nervo lingual direito” e demais danos que vêm provados, nem se tenha provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respetivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado, a perspetiva jurídica correta para avaliar da existência do direito a uma indemnização, no caso concreto, é antes a de determinar se deve ser ressarcido o concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências. Tal perda de oportunidade, em si mesma, enquanto dano causado pela falta de informação devida é, em abstrato, suscetível de ser indemnizada, tendo a sua proteção como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da CRP e art. 70.º, n.º 1, do CC), incluindo-se no seu conteúdo, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. n.º 2 do art. 70.º e art. 81.º do CC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-11-02, Relatora: PRAZERES PIZARRO BELEZA, Processo: 23592/11.4T2SNT.L1.S1, https://www.dgsi. pt/jstj. 67. Em especial quanto à problemática do esclarecimento dos riscos da intervenção, veja-se Dias Pereira, O consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de direito civil, Coimbra Editora, 2004, pp. 243 e ss.; idem, O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica in Responsabilidade Civil dos Médicos, Coimbra, 2005, em especial, pp. 439 a 457. 68. Ferreira de Almeida, ob. cit., pp. 112 e ss., especificando a natureza negativa (omissões) e positiva do dever, em que se inserem, v.g. “(…) Deveres de comunicação – de informação sobre a situação clínica, sobre as alternativas de tratamento e os riscos que envolvem (…); (…) de conselho (…).” 69. Veja-se Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, Coimbra, 1987, pp. 587-588, onde se refere que: “para que o tribunal goze da faculdade conferida no n.º 1, é necessário que o ato do lesado tenha sido umas das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente (cfr. art. 563.º). Deve, além disso, o lesado ter contribuído com a sua culpa para o dano.”; e Brandão Proença, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2018, p. 579: “a norma exige não só a presença de duas condutas culposas mas que tenham sido causalmente concorrentes para o evento lesivo ou para o agravamento dos danos”; no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 19-04-2018, proc. 595/14.1 TVLSB.L1.S1, onde se afirma que: “para efeitos de repartição da responsabilidade entre o agente e o lesado, a conduta ilícita e culposa imputada a este se mostre causal da produção do acidente, à luz da consabida teoria da causalidade adequada, ou seja, que se revele como causa típica desse resultado. Para tanto (…) importa, desde logo, ter presente a norma estradal violada e o respetivo âmbito de proteção e, nessa base, averiguar se o risco abstratamente ali prevenido se concretizou no resultado ocorrido” 70. Por todos, Miranda Barbosa, Reflexões em torno do artigo 494.º CC, in Revista de Direito da Responsabilidade – Ano 2 – 2020, publicação on-line, p. 852, nota 78. 71. Ferreira de Almeida, ob. cit., p. 115. 72. Veja-se, o acórdão de 14-12-2021, proc. 711/10.2TVPRT.P1.S1. 73. MARIA MANUEL VELOSO, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542. 74. O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é o da equidade, a qual operará dentro dos limites que tiverem sido dados por provados pelo tribunal (art. 566º, nº 3), sendo atendíveis o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e do titular do direito à indemnização (artigo 496º, nº 4), bem como quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram (como se extrai da remissão para o artigo 494º), critério geral aplicável a quaisquer danos desta natureza, independentemente da fonte da obrigação de indemnizar – BRUNO BOM FERREIRA, Dano da morte: Compensação dos danos não patrimoniais à luz da evolução da conceção de família, pp. 101/02. 75. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, p. 577 e, ANA PINHEIRO LEITE, A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais, FDUNL, Lisboa, 2015. 76. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-20, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj. 77. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-05-11, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj. 78. Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio» – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-10-28, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj. 79. A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-25, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, http://www.dgsi.pt/jstj. 80. Veja-se, o acórdão do STJ de 02-12-2020, proc. 359/10.1TVLSB.L1.S1, o qual, atendendo à gravidade do caso aí tratado (grau máximo do dano estético, na zona do rosto), pode, por maioria de razão, servir como limite superior indemnizatório. 81. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14, Relator: VÍTOR GOMES e, nº 708/2013, de 2013-10-15, Relatora: MARIA JOÃO ANTUNES, https://www.tribunalconstitucional. 82. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |